Leituras sobre sustentabilidade

July 23, 2017 | Autor: Alexandre Oliveira | Categoria: Design
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Leituras sobre sustentabilidade

Leituras sobre sustentabilidade1 Oliveira, Alexandre Santos de; MSc; PUC-Rio/Fucapi/FAPEAM [email protected]

Resumo

Este texto tem como objetivo discutir as idéias expostas por Calvino (1990) e Campos e Pereira (2009) no que concerne à sustentabilidade. O método utilizado consistiu numa análise comparativa dos textos procurando suas convergências e diferenças objetivando uma compreensão sobre aspectos do discurso da sustentabilidade na cultura contemporânea. Como resultados apresento, a partir da discussão dos autores, alguns dos desafios que o campo do Design precisa enfrentar quando o assunto é a sustentabilidade ambiental.

Palavras Chave: Design, cultura, sustentabilidade.

Os autores As idéias que serão apresentadas neste texto partem de dois trabalhos, a saber: o texto “As cidades contínuas” de Italo Calvino publicado no livro “As cidades invisíveis”, constituindo-se numa das obras mais representativas do escritor italiano que viveu entre 1923 e 1985. Nesta obra, Calvino apresenta Marco Polo descrevendo para o grande Kublai Khan as cidades que visitou em suas missões diplomáticas pelo império Mongol. O texto, publicado vez em 1972, parece constituir-se numa abordagem sobre como as cidades são formadas e como elas funcionam. Numa outra fronteira estão Jorge Lúcio de Campos e Paula Carmona Pereira autores do texto “Design para a sustentabilidade: o tecido social em processo de re-singularização”. Campos, possui uma sólida formação na área de Filosofia e Pereira é arquiteta e à época da 1

OLIVEIRA, A. S. Leituras sobre sustentabilidade In: 1o Congresso de Design do Amazonas, 2010, Manaus. Anais do 1o Congresso de Design do Amazonas. Manaus - AM: FUCAPI, 2010.

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publicação, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Design da ESDI/UERJ. O texto foi publicado em 2009 na Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação.

Objetivos O texto de Calvino (1990) tem como objetivo apresentar a cidade de Leônia como em constante processo de reinvenção, ilustrado pelas coisas que produz e descarta. Trata-se de uma alegoria onde o autor parece descrever as cidades modernas com sua multiplicidade de cenários onde imperam o consumo e as constantes dificuldades com o descarte dos produtos. Campos & Pereira (2009) por sua vez, em seu texto, colocam como objetivo chamar a atenção para o Design como gerador, organizador e comunicador de visões de mundo sustentáveis. No tocante aos objetivos os textos se aproximam, apesar de utilizarem uma linguagem diferente, o primeiro, aborda a questão sob uma perspectiva poética e mesclada por simbolismos e utopias, o segundo utiliza-se de uma linguagem acadêmica e científica para desenvolver e defender os pontos de vista apresentados.

O problema Nesta perspectiva e no cotejamento dos textos em questão, Calvino coloca a opulência de Leônia, que pode ser medida pela quantidade de coisas “que todos os dias são jogadas fora para dar lugar às novas” (p.105) como um problema, ressaltando que a identificação desta questão só é possível mediante a possibilidade de múltiplas interpretações que o texto oportuniza ao leitor. Campos e Pereira por sua vez, colocam o problema sob a ótica dos desafios com os quais o design se depara: geração, organização e na comunicação de visões de mundo mais sustentáveis. Como desdobramento identificam-se as possíveis ações que o design pode produzir nos casos em que os grupos sociais inventam novas ações para resolver seus problemas corriqueiros, sendo este um dos desafios que o design tem que considerar ao lidar com as questões referentes à sustentabilidade.

O método Quanto ao método utilizado pelos autores, observa-se em Calvino a larga utilização de metáforas para discutir o problema do descarte das relações entre os consumidores, utilizando

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da cidade de Leônia como modelo ou analogia para as sociedades cuja lógica esta baseada na apropriação e no consumo de bens. A revisão dos conceitos de re-singularização, discutidos à partir da obra de Guattari e o design para a sustentabilidade emprestados de Manzini, se constituem o pano de fundo sob o qual Campos e Pereira justificam seus pontos de vista. O recurso da análise comparativa entre os conceitos, na busca de suas aproximações e afastamentos parece consituir-se num recurso utilizado pelos autores, no entanto, tal empreendimento não se concretiza pela falta de argumentação e/ou exploração dos conceitos apresentados uma vez que os mesmo se são expostos de forma superficial e de forma propositiva e não-discursiva, corroborando com o objetivo do texto, a saber, “chamar a atenção”; nesta perspectiva os autores não se comprometem com uma análise aprofundada dos pressupostos apresentados.

Operadores do método A riqueza de exemplos e ilustrações propostas por Calvino, se constitui num recurso que impressiona o leitor. É possível identificar ainda a presença de relatos de experiências à partir da proposta do autor, em criar uma relação de narrativa entre Marco Polo e Kublai Khan na descrição das cidades visitadas pelo primeiro. Outra aspecto que fica evidente no texto é a presença de uma certa cronologia lógica na forma de apresentação dos fatos, como se eles estivessem a se desenrolar no tempo e no espaço da cidade de Leônia. É importante ressaltar ainda que elementos tais como a ruptura com o imutável, a reivindicação da memória do leitor na narrativa e uma realidade quase utópica se constituem alguns elementos presentes no texto. No caso de Campos e Pereira os autores apresentam, de forma sucinta, os dois conceitos básicos que fundamentam a discussão: examinam os conceitos relacionados com o problema apresentado: a re-singularização como processo de produção de subjetividade individual e coletiva que deriva da criatividade intrínseca aos indivíduos e/ou grupos de indivíduos e é resultado de aplicações ecosóficas, conforme explicitado por Guattari. E o conceito de design para a sustentabilidade que consiste no desenvolvimento de ações através das habilidades específicas inerentes à atividade do design que consistiriam em gerar, organizar e comunicar visões de mundo para públicos suficientemente amplos, a partir de iniciativas que apresentem princípios coerentes com a sustentabilidade.

Resultados

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A constatação de que o crescimento desordenado se constitui numa ameaça constante para a cidade de Leônia fica evidente nas páginas do texto. O fato de que, mesmo negando tal possibilidade, Leônia terá que lidar com sua realidade, o caos, o cataclismo e a catástrofe, se constitui uma evidência. Outro aspecto que é possível perceber à partir das questões propostas no texto é o fato de que a lógica das cidades vizinhas, no tocante ao descarte de produtos, não é a mesma que a de Leônia, constatação esta que favorece o entendimento de que esta lógica não acontece da mesma maneira em todos os locais. Campos e Pereira por sua vez, relacionam as questões com a possibilidade do design em dar respostas positivas e afirmativas para o cenário apresentado. Os autores apresentam a tecnologia como o principal instrumento do design para apoiar modos de viver mais sustentáveis. Outra conclusão reside na visão do design como mediador/promotor das aproximações entre as inovações sociais e o meio científico. De certa forma, anuncia uma nova função para o design, o deslocamento da confecção de produtos para a gestão das novas práxis humanas, perspectivas estas ancoradas no pensamento de Guattari e que, à partir das idéias de Manzini, trabalhadas pelos autores, apresentam a possibilidade de gerar inovações sociais. Outro aspecto que se apresenta como resultado refere-se ao reposicionamento do design cuja atividade não se resume em pensar soluções isoladas mas encadeadas dentro de sistemas complexos.

Outras questões Campos e Pereira atribuem ao design uma perspectiva salvacionista para os problemas complexos, questão esta que precisa ser repensada em seus contextos micro e macro estruturais. A crença no conhecimento técnico/tecnológico como capaz de dar coerência e organizar os “produtos e serviços regenerativos” através da ação do designer/design se constitui num problema no texto que não é apresentado na sua totalidade, sendo assim, não há possibilidade de mudança no cenário. No caso do texto de Calvino, a perspectiva metafórica com que o autor trabalha, cria várias questões passiveis de serem discutidas, uma delas é a relação de atemporalidade que é dada ao lixo de Leônida, desmistificando a idéia de finitude ou de reversão da situação, uma vez que o lixo renova-se todos os dias, a única forma de Leônia é o “lixo de anteontem e de todos os dias e anos e lustros”. (p.106). Neste sentido, pergunta-se: qual deve ser o papel do design neste cenário?

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Diante de uma cultura que tem a perspectiva do consumo como lastro, uma cultura de posse individualista refratária á idéia de uma forma de pensar global e socialmente. Uma cultura que, até aqui, não conseguia pensar “nas coisas que jogamos fora”. Num cenário onde a recente crise econômica sinalizou que não é possível pensar em desequilibrar o sistema de produção vigente, por outro lado, uma postura fatalista também não dá conta do problema, tal como sinalizam os meios de comunicação. A realidade da obsolescência programada aponta para o fato de que as estratégias de produção, marketing, distribuição e consumo dos produtos continuarão fazendo parte do cotidiano de diversas Leônias espalhadas pelo globo afora. Observa-se que a indústria começa a apropriar-se do discurso da sustentabilidade como forma de conter o fatalismo, manter o consumo e a produção para que “a cidade possa refazer-se todos os dias”. Hoje é possível escolher entre destruir uma árvore ou poluir o rio, numa sociedade onde o consumo é a medida que determina a inclusão social. Se não é possível diminuir o consumo então, é melhor esquecer a discussão sobre sustentabilidade pois, se não é possível abrir mão da produção de detritos e lixo no interior de Leônia, junto com o lixo esvai-se a capacidade de pensar criticamente. Neste sentido, compreender os limites e possibilidades numa perspectiva de transição para um cenário sustentável constitui-se, segundo Campos e Pereira, num processo a que seremos gradualmente submetidos.

Referências CAMPOS, Jorge Lucio de ; PEREIRA, P. C. . Design para a sustentabilidade: O tecido social em processo de re-singularização. BOCC. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, v. 7, p. 1-10, 2009. CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das letras, 1990.

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