Leituras e leitores no Brasil no Primeiro Reinado: A apropriação das ideias de Jean-Jacques Rousseau nos jornais A Malagueta e A Aurora Fluminense

May 26, 2017 | Autor: Jônatas Gomes | Categoria: History of concepts, History of Political Ideas, Lectures
Share Embed


Descrição do Produto

Leituras e leitores no Brasil no Primeiro Reinado: A apropriação das ideias de Jean-Jacques Rousseau nos jornais A Malagueta e A Aurora Fluminense.

Jônatas Roque Mendes Gomes (Mestrando UERJ)

Resumo: Este trabalho visa estudar a apropriação das ideias de Jean-Jacques Rousseau nos periódicos A Malagueta e A Aurora Fluminense, a partir da análise das referências ao autor neles presentes. A proposta se insere na pesquisa de mestrado que reflete acerca do Constitucionalismo e do Contratualismo no processo de construção da nação brasileira, principalmente pelo estudo do conceito de “pacto social” (ou contrato social) e outros adjacentes. Nesta comunicação apresentaremos ainda alguns pressupostos e conceitos importantes para pensarmos a apropriação cultural e de ideias e a relação entre leituras e leitores no Primeiro Reinado. Pensar estas questões a partir dos periódicos é importante para uma maior compreensão do pensamento dos atores políticos e sociais do período em tela neste trabalho. Destacamos também a análise das formas de sociabilidade, as maneiras de ler e os usos dos autores por parte dos luso-brasileiros, como ocorreu com o caso das apropriações das ideias de Rousseau. Palavras-chave: Rousseau; Leituras; Apropriação de ideias; Constitucionalismo; Contratualismo;

Resumen: Este trabajo tiene como objetivo estudiar la apropiación de las ideas de Jean-Jacques Rousseau en los periódicos A Malagueta y A Aurora Fluminense, a partir del análisis de las referencias al autor en ellos presentes. La propuesta se inserte en mi investigación del máster que reflexiona acerca del Constitucionalismo y del Contratualismo en el proceso de formación de la nación brasileña, principalmente por el estudio del concepto de “pacto social” (o contracto social) y otros conceptos cercanos. En esta comunicación presentaremos, aún, algunos presupuestos y conceptos importantes para pensar la apropiación cultural y de ideas y el vínculo entre lecturas y lectores en el Primer Reinado (de Brasil). Pensar en estas cuestiones a partir de los periódicos es importante para una mayor comprensión del pensamiento de los atores políticos y sociales del período estudiado en este artículo. Destacamos, también, el análisis de las maneras de sociabilidad, las maneras de leer e los usos de

los autores por los luso-brasileños, como ocurrió con las apropiaciones de las ideas de Rousseau. Palabras clave: Rousseau; Lecturas; Apropiación de ideas; Constitucionalismo; Contratualismo;

Nos discursos dos parlamentares e nas publicações dos periodistas no Primeiro Reinado, podemos notar direta ou indiretamente a referência a autores e ideias advindas de outras partes da América, em geral, e da Europa, não apenas da parte ibérica, dentre os quais podemos apontar Jean-Jacques Rousseau. Sobre este processo, cabe dizer que esses atores políticos e sociais não assimilavam ou simplesmente reproduziam o que chegava do exterior ou o que circulava no Brasil. Cabe também ressaltar a presença e grande circulação de nascidos nas colônias lusas, principalmente na América, na Universidade de Coimbra e daqueles que ocupavam postos do Império Português, inclusive como representantes portugueses em outros países. Neste trabalho, apresentaremos alguns pressupostos e conceitos importantes para pensarmos a apropriação cultural e de ideias e a relação entre leituras e leitores no Primeiro Reinado. Para tal objetivo, autores como Roger Chartier, Carlo Ginzburg, Tânia Bessone, François-Xavier Guerra e Lúcia Bastos serão de grande relevância no trabalho. Espaços de sociabilidade no início do Oitocentos: entre botequins e gabinetes de leitura Como bem apontam Lúcia Bastos Pereira das Neves (2003) e Gizlene Neder (2000), mesmo que com diferentes abordagens, as elites políticas e intelectuais portuguesas no Primeiro Reinado possuíam em sua maioria ligações com a Universidade de Coimbra, inclusive muitos portugueses nascidos na América Portuguesa que lá faziam leituras de autores como Locke, Hobbes, Rousseau, De Pradt, Raynal, Montesquieu – mesmo que alguns desses autores tenham sido censurados após a Revolução Francesa. No início do século XIX havia uma grande quantidade de livros proibidos em Portugal e no Brasil, principalmente dos franceses Montesquieu,

Rousseau

e

Voltaire.

Esses

livros

chegavam

ao

público

clandestinamente, mesmo que a censura no período fosse maior do que no fim do

século. Essa venda clandestina era feita, em muitos casos, por donos de bibliotecas e taberneiros. A textualidade e a oralidade são aspectos interessantes que devemos analisar em nosso contexto de estudo, pois como evidenciam Lúcia Bastos e François-Xavier Guerra, no Brasil e na América, respectivamente, a leitura de romances, periódicos e, inclusive, autores clássicos, em “botequins”1 ou “tertulias”2 era uma prática corrente. Isto se dava pela grande quantidade de analfabetos da época, mas também pelo próprio hábito de oralidade da circulação literária que se formou nas colônias e nos recém-criados Estados latino-americanos, influenciados, principalmente, pela criação de imprensas na América, inexistentes no século XVIII. Chartier ressalta que há uma grande distância entre a linguagem escrita e a falada, não só pelo ato de ouvir a leitura de outra pessoa, mas o próprio fato de estar em grupo ouvindo e discutindo o tema relatado muda completamente a compreensão do texto. Com o objetivo de promover um “catecismo” dos cidadãos, era comum no Primeiro Reinado a publicação de diversos folhetos que funcionavam como cartilhas de cidadania (NEVES, 2003, p. 103). Essas cartilhas não visavam apenas os proprietários ou trabalhadores liberais, mas também as “camadas mais baixas” (NEVES, 2003, p. 103), e em especial os soldados, com a finalidade de os tornar cidadãos. No entanto, esta preocupação com a plebe e com os soldados era porque as elites políticas e intelectuais queriam orientar a opinião do povo e obter maior controle dos (demais) cidadãos. Havia, também, a intenção de “vulgarizar e propagar” (NEVES, 2003, p. 167) o novo vocabulário político para um público mais restrito. Através destas afirmações podemos questionar, assim como faz Chartier, a relação entre cultura erudita e cultura popular. Segundo Chartier, podemos perceber relações muito mais fortes como entre citadinos e camponeses, homens e mulheres e entre gerações. Nesse contexto, por exemplo, uma cultura citadina em oposição a uma camponesa faz mais sentido que uma oposição entre cultura erudita e popular. As

1Além

dos folhetos e periódicos, espaços como os botequins, eram onde se tomava conhecimento de assuntos cotidianos e políticos, e onde se discutiam autores como “Locke, Grotius, Montesquieu e outros”. Os botequins também eram “casas de reuniões patrióticas” e reduto dos “verdadeiros intérpretes” da opinião pública, encaixando-se na ideia de espaços de sociabilidade e circulação de ideias de François-Xavier Guerra. (NEVES, 2003, p. 99-100); (GUERRA, 1993, p.275-350). 2Espaços criados pelas “elites culturais” na Espanha, e que se expandiram para a América espanhola no século XIX, para debates a partir da leitura de obras literárias, religiosas ou filosóficas. Guerra considera as “tertúlias” e os “salóns”, um correspondente francês, como as formas primárias de sociedades de pensamento, sendo as formas que vieram posteriormente tributárias destas duas apontadas. Mantivemos a grafia original em espanhol (em português: tertúlia) (GUERRA, 1993, p. 92).

pessoas que viviam em espaços urbanos partilhavam das práticas de leitura coletiva, apontadas acima e, dessa maneira, mesmo sem serem alfabetizados, partilhavam da leitura de textos em geral. Chartier nos chama a atenção para a questão da leitura, dos leitores e das “comunidades de leitores”3. Essas “comunidades” começaram a se proliferar na América, principalmente, após 18084. Espaços criados com o objetivo de oferecer empréstimo e venda de livros, além de debate dos títulos, passaram a ser uma realidade para as elites luso-brasileiras. Não é difícil encontrar em jornais da época anúncios desses locais, como este do Diario do Rio de Janeiro do dia 16 de junho de 1825: Na rua do Ouvidor N. 156, se estabeleceu hum gabinete de Leitura, pelo preço de 1280 mençal, os conhecedores das vantagens destas instituições, tão necessárias para a instrução publica, e civilização Nacional, acharão huma bem escolhida collecção de livros interessantes, ou em Litteratura, Philosofia, gênero Romantico, ou em relação de Viagens, Também se propõe à venda de muitas obras Classicas como, (...) a ultima edição de Mr. De Pradt 25 vol. em 8º, (...) Montesquieu 7 vol. em 8º; (DIARIO DO RIO DE JANEIRO, 1827, n. 11, p. 1)

Como podemos ver no anúncio acima e através da obra de Tânia Bessone, os espaços onde se reuniam os “círculos de leitores” eram locais privilegiados pelo acesso a obras clássicas e importantes. “Esses círculos de leitores, que se interpenetravam na vivência em livrarias, bibliotecas e residências, foram responsáveis pelo surgimento de padrões de sociabilidade” (BESSONE, 2014, p. 33). Este tipo de “gabinete de leitura”5 se consolidará como espaço de sociabilidade, a partir de meados do século XIX no Brasil, mas já podemos perceber seu surgimento anteriormente, como no anúncio do Diário do Rio de Janeiro. Os frequentadores destes espaços tinham “interesses, gostos e posições político-ideológicas”

Chartier denomina assim “aquelas ‘comunidades interpretativas’ cujos membros compartilham os mesmos estilos de leitura e as mesmas estratégias de interpretação” (CHARTIER, 1992, p. 215). Também denominada em outro texto por Chartier como “sociedade de leitores” (CHARTIER, 2009, p. 100); Tânia Maria Bessone chama esses “clubes literários informais” ou “repúblicas” onde se reuniam os “círculos de leitores”. (BESSONE, 2014, p.32). 4 A formação das Juntas e convocação das Cortes de Cádis na Espanha, que possibilitou a criação de imprensa nos territórios espanhóis da península e nas colônias, e transmigração da Família Real Portuguesa para o Rio de Janeiro, que também desencadeou o início da imprensa na América Portuguesa. 5 Apesar de possuir o nome de Real Gabinete Português de Leitura, este espaço, fundado em 1837 com doações de livros por parte de portugueses residentes no Brasil, não tinha o objetivo de ser um espaço de venda ou aluguel de livros (como vemos no anúncio) e leituras públicas, que era o modelo existente em Portugal. O Real Gabinete foi criado com a ideia de ser um espaço de leitura e uma biblioteca para empréstimo de livros e manuscritos para os seus associados. (BESSONE, 2014, p. 141). 3

(BESSONE, 2014, p. 75) que os aproximavam, além de laços profissionais e de amizade. Tânia Bessone destaca que havia dois tipos principais de leitores nesses círculos: os que procuravam apenas “novidades e leituras mais corriqueiras” (BESSONE, 2014, p. 135), somente para se manterem informados, e os que “faziam seus ‘clubes’ e usufruíam da sociabilidade” (BESSONE, 2014, p.135), estabelecendo laços para além da leitura e debate dos textos. Cabe aqui diferenciar os três espaços de sociabilidade citados acima, os botequins, as “tertulias” e os gabinetes de leitura. Os botequins ou tabernas eram espaços informais, que funcionavam como bares. Nestes espaços, os frequentadores também liam ou ouviam os jornais, panfletos e livros, como evidencia Lúcia Bastos. Nos termos da época, essas tabernas funcionavam como “casas de reuniões patrióticas” (NEVES, 2003, p. 99). As tertulias funcionavam como salões de leitura, locais onde as pessoas se reuniam para ler e debater periódicos e livros, além de debates sobre política e cotidiano (GUERRA, 1993, p. 92). Os gabinetes de leitura, como vimos anteriormente, tinham um caráter associativo. As pessoas que se associassem ao gabinete tinham a sua disposição um espaço para leitura e debate dos textos, além de acesso a empréstimo e venda de livros, visto que nesse período o número de bibliotecas públicas era muito reduzido. Como ressalta Carlo Ginzburg (1991, p. 22), a existência de um mercado de consumidores, com interesses e critérios, influi de maneira positiva, neste caso, no comércio do livro e no estabelecimento de gabinetes de leitura. A função dos leitores é decisiva, pois sem um público que faça uso dos espaços de sociabilidade, eles não teriam continuado a existir até o seu maior sucesso em fins do século XIX. Leitura e apropriação Roger Chartier destaca que é necessário que consideremos as aptidões, expectativas e as predisposições dos leitores. Esses aspectos condicionam em muito a forma como estes apropriam o que estão lendo ou ouvindo. Contudo, além disso, também é importante analisar a maneira como estão lendo: se é uma leitura solitária, em comunidade e/ou em voz alta. “Qualquer compreensão de um texto, não importa de que tipo, depende das formas com as quais ele chega até seu leitor” (CHARTIER, 1992, p. 220). Como a leitura é feita, influi de forma considerável sobre a compreensão

que o leitor ou ouvinte terá. Dessa feita, é importante atentar para os três polos

necessários para entendermos o significado de uma obra apontados por Chartier: o texto, o conteúdo da obra em si; o objeto que comunica o texto, como se apresenta o livro; e o ato que apreende o texto, como este texto é lido. O texto não existe em si, é necessário que este exista na forma física. Como diz Chartier, “não há texto fora do suporte que lhe permite ser lido (ou ouvido) ” (CHARTIER, 1991, p. 182) e “não há compreensão de um escrito, qualquer que seja, que não dependa das formas pelas quais atinge o leitor” (CHARTIER, 1991, p. 182). Por isso, Roger Chartier defende que os autores não escrevem livros, eles produzem textos que são transformados em formas impressas. A vontade do editor ou a exigência do impressor interferem no livro e este pode fugir dos objetivos iniciais do seu autor. Um exemplo disso foi a Bibliothèque bleue (os livros azuis), que eram livros com padrões tipográficos mais simples e, dessa forma, mais baratos, idealizados para um público com menor poder aquisitivo e menos acostumado à leitura. Entretanto, as publicações não eram populares (por exemplo: literatura de cordel), mas sim obras consagradas ou clássicas adaptadas pelos editores para este público. A leitura não deve ser vista como a simples assimilação do texto escrito, como absorção do conteúdo deste. O ato de ler “não é somente uma operação abstrata de intelecção: é pôr em jogo o corpo, é inscrição num espaço, relação consigo ou com o outro” (CHARTIER, 1991, p. 181). Chartier evidencia que a leitura é uma prática inventiva que (re)elabora significados e não se restringe à intervenção do autor do texto, “ler é entendido como uma ‘apropriação’ do texto”(CHARTIER, 1992, p. 215). Desse modo, ao ler um texto cada leitor ou grupo de leitores, o interpreta de uma maneira. Isso colabora com a ideia da possibilidade de múltiplas visões (muitas contrárias) sobre um mesmo texto ou autor. Esta abordagem pode ser utilizada, por exemplo, para se compreender a apropriação do liberalismo no Brasil e na América hispânica. Entendendo-se que dele se depreendem várias leituras possíveis. Por isso, ao invés de falarmos sobre o liberalismo no Brasil ou no Primeiro Reinado, nos parece mais seguro falar nos liberalismos, devido a diversidade interpretações do mesmo. Roger Chartier ressalta que algo importante desta “teoria da leitura” é compreender a “apropriação dos discursos” (CHARTIER, 1990, p. 24), ou seja, entender a forma como estes discursos afetam o leitor e o levam a um novo estatuto de compreensão de si próprio e do mundo. A apropriação objetiva uma história das interpretações e dar “atenção às condições e aos processos que, muito concretamente, determinam as operações de sentido” (CHARTIER, 1990, p. 26-27).

O conceito de apropriação, trabalhado por Chartier, é muito interessante para percebermos a autonomia do leitor perante o texto, permitindo “avaliar as diferenças na partilha cultural, na invenção criativa que se encontra no âmago do processo de recepção” (CHARTIER, 1992, p. 233). Torna-se necessário atentar para os processos e condições que “sustentam as operações de produção de sentido” (CHARTIER, 1991, p. 180). Ao entendermos que os textos são apropriados de acordo com aspectos

culturais, políticos, econômicos, sociais e, ainda, conjunturais podemos fugir de análises ingênuas sobre a interpretação de um autor, sobre a crítica ferrenha a determinado autor (que muitas vezes é pessoal), ou ainda, o uso de apenas parte da obra de um autor. Cada indivíduo ou grupo, segundo suas predisposições, interpreta e se apropria do texto de uma forma distinta. As apropriações feitas pelos atores políticos luso-brasileiros foram diversas, como eram diversas também as visões sobre o político e o social e as comunicações possíveis com o exterior. Além da influência da educação coimbrã de muitos dos parlamentares e intelectuais luso-brasileiros, os que não iam estudar em Portugal, tinham acesso a livros (e periódicos) vindos da Europa, muitos deles aqui proibidos pelo governo. Lúcia Bastos ao falar sobre parlamentares residentes no Brasil que não foram para Coimbra, aponta que estes não eram “iletrados” (NEVES, 2003, p. 61). A autora elenca alguns atores políticos que estudavam em seminários, igrejas e mosteiros católicos, muitas vezes com a finalidade de se prepararem para os estudos universitários, que acabaram não se concretizando6. Circularidade cultural Com a ideia de circulação cultural, Carlo Ginzburg também contribui muito para compreender a circularidade de ideias políticas, as várias leituras possíveis e a elaboração de novas formas de pensar a partir de uma série de influências. No artigo Tusitala e seu leitor polonês (GINZBURG, 2004) a ideia de que “nenhuma ilha é uma ilha”, que dá nome ao livro, fica evidente. Nenhuma pessoa pensa sozinha, o pensamento de um grupo ou de um lugar nunca está totalmente isolado ou fechado às influências externas. Ao contrário, unindo-se estas influências às predisposições existentes, o pensamento local ou de um grupo pode ser resultado da confluência de

6

Lúcia Bastos cita o Seminário de Olinda, o Seminário de São José (Rio de Janeiro), a Catedral da cidade de São Paulo e o Mosteiro de São Bento. (NEVES, 2003, p. 61)

vários aspectos. Por exemplo, grupos adeptos à ideia de emancipação política no Brasil olhavam para os exemplos vindos dos Estados Unidos e da França, como também para a “experiência hispano-americana” (PIMENTA, 2010, p. 88). Contudo, mantinham uma forte ligação com a tradição portuguesa e com as novas concepções político-culturais presentes no ideário luso, principalmente após as reformas pombalinas na Universidade de Coimbra7. Não podemos cair no reducionismo de pensar que os portugueses, tanto europeus quanto os da colônia, estavam, para aproveitar a ideia de Ginzburg, “ilhados” do restante da Europa e também da América. O diálogo com outras formas de pensamento se estabelece pelas representações diplomáticas, pelo intercâmbio de professores e alunos universitários, pela leitura de autores ingleses, italianos, franceses, e daqueles que escreviam, ainda no século XVIII e XIX, em latim, e tantas outras formas de sociabilidade possíveis. Uma outra contribuição de Ginzburg é a reflexão sobre centro e periferia, para além da ideia de atraso desta para com o centro. Esta análise se encaixa tanto na relação entre Portugal e o Brasil, principalmente durante o Vintismo e os anos iniciais da década de 1820, quanto na relação entre o Rio de Janeiro e outras partes do Brasil, em especial as fiéis a Portugal às vésperas da Independência, como Grão-Pará e Maranhão. Carlo Ginzburg evidencia que a relação entre centro e periferia é mais complexa que a difusão daquilo que é elaborado no centro, no espaço periférico. Esta relação se trata de conflito e não apenas de propagação de modelos e ideias. Mesmo quando a periferia acata o que vem do centro, há resistência. A periferia é também um lugar de produção e pode resistir ao que lhe é imposto, criando algo novo ou reelaborando o que é proveniente do centro. Como ressalta o historiador italiano, “identificar pura e simplesmente a periferia com o atraso significa, em última análise, resignar-se a escrever a história do ponto de vista do vencedor de round” (GINZBURG,1991, p. 54-55). Ginzburg, através da história da arte italiana, mostra as diversos sentidos possíveis entre esses dois polos, como momentos de periferização de um centro.

7

A reforma promovida por Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, na Universidade de Coimbra a partir de 1772, enfatizou principalmente a estrutura dos cursos, o regimento interno da universidade, os professores e a administração da universidade que passa para as mãos dos “estrangeirados”, visto que antes havia uma grande influência jesuítica no campo educacional português (NEDER, 2000, passim).

Ginzburg destaca relatos de pintores que afirmavam que era inevitável a ida para um grande centro artístico, caso quisessem crescer enquanto artistas, pois nas províncias não havia bons centros formadores e uma crítica cuidadosa que lhes exigisse melhorias. Caso semelhante ao dos estudantes brasileiros que partiam para a Universidade de Coimbra para se graduarem, pois, do contrário, não teriam uma formação acadêmica, tendo que se contentar com a leitura dos textos a que tinham acesso. Contudo, a ida desses atores periféricos não deve ser vista apenas pelo prisma da dominação por parte de Coimbra. Ginzburg afirma que a periferia é lugar de resistência e alternativas. O autor italiano substitui o termo atraso por alternativa coerente (scarto). Essa resistência que gera uma reelaboração do que é produzido no centro pode ser individual ou de uma área como um todo (GINZBURG,1991). Ginzburg dá maior ênfase aos centros artísticos. Porém, este sempre se estabelece e se mantém vinculado a um centro político, econômico, religioso ou intelectual – como seria o caso da Universidade de Coimbra que trabalhamos. Cabe ressaltar que no caso luso-brasileiro, por quase treze anos, Portugal fica em segundo plano e o Rio de Janeiro se torna o centro político, o que pode ser interpretado como uma forma de periferização que aumenta a possibilidade de circularidade cultural entre as duas partes. Rousseau e seus usos em periódicos luso-brasileiros A imprensa no Brasil deu seu pontapé inicial em 1808, com a transmigração da Família Real Portuguesa e criação do Correio Braziliense, publicado em Londres por Hipólito da Costa. Os anos que se seguiram assistiram um florescimento de uma nova forma de fazer política, uma forma de promover uma “pedagogia” política, principalmente a partir do fim da censura prévia em inícios da década de 1820, o que culminou no surgimento de vários periódicos, muitos de curta duração. Marco Morel ressalta que as primeiras décadas do século XIX assistiram uma expansão do público leitor e do número de títulos e tiragens em comparação com os séculos anteriores. Mesmo com uma escassa alfabetização o autor evidencia que devemos fugir da armadilha de considerar simplesmente como uma área elitista da sociedade, visto que neste período “havia cruzamentos e interseções entre as expressões orais e escritas, entre as culturas letradas e iletradas” (MOREL, 2008, p. 39).

O A Malagueta8 possuía uma linha “liberal exaltada”9, crítica, inicialmente, às Cortes Lisboa e contra os “corcundas”10, defendendo a unidade com Portugal, passando à defesa da autonomia brasileira11 e crítico ao Parlamento e à muitas atitudes de D. Pedro I e seus ministros. Este posicionamento lhe rendeu, muitas rebatidas por meio da imprensa, porém o que o marcou mais foram alguns atentados sofridos em consequência dos seus escritos. Alguns autores ressaltam o perfil volátil de Luís Augusto May12, que muitas vezes, por interesse, mudava de opinião. O A Aurora Fluminense13 pode ser classificado como um periódico “liberal moderado”14. Mesmo nessa linha mais branda, também criticava acontecimentos no Parlamento, o Imperador e seus ministros. Evaristo da Veiga 15, seu principal redator, O periódico A Malagueta era editado irregularmente por Luís Augusto May entre 1821 e 1832, “teve quatro fases: a inicial, de 18 de dezembro de 1821 a 5 de julho de1822, com 31 números: a segunda, compreendendo os sete números das Malaguetas Extraordinárias, aparecidas irregularmente entre 31 de julho de 1822 e 10 de julho de 1824; a terceira, de 19 de setembro de 1828 a 28 de agosto de 1829, com 91 números; e a quarta, de 2 de janeiro de 1831 a 31 de março de 1832, com 36 números [...] Constava geralmente de um só artigo e era vendida a 100 réis”(SODRÉ, 1999 , p. 61). 9 Ivo Coser classifica como “liberal exaltado” A Malagueta. (COSER, 2010, p. 57). 10 Neste sentido “corcundas” eram os absolutistas, conservadores ou os que defendiam o fim de privilégios da parte americana da América Portuguesa, sua oposição eram os “constitucionais” e liberais que defendiam as liberdades individuais e coletivas, contudo sem radicalismos, os que partilhavam de ideais mais extremos seriam excluídos do processo. “Corcunda” ou “carcunda” também passou a ser um sinônimo de “português” durante o contexto da Independência política do Brasil, os brasileiros por outro lado eram chamados de “constitucionais” (NEVES, 2003, passim). 11 Gladys Ribeiro destaca que periódicos como A Malagueta, Revérbero Constitucional Fluminense e O Correio do Rio de Janeiro, diferente do que muitos autores defendem, não tinham como objetivo defender a Independência do Brasil, como conhecemos, mas sim a autonomia brasileira em relação à Lisboa. A frequência do uso de termos como “emancipação” e “independência”, levaram muitos historiadores a interpretar como desejo de ruptura, visto que com o decorrer do tempo e os posicionamentos das Cortes de Lisboa, as críticas destes periódicos às medidas lisboetas foram se tornando cada vez mais frequentes. (RIBEIRO, 1997, p. 494). 12 Luís Augusto May, português, foi militar, posteriormente funcionário da Coroa Portuguesa. Chegou ao Brasil em 1815. Considerado por muitos autores como um dos grandes polemistas da Independência. Em 1823, May recebe uma proposta de José Bonifácio para assumir um cargo no exterior, mas para tal, ele deveria deixar de publicar seu jornal, este aceita, contudo fica sem o cargo. Após este ocorrido ele volta a publicar seu jornal. Luís Augusto May também foi alvo de artigos anônimos publicados no periódico O Espelho, segundo autores como Hélio Vianna e Nelson W. Sodré de autoria de D. Pedro I. Apesar de toda polêmica entre o Imperador e o redator do A Malagueta, May chegou a defender o retorno de D. Pedro I ao trono brasileiro, mas suas aspirações foram frustradas pela morte de D. Pedro em 1834. Eleito para a Câmara dos Deputados na primeira legislatura (18261829) por Minas Gerais e na segunda (1830-1833), substituindo o falecido João M. Vianna, pelo Rio de Janeiro. (MOREL, 2008, p. 40; SODRÉ, 1999, p. 61-65; NEVES, 2002, P50-51; MOLINA, 2015, p. 208215). 13 O jornal A Aurora Fluminense foi editado entre 1827 e 1835, regularmente, por Evaristo Ferreira da Veiga, na maioria do tempo como redator principal. (SODRÉ, 1999, p. 61-65; MOLINA, 2015, p. 293305). 14 Coser classifica o A Aurora Fluminense como “liberal moderado”. (COSER, 2010, p. 58). 15 Evaristo Ferreira da Veiga era filho de Luís Saturnino da Veiga e irmão de João Pedro da Veiga, ambos livreiros, Evaristo da Veiga seguiu o ramo da família, inicialmente junto com o irmão na “João Pedro da Veiga & Cia” e, em 1827, na sua própria livraria “Evaristo Ferreira da Veiga & Cia”, na qual, segundo Nelson W. Sodré “vendeu muito Rousseau, Montesquieu, Beccaria e outros” (SODRÉ, 1999, p. 38-39). Evaristo cresceu na livraria do pai, onde foi alfabetizado, aprendeu latim, inglês, italiano e 8

foi defensor da saída de D. Pedro I e apoiador das regências. Segundo Morel (2008, p. 40), era formador de opinião e possuía uma grande rede de associações a nível nacional, expressas em alguns periódicos como o O Repúblico, de Antonio Borges da Fonseca, e o Tiphis Pernambucano, de frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Analisaremos inicialmente o Aurora, a fim de estabelecer uma melhor interseção entre os dois periódicos. No A Aurora Fluminense do dia 3 de maio de 1830 (número 332) o redator faz uma forte crítica a Jean-Jacques Rousseau16, o “ Cidadão de Genebra”, ao falar sobre a origem do pacto social, como podemos notar no trecho abaixo: Eu sei que muitos homens privados das luzes da razão, e imbuídos em máximas falsas que propendem para destruir as idéas primitivas de independência, se hão-de escandalizar só com as palavras – convenções, direitos do povo, liberdade civil, leis fundamentaes e responsabilidade moral dos Monarchas; e que não hesitarão em considerarem esta doutrina como fructo de huma imaginação delirante, ou consequência de huma filosofia profana ou irreligiosa; porêm o seu erro he natural, porque eles se obstinão em considerar o pacto social como obra da philosohia moderna, quando a sua origem sobe á primeira idade do Mundo. A sociedade civil he efeito de huma convenção; ella se funda em humcontracto, como a sociedade conjugal e a sociedade domestica: axioma político que he fácil demonstrar. Entretanto eu citarei o testemunho de hum escritor, cuja authoridade sobre esta matéria ninguém julgará suspeita; fallo de S. Thomaz de Aquino, o Principe dos Theologosscholasticos, o qual quinhentos annos antes que o Cidadão de Genebra publicasse a sua excelente obra sobre este assumpto, havia estabelecido o Contracto social como o fundamento da sociedade política (A AURORA FLUMINENSE, 1830, 1). [Grifo nosso].

Citando Tomás de Aquino, o autor do artigo defende que o conceito de “pacto social” não é invenção dos filósofos modernos, mas já havia sido tema de obras do referido clérigo. Grande parte dos que pensam ou pensavam sobre pacto social considerava que o mesmo, estava na origem das sociedades, porém a teorização mais conhecida sobre o assunto é remetida à John Locke, Thomas Hobbes e Rousseau e não a Aquino, pensador defendido pelo redator do Aurora. Nessa passagem fica evidente sua concepção em torno do conceito de pacto social, sendo não apenas um acordo tácito, mas também um acordo formal, visto que o compara a

francês, além de ter acesso a uma Gama de autores estrangeiros, porém não seguiu o caminho de muitos atores político-sociais da época, o ingresso na Universidade de Coimbra. Foi eleito por Minas Gerais para a segunda legislatura 1830-1833), província que nunca pisara, sendo apenas conhecido pelo A Aurora Fluminense. (SODRÉ, 1999, p. 38-39, 106-108; MOLINA, 2015, p. 293-305). 16Em levantamento realizado no Real Gabinete Português de Leitura, de publicações entre 1820 e 1831, encontramos seis obras do abade Jean-Jacques Rousseau. Neste levantamento notamos algo que também é citado por Tânia Bessone: a predominância, no século XIX, de obras francesas em relação às portuguesas, latinas e inglesas, seja em temas religiosos, filosóficos, políticos ou literários (BESSONE, 2014, p. 49).

um contrato conjugal. O artigo é assinado por “Marina”, mas como redator principal, os textos passavam pelo crivo de Evaristo da Veiga. Veiga não estudou na Universidade de Coimbra como grande parte da elite política e intelectual lusobrasileira e, portanto, não teve um contato direto com as reformas acadêmicas pombalinas. Dessa forma, a afinidade à segunda escolástica presente neste trecho não pode ser considerada uma surpresa. Em outro texto, o redator do Aurora rebate a ideia de Rousseau de que “a liberdade do homem selvagem estava acima do homem civil” (A AURORA FLUMINENSE, 1830, nº 420, p. 4). O autor suíço defendia que o abuso das ciências e das artes, a ostentação e luxo, levaram o homem civilizado a corromper-se moralmente. Essa premissa que estava presente desde o início dos escritos do genebrino, o rendeu muitas críticas e calorosos debates, através de cartas e ensaios, com outros pensadores contemporâneos. Os embates entre Rousseau e outros autores da sua época foi um dos motivos que o levou a pensar que estava sendo perseguido no fim de sua vida. No A Aurora Fluminense de 03 de março de 1828, o redator o usa como exemplo ao dizer que “mais vale ser enganado uma ou outra vez que viver sempre em desconfiança. A desconfiança envenenou os dias de J. J. Rousseau” (A AURORA FLUMINENSE, 1827, nº 22, p. 4). Mesmo que o Aurora fosse muito mais contrário do que favorável às ideias de Rousseau, é possível encontrarmos algumas referências positivas ou neutras aos escritos do “Cidadão de Genebra”, como numa passagem do número 335, do dia 10 de maio de 1830, na qual o redator escreve que o “que me importa? ” (A AURORA FLUMINENSE, 1830, nº 335, p. 3) está desaparecendo, ao falar do comparecimento de um número expressivo de cidadãos à uma sessão. Esta frase faz parte da epígrafe do periódico A Malagueta, que diz “quando se diz à cerca dos Negócios do Estado – que me importa? – deve-se contar que o Estado está perdido” (A MALAGUETA, 1821, nº 1, p. 1). Ao lermos o trecho completo se torna mais fácil compreender o que se quis dizer no Aurora Fluminense. Para o autor, do artigo do periódico moderado, a falta de interesse para com os assuntos públicos estaria acabando. O A Malagueta, que trouxe na quase totalidade de seus números a epígrafe acima transcrita, possuía uma posição mais afinada com os escritos de Rousseau, que o A Aurora Fluminense. O trecho da epígrafe era como um lema para May. O principal assunto de seu periódico eram os “Negócios do Estado”. Com sua postura por vezes incendiária, estava sempre interessando nos assuntos político-sociais do

Império. A maioria das referências a Rousseau eram positivas e usadas como argumento de autoridade para respaldar sua fala. Outra característica distinta do A Malagueta em relação ao Aurora era que em muitas citações Luís Augusto May indica o livro e o capítulo do Contrato Social a que ele está se referindo ou transcrevendo, como em um dos artigos que ele critica a suspensão das magistraturas e repartições no Rio de Janeiro pelas Cortes de Lisboa. May transcreve, sem tradução, o seguinte trecho: “Et d’oú cent qui veulent um maitre ont ils le droit de voter pour diz que n’en veulent pas? (Cap. V. liv. I. ContSoc.) ” (A MALAGUETA, 1822, nº 24, p. 2)[ De onde sai o direito de cem, que querem um senhor, votar em nome de dez que não o querem de modo algum]. May no artigo critica a forma como os deputados europeus conduziram a situação não respeitando o voto dos americanos, que se opuseram às medidas suspensivas, defendendo que nesse caso deveria imperar a unanimidade. No mesmo texto, May defende a igualdade entre “brasileiros” e portugueses, argumentando que ambos entraram juntos no “Pacto Social” (A MALAGUETA, 1822, nº 24, p. 4) e devem ter os mesmos direitos e deveres. Vale ressaltar que May era funcionário público e foi diretamente prejudicado pelas medidas das Cortes lisboetas. May, no número 2 do A Malagueta, defende que após escolher os seus representantes os cidadãos não têm mais direito de representação a não ser por estes. Afirma que Rousseau tem razão em dizer que o representado sempre tem a soberania e não deixa de exercê-la, mesmo após escolher seu representando. Porém, evidencia que o pensamento de Rousseau se enquadra apenas nas eleições em que o “Povo he verdadeiramente soberano” (A MALAGUETA, 1822, nº 2, p. 7). Não fica claro no artigo por que May não considera seus leitores soberanos, contudo não podemos descartar uma influência jusnaturalista no pensamento de May, principalmente em relação à soberania real. Rousseau não era muito afeito à monarquia, criticava o parasitismo das instituições monárquicas que eram em sua maioria ocupadas por ministros, segundo o autor, de pouca virtude, devido a não serem eleitos pelo povo, mas sim nomeados pelos reis. Contudo, o autor suíço evidencia que quando um desses ministros mostra virtuosidade consegue fazer com que o reino tenha sucesso, como no trecho a seguir, citado por May: Mas também, quanto por algum feliz acaso sucede, que hum homem daqueles que nascem pra governar, chega a tomar o Leme da Administração em huma Monarquia estragada por huma censura de míseros mandões,

todos se admirão dos recursos que ele pode achar, e sua Administração faz agora no Paiz. (A MALAGUETA, 1821, nº 6, p. 1).

May se apropria dessa passagem de Rousseau para criticar a nomeação de José Bonifácio ao Ministério. Como bom ministro cita o Marquês de Pombal e diz que não há talento como o deste entre seus contemporâneos e que Pombal não pode ser comparado a estes. Uma clara apropriação aparece neste trecho, May troca o termo “jolis régisseurs” [belos regentes] (ROUSSEAU, 1762, p. 63), das edições francesas por “míseros mandões”, numa tradução livre, visto que as edições lusas do Contrato Social de 1821 se aproximam das versões em francês17. A ironia de Jean-Jacques Rousseau sai e entra uma desqualificação direta de Luís Augusto May aos ministros reais. Considerações finais Buscamos neste trabalho pensar a apropriação cultural e de ideias e a relação entre leituras e leitores. Para tal, os conceitos de apropriação cultural e de ideias e de circularidade cultural foram muito importantes. Destacamos a análise das formas de sociabilidade, as maneiras de ler e usos dos autores por parte dos luso-brasileiros, como ocorreu com o caso da leitura de Jean-Jacques Rousseau. Julgamos importante o estudo sobre a apropriação de Rousseau nos escritos brasileiros do Primeiro Reinado, visto que, de forma geral, este autor não era abertamente citado nos textos, livros, panfletos ou periódicos do período. O A Aurora Fluminense, por exemplo, possuía uma linha editorial muito mais próxima das ideias de Benjamin Constant e François Guizot, contudo, não estava indiferente às ideias do “Cidadão de Genebra”, principalmente em relação ao contratualismo, desigualdades e soberania, mesmo, na maioria das vezes, discordando delas. Luís Augusto May, figura polêmica do Primeiro Reinado, foi um dos poucos a citarem abertamente os argumentos de Jean-Jacques Rousseau, inclusive, publicando em todas as suas edições a epígrafe do filósofo suíço, citada acima, sendo assim, um caso interessante de ser estudado. Para além, da leitura direta das obras de Rousseau, através deste autor, o conceito de contrato ou pacto social, também trabalhado por autores como John Locke, Thomas Hobbes e

Destacamos a expressão “míseros mandões” que diferem do sentido das edições francesas do Contrato Social, que trazem a expressão “jolis régisseurs”[belos ou lindos regentes] (ROUSSEAU, 1762, p. 63). Na tradução portuguesa, publicada em Lisboa em 1821 encontramos a expressão “lindos Governantes” (ROUSSEAU, 1821a, p. 96), e a versão portuguesa, publicada em Paris em 1821 traz a expressão “bellos regentes” (ROUSSEAU, 1821b, p. 168), mantendo o caráter irônico do termo. 17

Samuel Pufendorf, pôde adentrar com mais força na França na Revolução Francesa e, posteriormente, na península ibérica (e, consequentemente, a América Ibérica), tornando-se um termo importante do vocabulário político de fins do século XVIII e inícios do século XIX, juntamente com outros como nação, cidadania, soberania. Compreender a relação entre leituras, leitores e impressos é necessário para pensarmos a apropriação de ideias por parte dos atores políticos e sociais do período em tela nesse trabalho e para nossa dissertação.

Bibliografia: BESSONE, Tânia Maria. Palácios de destinos cruzados: bibliotecas, homens e livros no Rio de Janeiro. São Paulo: Edusp, 2014.

CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. _________________. O Mundo como Representação. Estudos Avançados. São Paulo, n. 11, p. 173-191, 1991. _________________. Textos, impressão, leituras. IN: HUNT, Lynn. A Nova História Cultural. São Paulo: Martins Fontes, 1992. _________________. Uma revolução da leitura no século XVIII? IN: NEVES, Lucia M. Bastos Pereira das. Livros e impressos: retratos do Setecentos e do Oitocentos. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009. GINZBURG, Carlo. História da Arte Italiana. IN: ______; CASTELNUOVO, Enrico; PONI, Carlo. A Micro-História e outros ensaios. São Paulo: Bertrand Brasil/Lisboa: Difel, 1991. _________________. Tusitala e seu leitor polonês. IN: _________. Nenhuma ilha é uma ilha. Quatro visões da literatura inglesa, São Paulo: Companhia das Letras, 2004. GUERRA, François-Xavier. Modernidad e independencias: Ensayos sobre las revoluciones hispánicas. México: FCE, 1993. MOREL, Marco. Os primeiros passos da palavra impressa. IN: MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tania Regina de (Orgs). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. NEDER, Gizlene. Iluminismo jurídico-penal luso-brasileiro: obediência e submissão. Rio de Janeiro: Freitas Bastos/ICC, Coleção Pensamento Criminológico, 2000. NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. Corcundas e Constitucionais: a cultura política da Independência (1820-1822). Rio de Janeiro: Revan, FAPERJ, 2003. NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. Cidadania e participação política na época da independência do Brasil. Cadernos Cedes, Campinas, v. 22, n. 58, dezembro 2002, pp. 47-64. PIMENTA, João Paulo G. De Raynal a De Pradt: apontamentos para um estudo da ideia de emancipação da América e sua leitura no Brasil. Almanack Braziliense. São Paulo, n. 11, p. 88-99, 2010. RIBEIRO, Gladys S. A construção da liberdade e de identidade nacional. Corte do Rio de Janeiro, fins do XVIII e início do XIX. Anais do XIX Simpósio Nacional de História, 1997, Belo Horizonte. pp. 487-503. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Du contrat social ou Principe du droit politique. Amsterdã: M.-M. Rey, 1762.Disponivel em: http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k202715b. Acessado em 19 out 2015. ROUSSEAU, Jean-Jacques.O Contrato Social ou Principios do Direito Político. Lisboa: Typ. Rollandiana,1821(a). ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social ou Principios do Direito Político. Paris: Of. Firmino Didot, 1821(b). MOLINA, Matías M. História dos jornais no Brasil: Da era colonial à Regência (15001840). São Paulo: Cia das Letras, vol. 1, 2015.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.