Lemos, R. 2014. A paisagem de Amarna e sua diversidade

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in Lemos, R. S. ed. O Egito antigo – novas contribuições brasileiras, Rio de Janeiro, Multifoco, 2014.

Capítulo 6 A paisagem de Amarna e sua diversidade Rennan de Souza Lemos Despretensiosamente, começo este texto com as palavras de Bruce Trigger ao iniciar um artigo seu de 1981: Provavelmente, não há justificativa para publicar qualquer novo estudo sobre o período de Amarna que não contenha, pelo menos, uma pequena quantidade de novos dados que possam ajudar a resolver algumas das incertezas que sobrepassam este episódio controverso da história egípcia. Durante um longo período, a especulação tem sido tão rampante que a linha que separa os estudos históricos e a ficção histórica tornou-se nebulosa. Contudo, pelo menos, alguns dos problemas resultam da falta de uma perspectiva teórica adequada para coletar e analisar os dados (TRIGGER, 1981: 165).

Concordo plenamente com o grande arqueólogo canadense. Este artigo, nesse sentido, está pautado – até onde consegui – nos dois quesitos levantados por Trigger como justificativas válidas para se publicar um trabalho sobre Amarna. Há uma grande variedade de novos dados disponíveis, assim como o objetivo é construir uma opinião sólida teoricamente sobre o que foi, de fato, o período de Amarna e sobre o seu papel na história egípcia antiga. Peço desculpas caso não tenha conseguido, mas, de qualquer forma, o debate está iniciado. O faraó Akhenaton é a figura mais emblemática da Egiptologia. Durante o seu reinado (c. 1350-1330 a. C.), época conhecida como período de Amarna, ele empreendeu uma série de ações em favor do Disco Solar, o Aton, num movimento que para muitos culminou no surgimento do monoteísmo na história da humanidade. Em honra ao 158

Aton, o faraó construiu uma nova “capital”, Akhetaton, o “Horizonte do Disco Solar”. Conhecida atualmente como Tell el-Amarna, é um dos sítios arqueológicos mais importantes do Egito, na medida em que permite o estudo da sociedade urbana da época através dos vestígios materiais de uma cidade inteira, ocupada em quase sua totalidade somente por um curto período de tempo (figura 1).

Figura 1: mapa de Tell el-Amarna (adaptado de versão cedida por Barry Kemp). Cortesia do Amarna Project. 159

Hoje em dia, o conhecimento que se tem sobre as pessoas comuns que viveram em Amarna está aumentando com os avanços das escavações arqueológicas (sobretudo no Cemitério das Tumbas do Sul). Mas ainda se pode afirmar pouco sobre as motivações do faraó e a condução de suas ideias à prática, bem como sobre questões sucessórias envolvendo os membros da família real, devido ao caráter fragmentário dos registros. Assim, há bons motivos para se voltar também aos textos de Amarna, abordados de acordo com uma postura teórica clara e em conjunto com os novos dados disponíveis. Os hinos ao Aton, cuja autoria é atribuída ao próprio faraó, são as melhores fontes para o entendimento do que se passava na mente de Akhenaton.46 Com suas limitações, expressam as ideias do faraó sobre o Aton e seu culto, assim como sobre a sua relação com este deus. Ao contrário do Pequeno Hino ao Aton, preservado em diferentes versões nas tumbas de altos funcionários em Amarna (Meryra II, Any, Apy, Mahu e Tutu), o Grande Hino ao Aton é conhecido somente em uma versão, preservada na tumba de Ay, “Pai do Deus”, que viria a se tornar faraó, após Tutankhamon. Pretende-se, aqui, encarar holisticamente textos e vestígios arqueológicos. Partir-se-á da análise do principal texto de Amarna no relativo aos seus conteúdos religiosos, o Grande Hino ao Aton, com o objetivo de relacionar tais conteúdos à cidade de Amarna e às pessoas que lá viveram. Em seguida, passa-se à apresentação e explicação disto entendido como um todo: a paisagem onde se congregavam elementos simbólicos e práticos dos mais diversos, numa articulação complexa entre o ambiente, os espaços vividos e as próprias pessoas. Uma das consequências do período de Amarna foi o movimento de obliteração de sua memória e de demolição dos principais edifícios erigidos na cidade. Os blocos de pedra que davam forma à estrutura 46 Os textos das estelas que demarcavam os limites de Amarna também expressam algumas ideias do faraó quanto à construção da cidade e sobre o simbolismo religioso de seus edifícios. Ver William J. Murnane and Charles van Sieclen transl. (1993).

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desses edifícios foram reutilizados em outras construções, como as de Ramsés II em El-Ashmuneim (antiga Hermópolis). Além dos blocos de pedra de El-Ashmuneim, onde muitos exemplares podem ser vistos ainda hoje (figura 2), em outros sítios das proximidades também foram encontrados blocos de pedra como esses, como por exemplo em Asyut (COONEY, 1965: 2-3). Isto se deu porque a nova visão de mundo posta em prática pelo faraó apresentou alternativas de mudança à sociedade. Entretanto, quando entendida em seus aspectos sociais mais gerais, percebe-se que o período de Amarna deu continuidade a várias das tendências do Reino Novo (c. 1550-1070 a. C.), sobretudo no relativo ao aumento do poder do faraó associado ao deus dinástico e à chamada piedade pessoal (LEMOS, 2014).47 A partir disto, este texto conduzir-se-á tendo em vista duas hipóteses: (1) o período de Amarna foi uma época de tensões entre alternativas e continuidades; e (2) o principal elemento estruturante da paisagem durante o período de Amarna foi a diversidade (e crescentemente no decorrer do Reino Novo).

Figura 2: bloco de pedra proveniente de Amarna em El-Ashmuneim, com parte do nome do Aton ( ). Este é um dos muitos exemplos de blocos de pedra de Amarna que podem ser vistos espalhados pelo chão da antiga Hermópolis ainda hoje. Foto de 1/11/2012 por Rennan de Souza Lemos.

47 Quanto a isto, é preciso mencionar que Jan Assmann vê no período de Amarna uma interrupção, em matéria de religiosidade, dos processos transcorridos durante o Reino Novo. Ver, por exemplo: Jan Assmann (2001; 2003). Para discussão e crítica das ideias de Assmann, ver: Lemos (2012a).

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Do Grande Hino ao Aton à cidade de Amarna e sua gente 48 I. Proêmio Adoração de Ra-Harakhty que se regozija no horizonte, em seu nome de Shu que está no Aton, que ele viva hoje e sempre! O grande Aton vivo que está em festival sed, senhor de tudo sobre o que o Disco viaja, Senhor do céu e senhor da terra; senhor da Casa do Aton em Akhetaton. Pelo rei do Alto e Baixo Egito que vive em maat, o senhor do Duplo País, Neferkheperura Waenra, o filho de Ra que vive em maat, o senhor das coroas, Akhenaton, vida longa. E pela grande esposa do rei, sua amada, a senhora do Duplo País, Neferneferuaton Nefertíti, que ela viva e permaneça jovem hoje e sempre!

O início do texto trata de explicitar o caráter do hino à divindade: um texto de adoração, que é enunciado pelo faraó Akhenaton e por sua esposa, Nefertíti. O Aton é apresentado com o chamado “primeiro nome didático”:49 , (ra-Hr-AHty Hay m Ax.t)| (m rn.f m Sw nty m itn)|, Ele vive – Ra-Harakhty que se regozija no horizonte em seu nome de Shu que está no Aton. A primeira frase do hino já explicita algo importante: a grande influência do culto solar mais antigo, cujo centro era a cidade de Heliópolis. Shu, aqui, significa luz – alguns autores traduzem essa parte do nome didático do Aton como “em seu nome de luz que está no Aton”. Dessa forma, teoricamente, na visão de alguns, o Aton identificar-se-ia 48 A versão hieroglífica do texto foi consultada em Grandet (1995). Utilizei duas traduções do Grande Hino ao Aton como base de confronto: Grandet (1995) e Murnane (1995). 49 São três as formas dos “nomes didáticos” do Aton. A forma no grande hino é a número I, utilizada, provavelmente, até o ano 8 do reinado de Akhenaton. A de número II (que apresenta duas variações, IIa e IIb) é uma forma intermediária entre a I e a III, que é a definitiva. O momento de mudança entre a forma intermediária e a forma final do “nome didático do Aton” pode ser localizado entre os anos 12 e 14 de Akhenaton. Ver Marc Gabolde (1998: 110-118).

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a Ra-Harakhty, Akhenaton ao deus Shu e Nefertíti à deusa Tefnut, o que vai de encontro à cosmogonia solar heliopolitana.50 II. O Aton criou a terra do Egito e todas as outras terras, abarcando-as com sua perfeição e mantendo a vida com sua luz Ele diz: quando tu apontas magnífico no horizonte do céu, Aton vivo, o primeiro a viver, brilhante no horizonte oriental, toda a terra é por ti preenchida com tua beleza. Tu és belo, tu és grande, tu és cintilante, acima de todas as terras; teus raios cingem os países, até os limites de tudo o que criaste. Como tu és o Sol, tu atinges os confins, transferindo o poder sobre eles a teu filho bem amado. Ainda que distante, teus raios estão sobre a terra, e acariciam (?) cada face humana.

O Aton criou toda a vida é o responsável por sua manutenção na terra. Quando ele surge no Oriente pela manhã ele enche todas as pessoas, em todas as localidades, com sua “perfeição”, isto é, com seu alento divino. O Aton está no céu e por isso consegue iluminar todos os confins e submetê-los à soberania de seu “amado filho”, Akhenaton. Na concepção religiosa do faraó, autor do texto, trata-se de um deus universal, responsável pela vida no Egito e em todas as demais localidades. Ao mesmo tempo em que está distante, no céu, o Aton pode se aproximar e “acariciar”, com seus raios, os rostos das pessoas.

50 Segundo o mito da criação heliopolitano, no pricípio existiam as águas do caos. Da colina primordial, surgiu o demiurgo criador Atum, que deu origem ao ar (o deus Shu) e à humidade (a deusa Tefnut). Estes foram os responsáveis pelos deuses Geb (a terra) e Nut (a abóbada celeste). Shu suspendeu Nut, separando-a de Geb, dando forma, portanto, à composição do mundo. Geb e Nut geraram quatro filhos: Osíris, Ísis, Seth e Néftis. A Osíris, foi designado a Duat (o mundo inferior) e Ísis tornou-se sua consorte. Este casal deu origem ao deus Hórus, que era associado ao faraó reinante. Dando continuidade a este mito de criação, segue o chamado Mito de Osíris, ou Contenda de Hórus e Seth.

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III. Ninguém sabe nada sobre o Aton durante a noite Ninguém conhece o teu curso quando te deitas no horizonte ocidental. A terra está então imersa nas trevas, tal como a morte. (As pessoas), elas deitam-se em quartos, as cabeças cobertas; um olho não pode ver o seu semelhante, todas as suas posses são roubadas, mesmo que estejam sob suas cabeças, sem que elas percebam. Todos os leões estão fora se suas tocas, todas as coisas rastejantes picam. A escuridão se faz presente, a terra está em silêncio. Aquele que os criou pôs-se em seu horizonte.

Esta é a passagem mais explícita que ilustra as omissões mitológicas da religião de Akhenaton. Ninguém sabe nada sobre o Aton após o pôr do Sol. A noite é um momento de trevas, “tal como a morte”, e significa a invasão do Egito pelas forças caóticas destrutivas. As pessoas protegem-se em suas casas, mas mesmo assim suas coisas podem ser roubadas e suas vidas ameaçadas por criaturas noturnas perigosas. Toda a vida está inerte, pois o criador desaparece momentaneamente até que ressurja no Oriente. O texto dá a entender que as pessoas simplesmente esperavam o Aton ressurgir no céu para lhes dar segurança enquanto morriam de medo durante a noite. É como se as pessoas que eram ameaçadas na prática por animais como cobras e escorpiões fossem permanecer inertes diante da ameaça, sem nada fazer, até que o Aton ressurgisse no horizonte. Uma maneira ritual de se proteger contra isto era possuir em casa estatuetas de cobras (que também preveniam terrores noturnos), possivelmente representando a deusa Meretseger, o “Pico da Montanha” de Deir el-Medina, uma deusa amplamente cultuada (LEMOS, 2012b: 139-140). Há vários exemplares de estatuetas de cobras provenientes de Amarna, sobretudo da Vila dos Trabalhadores (figura 3) (SZPAKOWSKA, 2003).

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Figura 3: estatuetas de cobras (à esquerda) provenientes da Vila dos Trabalhadores em Amarna, encontradas durante as primeiras escavações da Egypt Exploration Society. T. Eric Peet and Leonard C. Woolley (1923: pl. XXIII, 5). Cortesia da Egypt Exploration Society.

Enquanto o dia é profícuo, a noite é perigosa e caótica. Caso Akhenaton tivesse se preocupado em explicar melhor as horas noturnas, uma teodiceia do Aton poderia ter surgido como base explicativa das dificuldades da vida (CARDOSO, 2011: 14). Barry Kemp expressa isto muito bem: “não havia reino de Osíris. O que existia era o que se podia ver. Nisto nós podemos ver as sementes da autodestruição de Akhenaton” (KEMP, 2012: 29). As pessoas comuns não se esqueceram ou ignoraram a explicação da vida terrena com base na mitologia solar associada a Osíris (figura 4).

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Figura 4: seixo de sílex (2,5 cm de diâmetro) mostrando uma imagem alternativa do Aton, numa barca (possivelmente indo de acordo com a mitologia solar do Reino Novo). Objeto (5484) encontrado sob uma camada de escombros na sala interior da Capela Principal da Vila dos Trabalhadores de Amarna. Segundo os arqueólogos, o contexto sugere que o objeto estava associado à recitação de encantamentos. Cortesia do Amarna Project.

Apesar de ambas as temporalidades, neheh – a concepção cíclica do tempo, renovado a cada dia – e djet – o tempo linear, eterno, do pós-morte –, terem continuado sendo mencionadas, esta última perdera suas bases mitológicas, que dependiam essencialmente de Osíris e de seu mundo ctônico (CARDOSO, 2011: 7). Ao expressar as suas visões, Akhenaton não deu explicações acerca do outro mundo, nem sobre como lidar com os que para lá partiam. Teoricamente, no período de Amarna, eram as oferendas fornecidas pelo faraó ao Aton e aos mortos no Grande Templo ao Aton que garantiam a estabilidade da vida e a continuidade após a morte. Nesse contexto, sem a figura de Osíris, os mortos passaram, segundo a religião estatal, a ocupar a mesma espacialidade dos vivos, saindo de sua tumba somente para o templo, onde poderiam usufruir das oferendas (HORNUNG, 1999: 96). O aprovisionamento de oferendas ao Aton parece ter sido uma das maiores obsessões de Akhenaton: no Grande Templo ao Aton (figura 5), em Amarna, foram escavadas as fundações de uma infinidade

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de mesas de oferendas marcadas na argamassa de gipsita nos pátios do chamado “Templo Longo”, além de mesas de oferendas feitas de tijolos de barro construídas na parte exterior da parte principal do edifício, no interior da área murada do templo (figura 6) (KEMP, 2012: 92).

Figura 5: mapa da Cidade Central, onde se localiza o Grande Templo ao Aton (estrutura maior, à esquerda). John Pendlebury (1951: plate I). Cortesia da Egypt Exploration Society.

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Figura 6: adaptação da planta do “Templo Longo”, no Grande Templo ao Aton, cedida por Barry Kemp. Destaque para as fundações das mesas de oferendas do primeiro pátio e para seu estado durante as escavações de out./nov. de 2012. Cortesia do Amarna Project. Foto: Rennan de Souza Lemos.

As estruturas escavadas por Pendlebury no início do século XX, somadas aos trabalhos arqueológicos da equipe de Barry Kemp a partir de 2012, iluminam alguns aspectos do culto desempenhado no Grande Templo ao Aton. As mesas de oferendas (que medem, no geral, 1,06 m x 0,9 m) representavam, em conjunto, a parte estrutural mais importante do templo (excetuando-se o santuário), visto a infinidade delas que foi encontrada. Sobre elas, deveriam ser depositados todos os tipos de alimentos como oferendas, tal como se pode ver nas representações do templo nas tumbas dos oficiais (figura 7). Expostas a céu aberto, o Aton poderia ter acesso direto ao que lhe era ofertado.

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Figura 7: mesas repletas de oferendas no Grande Templo ao Aton – representação na tumba de Meryra (tumba 4). Davies (1903: plate XXXIII). Cortesia da Egypt Exploration Society.

Além disso, a disposição espacial das mesas de oferendas pela área do templo é significativa na interpretação de seu uso ritual. Enquanto as mesas feitas de tijolos de barro, localizadas fora do edifício principal do templo, deveriam ser dedicadas ao uso dos habitantes comuns da cidade, as mesas de oferendas no interior do “Templo Longo” eram utilizadas pelos sacerdotes e pelo faraó em culto oficial. Esta hipótese é corroborada pela existência de estruturas escavadas primeiramente em 1932 e, novamente, em fevereiro de 2013 (dessa vez, uma delas contendo fragmentos de estatuária deixados para trás por Pendlebury): bacias de purificação, localizadas na entrada do “Templo Longo” (figura 8). Provavelmente, continham água do Nilo para que os sacerdotes se purificassem, cumprindo com as exigências formais do ritual antes de adentrar o edifício principal do templo. Tudo isso, ainda, vai contra a tese que afirma ter sido Akhenaton um elitista51 e fanático interessado somente em seu próprio benefício, não tendo se importado com as pes51 Eu mesmo já defendi isso: Lemos (2012a: 107).

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soas de sua cidade:52 Akhenaton abriu espaço para que os fiéis pudessem participar do culto ao Aton também no Grande Templo ao Aton, o centro religioso de Amarna.53

Figura 8: bacias de purificação na entrada do Grande Templo ao Aton durante a temporada de escavações de fevereiro de 2013 (norte: canto superior esquerdo). Foto de Barry Kemp. Cortesia do Amarna Project.

O caráter da visão de mundo de Akhenaton, expressada no Grande Hino ao Aton e em outros textos, então, fora imanente, isto é, deste mundo: o Aton poderia ser visto no céu por todos, mesmo que distante e inacessível. Ao contrário da religião tradicional, cujo aspecto transcendente fora elemento crucial para o entendimento do mundo e das formas possíveis de nele se agir no sentido de manter a ordem social e cósmica expressada na noção de maat. O caráter predominantemente imanente da religião de Amarna deveu-se, talvez, a uma tentativa de purificação, por parte do faraó, da religião tradicional, com sua plurali52 Já no prefácio do livro de Nicholas Reeves, pode-se ler, por exemplo: “Como profeta, parece claro que Akhenaton foi um falso, tendo trabalhado bastante em seu próprio interesse político”. Nicholas Reeves (2001: 9). 53 Definitivamente, não parece razoável pensar que o centro religioso da cidade fosse permanecer à margem da vida religiosa das pessoas. Como um importante marco na paisagem, era interpretado e vivenciado de formas diversas por diferentes setores da socidade.

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dade de mitos explicativos do universo e da vida cotidiana e representações de deuses antropozoomórficos, o que significou, na prática, na propagação de tais ideias religiosas após o período de Amarna (KEMP, 2012: 26). Isto ilustra, segundo Ciro Cardoso (2011: 19), a importância dos mitos para as religiões: para funcionar enquanto meio regulador das práticas sociais (e também de acordo com tais práticas), toda religião precisa de mitos explicativos dos mundos visível e invisível (transcendente), no sentido de ser incorporada pelas pessoas e reproduzida em seu cotidiano prático. Isto implica considerar o pensamento religioso egípcio antigo como um elemento estruturador de práticas, que também estruturavam, por sua vez, o pensamento egípcio. Assim, a religião funcionaria como um pano de fundo para certas disposições interiorizadas em indivíduos e grupos sociais, expressadas na cultura material relativa a rituais e, mais em geral, ao cotidiano. O que não significa que tais práticas fossem estáticas: eram produtos da história, que não é imutável; pelo contrário, pode ou não mudar de acordo com ações e pensamentos coletivos e, até certo ponto, individuais (quanto a isto, cada um deve sustentar a sua própria posição em matéria de filosofia da história). Do seu nível de atuação, isto é, no âmbito da religião estatal, Akhenaton apresentou uma alternativa a todos; mas as pessoas, em geral, não o seguiram da forma como ele talvez esperasse. Para que um indivíduo surja com ideias inovadoras, é preciso que haja um pano de fundo histórico que permita o aparecimento de inovações. Akhenaton não surgiu com sua religião do nada. Havia precedentes de uma solarização da religião na história egípcia, e o próprio Grande Hino ao Aton apresenta, em seu início, elementos do culto solar mais antigo. Durante o Reino Novo, a solarização da religião não fora nenhuma novidade. Assim, por exemplo, Tutmés III, fora descrito como “Ra, senhor do céu, o rei das Duas Terras quando se levanta, o Aton quando se revela a si mesmo” 171

(KEMP, 2012: 26), e o complexo palaciano de Amenhotep III em Malqata chamara-se, na Antiguidade, “Palácio do resplandecente Disco Solar (Aton)” (JOHNSON, 1998: 75). Apesar de suas inovações possuírem uma base histórica e, portanto, uma relação com o habitus social, na medida em que é possível identificar elementos de tal religião nas práticas das pessoas, Akhenaton não conseguiu alterar o habitus mais geral construído através de milênios de história egípcia antiga, com suas variações de acordo com diferentes grupos. E o principal motivo disto é o que Ciro Cardoso identificou como a mais notável inovação da religião de Akhenaton: seus “aspectos negativos”, ou seja, aquilo que foi omitido pelo faraó ao expressar sua visão de mundo desmitologizada (CARDOSO, 2011: 5-6), o que fica claro nesta passagem do hino. Dessa maneira, a teologia de Amarna caracterizou-se pela negação do que antes era apresentado positivamente e, mais ainda: baseavase em um presentismo puro, na medida em que não havia explicações acerca da singularidade do Aton numa pré-existência anterior ao próprio mundo (ASSMANN, 2013: 79-80). Em resumo, a temporalidade de Amarna, nessa perspectiva, é a deste mundo, o tempo cíclico neheh baseado no ciclo visível do Sol: “o que existia era o que se via” (KEMP, 2012: 29). Mesmo que ainda assim haja “inconsistências” entre essas concepções e as práticas das pessoas. Entretanto, é preciso que nos lembremos de que “uma característica essencial de ser humano é tolerar inconsistências, um aspecto da indistinção da mente que permite a formação de novas ideias que requerem serem testadas, talvez, somente para serem rejeitadas” (KEMP, 2012: 26). Assim, considerando a totalidade da paisagem religiosa de Amarna, talvez não seja muito produtivo tentar buscar (a nossa) lógica entre o que propôs o faraó enquanto religião e o que as pessoas pensavam e praticavam. A característica mais basal do pensamento religioso egípcio 172

antigo fora a integração de coisas que para nós, ocidentais do século XXI, parecem ser opostas e “inconsistentes”. Baseava-se num tipo de monismo: o mundo era visto como um todo coerente, composto, no entanto, por lógicas locais, que podem ser díspares à primeira vista. Um monismo que “vê um onde o dualismo vê dois” (BLACKBURN, 1997: 254). No Egito antigo, isso faria com que o mundo dos deuses, o mundo dos humanos (vivos e mortos) e a natureza multiforme fossem encarados como algo único e contínuo (CARDOSO, 2011: 4; ENGLUND, 1989). É preciso distinguir diferentes níveis de atuação e ter em mente que as interseções entre esses níveis requerem a atribuição de novos significados e adaptações aos habitus dos diversos grupos que compõem a sociedade. IV. O Aton dá vida a toda a natureza e todas as formas de vida dele dependem (Mas) a terra cresce resplandecente quando tu estás visível no horizonte, Aton reluzente do novo dia. Tu dissipas as trevas e ofereces os teus raios. As Duas Terras estão num festival de luz – [os homens] acordados e de pé, pois tu fizeste com que se levantassem. Seus membros estão purificados e vestidos. Seus braços estão erguidos em adoração quando de tua aparição. Toda a terra se põe a trabalhar: todos os rebanhos estão contentes em seus pastos, árvores e plantas florescem. As aves põem-se a voar a partir de seus ninhos, e suas asas adoram o teu ka. Todos os animais pequenos pavoneiam-se sobre suas patas; todos os que voam e pousam, eles vivem quando te elevas para eles. Barcos descem e sobem, e todos os caminhos estão abertos quando apareces. Os peixes sobre o rio saltam diante de ti, e os teus raios penetram nas profundezas do Grande Verde (mar). Tu que suscitas os embriões nas mulheres, e a se173

mente nos homens; que fazes viver o bebê no ventre de sua mãe, acalmando-o para que pare de chorar. Ama no útero que dá o alento que faz viver tudo o que faz. Quando ele sai do ventre para respirar no dia de seu nascimento, tu abres completamente a sua boca e ofereces tudo o que ele precisa. Quando o pintinho está no ovo, piando dentro da casca, tu dás a ele o alento para fazê-lo viver. Tu fizeste para ele o seu tempo de vida para que possa quebrar por si mesmo a casca do ovo. Ele sai de dentro do ovo para piar em seu tempo de vida e andar sobre as duas patas ao sair de lá.

O enredo do texto segue, claramente, o ciclo do Sol: quando vem a manhã o Aton brilha no horizonte oriental, dispersando as trevas noturnas. O deus volta a ser visível no céu e traz novamente a segurança e a estabilidade. O Egito comemora a nova chegada do Aton: os humanos despertam do sono (análogo à morte), purificam-se e põem-se em adoração. Com a chegada do dia, as pessoas podem voltar a desempenhar suas atividades cotidianas. Assim como os homens, as plantas e os animais voltam à vida e põem-se em posição de adoração. O Aton é o responsável por toda a vida natural e pelo seu equilíbrio. É ele quem abre os caminhos e faz com que o rio Nilo volte a ser navegável. O Aton, mesmo distante no céu, penetra as profundezas do mar; penetra também o interior dos ventres das mulheres, dando vida ao embrião que gerará um novo bebê. O Disco Solar é aquele que dá tudo o que é necessário à vida de toda a criação, do nascimento à morte. Mesmo o filhote de pássaro dentro do ovo recebe a força vital vinda do Aton, que o faz ter força suficiente para quebrar a casca. Esta passagem deixa clara a grande diferença entre a nova visão acerca do ciclo solar em relação à forma tradicional politeísta de se ver o mundo. Não há mais explicações detalhadas e ricas em representações. A única fonte de vida é o Disco Solar. Não há nenhum tipo de vida sem

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ele. Essa foi a ênfase extremada da visão de mundo de Akhenaton e não garantiu as bases da construção de uma identificação, por parte das pessoas, com este deus. Entretanto, segundo Jan Assmann, mesmo que o Aton fosse, para as pessoas comuns, nada mais que uma energia cósmica (diferentemente do rei, que o conhecia de fato, em teoria), os simples atos da vida cotidiana consistiam em formas de adorar o Aton – algo que se pode perceber nesta passagem do hino – uma questão muito interessante à qual voltaremos adiante. V. O Aton é o criador de todos os animais e humanos, bem como das distinções entre eles, provendo o necessário à vida e contemplando sua criação como senhor absoluto Incontáveis são as coisas que tu fizeste, mesmo que sejam misteriosas às faces humanas, ó deus único, não havendo outro igual. Sozinho, tu criaste a terra de acordo com os teus desígnios: as pessoas, os animais pequenos e grandes, todas as coisas que estão na terra, que caminham sobre patas, que levantam voo com suas asas. Os países estrangeiros de Kharu (Síria-Palestina) e Kush (Núbia), a terra do Egito. Tu colocas cada homem em seu lugar, tu fazes o que lhes é necessário, cada um tendo a sua comida e seu tempo de vida. Seus idiomas diferem, assim como sua natureza. Suas peles são distintas, pois tu fizeste os estrangeiros diferentes. Tu fazes a inundação que vem do mundo inferior, e tu a trazes para onde queres, para fazer com que as pessoas vivam, já que as fizeste para ti mesmo, senhor de tudo, enfadado com elas,54 senhor de todas as terras, que para elas se levanta, ó Aton do dia, cuja imponência é grande! 54 Nota da tradução de William J. Murnane (1995: 200, n. 10): “No fim das contas, isto alude à benevolência do deus, mesmo se incomodando com a humanidade; mas isto também pode ser uma evocação a Osíris, o “fatigado” por excelência, que controla a cheia do Nilo na religião ortodoxa, mas cujas funções foram usurpadas pelo deus de Akhenaton”.

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(No caso) dos países distantes, tu fazes com que vivam: tu garantiste uma inundação no céu que cai para eles e crias córregos sobre as colinas, tais como o Grande Verde, para irrigar seus campos em suas localidades. Quão eficazes são os teus planos, ó senhor da eternidade! Uma inundação no céu para os estrangeiros e todos os rebanhos que andam sobre patas; uma inundação que vem do mundo inferior para as Terras Lavradas (Egito), enquanto os teus raios nutrem todos os campos: quando tu brilhas eles vivem e florescem para ti. Tu fazes as estações para desenvolver tudo o que crias: a estação peret para refrescá-los, e o calor para que eles possam senti-lo. Tu fizeste o céu remoto somente para te levantares sobre ele e para ver tudo o que criaste. Único e elevado em tua forma de ‘Aton vivo’ – reluzente e, ao mesmo tempo, longínquo e próximo. Tu fazes milhões de formas a partir de ti, (tu que és) único: cidades, vilas, campos, o caminho do rio. Todos os olhos te contemplam em relação a eles mesmos, já que és o Aton do dia acima da terra. Tu viajaste para que todos pudessem existir. Tu criaste as suas faces para que tu não pudesses ver a ti mesmo como a única (coisa) que criaste.

O Aton é o demiurgo criador, “único” e “sem igual”; toda a criação segue os seus desígnios, os homens e os animais de grande e pequeno portes, tanto do Egito quanto das terras estrangeiras da Síria e da Núbia. Cada homem é colocado em seu devido lugar e seu tempo de vida neste mundo está calculado (não se sabe muito bem, entretanto, sobre o que acontecerá após esse tempo de vida acabar), e diferem quanto ao seu lugar de origem, língua vernácula, aparência e cor de pele. Apesar das distinções, ao mesmo tempo, o Aton fornece tudo o que é necessário não só à vida dos egípcios, mas também dos povos estrangeiros: ele criou, no Egito, o Nilo e sua cheia; nos países estrangeiros, faz com que chuva caia do céu para irrigar suas plantações e fazer viver os animais para que

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possam ser caçados. O Nilo nasce do mundo inferior (completamente desmitologizado) para trazer prosperidade ao Egito. As estações do ano dão equilíbrio à natureza e o céu foi criado pelo Aton para que pudesse contemplar e iluminar sua criação. Este tipo de passagem, assim como a do bloco semântico II, é uma das bases para que alguns autores idealizem o período de Amarna e a religião de Akhenaton. Numa religião universalista, inclusiva e comungada por todos, é como se as pessoas tivessem vivido em perfeitas condições materiais e para adorar o deus único, visível no céu durante o dia, o Aton. Um exemplo extremamente idealista é Erik Hornung, que diz sobre a cidade de Amarna: nenhuma subclasse apareceu na paisagem urbana; serviçais e escravos não possuíam casas próprias, mas, pelo contrário, estavam integrados nas casas grandes de seus mestres, os seguidores do rei. E um proletariado urbano não poderia ter se desenvolvido muito rapidamente neste lugar, onde todos os habitantes tinham suas funções definidas. Nós podemos, então, esperar que não houvesse vizinhanças pobres no que Joachim Spiegel chamou de “cidade de villas e palácios” (HORNUNG, 1999: 66).

Ora, é sabido, por exemplo, que os habitantes da Vila dos Trabalhadores viviam em um ambiente relativamente insalubre no interior da vila murada, e que as capelas construídas por eles fora dos muros que cercavam suas casas, para além de seu papel religioso, consistiam em ambientes para onde se podia fugir da clausura da vila (KEMP, 1987: 36). Quanto às partes residenciais da cidade, Hornung está certo quando diz que os serviçais estavam estritamente ligados aos seus senhores e isto está desenhado na malha urbana da cidade (KEMP, 1977). Mas, ao contrário do que ele diz, a hierarquização social é clara (assunto de que trataremos adiante). 177

À concepção contrária às visões idealizadas e deturpadas do período de Amarna, somam-se os dados das escavações no Cemitério das Tumbas do Sul, de onde vêm muitos exemplares de esqueletos das pessoas comuns que habitaram as diversas partes da cidade. A partir do estudo antropológico realizado com base nestes dados, chega-se à conclusão de que as condições materiais de vida em Amarna eram piores do que se imaginava: mesmo em se tratando de uma cidade nova, construída num local virgem no meio do deserto, que se presumia tratar-se de um local mais saudável, os estudos de paleopatologia mostram que as pessoas que foram enterradas no cemitério localizado no wadi entre a tumba de Ay a tumba inacabada 24A sofriam, no geral, de uma dieta fraca e de um tipo de trauma espinhal causado pelo carregamento de grandes quantidades de peso, talvez, até mesmo, na construção da própria cidade (ROSE, 2006; ROSE and ZABECKI, 2009). É preciso fazer, então, uma distinção entre duas esferas básicas de atuação: (1) o âmbito estatal; e (2) o contexto social – muitíssimo diverso – do restante das pessoas. Independentemente da interpretação que se tenha sobre o caráter da religião de Akhenaton, sua visão de mundo e suas ideias religiosas restringiam-se, na prática, ao nível estatal da sociedade, enquanto o resto das pessoas continuava a viver de acordo com um habitus socialmente construído, o que garantia práticas variadas – estimuladas pela própria religião estatal, no entanto. A religião de Akhenaton consistiu num tipo de monoteísmo diferente do que se desenvolveu posteriormente; um monoteísmo que partia de uma lógica não excludente das coisas (diferentemente da lógica ocidental contemporânea, que não admite que coisas consideradas opostas componham um mesmo conjunto) (KEMP, 2012: 26).55 55 Jan Assmann identifica como diferença outro aspecto: o monoteísmo de Akhenaton continuou sendo cosmoteísta, ou seja, baseava-se num aspecto visível do cosmo (ver, entre outras obras: ASSMANN, 2013: 79). Talvez seja possível de entender isto como uma interpretação mais superficial em comparação com a explicação de Kemp. No fundo, tem a ver com a visão mais sutil, para cada autor, de qual foi o papel e o caráter da religião durante o período de Amarna. Assmann acredita que, como no monoteísmo bíblico, Akhenaton perseguiu de fato o que era diferente, não havendo possibilidade

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Isso garantia uma paisagem religiosa plural, com práticas diferentes em contextos específicos, lógicas de funcionamento locais e de forma não excludente: forças diversas poderiam ser invocadas para resolver os problemas cotidianos em diferentes estratos sociais. Assim, o alto oficial Panehsy poderia orar ao faraó, como o intermediário entre ele e o Aton, em frente ao altar encontrado em sua casa (T41.1) na Cidade Central (figura 9). Ou uma mulher que vivia Cidade Principal poderia invocar a deusa Tuéris para que tivesse sucesso durante o parto – um momento terrível de incertezas para os antigos egípcios (Figura 10).

Figura 9: altar doméstico de Panehsy (Museu do Cairo), proveniente de sua casa situada na Cidade Central (c. 1,5 m). John Pedlebury (1951: plate XXXI). Cortesia da Egypt Exploration Society.

para o surgimento de outro tipo de fé. Não havendo chance, portanto, para a diversidade da experiência religiosa. Isso também tem a ver com o fato de este autor não considerar a piedade pessoal como fenômeno estrutural da vida durante o período de Amarna, mas somente a partir da época raméssida, como uma reação ao reinado de Akhenaton (ASSMANN, 2013: 82-83) – algo de que discordo diametralmente, como será possível constatar até o final deste artigo.

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Figura 10: estela medindo 15,2 cm x 12,7 cm, representando uma mulher e um menino em posição de adoração à deusa Tuéris, que porta um disco solar na cabeça. Proveniente da casa N49.21 na Cidade Principal. Anna Stevens (2006: 144). Cortesia da Egypt Exploration Society.

VI. Akhenaton é o único que conhece o Aton Tu estás em meu coração e não há um outro que te conheça, exceto o teu filho Neferkheperura Waenra, pois tu fizeste com que ele esteja informado de teus desígnios e teu vigor.

Akhenaton era o filho direto do Aton, o único que conhecia a sua natureza e os seus desígnios. O faraó era, teoricamente, segundo o texto, o intermediário entre as pessoas comuns e o deus, devendo ser, portanto, foco de adoração por parte das pessoas: de fato, nos jardins das casas maiores de Amarna foram escavadas estruturas interpretadas pelos arqueólogos como santuários domésticos dedicados ao culto da tríade composta pelo Aton, Akhenaton e Nefertíti (figura 11) (IKRAM, 1989: 100).

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Figura 11: santuário de jardim da casa P47.17 na Cidade Principal e sua planta. Referência da planta: Salima Ikram (1989: 95). Foto: Rennan de Souza Lemos.

Esse tipo de dado abre espaço para o debate sobre se a religião de Akhenaton teria sido ou não monoteísta já que, hipoteticamente, o faraó e sua rainha também deveriam ser cultuados, formando uma tríade com o Aton. A questão é complexa e envolve uma série de diferentes posturas teóricas. Limito-me, aqui, a definir minha opinião sobre o assunto: seguindo a postura de Kemp, em esferas variadas, diferentes “forças” poderiam ser invocadas pelas pessoas de forma não excludente e em contextos variados, não importando se estivessem envolvidos o Aton, o faraó e a rainha, ou deuses diversos. A partir do Grande Hino ao Aton, de todo modo, o que se conclui é que o próprio Akhenaton era um monoteísta, o que não deve ser interpretado como a única característica do fenômeno religioso durante o período de Amarna. Somando-se a esta visão, e corroborando a interpretação da diversidade como elemento estruturante da sociedade à época, mesmo como um monoteísta, não parece que Akhenaton tenha se preocupado em abolir crenças pessoais, 181

numa tentativa de se mostrar como a única alternativa – diferentemente da forma de monoteísmo posterior; o que se percebe é justamente o contrário. VII. Toda a vida depende do Aton enquanto ele está visível no céu A terra existe graças à tua ação, assim como tu os criaste: quando te elevas, elas vivem; quando te pões, elas morrem. Tu és o tempo de vida em teus próprios membros, e se vive por meio de ti. Até que te ponhas, (todos) os olhos voltam-se para a tua beleza, (mas) todo o trabalho é interrompido quando tu te pões no lado oeste.

Nesta passagem também fica claro o caráter desmitologizado da religião de Akhenaton: há certeza de que, quando o Disco Solar é visível, a vida prosseguirá em ordem; entretanto, não há certezas após o pôr do Sol, já que ninguém sabe para onde ele vai. Quando o Aton está ausente, então, a vida é interrompida – mais um dos elementos discursivos do texto que não refletem, obviamente, a realidade diversa da paisagem religiosa de Amarna. O Grande Hino ao Aton é representaçãoo de uma das várias formas de se relacionar com o sagrado durante o período de Amarna. VIII. O Aton submete todos a Akhenaton e Nefertíti Tu que te elevas e fazes [toda a criação] crescer para o rei, todos os que correm sobre seus pés desde que tu fundaste a terra, tu confias ao teu filho, fruto de teu corpo, o Rei do Alto e do Baixo Egito, que vive em maat, o Senhor das Duas Terras, Neferkhenerura Waenra, Filho de Ra, que vive em maat, Senhor das Coroas, Akhenaton, grande em seu tem-

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po de vida, e a Grande Esposa Real, sua amada, Senhora das Duas Terras, Neferneferuaton Nefertíti – que ela viva e permaneça jovem eternamente e para sempre.

Retomando a temática de outras passagens, o Aton faz com que todos estejam submetidos ao casal real, Akhenaton e Nefertíti. Uma paisagem religiosa complexa: a arqueologia das “inconsistências” Para fazer uma arqueologia das supostas inconsistências entre as concepções religiosas e as práticas sociais em Amarna, é preciso partir de um referencial teórico que permita englobar diferentes concepções de mundo, enfatizando, no entanto, as práticas. Creio que a Sociologia de Pierre Bourdieu ajude nisto. Entendendo o cenário e a sua diversidade A articulação entre o espaço físico, isto é, o ambiente natural no qual se inserem as pessoas, e o espaço social, ou seja, os espaços dos diferentes grupos sociais que acumulam capitais simbólicos que os distinguem uns dos outros, só pode ser entendida a partir de um conceito basal: o habitus. As sociedades, para Bourdieu, constituem-se a partir de uma articulação entre estruturas estruturantes, mas que também são estruturadas. Em outras palavras, o contexto social e histórico no qual se inserem grupos sociais distintos define a organização social prática das sociedades. Define as hierarquias, os valores, os símbolos socialmente compartilhados e, sobretudo, as práticas cotidianas das pessoas. A sociedade, a partir das práticas, é estruturada pelas disposições construídas social e historicamente, que estruturam, por sua vez, as próprias estruturas, dando a elas forma e significado. O habitus é o átomo da dialética entre a internalização do mundo externo e a externalização da internalidade dos indivíduos sociais. 183

Manifesta-se no próprio corpo dos indivíduos e em suas práticas cotidianas mais simples. Em suma, é a incorporação da objetividade do mundo social nos indivíduos e em suas práticas. Nas palavras de Bourdieu: “o habitus é a fonte de uma série de movimentos que são objetivamente organizados como estratégias, sem serem produtos de uma genuína intenção estratégica” (BOURDIEU, 1977: 73). Segundo Bourdieu, “o ‘inconsciente’ nunca é alguma coisa que não o esquecimento da história, produzido pela própria história por meio da incorporação das estruturas objetivas que produz” (BOURDIEU, 1977: 79). Isso significa admitir o habitus como a materialização das estruturas sociais nas práticas, mas, além disso, como a naturalização da história nessas práticas. O habitus, o princípio generativo duravelmente instalado de improvisações reguladas, produz práticas que tendem a reproduzir as regularidades imanentes às condições objetivas da produção de seu princípio generativo, enquanto ajustando-se às demandas inscritas como potencialidades objetivas numa situação, definidas por estruturas cognitivas e motivacionais que compõem o habitus (BOURDIEU, 1977: 78).

Esta citação de Bourdieu é emblemática, esclarece os diversos pontos do habitus. Desmembrando o conceito, trata-se, então, de predisposições socialmente geradas que produzem regularidades práticas a partir das condições materiais da vida social. Ao mesmo tempo, o habitus se adapta a potencialidades quaisquer, permitidas pela situação material, histórica e social. Isso abre espaço, assim, para motivações individuais ou coletivas, que tenham a ver com estruturas cognitivas também individuais ou coletivas. Não se trata de um determinismo social, portanto: como já foi dito, o habitus é a unidade mínima onde se repro-

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duz a articulação entre o indivíduo e a vida material, que condiciona as práticas corporais variadas que, por sua vez, modificam – com muitas limitações, no entanto – os condicionantes materiais da vida. Entendido o habitus, como sendo constituído por predisposições estruturantes interiorizadas nos indivíduos no sentido de reproduzirem as estruturas sociais na prática, pode-se entender o que, na concepção de Bourdieu, seria o espaço físico. Justamente, é uma das estruturas que produz o habitus e cria disposições interiorizadas nas pessoas. O espaço físico é, então, o ambiente que proporciona as bases de subsistência material da sociedade (JUSERRET, 2011). Nas palavras de Bourdieu, enfim, o espaço físico proporciona as “condições materiais de existência características de uma condição de classe” (BOURDIEU, 1977: 72). Isso significa que o espaço físico é a primeira base para o estabelecimento de distinções de classe, na medida em que se confere significado ao ambiente natural e ao que dele se extrai e consome. Bens econômicos, assim, tornam-se bens culturais, e seu consumo leva ao estabelecimento de distinções a partir do simbolismo conferido a tais bens, configurando habitus que variam de acordo com as classes sociais, que acumulam, por sua vez, capitais simbólicos utilizados para reproduzir tais distinções (BOURDIEU, 2007: 97; 164; passim). Essas distinções de classe materializam-se, por sua vez, no espaço físico. Como corpos (e indivíduos biológicos), e da mesma forma que as coisas são, os seres humanos estão situados em um ambiente (eles não são dotados de ubiquidade que os permita estar em vários locais ao mesmo tempo), e ocupam um lugar. O sítio (le lieu) pode ser definido absolutamente como um ponto no espaço físico onde um agente ou coisa está situado, “ocorre”, existe: isto significa dizer que, seja como uma localização ou, de um ponto de vista relacional,

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uma posição, um nível numa ordem (BOURDIEU, 1999: 123).

Assim como uma posição no espaço, os seres humanos possuem posições em hierarquias sociais valorativas. E, assim como os seres humanos, as coisas, às quais se impõe significados, também se encontram dispostas em pontos no espaço e em escalas valorativas que criam hierarquias de objetos e de quem os possui. Em suma, portanto, o espaço físico é o meio no qual se desenrolam as relações sociais e se materializam as distinções de classe existentes na sociedade, a base para a criação e reprodução de espaços sociais diversos e, sobretudo, da dominação de classe, com base no habitus. As distinções de classe, no espaço físico, materializam-se por meio da reprodução dos habitus de classe, por exemplo, na criação de lugares dotados de significado no espaço, com os quais os grupos sociais se identificam e sobre os quais agem. Tais lugares, organizando os espaços (físico e social), definem as práticas cotidianas e as ações das pessoas sobre a superfície inteira. Assim, casas, templos, edifícios administrativos, cemitérios, funcionam como marcas físicas das distinções sociais no espaço físico que, dotado de significado, torna-se lugar organizador das práticas (BOURDIEU, 1990; TUAN, 1974). Partindo dessas considerações, o emprego da noção de paisagem pode ser muito frutífero. A chamada Arqueologia da Paisagem engloba uma série de diferentes abordagens do passado por meio dos vestígios arqueológicos e de sua inserção no ambiente, mas também – e sobretudo – por meio da agência humana que produz os objetos e as estruturas materiais e, ao mesmo tempo, os dota de significado. Trata-se de uma área de estudos que remete a várias posturas teórico-metodológicas complementares, mas também, muitas vezes, opostas. A noção de paisagem é a base para a construção de um paradigma 186

de estudos que engloba diferentes opções de abordagem do passado. A inserção neste paradigma faz com que seja necessário que se deixe claro algumas características da paisagem: (1) Paisagens não são sinônimos de ambientes naturais. Paisagens são sintéticas, com sistemas culturais estruturando e organizando as interações das pessoas com o seu ambiente natural; (2) Paisagens são mundos de produto cultural. Por meio de suas atividades diárias, crenças e valores, as comunidades transformam o espaço em lugares com significados; (3) Paisagens são a arena de todas as atividades da comunidade. Assim, não são somente construções de populações humanas, mas também são o meio social no qual essas populações sobrevivem e sustentam a si mesmas; (4) Paisagens são construções dinâmicas, com cada comunidade e cada geração impondo o seu próprio mapa cognitivo num mundo antropogênico de morfologia interconectada, disposição e significado coerentes. Porque as paisagens incorporam princípios organizacionais fundamentais para a forma e estrutura das atividades das pessoas, elas servem como um construto que comunica informações e como um tipo de texto histórico. (...) Dessa forma, a paisagem é um processo cultural (ANSCHUETZ, WILSHUSEN, SCHEICK, 2001: 160-161).

Em suma, paisagem é um construto sociocultural que engloba tanto o ambiente natural no qual vivem as sociedades no tempo, quanto as práticas sociais das pessoas que habitam determinado espaço. Numa via de mão dupla, a paisagem engloba as práticas sociais que organizam o espaço e as formas físicas e simbólicas por meio das quais o espaço interfere nas práticas sociais. A paisagem “não é exclusivamente natural, nem totalmente cultural: é uma mediação entre as duas coisas, e uma parte integrante do habitus de Bourdieu, as práticas sociais rotinizadas

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por meio das quais as pessoas experimentam o mundo ao seu redor” (KNAPP and ASHMORE, 1999: 20). É preciso, então, definir o que é paisagem. Segundo John Barret: paisagem (...) é [a] superfície inteira sobre a qual as pessoas movem-se e por meio das quais elas se congregam. À superfície é dado significado na medida em que as pessoas agem sobre o mundo no contexto de várias demandas e obrigações que agem sobre elas. Essas ações se dão num certo tempo e em determinada localização. Então, a paisagem, sua forma construída a partir de características naturais e artificiais, torna-se um recurso culturamente significativo por meio de sua ocupação de rotina (BARRET, 1991: 8).

Por superfície entende-se uma arena, uma mesa onde são postas as cartas do jogo, as condições a partir das quais a vida se desenrola. A partir das condições materialmente dadas, dessa maneira, as pessoas podem agir no sentido de suprir suas demandas, suas necessidades básicas de subsistência, e também suas obrigações, isto é, aquilo que, socialmente determinado, deve ser feito para que haja coesão nas relações entre os grupos sociais distintos. Tudo isso está de acordo com a localização ocupada na paisagem, isto é, o lugar físico (que impõe condições e necessidades objetivas) e o lugar social (o ponto ocupado por alguém nas hierarquias sociais). Dessa forma, na paisagem, expressam-se elementos naturalmente dados e socialmente construídos, compondo um construto sociocultural que permanece ou se modifica com o passar do tempo – algo ditado pela ocupação de rotina, pela vida prática que tende a reproduzir as estruturas naturalmente dadas e socialmente construídas. Os diferentes lugares definidos na paisagem a partir das necessidades e motivações das pessoas contribuem para a organização de suas práticas e sua comunicação pelo espaço.

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Partindo dessas considerações, podemos então fazer uma arqueologia da paisagem diversa de Amarna, englobando todas as suas “inconsistências”. A paisagem de Amarna e sua diversidade: um contexto propício para “inconsistências” de todo o tipo (?) Amarna era uma cidade de grande porte: teria abrigado uma população de 20.000 a 30.000 habitantes (KEMP, STEVENS, DABBS, ZABECKI and ROSE, 2013: 65).56 Divide-se, basicamente, nas seguintes partes: Cidade do Norte (palácios), Subúrbio do Norte (área residencial), Cidade Central (parte mais importante da cidade antiga, com os templos ao Aton, residências do faraó e de altos funcionários e edifícios administrativos), Cidade Principal (maior parte residencial) e Subúrbio do Sul (parte residencial e templos). Às partes que compõem a cidade, soma-se uma necrópole, que engloba tumbas escavadas nas montanhas de calcário que circundam a cidade, reservadas aos membros da elite, e vários cemitérios destinados à maioria da população (ver mapa). A interpretação da paisagem de Amarna deve se basear na articulação de três níveis: o ambiente natural, a malha urbana e a necrópole, todos esses níveis compondo uma paisagem sagrada.57 Como uma característica importante dessa paisagem, Janet Richards ressalta que Akhenaton fundou-a em “um local divorciado da história e do espectro mais geral da mitologia egípcia” (RICHARDS, 1999: 98). Esta afirmação parte do fato de Amarna ter sido construída num local virgem, ou seja, nunca antes utilizado para a construção de quaisquer monumentos dedicados a quaisquer deuses. Apesar deste fato, segundo a postura teórica adotada aqui, a paisagem de Amarna foi possibilitada pela tradição. As56 Marc Gabolde (2005: 57) e Sue D’Auria (1999: 166) admitiram, para Amarna, uma população de 20.000 a 50.000 habitantes – uma estimativa plausível diante dos dados disponíveis. 57 Uma breve, porém interessante interpretação do simbolismo da paisagem de Amarna é: Mallinson (1999).

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sim, procurarei desconstruir esta visão, seja porque as ideias religiosas do faraó possuíam precedentes históricos (algo que já foi mencionado), ou devido ao caráter diverso da própria paisagem, indo ao encontro das hipóteses defendidas aqui. O termo Akhetaton, a antiga denominação do que hoje se conhece por Tell el-Amarna, referia-se, na Antiguidade, a um conjunto mais amplo do que as construções que compunham a cidade propriamente dita. Fazia referência a uma paisagem complexa, cujos limites eram definidos simbolicamente por meio de estelas monumentais esculpidas nas rochas das montanhas circundantes da cidade (figura 12) (KEMP, 2012: 47). Gravados nessas estelas, há textos hieroglíficos que expressam, entre outras coisas, os anseios de Akhenaton no relativo à construção de sua cidade, parte da paisagem sagrada dedicada ao Aton.

Figura 12: limites simbólicos de Akhetaton (Tell el-Amarna) definidos pelas estelas de fronteira. Adaptado de material cedido por Barry Kemp. Cortesia do Amarna Project.

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A escolha do local para a construção de Amarna foi feita a partir das ideias do faraó sobre o Aton e sobre suas necessidades enquanto divindade. Tratava-se de um local virgem, não tendo sido propriedade de um deus, não tendo sido propriedade de uma deusa, não tendo sido propriedade de um governante do sexo masculino, não tendo sido propriedade de um governante do sexo feminino, e não tendo sido propriedade de qualquer pessoa para que fizesse negócios com isto (MURNANE and VAN SIECLEN, 1993: 37-38).58

Ideias não constroem cidades. O ambiente natural impõe os seus limites à ação humana, que, por sua vez, o modifica e cria lugares dotados de significado. Os significados socialmente construídos e atribuídos ao ambiente – conformando a paisagem –, em Amarna, no entanto, não parecem ter sido amplamente difundidos. Não há documentos que possam comprovar os motivos pelos quais as pessoas mudaram-se para Amarna e lá viveram. Sabe-se somente que o faraó precisava de mão de obra para erigir a sua cidade e que as pessoas comuns deviam ao governante a chamada corveia real. Amarna englobava em sua paisagem as duas margens do rio Nilo. Do lado oriental, localizava-se a cidade, com todas as suas partes, e a necrópole. Uma zona desértica e que, na concepção egípcia, associava-se ao caos, a terra vermelha, desheret. Em oposição à terra negra (kemet), cujos campos, em Amarna, localizavam-se na margem ocidental do rio e abasteciam a cidade. A cidade propriamente dita estava localizada numa zona semicircular de solo desértico e pedregoso formada pelo desenho das montanhas de calcário do lado oriental (10 km norte-sul; 5 km do rio até as montanhas: ver mapa). Como imposição natural, a cidade foi predomi58 Texto encontrado nas primeiras estelas de fronteira erigidas.

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nantemente construída nas margens do rio cujo curso, na Antiguidade, não teria sido tão diferente do que se vê atualmente (KEMP, 2012: 49). As exceções são duas vilas construídas no meio do deserto, entre a cidade e as montanhas, cujos habitantes estiveram envolvidos na construção das tumbas real e da elite na necrópole (KEMP, 1987; STEVENS, 2012). Interferir na natureza significava domesticar o espaço caótico e manter a ordem das coisas expressada na noção de maat (RICHARDS, 1999). No caso de Akhetaton, isso também aconteceu. Entretanto, mais do que uma tentativa de materializar nas construções da cidade uma nova concepção religiosa (uma “nova ordem”, segundo Gisela Chapot),59 a construção de Amarna foi uma expressão do próprio pensamento egípcio do Reino Novo. E também, deu-se de acordo com as imposições do ambiente. Assim, por exemplo, mesmo que a necrópole da cidade estivesse localizada do lado leste, a escolha do local se deu, sobretudo, devido à geografia propícia.60 Apesar da consagração de toda a paisagem ao Aton, definida nas ligações entre os limites simbólicos da paisagem e a natureza, as ideias de Akhenaton, extraídas de documentos textuais, no entanto, expressavam-se principalmente por meio dos edifícios oficiais, sobretudo os da Cidade Central, como a Casa do Rei, o Grande Palácio, o Pequeno e o Grande Templo ao Aton. Essas construções eram feitas de blocos de pedra (articulados com argamassa de gipsita), um material durável, dife59 Segundo a autora, “a nova sede real e berço da nova religião deveriam ser erguidos sobre as areias caóticas do deserto para que uma nova ordem fosse estabelecida ao longo do Duplo País” (CHAPOT, 2011: 96). 60 Segundo Christian Tietze, “Akhenaton ignorou as concepções anteriores sobre o mundo inferior e sobre o julgamento dos mortos, e colocou a si mesmo no lugar de Osíris, procurando dar uma existência permanente aos seus oficiais através das oferendas diárias. Então, tal como descrito na proclamação de fundação, Akhenaton criou um novo Vale dos Rei no leste” (TIETZE, 2013: 67-68). Apesar das claras intenções do faraó, não se trata somente de uma questão ideológica. Há, por exemplo, outra exceção à regra: a necrópole de Beni Hasan. Sua localização na margem oriental do Nilo talvez se justifique pela proximidade das montanhas ao rio, assim como no caso de Amarna. Na margem oeste do rio, o deserto é distante, o que dificultaria a construção de tumbas desse lado (KAMRIN, 1999: 23). O ambiente, portanto, é sempre fator determinante ao se por ideias em prática.

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rentemente das demais construções da cidade, feitas de tijolos de barro. Mas mesmo assim a paisagem fora mais complexa do que isto, e a diversidade, crescentemente na história do Reino Novo, se fizera presente como o principal elemento estruturante das práticas sociais. Assim, por exemplo, mesmo na Cidade Central, parte da paisagem amplamente interpretada pelos egiptólogos como expressão por excelência da ideologia estatal, pode-se encontrar elementos dessa diversidade social. Voltemos às mesas de oferendas do Grande Templo ao Aton: se as mesas de oferendas da parte exterior do “Templo Longo” realmente tivessem servido para que as pessoas comuns participassem do culto ao Aton, enquanto as mesas de oferendas que se localizavam em seu interior tivessem sido reservadas ao culto estatal, isso significa que a Cidade Central e seu principal edifício – o Grande Templo ao Aton – também tivessem sido expressão do habitus social diverso do Reino Novo. Como em toda grande cidade, predominava, em Amarna, a diversidade. Apesar da constatação de um planejamento urbano claro em certas partes, as zonas residenciais tiveram o seu desenvolvimento pautado pela vivência das pessoas. Ou seja, a característica mais importante da Cidade Principal e dos Subúrbios do Norte e do Sul foi o desenvolvimento auto-organizado de seu urbanismo (SPENCE, 2013: 71-72) – uma expressão dos habitus existentes no Reino Novo. Num exercício de apreciação de paisagens arqueológicas realizado perto da casa do escultor Tutmés, na Cidade Principal, em Amarna, pude ver que as casas, construídas de uma maneira que hoje em dia seria considerada inapropriada devido às suas formas completamente irregulares, localizavam-se próximas umas das outras e muitas vezes ligavam-se entre si, sendo separadas somente por um muro, o que causa alguma dificuldade em distinguir casas diferentes (Figura 13). Os tamanhos delas variavam: havia casas grandes e casas pequenas. As primeiras certamente serviam de habitação a pessoas de status social elevado, membros da elite de Akhetaton – como nos casos de Ramose 193

e Tutmés, cujas casas situavam-se na mesma vizinhança. Conectadas às casas maiores, localizavam-se as menores, que serviam para abrigar os serviçais das casas grandes (KEMP, 1977). Afastadas do Nilo, essas casas maiores possuíam celeiros para seu suprimento – mas também para suprir as casas menores – e poços para armazenamento de água, o que possivelmente significa que serviçais tinham que ir e vir constantemente do Nilo, carregando recipientes de cerâmica com água, cujos cacos podem ser vistos atualmente por todo o sítio. Essas pessoas, caminhando pelas ruas irregulares da cidade que cresciam de acordo com as formas das casas que se expandiam segundo desejos e determinações sociais que variavam de acordo com os habitus, garantiam a diversidade social e prática de Amarna. A essa diversidade social e prática, ligava-se também uma diversidade de crenças, afinal, as mesmas pessoas que habitavam as casas grandes e pequenas dos subúrbios de Amarna e que circulavam pelas ruas irregulares da cidade, possuíam seus amuletos, suas capelas privadas, seus altares domésticos e seus deuses de devoção, tal como se pode concluir a partir do que foi e do que está sendo escavado. Na paisagem de Amarna, ainda, convergiam-se os aspectos de vida e de morte. Ou seja, por mais que se interligassem, estavam definidos os espaços físicos e sociais de vivos e de mortos: o assentamento, com todas as suas partes, consistia no espaço dos vivos, definido pelas construções, enquanto o espaço dos mortos era definido e marcado pelas tumbas da elite e pelos cemitérios populares. Havia também pontos de interseção entre os espaços dos vivos e dos mortos: sejam as próprias casas como locais de culto aos ancestrais, ou os altares localizados no deserto ao norte da cidade, que parecem estar de alguma forma relacionados simbolicamente à necrópole. Ambos os espaços eram possibilitados pelo ambiente natural que proporcionava as condições básicas da vida.

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Figura 13: modelo de uma das áreas residenciais de Amarna: www.amarnaproject. com. Cortesia do Amarna Project.

Assim como o espaço físico era marcado pelas construções, que definiam o seu uso, o espaço simbólico e ritual também era definido: a necrópole, espaço dos mortos, consistia numa paisagem ritual, foco de atenção e trabalho, assim como partes da paisagem urbana também o eram, numa articulação entre diferentes espaços: estruturas cultuais operavam em Amarna nos níveis da casa, da vizinhança e da cidade. O primeiro parece ter sido mais proeminente, o segundo, menos, enquanto o papel do terceiro – os templos estatais – é particularmente difícil de definir (STEVENS, 2006: 297).

Em suma, Amarna era uma paisagem ritualizada, cujos espaços, foco de atenção e deposição de força física (BELL: 88-93), transformavam-se em lugares específicos na cidade, adequados ou não a certas práticas, garantindo a diversidade da vida social, seguindo as tendências do Reino Novo.

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Havia ainda os espaços sociais. As hierarquias sociais interiorizadas nas práticas cotidianas eram reforçadas a partir de estratégias transferidas para os espaços da paisagem. Assim, por mais que estivessem intimamente interligados na paisagem urbana, os espaços sociais de ricos e pobres distinguiam-se no tamanho das habitações, não tanto em sua disposição pelo espaço. Da mesma maneira, estavam reforçados os espaços sociais na paisagem funerária, com distinções claras na disposição e cultura material das tumbas da elite, escavadas nas montanhas de calcário de boa qualidade que circundavam Amarna, e dos cemitérios populares, com seus enterramentos simples e pobres em cultura material, por mais que se possa perceber, a partir do exemplo do Cemitério das Tumbas do Sul, que havia, em alguns casos, certo esforço no sentido de se garantir ao morto algum mobiliário funerário, mesmo que simples. Amarna era paisagem social e ritual. Organizava-se a partir de regras comuns que norteavam o seu uso por todos, definidas de acordo com a vivência social, com os habitus cotidianos – em suma, de acordo com estruturas estruturantes e estruturadas, interiorizadas e reproduzidas nas práticas. Os diferentes espaços sociais garantiam uma diversidade tamanha, percebida a partir do estudo arqueológico da própria cidade. Lugares dotados de significado definidos no espaço garantiam as regras a partir das quais as pessoas poderiam agir em contextos específicos. Assim, as práticas sociais diferenciavam-se de acordo com o ambiente, a cidade e o simbolismo atribuído aos espaços, constituindo uma paisagem diversa e ampla em que se incluíam níveis de atuação prática variados. Um terreno fértil para “inconsistências” de todo tipo, sobretudo em matéria de religiosidade, que envolve uma série de opções individuais que, em Amarna, só parecem ter florescido, ao contrário do que se pensa. Mas ainda há que se discutir o que seriam essas inconsistências de que falamos. 196

Akhenaton elitista, falso profeta ou verdadeiro? Discutindo as supostas “inconsistências” Buscar inconsistências entre o que pensava Akhenaton e as práticas da população de Amarna não me parece ser uma boa estratégia de pesquisa.61 Significa, a meu ver, supervalorizar um elemento que não foi o principal durante o período de Amarna. Pelo contrário, era algo que, na racionalidade dos egípcios antigos, fazia sentido: coisas que para nós parecem excludentes, no pensamento egípcio, formavam partes de um todo (não da mesma forma durante toda a história do Egito antigo, obviamente). Enfatizar as inconsistências, ainda, significa partir de uma visão deturpada do faraó Akhenaton enquanto indivíduo: um elitista, distante das pessoas comuns, um fanático que só pensava em seu deus ou um controlador que impôs às pessoas que adotassem a religião do Aton tal como descrita, por exemplo, no hino analisado. Todas essas representações de Akhenaton não passam de suposições que mais têm a ver com crenças e opiniões pessoais de cada autor, do que com a realidade egípcia antiga de fato. Pode-se encontrar vários exemplos na literatura especializada. Assim, Nicholas Reeves afirma sobre Akhenaton: Enquanto Amenophis III teria sido paciente em suas ambições e disposto a seguir os sensatos conselhos de outros, Amenophis IV era um jovem apressado – impulsivo, emotivo e totalmente confiante em suas habilidades. (...) [Sua] devoção à religião solar – a sua própria, uma versão elitista 61 O título da primeiríssima versão do meu projeto inicial de pesquisa sobre Amarna foi, justamente, “A Reforma de Amarna posta em prática: uma análise das inconsistências entre os textos oficias e as práticas religiosas domésticas e funerárias no Egito antigo”. Hoje em dia, entretanto, abandonei quase por completo essas ideias, incluindo a terminologia “reforma”, pois indicaria a existência de um claro projeto político por parte do faraó – algo que não acho que tenha sido característico do período de Amarna.

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desta religião que, novamente, remontava a um passado distante – aparece totalmente desenvolvida logo no início do reinado (REEVES, 2001: 91).

Somando-se à afirmação de Reeves, Marc Gabolde diz sobre o desenvolvimento urbano de Amarna: “(...) apesar da indiferença manifesta do faraó em relação à urbe propriamente dita e seus habitantes, a cidade se desenvolveu e sua urbanização progrediu rapidamente” (GABOLDE, 2005: 59). Contrariamente à versão elitista de Akhenaton, um faraó socialmente distante que não havia se importado nem um pouco com a aceitação das pessoas às suas ideias religiosas, Barry Kemp (2012) nos lembra da inscrição na parede leste da tumba de Ay: Ele colocou maat em meu interior. Minha abominação é a falsidade, pois eu sei que Waenra, meu senhor, regozija-se em maat, ele que é conhecedor como o Aton e verdadeiramente perceptivo. (...) Meu senhor me instruiu para que eu praticasse os seus ensinamentos (...) (MURNANE, 1995: 111).

Outro exemplo vem do relevo do escultor Bak na pedreira de granito de Aswan, em cuja inscrição se lê: Prestando adoração ao Senhor das Duas Terras e beijando o solo diante de Waenra, pelo encarregado dos trabalhos na Montanha Vermelha, um discípulo que sua Pessoa ele mesmo instruiu, chefe dos escultores nos grandes e importantes monumentos do rei na Casa do Aton [o Grande Templo ao Aton] em Akhetaton, Bak, o filho do chefe dos escultores Men e nascido de sua esposa Ry, de Heliópolis (MURNANE, 1995: 129).62 62 De fato, vários fragmentos de granito vermelho, possivelmente partes de estátuas, foram e são encontrados hoje em dia no Grande Templo ao Aton.

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A partir da interpretação de textos como estes, segundo Barry Kemp, Akhenaton teria sido uma espécie de “professor”, que teria sim se preocupado em instruir de alguma maneira as pessoas a uma boa conduta de vida (KEMP, 2012: 30). Até que ponto esse tipo de texto expressaria as verdadeiras concepções dos seus respectivos autores? Ciro Flamarion Cardoso afirma sobre isto: a corte sem dúvida seguiu as indicações do rei e agiu de acordo com as mesmas, como se vê no que resta das capelas e tumbas privadas. Mas a facilidade e a prontidão com que se efetuou depois a volta aos padrões ordinários da instituição monárquica e a seus mitos mostra que a aceitação das inovações de Akhenaton pelos grupos dominantes fora superficial (CARDOSO, 2011: 19-20).

Este é um questionamento necessário. Entretanto, talvez seja mais profícuo seguir a linha que considera a especificidade do pensamento egípcio antigo com suas diversas lógicas setoriais de funcionamento. Em matéria de religião, eram múltiplas as possibilidades de escolha. Considerar uma “falsa aceitação” por parte da elite, significa partir do princípio da representação de Akhenaton como um fanático religioso ou interessado somente em concretizar seus objetivos políticos, através do qual funcionários ambiciosos e aproveitadores tentaram emergir socialmente. Prefiro ir no sentido das ideias do grande historiador Lucien Febvre, ao tratar das causas da Reforma Protestante na França no século XVI, e buscar identificar causas religiosas para um movimento histórico de fundo religioso. As religiões nascem dos anseios das pessoas e cabe a essas religiões, embasadas socialmente, ir de encontro às demandas dessas pessoas (FEBVRE, 1957). As ideias religiosas de Akhenaton certamente não encontraram os anseios da maioria das pessoas de Amarna, mas isso não elimina o fato de algumas pessoas, verdadeiramente, tenham se identificado com tais concepções. 199

Em vez de inconsistências, durante o período de Amarna, o principal fenômeno ao qual se deve prestar atenção é a diversidade. A paisagem diversa que permitiu que Akhenaton aparecesse com suas novas ideias e as pusesse em prática, em seu nível social; assim como foi essa diversidade que favoreceu a não propagação dessas ideias (no contexto social mais amplo, mas também no seio da elite) e a obliteração posterior da memória amarniana. Akhenaton fora somente mais um num contexto diverso de possibilidades; a diferença básica é que se tratava do faraó do Egito.63 Em resumo, são dois os argumentos que apresento contra a “busca por coerência” ou a “ênfase nas inconsistências”, com base em visões deturpadas de Akhenaton. O primeiro tem a ver com o caráter integracionista, ou monista, do pensamento egípcio, que funcionava a partir de uma lógica que pode ser resumida na frase “quanto mais, melhor”. Ou seja, quanto mais garantias alguém pudesse ter para assegurar a estabilidade de sua vida, ou o sucesso em alguma empreitada, melhor seria para esta pessoa. O segundo argumento, com base em Barry Kemp, tem a ver com um desdobramento dessa forma de pensar o mundo, algo já mencionado na análise do Grande Hino ao Aton: os egípcios “esperavam que a lógica tivesse somente aplicação local, que viesse em pequenas doses” (KEMP, 2012: 26). Assim, havia diferentes níveis de atuação social, que funcionavam de acordo com os habitus dos diferentes grupos sociais, o que gerava contextos diversos em que certas coisas eram aceitas e outras não. Assim, por exemplo, o preparador de unguentos da casa da princesa Meritaton (provavelmente o Palácio do Norte), Ramose, numa carta à sua irmã, Sherira, diz: 63 Tendo em vista as hipóteses que norteiam todo este trabalho, admite-se um contexto de diversidade justamente porque o período de Amarna foi uma época de grandes tensões entre mudanças e permanências, quando alternativas se mostraram à sociedade, no contexto do Reino Novo, entre cujas tendências gerais encontram-se fenômenos sociais como o aumento da piedade pessoal (discordando, no entanto, de Jan Assmann) e a emergência do indivíduo (ver ASSMANN, 2001; 2003; CARDOSO, 2003).

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Como estás? Estás bem? Eu estou bem. Estou agora orando ao Aton, vida, prosperidade e saúde, para que ele a mantenha saudável neste e em todos os dias, quando ele se põe e quando ele surge, e para... conhecimento do Aton, vida, prosperidade e saúde (WENTE, 1990: 95).

Este fragmento indica várias coisas. Primeiramente, mesmo que Akhenaton tivesse sido um controlador, pelo menos da elite e dos funcionários da corte (como no caso de Ramose, que trabalhava na residência da filha mais velha do faraó), e seus oficiais sobretudo interessados em ascensão social (já que supostamente a religião do Aton fora abandonada por todos após o período de Amarna)64 por que, então, numa carta privada, Ramose demonstraria fé ao Aton? Não parece factível que o faraó revistasse as cartas de seus funcionários para fiscalizar a adoção ou não das novas crenças. Além do mais, a própria forma como Ramose demonstra a sua fé contraria os preceitos básicos do Grande Hino ao Aton, que diz que somente o faraó conhece o Aton e tem acesso direto a este deus, devendo ser portanto foco de culto por parte das pessoas comuns (lembrar dos altares dos jardins das casas grandes de Amarna) (BICKEL, 2003: 28). Além do fragmento da carta da Ramose, um ostracon proveniente da Vila dos Trabalhadores representa a figura do Aton com raios em forma de braços terminando em mãos, uma delas portando o símbolo da vida (figura 14). Isso talvez indique que, na Vila dos Trabalhadores, assim como em outros locais da cidade, as pessoas se apropriassem do cânone oficial e cultuassem diretamente o Aton. Há ainda uma estela que foi encontrada no Subúrbio Norte (casa T36.36), com uma representação do Aton sozinho sobre uma mesa de oferendas (figura 15).

64 Este seria um tema a ser investigado: a presença do Aton em contextos diversos posteriormente ao período de Amarna.

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Figura 14: ostracon com representação do Aton encontrado na parte sul da Vila dos Trabalhadores. Cortesia do Amarna Project.

Figura 15: estela de 9,7 cm proveniente da casa T36.36 do Subúrbio Norte de Amarna, com uma representação do Aton sobre uma mesa de oferendas. Referência: Anna Stevens (2006: 136). Cortesia da Egypt Exploration Society.

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Outro dado que vai contra a representação de Akhenaton como um controlador fanático e a favor da constatação de uma diversidade de práticas e uma multiplicidade de opções em matéria religiosa, vem das tumbas da elite de Amarna: a presença muito sutil e indireta do deus Osíris ou de elementos ligados à tradição religiosa funerária. Assim, por exemplo, pode-ser ver cenas do funeral de Huya, em sua tumba, onde o morto é representado como um Osíris, seguindo o ritual tradicional (figura 16) (KEMP, 2012: 251). Além disso, há representações de estátuas mumiformes de Akhenaton na tumba de Meryra (figura 17).65 Diante disto, constata-se que havia cada vez mais margem para escolhas, muito influenciadas, no entanto, pelas estruturas incorporadas nos indivíduos e expressadas através dos diversos habitus característicos dos grupos sociais distintos que compunham a paisagem. O grande papel do período de Amarna foi o de estimular mais ainda a diversidade, abrindo espaço para novas concepções e práticas.

65 Essas cenas remetem ao Grande Templo ao Aton, onde possivelmente houvesse colossos de Akhenaton em forma de múmia, cuja referência clara é o deus Osíris – por mais que esta não fosse a associação que o faraó desejasse fazer, certamente as pessoas comuns a fariam. Em Karnak, também havia colossos semelhantes, onde Akhenaton aparecia não em forma de múmia, mas em trajes cerimoniais (REDFORD, 1984: 103). Para uma tipologia dos pilares/colossos osiríacos, cuja origem data do Reino Médio, ver: Leblanc (1980).

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Figura 16: cena da parede leste do santuário da tumba de Huya. Norman de Garis Davies (1905: plate XXII). Cortesia da Egypt Exploration Society.

Figura 17: cena do Grande Templo ao Aton na tumba de Meryra com representações de estátuas mumiformes de Akhenaton, referência ao deus Osíris. Foto de Julia Vilaró Rodriguez. Cortesia da fotógrafa.

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Para além do nível da elite, partindo para um contexto social mais geral, constata-se maior variedade de práticas ainda. As pessoas poderiam se engajar de alguma forma no culto ao Aton, não necessariamente seguindo de forma estrita as ideias do faraó, ou cultuar uma gama de deuses pessoais associados a simbolismos diversos, agindo de acordo com um habitus que variava bastante de acordo com os grupos sociais distintos, em matéria de práticas, lugares, tipos de objetos utilizados, materiais a partir dos quais os objetos eram confeccionados etc. Dessa forma, as pessoas comuns talvez participassem do culto desempenhado no Grande Templo ao Aton, utilizando as mesas de oferendas feitas de tijolos de barro cozido no exterior do “Templo Longo”, ou ainda, utilizassem os plintos localizados na parte externa do primeiro pilono do Pequeno Templo ao Aton para depositar estelas e estatuetas como oferendas votivas (MALLINSON, 1995: 174-176; STEVENS, 2006: 302-303).66 Ao mesmo tempo, as pessoas da cidade poderiam utilizar os altares construídos no interior das casas para cultuar seus deuses pessoais, tais como Tuéris ou Bes, bastante presentes na imensa quantidade de pequenos achados provenientes de várias partes da cidade e também do Cemitério das Tumbas do Sul (figura 18). Ou ainda os habitantes da Vila dos Trabalhadores poderiam cultuar o Aton, ou até mesmo Amon, na Capela Principal da vila (LEMOS, 2012b: 140-142). Segundo Barry Kemp, o lugar Akhetaton, tal como declarado pelo rei, não teria pertencido a qualquer deus ou deusa e, agora, pertencia ao Aton. A exclusividade aludida não durou muito tempo. Uma calma colonização de divindades menores ganhou espaço uma vez que a população da cidade começou a se mudar, mas até que ponto Akhenaton ou outro qualquer percebeu a inconsistência e perturbou-se com isto é impos66 Segundo descrição de Pendlebury (1951: 93): havia “nichos aparentemente para estelas de arenito das quais foram encontrados fragmentos”.

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sível de se dizer. O Aton pertencia a um plano separado de experiência e talvez as pessoas não vissem isto como uma competição (KEMP, 2012: 235, minha ênfase).67

Figura 18: pequeno pingente representando o deus Bes proveniente do Cemitério das Tumbas do Sul (temporada de escavações de 2012). Cortesia do Amarna Project.

As pessoas não viam inconsistência porque não havia inconsistência alguma. Muito menos uma competição entre divindades. O habitus egípcio antigo era constituído a partir da interiorização de estruturas que permitiam a existência de lógicas práticas diversas. Cada contexto permitia e tornava necessário práticas específicas e, em matéria religiosa, rituais também específicos deveriam ser desempenhados seguindo regras e envolvendo divindades ou “forças” peculiares. A paisagem simbólica e, sobretudo, prática de Amarna deve ser entendida, portanto, a partir de seu eixo estruturante principal: a diversidade, tanto de concepções quanto de ações. Uma paisagem permitida 67 Essa citação de Kemp me parece contradizer o que ele diz no mesmo livro sobre as diferentes lógicas do pensamento egípcio.

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pela história em curso, com suas mudanças estruturais que estimularam o aparecimento de alternativas. Jan Assmann, em seu texto publicado no catálogo da exposição comemorativa do centenário do descobrimento do busto de Nefertiti por Ludwig Borchardt, propõe uma interpretação muito frutífera do Grande Hino ao Aton e que tem a ver com toda esta discussão. Conforme já visto na análise do hino, quando o Aton surge no horizonte, todos os seres despertam e põem-se a adorar o Sol. Partindo daí, Assmann diz: o significado teológico desta descrição está no fato de que as meras tarefas da vida são, nelas mesmas, atos de adoração ao deus, cuja criação celebra pela manhã; criação esta de que o homem é somente um elemento. A adoração das criaturas não é expressada em palavras, mas em seus giros naturais em face à luz. Para os seres humanos, o “Aton vivo” é nada mais que energia cósmica; somente para o rei ele possui traços naturais (ASSMANN, 2013: 81).

Essa ideia interessantíssima parece apresentar uma contradição em si mesma e em relação às ideias mais gerais do autor no relativo à Amarna e à piedade pessoal. Se os seres humanos adoram o Aton em seus atos cotidianos mais simples, é lógico pensar que este deus possui, também para eles, um significado peculiar (por mais que este significado seja diferente daquele de Akhenaton), tal como já discutimos. Por mais que Akhenaton tenha afirmado, no mesmo hino, ter sido o único que conhecia de fato o Aton, ele mesmo abriu espaço para as pessoas comuns em sua religião. Isto é indício de que havia espaço para a piedade pessoal se desenvolver na paisagem de Amarna, e também, mais especificamente, para o estímulo à diversidade como cada vez mais o princi-

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pal elemento estruturante da sociedade.68 Dessa forma, não parece que Akhenaton tenha objetivado perseguir o que lhe era diferente, mas sim integrar a quem quer que fosse em seu “monoteísmo cosmológico”. Conclusão Neste texto percorremos o seguinte caminho: começamos na mente de Akhenaton, tentando entender, a partir do Grande Hino ao Aton, suas concepções religiosas, enfim, sua proposta de alternativa em meio a um contexto que, segundo este indivíduo, deveria ser “purificado”. Seguindo por aí, passamos pela cidade, com suas construções que conformavam partes diversas definidas a partir do uso dos espaços delimitados por elas, chegando às pessoas que utilizavam tais espaços e produziam a própria paisagem, a partir de sua inserção na arena, o que pode ser percebido por meio da arqueologia da cidade antiga. Desde muito tempo, especialistas vêm falando sobre o período de Amarna e sua posterior derrocada, mas pouco explicaram as razões de tais eventos. Esse foi o nosso objetivo – de maneira despretensiosa, entretanto: explicar os acontecimentos da época a partir de uma abordagem considerada por nós adequada. O aparecimento de alternativas é sempre possibilitado pela história, interiorizada e naturalizada nas práticas dos indivíduos inseridos em seu ambiente a partir de espaços defi68 Diferentemente do que o próprio Assmann defende em outras obras e também no texto a que me refiro: “O rei é o deus que sai em procissão, que acena e dá presentes, que intervém na sorte dos indivíduos e que tem a vida e a morte em suas mãos. Isto é relativamente diferente da ideologia real tradicional, que era embasada pela divinização não da pessoa, mas do cargo e do papel do rei. O Aton é um deus silencioso, de cuja boca nenhuma inscrição documenta qualquer palavra pronunciada, mas que somente se manifesta na luz de seu nome. Como resultado, o aspecto divino era vocalizado nas palavras do rei, em cuja presença o divino poderia ser experimentado. O que Akhenaton pronunciava era uma expressão da materialidade terena e presença da divindade, ligada diretamente a sua pessoa. Isto foi continuado no desenvolvimento da piedade pessoal e alterou a religião egípcia tão fundamentalmente como o monoteísmo cosmológico de Akhenaton. O avanço da piedade pessoal pode ser entendido como uma reação à experiência do período de Amarna. Akhenaton tentou colocar a si mesmo como o deus pessoal dos indivíduos e organizador das coisas. Após o fim de seu reinado e o fracasso de suas mudanças, nunca mais a monarquia tentou agir como a única mediação entre os homens e os deuses no Egito” (ASSMANN, 2013:82-83).

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nidos pelos seus usos e significados. Esta arena conforma uma paisagem diversa, produto da história. Amarna foi uma dessas paisagens permitidas pela história. Com níveis diversos de atuação, apresentou alternativas conceituais e práticas à sociedade inteira. Entretanto, ao mesmo tempo em que foi gerada pela história em curso, a mesma favoreceu o seu fim. Mudanças ocorrem, mas levam tempo para que se consolidem. É na longa duração que as práticas estruturadas vão estruturando gradativamente as próprias estruturas. Enfim, é no tempo longo que as mudanças ocorrerem e se consolidam (com exceção das revoluções) – “apenas um detalhado processo de desdomesticação, de descondicionamento, envolvendo repetidos exercícios tal como o treinamento dos atletas, pode transformar duravelmente o habitus” (BOURDIEU, 2000: 172). Akhenaton não percebeu isso. Dessa forma, o seu tempo seguiu o curso da história do Reino Novo, cujas tendências principais fizeram-se perceber em sua nova cidade, que não estava, na prática, divorciada da história, sem memória. De um lado, portanto, o período de Amarna foi uma época de continuidades, ao contrário do que a maioria sustenta. De outro, alternativas foram apresentadas à sociedade por Akhenaton – algo que foi permitido pela história em mudança; mas, na prática, a própria história (composta por pessoas que pensam e agem em seu mundo) escolheu manter certas estruturas, absorvendo outras, no entanto. Isso explica, por exemplo, o fato de o período de Amarna ter, não impulsionado, mas sim gerado certas tendências elevadas ao extremo na época raméssida, como por exemplo a consolidação das relações difundidas sociamente entre os deuses e as pessoas, sem a necessidade de um intermediário e, além disso, a possibilidade de expressão da individualidade (surgem, na época raméssida, por exemplo, os poemas de amor). Assim, portanto, o período de Amarna é chave para o entendimento do desenrolar da história, em qualquer lugar ou tempo. Numa 209

dialética entre mudanças e permanências, entre rupturas e manutenções estruturais, a história segue seu curso, mantendo a naturalidade das coisas na própria natureza humana, mas que, na verdade, está em mudança – a história é feita de sujeitos que sempre tomam iniciativas, sempre alteram as coisas e se transformam a si mesmos. Mesmo o que perdura, ao se perdurar, se modifica. Nada escapa (...) à mudança promovida pela intervenção ativa dos sujeitos (que somos nós). A história é um movimento incessante, que se realiza, afinal, num tempo incompleto, inacabado (KONDER, 1999: 14 apud ENGEL, 2013: 6-7).

A história é, portanto, uma dialética entre mudanças, alternativas que se põem às sociedades em momentos de transição, e permanências, tradição, habitus – as disposições estruturais duráveis. O período de Amarna é expressão disto, o que garantiu à paisagem uma boa diversidade de pensamentos e práticas, cujas escolhas finais se fizeram perceber pelo resto da história do Egito antigo. Não se trata apenas de uma mudança no caráter do que poderia ser representado, tal como defende Baines e outros (BAINES and FROOD, 2011). Pelo contrário, muitas das mudanças que se fizeram perceber a partir do período raméssida tiveram seu início em Amarna. Partir das ideias individuais do faraó (por meio dos textos) para a prática cotidiana das pessoas que viveram em Amarna (por meio dos vestígios materiais) é caminho para a percepção da predominância da diversidade como elemento estruturante da paisagem de Amarna, um fenômeno impulsionado aos poucos no Reino Novo. Foi essa diversidade que favoreceu o florescer de novas ideias e, ao mesmo tempo, a perpetuação das tradições; em suma, o desenrolar da história.

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