Leituras Possíveis Das Relações Sociedade-Trabalho E Trabalho-Comunicação No Âmbito Das Macroestruturas da Sociedade e do Desenvolvimento Sustentável

June 30, 2017 | Autor: É. Fernandes | Categoria: Comunicação, Sustentabilidade, Sociedade civil, Trabalho, Desenvolvimento Sustentável
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Leituras Possíveis Das Relações Sociedade-Trabalho E Trabalho-Comunicação No Âmbito Das Macroestruturas da Sociedade e do Desenvolvimento Sustentável Autoria: Érik Álvaro Fernandes, Marlene Marchiori Agradecimentos à CAPES, ao CNPq e à Fundação Araucária pelo apoio para realização deste ensaio.

Resumo: O trabalho tem se transformado junto com as mudanças nas sociedades, em especial nas capitalistas, ele tem se deteriorado, tanto no seu aspecto estrutural (instrumental), quanto na sua essência (significado). Por outro lado, o desenvolvimento sustentável surge como uma nova prerrogativa em discussão, que requer mudanças das sociedades contemporâneas, ao mesmo tempo, as macroestruturas das sociedades estabelecem processos de interações e mediações que são permeados pela comunicação e por relações de poder. Assim a comunicação aparece como um aspecto importante tanto nas macroestruturas, como no desenvolvimento sustentável e intrínseca ao trabalho, sugerindo possíveis leituras das relações sociedade-trabalho e trabalho-comunicação nesses âmbitos (macroestruturas e desenvolvimento sustentável). Essa comunicação quando não instrumentalizada tem a possibilidade de modificar a realidade social dos sujeitos e das suas próprias relações que constituem a sociedade. Palavras-chave: macroestruturas, desenvolvimento sustentável, comunicação, trabalho Introdução O trabalho ao longo dos anos tem se transformado junto com as sociedades. Sua trajetória é acompanhada por uma deterioração, tanto do seu aspecto estrutural, através da fragmentação, heterogeneidade e complexificação (ANTUNES; ALVES, 2004) quanto da sua essência, deixando de ser ele o gerador de sentido para a vida das pessoas (ANTUNES, 2009). As modificações no mundo do trabalho são influenciadas pelas alterações que a sociedade sofre ao longo do tempo. Nesse sentido, diversas possibilidades podem ser consideradas: as crises econômicas, a globalização, a pressão do desenvolvimento sustentável, entre outras. Isso enseja olhar para esses fatos e verificar como o trabalho pode ser estruturado a partir delas. Nesse sentido, o desenvolvimento sustentável surge com maior evidencia, onde seu aspecto social se compromete com a melhoria da qualidade de vida das pessoas e a consecução desse propósito deve obrigatoriamente passar pela rediscussão do significado do trabalho nas sociedades contemporâneas, onde este pode ser discutido em uma perspectiva transformadora, de um trabalho instrumental a um trabalho social, o qual traz consigo uma prerrogativa fundamental, a de gerar sentido à vida. Outro ponto que chama atenção é com relação a configuração da sociedade, suas distribuições de poder, as quais também impactam na estruturação do trabalho. Essas dinâmicas requisitam um olhar para as macroestruturas da sociedade e para tal recorre-se ao uso de modelos sociológicos que viabilizam essa leitura. Esses modelos, apesar de permitirem isso, são limitados na tentativa de capturar todas as inter-relações entre essas macroestruturas, entretanto, ainda sim auxiliam na possibilidade de refletir sobre como o significado do trabalho pode ser influenciado por cada uma das esferas: o Estado, o Mercado e a Sociedade Civil e; além disso, como os processos de interação e mediação que ocorrem entre essas esferas também influenciam na estruturação do mundo do trabalho. A partir disso, olhar para o aspecto social é vislumbrar os processos de interação e mediação da Sociedade Civil com as outras esferas e como sua intermediação através de uma democracia representativa (políticos e sindicatos), a afasta das decisões que impactam 1   

 

diretamente sobre o trabalho e consequentemente sobre a maior parte das pessoas que compõem a Sociedade Civil. Ao mesmo tempo em que se exploram essas relações entre sociedade e trabalho, também busca-se olhar para essa essência do trabalho que está distante do seu aspecto estrutural e quais as possíveis alternativas para reaproximá-las. Nesse sentido, a comunicação se evidencia como força motriz do sistema hegemônico, baseado na relação comunicaçãopoder e também como principal força motriz para a modificação da realidade, o binômio comunicação-trabalho que gera sentido à vida e permite as práticas sociais interativas (FIGARO, 2008). Assim o objetivo é explorar possíveis leituras das relações sociedade-trabalho e trabalho-comunicação, considerando o aspecto social no âmbito das macroestruturas da sociedade e do desenvolvimento sustentável. Para sua realização, optou-se pelo formato de ensaio teórico, que permitiu explorar essas relações a partir da ótica de algumas teorias. A Relação entre as Macroestruturas da Sociedade e o Trabalho Para representar as inter-relações das macroestruturas da sociedade, geralmente se utilizam modelos sociológicos. Estes ainda que limitados na capacidade de capturar toda complexidade dessas inter-relações, são úteis quando considerados como leituras possíveis da realidade, permitindo refletir sobre ela e seus possíveis desdobramentos. Um desses modelos é o modelo triádico ou modelo sociológico das três esferas, o qual sugere a sociedade como composição das esferas do Estado, do Mercado e da Sociedade Civil. Nesse modelo cada uma dessas esferas não deve ser entendida como hermeticamente fechada ou espaços de domínio autônomo, mas que elas interagem sistematicamente (KATZ; MAURER; WRIGHT, 2011). Uma crítica a esse modelo é a sua disposição triangular, que inevitavelmente estabelece uma relação a cada duas esferas e com isso não evidenciam todas as inter-relações que realmente existem (KATZ; MAURER; WRIGHT, 2011). Assim, para os autores, este modelo acaba deixando uma das esferas ausente dos processos interacionais das outras duas, de modo que essa relação acaba sendo estabelecida somente pelas esferas que interagem diretamente. A partir desse entendimento, os autores sugerem que a terceira esfera não pode ser ausente, a partir do momento que pode vir a exercer um papel de mediadora na interação que se dá pelas outras duas. Assim, o modelo triádico inicial, pode ser decomposto de três formas distintas a partir dos processos de interação e mediação que compõem as esferas. Figura 01 – Interações e mediações entre o Estado, o Mercado e a Sociedade Civil. Estado

Estado

MEDIAÇÃO

Estado

Soc.  Civil

INTERAÇÃO

Merca do

Soc.  Civil

Merca do

Soc.  Civil

Merca do

A) O Estado media as B) A Sociedade Civil media C) O Mercado media as interações entre a Sociedade as interações entre o Estado e interações entre a Sociedade Civil e o Mercado. o Mercado. Civil e o Estado. Fonte: Katz, Maurer e Wright (2011, p. 407). 2   

 

Nessa releitura das inter-relações, percebe-se que as esferas não exercem somente um papel ativo nas interações postas diretamente com as outras, mas também na mediação das interações das quais não fazem parte. Assim, cada esfera é ao mesmo tempo, produtora e reguladora das interações, as quais quando equilibradas reproduzem uma sociedade plena, por outro lado, em uma sociedade onde o Mercado se posiciona como a principal esfera, o papel de mediação do Estado é reduzido, tornando-se fraco para mediar as interações entre Mercado e Sociedade Civil. De modo análogo, numa sociedade onde o Estado é preponderante, o Mercado age mediando a incursão do Estado sobre a Sociedade Civil, evitando assim uma subordinação generalizada. Outro exemplo, sugere a Sociedade Civil atuante, com movimentos sociais engajados, moldando as formas como o Estado regula o Mercado e como este necessariamente acaba por influenciar o próprio Estado e a Sociedade Civil, trazendo no bojo dessas discussões a importância da contribuição de cada uma das esferas para o equilíbrio da sociedade. Apesar disso, percebe-se que as sociedades contemporâneas apresentam desiquilíbrios entre as esferas, os quais retiram-lhe essa capacidade de plenitude, levando ao entendimento que estes desequilíbrios estão em seus processos de interação e mediação. Nesse sentido, argumenta-se que tanto a interação, quando a mediação são processos que se constituem na comunicação e quando vislumbrados dessa forma, podem vir a gerar tanto consenso quanto dissenso em suas negociações mediadas, como por exemplo, cooperações ou disputas entre as esferas. Como a sociedade é marcada pela possibilidade de incursão de uma esfera na outra, esses processos comunicacionais (interação e mediação) são permeados também por relações de poder. Para Mumby (2013), comunicação e poder estabelecem uma relação dialética, onde o poder tem a habilidade de moldar a construção dos significados e ao mesmo tempo, é constituído na forma comunicativa. Isso leva ao entendimento que a comunicação ao mesmo tempo que constituí as relações poder, também as regula, evitando que elas se sobreponham e acabem moldando os significados livremente. Assim, sugere-se que esses desequilíbrios podem ter como causa possível, a ausência de uma comunicação que constitui e regula o poder e isso acontece na presença de uma comunicação instrumentalizada, onde ela é incapaz de produzir significados que se contraponham a aqueles moldados pelo poder. Percebe-se que exatamente na presença de uma comunicação instrumental e na percepção de desiquilíbrios nos processos e nas esferas é que tem se manifestado a necessidade de uma democracia participativa, que inclua cada vez mais a Sociedade Civil nos processos decisórios de modo que o desenvolvimento sustentável seja possível (CMMAD, 1991; GOHN, 2001; FOLADORI, 2002; NASCIMENTO, 2012), esta democracia participativa traz em sua prerrogativa a ação. Em suma, os processos de interação e mediação são em sua essência, atos comunicacionais, onde as relações de poder podem ser rediscutidas, redistribuídas e restabelecidas no sentido de se alcançar uma sociedade plena. Dentro desse contexto, chama a atenção a conversão do trabalho em uma simples relação econômica, instrumentalizada que permite o controle e a exploração (ANTUNES; ALVES, 2004; FIGARO, 2008) e que muitas vezes se confunde com o que se entende por emprego (relação de troca entre mão-de-obra e salário), porém, o trabalho encerra em si uma dimensão mais ampla: A medida que o trabalho muda o jeito de ser, de pensar e de agir de cada ser humano e de cada cultura, torna-se condição de humanização e instrumento de liberdade, porque é pelo trabalho que o homem viabiliza a realização de seus projetos (desejos) no mundo, ao mesmo tempo em que se torna propriamente humano (ARANHA, 1997, p. 23)

O trabalho é uma condição “sine qua non” a sociedade contemporânea não poderia existir, principalmente a capitalista. Dessa forma, ele se torna central e pode ter leituras 3   

 

distintas nas esferas: para o Mercado, o trabalho é base de todo processo produtivo; para a Sociedade Civil é a principal forma de humanização e socialização; enquanto que para o Estado, é fundamental agir como regulador das outras esferas, buscando balancear as desigualdades neste âmbito (figura 01-A). Nesse sentido, como a comunicação entre o Mercado e a Sociedade Civil se estabelece de forma instrumental, o poder entre elas é desigual, de modo que o Mercado molda o significado do trabalho como uma relação econômica. O Estado por sua vez também depende economicamente do Mercado, o que enfraquece sua mediação para regular essa desigualdade. Assim o significado do trabalho como humanização e socialização se enfraquece diante da perspectiva econômica. Esse enfraquecimento da Sociedade Civil diante das outras esferas, leva a necessidade de se centrar nela o olhar e procurar entender como as inter-relações dispostas na figura 01-B, estabelecem a estruturação do mundo do trabalho (FIGARO, 2008). Assim é possível observar que o trabalho, enquanto dimensão normativa, tem seu significado definido nas interações entre o Estado e Mercado e os processos comunicacionalmente enfraquecidos da Sociedade Civil, devido a instrumentalização, acabam por permitir a reprodução desse significado normativo, focado no aspecto estrutural. Dessa forma, outros aspectos do trabalho como a humanização e a socialização ficam ausentes, uma vez que essa comunicação instrumentalizada e as relações de poder desiguais impedem uma produção de sentido nesse nível. Além disso, na maioria das sociedades contemporâneas, o sistema político está alicerçado na democracia representativa, onde a Sociedade Civil é representada por intermediários, como os representantes políticos e sindicatos. Esse sistema não tem dado conta das demandas, abrindo espaço para que movimentos sociais emerjam da Sociedade Civil para lutar pelo reconhecimento e por alterações nas condições de vida e do trabalho (GOHN, 2001). Nesse contexto, decorrem três entendimentos:  A representatividade (intermediários), distancia a Sociedade Civil das outras esferas, o que enfraquece o seu processo de mediação da interação EstadoMercado, permitindo que a estruturação do mundo do trabalho seja feita por elas;  Mesmo a representatividade se dá por vias instrumentalizadas, o que não suporta a ressignificação do trabalho nas sociedades contemporâneas (novo nível de entendimento);  O distanciamento provocado pela representatividade e pelas vias instrumentalizadas, colaboram para diminuir a importancia da Sociedade Civil na sociedade, principalmente em relação as outras esferas. Esses entendimentos evidenciam que qualquer tentativa de reconstrução da realidade é paralisada, o que em última instancia inviabiliza o próprio desenvolvimento da sociedade para uma condição de plenitude. Nesse sentido, é necessário considerar que esse debate de desenvolvimento das sociedades é ainda perpassado pelas questões do desenvolvimento sustentável, em especial sua dimensão social (FOLADORI, 2002; ROBINSON, 2004; DEMPSEY et al., 2011; VALLANCE; PERKINS; DIXON, 2011; NASCIMENTO, 2012), que enfoca a importância fundamental que as pessoas têm para sua consecução. Esse destaque ocorreu a partir do Relatório de Brundtland, em 1987 (CMMAD, 1991), o que leva a necessidade de compreender como essa dimensão está sendo representada dentro do desenvolvimento sustentável em uma sociedade.

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A Relação Social entre o Desenvolvimento Sustentável e o Trabalho A conferência de Estocolmo, em 1972, reuniu países desenvolvidos e em desenvolvimento para discutirem sobre os problemas ecológicos. Nesse encontro ficou evidente que os países desenvolvidos estavam preocupados com a degradação ambiental, que ameaçava a qualidade de vida das pessoas, enquanto que os países em desenvolvimento não queriam ter seu crescimento obstruído pela necessidade de preservação ambiental e assim, justificaram que esse tipo de problema (ambiental) era proveniente das desigualdades sociais que assolavam esses países (NASCIMENTO, 2012). Esses distintos enfoques sobre os problemas ambientais continuaram atraindo a atenção em outras conferencias, até que foram materializados no conceito de desenvolvimento sustentável proposto no Relatório Brundtland, em 1987 (CMMAD, 1991), o qual deixa claro que o objetivo do desenvolvimento sustentável não é apenas a conciliação entre preservação ambiental e desenvolvimento econômico, mas também incorporar a dimensão social como parte fundamental para sua realização. Os estudos nesse campo revelam que a literatura disponível, especificamente sobre a dimensão social do desenvolvimento sustentável é limitada (DEMPSEY et al., 2011). Por outro lado, essa dimensão também se encontra discutida em outros conceitos como: capital social, coesão social, inclusão e exclusão social o que sugere haver uma quantidade considerável de literatura. Assim, os autores afirmam que apesar de não estar claro, o conceito da dimensão social do desenvolvimento sustentável deve ser amplo e multidimensional, capaz de responder à questão: “quais são os objetivos sociais do desenvolvimento sustentável?” (DEMPSEY et al., 2011, p. 290). A pergunta é intencionalmente ampla para permitir inúmeras respostas baseadas nas muitas possibilidades de leituras da dimensão social, evidenciando que essa dimensão do desenvolvimento sustentável não é absoluta, nem constante, mas dinâmica, se alterando ao longo do tempo (DEMPSEY et al., 2011). Nesse sentido, Vallance, Perkins e Dixon (2011) afirmam que essa incorporação da dimensão social ao desenvolvimento sustentável, pode ser considerada uma tentativa de construção de um construto amplo o suficiente, capaz de abordar as demandas tangíveis e intangíveis da vida humana. Os autores ainda destacam que o relatório de Brundtland afirma claramente que um dos desafios fundamentais é a alteração na forma de distribuição de poder e influência dentro das sociedades, evidenciando que o desenvolvimento sustentável só se estabelecerá quando todos forem considerados igualmente capazes de decidir o futuro da sociedade. Dentro desses argumentos, Vallance, Perkins e Dixon (2011) propõem que a dimensão social do desenvolvimento sustentável pode ser compreendida a partir de três perspectivas teóricas: (i) a dimensão social como desenvolvimento tangível e intangível das pessoas; (ii) como manutenção social e; (iii) como uma ponte que liga as abordagens que defendem uma transformação profunda da sociedade e as que não consideram isso necessário. Percebe-se que cada um dos aspectos teóricos, focam em distintas partes que compõem o social. No mesmo sentido, Dempsey et al. (2011) destacam que os objetivos sociais podem variar entre aspectos físicos e não físicos, os quais ainda podem ser direcionados para mudanças consideradas superficiais, como a melhoria da qualidade de vida ou mais profundas, como a alteração dos valores intrínsecos da sociedade. Em suma, todas essas abordagens dialogam diretamente com as mudanças necessária as sociedades, principalmente aquelas que necessitam vir da Sociedade Civil e destacam o papel da dimensão social para essas transformações que possibilitam equilibrar as dimensões dentro do desenvolvimento sustentável e as esferas nas macroestruturas da sociedade. Ressalta-se que o objetivo não é pôr em questão a legitimidade dos entendimentos realizados pelos autores (que de uma forma ou outra parecem contribuir para as mudanças necessárias), mas refletir sobre como eles estão sendo pensados e construídos. Para 5   

 

exemplificar, ao tratar essas leituras como objetivos, estabelece-se um entendimento de que são metas a serem alcançadas, enfatizando em última instancia os resultados e não o processo a ser construído, o que sugere uma forte tendência a instrumentalização dessa dimensão. Com a efetivação dessa instrumentalização, o processo para alcançar esses objetivos torna-se incompatível com a própria diversidade cultural e a redistribuição de poder necessária na sociedade (VALLANCE; PERKINS; DIXON, 2011). De modo análogo ao que acontece com a Sociedade Civil, abre-se espaço para que a dimensão social possa ser intermediada por ferramentas e processos, o que a afasta de sua posição fundamental para a consecução do desenvolvimento sustentável, o que inviabiliza o próprio processo em si, ao desequilibrar a importância de uma das dimensões. Essa percepção é reforçada pela crítica de Foladori (2002), mostrando que a dimensão social é tratada apenas como um meio para atingir a conciliação entre preservação ambiental e crescimento econômico. Além disso, ele pondera que em todas essas dimensões prevalece o aspecto técnico e instrumental como forma de estabelecer soluções, o que reforça que qualquer tipo de participação social no desenvolvimento sustentável se dá de forma instrumental e que em última instancia em nada contribui para reconstrução social da realidade. Nesse contexto, Foladori (2002), destaca que apesar disso, houve evolução na participação social, deixando de ser passiva, passando a ser funcional, depois interativa e pôr fim a empoderadora (empowerment). Esse processo de amadurecimento da participação social é gradativo ao longo do tempo e evidencia as diferenças de poder e influência da própria sociedade, que refletem-se na priorização das dimensões do desenvolvimento sustentável, onde, num primeiro momento, o social não havia sido considerado nas discussões anteriores ao Relatório de Brundtland (quando foi destacada sua importância) e permanece subjugado aos interesses ambiental e econômico, sendo considerado um meio para atingi-los (FOLADORI, 2002). Portanto, fica evidente a necessidade de mudanças na percepção acerca da dimensão social no desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, Robinson (2004), contribui significativamente ao afirmar que o desenvolvimentos sustentável deve:  Ser um conceito integrativo que perpasse todas as estruturas da sociedade;  Ir além dos conceitos, ter ações;  Considerar as soluções técnicas, mas ter clareza que elas não são suficientes;  Ser construído socialmente;  Engajar a todos num processo dialógico. Dessa forma, sua dimensão social deve ser constituída essencialmente como um processo, no qual os conhecimentos devem ser mixados aos valores e crenças que constituem as comunidades para emergir da interação conversacional um entendimento compartilhado, no qual essas várias percepções presentes no ato comunicacional, possam ser expressadas e legitimadas. Essa percepção da dimensão social como um processo, oferece-se com uma alternativa para a criação e estímulo de parcerias e diálogos políticos diferenciados, que sejam capazes de evidenciar as questões do desenvolvimento sustentável a partir do contexto que compõe a realidade, no qual reflexões amplas e profundas, possam envolver as pessoas em processos conversacionais que as levem a consecução de práticas discutidas e mobilizadas pelos grupos que desses diálogos participam (ROBINSON, 2004). Entendendo que o desenvolvimento sustentável deve contribuir para o estabelecimento de uma vida melhor, englobando a Sociedade Civil e as demais relações, então os imperativos técnicos necessitam ser ressignificados através de diálogos carregados de metáforas, histórias e símbolos, para que possam ressoar nas experiências coletivas do dia-a-dia, dando sentido à vida, humanizando e ampliando a socialização entre as pessoas (ROBINSON, 2004; VALLANCE; PERKINS; DIXON, 2011). Assim, esse processo requer a presença dos 6   

 

sujeitos em diálogos, de modo que uma ampla e profunda deliberação entre eles, possa encaminhar soluções, ainda que diferentes, respaldadas na conscientização de que todos são capazes de compreender continuamente as consequências ambientais, sociais e econômicas de suas ações. Assim admite-se que o desenvolvimento sustentável é em sua essência, um processo inevitavelmente experimental, dialógico, prático e experiencial (ROBINSON, 2004). Portanto, a comunicação é uma condição “sine qua non” a dimensão social não pode se constituir socialmente, se diferenciando de uma dimensão puramente instrumental. Ela é premente para substanciar essa dimensão e em última instância o próprio processo do desenvolvimento sustentável na sociedade. As interações aqui entendidas como episódios frequentes de comunicação, se tornam capazes de gerar o empoderamento dos sujeitos, dando voz e habilitando-os para se posicionarem como fundamentais no processo de construção social do desenvolvimento sustentável. Simultaneamente a isso, se reduz a necessidade de intermediações quando os sujeitos são considerados como igualmente capazes de definirem o futuro que desejam para a sociedade dentro de uma gama de alternativas possíveis. Num sentido mais amplo, esse processo deve ressoar em todas as estruturas da sociedade, de modo que ele possa também promover o empoderamento da Sociedade Civil diante das outras esferas. Portanto é impossível pensar a dimensão social e mesmo o desenvolvimento sustentável como um processo instrumentalizado. Nesse sentido, o trabalho deve ser entendido como lócus da humanização e socialização do sujeito, através do qual suas práticas reconstroem as relações que permitem constituir uma sociedade contemporânea plena. Portanto, o trabalho e a comunicação adquirem destaque central, pois se apresentam como capazes de realizarem modificações nas sociedades, ao mesmo tempo que sofrem os impactos destas transformações. A Relação entre Trabalho e Comunicação As sociedades têm sofrido modificações ao longo do tempo e o mundo do trabalho tem sido alterado junto, de tal forma que o trabalho tem se tornado cada vez mais precário nessas sociedades contemporâneas, o que levou ao questionamento de sua posição central (ANTUNES; ALVES, 2004; FIGARO, 2008). Por outro lado, sua importância pode ser expressa pela dependência que outras práticas sociais como a política, as crenças, o lazer, entre outras; tem em relação ao trabalho, necessitando dele para se realizarem. Isso revela a intrínseca relação entre sociedade e trabalho, onde os impactos em qualquer um deles, implica em modificações no outro (ANTUNES; ALVES, 2004). Essa interdependência revela como, por exemplo, as crises econômicas e a globalização contribuíram para a degradação do trabalho (ANTUNES, 2009). Entretanto, olhar para o trabalho nesse contexto é assumir seu aspecto estrutural, ou seja, evidencia-se aquilo que Antunes e Alves (2004) denominam de “a classe que vive do trabalho”, na qual trabalho e emprego são sinônimos e sua prática é orientada por um viés econômico, definido por uma relação de troca entre mão de obra e salário. Esse entendimento é limitado para abarcar a premência que o trabalho assume na vida das pessoas. Assim, o trabalho em sentido amplo, é o ato laborativo de produzir coisas úteis a partir da relação homem-natureza. Quando esse ato laborativo passa a depender da cooperação de outras pessoas, ele origina o que se chama prática social interativa, na qual o trabalho passa a compreender a relação entre esses sujeitos e deles para com a natureza. Dessa forma, a prática social interativa pode ser entendida em sua essência como uma prática social comunicativa, que requisita os sujeitos em processos comunicacionais para que tornem capazes de se coordenarem em suas práticas laborativas e isso releva o caráter imbricado entre trabalho e comunicação que substancia a própria prática dos sujeitos (ANTUNES, 2009). 7   

 

Esse segundo olhar sobre o trabalho, evidencia sua essência enquanto parte do próprio processo de humanização e socialização entre as pessoas, o qual permite a ampliação do ser natural (espécie), para o ser social, onde a consciência adquire um novo patamar, deixando de se centrar na reprodução biológica e passando a refletir sobre as necessidades de realização continua e de se produzir e reproduzir enquanto sociedade. Esse sujeito social constituído, busca dar sentido à vida e encontra no trabalho sua primeira realização (ANTUNES, 2009). A partir desses entendimentos, o trabalho não é composto apenas do aspecto estrutural, mas é dotado de significado, de modo que simultaneamente permite a transformação da natureza em coisas úteis e dá sentido à vida das pessoas através da humanização e da socialização. Dessa forma, ressalta-se que ambas, essência e aspecto estrutural, não se encontram dissociadas, mas interligadas na própria evolução histórica do trabalho. Nesse sentido, Antunes e Alves (2004), afirmam que ao longo da história, as principais modificações no mundo do trabalho foram a heterogeneidade, a fragmentação e a complexificação. Essas modificações aumentaram as demandas sobre os sujeitos que cada vez menos refletiam sobre o significado do trabalho, provocando um afastamento entre a essência do trabalho e o sentido da vida. Outro fator considerado nesse processo de distanciamento, é o papel da comunicação na reconfiguração das relações de produção e consequentemente do mundo do trabalho (FIGARO, 2008). Nele, a comunicação permeia todos os significados produzidos, de modo que é através dela que o poder é regulado pela relação dialética que ambos mantém entre si (MUMBY, 2013). Assim, uma instrumentalização da comunicação (ANTUNES; ALVES, 2004; FIGARO, 2008), permite ao poder se sobrepor, modelando os significados do mundo do trabalho e passando a ser o orientador do sentido da vida. Dessa forma, a relação comunicação-poder adquire importância na sociedade contemporânea, enquanto que a relação comunicação-trabalho é questionada sobre sua centralidade, evidenciando a compreensão que o sentido da vida não está mais enraizado no trabalho, mas no poder. Essa perspectiva sugere um novo olhar, não só no processo de separação dos sujeitos e os meios de produção, mas também no distanciamento entre a essência e o aspecto estrutural do trabalho. Uma vez que o trabalho deixa de ser o principal gerador de sentido para a vida do sujeito, este perde exatamente seu valor, não apenas monetário, mas social e sua banalização é inevitável, permitindo a livre associação entre trabalho (gerador de sentido da vida) e emprego (relação de troca entre trabalho-salário). Assim, esse trabalho sinônimo de emprego, passa a ser uma atividade instrumental, permeada pela lógica econômica, permitindo o controle-exploração o que paralisa qualquer possibilidade de os sujeitos refletirem sobre o significado e a importância do trabalho em suas vidas. Dessa forma, os sujeitos habitantes do mundo do trabalho, passam a ser denominados “classe que vive do trabalho” (ANTUNES; ALVES, 2004). Deste ponto de vista, entende-se porque o trabalho “parece” ter deixado de ser central na sociedade enquanto que a comunicação, intensificada pelos avanços tecnológicos, se tornou ao produzir conhecimento, peça chave nas sociedades contemporâneas. O objetivo de interligar a todos neste momento, só é plausível diante da expansão das estruturas que permitem a comunicação a qualquer distância, assim a humanização e a socialização passam a ser expressas pela relação comunicação-poder e não mais pela relação comunicação-trabalho. Apesar disso, Figaro (2008, p. 28), aponta que o caminho para modificar esse quadro, está no próprio binômio comunicação-trabalho, o qual pode ser considerado como “a força motriz do sistema hegemônico e, ao mesmo tempo, como força motriz do movimento de transformação da realidade”. Nesse sentido, ao centrar novamente o olhar na comunicação, evidencia-se seu papel fundamental em comunhão com o trabalho para o processo de humanização e socialização dos sujeitos no mundo do trabalho, deste modo restabelece-se o sentido da vida e as conexões 8   

 

entre a fala, a cultura, a política, as crenças, os valores, enfim, os próprios aspectos que sustentam a sociedade. Esses sujeitos ao readquirirem o sentido da vida centrado no binômio comunicação-trabalho, passam a refletir sobre sua relação com a natureza e com os outros sujeitos, de forma consciente e autônoma, o que pode vir a modificar suas práticas sociais interativas. Coincidentemente, essa é a própria essência do desenvolvimento sustentável, uma melhoria de vida a partir do equilíbrio entre as dimensões ambiental, social e econômica, que quando instrumentalizada na forma de metas a se alcançar, torna-se distante e complexa para os sujeitos. Obviamente, que reaproximar a essência do trabalho com seu aspecto estrutural e com isso modificar o sentido da vida, não é uma tarefa das mais simples e somente isso também não resolveriam os problemas, mas permitiria no mínimo que o desenvolvimento sustentável partisse de outro patamar nas sociedades contemporâneas, mais processual, dialógico, experiencial e experimental, onde os sujeitos são conscientes e capazes de reconhecer as implicações de suas ações. Em última instância, isso contribuiria para o próprio fortalecimento do processo de mediação da Sociedade Civil na interação entre Estado e Mercado, modificando-o de um processo instrumentalizado para um processo orgânico, construído socialmente. Apesar dessa clara dificuldade, a reestruturação do mundo do trabalho já é um debate em curso no âmbito das organizações, onde “há um grade esforço para alterar as bases ideológicas de significados das práticas sociais concretas que se exercem no cotidiano do trabalho” (FIGARO, 2008, p. 29). Portanto, o reconhecimento do papel do trabalho, permite distinguir sua importância para além do suprimento das necessidades, sendo fundamental no desenvolvimento da humanização e sociabilidade, as quais advém das dificuldades oriundas da vida em grupos (onde comunicação e ação são intrínsecas para que os sujeitos se defendam das adversidades). Dessa forma, pode-se considerar que o binômio comunicação-trabalho, potencializa a humanização do homem, transfigurando-o para um ser social capaz de colaborar amplamente com a consecução do desenvolvimento sustentável, o qual leva ao equilíbrio das esferas da sociedade, tornando-a plena. Considerações Finais Este ensaio teórico ensejou refletir sobre as relações entre sociedade e trabalho, através de suas macroestruturas; sobre o desenvolvimento sustentável e o trabalho, principalmente na sua dimensão social e sobre o próprio trabalho e como ao longo do tempo se produziu um distanciamento entre sua essência e seu aspecto estrutural. Esse distanciamento evidenciou três consequências: (i) os trabalhadores perderam sua capacidade de refletir sobre o significado do trabalho; (ii) o trabalho se manifesta na sociedade contemporânea na forma instrumentalizada e; (iii) ele deixou de ser um gerador de sentido para a vida humana. Todas essas consequências ainda se unem a leitura instrumental que se aplica a dimensão social do desenvolvimento sustentável e a instrumentalização do processo de mediação, que a Sociedade Civil realiza na interação entre Estado e Mercado de tal forma que impossibilita no primeiro caso, as dimensões do desenvolvimento sustentável de se equilibrarem e no segundo, o equilíbrio entre as esferas o que em última instância equilibraria a relação de poder entre elas, atingindo a plenitude da sociedade. Também se evidenciou como a comunicação está presente em todas essas relações aqui consideradas e como ela ao ser instrumentalizada, perde a condição de estabelecer a regulação do poder, deixando de produzir significados que se contrapõem aos moldados pelo poder. Logo, a comunicação instrumental precisa ser compreendida por uma comunicação que construa socialmente a realidade, para que dessa forma possa regular as relações de poder, 9   

 

permitido que os sujeitos ausentes nos processos, se habilitem a constituí-lo, convertendo sua abordagem instrumental em dialógica. A partir disso, os entendimentos e as decisões tomadas coletivamente (ainda que diferentes), possam ser reconhecidas pela sua consciência sobre as implicações de suas ações. Essa mudança na comunicação, permite aos sujeitos repensarem o significado do trabalho, de modo que este não é mais entendido como emprego ou uma simples troca monetária, mas como o principal gerador de significado para a vida do homem social, se tornando não apenas central, mas fundamental no processo de restruturação da sociedade. Uma vez que este binômio trabalho-comunicação restabelece o sentido da vida, ele também restabelece as conexões entre a fala, a cultura, a política, o conhecimento, as crenças, os valores, entre outros; que são fundamentais para a fornecer um novo entendimento relativo ao aspecto social do desenvolvimento sustentável, convertendo-o em um processo socialmente construído, que se constitui de práxis e de sujeitos reconhecidamente capazes de fazerem escolhas sobre o futuro que desejam. Nesse contexto, esses sujeitos eliminam a necessidade de serem representados por intermediários o que iguala, pelo menos na esfera dialógica, as dimensões do desenvolvimento sustentável. E em última instancia, sujeitos reconhecidamente capazes e conscientes da sua capacidade para a consecução do desenvolvimento sustentável, podem vir a instigar e fortalecer a democracia participativa, o que contribuiria para o equilíbrio das esferas e seus processos no âmbito da sociedade. O foco no aspecto social contribuiu para evidenciar a distância entre os aspectos técnicos e a humanização necessária, tanto no âmbito do desenvolvimento sustentável, quanto das macroestruturas da sociedade. Uma alternativa explorada para modificar essa distância, foi o papel da comunicação nesses âmbitos, que intrínseca ao trabalho, permitem uma ressignificação capaz de transformar a realidade. Dessa forma, o binômico trabalhocomunicação pode ser entendido como o princípio organizativo da própria sociedade (GODEMANN; MICHELSEN, 2011), da relação sociedade e trabalho e central nos processos transformativos. Agradecimentos Os autores agradecem o apoio da Capes, do CNPq e da Fundação Araucária para realização deste ensaio. Referências Bibliográficas ANTUNES, R. Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2009. ANTUNES, R.; ALVES, G. As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital. Educação & Sociedade, v. 25, n. 87, p. 335-351, maio/ago. 2004. ARANHA, M. L. D. A. Trabalhar pra quê? In: KUPSTAS, M. (Ed). Trabalho em debate. São Paulo: Moderna, 1997. p. 21-37. CMMAD. Nosso futuro comum. 2 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991. 430 p.

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