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LER OU NÃO LER? UM CAMINHO DOS LEITORES Izabela Fernandes Simão1

RESUMO O hábito de leitura pode surgir em qualquer esfera social ou idade, porém o foco dessa pesquisa são crianças e adolescentes na escola. É preciso tratar com cautela a questão da formação dos leitores e, principalmente, a questão da sua destruição. Para tanto, esse artigo pretende identificar o que acontece nesse ambiente que pode causar tal desinteresse em relação aos livros e o que acontece de certo que leva os alunos pelo caminho da leitura, pois o contato entre aluno e livro, depois de certa idade, é forçado pela grade matricular ou pelo vestibular. Muitos alunos, então, criam aversão pelos livros, não sentindo prazer nenhum em ler. Já outros, tornam-se leitores ávidos. Tal fenômeno já foi altamente discutido por diversos autores, mas Jéfferson Assumção e Ezequeiel Theodoro da Silva embasam essa pesquisa. Através da leitura e comparação entre suas obras juntamente com a de outros autores, foi possível perceber, claramente, que o primeiro contato com os livros é de suma importância para despertar a curiosidade latente de uma criança e, quando jovem, esse contato não pode ser baseado na obrigação, pois surtirá o efeito contrário, afastando o aluno dos livros. Há muitos anos o cenário da educação brasileira está assim, portanto, é chegada a hora de mudar.

Palavras-chaves: Leitores. Leitura. Escola. Professores.

ABSTRACT The reading habit can surge in any social sphere or age, but the focus of this research are children and teenagers at school. There has to be cautiousness when dealing with the matter of the formation of readers, and, mainly, the matter of their destruction. To do so, this article intends to identify what happens at this environment that can cause such indifference towards books and what happens right that leads students in the reading path, because the contact between student and book - after certain age - is forced by the subjects or the vestibular. Lots of students, then, create an aversion to books, they don’t feel any pleasure at reading. Yet others turn into avid readers. Such phenomenon was already discussed by many authors, but Jéfferson Assumção and Ezequeil Theodoro da Silva base this research. Through reading and comparison among these readings and others authors, it was possible to realize – clearly - that the first contact with books is of major importance in order to awake the repressed curiosity on children and at youth, this contact can’t be based on obligation, because it will produce the opposite effect, pushing students away from books. The scene of Brazilian education has been this way for many years; therefore it is time to change it.

Keywords: Readers. Reading. School. Teachers.

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Formada pelo Colégio Espírito Santo (CES). Estudante de Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Criadora e resenhista do blog Livros: ontem, hoje e sempre (LOHS). Estagiária editorial na Editora Mackenzie. Email: [email protected]

1 INTRODUÇÃO

Esse trabalho visa promover a reflexão acerca do papel da escola e dos professores tanto na formação quanto na destruição dos leitores. Como um aluno interessado em aprender, de repente, fica apático em relação à leitura? É uma pergunta intrigante que merece atenção especial, pois o ato de ler, segundo Ezequiel Theodoro da Silva (1996), está presente em todo o mundo acadêmico de uma sociedade letrada e essa presença abrangente começa na alfabetização, quando as crianças passam a compreender o potencial por trás de mensagens escritas. Logo, a instituição “Escola” tem um grande papel no início da formação dos leitores, no entanto, não soube por muito tempo, quiçá ainda não sabe, como administrar tal responsabilidade. O apreço pela leitura pode começar quando os pais se propõem a contar uma história na hora de dormir para seus filhos. As crianças são facilmente encantadas, mas clamam pela repetição que pode cansar a boa-vontade dos adultos. Por isso, quando o primeiro ano da escola chega, é uma oportunidade para ambos: a criança terá a chance de ler suas próprias histórias e os adultos terão mais tempo para outras atividades. Porém, o que fazer quando a criança, mesmo depois que começa a juntar sílabas e formar palavras, não entende o que está lendo? Será responsabilidade somente dos professores? Estará a escola cobrando pouco da criança? Os pais podem ajudar? Enfim, o que fazer? Em primeiro lugar, é muito importante deixar claro que a criança precisará de apoio contínuo em casa, de pais que consigam auxiliá-la nas horas em que esquece uma letra ou como é o som de determinada sílaba. Logo, os adultos não podem deixar que os filhos sigam pela estrada do aprendizado sozinhos. Também é preciso considerar a inflexibilidade do programa de ensino de algumas escolas que não levam em conta os diferentes tempos de aprendizado de cada indivíduo. Por isso, quando um aluno mostrar mais dificuldade em ler ou interpretar, o papel dos pais como companheiros dos professores torna-se essencial. Não basta só cobrar ou demonstrar indignação com a situação: a parceria é fundamental para o nascimento de um leitor. Afinal, os pais não cobravam a interpretação da história contada na hora de dormir, cobravam? E mesmo assim, os filhos entendiam, certo? “Que pedagogos éramos, quando não tínhamos a preocupação da pedagogia!” (PENNAC, 1993, p. 19). Ou seja, é importante mostrar à criança, ao leitor iniciante, que não há pressa.

Em terceiro, na base de toda a formação intelectual, existe o professor. Será ele quem ficará com as crianças e os jovens por horas, dias, semanas, meses e anos. Se o professor não souber encaminhar bem o primeiro contato com os livros e seus seguintes trabalhos, poderá destruir um leitor que ainda não nasceu, pelo peso de fichas de leitura, pela ameaça constante de notas, pela interpretação correta etc. É dever dele impressionar seus alunos, transformando os livros em objetos atrativos, cheios de mistérios e ensinamentos. Feito esse primeiro encantamento, o aluno curioso seguirá sua formação leitora. Portanto, todos têm suas responsabilidades, seus deveres e direitos. Num cenário utópico, a escola melhoraria sua grade de aulas para não prejudicar os alunos com velocidades de entendimento diferentes. Os professores desenvolveriam técnicas que cativassem seus alunos e que conseguissem quebrar o dogma da obrigação de leitura. Os pais praticariam a paciência e disponibilizariam seu tempo para ajudar uma criança iniciante nos seus caminhos através do mundo literário. E, se todos trabalhassem em conjunto, a criança cresceria e se tornaria uma leitora ativa, curiosa e apaixonada. Felizmente, algumas dessas situações não são, agora, apenas sonhos e expectativas. Existem escolas, professores e programas de ensino completamente comprometidos com a formação do maior número possível de leitores. Porque eles sabem, afinal, da importância de se desenvolver habilidades essenciais para a leitura e procurarão passar essa herança para seus diversos alunos, não importando a idade. Porém, ainda há situações não ideias de norte ao sul do país e são dessas que o artigo irá tratar.

2 O QUE É SER LEITOR?

Ser leitor numa época em que a tecnologia ganha cada vez mais espaço é, certamente, um desafio. No entanto, há muitos corajosos que se atrevem a ir além do que a sociedade de consumo imediatista permite. Ao invés de assistir a um filme, eles leem um livro. Ao invés de juntar dinheiro para comprar o próximo celular de última geração, os corajosos compram livros. Os corajosos são os apaixonados pela leitura, que fique claro. Porque existem os outros tipo de pessoas, algumas que foram tão desestimuladas pela escola, pela “máquina de destruir leitores”, nomenclatura de Jéferson Assumção (2000), que desistiram da leitura. Isso, porém, será assunto para o próximo capítulo. “O que é ser leitor?” trata de crianças, jovens, adultos e idosos que, apesar de tudo, conseguiram descobrir nos livros um lugar de repouso, de aprendizado, de sonhos e infinitas

possibilidades. Afinal, “ler é distanciar-se dos pequenos problemas reais, da conta de luz a pagar ou da tragédia presente que mata seres humanos (...).” (PERRISÉ, 2011, p. 20). Cada livro que marca uma vida, cada leitura que traz paz e conhecimento para uma pessoa é um pedaço a mais de humanidade no mundo. Num mundo em que, infelizmente, “cada leitura é um ato de resistência. De resistência a quê? A todas as contingências.” (PENNAC, 1993, p. 73), à vida, a todas as coisas que podem ou não acontecer. Porque não existe tempo para ler, mas quem realmente deseja encontrar, o faz. Rouba minutos ou horas de uma viagem no metrô, no ônibus; nas filas de bancos ou correios; na hora do almoço, na hora da novela, na hora do banheiro. Um leitor sempre achará tempo para a sua leitura, seja ela curta ou longa. Vale muitíssimo ressaltar o que Gabriel Perrisé (2011) comenta: “A leitura (...) deve ser sossegada, tranquila, em clima de serenidade, o que não nos impede de lhe imprimir diferentes velocidades e ritmos, dependendo sempre de nosso interesse e das características do texto.” (p. 10). Portanto, não adianta suprimir o tempo destinado à leitura, nem dizer que há coisas mais importantes para serem feitas. Um leitor sempre tentará colocar a leitura como sua prioridade e irá se deliciar com as palavras que escolheu ler da melhor forma que puder administrar o seu tempo, a sua vida. Um tempo que difere para cada tipo de leitor. Mas entre tantos, existem aqueles que

(...) nunca leram e têm vergonha, os que não têm mais tempo de ler e que cultivam o remorso, há os que não leem romances, só livros úteis, ensaios, obras técnicas, biografia, livros de história, há os que leem tudo e não importa o quê, os que ‘devoram’ e têm olhos que brilham, há os que só leem os clássicos, meu senhor, ‘porque não há crítica melhor do que a peneira do tempo’, os que passam a sua maturidade a ‘reler’ e aqueles que leram o último livro tal e o último tal outro, porque é preciso, o senhor sabe, estar atualizado... (PENNAC, 1993, p. 62).

Com isso, é possível ver uma parcela da diversidade de tipos de leitores que existem. E é possível que todos tenham passado pelo crescimento e amadurecimento leitor (Perrisé, 2011) que não exclui o esforço quase heroico de concluir uma leitura desagradável, mas que é basilar para a formação, ou fundamental para a realização de um trabalho acadêmico. É importante lembrar que, por muito tempo, o objeto livro foi restrito a uma camada exclusiva, letrada e com recursos da sociedade. Não que essa situação tenha mudado drasticamente agora, afinal, o preço dos livros ainda é alto se comparado com o poder aquisitivo de muitas famílias. Com isso,

(...) parece certo dizer que não existe tradição de leitura no Brasil. Dada as condições do desenvolvimento histórico e cultural do país, a leitura enquanto atividade de lazer e atualização, sempre se restringiu a uma minoria de indivíduos que teve acesso à educação e, portanto, ao livro. (SILVA, 1996, p. 37)

Surgem, então, bibliotecas públicas construídas através de doações, de iniciativas governamentais e privadas, numa tentativa de equilibrar a contraditória realidade em que o leitor no Brasil se encontra. Um leitor que sabe que existem diferenças sociais absurdas entre a população, um leitor que sabe que é privilegiado por razões que vão além do poder aquisitivo necessário para ter acesso aos livros; ele é privilegiado, pois consegue decifrar os segredos existentes nas palavras: suas mensagens, suas ameaças, suas denúncias, seus romances, suas intrigas, seus jogos de poder etc. Com esse poder, surgem responsabilidades. O leitor, de qualquer camada social que for, possuiu depois de uma leitura bem feita, o dever de tentar transformar a sua sociedade para melhor. Seja emprestando o livro, seja ajudando alguém a aprender a ler, seja escrevendo suas interpretações a respeito de determinado assunto. No entanto, ser leitor vai além dos deveres. Ser leitor é também “(...) saber que se amará para sempre, que se viverá feliz para sempre com personagens tão reais e tão lindas quanto as pessoas que nos cercam.” (RIBEIRO, 2009, p. 71). Não que isso baste para que o mundo se torne um lugar melhor, mas certamente são momentos de prazer que fazem com que os problemas e desafios do dia-a-dia se tornem menores e que a esperança para um lugar melhor continue a proliferar apesar de tudo o que acontece.

3 A DESTRUIÇÃO DOS LEITORES

Quase sem notar, as pessoas são cada vez mais consumidas por suas rotinas e pela pressa do mundo. Tudo é imediato, tudo tem de ser feito agora, a vida urge. Logo, não há motivos para perder tempo com distrações, como a leitura. Existe uma inversão de prioridades, nas quais o ter é mais importante do que o ser, e isso fez com que as pessoas buscassem objetivos mais lucrativos. A preocupação com o mercado de trabalho começa a surgir com o tipo de pensamento que as escolas passam a seus alunos: para ser um bom profissional, “alguém na vida”, é preciso ingressar na área das Exatas, que ganhou um grande espaço na grade curricular na época da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), deixando matérias que incentivam o pensar, como Português, História, a área de Humanas, de lado.

No entanto, há exatidão e especificidade nessa área também. E foi a partir dessas propostas de aprofundamento nos estudos do texto, com o Estruturalismo, por exemplo, corrente que estuda e foca mais na forma em que o texto foi escrito do que naquilo que o texto diz, que obrigatoriedade começou a tomar forma. Depois disso, a leitura ganhou ares de ciência.

É aí que a coisa começa a ficar ainda mais séria, pois a leitura comum passa a ser substituída por uma leitura ‘científica’ muitas vezes sobre a própria leitura, cada corrente se sucedendo e muitas vezes brigando por um lugar no altar da verdade. Têm origem, então, as várias ‘maneiras certas’ de ler. (ASSUMÇÃO, 2000, p. 45).

Dessa forma, a escola, sua grade curricular e o foco dos professores começaram a transformar a leitura em algo obrigatório, devido a demandas do – sempre presente – vestibular, diminuindo drasticamente as oportunidades de novos leitores nascerem; tornando-a (ASSUMÇÃO, 2000) chata e trabalhosa, transformando o livro em objeto de obrigação, a máquina tem seu trabalho facilitado para fazer com que os alunos saiam dela “mansinhos como cordeiros”.

3.1 A destruição dos leitores na escola

Grande parte desse tópico terá como base o livro de Jéferson Assumção, Máquina de Destruir Leitores, que descreve o que a escola faz com as gerações de alunos e possíveis leitores que passam por ela. Segundo Assunção, a máquina os destrói de maneiras irreparáveis e os deixa para sempre acreditando que a leitura é algo banal e desnecessário. Alguns alunos conseguem sobreviver e têm a chance de se tornarem leitores, mas são poucos. Alguns professores são excelentes e sabem ensinar toda a magia que existe por trás de uma leitura bem feita, mas também são poucos. Mostrando que

a situação da leitura no Brasil é bastante contraditória: convivem, lado a lado, a preparação ‘carente’ do professor de leitura e as recomendações irrealistas das autoridades educacionais. A política é a do ‘deixa como está para ver como é que fica’, aumentando dia a dia o volume da crise. (SILVA, 1996, p. 36).

O modo como a Literatura é apresentada atualmente, entre escolas literárias e obras marcantes e tachadas, deixa claro que o sistema de ensino está saturado e não consegue descobrir formas melhores de passar o conteúdo. Assim, a imposição se torna o caminho mais prático (e mais usado) para que os professores deem suas aulas e os alunos “aprendam”. O

leitor que ainda nem se desenvolveu “(...) é morto na escola pela espada de cobrança. A escola ainda não está preparada para relevar a gratuidade da leitura.” (RIBEIRO, 2009, p. 29). O papel do professor se torna claro nesse assassinato. Professores despreparados que lotam salas de aula de escolas públicas; professores acomodados de escola particulares; professores de universidades com opiniões radicais. Cada um deles se torna o responsável pela desmotivação do aluno em relação à leitura.

Nesse ponto é importante lembrar que todo professor, por adotar um livro ou mesmo por produzir ou selecionar seus textos, transforma-se, necessariamente, num corresponsável pelo ensino e encaminhamento da leitura. Em outras palavras, a leitura é uma ‘exigência’ que está presente nas disciplinas acadêmicas oferecidas pela escola e, por isso mesmo, os respectivos professores são, implícita ou explicitamente, orientadores de leitura. (...). Porém, por razões diversas, a responsabilidade pela orientação da leitura e pela formação do aluno-leitor é deixada somente aos alfabetizadores e aos professores de Comunicação e Expressão. Assim, se os alunos não aprendem a ler e se existe uma crise da leitura na escola brasileira, a culpa não é do corpo docente como um todo, mas somente dos professores de Português. (SILVA, 1996, p. 33-4).

Ou seja, o corpo docente deixou toda a responsabilidade acerca dos livros nas mãos de um único professor, criando um estigma que diz que apenas os profissionais da área de Letras leem e, portanto, ensinarão o que é ler aos seus alunos em três ou quatro aulas por semana, com mais toda a grade de matéria que precisa ser passada, pois será cobrada no vestibular. É praticamente impossível fazer com que os alunos sigam o exemplo de apenas um professor, enquanto os outros focam em suas matérias dizendo que não precisam de livros, que a leitura somente os atrasaria e atrapalharia, o necessário é fazer os exercícios e estudar, apenas essa repetição mecânica. Isso acaba criando um círculo de propagação de aversão e rejeição aos livros ao longo do desenvolvimento acadêmico dos alunos. Tudo começa quando as crianças estão na escola e acabam de aprender a ler. Alguns livros já são apresentados e, ao lado deles, uma ficha de leitura a ser preenchida. “Qual o nome das personagens?”, “Por que Fulano decidiu agir de tal maneira?”, “Beltrana morreu? Explique por que você acredita nisso.” Eles pedem para que o aluno descreva um livro em forma de respostas, quando o propósito do livro naquele momento não é ser fonte de respostas para perguntas mecânicas, mas sim, fonte geradora de sentimentos e motivação. Um pouco mais velhos, seguindo para o Ensino Fundamental, essa mesma prática não seria tão preocupante, caso as crianças só estivessem em contato com livros que as agradassem. Porém, na vida de qualquer um, chegará o momento em que histórias as quais consideram ruins aparecerão. E, ao invés de deixá-las de lado e procurar outra que lhe agrade, elas são obrigadas a concluir a leitura, no momento, enfadonha.

Resultado: a obrigação quase sempre resultou no oposto do que se desejava. O ato de ler tornou-se talvez um dever irritante e enfadonho. (...). A educação formal gerou analfabetos funcionais que, brincava o poeta Mario Quintana, ‘são os que aprenderam a ler e não leem’. E completo: (...), são os que pensam com menos clareza e intensidade. (PERISSÉ, 2011, p. 3).

E é exatamente nesse estado de apatia intelectual que a escola (possivelmente o governo) quer que seus alunos estejam. “(...) Será que o não-desenvolvimento ou regressão na área da leitura atende a determinados interesses de dominação?” (SILVA, 1996, p. 49). Afinal, “ler uma palavra por dentro convida ao pensar. As palavras vêm carregadas de insinuações, sugestões, ambiguidade, promessas.”, (PERISSÉ, 2011, p. 41). Sem a leitura para desenvolver suas habilidades de enxergar além daquilo que está na sua frente; para perceber os jogos de poder ou intuir quais as consequências de certas ações, os alunos saem mecanizados da escola, da faculdade, e caem direto num mercado de trabalho que os aceita automaticamente, esperando deles respostas criativas e experiências que todos os vinte anos (ou mais) usados para sua formação intelectual não os preparou. Assim, todas essas pessoas que lotam o mercado de trabalho atualmente sofrem para preencher lacunas de ensino que foram perdidas ou ignoradas pela escola e faculdade, apesar das melhores intenções que alguns poderiam ter. “Na ausência de informações que orientem uma prática mais eficiente, o ensino da leitura parece ser realizado ao acaso, fazendo com que os professores ajam através do ensaio-e-erro (...).” (SILVA, 1996, p. 33). Acostumando os alunos a uma situação em que a obrigação é constante; o suborno com notas é visível e eles não mais aprendem porque aquilo será importante para suas vidas, aprendem para ter uma nota alta e passar de ano, esquecendo tudo no momento seguinte.

3.1.1

A leitura e a cobrança dentro da sala de aula

Toda essa situação é insustentável. A escola, muitas vezes - e principalmente na etapa final da educação básica - não consegue passar a ideia de leitura fruitiva, ou seja, desvinculada da obrigatoriedade (ASSUMÇÃO, 2000) e, pelo fato de alguns professores só conhecerem essa forma de “ensinar”, força uma relação com os livros em que o importante é ler para passar de ano ou obter vantagens materiais da leitura. Por exemplo, o filho ganhando um presente dos pais por ter terminado o livro que o professor pediu para todos lerem. O aluno fica feliz com o presente, os pais ficam felizes com a tarefa cumprida, o professor fica feliz por ter sido obedecido. No entanto, ninguém leva em consideração que essa relação professor-aluno-pais é uma fachada. A criança não gostou do livro e só o

terminou porque tinha que resumi-lo para ganhar nota. Felizes pela nota mediana do filho (porque a atividade não foi realizada com entusiasmo de alguém que gostou do que leu), os pais o recompensaram, afinal, o professor os autorizou, dizendo que a tarefa pedida tinha sido realizada com sucesso. Pelo menos o aluno leu: levando em conta as facilidades que a tecnologia oferece, uma pesquisa rápida já traz todos os resultados desejados para ele plagiar resumos prontos; ele não compreende o porquê de ter de ler algo que considera enfadonho apenas por pedido do professor. “Se alguém quiser invalidar um livro de Literatura, basta dar uma prova sobre ele, pedir aos alunos que entreguem fichas de leitura preenchida, (...). Como se ela, a Literatura, pudesse ser ensinada...” (RIBEIRO, 2009, p.16). De maneira bem crua, espera-se que esses alunos

(...) apresentem boas fichas de leitura sobre romances que você [professor] lhes impõem, que ‘interpretem’ corretamente os poemas de sua escolha, que no dia do exame analisem finamente os textos de sua lista, que ‘comentem’ judiciosamente ou que ‘resumam’ inteligentemente aquilo que o examinador lhes enfiará debaixo do nariz, nessa manhã... Mas nem o examinador, nem você, nem os pais aspiram verdadeiramente a que esses meninos leiam. Eles também não desejam o contrário, note bem. O que eles desejam é que eles se saiam bem nos seus estudos, ponto. (PENNAC, 1993, p. 67).

E a ideia de prosperidade nos estudos vinculada ao prazer da leitura não existe mais. A sociedade atualmente está muito ágil e perder tempo lendo um livro para aprender é antiquado e desnecessário. Então, quando o professor pede uma leitura ou um resumo de seus alunos, os pais apoiam porque foi o professor quem mandou. Da mesma forma em que apoiam quando o aluno não chega perto de um livro e foca sua atenção infinitamente nos cálculos, por exemplo, também a pedido da autoridade em sala de aula. Os pais não conseguem ajudar os filhos nesse aspecto, pois não foram preparados para esse tipo de suporte. Todavia, fica implícita a ideia de que se os pais dessas crianças fossem leitores, se gostassem de ler, poderiam passar essa herança a seus filhos. Isso não acontece na maioria dos casos, porque a máquina de destruir leitores trabalha como um círculo, geração após geração. Logo, “o desenvolvimento do chamado ‘hábito de leitura’ muitas vezes fica no nível do idealismo pela falta de livros e profissionais que atendam aos leitores.” (SILVA, 1996, p. 49). Por falta de incentivo em casa e pela falta de tempo que a sociedade prega em seus alunos. É preciso estudar, é preciso passar no vestibular, é preciso escolher corretamente a área de profissionalização, é preciso não perder tempo.

3.2 Consequências da destruição de leitores

A primeira consequência grave a ser vista em um processo educacional falho é que

(...), sem leitura, nos transformamos em um povo desumanizado, com profundos problemas sociais e, o que é pior, sem capacidade para transformar, pelo menos a curto prazo, a realidade que nos cerca. Sem leitura, ficamos sem os instrumentos necessários para propor soluções, buscar alternativas, resolver nossos problemas de forma adulta, madura. Sem leitura, estamos a mercê de um modo de vida que nos transforma em máquinas de consumo de qualquer coisa. E o pior: passamos até a achar que viver sem precisar pensar é bom. (ASSUMÇÃO, 2000, p. 24).

Sem livros, o homem não tem motivos para agir. Ele não percebe a precariedade na qual vive e não nota as imensas desavenças sociais circundando-o. Como a leitura está relacionada à responsabilidade (PERRISÉ, 2011), quando não se lê, pode-se usar a falta de conhecimento como desculpa para não se fazer nada a respeito de determinada situação. Como faria se não sabia que algo estava acontecendo? O homem, então, fica de mão atadas diante de uma realidade que poderia ajudar a mudar. “Ler é, em última instância, não só uma ponte para a tomada de consciência, mas também um modo de existir no qual o indivíduo compreende e interpreta a expressão registrada pela escrita e passa a compreender-se no mundo.” (SILVA, 1996, p. 45). A humanidade nada seria sem os livros que guardaram em suas páginas centenas de anos de história. O conhecimento impresso à tinta é mais preciso que aquele passado de boca em boca, através de gerações. Então, como fazer o mundo entender a importância desse objeto? É preciso demonstrar que o aperfeiçoamento da humanidade “(...) dependerá de cultivarmos o otimismo da inteligência, a confiança em aprender mais e melhor, a firme determinação de realizar leituras críticas e criativas, de refletir com perspicácia, lucidez e agudeza.” (PERISSÉ, 2011, p. 31). É preciso trazer a leitura de volta ao coração dos alunos, mas principalmente, das pessoas. A pergunta é “como”?

4 A FORMAÇÃO DOS LEITORES

Não é possível ignorar o que acontece dentro da escola, mas é possível melhorar a abordagem e as iniciativas que tornarão viável a criação de um ambiente saudável para a criança, o jovem e o adulto se desenvolverem em leitores apaixonados.

Tudo deve começar calmamente, sem pressa e com encantamento. Instigando a mente dessas pessoas, elas buscarão por si próprias as continuações da leitura e outros mundos nos quais poderão se encantar. Com a ajuda de pais, amigos e, principalmente, professores, elas se lembrarão (PENNAC, 1993) de que um livro conta, antes de tudo, uma história. E é através dessa simplicidade que um leitor é formado. Uma criança pode se entreter de maneira criativa; um adolescente pode aprender a questionar dogmas de seu tempo; um adulto pode relaxar depois de um dia exaustivo e ainda conseguir ideias para seu trabalho (se a leitura estiver relacionada a sua área de atuação).

Em verdade, a incrementação das experiências do indivíduo depende das diferenças de conhecimento entre as pessoas que convivem socialmente. A cultura e a ciência parecem caminhar através de diferenciação progressiva ou de desdobramento crescente, nunca através de estagnação homogeneizadora. Assim, a aquisição de novas informações e a consequente expansão de horizontes decorrentes de leituras ecléticas vão se tornar instigadoras de diálogos mais frequentes e de comunicações mais autênticas. Nesse sentido, ler é realmente participar mais crítica e ativamente da comunicação humana. (SILVA, 1996, p. 41).

A quantidade de leituras refletirá na qualidade delas, seja entre crianças, jovens ou adultos. Como uma leitura leva a outra, se esse ciclo saudável continuar, um leitor crítico e bem informado poderá nascer. Vendo as mudanças claras em sua vida, o leitor buscará outros estilos de escrita para comparar seus possíveis textos favoritos. Enfim, “a vida com leitura é uma forma de potencializar a vida corriqueira. Viver com leitura é elevar-se, para além da vida prosaica, comum. (...). A vida com leitura é, então, uma vida de intensa prática de prazer.” (ASSUMÇÃO, 2000, p. 56). Uma vez (re)descoberto esse prazer e todas as consequências positivas que a leitura traz, mais pessoas passarão a ler.

4.1 De modo geral

O segredo para a formação de um leitor está na liberdade. Na liberdade de poder ler o que quiser, quando quiser, na possibilidade de poder abandonar um livro a qualquer momento e procurar outra que o agrade. Obviamente, é preciso lembrar o que Perissé (2011) diz: é um esforço necessário, se é uma leitura basilar para sua formação acadêmica. No entanto, enquanto se está começando, dando os primeiros passos para ser um leitor, escolher outra leitura é completamente permitido e assegurado pelos direitos dos leitores, de Daniel Pennac. Em 1992, também, Pennac afirma que não existe realmente tempo para ler, mas nada impedirá alguém que precisa terminar uma história de chegar até o final dela.

“Tempo de devorar livros e mais livros, tempo de processar as leituras. Um tempo determinado pelo relógio de nossa subjetividade. Um tempo que o leitor reserva para conhecer os novos espaços íntimos abertos pelas últimas leituras.” (RIBEIRO, 2009, p. 24). Um tempo que a vida não costuma oferecer gratuitamente. Por isso, pode-se perceber a importância dos pais no processo de formação dos leitores, pois serão eles que ajudarão as crianças a trocarem um filme por um livro, serão eles que poderão guiar os adolescentes a uma biblioteca, serão eles que escolherão um livro para um adulto, um amigo, por exemplo. Os pais ajudam otimizando simples escolhas que se tornarão essenciais algum tempo depois. Ainda seguindo a obra Como um romance, Pennac menciona o bovarismo, uma “doença textualmente transmissível”, capaz de transformar o livro em um objeto de adoração, depois que uma história é terminada. É assim, grosso modo, o “bovarismo”, esta satisfação imediata e exclusiva de nossas sensações: a imaginação infla, os nervos vibram, o coração se embala, a adrenalina jorra, a identificação opera em todas as direções e o cérebro troca (momentaneamente) os balões do cotidiano pelas lanternas do romanesco. (PENNAC, 1992, p. 141).

Será cada vez mais fácil convencer outros a lerem, depois que descobrirem as maravilhas escondidas dentro dos livros, garantindo-lhes essa satisfação e esse sentimento bom que eleva o espírito do homem, mesmo que momentaneamente.

4.2 Na escola

Algo não existente na escola é a opção de poder abandonar um livro e escolher outro. Lá, a liderança está nas mãos do professor que deve saber muito bem o que e como fazer para não trazer consequências ruins na vida de seus alunos. Como mudar a tradição de uma instituição coercitiva? Com novas estratégias de ensino, novas técnicas didáticas, novas possibilidades de atuação para o aluno. É preciso quebrar o dogma de “somente é permitido sentar-se, prestar atenção e levantar a mão quando quiser ir ao banheiro”. Autonomia e respeito são ensinados em livros. Basta que haja um professor corajoso o suficiente para ir contra toda uma tradição. Parece ser uma tentativa fadada ao fracasso sem os recursos certos, porém, muitas vezes, levantar a voz é o suficiente. “O homem que lê em voz alta nos eleva à altura do livro. Ele se dá, verdadeiramente, a ler!” (PENNAC, 1993, p. 84).

Ler em voz alta o começo de um livro adequado ao público pode ser um caminho para despertar a curiosidade latente que cada aluno possui. Assumção (2000) afirma que a escola é, ao mesmo tempo, fonte de injustiças e vítima de uma instância muito maior que ela. Por isso, é necessário encontrar alternativas que ajudem a formar leitores e pessoas aptas a resolver problemas de forma madura e sensata. Tal objetivo não será alcançado se o sistema esquecer que cada indivíduo é único, logo não se deve esperar que técnicas repetidas e pouco recicladas sejam suficientes para prender alunos numa sala de aula. A atual geração de crianças é facilmente distraída e encantada pela tecnologia. Então, é dever do professor, que deseja realizar um trabalho primoroso, aprender a lidar com esses novos aparatos para adentrar o objeto livro na era digital. Jonas Ribeiro (2009) diz mais: é dever da escola (e do professor) estabelecer um vínculo afetivo entre livro e aluno, definindo uma política de leitura duradoura e que seja incorporada por todo o corpo de funcionários de uma escola, desde o faxineiro até a diretora. Não adianta ficar preso à pedagogia de antigamente: apresentar a escola literária, apresentar as características do autor, ler detalhes do enredo antes mesmo de ter dado a oportunidade de os alunos lerem a obra, pedir fichas de leitura, resumos e etc. O tempo e suas demandas são completamente diferentes. Estão mudando neste exato momento. Por isso, “se o pedagogo em mim fica chocado por não ‘apresentar a obra no seu contexto’, persuada-se o dito pedagogo de que o único contexto que conta, por enquanto, é o dessa classe.” (PENNAC, 1993, p. 110). Logo, o tato do (bom) professor precisa agir e perceber o que os alunos estão dispostos a ler, como eles aceitarão tal livro se a história for apresentada de maneira mais sutil, com a leitura em voz alta e em conjunto, por exemplo.

5 CONCLUSÃO

Com esse trabalho, fica clara a importância da escola na construção de leitores e seu papel na destruição deles. Os alunos que entram na escola precisam ser letrados e não aterrorizados por leituras herméticas que nem mesmo leitores maduros conseguem entender completamente. Não que exista algo para ser entendido completamente; o Estruturalismo não pode ser mais forte do que a natureza bovarista de uma obra. Ficou evidente, com o passar dos anos, “(...) uma (lenta) diminuição do analfabetismo no país. Aumentou a quantidade de leitores, ainda que muitos deles não sejam os devoradores de livros com que as editoras e livrarias sonhem.”, (PERISSÉ, 2011, p. 22). Existem coisas

boas acontecendo com o quadro dos leitores, mas ainda não é o suficiente para que haja uma mudança de dogmas e o nascimento de uma bela tradição de amor aos livros. “A razão é bastante óbvia: em termos de resultados de pesquisa, pouco ou quase nada se sabe sobre a problemática da leitura nos três níveis educacionais e muito menos sobre os seus efeitos e procedimentos de ensino utilizados.” (SILVA, 1996, p. 47). Sendo assim, esvaise a chance de uma pedagogia mais eficiente para leitura dentro da sala de aula, pois faltam dados mais iluminadores. Se e quando essa situação for colocada como prioridade dentro das pautas do governo, a educação básica, fundamental, média e superior poderá dar frutos que preencherão as lacunas de um sistema deficiente: alunos que leem poderão tornar-se professores que sabem o valor da leitura apaixonada e que descobrirão melhores caminhos para difundir o amor à leitura em um novo ciclo de estudantes. Por consequência, o papel e o apoio contínuo dos pais são essenciais, permitindo um desabrochar seguro de uma natureza leitora intrínseca a todos os seres humanos, promovendo, assim, uma mudança paulatina no cenário caótico que é a educação brasileira.

REFERÊNCIAS ASSUMÇÃO, J. Máquina de destruir leitores. Porto Alegre: Sulina, 2000.

PERISSÉ, G. Ler, pensar e escrever. 5. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2011.

PENNAC, D. Como um romance. Tradução Leny Wernec. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

RIBEIRO, J. Colcha de leituras. São Paulo: Mundo Mirim, 2009.

SILVA, E T. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia da leitura. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1996

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