Leituras e espiritualidade das Ordens Militares - Portugal medieval

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LEITURAS E ESPIRITUALIDADE NAS ORDENS MILITARES NO PORTUGAL MEDIEVAL

Saul António Gomes (Universidade de Coimbra)

1— Quero agradecer à Comissão Organizadora o amável convite para participar neste VI Encontro sobre Ordens Militares. O tema que me solicitaram que abordasse, em torno das leituras de espiritualidade dos monges e cavaleiros, apresenta algumas dificuldades e condicionantes. As primeiras entroncam no facto, já aqui discutido, aliás, em ocasiões anteriores, de as fontes que nos chegam para elucidação do assunto serem relativamente escassas, particularmente para o território português, para além de só em épocas tardias adquirirem expressão e escala de conteúdos significativos de um ponto de vista heurístico1. Há que reconhecer que as fontes diplomáticas mais comuns, como cartas de doação, testamentos ou contratos, produzidas no seio das complexas chancelarias das ordens militares, contêm elementos úteis ao reconhecimento das noções religiosas dos freires e de todos quantos com eles se relacionavam nesses tempos distantes2. _______________________________________________ 1

Vd. OLIVEIRA, Luís Filipe, “Para o estudo da religiosidade dos freires: as fontes e alguns problemas”, em FERNANDES, Isabel Cristina (coord.), Ordens Militares e Religiosidade. Homenagem ao Professor José Mattoso, Município de Palmela / Geosos, Palmela, 2010, p. 23-30. 2 Cf. GOMES, S. A, “Monges e cavaleiros no Portugal medieval: os horizontes espirituais”, em FERNANDES, Isabel Cristina (coord), Ordens Militares e Religiosidade…, cit., pp. 31-50. No actual estado dos nossos conhecimentos, devemos reconhecer que as práticas de escrita, no seio das ordens militares medievais, eram uma realidade. Vd. FOREY, Alan, “Culture écrite”, em BÉRIOU, Nicole e JOSSERAND, Philippe, Prier et combattre. Dictionnaire européen des ordres militaires au Moyen Âge, Librairie Arthème Fayard, Paris, 2009, pp. 284-287. Para a Ordem do Templo, em território português, podemos de falar de uma chancelaria caracterizada por elevados padrões de exigência redaccional. Vd. GOMES, S. A., “Observações em torno da chancelaria da Ordem do Templo em Portugal”, em FERNANDES, Isabel Cristina (coord.), As Ordens Militares e as Ordens de Cavalaria entre o Ocidente e o Oriente. Actas do V Encontro sobre Ordens Militares,

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Mas é um facto, também, que, para Portugal, estamos longe de conhecer a vida espiritual ou as práticas litúrgicas seguidas nas casas destas Ordens uma vez que, este tipo de informação se poderia recolher, sobremodo e privilegiadamente, em manuscritos como missais, rituais, breviários, colectários, leccionários, ordinários, hinários, antifonários, sacramentais, sermonários e hagiografias, entre outros códices litúrgicos e normativos, outrora existentes nas bibliotecas destas casas. Os inventários que nos chegam, de finais do século XV e de inícios do XVI3, arrolam numerosos livros litúrgicos, mas são necessárias pesquisas mais profundas para detectar e inventariar, em bibliotecas e arquivos, o que ainda possa ter sobrevivido desse legado codicológico. Reconheçamos, todavia, que o panorama é mais animador no campo dos textos normativos, tendo-se preservado e multiplicado mais eficazmente os livros das regras e colectâneas de documentos constitucionais ou legais mormente bulários, estatutos, definições, inventários ou assentos de visitações4. Entre as condicionantes, por seu lado, deveremos considerar que o tema remete para questões tão essenciais ao Cristianismo como a da noção que de Deus tinham esses monges-cavaleiros em tempos medievos, e ainda todo o universo de reflexão histórica e antropológica em que poderemos contextualizar as expressões e categorias religiosas da percepção do sagrado e do divino. Nestas expressões religiosas, que o historiador tem de analisar na sua diacronia e com o entendimento de que elas se transformam no tempo longo e na geografia das civilizações, deveremos incluir a ideia ou a teologia de Deus e a das categorias com ela relacionadas como as de Fé, revelação e profetismo, dogmática e ética, eclesiologia, culto e ritual ou, ainda, as de santidade e, por oposição, as de pecado e de condenação. Este universo de questões não se pode resolver no curto espaço de tempo de que disponho, mas gostaria de vos expor que, de um modo conciso, todas elas se subsumem no que poderemos chamar a inquirição de Deus, ou seja, numa pergunta tão simples, e, no _______________________________________________

Município de Palmela – GESOS, Palmela, 2009, pp. 121-139. 3 Cf. DIAS, Pedro, Visitações da Ordem de Cristo de 1507 a 1510. Aspectos Artísticos, Ed. Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1979; PEREIRA, Isaías da Rosa, “Dos livros e dos seus nomes. Bibliotecas litúrgicas medievais”, Signo. Revista de Historia de la Cultura Escrita, 3 (1996) e 4 (1997) Universidad de Alcalá de Henares, pp. 133-161 e 247-272 respectivamente. 4 Cf. OLIVEIRA, Luís Filipe, Op. cit., pp. 23-30; JOSSERAND, Philippe, Église et pouvoir dans la Péninsule Ibérique. Les Ordres Militaires dans le Royaume de Castille (1252-1369), Ed. Casa de Velázquez, Madrid, 2004, pp. 833-852; IDEM, “Pour une étude systématique de la documentation statutaire des Ordres Militaires: deux manuscrits des “difiniciones” inédites d’Alcantara au début du XIVe siècle”, En la España Medieval, Nº 20, 1997, pp. 321-338.

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entanto, tão complexa, como a que se formula na interrogação seguinte: em que Deus acreditavam os cavaleiros professos das ordens militares presentes no Portugal medieval?

2— Neste ponto, obviamente, a questão pertence ao historiador, não ao crente nem ao cientista de Deus. Porque o Deus de que se fala é, agora, o Deus expresso na imagem e semelhança daquele que, desde a mais remota tradição javista, por ele foi criado, ou seja, do homem. Do homem que é rosto de Deus e de um Deus que, assim, é rosto de todos os homens sem excepção. Rosto, pois, dos homens bons e dos homens maus, dos justos e dos ímpios, pelos séculos dos séculos. Parecerá o que acabámos de dizer, até porque o é, filosofia da religião. Mas pareceme necessário partilhar convosco esta visão de Deus porque ela, creio, nos permitirá, minimamente, aproximarmo-nos do essencial da questão enunciada há pouco: em que Deus acreditavam esses antigos monges-cavaleiros que viveram em espaços como aquele em que nos encontramos e que acreditaram, tanto quanto sabemos, até ao momento final da superação das suas próprias vida, na imanência de um Deus que, para além de todas as questões metafísicas, era percepcionado também e muito pelos rostos inumeráveis que tinha. Para encontrar uma parte da resposta à questão enunciada, o historiador tem de se socorrer de fontes. Essas fontes encontram-se, muito expressivamente, na sua componente material, considerando a arqueologia dos espaços de habitação e funerários, nas expressões arquitectónicas e artísticas dos templos e dos conventos edificados, como também no domínio das tradições orais, como as que respeitam à etnografia e à memória social das comunidades e, finalmente, nas fontes escritas. Em todas estas tipologias de fontes se podem encontrar elementos relevantes para a compreensão do problema proposto. Muito embora, como dissemos, as fontes escritas, documentais ou literárias, apresentem várias condicionantes, mormente a sua escassez e aparente rudeza informativa, a verdade é que aquelas que nos chegam não podem deixar de encerrar testemunhos essenciais.

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As regras das ordens militares são a primeira fonte histórica a percorrer para a elucidação da questão que nos ocupa: encontrar o Deus em que acreditavam os mongesguerreiros de outrora. Tais regras orientavam toda a vida monástica das milícias. Uma das mais conhecidas é a dos cavaleiros templários. É uma regra basicamente beneditina posto que adaptada à realidade guerreira dos religiosos do Templo de Salomão. Tenhamos presente, por exemplo, que a Regra de S. Bento admitia (Capº 59) a recepção de jovens oblatos nos mosteiros, e que isso é tido por inconveniente entre templários, uma vez que viria “onerar” os cavaleiros, mais predispostos para o acolhimento de homens feitos. A vocação do templário corresponderia a uma decisão de profissão amadurecida. Mas, muito embora inspirada no domínio espiritual, no modelo beneditino, a Regra da Cavalaria do Templo desmultiplica-se em capítulos (Caps. 10-40) relativos ao comer, ao trajar e ao porte de armas por parte dos cavaleiros, aspectos bastante específicos e diferenciadores. Na edição comentada que dela fez, recentemente, Jesué Pinharanda Gomes, este autor sublinhou como aspectos condutores do espírito templário, os valores da pobreza, da modéstia, da comunidade, do jejum, do silêncio, da castidade, da oração, da caridade fraterna, da obediência5. Na religiosidade do cavaleiro templário tinha particular importância a devoção mariana (Candeias, Anunciação, Assunção e Natividade de Maria), sem registo, sublinhe-se, do culto concepcionista, posto que os mistérios cristológicos definam o eixo fundamental da sua espiritualidade (Nascimento, Epifania e Baptismo de Cristo, Páscoa e Ascensão, relativos à vida, morte e ressurreição de Cristo, ou à sua exaltação nos mistérios da Invenção da Santa Cruz e do Pentecostes), associados ao culto dos apóstolos, de alguns mártires e santos (Santos Inocentes, Estêvão, João Baptista, Maria Madalena, Lourenço, Martinho de Tours, Catarina de Alexandria, Nicolau). A fraternidade entre os cavaleiros templários estendia-se às solidariedades de memória post mortem. Pela morte de um dos irmãos, os freires deveriam rezar, durante os sete dias subsequentes, cem vezes o Pai Nosso, dando-se, ainda, de comer a um pobre durante quarenta dias. A Regra dos Templários, dirigindo-se aos cavaleiros, abre recordando a todos eles que, ao entrarem para a Milícia, haviam renunciado às suas próprias vontades, e se haviam comprometido na observância dos cânones e costumes seguidos pelos religiosos presentes na Cidade Santa de Jerusalém. O cavaleiro não poderia temer a batalha e deveria estar preparado para a vitória (Cap.1). Os freires deveriam assistir a missa diária matutina e aos demais ofícios divinos das horas, mas a Regra mostra-se bastante tolerante _______________________________________________ 5

GOMES, Jesué Pinharanda A Regra Primitiva dos Cavaleiros Templários, Ed. Hugin, Lisboa, 1999.

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para todos aqueles que, andando fora dos conventos ao serviço da Cristandade, o não pudessem fazer, substituindo tais obrigações pela recitação de Pai Nossos. Trata-se de um modelo de práticas orcacionais bastante simplificadas e que se traduziam na repetição circular e quantitativa da mesma oração. De algum modo, é essa a base do costume do rezar por “contas”, comum em diversos universos religiosos, é certo, mas que representa uma longa tradição cultual e ritual entre cristãos, sobretudo católicos, antigamente com reduzidos níveis de literacia. Nos conventos, contudo, os professos partilhavam comummente as refeições do jantar e da ceia, durante as quais um leitor recitaria sempre uma “sancta lectio” , permanecendo todos em silêncio, porque se eles procuravam ao Senhor, era com a maior atenção que deveriam ouvir as suas palavras e os seus preceitos (Cap. 9). As leituras colectivas, no refeitório ou em capítulo, para além das dos ofícios divinos, na igreja, constituíam momentos de reflexão e de aprendizagem espirituais para os cavaleiros. Não conhecemos, em boa verdade, o teor das leituras propostas. É muito provável que seguissem modelos habituais nos círculos beneditinos ou mesmo cistercienses, mas é também admissível que a tradição patrística oriental se projectasse nessas leituras. Deveremos admitir, ainda, que também o protagonismo crescente das ordens mendicantes, elas próprias fortemente cruzadísticas e proselitistas, e dos seus modelos de espiritualidade, tenham desempenhado algum papel renovador nas dinâmicas espirituais próprias dos cavaleiros professos das ordens militares.

4— Há que reconhecer que a conhecida Vida de S. Martinho de Soure, composta, como sabemos, nas esferas intelectuais do clero conimbricense de meados do Século XII, encaixa, na historicidade do relato que apresenta, pelo menos na sua fase final, numa geografia templária. De facto, Martinho de Soure acabou os seus dias, no ano de 1145, em cativeiro sarraceno, como se lê na sua Vida ou, ainda, no Livro das Kalendas da Sé de Coimbra: “IIº Kalendas Februarii era MCLXXXIII obit Martinus Arie presbiter de Saurio canonicus, in uinculis Sarracenorum decessit” 6. _______________________________________________ 6

DAVID, Pierre e SOARES, Torquato de Sousa (eds.), Liber Anniversariorum Ecclesiae Cathedralis Colimbriensis (Livro das Kalendas), Universidade de Coimbra, Coimbra, 1947-1948, vol. 1, p. 77. De anotar que o óbito de Martinho de Soure não se encontra nos obituários de tradição canonical regrante ou crúzia.

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Martinho acompanhou os cavaleiros professos do Templo de Salomão, a quem pertencia a fortaleza de Soure, na luta contra a razia que, em 1144, atingiu o termo dessa vila. Diz a sua Vida, na tradução do Aires Nascimento: “foi com eles ao encontro dos inimigos, mas sobreveio o infortúnio nos recontros da guerra e foi capturado com quase todos eles e levado para o castelo de Santarém que então estava em poder da gente nefanda dos pagãos.”7 Nas masmorras para onde foi levado, Martinho de Soure procurava apoiar espiritualmente os seus companheiros cristãos de infortúnio. Narra a citada Vida, que procurava instruí-los, citamos: “quando o permitia o tempo e o lugar com a pregação do Evangelho, e profetizou-lhes, confiante do que dizia, que proximamente chegaria a libertação e que aquela cidade havia de ser conquistada pelos cristãos e oferecida a Cristo e expulsa a gente agarena.”8 Cumpria-se, assim, conclui o autor da Vita, a mensagem evangélica, da Carta aos Hebreus que diz: “os santos experimentaram opróbrios e açoites além dos grilhões e cadeias” (Heb 11, 31). De Santarém, Martinho foi conduzido a Évora, depois à cidade de Sevilha e, finalmente, para Córdova, onde faleceu a 31 de Janeiro. A comunidade moçárabe local, se bem interpretamos a informação, sepultou-o com as honras devidas na basílica de Santa Maria. Gostaria de anotar aqui duas ideias principais nesta breve síntese acerca do exemplo hagiográfico de Martinho de Soure. A primeira, é a do seu sentido de pregador evangélica e de companheiro, na guerra, dos milites Christi; a segunda, é a da sua associação ao plano do profetismo e de um certo visionarismo. Como se viu, houve todo o rigor em afirmar que ele profetizou que Santarém haveria de ser cristã e, não somente como ainda, sublinhamos agora, o seu itinerário de cativeiro por Évora, Sevilha e Córdova, sobretudo no que às duas primeiras respeitava, como que prenuncia, pelos eu sacrifício, a futura redução dessas cidades ao domínio cristão. A Vida de S. Martinho de Soure revela reminiscências das Cartas de S. Jerónimo (22 e 52), dos evangelistas S. Mateus (5, 16) e S. Lucas (1, 74-75), da 1 e da 2 Cartas aos Coríntios (9, 27 e 9, 7, respectivamente), da Carta aos Colossenses (3, 9), da Epístola dos Hebreus (52, 5), do Livro de Job (1, 1 e 8, 23), do Salmo 127 (versículo 2) e do Livro da Sabedoria (3, 1). Presentes estão também a Regra de S. Bento (48, 1), as Sentenças de Isidoro de Sevilha e, sobremodo, um assinalável conjunto de alusões inspiradas ou _______________________________________________ 7

HAGIOGRAFIA de Santa Cruz de Coimbra. Vida de D. Telo, Vida de D. Teotónio, Vida de Martinho de Soure. Edição crítica de NASCIMENTO, Aires A., Edições Colibri, Lisboa, 1998, p. 241. 8 HAGIOGRAFIA…, p. 241.

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coincidentes com o quadro normativo do costumeiro ou Liber ordinis de S. Rufo de Avinhão, adoptado em Santa Cruz de Coimbra, sinal da relevância deste centro cultural na escrita desta hagiografia. Na exposição sobre a vida de Martinho de Soure, o autor engrandece, a certo passo, os favores da vida comtemplativa, aquela que mais se adequa à perfeição claustral9. O modelo de vida contemplativa, em ambientes monásticos de tradição ocidental latina, é aquele que se pode considerar mais antigo. Uma das suas fontes inspiradoras encontra-se nos Moralia in Job, de S. Gregório Magno, obra muito valorizada pelo clero regular português do século XII, particularmente em Santa Cruz de Coimbra. Naturalmente que os Salmos ou os Livros Sapienciais bíblicos têm enorme relevância como fontes inspiradoras da Fé e da experiência espiritual desses monges. É impossível que a não tenham tido entre as fileiras dos monges-guerreiros. A Bíblia é, obviamente, a primeira fonte de espiritualidade cristã, particularmente os textos evangélicos, os Actos dos Apóstolos e as Epístolas em que se pode observar tão de perto a vida apostólica dos primeiros cristãos. Por outro lado, como nos refere Claudio Leonardi10, o mistério trinitátio, central na espiritualidade de tradição greco-bizantina, revelou-se mais frágil nos modelos espirituais ocidentais, assim como o tema da “divinização do homem”. O primeiro destes temas, ou seja, a questão da Santíssima Trindade, recobrou importância no contexto do cruzadismo cristão dos séculos XI a XIII. Ele é essencial no credo de Niceia e valerá como um dogma inabalável da identidade cristã. Ora, entre os bons predicados que o hagiógrafo de Martinho de Soure lhe atribui, está precisamente o do seu desvelo pastoral e catequético em ensinar ao povo católico a confissão da Santa Trindade, a crença no mistério trinitário. Como sublinhou, a este propósito, Aires Nascimento, há que ter presente que Martinho de Soure actuava em meio fortemente relacionado com os muçulmanos11. E a questão trinitária será central, em toda a Idade Média, lembremo-lo, na controvérsia que opôs permanentemente o clero cristão, em particular o missionário, aos teólogos muçulmanos.

5— _______________________________________________ 9

HAGIOGRAFIA…, p. 234-235. LEONARDI, Claudio, “Spiritualité”, Dictionnaire Encyclopédique du Moyen Âge (Dir. VAUCHAEZ, A,), T. 2, Cerf, Paris, 1997, pp. 1455-1456. 11 HAGIOGRAFIA…, p. 234-235 e 248, nota 31. 10

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Na determinação das orientações espirituais que serviam aos professos das Ordens Militares há que ter em linha de conta o exercício sacerdotal. Os cavaleiros, ao que saibamos, não recebiam ordens sacras. O serviço litúrgico era, desse modo, oficiado por presbíteros e capelães ao serviço de cada comunidade. Na dedicação das suas igrejas e capelas, os cavaleiros tinham de se socorrer de bispos. Os templários, por exemplo, podiam escolher qualquer bispo para esse efeito não dependendo, por privilégio geral da Ordem, do ordinário da diocese em que estabelecessem os seus templos. Conhecer quem foram alguns desses sacerdotes e capelães contribuirá, creio, para uma contextualização mais apurada dos agentes clericais que se relacionavam com os freires, que lhes prestavam serviço litúrgico e apoio confessional. Alguns desses capelães foram homens de notória preparação eclesiástica, integrando as câmaras episcopais. Isso sucedeu, por exemplo, com um “Egidius frater militie beati Jacobi capellanus Ulixbonensis episcopi”. Este freire de Santiago e capelão de D. Soeiro I, bispo de Lisboa, integrou a comissão ou “societate”, como a refere o documento a que recorremos, que, em 28 de Dezembro de 1206, festa dos Santos Inocentes, em Coimbra, junto com os bispos do Porto e de Lisboa, e na presença do bispo de Coimbra, do clero diocesano e muito povo, executaram o mandato apostólico que ordenava a entrega do Mosteiro de Lorvão à Infanta D. Teresa e a instituição, nesse claustro, de uma comunidade de monjas da Ordem de S, Bento12. Por outro lado, no Obituário do Mosteiro de S. Jorge de Coimbra, encontramos um registo, datável de meados de Duzentos, relativo a um “Johannes Pelagii presbiter de Thomar”, decerto capelão ao serviço dos cavaleiros do Templo13.

6— Há pouco assinalámos a proximidade do exemplo de Martinho de Soure, enquanto presbítero, mas também enquanto capelão presente na Soure templária, do claustro de Santa Cruz de Coimbra. O modelo religioso matricial deste mosteiro, como se sabe, residia na Regra de Santo Agostinho. Estes religiosos, vivendo um ideal de vida apostólica, como _______________________________________________ 12

Direcção geral de Arquivos / Torre do Tombo (doravante referida por TT) — Mosteiro de Lorvão, Mº 8, Doc. 18. 13 Biblioteca Pública Municipal do Porto (doravante referida por BPMP) – Códices 421 (Santa Cruz, 81: Necrológio ou Obituário de S. Jorge de Coimbra), fl. 12.

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entre os primeiros apóstolos, mostravam-se particularmente activos em termos de serviço pastoral ad gentes. Os primeiros cavaleiros templários, bem assim os cavaleiros hospitalários e os dos cavaleiros de S. João de Évora, devem ter encontrado no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, como mais a sul no de S. Vicente de Fora, em Lisboa, ou por parte de bispos recrutados nestes claustros de cónegos agostinhos, a necessária sensibilidade religiosa e decisão de apoio e protecção. O apoio cisterciense, como sabemos, em território português, só se organiza, timidamente, aliás, a partir do início da década de 1140, com centro em S. João de Tarouca e depois, mais decisiva e fortemente, com a fundação de Alcobaça a partir de 1152. Havendo em Portugal mosteiros cistercienses tão significativos como o de Alcobaça, então há que reconhecer que, desde esse momento, as matrizes espirituais dos monges brancos de Cister, podem ter recuperado um espaço de influência e de orientação espirituais e cultuais, primordial, aliás, no que respeitava a Templários, que até então parece ter sido sustentado sobretudo pelos cónegos regrantes presentes em Portugal. O enfeudamento aos modelos de vida religiosa próprios das cavalarias de cruzada não impediu, aliás, que, em tempos posteriores ao século XII, alguns dos professos das Ordens Militares continuassem a experimentar aproximações a outros sistemas e propostas quer monásticas, quer seculares. Os modelos mais activos da linha de Santo Agostinho devem ter exercido alguma poder de sedução sobre os milites Christi, para os quais a acção ultrapassava a contemplação, mais afeita, esta, à espiritualidade beneditino-cisterciense. Parece-me ser significativo, do que acabámos de expor, que se encontrem, nos obituários antigos necrológios ou obituários de cónegos regrantes agostinhos portugueses assentos relativos a missas e ofícios religiosos que esses cónegos deveriam celebrar por alma de cavaleiros das Ordens Militares. No Obituário de S. Jorge de Coimbra, por exemplo, em registos de finais do século XII ou de inícios do XIII, lemos os nomes de “Stephania freyra Templi”, significativamente uma mulher, decerto familiar espiritual ou terceira templária14, e de “Villelmus frater Hospitalis”15. Mais abundantes são as referências a cavaleiros no Obituário de S. Vicente de Fora, de Lisboa, (BPMP – Códice 707, Santa Cruz 84), cujos registos se situam numa cronologia ampla que vai entre finais do Século XII e inícios do XIV, assentos de mortes de cavaleiros templários, como o de Gomes Ramires, mestre da Ordem, lançado a 26 de _______________________________________________ 14 15

BPMP – Códice 421 (Santa Cruz, 81), fl. 29v. BPMP – Códice 421 (Santa Cruz, 81), fl. 25.

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Junho, em comemoração que se estendia a todos os outros cavaleiros que com ele tinham morrido pelo Senhor (26 de Junho, fl. 51), o de Fr. Domingos do Templo, em 20 de Junho (fl. 42) e o de Martinho, freire do Templo, em 28 de Setembro (fl. 67). De resto estão presentes cavaleiros das outras Ordens. D. Afonso, mestre dos Hospitalários, recebia comemoração dos cónegos lisboetas em 19 de Fevereiro (fl. 12). Mais numerosos são os registos relativos a cavaleiros de Santiago, como o de João Fernandes, comendador de Palmela, lançado em 6 de Abril (fl. 23v), o de Paio Ramires e o de D. Honorico, ambos comendadores de Coruche, registados, respectivamente, a 3 e a 5 de Junho (fls. 38 e 38v), seguindo-se cavaleiros da Ordem de Avis, nomeadamente o de Gonçalo Egas, “magister fratrum de Elbora et eorum qui cum eo mortui sunt”, lançado a 18 de Julho (fl. 49) e o de D. Fernando, igualmente mestre de Avis (22 de Maio, fl. 35), e, finalmente, o assento de João, “frater de Calatrava”, inscrito a 28 de Agosto (fl. 59v). Os cónegos agostinianos de S. Vicente de Fora faziam, ainda, no dia 3 de Agosto de cada ano, a “comemoratio eorum quorum corpora requiescunt in corpore sancto” (fl. 53). Trata-se, numa parte significativa, de comemorações que recordam cavaleiros mártires, caídos juntos dos mestres ao serviço do Senhor. Esta valorização dos cavaleiros militares martirizados pela Fé, necessariamente, não podia deixar de exercer uma enorme impressão sobre todos quantos viviam ou partilhavam a experiência religiosa claustral dos cónegos agostinhos, sobretudo numa cidade, como Lisboa, cuja consciência histórica, em plena Idade Média, se confundia, de forma tão complexa quanto legitimadora, numa memória espiritual profundamente ancorada no exemplo extremo de mártires antigos mas também contemporâneos. A espiritualidade agostiniana aponta para uma grande preocupação com a questão do pecado e a da salvação da alma. Se em Gregório Magno se privilegia a contemplação de Deus, e o homem enquanto ser e imagem à semelhança de Deus, em Agostinho de Hipona é a teologia da graça e da predestinação salvífica que impera. Agostinho pressupõe uma vida activa para os seus professos, vivendo em comunidade, mas não apartados do mundo no qual convivem e sobre o qual devem ser operativos. Por isso se valorizou sempre, nesta linha monástica, a pregação e a cura animarum. Martinho de Soure, lembremo-lo, era um pregador e um pregador profético. Nesta base está, como se sabe, a raiz da proposta dos mendicantes dominicanos, como também a de outras ordens de feição mais apostólica e canonical (eremitas gracianos, jerónimos ou lóios). Aos modelos seguidores de Cristo, canónicos na institucionalização do modelo de vida religiosa dos cavaleiros-monges, contrapor-se-ão, em Duzentos, os mais activos e proselitistas protagonizados sobretudo por franciscanos e também por outras ordens 280

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mendicantes que se afirmarão entretanto. Há que ter presente que a espiritualidade de Francisco de Assis é bem mais a da imitação de Cristo, do que a da sua contemplação (beneditino-cisterciense) ou catequese (canónica regrante). A nova arte espiritual destes mendicantes teve, necessariamente, algum impacto junto das velhas ordens de cavalaria. Esse impacto parece-me pressentir-se, ainda que o enuncie aqui como hipótese a considerar, na reformulação da vida religiosa adentro das ordens militares, assistindo-se, por exemplo e ao longo do século XIII, a uma “melhoria” na visibilidade dos cenários de vida religiosa feminina que os afectava.

7— No inventário feito por morte do mestre da Ordem de Avis, D. Martim de Avelar, falecido em 1362, redigido por Gonçalo Esteves, provedor do Mestrado, estão inventariados os livros litúrgicos existentes nas igrejas de Alcanede, Benavente, Borba, Santa Maria de Avis, Fronteira, Veiros, S. Salvador e Santa Maria de Serpa, S. João e Santa Maria de Moura, Alandroal, Juromenha, Sousel e Santa Maria de Beja. Predominam, como seria de esperar, os livros litúrgicos próprios das celebrações de missas e administração dos sacramentos. Pela lista que nos chega, torna-se evidente que as paróquias sujeitas à jurisdição da Ordem de Avis dispunham dos livros essenciais à liturgia quotidiana, nomeando-se os missais, evangeliários, epistolários, saltérios, colectários e breviários. Aparecem livros de canto e hinários. Associavam-se-lhe os domingais e os santorais e, ainda, os livros sacramentais. Em todas as igrejas se podiam encontrar rituais de baptismo e de sepultura dos mortos. Na igreja de Borba, existia um missal pequeno das missas privadas que fora do clérigo João Lourenço. No domínio dos manuscritos devocionais avultavam os mariológicos como os cadernos dos ofícios de Santa Maria por vezes particularizada sob a invocação de Santa Maria da Conceição (como sucedia com um dos manuscritos das matrizes de Alcanede e de Moura), manifestando a simpatia, adentro dos agentes eclesiásticos da Ordem, pelo mistério imaculatista, ou de Santa Maria das Neves. Em várias dessas paroquiais existiam cadernos com o ofício do Corpus Christi. S. Brás tinha culto individualizado em Moura, em Sousel e em Santa Maria de Beja, registando-se, também na igreja pacense, um caderno com o ofício particular de Santiago, enquanto no Alandroal se mencionam como ofícios mais singulares os da Trindade, do 281

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FREIRES, GUERREIROS, CAVALEIROS ACTAS DO VI ENCONTRO SOBRE ORDENS MILITARES

Espírito Santo, da Santa Cruz, dos Anjos e dos Apóstolos16. Os cultos aqui enunciados, especialmente a partir da igreja do Alandroal, testemunham a abertura, por parte dos freires de Avis, às devoções particularmente expandidas pelas ordens mendicantes, em geral, e pela franciscana, mais particularmente.

8— Ao abrirmos o Livro da Montaria, o conhecido tratado cinegético do rei D. João I, deparamo-nos com um prólogo no qual, depois do Rei da Boa Memória discorrer sobre a verdade dita por Moisés em torno da criação do homem por Deus “a simildom sua”, passa a citar S. Bernardo numa reflexão acerca da razão por que o Deus-Menino quis nascer em pobreza: “porque elle onde estava”, citamos, “em nos ceeos avia todo bem, senom hum que jazia na terra entre os homeens, e era desprezado delles; e porque elle aver todo o bem, quis tomar este pera si, e descendeu dos ceeos a terra, e ouveo, e este bem assi desprezado dos homeens era a proveza.” 17 D. João I fora predestinado por seu pai para o Mestrado de Avis. A sua educação foi feita no sentido de o preparar para assumir a governança da Ordem. Não terá sido caso único. Em boa verdade, aliás, sabe-se que os mestres das Ordens eram eleitos, senão mais propriamente cooptados e escolhidos, e que as suas origens sociais, eventualmente o carisma, pesariam nessa escolha. Da sua preparação para o exercício do cargo, contudo, o que podemos pensar é que faz sentido que ela fosse diferenciada. Diferente entre as Ordens e diferente nas épocas ou conjunturas históricas. Esta é uma condição que o historiador tem de ter em atenção: ser-se mestre ou desempenhar qualquer outro ofício dentro de uma Ordem era ditado por numerosas circunstâncias. No século XIV, como vimos, o filho de D. Pedro I e da comendadeira D. Teresa Afonso, tinha como missão ser mestre de Avis. O destino que o esperava, bem o sabemos, seria outro. A sua formação, desde a infância, para o exercício deste cargo mestral, no entanto, não pode ter deixado de ser marcante e vinculativa. O Mestre de Avis, depois rei D. João I, foi um homem culto. Ao lermos o seu Livro da Montaria vemos não só a justificação da caça como actividade necessária à saúde do bom _______________________________________________ 16 PEREIRA, Isaías da Rosa, Op. cit., pp. 249-253; AZEVEDO, Pedro de, “Um inventário do século XIV”, O Archeologo Portugues, VII (1902), Lisboa, pp. 223-234. 17 D. João I, “LIVRO da Montaria”, em ALMEIDA, M. Lopes (org.), Obras dos Príncipes de Avis, Lello & Irmão, Porto, 1981, p. 7.

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Prática Religiosa e Espiritualidade Militar

governante, pela graça de Deus, como assistimos à enunciação de passos e reflexões de autores espirituais que nos mostram algo da espiritualidade com que contactara D. João. Na sua apologia cristã do desporto, D. João I cita a Bíblia e Santo Agostinho, Beda e S. Bernardo, referindo-se mesmo a “hua glossa sobre a prophecia de Isayas, em torno dos reis Magos.”18 Não se pode dizer, na verdade, que os autores referidos correspondessem a uma teologia ou espiritualidade muito actual nos inícios do século XV, momento em que o rei redigiu o seu Tratado. Mas D. João I, como sabemos, tinha gostos conservadores em muitas matérias. Não estranha, assim, que a teologia de “clássicos” como Santo Agostinho, Beda ou S. Bernardo o inspirasse mais do que, eventualmente, as propostas de pensadores espirituais que fossem seus contemporâneos. De resto, como lembra Mário Martins, o rei deve ter contado, como contavam todos, com o apoio de algum frade ou clérigo. Deve ser esse o caso quando, a propósito da justificação do pecado da vanglória, D. João I considerará, citamos, “que todallas cousas que os homeens fazem por Deus, comtanto que a obra nom seja errada (…) todas sam meritorias.”19 Noutro passo, são as Confissões de Santo Agostinho que o inspiram, a propósito das vias do conhecimento de Deus. Considera D. João I que Santo Agostinho: “fazia por querer conhecer seu Deus, e dezia que elle mandara os seus mensageiros do corpo que som os sentidos, pera buscar o seu Deus, e que o nom pudera per elles achar, em como quer que elle era dentro em elle. Ca perguntara os sentidos, se souberam per onde entrara elle, e disserom lhe que nom sabiam: ca dizem os olhos, se elle nom he color, nom entrou por nos, e o ouvir esso messmo diz que se nom deu soom, que nom passou tambem por elle, e esta meesma resposta lhe derom os outros sentidos.”20 A espiritualidade que conduzia a Deus, não negando a realidade humana, mente e corpo, como se vê, superava a condição corpórea, no entendimento de que Deus é espírito.

9— Não direi, como sugere o já citado historiador Claudio Leonardi, que se abra um novo ciclo de espiritualidade nos finais da Idade Média, ou na alvorada da Época Moderna, _______________________________________________ 18

MARTINS, Mário, “Da caça e da concepção do desporto no ‘Livro da Montaria’”, in Estudos de Literatura Medieval, Ed. Livraria Cruz, Braga, 1956, p. 453-466: 458. 19 MARTINS, Mário, Op. cit., p., 462. 20 SANTO AGOSTINHO, Confissões, Livro 10, Cap. 6; citado por MARTINS, Mário, Op. cit., p. 465.

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ORDENS MILITARES

FREIRES, GUERREIROS, CAVALEIROS ACTAS DO VI ENCONTRO SOBRE ORDENS MILITARES

protagonizada por homens como Jerónimo Savanorola ou Thomas More, ambos mortos por não terem abjurado dos seus ideais de consciência e de Fé. Mártires, aliás, dos novos tempos. E não o direi porque creio que, em todas as épocas, encontraremos exemplos de martírio por consciência de fidelidade a Deus. Outros houve que contestaram e foram excluídos e não foi Lutero, de resto, o primeiro nem o último exemplo disso. Há que reconhecer que não dei resposta à questão com que abri esta intervenção, sobre qual o Deus em que acreditavam os cavaleiros professos das ordens militares. Falámos, no entanto, das várias tradições espirituais que se ofereceram como veredas para o conhecimento desse Deus. Um Deus, como está escrito, que fez o homem à sua imagem e semelhança. Por isso, todos os cavaleiros-monges tiveram também o seu fragmento de divino e puderam ver, no rosto dos seus irmãos, esse rosto que é sopro do divino. Mas, como também sublinham os filósofos que se interessam por este problema, Deus ao ser rosto de todos os homens não é exclusivamente o rosto de homem nenhum, em concreto, e assim, agora como nos tempos medievais, ver o rosto de Deus, face to face, é uma impossibilidade para todo e qualquer homem.

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