LEVY FIDELIX, TOLERÂNCIA E DIREITOS HUMANOS

May 28, 2017 | Autor: D. Abreu | Categoria: TOLERANCIA, Direitos Humanos, Direitos Fundamentais e Direitos Humanos
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ANAIS

ISSN 2178-7174 1

ANAIS

TEMA: MIGRAÇÃO E TRÁFICO DE PESSOAS NAS FRONTEIRAS

Local: Universidade Federal de Mato Grosso do Sul 05 a 08 de novembro de 2014 Campo Grande – Mato Grosso do Sul - Brasil

Organização dos ANAIS Antonio Hilario Aguilera Urquiza Sônia Rocha Lucas Cátia F. S. Pimenta Varjão

ISSN 2178-7174

REALIZAÇÃO UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul UFGD - Universidade Federal da Grande Dourados UEMS – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul UCDB – Universidade Católica Dom Bosco APOIO FIDH – Fórum Internacional de Direitos Humanos IDHMS - Instituto de Direitos Humanos do Mato Grosso do Sul; CEEDHMS - Comitê Estadual de Educação em Direitos Humanos; MCDB - Museu das Culturas Dom Bosco (ligado á Missão Salesiana de Mato Grosso); Observatório de Educação Indígena – UCDB/CAPES PATROCÍNIO FUNDECT - Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul FTD-ETP - Fórum do Trabalho Descente e Estudo sobre Tráfico de Pessoas; MEC – Ministério da Educação COORDENAÇÃO GERAL Antonio Hilário Aguilera Urquiza COMISSÃO ORGANIZADORA (EXECUÇÃO) Dra. Ana Paula Martins Amaral (UFMS) Dr. Antonio Hilário Aguilera Urquiza (UFMS) Dr. Cícero Rufino Pereira (MPT/FTD-ETP/UCDB) MS. Edson Luiz Xavier (Coordenador do PIDH/UCDB) Ms. Getúlio R. de Lima (CEEDH-UFMS) Ms. Isabelle Dias Carneiro Santos (UFMS/CPTL) Ms. Joana Maria Matos Machado (UCDB) Dr. José do Nascimento (IDHMS) Ms. José Henrique Prado Ms. José Paulo Gutierrez (UFMS) Dra. Luciane Pinto de Almeida (UCDB) Dra. Luciani Coimbra (UFMS)

Ms. Maucir Pauletti (UCDB) Dr. Neimar Machado de Souza (UFGD) Dra. Vanderléia Paes Leite Mussi (UFMS) Dra. Ynes da Silva Felix (UFMS)

COMITÊ CIENTÍFICO Dra. Adir Casaro Nascimento (UCDB) Dra. Aida Monteiro (UFPE) Dra. Alícia Cabezudo (Univ. de Rozário/Argentina) Dr. Álvaro Banducci Júnior (UFMS) Dr. Amós Nascimento (Univ. de Washington) Dra. Ana Keila Mosca (UFABC) Dr. Andreas Niederberger (Universidade de Frankfurt, Alemanha) Dra. Beatriz dos Santos Landa (UEMS) Dra. Carina Elisabeth Maciel (UFMS) Dra. Esther Martínez Quinteiro (Univ. de Salamanca/Espanha) Dr. Heitor Queiroz de Medeiros (UCDB) Dr. Jesús Lima Torrado (Univ. Complutense/Espanha) Dr. Jorge Eremites de Oliveira (UFPEL) Dr. José Manfroi (UCDB) MS. José Moacir de Aquino (UFMS) Dra. Margaret Griesse – (University of Washington) Dra. Sheila Stolz da Silveira (UFRG) Dr. Oscar Iglesias Alvis (Univ. Salamanca/Espanha) Dr. Ancelmo Schörner (UNICENTRO/PR) Dr. Solon Eduardo Annes Viola (UNISINOS) Comissão de infraestrutura e logística Ms. Aurélio Tomaz da S. Briltes (CPAN/UFMS) Ms. Carlos Magno Naglis Vieira (UCDB) Jéssica Maciel de Souza (UFMS) Ms. Isabelle Dias Carneiro Santos (UFMS) Dra. Ynes da Silva Felix (UFMS) COMISSÃO DE CREDENCIAMENTO Andrea Lucia Cavararo Rodrigues (UFMS)

Alyson Matheus de Souza (UFMS) Jéssica Maciel de Souza (UFMS) Kellen Dias Lacerda (UFMS) Sônia Rocha Lucas (UFMS) Tânia Milene Nugoli (UFMS) COMISSÃO DE DIVULGAÇÃO E INSCRIÇÃO José Paulo Gutierrez (UFMS) Sônia Rocha Lucas (UFMS) Wellington Luiz de Marchi (UFMS) Rose Cristiani Liston (Dourados) Eliane Rodrigues Toniasso Edson Luiz Xavier (UCDB) Maucir Pauletti (UCDB) ORGANIZAÇÃO (Discente) Sônia Rocha Lucas – Coordenadora Discente Alyson Matheus de Souza Ana Lúcia Franco Andréa Lúcia Cavararo Rodrigues Demilson Boaventura da Silva Eloá Christine de Oliveira Deserto Érika Rodrigues Viana Gabriela Barbosa Lima e Santos Inez de Oliveira de Souza Ivani Marques da Costa Grance Jessica de Oliveira Torres Jéssica Maciel de Souza Julio Cesar Nunes de Souza Karine Emanuelle Freitas Cardoso Kellen Dias Lacerda Liliana Simionatto Luana Nabhan Benetti Mateus Henrique Zotti Maas Pâmella Rani Epifânio Soares

Rausemeyre Pinheiro de Almeida Rosa Rayane Bartolini Macedo Sabrina Morais Shih Ling Hsuan Shih Yin Tsen Tania Milene Nugoli Vanessa Rodrigues de Oliveira Site Wellington Luiz de Marchi

Sumário APRESENTAÇÃO .............................................................................................................................. 1 PALESTRA: Dr Jesús Lima Torrado ............................................................................................. 6 EFECTOS SOCIALES PERVERSOS PRODUCIDOS POR LAS POLITICAS MIGRATORIAS DE LOS PAÍSES MIEMBROS DE LA UNIÓN EUROPEA ....................................................................... 6 TRABALHOS COMPLETOS ............................................................................................................ 27 GT 01 ................................................................................................................................................ 27 Multiculturalismo, Interculturalidade e Direitos Humanos ......................................................... 27 1.CONSIDERAÇÕES SOBRE O PAPEL DA LINGUAGEM NA (DES)CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE E DOS ESTEREÓTIPOS por Carla Fabiana Costa Calarge e Marcela Sol ............................................ 28 2.AS CELEBRAÇÕES À VIRGEM DE URKUPIÑA NA FRONTEIRA BRASIL – BOLÍVIA por Ricardo Ferreira Martins, Antonio Firmino de Oliveira Neto e Gustavo Villela Lima Da Costa.................... 42 3.FEIRA DA BOLÍVIA EM CAMPO GRANDE: TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADES por Icléia Albuquerque de Vargas, Ana Paula Correia de Araujo e Mattheus da Silva Carneiro .................... 54 GT 02 ................................................................................................................................................ 66 Povos Tradicionais, Autonomia e Direitos Humanos .................................................................... 66 1.VIOLAÇÃO DE DIREITOS INDÍGENAS NA DOCUMENTAÇÃO HISTÓRICA por Lenir Gomes Ximenes, Eva Maria Luiz Ferreira e Mariana Silva Falcão .............................................................. 67 2.SABERES INDÍGENAS E RESISTÊNCIA: UMA ABORDAGEM ANTROPOLÓGICA DAS DIFERENTES TRADIÇÕES DE CONHECIMENTO ENTRE INDÍGENAS - DIREITOS HUMANOS E INTERCULTURALIDADE por Gabriela Barbosa Lima e Santos e Graziele Acçolini......................... 77 3.ACESSIBILIDADE LINGUÍSTICA: DIREITOS HUMANOS E INCLUSÃO SOCIAL DOS POVOS INDÍGENAS por Maria Teresa Casadei e Rosangela Villa da Silva .................................................. 90 GT 03 .............................................................................................................................................. 103 Políticas Públicas, Minorias e Direitos Humanos ........................................................................ 103 1.JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: BREVES APONTAMENTOS PRÓ E CONTRA. por Adriana dos Santos Ormond, Natália Pompeu Monteiro Padial e Roberto Ribeiro Soares de Carvalho ......................................................................................................................................... 104 2.O DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA NO PLANO DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (PDE) E NO PLANO DE AÇÕES ARTICULADAS (PAR): O FEDERALISMO EDUCATIVO por Alexandra Pires do Prado Yari ...................................................................................................................................... 113 3.O DIREITO À ESCOLA NA PRIMEIRA INFÂNCIA: REALIDADE OU UTOPIA? por Ana Paula Zaikievicz, Zuleika da Silva Gonçalves e Luciane Pinho de Almeida .............................................. 130 4.O PROCESSO CIVILIZADOR E A TRANSFORMAÇÃO DE COMPORTAMENTO: VIOLENCIA SEXUAL INFANTO-JUVENIL por Andréia Penco e Ademir Gebara .............................................................. 141 5.DIVERSIDADE(S) DE GÊNERO E SEXUAL: DESENVOLVIMENTO E CIDADANIA POR MEIO DA EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS por Antonio Henrique Maia Lima, Thayliny Zardo e Arlinda Cantero Dorsa ................................................................................................................................ 153 6.A NORMA E A INCLUSÃO EXCLUDENTE: VAGAS PARA TODOS OU QUALIDADE PARA TODOS? por Carlos Eduardo Pereira Furlani, Fabíola Clara Velasquez Ferraz e Georgia Angelica Velasquez Ferraz ............................................................................................................................................. 168 7.A TRAVESSIA NA LUTA PELA TERRA DAS MULHERES ASSENTADAS NA ANTIGA FAZENDA ELDORADO EM SIDROLÂNDIA/MS por Cláudia Delboni .............................................................. 181 8.DIREITOS HUMANOS DO IDOSO por Débora dos Santos Silva e Jatene da Costa Matos ........................................................................................................................................................ 198 9.EXPANSÃO DOS CURSOS DE SERVIÇO SOCIAL E DE PEDAGOGIA: AS MODALIDADES PRESENCIAIS E EAD NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL por Elaine Cristina Vaz Vaez Gomes e Carina Elisabeth............................................................................................................................. 216

10.O PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL (PCC) E OS LEVANTES DE RESISTÊNCIA À ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO PENAL por Eli Torres e Mônica Leimgruber ............................... 232 11.CONCEITOS E (DES) CONCEITOS DE EXPLORAÇÃO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES (ESCA) por Estela Marcia Rondina Scandola, Antonio Henrique Maia Lima, Giany da Conceição Costa, Maria Beatriz Almeidinha Maia, Rosana Santos de Oliveira e Tânia Regina Comerlato ... 248 12.ACESSO E PERMANÊNCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES SOBRE AS COTAS RACIAIS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS por Eugenia Portela de Siqueira Marques e Fernanda Alexandrina de Almeida ................................................................ 263 13.UM ESTUDO SOBRE GÊNERO E SEXUALIDADE: A NECESSIDADE DE AÇÕES AFIRMATIVAS PARA A GARANTIA DOS DIREITOS DA POPULAÇÃO LGBT NO AMBIENTE ESCOLAR por Hellen Fernandes Gondim ......................................................................................................................... 279 14.O PANTANAL PEDE SOCORRO: A INFLUÊNCIA DOS EVENTOS CLIMÁTICOS EXTREMOS NA SAÚDE DOS PANTANEIROS por Jacir Alfonso Zanatta, Vanessa Spacki e Silvia Santana ............ 296 15.AS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ACESSO E PERMANÊNCIA NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: O PROGRAMA INCLUIR COMO DIREITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA por Jacirene Lima Pires dos Santos, Antonio Hilário Aguilera Urquiza e Carina Elisabeth Maciel ..................................... 309 16.SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E A DITADURA MILITAR NO BRASIL por Jatene da Costa Matos e Débora dos Santos Silva ................................. 324 17.POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À MORADIA por José Ailton Rodrigues de Souza Filho e Sílvia Leiko Nomizo ................................................................. 340 18.A POLÍTICA DE AÇÃO AFIRMATIVA E O ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL por Laura Marcia Rosa dos Santos.............................................................................................................................. 350 19.A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E ADOLESCENTE INSTITUCIONALIZADOS por Layze Aparecida Herrera Cassanha .............................................................................................. 365 20.A EDUCAÇÃO COMO DIREITO E A IMPLANTAÇÃO DO PROJOVEM ADOLESCENTE NO MUNICÍPIO DE CORUMBÁ-MS. por Luciana Xavier Lima .............................................................. 381 21.ANÁLISE DA SENTENÇA QUE CONVALIDOU O ATO DE INTERDIÇÃO E ENCERRAMENTO DAS ATIVIDADES FEIRA BRASBOL NA CIDADE DE CORUMBÁ/MS. por Maria Angélica Biroli Ferreira da Silva ........................................................................................................................................... 395 22.CAMINHO PARA ELDORADO por Marina Santos Pereira ........................................................................................................................................................ 407 23.UM NOVO OLHAR: A CRIANÇA COMO SUJEITA DE DIREITO NO CAMPO DA LEGISLAÇÃO E DOS DOCUMENTOS QUE REGEM A EDUCAÇÃO por Renata Kerr de Souza e Edelir Salomão Garcia ... 420 24.DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS SOCIAIS: UMA ANÁLISE DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA por Sara Santana Armoa da Silva .................................................................................................. 438 25.PARADIPLOMACIA: COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA E GESTÃO COMPARTILHADA PARA A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO REGIONAL por Tchoya Gardenal Fina do Nascimento, Adriana dos Santos Ormond e Natália Pompeu Monteiro Padial ............................. 449 26.POLÍTICA EDUCACIONAL: REFLEXÕES E APONTAMENTOS SOBRE EDUCAÇÃO PARA TODOS por Vanessa Soares dos Santos ...................................................................................................... 461 27.DESAFIOS NA POLÍTICA PÚBLICA DE ATENDIMENTO AS CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE (DES)APARECIMENTO por Vania Brito Caires ...................................................... 476 GT 04 .............................................................................................................................................. 492 Educação em Direitos Humanos e Inclusão ................................................................................. 492 1.DIREITOS HUMANOS NO COMBATE AO RACISMO: LEI 7.716/89, INCLUSÃO E O AMPARO AO NEGRO BRASILEIRO NA ATUALIDADE. por Ana Amélia Dias da. Silva e Alexandre de. Castro ... 493 2.O PROCESSO DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE CIVIL E O NOVO DESAFIO DA JUSTIÇA SOCIAL. por Ana Paula Martins Amaral e Denise Maria Pereira Mendes . 504 3.UMA ANÁLISE HISTÓRICA DA ESCOLA PÚBLICA LAICA E A CONSTITUIÇÃO DE UM MODELO DE CULTO NO CALENDÁRIO ESCOLAR DE UMA ESCOLA PÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE-MS. APARECIMENTO por Andréia Laura de Moura Cristaldo e Eidilene Aparecida Soares Figueiredo .......................................................................................................................... 522

4.INTERSECÇÕES ENTRE HOMOFOBIA, EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS por Cristiano Figueiredo dos Santos .................................................................................................................... 539 5.INCLUSÃO E AVALIAÇÃO: UM ESTUDO DE CASO NA PRÁTICA ESCOLAR por Josilene da Silva Augusto .......................................................................................................................................... 554 6.INCLUSÃO ESCOLAR DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO SERTÃO DE PERNAMBUCO: UM OLHAR DOS DIREITOS HUMANOS por Kalline Flávia S. Lira ....................................................... 564 7.POR QUE EDUCAR EM DIREITOS HUMANOS? por Letícia Brambilla de Ávila ........................................................................................................................................................ 579 8.EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NA PRÁTICA: UMA ANÁLISE DO CENTRO DE REFERÊNCIA EM DIREITOS HUMANOS DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL por Lisarb Valéria Montes D'Oco .......................................................................................................... 594 9.A EDUCAÇÃO COMO DIREITO HUMANO: OS DISCURSOS DA INCLUSÃO EDUCACIONAL DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA por Mariuza A. C. Guimarães ........................................................... 609 10.EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E A CONCRETIZAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO por Maurinice Evaristo Wenceslau e Débora de Oliveira Santos ................................... 625 11.EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NA ESCOLA: AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NO CONTEXTO DA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE GOIÂNIA/GO por Tainara Jovino dos Santos ........................................................................................................................................................ 637 12.EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: REFLEXÕES SOBRE A PROMOÇÃO DA IGUALDADE E A REPRODUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS NA ESCOLA por Tainara Jovino dos Santos ..................... 653 13.A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS NO ENSINO SUPERIOR: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO por Tânia Eliete Alves Garcia ........................................................................... 665 14.A PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE AS CONCEPÇÕES DE PROFESSORES/AS EM RELAÇÃO À VIOLÊNCIA ESCOLAR E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS por Viviana Cristina Parizotto Rezende e Zaira de Andrade Lopes .................................................................. 679 GT 05 .............................................................................................................................................. 697 Filosofia e Fundamentos Teóricos dos Direitos Humanos .......................................................... 697 1.O NAVIO NEGREIRO E O MERCADO DE ESCRAVOS DO SÉCULO XXI: TRÁFICO DE PESSOAS PARA FINS DE EXPLORAÇÃO DO TRABALHO E EXPLORAÇÃO SEXUAL – PARADIGMAS DO DIREITO CONTEMPORÂNEO por Arthur Ramos do Nascimento e Denis Henrique Schmeisch ................... 698 2.LEVY FIDELIX, TOLERÂNCIA E DIREITOS HUMANOS por Daniel Albuquerque de Abreu ........................................................................................................................................................ 718 3.EXPLORANDO PERSPECTIVAS PARA ALÉM DO IMAGINÁRIO DO DESENVOLVIMENTO por Josemar de Campos Maciel e João Alberto Mendonça Silva ........................................................... 735 4.A (I)RACIONALIDADE DA PROPOSTA DE REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL. por Lou Guimarães Leão Caffagni ............................................................................................................... 750 5.HUMANISMO CRÍTICAS E APROXIMAÇÕES A PARTIR DA ‘CARTA AO HUMANISMO’ DE HEIDEGGER por Victor Hugo de Oliveira Marques ........................................................................ 767 6.ESTADO, SOBERANIA E COMUNIDADE: O ESTADO MODERNO E O ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS por Vitor C. Camargo de Melo.................................................................... 777 GT 06 .............................................................................................................................................. 794 Direitos Humanos e Situações de Fronteira: Trabalho Escravo e Questões Ambientais (sustentabilidade) ......................................................................................................................... 794 1.A MINERAÇÃO EM CORUMBÁ E A IMPORTÂNCIA DO MEIO-AMBIENTE DE TRABALHO COMO FORMA DE PREVENIR ACIDENTES E ADOECIMENTOS LABORATIVOS por Márcio Alexandre da Silva, Luiz Fernando Galvão e Vanessa Catherina Neumann Figueiredo ...................................... 795 2.REFLEXÕES SOBRE SUSTENTABILIDADE E O CUMPRIMENTO DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE MINERAL NA CIDADE DE CORUMBÁ/MS por Natália Pompeu Monteiro Padial, Tchoya Gardenal Fina Nascimento e Adriana dos Santos Ormond ................................... 812

3.JUDICIALIZAÇÃO SUSTENTABILIDADE NA LATA DO LIXO: UM ESTUDO SOBRE A COLETA SELETIVA DE RESÍDUOS SÓLIDOS EM CAMPO GRANDE/MS por Osmar Torres e Eli Narciso Torres ........................................................................................................................................................ 828 4.MITOLOGIA E REPRESENTAÇÕES SOBRE A IMAGEM DA NATUREZA PANTANEIRA PELA POPULAÇÃO INDÍGENA TERENA por Sandra Cristina de Souza e Emilio Paulo Filho .................. 843 5.“DIREITOS HUMANOS AMBIENTAIS DAS PESSOAS MENOS FAVORECIDASE EM SITUAÇÕES DE RISCO EM ÁREAS DE FRONTEIRAS”.por Vicente Mota de Souza Lima e Gilvania Maria Ribeiro da Silva Lima ....................................................................................................................................... 858 GT 07 .............................................................................................................................................. 877 Interculturalidade, Educação Indígena e Direitos Humanos ...................................................... 877 1.A CRIANÇA INDÍGENA TERENA DA ALDEIA BURITI; SEUS DESAFIOS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR por Edineide Bernardo Farias ....................................................................................................... 878 2.LÍNGUA E EDUCAÇÃO, ASCENDÊNCIA AOS DIREITOS HUMANOS LANGUAGE AND EDUCATION, DESCENT TO HUMAN RIGHTS por Evanir Gomes dos Santos ....................................................... 889 3.CRIANÇAS INDÍGENAS KAIOWÁ E GUARANI: SUJEITAS DO PROCESSO PRÓPRIO DE APRENDIZAGEM NA ALDEIA LARANJEIRA ÑANDERU por José Paulo Gutierrez, Antonio Hilário Aguilera Urquiza e Adriana Oliveira de Sales ............................................................................... 902 GT 08 .............................................................................................................................................. 918 Migração, Refugiados e Tráfico de Pessoas nas Fronteiras ......................................................... 918 1.A DEMANDA COMO FATOR CRUCIAL NO DESMORONAMENTO DO TRÁFICO DE SERES HUMANOS por Ana Patrícia da Costa Silva Carneiro Gama .......................................................... 919 2.A INCORPORAÇÃO DO PROTOCOLO DE PALERMO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ENQUANTO TRATADO INTERNACIONAL. por Anna Theresa Santos de Arruda ......................... 930 3.OS REFUGIADOS E A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA. por Cesar Augusto S. da Silva ........................................................................................................................................................ 946 4.GLOBALIZAÇÃO E TERRITORIALIDADES NA CONSTRUÇÃO DA DEMANDA E DA OFERTA NO MERCADO TRAFICANTE DE TRABALHADORES por Estela Márcia Rondina Scandola e Maria de Fátima Gomes de Lucena ............................................................................................................... 962 5.CONFLITOS FAMILIARES NO PROCESSO MIGRATÓRIO E OS DESAFIOS PARA OS DIREITOS HUMANOS por Francisca Bezerra de Souza e Luciane Pinho de Almeida .................................... 979 6.POR UMA NOVA COMPREENSÃO DO PAPEL DOS MIGRANTES NA CONTEMPORANEIDADE por Ilise Senger e Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth .......................................................................... 993 7.A PREVENÇÃO E PROTEÇÃO JURÍDICA DOS DESLOCADOS INTERNOS POR RAZÕES CLIMÁTICAS por Isabelle Dias C. Santos e Romeu de Brito Brandão ............................................................... 1011 8.A FRAGILIDADE DA REDE DE ATENDIMENTO ÀS VÍTIMAS DE TRÁFICO DE PESSOAS NA FRONTEIRA DO MATO GROSSO DO SUL por Lilian Aguilar Teixeira e Luciane Pinho de Almeida ...................................................................................................................................................... 1024 9.MIGRAÇÕES NAS FRONTEIRAS DO MATO GROSSO DO SUL:Uma Abordagem à Luz dos Direitos Fundamentais da Pessoa Humana por Marco Antônio Rodrigues e Luciani Coimbra de Carvalho ...................................................................................................................................................... 1039 10.A APLICAÇÃO DA LEI PENAL BRASILEIRA AOS CRIMES RELACIONADOS A TRÁFICO INTERNACIONAL DE MENORES NAS FRONTEIRAS AMERICANAS por Rejane Alves de Arruda e Renata Facchini Miozzo ............................................................................................................... 1059 11.ELDORADOS DE ALÉM-MAR por Sandra Cristina de Souza e Emilio Paulo Filho ...................................................................................................................................................... 1075 12.O TRÁFICO DE CRIANÇAS PARA ADOÇÃO ILEGAL NAS ÁREAS FRONTEIRIÇAS DO BRASIL por Vilma Maria Inocêncio Carli e Rejane Alves de Arruda ............................................................... 1089 13.O TRÁFICO DE PESSOAS PARA O TRABALHO NAS FRONTEIRAS DE MATO GROSSO DO SUL por Ynes da Silva Félix e Ana Carolina dos Santos ............................................................................. 1101 14.FONTES DO DECRETO 6737/2009 E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA OS TRABALHADORES DA FRONTEIRA BRASIL-BOLÍVIA por Ynes da Silva Felix e Emini Silva Peixoto ............................ 1118

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2. LEVY FIDELIX, TOLERÂNCIA E DIREITOS HUMANOS ALBUQUERQUE DE ABREU

POR

DANIEL

1. O DISCURSO DE LEVY FIDELIX EM SETEMBRO DE 2014

Os brasileiros tiveram a infelicidade de presenciar no dia 28/09/2014, em debate eleitoral organizado pela Rede Record, o candidato à Presidência da República Levy Fidelix (PRTB) se pronunciar acerca do reconhecimento da união homoafetiva. A candidata Luciana Genro (PSOL), j| anunciando que n~o faria “conversa de comadre”, se pronuncia: “os homossexuais, travestis e lésbicas sofrem uma ameaça constante. O Brasil é campeão de mortes da comunidade LGBT. Por que pessoas que defendem tanto a família se recusam a reconhecer como família um casal do mesmo sexo?”. Fidelix classifica a pergunta como “jogo pesado” e um assunto que jamais se deveria entrar. Ali|s, tudo bem falar de economia, mas n~o entremos sobre “nessa aí”. O candidato, ancorado na experiência de seus 62 anos de vida, aprendeu que “dois iguais n~o fazem filhos”. N~o satisfeito, resolveu dizer mais: “aparelho excretor n~o reproduz”. O pai e avô Levy Fidelix, representante da família heteronormativa, não poupou a verborreia: “n~o podemos jamais [...] deixar que tenhamos esses que aí est~o achacando a gente no dia a dia, querendo escorar essa minoria à maioria do povo brasileiro”. N~o é aceit|vel que um pai de família se veja “escorado” por medo de perder votos. “Prefiro n~o ter esses votos!”, exclama. O que importa é ter “vergonha na cara” e ser instruído a acabar com “essa historinha”. “Nós tratamos a vida toda com a religiosidade para que nossos filhos possam encontrar realmente um bom caminho familiar”. Fidelix, caso eleito Presidente da República, n~o estimular| a uni~o homoafetiva, mas, se está na lei, que fique como está. Em réplica, Genro lembrou a Levy que “infelizmente n~o est| na lei”, e que o casamento civil igualitário se faz necessário para que se reconheça juridicamente essa 718

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modalidade de família, inclusive “para combater a discriminaç~o, a homofobia, a transfobia”. “O que importa”, ressaltou a candidata, “é que as pessoas se amem”. Chegou o momento da tréplica. "Luciana, você já imaginou: o Brasil tem duzentos milhões de habitantes, se começarmos a estimular isso aí daqui a pouquinho vai reduzir pra cem”. A plateia se manifestou com risos. “Vai pra [Avenida] Paulista, anda lá e vê, tá feio o negócio, né? Então, gente, vamos ter coragem, nós somos maioria, vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los, não ter medo de dizer que sou pai, mam~e, vovô” – e aqui os gestos do candidato sinalizam pulso firme. “E o mais importante é que esses, que têm esses problemas, realmente sejam atendidos no plano psicológico e afetivo, mas bem longe da gente, bem longe mesmo por aqui não dá". Esse é um caso lamentável para a dignidade do povo brasileiro. O discurso de Fidelix é carregado de preconceito e de intolerância. O candidato deixou transparecer que suas convicções religiosas o levaram a este tipo de atitude: pessoas homoafetivas, que utilizam seus aparelhos excretores, não podem se reproduzir, não constituem família, n~o têm “vergonha na cara”. S~o parte de uma minoria que deve ser enfrentada e tratada, mas bem longe dos “normais”. Ali|s, o “negócio” estar “feio” na Avenida Paulista sugere uma limpeza que erradique “essa historinha”, e um bom caminho familiar para os nossos filhos pode ser encontrado através da religiosidade.

2. OS CONCEITOS DE TOLERÂNCIA E TOLERÂNCIA RELIGIOSA

Como bem observa Santos (2010, p. 12), os valores democr|ticos, “mesmo em sociedades laicas contemporâneas, não conseguem se desligar facilmente da moral religiosa, podendo a estreita relação entre essas duas esferas conduzir à tirania de um poder teocr|tico”. De fato, o fundamento filosófico da toler}ncia nasceu a partir da tentativa de se resolver o conflito entre religião e política. Nem sempre foi possível a liberdade de crença. Na Inglaterra e França do século XVII, o poder civil perseguia de forma opressiva, violenta e intolerante os dissidentes religiosos.

Tantos

eram

encarcerados,

espancados,

torturados,

expostos

a 719

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enfermidades, chegando até mesmo à morte. Com a Reforma Protestante, iniciada por Lutero em 1517, o cristianismo se dividiu em duas arenas de ódio: católicos e protestantes acusavam um ao outro de heréticos, o que resultou em sangue na Europa ocidental. O conceito de “toler}ncia” no século XVI carregava um severo tom negativo: a tolerância era fraqueza de alma, baixeza, complacência. O tolerante era conivente com um mal ou erro; o intolerante era virtuoso, íntegro moralmente, firme em preceitos. No século XVIII, foi dada voz ao “outro”, que era excluído e satanizado como diferente, bárbaro, estrangeiro, representado por metáforas e estigmatizado. A ideia de toler}ncia passou a ser indissoci|vel de identidade e de diferença, com fins de “quebrar a desconfiança e, relaç~o ao ‘outro’” e “incentivar a aceitaç~o de um mundo cada vez mais plural, múltiplo e diverso, de outro” (SANTOS, 2006, p. 235). O conceito de tolerância, a princípio ligado apenas à religião, foi estendido para as searas política e secular, a partir do momento que se entendeu que o governante deve se ocupar de proteger seus súditos, livrando-os de qualquer ameaça e garantindolhes a liberdade da diferença. Na contemporaneidade, a tolerância ainda carrega um ranço dos séculos XVI e XVII. Segundo o dicionário Houaiss166, “toler}ncia” significa: 1) “ato ou efeito de tolerar; indulgência, condescendência”; 2) “qualidade ou condiç~o de tolerante”; 3) “tendência a admitir, nos outros, maneiras de pensar, de agir e de sentir diferentes ou mesmo diametralmente opostas {s nossas”. Percebe-se que, ainda hoje, a tolerância é tratada como condescendência, como um fardo de se suportar algo com o qual não se concorda, e que requer força e esforço.

2.1. Tolerância segundo verbete da Encyclopédie escrito por Romilly

Ao longo do século XVIII, o conceito de “toler}ncia” começou a ser disseminado como virtude. O verbete escrito por Jean-Edme Romilly na Encyclopédie, e traduzido por Almeida (2010, p. 177-193), mostra o espírito da mudança: “a tolerância é, em 166

Disponível em: < http://goo.gl/OF76xC>. Acesso em: 29 outubro 2014. 720

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geral, a virtude de todo ser fr|gil, destinado a viver com os seus semelhantes”. Sem tolerância e apoio, só se veria sobre a terra problemas, dissensões e desgraça dos homens, sem espaço para a ordem e a prosperidade entre os indivíduos. Romilly reconhece que é “em matéria de sentimento e de religião que os preconceitos destruidores triunfam com maior força”. Segundo seu juízo, justiça e necessidade de toler}ncia s~o princípios evidentes. Ressalta que “a raz~o humana n~o tem uma medida precisa e determinada, e o que é evidente para um é frequentemente obscuro para outro”. A evidência, por sua vez, é uma qualidade relativa: o que, para um, é suficiente para o convencimento de outrem pode ser insuficiente para outro indivíduo. Assim, “ninguém tem o direito de dar a sua razão por regra, e nem pode pretender subjugar ninguém por suas opiniões”, afinal, toda verdade é passível de contradições. É necessária uma aproximação e união por princípios universais da tolerância e da humanidade, já que os sentimentos dos indivíduos causam divisão. O homem é limitado e falho, de forma que não se pode odiar o irmão por pensar de forma diferente. A respeito da violência, o pastor genebrino assegura que “é o modo mais inútil e menos adequado” (Apud ALMEIDA, 2010, p. 181) de se realizar um fim proposto. Antes, deve-se empregar raciocínio, provas, motivos. Aliás, a violência é bem mais adequada para tornar alguém mais firme em sua religião do que a dissuadir o perseguido a despertar uma consciência supostamente adormecida. Não há, portanto, nenhuma relação entre a tortura e a diversidade de opiniões. O próprio Jesus empregou apenas doçura, persuasão e apelou às obras – e não à espada! A religião, que deveria unir os homens, e fazê-los melhores, tornou-se pretexto para crueldades. A solução seria o apoio mútuo, o amor às leis e à pátria, que levariam a harmonia e paz no Estado a despeito da variedade de opiniões. Nas palavras de Romilly (Apud ALMEIDA, 2010, p. 189), “n~o se reduzir| jamais a questão a seu verdadeiro ponto se primeiro não se distinguir entre o Estado e a Igreja, entre o padre e o magistrado. Os soberanos não devem tolerar os dogmas religiosos que são opostos à sociedade civil, nem têm o direito de usar de tortura ou violência por motivos religiosos. O líder religioso deve ser um cidadão submetido, 721

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como todos os outros, ao poder e às leis civis, com autoridade puramente espiritual e limitada a instruir, exortar e pregar a virtude. Em relação aos ateus, o verbete deixa claro que não devem reivindicar tolerância em seu favor já que comungam de opiniões que prejudicariam a ordem pública, podendo culminar no rompimento dos laços que unem a sociedade. Nada que viole, portanto, o princípio superior da preservação da sociedade civil deve ser tolerado.

2.2. Tolerância em Locke, Voltaire e Montesquieu: brevíssimas linhas John Locke, em suas obras, critica os cristãos, que lutam pelo poder, mas que não praticam a caridade e a boa vontade para com os outros. Aponta que o cristianismo prega que não se deve fazer ao outro o que não quer para si mesmo. Esse é o completo inverso da intoler}ncia, “porque ele deve admitir, do outro, a maneira de ser, pensar ou agir diferente da que adota para si mesmo” (SANTOS, 2006, p. 240). N~o adianta que os homens sejam forçados a acreditar em determinado caminho, se seus corações seguem caminho diverso. É inútil o uso da força para tal mister, assim como a imposição religiosa: a intolerância opõe-se à razão, ao Evangelho e à humanidade. Propõe uma separação entre os poderes civil e religioso, já que ninguém teria o direito de perseguir os que pensam de forma diferente da do príncipe no que concerne à religião. O magistrado deve ocupar-se da vida civil, fiscalizando e melhorando os bens, sem adentrar no campo da salvação das almas, destinado à Igreja. A lei civil não pode versar sobre a fé ou doutrinas: o espaço religioso não deve invadir o espaço político. A adesão a uma religião deve ser realizada de forma espontânea e, se rompida a relação, também que seja de forma livre. No mesmo escopo, as sanções religiosas não podem interferir nos bens civis ou na condição de cidadão do indivíduo. Apresenta quatro situações nas quais a intolerância é justificável: quando a doutrina religiosa é incompatível com o bem comum ou ameaça a sociedade civil; quando a seita se

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autodetermina responsável pelos rumos da sociedade política; quando não se permite interferências de magistrados nos assuntos religiosos; e quando o indivíduo é ateu. Já Voltaire, um dos líderes da luta face à intolerância religiosa, voltava-se contra tudo o que impossibilitava a liberdade e que conduzisse ao dogma, à ignorância e à superstiç~o, mesmo que se precisasse “esmagar toda superstiç~o e todo fanatismo praticados pelas Igrejas constituídas”: era necess|rio o estabelecimento de uma religião natural fundada nas leis naturais, a substituir a “seita crist~”, para que se possibilite o progresso moral (MOTA, 2010, p. 213, 216). A ideia de tolerância, em Voltaire (Apud MOTA, 2010, p. 219), é o “apan|gio da humanidade”, e parte do labor e da raz~o, sem encontrar fundamento religioso. Se o testemunho dos textos bíblicos contradiz a moral, então o problema deve ser resolvido sob a premissa da consciência moral, com a consequente rejeição desses textos. Montesquieu, a respeito da tolerância, argumenta que a razão deve militar a serviço dos problemas políticos, e que a cólera é dispensável para o auto-sustento da religião. Como Voltaire, aponta que a ignorância humana faz com que por vezes o indivíduo seja enganado sobre a fé, mas ressalta que este jamais poderia ser enganado sobre a caridade. A religião, representada pelos teólogos, e não pela Teologia, perdeu o sentido da vida pública por incitar o ódio e a discórdia, colocando em questão o equilíbrio político local. É impossível que a paz chegue da parte de um consentimento mútuo dos teólogos: a chave para que se viva em paz é a tolerância a todos. Para Montesquieu, há dois tipos de tolerância: uma relacionada à religiosidade, que depende dos valores do indivíduo, e outra { política. Afirma o filósofo: “Minha consciência me diz para não aprovar interiormente os que não pensam como eu; mas minha consciência me diz também que há casos em que é meu dever tolerá-las externamente” (MONTESQUIEU Apud SANTOS, 2010, p. 115). Isso quer dizer que, na política, o rei não deve governar a esfera pública de acordo com suas concepções pessoais, como se coletivos fossem, mas antes tolerar os pensamentos diferentes dos seus. A tolerância civil, decorrente da religiosa, é a chave que emana da razão para a salvação do Estado quando se encontra em perigo. Na mesma vereda que Voltaire, 723

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Montesquieu entende que problemas religiosos devem ser resolvidos pela autoridade religiosa, e os políticos, pela autoridade política. Revela que a religião167 é um dos componentes do “espírito geral” de um povo. Além de auxiliar a política no estabelecimento da tolerância, freia as paixões desmesuradas, com claro caráter repressor na esfera social. Ao articular religião e tolerância, desenvolve, de acordo com Santos (2006, p. 274), três argumentos: o primeiro, ancorado em Bayle, “afasta a ideia de que a religião não traz benefício à política”; o segundo aborda como a lei, seja religiosa ou civil, inibe condutas prejudiciais { sociedade “e, por isso, tanto a religi~o quanto a política est~o no mesmo campo de ação e têm fins similares, embora meios distintos”; e o terceiro advoga no sentido de que “a toler}ncia é fruto de um equilíbrio político, decorrente da convivência entre diversas religiões no }mbito público”.

2.3. Tolerância em Pierre Bayle Bayle muito contribuiu à Filosofia acerca do tema da tolerância, principalmente no Commentaire philosophique, de 1686, e no Dictionnaire Historique Publique, de 1696. A partir de seus escritos, a toler}ncia deixou de ser “uma resignada aceitaç~o do mal inevit|vel, ou uma mera atitude psicológica” para uma atitude positiva, uma postura política (ALMEIDA, 2011a, p. 116). No conceito do elogio à tolerância, a noção é considerada tanto virtude como exigência da vida política e dos indivíduos. Assim como Locke, Bayle acredita que a fé não pode ser imposta coercitivamente, mas distancia-se do filósofo inglês por criticar com voracidade a perseguição infligida pela Igreja Católica e, por aceitar todas as seitas e crenças, com fundamento numa consciência plural e na tolerância radical. Por isso mesmo não exclui ateus nem pagãos, mas aponta para uma coexistência pacífica entre as religiões.

167

Santos (2006, p. 290) adverte para uma mudança na concepção de religião em Montesquieu. Esse conceito passou a ser ambivalente, já que a religião se presta a objetivos opostos: “de um lado, os de iluminar, encorajar e libertar, de outro, os de cegar, aterrorizar e escravizar, dependendo das manipulações dos símbolos sagrados, tendo os teólogos, nesse caso, um papel fundamental [...]”. 724

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Bayle rejeitou argumentos e teses que consideravam a tolerância como um mal ao corpo político, e inverteu a concepç~o da ideia de “inovaç~o”, que, nos séculos XVI e XVII, era tida como “potencialmente perniciosa”, tanto no domínio religioso quanto no público. O filósofo aponta para a falibilidade humana e as limitações de seu conhecimento, assim como disserta sobre a variação das palavras no tempo – logo, trata das dificuldades concernentes aos termos empregados na linguagem religiosa. Entende que a Escritura é frequentemente mal interpretada ou admite mais de uma interpretação. Por esse motivo, é necessário buscar argumentos fincados na razão, na filosofia, na história e na experiência (ALMEIDA, 2011a). Nesse viés, pretende modificar a interpretação literal de uma passagem do Evangelho (Lucas 14: 23)168 e afirmar que esse novo sentido, que permite a tolerância por parte do Estado, lhe é benéfica e necessária ao desenvolvimento da humanidade. Para o estabelecimento da tolerância, da liberdade de consciência e da noção de consciente errante, portanto, não bastava o abandono da retromencionada interpretação do Evangelho, mas também a aceitação de ideias novas. Em relação ao ateísmo, Bayle diferencia-se dos filósofos acima estudados. Para a concepção bayliana, os ateus podem agir corretamente sem que recorram à religião, vivendo perfeitamente conforme a moral e os bons costumes. Devem, no entanto, recorrer à razão, sem o jugo religioso. O ateu não representa um perigo social e o cristão não é, pelo simples fato de ser cristão, um cidadão modelo. Nas palavras de Alves Primo (2010, p. 45), “o temor e o zelo por alguma inst}ncia divina n~o s~o, nem de longe, o único móbil das ações do homem”. Enquanto o ateu é virtuoso e caridoso por convicção própria, conhecedor do que é honesto e bom sem ser aterrorizado pelas penas divinas ou atraído pelas recompensas dos céus, o cristão age por interesse, com vistas a galardões ou a garantias de salvação. O ateu, embora não creia em Deus, pode guiar-se pelo critério de utilidade e pela honestidade: por isso, ele pode ser mais virtuoso que o cristão, pois faria o bem de forma desinteressada (ALMEIDA, 2011a, p. 132). Ao contrário do 168

A interpretação literal da passagem justificava que as pessoas deveriam ser compelidas a aceitarem a fé católica e fundamentava a intolerância religiosa. 725

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pensamento de Locke, Bayle acredita que o ateu é capaz de respeitar os contratos, eis que suas más ações, se tiverem consequências, serão sensíveis apenas neste mundo, e n~o no divino. “Por n~o crerem na providência divina, em na imortalidade da alma, uma república de ateus teria mais confiança nas leis promulgadas e isso favoreceria a condiç~o de uma vida socialmente digna” (ALMEIDA, 2011a, p. 133). Em suas obras, Bayle sustenta que a consciência tem o direito de errar. Isso porque todos os atos que são levados a cabo segundo os ditames da consciência são “inocentes ou virtuosos”, quer tenha a consciência compreendido ou n~o corretamente as imposições da lei divina (ALMEIDA, 2010, p. 171). Nessa senda, se o homem está de boa-fé, não se pode negar que ele adore a Deus de maneira diferente e sincera, mesmo que se trate de uma doutrina “falsa”; mas se n~o est| de boa-fé, condena-se a si mesmo por rejeitar o que dita a sua consciência. Assim, o erro é afastado da ideia de pecado e aproximado à da ignorância. Se não for voluntário, mas inocente, o erro não procede necessariamente do vício. Quanto à liberdade de crítica, o autor (Apud ALMEIDA, 2011a, p. 133) entende que deve ser garantido o direito de “raciocinar modestamente a favor de sua crença e contra a doutrina oposta”. É essencial para evitar dogmatismos e cultivar o discernimento, seja religioso ou secular, até mesmo porque a intolerância é frequentemente associada à preguiça crítica ou à ignorância. O governante deve garantir esse direito, e não uma unidade religiosa, como propõe Montesquieu. Bayle chega à conclusão de que nem os católicos nem os protestantes têm legitimidade de perseguirem uns aos outros, pois nada justifica pretenso direito. Diferentemente de Montesquieu, que entendia que a religião era ferramenta de freio das paixões humanas e ajudava no equilíbrio do Estado, Bayle defende um Estado laico169, até mesmo porque dificilmente se estabelecerá qual seita deve prevalecer dentre as outras. Seitas adversárias estão em igual patamar, em reciprocidade, razão pela qual a diversidade religiosa é fonte de prosperidade – algo útil e benéfico às sociedades políticas. O fato de cada religião pretender ser a única verdadeira e querer 169

Conforme Alves Primo (2010, p. 44), “a perseguição às seitas menores no seio do Estado só manifesta a contradição entre a frágil e duvidosa correlação entre religião e política, e os contínuos erros em termos práticos que se tornam entrave para a tolerância e a liberdade de consciência”. 726

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impor essa “verdade” {s demais causa o travamento até mesmo de um di|logo entre elas. O confronto de duas religiões produz o endurecimento dos fiéis e gera violência. O limite para a tolerância, em Bayle, é a compatibilidade com a ordem pública.

3. TOLERÂNCIA POLÍTICA

Para Santos (2010, p. 12-13), a questão conflituosa entre religião e política havia se mostrado aparentemente resolvida a partir do século XVII no mundo ocidental graças ao fim das guerras de religião e ao avanço das ideias de república e de secularizaç~o. Segundo o autor, a toler}ncia hoje se insere no }mbito dos “Estados nacionais (diferenças sociais, raciais, culturais, sexuais etc.)” e “nas relações internacionais (civilizações, grupos étnicos, identidades, fronteiras etc.)”. Montesquieu, quando questiona o rei como chegar à paz170, estende a necessidade de tolerância da religião para a política. A tolerância interna dizia respeito à religião, à salvação, enquanto a externa estava ligada às instituições políticas, devendo estar de acordo com a orientação dos governantes. A política exige que os valores pessoais do que governa não se confundam com os coletivos, nem que por eles se deixem passar: o príncipe deve se esquivar de ser contaminado por qualquer sofisma acerca de interesse aparente da religião, e manter os eclesiásticos fora do Conselho de Estado do rei. Também nos livros XXIV e XXV de “Espírito das Leis”, Montesquieu aborda a toler}ncia sob o prisma político, secular, para demonstrar que “o papel da religi~o, que é o de promover o bem público, não difere do da política, embora apresentem meios distintos e especificidades próprias” (SANTOS, 2006, p. 269). A moral religiosa se encobre de um caráter constitucional, na medida em que a religião representa freio à ferocidade humana, abrandamento de costumes e complemento ou suporte às leis civis.

170

“O que teme Vossa Majestade? Não há um verdadeiro desejo de que todo o mundo viva em paz em sua realeza?” (Apud SANTOS, 2010, p. 114), indaga a Luís XV, em “Memorando sobre a Constituição”. 727

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Almeida (2011b) assevera que também a obra bayliana contém uma teoria política. Bayle afirmava que a tolerância religiosa era uma das garantias da paz pública, e que, mais além da separação entre poder político e poder religioso, o Estado deveria ser laico. O único limite da tolerância seriam os atos que colidem com a conservação da sociedade política, já que isso implica na desobediência às leis civis. Cabe ao poder político garantir a tolerância radical (a diversidade de religiões convivendo pacificamente) com soberania, promovendo a harmonia das opiniões dissonantes, ao invés de agir como perseguidor. A tolerância é, agora, virtude pública: o Estado deve ser pluralista e respeitador da diversidade, equidistante das diferenças e efetivador de garantias. Cabe ao indivíduo, parte da comunidade, o esforço de manter esse equilíbrio. Não se pode transformar convicções internas em regras sociais, sob o risco de se governar de forma intolerante. Em Bignotto (2004, p. 77), tolerar é mais que “a passiva aceitaç~o de conviver com a presença da multiplicidade humana”. Ao contr|rio: “requer a contínua construção de uma identidade coletiva, que não pode jamais pretender ultrapassar sua própria particularidade e por isso n~o pode pretender ser v|lida para todo sempre”. Identidades e fronteiras devem ser construídas, assim como o que deve ser tolerável aceitar.

4. O DISCURSO INTOLERANTE DE LEVY E DIREITOS HUMANOS

Como bem afirma Almeida (2011b), a tolerância é hoje essencial à democracia, e valorizada internacionalmente em declarações internacionais de direitos. A solução de Bayle, qual seja a laicização total do Estado, foi adotada pela contemporaneidade. Constituições e tratados internacionais garantem liberdade de culto e de consciência, obtidas a partir do momento em que se consagrou que a religião pertence ao âmbito privado da vida, enquanto a política e a secularização pertencem ao domínio público.

728

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A Declaração Universal dos Diretos Humanos de 1948171 da ONU reconhece a dignidade igual entre todos os membros da família humana, portadores de direitos fundados na liberdade, justiça, e paz. Veda distinções de qualquer espécie, seja “de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento”, sendo todos reconhecidos como pessoas perante a lei. Proíbe, no seu artigo 12, interferências na vida privada, na família, ou no lar do sujeito, de forma que nada ataque a sua honra e reputação. O artigo 19, por sua vez, garante a todo homem a liberdade de “pensamento, consciência e religi~o”. A Declaração de Princípios sobre a Tolerância172, aprovada pela UNESCO em 1995, declara que a tolerância é o sustentáculo dos direitos humanos, do pluralismo, da democracia e do Estado de Direito. A tolerância não pode se confundir com suportar a injustiça social, a imposição de opiniões a outrem, ou mesmo renúncia às convicções de cada um. Pelo contrário: deve garantir que cada um possa escolher livremente as suas convicções e ser aceito pelos demais. Ser tolerante significa “aceitar o fato de que os seres humanos, que se caracterizam naturalmente pela diversidade de seu aspecto físico, de sua situação, de seu modo de expressar-se, de seus comportamentos e de seus valores, têm o direito de viver em paz e de ser tais como s~o”. Vê-se, portanto, que a tolerância, na pós-modernidade, não pode ser afastada de temas como dignidade, justiça, proteção à reputação, às escolhas privadas, religiosas, e à liberdade de culto, proibição de discriminação e de preconceito. Trata-se de uma liberdade “de ser a si mesmo, de manifestar sua singularidade [...] no espaço compartilhado com outras pessoas”, de uma igualdade em dignidade e direitos no uso de razão e consciência (REIS, 2014, p. 267). Deve-se observar que são os princípios normativos que indicam o caminho a ser seguido pelas pessoas, contudo “as leis s~o insuficientes para transformar a aç~o quando a violaç~o est| profundamente arraigada nos costumes de um povo” (REIS, 2014, p. 270). Insuficientes, mas necessárias. Ao lado das leis deve vir o ensino, que traz à sociedade novos conhecimentos e informações, desmistificação de preconceitos, 171 172

Disponível em . Acesso em 29 outubro 2014. Disponível em . Acesso em 29 outubro 2014. 729

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contribuição para o melhoramento do discernimento, influenciando, em última instância, nos costumes, concepções e comportamento. Nas palavras de Reis (2014, p. 270), “pessoas ignorantes ou desinformadas [...] tendem a perpetuar a situação de opress~o pelos preconceitos e costumes sociais largamente arraigados”. Por isso, a educação em direitos humanos exige uma mudança cultural. O discurso de Levy Fidelix acerca do reconhecimento da união homoafetiva 173 evidencia sua intoler}ncia; afinal, é “assunto que jamais se deveria entrar”. Bayle j| dizia que é preciso exercitar a razão, já que a intolerância está frequentemente associada à preguiça crítica ou à ignorância. Fidelix deixa claro que não aborda o assunto, não se debruça sobre ele, não o estuda, não permite diálogo com o tema. Está, pois, amarrado às concepções dogmáticas que lhes são impostas ou àquelas adquiridas pelo senso comum: “dois iguais n~o fazem filhos”, “aparelho excretor n~o reproduz”. Na verdade, essas declarações extrapolam o senso comum e partem para a agressão. Levy declara que n~o se deve permitir que uma minoria seja “escorada” { maioria do povo: antes, “isso aí”, que incomoda, que achaca a maioria, deve ser calado. O padrão de conduta a ser utilizado é impedir que “isso aí” tome espaço. É direito que não sejam aceitos174. Aqui, Fidelix retira tanto a subjetividade dos homoafetivos como a potencialidade de serem “autores de reivindicações” (DAGGER, 1995). Para Fidelix, a religiosidade é o caminho para que os filhos encontrem um bom caminho familiar. Percebe-se que, como muito bem disserta Bayle, a moral religiosa não é a chave para que o indivíduo seja um cidadão modelo. Também é sempre bom lembrar que os valores pessoais do governante não podem ser confundidos com os coletivos, nem quando se trata de uma suposta “maioria”. O argumento que exclui da aceitação da sociedade os que não se reproduzem da mesma maneira que alguns heteroafetivos (são expulsos, por exemplo, os estéreis e os 173

De acordo com o artigo 16 da Declaração de 1948, os homens e mulheres, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, “têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução”. 174 Segundo Dagger (1995), o sentido moral primário de “direito” era um padrão ou medida de conduta. Algo estava certo (moralmente reto ou verdadeiro) se fosse ao encontro do padrão de retidão. O passo para a transição do sentido objetivo para o subjetivo foi reconhecer que ações feitas “com direito” ou “por direito” são feitas “como uma questão de direito”. Ao invés de se pensar que alguém possa fazer algo porque é direito (objetivo), pensa-se que alguém pode fazer algo porque tem o direito de fazê-lo (subjetivo). 730

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que preferem a adoção), além de quebrar com o paradigma da tolerância, desafia os princípios insculpidos nos diplomas internacionais de direitos humanos e na Constituição da República de 1988. Como bem afirmava Locke, não se deve tolerar os que atentam contra a própria sociedade, ou contra os direitos naturais dos indivíduos, prejudicando o bem comum. Sob esse ponto de vista, a atitude de Fidelix é intolerável! Levy incita a “maioria”, em ato de “coragem”, a enfrentar a “minoria”, sem ter medo de impor suas verdades e suas crenças, seu modo de pensar e de agir. Instiga essa “maioria” a manter longe os que têm problema. Convida { espada, { desordem, { opress~o; { rejeiç~o do “diferente”, do “novo”. Tal incentivo é diametralmente contr|rio ao reconhecimento do outro como correlato do eu, ao respeito aos direitos alheios, à faculdade de agir com liberdade, às noções de pessoa e dignidade humana, à multiplicidade de vozes, à diversidade, ao sujeito de direitos (PEQUENO, 2010). Fomenta um sistema de exclusão, enfrentamento, batalha, jugo, intolerância. Essa “coragem”, para Bayle, n~o passa de ignor}ncia, de preguiça crítica. A homofobia, hoje, não é crime no Brasil: não há lei que vede o comportamento de ódio, preconceito e violência aos homoafetivos e à pluralidade de orientações sexuais, nem que puna os transgressores da paz e do respeito. Também a educação nesse sentido caminha a passos assaz lentos, reforçados pelos constantes vetos por parte das bancadas religiosas no Congresso Nacional acerca de meios e materiais de ensino que dialoguem sobre a igualdade entre sexos, gêneros e orientações sexuais/afetivas. Neste 28 de outubro, a Presidente Dilma Rousseff declarou que apoiará o projeto para criminalizar a homofobia175. A afirmação da Presidente é louvável, mas dificilmente será levada a cabo se não houver uma mudança no comportamento, costumes, e educação do brasileiro, sobretudo no reconhecimento da pluralidade de identidades e de orientações afetivas. Consequências seriam a garantia dos direitos de cidadão, políticas públicas governamentais que atendam às necessidades de todos, inclusos aqueles que, em razão de etnia, fé ou orientação afetiva, divergem da moral cristã. 175

Disponível em < http://goo.gl/b63FHF>. Acesso em 29 outubro 2014. 731

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Os direitos humanos “possuem a capacidade de construir novos mundos” em razão de empurrar e expandir os limites “da sociedade, da identidade e da lei” (DOUZINAS, 2009, p. 349). Nesse sentido, é dever da sociedade, por meio da legislação, da educaç~o e de um “agir conjunto”176, respeitar o outro - seu semelhante -, a diferença, a pluralidade, a diversidade e o multiculturalismo. O Brasil, de acordo com a supracitada oratória de Dilma Rousseff, parece ter dado um passo em direção à construção de um novo mundo, mais tolerante e mais humano, onde os discursos intolerantes e opressores à la Levy são inadmissíveis e impraticáveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de tolerância sofreu alterações pelos séculos: passou de fraqueza, conivência em relação a um mal ou a um erro para uma concepção indissociável de identidade, diferença, incentivo a aceitação de pluralidade, multiplicidade e diversidade. Infelizmente, carrega ainda hoje um ranço do que se acreditava nos séculos XVI e XVII. O conflito entre religião e política aparentemente ainda não se resolveu. Afinal, ainda se depara com valores pessoais de governantes sendo confundidos com os coletivos na política. A sociedade brasileira continua presenciando e vivenciando o entrelaçamento entre religião e política, inclusive no que diz respeito ao resguardo da multiplicidade de orientações sexuais/afetivas. Nessa senda, mostra-se preocupante o discurso homofóbico de Levy Fidelix em pleno século XXI, quando a Filosofia já avançou de maneira tal que conceitos arcaicos, como o da intolerância como virtude, foram superados. Mais preocupante ainda é a internalização pela sociedade de compreensões tão atentatórias e agressivas aos direitos humanos. Fidelix prega que aqueles que não seguem a orientação

176

Para Reis (2014), o “espírito de fraternidade” a que se refere a Declaração Universal de 1948 exige que o sujeito seja visto não mais como um indivíduo centrado em si, mas ao lado de várias outras pessoas, na perspectiva de alteridade, reconhecendo-os reciprocamente como irmãos que compartilham laços e corresponsáveis pelo bem comum. 732

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heteronormativa deixam de ser sujeitos de direitos, e incita a desordem pública, a violência e a rejeição. Sob a perspectiva de direitos humanos, propõe-se, para evitar a disseminação dessa forma de intolerância, a criminalização de qualquer forma ou comportamento de ódio, preconceito e violência à pluralidade de orientações sexuais/afetivas. Aliada à lei e às políticas públicas, são necessárias mudança no comportamento e costumes do brasileiro, na sua educação e no reconhecimento e abraçamento da diversidade.

Daniel Albuquerque de Abreu - [email protected]

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Declaração

de

Princípios

sobre

a

Tolerância.

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em:

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XI CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITOS HUMANOS

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3. EXPLORANDO PERSPECTIVAS PARA ALÉM DO IMAGINÁRIO DO DESENVOLVIMENTO POR JOSEMAR DE CAMPOS MACIEL E JOÃO ALBERTO MENDONÇA SILVA RESUMO A reflexão proposta é uma apresentação de possibilidades e opções ao pensamento desenvolvimentista. Inicia-se com uma apresentação e discussão de uma narrativa ad absurdum das teorias do desenvolvimento na proposta de Gilbert Rist (1999). Em seguida, segue com uma discussão de duas propostas atuais, uma europeia e outra latino-americana. Na Europa destaca-se o trabalho do economista Serge Latouche e na América Latina, as propostas de Arturo Escobar e de Walter Mignolo. Arturo Escobar, apesar de estar geotecnicamente sediado em uma universidade dos Estados Unidos, pensa a partir de uma alternativa à hegemonia, com uma proposta de unir a proposta da desconstrução e da crítica da discursividade colonial à discussão de matrizes etnossustentáveis de pensamento endógeno. O que é aprofundado, por sua vez, no pensamento de Walter Mignolo, que defende a proposta de que, da América Latina Profunda e da escuta de seus povos, suas cores e suas diferenças, pode sair uma alternativa ao “rolo compressor” do desenvolvimento, que para a periferia significa, basicamente, invisibilidades, impactos, autoritarismo e silenciamento. Uma opção ao desenvolvimento, conclui-se, é uma escuta renovada dos atores territoriais, interessados em suas questões, em seus próprios termos, mesmo que em contato com outras escalas de fabricação de modelizações e de ideários – que jamais devem ser norteados pela cegueira do mercado mas, ao contrário, pela abertura da discussão ética entre iguais, tratados a partir de suas desigualdades. Palavras-chave: Teoria do Desenvolvimento; Pós-desenvolvimento; Ética.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O conceito de desenvolvimento possui uma história de evidenciação de seus fundamentos e ideais a partir de um núcleo geográfico efetivado por intermédio de 735

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