Licença-paternidade no Brasil: Igualdade de gêneros e compartilhamento de direitos e deveres

Share Embed


Descrição do Produto

LICENÇA-PATERNIDADE NO BRASIL: IGUALDADE DE GÊNEROS E COMPARTILHAMENTO DE DIREITOS E DEVERES

Pedro Filipe Famêa Acadêmico de Direito da UNIMEP

1. DAS QUESTÕES PRÉVIAS

Ao analisar-se o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, percebe-se o princípio da isonomia, defendendo a igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, o que intensifica ainda mais a necessidade de mudanças na legislação que regulamenta a licença-paternidade brasileira, para que assim, a tarefa de cuidar de um filho não seja somente atribuída à mãe. No entanto, o termo "isonomia" se tornou algo distorcido dentro da sociedade. Atualmente, ainda nota-se a hierarquização e segregação entre homens e mulheres no mercado de trabalho, submetendo as mesmas a setores secundários dentro de uma empresa, por exemplo; enquanto os homens mantêm-se em cargos mais privilegiados. O mesmo acontece quando se trata sobre desigualdade salarial. Apesar desses fatores ainda estarem presentes, o conceito de família brasileira tem mudado drasticamente nas últimas décadas, não somente no tocante ao mercado de trabalho e deveres civis, mas também na divisão de tarefas domésticas, dispensando o estigma do "homem-provedor" e "mulher-cuidadora"1, havendo forte influência, hodiernamente, de movimentos feministas sobre a equidade de gêneros que a Constituição preconiza. A licença parental é um exemplo de repartição de tarefa doméstica, seja para as famílias tradicionais compostas por heterossexuais, como para as famílias homoafetivas e monoparentais. É importante ressaltar que com o passar dos anos, o conceito de família se transformou, mesmo sendo sempre alvo de pré-conceitos2. Ademais, a licença-paternidade e a licença-maternidade são de grande disparidade quanto ao prazo, cuja exiguidade daquela dificulta nos primeiros contatos necessários com a criança e o estreitamento de laços afetivos. Estudos comprovam que a 1

KLOSS, Larissa Renata. Prorrogação da licença-maternidade: favorável a quem? Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, v. 34, n. 63, p. 189-203, jul./dez. 2009. 2 DIAS, Maria Berenice. Família homoafetiva. De Jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, n.10, p. 292-314, jan./jun., 2008.

licença parental pode ser um método eficaz, em termos de custo-benefício, de promoção à saúde da criança3. Tem-se, portanto, que a participação de ambos os sexos nos primeiros contatos com a criança interfere de maneira positiva no desenvolvimento da mesma. A ampliação da licença-paternidade é de grande importância tanto para o infante quanto para a figura paterna.

2. DA LICENÇA-MATERNIDADE

No tocante à previsão normativa da licença-maternidade, a Constituição, em seu artigo 7º, inciso XVIII4, estabelece como direito fundamental da trabalhadora urbana ou rural a licença-gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 (cento e vinte) dias, correspondentes a 4 (quatro) meses, sendo, entretanto, que em alguns casos o período pode se estender a 6 (seis) meses dependendo do tipo de ocupação que a mulher exercer. Durante o prazo da licença-maternidade, a gestante não sofrerá prejuízo algum referente a seu emprego e salário, seu salário permanecerá igual ao que já recebia ao exercer sua profissão. No Direito Brasileiro, a licença-maternidade encontra-se regulamentada pelos artigos 391 a 401 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), no capítulo destinado a proteção à maternidade. O afastamento pode ocorrer a partir de 28 (vinte e oito) dias antes do parto ou a partir do dia em que a criança nascer, de acordo com a escolha da mãe. Para que recebam o salário maternidade, é necessário que as mães apresentem um atestado médico ou a certidão de nascimento da criança. As mulheres que não recebem salário, como as donas de casa e estudantes, podem mesmo assim usufruir do benefício licença-maternidade, contanto que paguem

3

RUHM, Christopher J. Parental Leave and Child Health. Cambridge, Mass: National Bureau of Economic Research; 1998. Working paper W6554 apud KAMERMAN, Sheila B. Políticas de licença maternidade, licença paternidade e licença parental: impactos potenciais sobre a criança e sua família. Rev ed. In: Tremblay RE, Boivin M, Peters RDeV, eds. Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância [on-line]. Montreal, Quebec: Centre of Excellence for Early Childhood Development e Strategic Knowledge Cluster on Early Child Development. p. 1-4, 2012. Disponível em: . Consultado em: 06/05/2015. 4 Constituição Federal. Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XVIII – Licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário com a duração de cento e vinte dias.

10 (dez) meses de previdência no mínimo. Além das mulheres que não recebem salário, as mães que adotam crianças (independentemente da idade do adotado) e as que sofrem aborto espontâneo também têm direito ao beneficio. “É um beneficio pago pela previdência social a empregadas seguradas, ou seja, é de cunho previdenciário, ''Cube enfatizar que qualquer segurada, tanto a empregada (urbana, rural ou temporária) como a empregada doméstica, trabalhadora avulsa (art. 7°, XXXIV, CF/88), contribuinte individual (autônoma, eventual, empresária), segurada especial e facultativa têm direito ao salário-maternidade5”.

3. DA LICENÇA-PATERNIDADE

Em relação à licença-paternidade, a Carta Magna a previu como um direito fundamental do trabalhador urbano ou rural (art. 7º, inciso XIX)6. Não assegurou, entretanto, a garantia do emprego ou do salário, nem estabeleceu o seu tempo de duração. Assim, a eficácia da norma inscrita no referido artigo é limitada, pois conforme dispõe, deverá ser fixada por legislação ordinária (“...nos termos fixados em lei”), estando ainda condicionada à expedição de regulamentação. Todavia, o art. 10, § 1º, do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias)7 prevê que até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de 5 (cinco) dias, valendo apenas para funcionários que possuem carteira assinada, devendo estes requerer a licença-paternidade.

5

ZANOTELLI, Rubia de Alvarenga. O salario Maternidade no regime da Previdência Social, Disponível em: . 6 Constituição Federal. Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XIX – licença-paternidade, nos termos fixados em lei. 7 ADCT. Art. 10. § 1º. Até que a lei venha a disciplinar o disposto no art. 7º, XIX, da Constituição, o prazo da licença-paternidade a que se refere o inciso é de cinco dias.

A contagem da licença-paternidade deve se iniciar em dia útil a partir da data do nascimento da criança. Dia útil porque é uma licença remunerada, na qual o empregado poderá faltar ao trabalho sem implicações trabalhistas, conforme determina o inciso III, do art. 473, da CLT8. Referido artigo, estipula também o prazo de 1 (um) dia para a licença-paternidade. Contudo, conforme já comentado anteriormente, nos termos do § 1º, do art. 10, do ADCT, o prazo passou para 5 (cinco) dias, até que seja disciplinado o inciso XIX, do art. 7º, da Constituição Federal. Tal prazo de 5 (cinco) dias foi estabelecido com o intuito de que, durante este período, o pai ajude a mãe nos processos pós-operatórios e a cuidar do recém-nascido. Porém, esta quantidade de dias é insuficiente para tanto, notando-se a necessidade de mudanças na lei para que o pai seja mais presente e acompanhe os primeiros passos de seu filho. Toda a tarefa de cuidar de um filho não pode ser somente atribuída à mãe, mas sim a ambos, com base no princípio da isonomia. Existe projeto de lei tramitando no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, que visa aumentar o prazo da licença-paternidade, com o objetivo de uma maior participação, colaboração e aproximação do pai com a mãe e a criança. De acordo com o projeto de Lei n.º 901/11, solicitado pela deputada Erika Kokay, o prazo da licençapaternidade deverá ser prorrogado para 30 (trinta) dias. Esta proposta permitirá que o pai tenha acesso a remuneração integral referente aos 30 (trinta) dias da ampliação da licença. Segundo Kokay: “a medida permitirá aos pais dar continuidade aos cuidados necessários ao bem estar do bebê, incluindo o aleitamento materno com o uso de mamadeiras, no período imediatamente após o término da licença-maternidade da mãe, quando essa não tiver direto à extensão do benefício por exercer sua função em empresa que não participa do Empresa Cidadã9”.

8

Consolidação das Leis do Trabalho. Art. 473. O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário: III – por 1 (um) dia, em caso de nascimento de filho, no decorrer da primeira semana. 9 KOKAY, 2011 apud SOUZA, Murilo. Projeto permite prorrogação da licença-paternidade por 30 dias. Brasília: Câmara dos Deputados. Câmara Notícias. Trabalho e Previdência, 2011. Disponível em: . Acesso em: 13 mai. 2015.

4.

DO

COMPRATILHAMENTO

DE

DIREITOS

E

DEVERES

COM

FUNDAMENTO NOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Desse modo, pode-se perceber que o período dispensado à licença-maternidade é muito mais longo que o da licença-paternidade. Enquanto a mãe, biológica ou adotante, possui direito a 120 (cento e vinte) dias de licença, que pode ser prorrogado por até mais 60 (sessenta) dias, nos termos da Lei n.º 11.770/200810, o pai tem apenas 5 (cinco) dias de licença. A família atual é norteada pelos princípios constitucionais, sendo, o da dignidade da pessoa humana, considerado o fundamento constitucional basilar do nosso ordenamento jurídico, por assegurar o desenvolvimento da pessoa humana, a dignidade dos entes da família, tratando-se de um princípio que tem como base a valorização de cada integrante da família, respeitando sua individualidade e sua dignidade independentemente dos seus direitos. Todo ser já nasce com o direito à dignidade da pessoa humana, vez que trata- se de um direito fundamental e humano11. Por essa visão, são aplicados princípios constitucionais no direito de família sendo o principio basilar o principio da dignidade da pessoa humana, além do principio da solidariedade familiar, da isonomia, liberdade em relação à família, o princípio jurídico da efetividade, princípio da convivência familiar e o princípio do melhor interesse da criança12. “Este como os demais princípios determinam o sentido fundamental das normas infraconstitucionais. No sistema jurídico Brasileiro, o principio da dignidade da pessoa humana esta indissoluvelmente ligada ao principio da solidariedade13”.

O princípio do melhor interesse da criança trata da prioridade do bem estar da mesma; ou seja, sempre será levado em conta o que beneficiar o infante.

10

Lei nº 11.770/2008. Art. 1º. É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar por 60 (sessenta) dias a duração da licença-maternidade prevista no inciso XVIII do caput do art. 7o da Constituição Federal. 11 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 12 FARIAS, Cristiano Chaves. Direito Civil - Teoria Geral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. 13 LOBO, Paulo. Direito Civil Família, 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

“'Em face da garantia da convivência familiar, há toda uma tendência dos vínculos familiares e a manutenção de crianças no seio da família natural, porém, às vezes melhor atende aos interesses do infante [...] O que deve prevalecer é o direito da dignidade e o desenvolvimento integral14”.

De rigor consignar que, conforme estabelecido pela nossa Carta Magna, em seu artigo 5º: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza15”. Outrossim, o referido artigo, em seu inciso I, prevê que: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição16”. Estabelecendo, assim, um princípio de igualdade (isonomia) entre os gêneros. Com efeito, sendo a maternidade uma questão social, reconhece-se, progressivamente, conforme a ótica de Verucci, que “uma política que vise dar à mulher uma situação de igualdade com o homem na vida econômica e política de um país, não tem condições de vingar se se mantiver o ônus da casa, do lar e dos filhos somente nos ombros da mulher17”. Também nossa Constituição Federal, em seu art. 226, § 5º, declara que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Um pouco mais adiante, o art. 229 dispõe ainda que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores18. Mister mencionar que, às famílias, foi atribuído o dever de proteção da criança e do adolescente e a promoção de seu bem-estar, conforme prescreve a Carta Constitucional, em seu art. 22719.

14

LOBO, Paulo, Direito Civil Família. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Constituição Federal. Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. 16 Idem. Art. 5º. I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. 17 VERUCCI, Florisa. A Mulher e o Direito. Ed. Novel, 1987, pág. 37. 18 Constituição Federal. Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 19 Idem. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 15

No mesmo sentido o art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente: “Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (grifo nosso).

Diante disso, podemos entender que o dever de assistir a criança, em todas as suas necessidades, é igualmente do pai e não somente da mãe. Não podendo ser depositado nela, a total responsabilidade e o ônus de cuidar do filho. Beneficiar a mãe com a licença-maternidade, a fim de que a mesma cuide da criança de forma integral, pelo período de 120 (cento e vinte) dias, é uma maneira de incentivar a distinção de gêneros em nossa sociedade. Desse modo, no tocante a aplicação do benefício de licença-paternidade nos casos de pais adotantes, a professora Marly A. Cardone defende que “garantir licença somente à mulher adotante, e não ao pai adotante, seria ofender o art. 5º, inciso I, da CF, no tocante à igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres20”. Nessa esteira, conforme dispõe Yone Frediani, “se foi possibilitado a todos adotarem, independente do sexo ou do estado civil, a ninguém pode ser negado o direito para assistência e tratamento do filho adotado21”. Já o professor Figueiredo, defende que não pode ser negada a licençapaternidade ao adotante porque a licença não constitui mero patrimônio particular do empregador do sexo masculino, mas “direito social da entidade familiar22”. Para que a questão discutida no presente texto seja melhorada, há projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados e Senado Federal, propondo aumentar a participação da figura paterna no processo de desenvolvimento de seu filho, com a

20

CARDONE, M. A. Licença-maternidade na adoção e responsabilidade previdenciária. Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, v. 11, n. 11/2002, p. 299, 1ª quinz., jun. 2002. 21 FREDIANI, Yone. Licença-maternidade à mãe adotante: aspectos constitucionais. Revista LTr: Legislação do Trabalho e Previdência Social. São Paulo 2004. 22 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Licença-paternidade: direito da entidade familiar e consectário do princípio da paternidade. Revista LTr: Legislação do Trabalho e Previdência Social. São Paulo, v. 58, n. 10, p. 58-10, out. 1994. 60.

aproximação e colaboração do pai junto à mãe para que melhor possam acolher a criança, não deixando a desejar o dever de agirem como pais. Faz-se necessária, portanto, a extensão da licença-paternidade por motivos declarados como a influência que gera a presença do pai nos primeiros contatos com a criança, desenvolvendo laços afetivos; a colaboração com a mãe, auxiliando-a em tarefas para o bem estar da criança, bem como para que não haja uma desigualdade dos direitos tão explicita, pois não deve ser voltada somente à mãe as tarefas diárias da maternidade e sim serem divididas com seu companheiro.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.