Lição síntese da disciplina de História Política Medieval de Portugal

Share Embed


Descrição do Produto

Lição síntese da disciplina de História Política Medieval de Portugal 6 de Dezembro de 2007

A Antroponímia da Oficialidade Régia de Finais da Idade Média (1367-1481): identidade pessoal e diferenciação social

Judite A. Gonçalves de Freitas 1

I Parte – Objecto e estrutura da lição Objecto:  Estudar o nome enquanto forma de designação pessoal dos oficiais da burocracia régia (1367-1481) Estrutura da lição: I parte – Contexto epistemológico  Breve contextualização histórica da Antroponímia medieval no Ocidente  Explicação dos objectivos e âmbito cronológico  Metodologia de tratamento e recolha de dados nas fontes II parte - Estudo empírico dos antropónimos da oficialidade régia (1367-1481)  Análise empírica dos antropónimos e das formas onomásticas dos dois núcleos de oficiais (redactores e escrivães) que ocupam as instâncias da burocracia régia ao longo do período consignado

2

1.1. A Antroponímia – sinopse da evolução da problemática Momentos-chave da evolução da disciplina: Até meados do século XX - predomina a visão tradicional da antroponímia – valor simbólico e moral do nome; a antroponímia é campo de estudo de filólogos e linguistas. 1ª Fase (Anos 60 e 70) A Antroponímia surge como uma disciplina ou área de saber que se ocupa da referência contextualizada dos nomes pessoais - Escola alemã - Universidade de Münster – necrologia monástica - Philippe Besnard – influência da Sociologia sobre a História. Uma sociologia histórica do nome - Françoise Zonabend - contributos da Antropologia do parentesco 2ª Fase (Anos 80 aos nossos dias) O estudo do nome e das formas de designação obedece a novos métodos, temas e perspectivas analíticas.

3

1.1. A Antroponímia – sinopse da evolução da problemática (cont.)  Os anos 80 marcam o início de uma nova fase:  1980 – Sociedade de Demografia Histórica parisiense

promoveu a execução de um encontro subordinado a três temas:  O stock de nomes e os processos de difusão e renovação,  Os nomes e o parentesco: formas de transmissão,  O nome e identidade: as funções de denominação.  1980 – A revista L’Homme lança um número especial

dedicado ao nome pessoal e à designação.  Reúne as contribuições de André Burguière, Françoise Zonabend, Martine Segalen et al.  Traduz um maior envolvimento da antropologia histórica e da sociologia histórica com a problemática 4

1.1. A Antroponímia – sinopse da evolução da problemática (conclusão) Nas décadas de 80 e 90 a antroponímia ascende a área de interesse da História Social medieval. A antroponímia surge como documento social. Lançamento do projecto Genèse Médiévale de l’Anthroponymie Moderne liderado por Monique Bourin, assente na aplicação de um inquérito antroponímico, com os seguintes objectivos:  Levantamento de dados em cartulários e séries documentais  Adopção de métodos estatísticos  Combinar bases prosopográficas (macro-pesquisas) com

inquéritos genealógicos (micro-pesquisas)  Explicar os comportamentos de nomear, os ritmos de evolução e os modos de difusão dos sistemas de denominação Influências internacionais da direcção escolhida pela Escola francesa : Espanha – Pascoal Martinez Sopeña; Portugal – Iria Gonçalves e Robert Durand. Mais recentemente Isabel Franco.

5

1.2. Descrição das tarefas e objectivos  Definição do corpus documental: Chancelarias de

D. Fernando, D. João I, D. Duarte e D. Afonso V  Cronologia (1367-1481): análise comparativa das formas

antroponímicas  Detecção de formas onomásticas novas, sistemas duplo

e triplo de designação, e respectiva utilização nos dois grupos de oficiais (redactores e escrivães)  Seriação do total de indivíduos (1003) e elaboração de

listagens  Elaboração do inquérito-antroponímico (cfr. anexo)

6

1.3. Construção da metafonte  Utilização do software EXCEL  Estabelecimento das entradas: nº de ordem, período,

nome próprio, patronímico, apelido (família), apelido (localidade), apelido (alcunha), início e fim de carreira, ofício 1, especialidade, ofício 2, especialidade, ofício 3, especialidade, observações  Sistematização da informação compulsada numa base de

dados que permite responder às principais questões patentes no inquérito-antroponímico  Estabelecimento da base de dados de consulta e

impressão de listagens

7

1.4. Questões metodológicas 

Levantámos os nomes pessoais de 1003 indivíduos que exercem diferentes funções e detêm diferentes estatutos sociais e hierárquicos



São usados diferentes sistemas antroponímicos pelos oficiais (sistemas de nome duplo e triplo, com e sem apelidos de família)



Desequilíbrios assinaláveis entre o número de oficiais por reinado ou períodos decenais



Estabelecimento e distribuição do total de oficiais por faixas irregulares atendendo aos períodos de alternância governativa e mudança de quadros humanos: 1367-1432; 1433-1448; 14491481.

8

Quadro I - Dados gerais da documentação (1367-1481)

Faixas cronológicas

Total de anos por faixa

Número de indivíduos

%

1367-1432

66

389

39

1433-1448

16

272

27

1449-1481

32

342

34

Totais

114

1003

100

9

II Parte - Estudo empírico dos antropónimos da oficialidade régia (1367-1481)

 Total de indivíduos – 1003  Redactores – 267  Escrivães - 736

10

2.1. Nome próprio: escolhas, reposições e ... renovação?

O nome individualiza, distingue, umas vezes realça qualidades outras defeitos, destaca origens, é sinal de pertença a um meio ou, simplesmente, antediz a profissão. O nome é o resultado de uma relação entre o gosto da época, o meio social, as circunstâncias culturais, políticas e demográficas. O nome é um importante sinal da mudança dos tempos! 

Os núcleos de oficiais (redactores e escrivães) fazem um uso de 61 nomes próprios diferentes  39 são de uso corrente  22 nomes raros (uma utilização)  acima das 10 ocorrências temos apenas 19 onomatos

11

Quadro II – Nomes próprios e patronímicos dos oficiais da burocracia régia (1367-1481) Nº

Nome próprio

Totais

%

Patronímico

Totais

%

1

João

172

17,14

Anes/Eanes

83

11,36

2

Fernão/Fernando

84

8,37

Afonso

77

10,54

3

Pero/Pedro

83

8,27

Gonçalves

70

9,58

4

Álvaro

71

7,07

Martins

56

7,67

5

Diogo

66

6,58

Peres/Pires

50

6,84

6

Afonso

64

6,38

Fernandes

46

6,3

7

Gonçalo

59

5,88

Vaz/Vasques

46

6,3

8

Vasco

45

4,48

Esteves

41

5,61

9

Martim/Martinho

37

3,68

Rodrigues

41

5,61

10

Rui

35

3,48

Álvares

31

4,24

11

Luís

29

2,89

Lourenço

27

3,69

12

Estêvão/Esteves

25

2,49

Gil

25

3,42

13

Rodrigo

22

2,19

Lopes

21

2,87

14

Lopo

20

1,99

Dias

21

2,87

15

Lourenço

20

1,99

Domingues

16

1,16

16

Gil

19

1,89

Gomes

14

1,91

17

Vicente

19

1,89

Vicente

14

1,91

18

Nuno

18

1,79

Garcia/Garcês

10

1,36

19

Gomes

17

1,69

Mendes

8

1,09

12

Quadro III – Nomes próprios em progressão de uso e desuso (1367-1481) Nomes próprios

1367-1432

1433-1448

1449-1481

Totais

António

0

4

4

8

Filipe

1

0

3

4

Lopo

6

9

9

21

Nuno

6

6

8

20

Pedro

21

20

42

83

Rodrigo

10

8

4

22

Rui

8

14

13

35

André

3

1

1

5

Bartolomeu

5

0

1

6

Estêvão

14

5

6

25

Gil

9

8

2

19

Lourenço

11

5

4

20

Martim/Martinho

23

8

6

37

Vasco

25

12

8

45

Vicente

9

5

5

19

Progressão de Uso

Desuso

13

Quadro IV – Índices absolutos de variação dos dez nomes mais frequentes (1367-1481) Nº de ordem 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

13671432

14331448

14491481

Totais

João

66

34

72

172

Fernão/Fernando

28

23

33

84

Pero/Pedro

21

20

42

83

Álvaro

20

22

29

71

Diogo

23

21

22

66

Afonso

32

17

15

64

Gonçalo

30

12

17

59

Vasco

25

12

8

45

Martim/Martinho

23

8

6

37

Rui

8

14

13

35

Nomes próprios

14

Gráfico I – Origem dos nomes próprios (1367-1481)

20 16

15

F r e q u ê n c ia

15

14

9

10

7 5

0 Greco-romana Judaico-cristã

Germânica

Obscura

Outra

15

2.2. Patronímico e parentesco  No Ocidente medievo o uso do patronímico é comum, p. ex.:

Álvares de Álvaro, Gonçalves de Gonçalo, ...  Patronímico é o nome derivado do designativo pessoal de um

antepassado, geralmente o pai; distingue-se do sobrenome que, regra geral, surge após o nome próprio, p. ex.: André, Jorge, Dinis...  No conjunto de oficiais tratado uma maioria faz uso de

patrónimos – 730 (72,78% do total)  Verifica-se uma maior variedade antroponímica ao nível do

nome próprio (61 apelativos), comparativamente ao repertório de patronímicos (39 designativos)

16

Quadro V – Número de ordem do nome próprio e do patronímico dos oficiais régios (1367-1481) Nome próprio

Nº de ordem

Patronímico

João

1

Anes/Eanes

Fernão/Fernando

2

Afonso

Pero/Pedro

3

Gonçalves

Álvaro

4

Martins

Diogo

5

Peres/Pires

Afonso

6

Fernandes

Gonçalo

7

Vaz/Vasques

Vasco

8

Esteves

Rui

9

Rodrigues

Martim

10

Álvares

Luís

11

Lourenço

Estêvão

12

Gil

17

2.3. Uso do apelativo e caracterização social das formas de denominação



Na Idade Média Final convivem sistemas antroponímicos diferentes



O sistema duplo persiste, mas o sistema triplo parece indiciar uma alteração dos padrões tradicionais



O questionário antroponímico lançado compreende distintos modelos antroponímicos nos dois núcleos de oficiais régios e procura avaliar a dimensão quantitativa em cada um deles

18

Quadro VI – Sistemas antroponímicos (1361-1481) Sistemas antroponímicos

Número de ocorrências

%

1

0,09

N = Nome Próprio

N+P

730

72,78

P = Patronímico

N + P + AF

76

7,57

N + P + AL

32

3,19

N+P+O

17

1,69

N + AF

159

15,85

N + AL

59

5,88

N+O

39

3,88

N + P + AF (+ O)

3

0,29

N

Legenda:

A = Apelido AF = Apelido de Família AL = Apelido de Localidade O = Pronomes, Adjunções Nominais, Alcunhas, …

19

Quadro VII – Distribuição do total de apelidos de localidade e de família por categorias burocráticas (1367-1481) Categorias burocráticas

Apelidos de localidade

%

Apelidos de família

%

Redactores

24

8,98

110

41,19

Escrivães

67

9,1

125

16,98

Totais

91

-----

235

------

20

Quadro VIII – Apelidos de localidade mais frequentes (1367-1481) Total de apelidos de localidade

Frequência

1

9

Lisboa

1

8

Guimarães

3

5

Braga, Elvas, Porto

4

4

Beja, Évora, Olivença e Santarém

2

3

Coimbra e Estremoz

2

Alcáçova, Aveiro, Azambuja, Barcelos, (…)

8

Designações

21

Quadro IX – Apelidos de família mais frequentes (1367-1481) Total de apelidos de família Frequência

Designações

1

9

Almeida

1

8

Godinho

1

7

Costa

2

6

Castro, Machado

4

5

Castelo Branco, Figueiredo, Silveira, Vieira

3

4

Borges, Carneiro, Galvão

3

Camelo, Cardoso, Faleiro, Lobato, Silva (…)

2

Abul, Azevedo, Boto, Faria, Freitas, Lucena (…)

1

Abreu, Alvarenga, Carvalho, Grã, Sem, Sousa (…)

9

30

80

22

2.4. Nome e família Questões prévias: 

Que relação existe entre a estrutura do nome e o estatuto social do indivíduo nos grupos burocráticos em análise?



Que vantagens se podem retirar da relação estabelecida entre onomástica e genealogia?

Condicionantes implícitas às questões formuladas: 1ª) É difícil proceder, para a Idade Média, a uma análise social da antroponímia 2ª) Em antroponímia não é fácil estabelecer classificações etimológicas, linguísticas ou toponímicas seguras 3ª) Em antroponímia uma asserção ou interpretação não é, uma maioria das vezes, a única explicação

23

2.4.1. Apelido de família ou patrimonialização do nome ?



O apelido de família surge primeiro em indivíduos de estatuto social mais elevado



O nome de família tem o efeito da raridade, opõe-se ao patronímico que, regra geral, conduz à homonímia



O apelido de família é hereditário, identifica a linhagem (consanguinidade = transmissão biológica do nome)



O uso de apelido de família está relacionado com a difusão do modelo linhagístico (agnático)



O apelido de família conduz a uma distribuição mais regular dos elementos antroponímicos, induz à topologia

24

Gráfico II – Origem dos apelidos de família (1367-1481)

70

65

60 Frequência

50 40 30

22

20

21 14 9

10 0 Toponímica

Estrangeira

Alcunha

Incerta

Outra

25

2.4.2. Flutuações: multiplicidade e regularidade(s)



Na Idade Média tardia convivem sistemas antroponímicos diversos: dupla e tripla denominação



O uso do apelido de família veio complicar as regras antroponímicas



A alteração da concepção de família, manifesta-se no uso mais frequente do apelido de família nos séculos finais da Idade Média



A tendência é para se acentuar a relação entre apelido e hereditariedade



Vejam-se alguns segmentos linhagísticos (itinerários antroponímicos) e respectivas estratégias de denominação a seguir

26

Itinerários antroponímicos - exemplos 1. Nomes de oficiais que detém um apelido identificador do pai, transmitindo-o à geração seguinte: Aires Gomes da Silva filho de João Gomes da Silva, filho de Gonçalo Gomes da Silva. Descendência: João da Silva, Francisco da Silva,(…) 2. Os oficiais que não são apelidados inteiramente com o nome do pai: Nuno Martins da Silveira filho de Martim Gil Pestana e Maria Gonçalves da Silveira. Descendência: Gonçalo da Silveira, Vasco da Silveira, (…) 3. Apelidos individuais com origem numa alcunha: Rui Galvão filho de João Fernandes (clérigo de missa). Descendência: João Rodrigues Galvão, Duarte Galvão, (…) 4. Uso misto e do nomen paternum: Paio Rodrigues de Araújo, teve por filhos Pedro Pais, Rui Pais, João Rodrigues Pais, Paio Rodrigues, Lopo Rodrigues de Araújo e Leonor Pais.

27

Conclusões e perspectivas 

Do ponto de vista da descrição da estrutura do nome a Idade Média Final apresenta sinais de transformação dos componentes de designação individual. Não existe uma única prática antroponímica.



O patronímico na sua forma genitiva é bastante mais comum do que na forma nominativa, enquanto segundo elemento de identificação.



Nos séculos finais da Idade Média coexistem práticas onomásticas diversas, cujos componentes do nome assumem posições variáveis relacionáveis com os laços de parentesco existentes.



Tendencialmente o uso do apelido com carácter hereditário, i.e. o nome de linhagem surge entre os indivíduos de condição social mais elevada.



O uso de apelido de família é relativamente frequente entre os oficiais redactores, ca. de 41% do total.



As posições ocupadas pelo nome próprio, patronímico e apelido tendem a ganhar espessura e regularidade encontrando-nos mais próximo das formas contemporâneas de designação.

28

Bibliografia recomendada  Anthroponymie. Document de l’histoire sociale

des mondes méditerranées - Actes du Colloque International de Rome, ed. Monique Borin, JeanMarie Martin e François Menant, École française de Rome, 6-8 octobre 1994, Roma, 1996.  Personal Names Studies of Medieval Europe.

Social Identity and Familial Structures, ed. George T. Beech, Monique Bourin e Pascal Chareille, Kalamazoo, Michigan, 2002.  Prénom (Le) mode et histoire. Les Entretiens de

Malher 1980, org. Jacques Dupâquier, Alain Bideau, Marie-Elizabeth Ducreux, Paris, École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1984.

29

“Há uma idade em que se ensina o que se sabe;

mas surge de seguida uma outra em que se ensina o que não se sabe: a isto se chama procurar. Chega, agora, talvez a idade de uma outra experiência: a de desaprender, de deixar germinar a mudança imprevisível que o esquecimento impõe à sedimentação dos saberes, das culturas, das crenças que atravessámos.” Roland Barthes, Collège de France, 1977.

30

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.