Letras e coisas, introdução

September 19, 2017 | Autor: P. Funari | Categoria: Ánforas Béticas, Antiguidade Clássica, Historiografía Latina
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Descrição do Produto

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Publicado em: Livro recém-publicado

Pedro Paulo Abreu Funari, Letras e coisas: ensaios sobre a cultura romana. Campinas, IFCH/UNICAMP, 286pp. (Coleção Trajetória 6), ISBN 85-86572-05-5. R$ 10,00, [email protected] .

Parte I - A Guerra de Jugurta, de Salústio, pp. 19-130 (apresentação e tradução da íntegra). Parte II - O sistema de assentamento micro-regional em La Campana em época romana, pp. 131-208. Parte III- Inscrições pintadas e grafites latinos em ânforas de tipo Dressel 20, pp. 209-286.

TRAJETÓRIA – FUNARI

Orelhas:

Os textos apresentados neste volume foram escritos entre 1983 e 1994. Sua junção nesta coletânea explica-se pela unidade temática e pela busca de apresentar facetas diversas dessa

mesma preocupação com a

articulação dos testemunhos escritos e a cultura material. Compõe-se de uma tradução da Guerra de Jurgurta, de Salústio, com introdução e notas, de um estudo do assentamento romano na Espanhal meridional e da apresentação e estudo de inscrições, em ânforas romanas, recentemente descobertas pela Arqueologia. Este volume visa, pois, mostrar um pouco de uma trajetória intelectual que tem sua lógica, voltada para a reflexão sobre a cultura material em um quadro mais amplo das Ciências Humanas, em geral.

O autor deste livro é professor livre-docente do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, desde 1992, tendo sido professor da UNESP de 1986 a 1991. É bacharel em História

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(USP 1981), mestre em Antropologia Social (USP 1985), doutor em Arqueologia (USP 1990). Publicou os livros Arqueologia (1998), Cultura Popular na Antigüidade Clássica (1989), La cultura popular en la Antigüedad Clásica (1992), Roma, vida pública e vida privada (1994), Antigüidade Clássica: a História e a cultura a partir dos documentos (1995), Dressel 20 Inscriptions from Britain and the Consumption of Spanish Olive-Oil (1996) e, com César Carreras, Britannia y el Mediterraneo: estudios sobre el abastecimiento bético y africano a Britannia (1998).

Dedicatória:

Em memória de minha mãe, Maria de Lourdes Abreu Funari Para meu pai, João Funari Neto

INTRODUÇÃO

Os textos aqui apresentados foram escritos, em diferentes momentos, entre 1983 e 1994. Sua junção, nesta coletânea, explica-se, em primeiro lugar, por uma unidade temática, que perpassa, de uma forma ou de outra, a maior parte dos livros e artigos que publiquei nos últimos quatorze anos: a relação entre as letras e o mundo da escrita, por um lado, e a cultura material, por outro. Esta preocupação encontra-se, pois, subjacente à trajetória intelectual que este volume procura, ainda que de forma muito parcial, retratar. De fato, já nos primeiros artigos publicados, sobre a Anforologia1, o assentamento romano2, a tipologia3, a terminologia latina dos vasos recipientes4 ou sobre a cultura popular5, encontravam-se mesclados, de forma

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A Anforologia, uma nova disciplina arqueológica, Revista de História, 1985, 118, 161-170. As estratégias de exploração de recursos no Vale do Guadalquivir em época romana, Revista Brasileira de História, 12, 1986, 12, 169-198; este artigo, revisado, foi publicado com o título Baetica and the Dressel 20 production, an outline of the province’s history, em Dialogues d’Histoire, 20, 1, 87-105 e publica-se neste volume em sua versão original. 3 Estudo tipológico das ânforas oleárias béticas de tipo Dressel 20 de ca. 149 d.C., Dédalo, 1987, 25, 209-233. 4 Em torno da ânfora: a terminologia latina dos vasos recipientes, Cultura Clássica em Debate, Belo Horizonte, UFMG, 51-61. 2

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programática e articulada, os testemunhos escritos e a cultura material, associando, de forma indissolúvel, a Arqueologia e as demais disciplinas das Humanidades, em particular, a História, a Filologia, a Semiótica e a Antropologia. Assim, os livros 6 e artigos7 mais recentes representam tanto uma continuidade temática e metodológica quanto, ao voltar-se para a ciência internacional, representam a busca de uma contribuição para os rumos da própria ciência que transcenda os quadros nacionais.

Em segundo lugar, buscou-se, com os textos escolhidos, apresentar facetas diversas dessa mesma preocupação. O trabalho que abre este volume representa a primeira de uma série de traduções8, neste caso, de uma obra latina9, levada a cabo como uma tarefa de curso de pós-graduação. O Prof. Antônio Silveira Mendonça, latinista que sempre se preocupou com as sutilezas da tradução de textos clássicos, organizou um curso voltado para a versão da Guerra de Jugurta, de Salústio, autor escolhido, entre outros motivos, por se tratar, a um só tempo, de um historiador e de um estilista na contra mão do equilíbrio formal que viria a dominar o cânone de composição da prosa latina. Além do Prof. Mendonça, participavam do curso diversos estudiosos, latinistas, historiadores e filósofos, alguns já professores universitários, outros ainda apenas

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Cultura (s) dominante(s) e cultura(s) subalterna(s) em Pompéia: da vertical da cidade ao horizonte do possível, Revista Brasileira de História, 1987, 13, 33-48. 6 E.g. Dressel 20 Inscriptions from Britain and the Consumption of Spanish Olive-Oil, With a catalogue of stamps, Oxford, Tempus Reparatum, 1996; César Carreras & Pedro Paulo A Funari, Britannia y el Mediterraneo: estudios sobre el abastecimiento bético y africano a Britannia. Barcelona, Universidad de Barcelona, 1998; P.P.A Funari, Siân Jones & Martin Hall (eds), Historical Archaeology: Back from the edge, Londres, Routledge, 1998. 7 E.g. Archaeology, History and Historical Archaeology in South America, International Journal of Historical Archaeology, 1997, 1, 3, 189-206; European Archaeology and two Brazilian offspring: classical archaeology and art history, Journal of European Archaeology, 1997 5,2, 137-148; El mito bandeirante: élite brasileña, cultura material e identidad, Boletín de Antropología Americana, 24, 1997, 110-122; Historical Archaeology in Brazil, Uruguay and Argentina, World Archaeological Bulletin, 7, 1996, 51-62; Mixed features of archaeological theory in Brazil, in P. Ucko (ed.), Theory in Archaeology, A world perspective, Londres, Routldge, 1995, 236-250. 8 Tradução de livros para o português como, por exemplo, Introdução à Arqueologia Histórica, de Charles E. Orser, Belo Horizonte, Oficina de Livros, 1991; As Primeiras Civilizações, São Paulo, Ática, 1995, ambos do inglês; revisão de tradução do alemão para o português, Arquivos Guilherme Tiburtius, Joinville, Museu Arqueológico de Sambaqui de Joinville, 1996; tradução do espanhol para o inglês, Postmedieval archaeology in Spain: an overview, World Archaeological Bulletin, 7, 1996, 137-148. 9 Posteriormente, traduções de textos latinos e gregos apareceram em diversos livros e artigos, em especial, em duas coletâneas de documentos antigos comentados, A Antigüidade Clássica: a História e cultura a partir dos documentos, Campinas, Editora da UNICAMP, 1995 e Roma, vida pública e vida privada, São Paulo, Atual, 1994 (1ª edição; 1998, 7ª ed.) e nas transcriações de grafites latinos em La Cultura Popular en la Antigüedad Clásica, Écija, Editorial Sol, 1991, do latim para o espanhol (em português, publicado como A cultura popular na Antigüidade Clássica, São Paulo, Contexto, 1989 e 1996).

4 alunos10. Toda a obra foi vertida, durante o curso, e, a cada aula, discutiam-se diversos aspectos referentes ao texto11. A versão aqui apresentada, portanto, contou com essa experiência conjunta, ainda que a responsabilidade pelo resultado restrinja-se ao autor. A tradução permaneceu inédita de 1983 até hoje, embora tenha sido utilizada em sala de aula, nestes anos, sendo que trechos foram publicados nas coletâneas de documentos que coligi12. A versão aqui publicada conta com uma introdução e com notas explicativas e, mesmo que seja datada do início da década de 1980, testemunha uma preocupação com a criação, não apenas em nossa língua, como em nosso contexto cultural, de uma versão de obra clássica.

A segunda obra apresentada foi escrita, também, nos primeiros anos 1980, tendo sido publicada, posteriormente, em três partes, em português e apenas uma introdução, em inglês13. Tratava-se de um estudo bem inserido na Arqueologia Processual que, por aquele período, estava produzindo modelos analíticos inovadores, em especial no estudo do assentamento humano. Havia levantamentos arqueológicos de superfície importantes que se estavam realizando, já desde a década de 1970, em diversas partes do mundo e, no que se refere ao Vale do Guadalquivir, na Espanha Meridional, área que estava no centro de minhas pesquisas, uma exaustiva prospecção permitiu-me utilizar de métodos de análise então pouco usuais na Arqueologia do Mediterrâneo. Além disso, as evidências sobre o assentamento romano no Guadalquivir não se limitavam aos vestígios materiais, mas compreendiam as fontes da tradição textual e, com particular destaque, os dados epigráficos. Desta forma, podia propor-se uma junção, pouco comum, entre evidências materiais, estudadas por meio de modelos de assentamento humano, inscrições e informações literárias sobre a área de estudo. Na medida em que este trabalho foi publicado de forma fragmentada, sua apresentação integral, neste volume, objetiva, pois, restabelecer sua integridade.

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Entre outros, os professores Chelini, Guarinello e Li. Ariovaldo Peterlini publicou trechos da Guerra de Jugurta em Antologia Bilíngüe de Escritores Latinos, I. História, organizada por Maria da Glória Novak e Arivaldo Augusto Peterlini, São Paulo, FFLCH-USP, 1991, pp. 48-51 e Antônio Silveira Mendonça publicou, posteriormente, toda a obra. 12 Cf. nota 9. 13 Cf. nota 2 e O sistema de assentamento microregional em La Campana em época romana, História, 1987, 5/6, 85-96; O assetamento microregional em La Campana em época romana, História, 1998, 7, 47-60. 11

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A terceira parte deste volume consiste na publicação e estudo de epígrafes anfóricas latinas, texto escrito, originalmente, em 1994 e publicado, em inglês e espanhol14, mas inédito em português. As inscrições pintadas e os grafites, com sua particularidade, por se utilizar da escrita cursiva, exigem uma exegese própria, no cruzamento da Filologia com a Arqueologia, da História com a Antropologia. De fato, as minúcias paleográficas exigem uma erudição específica muito acurada, mas as implicações mais amplas escapam, às vezes, ao observador esterno a esta área de investigação. Neste caso, procura-se mostrar como a Arqueologia está a produzir documentos textuais novos, pois as inscrições, aqui apresentadas, são todas de recente descoberta e apenas seu estudo e publicação permite a formulação de interpretações mais abrangentes. Também neste texto, fica clara a materialidade do texto escrito, cujo estudo não pode, assim, deixar de lado esta inevitável interação entre letras e coisas.

Este volume visa, como se pode perceber, mostrar um pouco de uma trajetória intelectual que tem sua lógica, voltada para a reflexão sobre a cultura material no contexto mais amplo das Ciências Humanas, em geral. Este percurso não seria possível sem o incentivo, o apoio e orientação dos meus professores, em particular, em ordem cronológica, Maria da Glória Alves Portal, Haiganuch Sarian, Antônio Silveira Mendonça, José Remesal, Michel Ponsich e Emilio Rodríguez-Almeida. As pesquisas aqui apresentadas contaram com apoios financeiros institucionais, em diferentes situações, do CNPq, CAPES, FAPESP e FUNDUNESP, bem como com o apoio científico do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, no qual estagiei entre 1981 e 1985, da UNESP, câmpus de Assis, da qual fui professor de 1986 a 1991, e do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.

Campinas, julho de 1998.

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Some amphora inscriptions from Britain: amphora evidences, Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, 1993, 3, 121-135, em versão anterior àquela aqui publicada; também publicada como parte do livro Dressel 20 Inscriptions from Britain and the Consumption of Spanish Olive-Oil, with a catalogue of stamps, Oxford, Tempus Reparatum, 1996 e, em espanhol, em César Carreras & Pedro Paulo A Funari, Britannia y el Mediterraneo: estudios sobre el abastecimiento bético y africano a Britannia, Barcelona, Universidad de Barcelona, 1998.

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