Liberdades religiosas, laicidade e reserva do possível

June 24, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Religion, Direito Constitucional
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Apelação Cível - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0002082-55.2011.4.02.5002 (2011.50.02.002082-4) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : EDUARDO CRUZ TOZANI ADVOGADO : CLAUDIO MANCIO BARBOSA APELADO : INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR DO ESPIRITO SANTO - FACASTELO ADVOGADO : RUBENVAL BRAGA FRANCO ORIGEM : 2ª VF Cachoeiro - Cível / Execução Fiscal (00020825520114025002)  

EMENTA

APELAÇÃO  EM  MANDADO  DE  SEGURANÇA.  LIBERDADES  RELIGIOSAS.  LAICIDADE. RESERVA DO POSSÍVEL. MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. 1. Apelação interposta em face de sentença em mandado de segurança, referente à alteração do horário das aulas ministradas às sextas-feiras à noite ou, estipulação de atividades alternativas que dispensem a sua presença neste período, em razão do “dia de guarda” religioso (Igreja Adventista do Sétimo Dia).

3. Ausência no caso concreto de demonstração de ofensa ao “núcleo duro” do direito à livre manifestação religiosa. Ademais, o demandante deveria convencer de que não estava ao alcance dele – fora do período de “guarda” – nenhuma alternativa que pudesse atendê-lo. 4. Precedentes sobre casos análogos: STF, Plenário, Ag. Reg. na STA 389, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 14.5.2010; STJ, 1ª Turma, RMS 37.070, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 10.3.2014; STJ, 6ª Turma, RMS 16.107, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJe 1.8.2005; STJ, 5ª Turma, RMS 22.825, Rel. Min.  FELIX  FISCHER,  DJe  13.8.2007;  CNJ,  195ª  Sessão,  Medida  Liminar  em  PP  000365786.2014.2.00.0000, Rel. Des. Fed. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, DJe 18.9.2014. 5. Negado provimento à apelação.  

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, na forma do relatório e do voto, constantes dos autos, que ficam fazendo parte do julgado.               Rio de Janeiro,  13 de outubro de 2015  (data do julgamento).     RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal  

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Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a RICARDO PERLINGEIRO MENDES DA SILVA.

2. É o Brasil um Estado laico, o que não corresponde a “laicismo”. Foi o desejo da Constituição de 1988 que o poder público colaborasse para o exercício da livre manifestação da fé dos indivíduos (laicidade). Não estando em xeque o núcleo essencial do direito fundamental, apenas se observada a reserva do possível, deve a Administração Pública prover ou facilitar a manifestação religiosa de uma determinada pessoa.

Documento No: 178280-42-0-111-2-429728 - consulta à autenticidade do documento através do site http://portal.trf2.jus.br/autenticidade

TRF2 Fls 111

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TRF2 Fls 112

 

 

RELATÓRIO   Cuida-se de apelação interposta por EDUARDO CRUZ TOZANI contra a sentença que denegou a segurança impetrada em face do ato coator atribuído ao Diretor do IESES – Instituição de Ensino Superior do Estado do Espírito Santo (UNES/FACASTELO), com o fim de assegurar ao impetrante, ora apelante, alteração do horário das aulas ministradas às sextas-feiras à noite ou, estipulação de atividades alternativas que dispensem a sua presença neste período, em razão do “dia de guarda” da sua religião, qual seja, a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Em suas razões recursais, sustenta o apelante que o direito fundamental de inviolabilidade da liberdade de crença e de consciência, é assegurado pelo disposto no art. 5º, VI e VIII da Constituição Federal, o qual prevê que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.” Alega que é integrante da Igreja Adventista do Sétimo Dia e que a guarda do sábado é uma questão de fé. Aduz, ainda, que a Instituição de Ensino tem condições de satisfazer a sua pretensão, uma vez que as matérias das sextas-feiras também são lecionadas em outros dias da semana. Contrarrazões às fls. 76/81. O Ministério Público Federal, às fls. 88/99, opinou pelo não provimento do recurso. É o relatório. Peço dia para julgamento. RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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Apelação Cível - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0002082-55.2011.4.02.5002 (2011.50.02.002082-4) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : EDUARDO CRUZ TOZANI ADVOGADO : CLAUDIO MANCIO BARBOSA APELADO : INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR DO ESPIRITO SANTO - FACASTELO ADVOGADO : RUBENVAL BRAGA FRANCO ORIGEM : 2ª VF Cachoeiro - Cível / Execução Fiscal (00020825520114025002)

Documento No: 178280-40-0-106-1-754681 - consulta à autenticidade do documento através do site http://portal.trf2.jus.br/autenticidade

TRF2 Fls 106

Apelação Cível - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0002082-55.2011.4.02.5002 (2011.50.02.002082-4) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : EDUARDO CRUZ TOZANI ADVOGADO : CLAUDIO MANCIO BARBOSA APELADO : INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR DO ESPIRITO SANTO - FACASTELO ADVOGADO : RUBENVAL BRAGA FRANCO ORIGEM : 2ª VF Cachoeiro - Cível / Execução Fiscal (00020825520114025002)   VOTO   O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR)

[...] Com efeito, ao ingressar no Curso de Direito no turno noturno, o Impetrante já sabia que não conseguiria assistir a todas as aulas, vez que, inevitavelmente, nos dias de sextasfeiras ele não compareceria às aulas em virtude de sua crença religiosa. Cabe frisar, que poderia o Impetrante aguardar a formação de turma no turno matutino ou ainda, buscar outra instituição de ensino que oferecesse o curso de forma que ele pudesse cursar sem prejuízo de sua crença, o que não ocorreu. Conforme bem demonstrado pelo Ministério Público Federal, o Centro Universitário não é obrigado a arcar com o encargo indevido para se adequar à religião do Impetrante, pois se assim o fizesse estaria, na realidade, abrindo precedente para criação de privilégios que fere a isonomia dos alunos. O ensino superior não é obrigação legal a todos imposta, mas sim direito di cidadão e assim, não há determinação legal para que sejam oferecidas medidas alternativas para quem deixa de cumprir obrigações acadêmicas por motivos de crença religiosa. [...] Assim, não se deve criar diferenciação entre cidadãos de diferentes religiões, sob pena de total afronta ao Princípio Constitucional da Isonomia. Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na exordial, com fulcro no art. 269, I, do CPC e DENEGO A SEGURANÇA requerida.

Vislumbra-se um conflito entre os direitos à liberdade religiosa e à isonomia, previstos, respectivamente, no inciso VI e no caput do art. 5º da Constituição Federal. A liberdade religiosa é um direito preponderantemente exercido mediante abstenção estatal na esfera individual da pessoa. Porém, é oportuno lembrar que o Estado brasileiro é laico, o que não significa ser “laicista”. Com efeito, foi o desejo da Constituição de 1988 que o Estado colaborasse para o exercício da livre manifestação da fé dos indivíduos (laicidade). Em síntese, não estando em xeque o núcleo essencial do direito fundamental, somente se observada

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Conforme relatado, cuida-se de apelação interposta por EDUARDO CRUZ TOZANI contra a sentença que denegou a segurança impetrada em face do ato coator atribuído ao Diretor do IESES – Instituição de Ensino Superior do Estado do Espírito Santo (UNES/FACASTELO), com o fim de assegurar ao impetrante, ora apelante, alteração do horário das aulas ministradas às sextas-feiras à noite ou, estipulação de atividades alternativas que dispensem a sua presença neste período, em razão do “dia de guarda” da sua religião, qual seja, a Igreja Adventista do Sétimo Dia, nos seguintes termos:

Documento No: 178280-41-0-107-4-879816 - consulta à autenticidade do documento através do site http://portal.trf2.jus.br/autenticidade

TRF2 Fls 107

TRF2 Fls 108

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EDUCAÇÃO E RELIGIÃO. MEMBRO DA IGREJA  ADVENTISTA  DO  SÉTIMO  DIA.  PERÍODO  DE  GUARDA RELIGIOSA. LEI N. 12.142/2005, DO ESTADO DE SÃO PAULO. OPORTUNIZAÇÃO DE ALTERNATIVA À FREQUÊNCIA ÀS AULAS DE SEXTAS-FEIRAS. 1. A relação que existe entre a pessoa e a igreja que profetiza a crença que elegeu não cria qualquer obrigação para terceiros, razão pela qual não há falar que a qualidade de membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, por si só,  confira  direito  líquido  e  certo  do  aluno  de  não  participar  das  aulas, durante o período de guarda religiosa. 2. Recurso ordinário provido. (STJ, 1ª Turma, RMS 37.070, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 10.3.2014) – grifo nosso. RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - PROVAS DISCURSIVAS DESIGNADAS PARA O DIA DE SÁBADO - CANDIDATO MEMBRO DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA - PEDIDO ADMINISTRATIVO PARA ALTERAÇÃO DA DATA DA PROVA INDEFERIDO - INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE - NÃO VIOLAÇÃO DO ART. 5º, VI E VII, CR/88 - ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO EDITAL - RECURSO DESPROVIDO. 1. O concurso público subordina-se aos princípios da legalidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da isonomia, de modo que todo e qualquer tratamento

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 1. Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada. 2. Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a participação de estudantes judeus no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em data alternativa ao Shabat. 3. Alegação de inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e ao direito à educação. 4. Medida acautelatória que configura grave lesão à ordem jurídicoadministrativa. 5. Em mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação de data alternativa para a realização dos exames não se revela em sintonia com o principio da isonomia, convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso 6. Decisão da Presidência, proferida em sede de contracautela, sob a ótica dos riscos que a tutela antecipada é capaz de acarretar à ordem pública 7. Pendência de julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 391 e nº 3.714, nas quais este Corte poderá analisar o tema com maior profundidade. 8. Agravo Regimental conhecido e não provido. (STF, Plenário, Ag. Reg. na STA 389, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 14.5.2010)

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a reserva do possível, deve a Administração Pública prover ou facilitar a manifestação religiosa de uma determinada pessoa. Entendo que essa colaboração e observância da fé alheia deva se estender às instituições de ensino público ou privado, tendo em vista a Constituição prever esse direito. Entretanto, no caso concreto, não está demonstrada uma ofensa ao “núcleo duro” do direito à livre manifestação religiosa, isto é, o demandante não foi capaz de convencer não estar ao alcance dele – fora do período de “guarda” – alternativas que poderiam atendê-lo. Ademais, a jurisprudência predominante não respalda sua pretensão. A proposito, destaco os seguintes precedentes:

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CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA 1. Adoto o bem lançado relatório do Conselheiro Fabiano Silveira, in verbis: O requerente, candidato no concurso para Juiz de Direito Substituto do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, classificado para a segunda fase do certame, requer condição especial para realização da prova discursiva, invocando sua crença religiosa, que considera o sábado um dia santo, dedicado à adoração a Deus. Afirma que sua convicção religiosa não permite atividades cotidianas desde o pôr do sol de sexta-feira até o pôr do sol de sábado, porém seu pedido para realizar a prova em horário diverso foi negado pela comissão do concurso. Discorreu sobre a proteção constitucional à sua liberdade de crença e que pretende apenas iniciar a prova após o pôr do sol, ficando incomunicável até este horário. Solicitei informações ao Tribunal que, em resposta, juntou a decisão exarada em outro pedido idêntico, onde foi indeferida a pretensão do candidato, sob o argumento de que a realização de provas em horários diferenciados fere os princípios da legalidade e da impessoalidade, consoante decidiu o STJ. [...] 4. Dessa forma, seguindo o precedente desta Casa, bem como a jurisprudência da Suprema Corte, a medida liminar, apesar de o candidato já ter realizado a prova, não deve ser ratificada para manter alinhadas a jurisprudência deste Conselho com a do STF. 5. Ante o exposto, divirjo do Conselheiro Relator e voto pela não ratificação da liminar. (CNJ, 195ª Sessão, Medida Liminar em PP 0003657-86.2014.2.00.0000, Rel. Des. Fed. GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, DJe 18.9.2014)

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RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLICIAL MILITAR. ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. TESTE DE CAPACIDADE FÍSICA. REALIZAÇÃO EM DIA DIVERSO DO PROGRAMADO. LIMINAR DEFERIDA. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. IMPOSSIBILIDADE. ISONOMIA E VINCULAÇÃO AO EDITAL. RECURSO DESPROVIDO. 1. A liminar foi deferida quando a recorrente, por ter deixado de realizar o teste de aptidão física na data prevista em edital de convocação, já estava eliminada do certame. Ao ser cassada pelo e. Tribunal a quo, quando do julgamento final do mandamus, a recorrente voltou à situação anterior de candidato eliminado do concurso, razão por que não poderia prosseguir no certame. 2. O direito à liberdade de crença, assegurado pela Constituição da República, não pode almejar criar situações que importem tratamento diferenciado - seja de favoritismo seja de perseguição - em relação a outros candidatos de concurso público que não professam a mesma crença religiosa. Precedente. 3. Recurso ordinário desprovido. (STJ, 5ª Turma, RMS 22.825, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJe 13.8.2007) – grifo nosso.

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diferenciado entre os candidatos tem que ter expressa autorização em lei ou no edital. 2. O indeferimento do pedido de realização das provas discursivas, fora da data e horário previamente designados, não contraria o disposto nos incisos VI e VIII, do art. 5º, da CR/88, pois a Administração não pode criar, depois de publicado o edital, critérios de avaliação discriminada, seja de favoritismo ou de perseguição, entre os candidatos. 3. Recurso não provido. (STJ, 6ª Turma, RMS 16.107, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJe 1.8.2005)

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Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO. É como voto.

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