Líderes diferem em diferentes Organizações? Comparativo entre Empresas Industriais e de Venda Direta no Brasil

September 8, 2017 | Autor: Melissa Lucchi | Categoria: Cultura Organizacional, Liderança, Venda Direta, Valores pessoais
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Líderes diferem em diferentes Organizações? Comparativo entre Empresas Industriais e de Venda Direta no Brasil Autoria: Reed Elliot Nelson, Melissa Lucchi

Resumo Este artigo investiga valores pessoais de líderes e subordinados, comparando 183 profissionais de organizações capitalistas com 392 membros da empresa de Venda Direta (VD) Pierre Alexander. Os 575 questionários foram agrupados pela análise de clusters. Nas empresas capitalistas, liderança está associada a abstração, planejamento e flexibilidade; na Pierre, a relações e trabalho. Oposto a estudos anteriores sobre liderança, o presidente da Pierre pertence ao cluster dos não-gerentes, indicando que o perfil dos líderes não se destaca tanto do dos outros membros. A VD, portanto, oferece oportunidades de liderança a pessoas que não possuem valores associados à gestão na empresa tradicional.

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1. Introdução A presente pesquisa aborda duas perguntas importantes: 1) líderes têm perfil de valores pessoais diferente em diferentes organizações? 2) A distância psicológica entre líderes e seguidores é igual em todas as organizações? Embora a literatura sobre liderança investigue questões similares, até o conhecimento destes pesquisadores, não aborda diretamente esses questionamentos. Provavelmente o primeiro importante estudo na Era Moderna a diferenciar o líder de seus seguidores seria a teoria do “grande homem” de Carlyle (1841; Andrade, 2006), ao argumentar que grandes líderes diferem substancialmente, em visões e atributos, da população em geral. O “grande homem”, de inteligência, julgamento e atributos superiores, atrai pessoas para reverenciá-lo e obedecê-lo pela força de seu caráter e exemplo. Assim pensado, se o grande homem fosse igual a seus seguidores, não seria um líder de verdade. Subsequentes vertentes também viram diferenças psicológicas fundamentais entre líder e liderado. A Teoria dos Traços (Stogdill, 1948; Zaccaro, 2007) presume que líderes possuem atributos como confiança, assertividade e inteligência verbal em grau maior do que o restante da população. A ideia de que o líder se distingue das demais pessoas persiste no pensamento corrente sobre liderança carismática, transformacional e no recente reaparecimento da Abordagem dos Traços relacionada à liderança (Judge & Bonno, 2000; Judge, Bonno & Gerhardt, 2002; Bonno & Judge, 2004; Judge & Piccolo, 2004). Ao mesmo tempo, a maioria dos pesquisadores modernos admite que o líder bem sucedido não se comporta da mesma forma em todos os contextos. Várias teorias contingenciais da liderança deixam claro que contextos diferentes exigem diferentes comportamentos. O que parece ter sido negligenciado nas pesquisas é a possibilidade de que os atributos (i.e. os traços) das pessoas que galgaram posições de autoridade formal sejam diferentes em diferentes tipos de organização. A presente pesquisa procura examinar essa possibilidade. Esta pesquisa sugere que as diferenças entre líderes e seguidores são menores no segmento da Venda Direta (VD) do que em setores tradicionais da economia. No presente estudo, inclusive, o presidente da empresa possui perfil de valores parecido com a maioria dos nãogerentes (neste caso, vendedoras), resultado nunca visto por estes pesquisadores. Este trabalho, portanto, objetiva investigar a relação entre líderes e contexto organizacional, por meio da comparação de valores pessoais de 392 vendedores e gerentes da empresa de Venda Direta Pierre Alexander Cosméticos, com dados semelhantes obtidos de uma amostra de 183 profissionais de staff de organizações capitalistas privadas tradicionais no Brasil publicados em Nelson (2014). O instrumento de obtenção de dados utilizado foi o PVP (Perfil de Valores Pessoais) de Nelson (1996; Nelson & Loureiro, 2006), com a análise de clusters sendo usada para analisar os dados obtidos e realizar comparações entre e intergrupos. A abrangência e diversidade da amostra permite conhecer - e comparar - perfis comportamentais de pessoas com vínculo empregatício e de trabalhadores autônomos; com níveis hierárquicos variados; possuidoras de diversos graus de escolaridade em empresas localizadas, predominantemente, nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. Foram observadas semelhanças e diferenças significativas no tamanho dos clusters e na configuração de perfis de valores pessoais nas empresas participantes deste estudo. Enquanto na amostra de empresas capitalistas há um “cluster gerencial” pequeno (cluster 3), com foco no quadrante Pensamento, na Pierre Alexander a maioria dos gerentes está contida no cluster 4 (44%), porém há distribuição equitativa dos mesmos nos outros três clusters, o que não indica um perfil gerencial valorativo estrito e delimitado como na amostra geral. O presidente da PA está no cluster 2, o maior deles e com maior número de vendedoras (não-gerentes), focado em Relações 2

e Trabalho. Pode-se concluir que o presidente está mais próximo da força de vendas do que dos gerentes, o que vai contra uma “personalidade gerencial universal” (Miner, 1967). 2. Referencial Teórico, Justificativa e Contribuições deste Estudo Grande parte da literatura e da pesquisa sobre a liderança no século passado pode ser enquadrada em três eixos: Teoria dos Traços, Teoria Comportamental e Teoria Contingencial (Santana et. al., 2010; Zaccaro, 2007; Yukul, 2006). Embora as três correntes tenham realizado esforços atuais de diálogo e integração, são intelectualmente distintas e têm focado seus esforços de pesquisa nos EUA e no Norte da Europa. De meados de 1800 até a primeira metade dos anos de 1900, a Teoria dos Traços, cuja origem remonta à ideia do “grande homem” (Carlyle, 1841; Andrade, 2006) e está baseada na ideia de que líderes possuem certos atributos ou traços que permitem atrair, proteger e controlar seguidores prevaleceu. Após publicação do influente artigo de Stogdill (1948) no final da década de 1940, a busca por diferenças essenciais e duráveis entre líderes e seguidores caiu em descrédito de 1950 ao fim do século. Recentemente, pesquisas sobre liderança têm se interessado por essas diferenças novamente (Zaccaro, 2007). A Teoria da Personalidade, largamente conhecida no século XX, ganhou certo grau de consenso em relação aos traços que caracterizam um indivíduo: agradável, consciente, aberto a experiências, extrovertido e neurótico (Digman, 1990). Usando essas cinco medidas, pesquisas indicaram que traços psicológicos estáveis e variáveis demográficas como sexo possuem associação consistente com a ocupação de posições formais de liderança em organizações (Derue et. al., 2011; Foti & Hauenstein, 2007; Judge et. al., 2002; Ng, Ang, Chan., 2008; Zaccaro, 2007). Teorias comportamentais de liderança surgiram em resposta à predominância da Teoria dos Traços, com o argumento de que indivíduos com traços psicológicos variados têm ocupado, com sucesso, papeis de liderança, porém exibido conjuntos de comportamentos comuns (Yukul, 2006; Santana et. al., 2010). Hoje a liderança transacional e a transformacional têm sido mais estudadas, com o líder carismático recebendo considerável atenção (Judge & Picolo, 2004). A liderança transacional foca em negociar a concordância sobre comportamentos esperados dos subordinados usando a lógica da troca econômica. Os comportamentos do líder transformacional são emocionais, ideológicos e carregados de identidade. Eles contêm quatro premissas: influência idealizada; motivação inspiradora; estímulo intelectual e consideração individual (Bass, 1985). A proposta contingencial à liderança tende a integrar uma ou duas das teorias citadas (Traços e Comportamental). O argumento básico é que o contexto em que a liderança é praticada media ou determina os impactos de traços ou comportamentos diferentes. As Teorias Contingenciais dominantes se desenvolveram durante a segunda metade do século XX e abordaram, em sua maioria, a oposição tarefas versus relacionamentos no que remete ao comportamento dos líderes. Entre os trabalhos mais influentes estão os de Hersey e Blanchard (1966), Fiedler (1964), House e Mitchell (1974), Vroom e Yetton (1973) e House e colaboradores (vide Ashkanasy & Roberts, 2001; Grachev & Bobina, 2006; House et. al., 2007; Javidan & Carl, 2005; Muczyk & Holt, 2008) e mais recentemente os de Keith Grint (2005). A pesquisa quantitativa no Brasil tende a validar instrumentos ou teorias com poucas adaptações para o país ou a relacionar o estilo de liderança a variáveis como atuação do empregado, comprometimento e similares (Abade & Brenner, 2009; Fonseca, Porto & Barros, 2012; Gimenez & Inácio, 2006; Sant’Anna, Paschoal & Gosendo, 2012; Oliveira, Sant’Anna & Vaz, 2010). Estudos qualitativos e ensaios brasileiros sobre liderança são mais críticos e 3

aprofundados culturalmente (Sant’anna, et. al., 2010; Carvalho, 2010; Carvalho, Tanure, Santos & Lima, 2012; Davel & Machado, 2001; Oliveira et. al., 2020), mas se limitam a exercícios teóricos ou casos de ensino. Em todas essas vertentes há ausência de relação entre atributos de seguidores e sua distribuição em relação aos dos líderes. Hersey e Blanchard (1996) consideram a relação entre maturidade média dos seguidores e o comportamento dos líderes, porém não cogitam a possibilidade (que estes pesquisadores julgam bastante provável) de que o líder pode encontrar vários níveis de maturidade no mesmo grupo de subordinatos. As teorias de Fiedler (1964) e House e associados (House et. al., 2007) são similares nesse sentido. Da mesma forma, apesar de o trabalho pioneiro de James M. Burns (1978), precursor das abordagens transacionais e transformacionais, enfatizar a interação entre valores do líder e de seus seguidores, estudos atuais desconsideram a relação entre valores dos seguidores e do líder (Judge & Picollo, 2004; Judge et. al., 2012). O objetivo aqui é começar, de forma modesta, a indagar sobre a relação entre valores de líderes e liderados em contextos contrastantes por meio de um levantamento da distribuição de valores de líderes formais e de seus seguidores nos setores tradicionais de organizações brasileiras e em uma empresa de Venda Direta. 2.1. Venda Direta como Contexto para a Liderança Considerada o método de distribuição comercial mais antigo já conhecido pela humanidade, a VD surgiu antes de 1840 com vendedores ambulantes que viajavam longas distâncias comercializando produtos variados (Biggart, 1989; Peterson, Wotruba, 1996), como louças, ferramentas, chá e óleos corporais. A ideia de posicionar os vendedores como empreendedores autônomos, na década de 1930, economizou milhões às empresas de VD. Elas deixaram claro a seus distribuidores que eles não eram empregados e que pagariam todos os custos do negócio, incluindo transporte, compra de amostras e materiais promocionais. Não é um produto ou serviço comum que caracteriza a VD; mas a estratégia que utiliza nas vendas, realizadas por vendedores autônomos em vez de empregados. Ela pode ser definida como a venda face a face de produtos ou serviços, que conta com demonstrações e explicações e que não acontece em estabelecimento comercial de localização fixa (Biggart, 1989; Peterson, Wotruba, 1996; WFDSA, 2012; Seldia, 2014). Apesar da racionalidade econômica (economic rationality) prevalecer nas organizações capitalistas, a racionalidade de valores (value rationalty) permeia e constrói os ambientes organizacionais, principalmente em empresas de VD. Imbuídos de alto conteúdo moral e social, esses valores refletem duas ideias que dão sentido ao trabalho de seus membros: 1) crença no empreendedorismo e na meritocracia: “sou tão bom quanto meu trabalho indica” e 2) crença no poder transformador dos produtos: os produtos são creditados como diferenciados, exclusivos, potentes ‘transformadores’ (Biggart, 1989). As relações são tão pessoais e informais que é frequente um dirigente de setor saber detalhes da vida pessoal de membros da sua equipe. A competição entre vendedores também é desencorajada em prol do companheirismo e da ajuda mútua, ideias que os líderes apoiam e socializam. O presidente é normalmente figura central na socialização de novos membros e fidelização dos antigos. Geralmente com perfil carismático e informal, desempenha os papéis de pai (ou mãe), líder, empreendedor e herói, o que atrai milhares de “devotas” que o apoiam, fortalecendo a cultura organizacional (Biggart, 1989). Vendedoras podem facilmente ser líderes de equipe, na medida em que tragam conhecidos para revender os produtos. A própria oportunidade de trabalhar com VD não está 4

restrita a um perfil específico de pessoa, a chamada política “de portas abertas”. Raramente membros são recrutados tendo como critérios experiência, conhecimento técnico, habilidades prévias ou personalidade. É interessante que uma organização tão ‘frouxa’ (poucos gerentes e poucas regras) consiga ser extremamente organizada e lucrativa (Biggart, 1989). Prova dessa lucratividade foram as mais de 3,1 milhões de oportunidades de trabalho criadas no Brasil em 2012 com a VD, enquanto a indústria abriu 74,1 mil vagas e a franquia, 153 mil (Abihpec, 2013). São 89,7 milhões de indivíduos que trabalham com o segmento no mundo, com faturamento de US$ 166 bilhões em 2012. Mulheres casadas, com três ou mais pessoas vivendo na mesma casa, compõem 75% dos vendedores (WFDSA, 2012, 2014). O Brasil possui 6,68 milhões de pessoas cujas vendas ultrapassaram US$ 14 bilhões em 2012. Os cosméticos são a categoria de produtos mais comercializada. Em 2012, representou 35% do total de produtos vendidos no mundo; crescendo 5% em relação a 2011. No Brasil, 83% das 6,7 milhões de pessoas que atuam com VD vendem cosméticos (WFDSA, 2012). 2.1.1. Breve perfil da Pierre Alexander Cosméticos Fundada em 1981, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, pelo empresário (falecido) Luis Felipe Osório, a Pierre Alexander (PA) é uma empresa cosmética 100% brasileira que trabalha, desde a criação, pelo sistema de VD. Com 238 produtos no portfólio, que abrangem perfumaria, tratamento, maquiagem, entre outros, foi pioneira em fabricar e comercializar o desodorante em creme no Brasil, lançado há mais de 25 anos (Lucchi, Barros, 2013). Com sede em Cajamar, São Paulo, desde novembro de 2008 está sob o comando do engenheiro químico, ex-presidente da OX Cosméticos e ex-diretor de Operações da Natura Márcio Raimy Mansur. Hoje possui 17.747 consultoras (vendedoras), coordenadas por 161 Executivas de Vendas no país. Elas motivam, orientam e treinam a equipe de vendas em reuniões a cada 21 dias (documento interno). Seguindo modelos de Peterson, Wotruba (1996); Brodie, Stanwoth, Wotruba (2002); Young, Albaum (2003) para empresas de VD, a PA possui a seguinte caracterização: 1) vendedores autônomos (sem vínculo empregatício); 2) que trabalham em tempo integral ou parcial; 3) realizam vendas em locais neutros, como a casa do comprador, shoppings e igrejas; 4) orientação da venda voltada para o cultivo de relacionamentos duráveis; 5) estrutura single level, em que consultores somente vendem e lucram sobre os próprios esforços, não sendo responsáveis por recrutar, treinar e supervisionar outros consultores; 6) consultores também são consumidores dos produtos que vendem; 7) alguns consultores trabalham com a encomenda pré-datada de produtos, enquanto outros preferem ter um pequeno estoque para oferecer pronta-entrega; 8) pagamento do pedido (de produtos PA) feito pelos consultores é realizado 21 dias após o recebimento dos mesmos na residência (informação verbal). 2.2. Justificativa e Contribuições deste Estudo Os estudos GLOBE e os de Hofstede (1980), que os precedem, enviaram questionários aos respondentes com perguntas gerais sobre o que é desejável ou valioso. Frases genéricas como “Um líder deve impor respeito” ou “Subordinados não devem desafiar seu chefe” foram utilizadas. Esse tipo de questão é útil para identificar valores da sociedade ou comportamentos de liderança desejados, mas não identificam o que os respondentes valorizam individualmente. Considerando que líderes, por função e personalidade, frequentemente se destacam de outros em seu entorno, é de considerável importância estudar o relacionamento entre a responsabilidade da liderança e os valores dos indivíduos. Em paralelo, a ênfase nos valores individuais em detrimento de dimensões da personalidade (visto que essa varia mais segundo a 5

genética e menos por influência da cultura do que os valores pessoais - vide Roccas et. al., 2007) permite examinar melhor a variação de dimensões pessoais. Estudos sobre liderança focam em diferenças entre países, negligenciando diferenças dentro desses países (Tsui et. al., 2007; Smith et. al., 1996). Além dos estudos GLOBE, outras pesquisas clássicas seguem esse padrão: Hofstede (1980), ao analisar empregados da IBM em 40 países; Schwarz, com a investigação de valores de estudantes e professores em escolas, e Hampden-Turner e Trompenarrs (1993), que pesquisaram valores de trabalhadores e enfatizaram as diferenças nas médias estatísticas encontradas entre países sem considerar possíveis diferenças de valores dentro desses países (Schwarz, 1999; Schwarz & Bardi, 2001). A amostra desta pesquisa compara setores organizacionais relevantes em nível nacional, como mostrado no tópico anterior, além de contemplar perfis distintos de trabalhadores no que se refere a líderes e subordinados, englobando tanto funcionários com alto grau de escolaridade (nível superior) que atuam em grandes organizações capitalistas privadas, dos quais considerável proporção possui subordinados diretos, quanto pessoas, em sua maioria, com nível educacional primário e secundário, que atuam como trabalhadores autônomos no setor de VD. Dessa forma, foi possível examinar diferenças nos valores de profissionais que alcançaram posições formais de liderança versus daqueles que não as possuem. Uma preocupação secundária, porém não menos importante, é o grau em que clusters de valores pessoais possuídos por profissionais nessas empresas são similares entre si em tamanho e configuração. O grau em que os valores pessoais varia entre membros de uma mesma empresa pode impactar o nível de sucesso da implementação de práticas gerenciais internas, bem como a variação entre organizações pode refletir a necessidade de adoção de novas práticas gerenciais. Existem três avanços no conjunto de dados aqui apresentado: 1) o foco está nos valores pessoais e não coletivos; 2) o relacionamento entre valores pessoais e posições de liderança formal é investigado no interior de organizações de setores e perfis nacionalmente relevantes em características e faturamento, e comparado entre elas; 3) o estudo da variância de valores pessoais no interior e entre empresas é feito por meio da técnica de análise de clusters. 3. Métodos e Técnicas de Pesquisa O questionário fechado denominado PVP, de autoria de Nelson (2006; Nelson & Loureiro, 1996) foi utilizado para coletar dados sobre valores pessoais de 575 profissionais no Brasil, sendo 183 funcionários de grandes organizações capitalistas, localizadas, predominantemente, no Sudeste e Sul do Brasil, e 392 trabalhadores da empresa de VD Pierre Alexander Cosméticos, inclusos membros de todas as hierarquias: Presidência, Representantes Divisionais, Gerentes de Vendas, Executivas, consultoras (vendedoras), Administrativo e Operacional. Apesar de as amostras não serem aleatórias, houve cuidado em incluir profissionais de organizações de tamanhos e tipos comparáveis. Quando as distribuições são normais e as variâncias não são grandes, análise de variância, regressão linear ou outra variante dessas técnicas funcionam de forma admirável. Se o pesquisador está interessado na variação no interior das amostras, esses modelos não são úteis. No caso dos valores pessoais e da liderança entre empresas, não há precedentes teóricos que sugerem quanta dispersão ou quantos tipos de configurações de valores existem, então modelos apoiados por relacionamentos a priori não são a melhor escolha. A análise de clusters é o ponto de partida mais lógico (Kerlinger & Lee, 2000). 3.1. Instrumento de Obtenção de Dados: o Questionário PVP 6

O PVP (Perfil de Valores Pessoais), junto ao PVA (Perfil de Valores Agregados), fazem parte da metodologia C-VAT (Culture and Values Analysis Tool), de autoria de Nelson (2006; Nelson & Loureiro, 1996), que usa as mesmas variáveis para medir valores pessoais, valores organizacionais percebidos e valores organizacionais desejados (esta pesquisa questionou os respondentes sobre valores pessoais, utilizando somente o PVP). Como em estudos clássicos de liderança, o PVP contém um quadrante de ‘Tarefa’ ou ‘Trabalho’ e um quadrante de ‘Relações’ ou ‘Preocupação com as Pessoas’. Dois outros quadrantes, ‘Controle’ e ‘Pensamento’, são menos dependentes do estilo da administração clássica americana e foram incluídos após extensa pesquisa nas literaturas antropológica e sociológica (vide Nelson, 1996, 1997, 2011; Nelson & Gopalan, 2003). Em cada um dos quarto quadrantes, quarto subdimensões (ou subtemas) são propostas, num total de 16 subdimensões. As quatro de ‘Trabalho’ são: esforço (trabalho árduo); tempo (velocidade, prazo); terminar tarefa e qualidade do trabalho. O quadrante ‘Relações’ contém as subdimensões: afeto; empatia; sociabilidade (ou orientação para o grupo) e lealdade. O quadrante ‘Controle’ contém: dominância; status; politicagem e liderança. No quadrante ‘Pensamento’ estão: abstração; planejamento/organização; exposição e flexibilidade (tolerância a riscos). O PVP objetiva mensurar suas 16 dimensões hierarquizando 20 conjuntos de quatro frases como: “Eu trabalho arduamente”; “Eu sou leal”; “Eu gosto das incertezas da vida” e “Eu sou pontual”. Ao forçar o respondente a assinalar primeiro, segundo, terceiro e quarto lugar para cada alternativa, cada uma das 16 subdimensões aparece em um ranking com cada uma das outras subdimensões uma única vez. O vetor resultante possui soma de 200 e cada dimensão recebe cinco rankings que variam de 1 a 4, gerando escalas que variam de 5 a 20. Confiabilidade e validade de estudos usando PVP e PVA são encontradas em Loureiro e Nelson, 1996; Nelson et. al., 2010; Nelson, 1997, 2011; Nelson e Gopalan, 2003; Nelson, Vance e Bass, 2009. 3.2. Estratégia de Análise de Dados: o Uso de Clusters De maneira a capturar as dinâmicas de variância em dada situação, técnicas como a análise de clusters são mais reveladoras, pois buscam descrever regularidades entre variáveis enquanto identificam conglomerados, clusters ou regularidades - se os atores no interior da amostra detêm percepções semelhantes (Carvalho & Vergara, 2002). Não há pressuposições sobre a igualdade ou o grau de variância no sistema, sendo mapeados padrões de variância dentro da amostra. Dada a natureza exploratória e prática deste estudo e a ausência de um guia teórico claro para a formulação de hipóteses formais, é preferível identificar os contornos subjacentes dos dados obtidos e interpretar regularidades post hoc do que confiar em sólidos pressupostos inferenciais e estatísticos requeridos por técnicas que envolvem a identificação de variáveis dependentes e independentes e suas associações causais (Carvalho & Vergara, 2002; Glaser & Strauss, 1964; Kerlinger & Lee, 2000). Aplicando a análise de cluster em cada uma das duas amostras de organizações brasileiras (empresas capitalistas versus empresa de VD), foi possível verificar se os perfis de valores que existem em diferentes empresas são maiores ou menores e se seguem configurações semelhantes ou diversas. Isso resulta em uma descrição muito mais rica do que a análise padrão de variância ou modelos lineares permitiriam. Técnicas exploratórias são indicadas se mais de um perfil de valores pode estar associado à liderança. Assim, os resultados desta pesquisa foram agrupados em oito clusters comparáveis entre si (quatro clusters para as empresas capitalistas e quatro para a empresa de VD). Mesmo sabendo que a escolha é arbitrária, ela foi mantida tendo em vista a experiência dos pesquisadores no uso 7

da técnica para a temática deste artigo. Objetiva-se obter uma ideia da distribuição de configurações de valores pessoais, após considerar a distribuição das funções gerenciais entre clusters. Esse processo fornece uma ideia do ambiente social em que a liderança é exercida e a relativa distribuição das orientações de valores no interior e entre empresas. 4. Apresentação de Resultados Notou-se que, dentre os quatro clusters da amostra de empresas capitalistas (Tabela 1), há um cluster pequeno - o menor deles - com 15,8% dos respondentes (cluster 3) . Ao estudá-lo, nota-se que, para três (de quatro) dimensões ligadas ao quadrante Trabalho, o cluster 3 tem a menor média. Para as dimensões ‘liderança’, ‘flexibilidade’ e ‘abstração’, possui a mais alta média. No quadrante Relações, tem altas médias em ‘empatia’ e ‘lealdade’. Esse cluster é o único, nas empresas capitalistas, que contém maioria de gerentes: 22 de 29. De forma análoga, contém a mais larga proporção de gerentes: 52% de todos os gerentes na amostragem brasileira. Há um segundo cluster que contém número substancial de gerentes, mas que não alcança as altas proporções do “cluster gerencial”. O cluster 1 contém 45 membros, dos quais 12 são gerentes. Comparados aos dois clusters restantes, o “cluster gerencial” e o cluster secundário são dominantes. Na amostra de empresas capitalistas industriais, o “cluster gerencial” apresenta valores que nenhum outro grupo apoia e, comparado a subordinados, padrões gerais de valores com alta diversidade. O cluster 2, com 39% dos respondentes, é mais alto do que o cluster gerencial (cluster 3) nas quarto subdimensões do quadrante Trabalho, nas quatro de Relações e mais baixo nas quatro de Pensamento. Considerem-se os cluster centroides da dimensão ‘flexibilidade’ e o negrito para os clusters gerenciais. Para as empresas industriais, os centroides são: 11.53, 10.41, 13.45 e 13.25. Se for rodada uma ANOVA simples de ‘flexibilidade’ para a posição gerencial, encontra-se forte distinção entre gerentes e não-gerentes. Na amostra de empresas capitalistas industriais há um cluster contendo 27% da população com média para ‘flexibilidade’ idêntica a do cluster gerencial; esse grupo é baixo em ‘liderança’ e contém poucos (5 de 44) gerentes. Como outro exemplo, considere os centroides de ‘lealdade’ para as empresas industriais (13.33, 16.62, 15.36, 14.95). A média para o cluster gerencial está indicada em negrito. Os gerentes brasileiros estão presentes em dois clusters de colegas, abrangendo 66% da população (39+27), que valoriza ‘lealdade’ tanto quanto o cluster gerencial. Os centroides da amostra de organizações capitalistas industriais podem ser visualizados na Tabela 1. Tabela 1: Cluster centroides em amostra de empresas capitalistas industriais. Clusters centroides - empresas industriais Dimensões

1

2

3

4

Esforço

16.20

15.03

10.09

16.80

Rapidez

13.87

14.86

8.55

11.40

Concluir tarefa

10.47

13.07

10.73

13.85

Qualidade

16.13

15.59

13.82

16.00

Afeto

9.87

13.03

9.09

8.20

Empatia

10.20

14.66

13.09

11.65

Sociabilidade

13.40

14.72

16.00

13.30

8

Lealdade

13.33

16.62

15.36

14.95

Domínio

13.47

11.79

12.18

12.40

Status

10.53

9.38

8.35

8.85

Politicagem

12.07

9.83

13.16

9.70

Liderança

15.53

10.83

16.00

11.65

Abstração

8.80

9.45

12.82

12.40

Planejamento

14.07

10.90

14.45

13.95

Comunicação

10.53

9.83

12.73

11.65

Flexibilidade

11.53

10.41

13.45

13.25

45

65

29

42

24,5%

35,5%

15,8%

22,9%

Membros Porcentagem Gerentes

12

3

22

5

Não-gerentes

33

62

7

39

Nota. Fonte: elaborado pelos autores (2014).

Nas duas amostras (empresas industriais e na PA), o cluster 2 é o maior dos quatro grupos e enfatiza os quadrantes Trabalho e Relações, enquanto Controle e Pensamento recebem baixas pontuações. No caso dos profissionais de organizações capitalistas no Brasil, no quadrante Trabalho tem-se: ‘esforço’ (15,03), ‘rapidez’ (14,86), ‘terminar tarefa’ (13,07) e ‘qualidade’ (15,59), enquanto na PA as pontuações para as mesmas dimensões são: 15,48; 12,78; 12,31 e 14,52; um pouquinho menos em ‘rapidez’ e ‘qualidade’ do que os capitalistas. Em Relações, as pontuações na amostra de organizações industriais são: ‘afeto’ (13,03), ‘empatia’ (14,66), ‘sociabilidade’ (14,72) e ‘lealdade’ (16,62), enquanto na PA, são: 15,22; 15,87; 14,68 e 17,12; ligeiramente maiores. Nas áreas de Controle e Pensamento, os números do cluster 2 nas duas amostras caem vertiginosamente. Em Controle, nas organizações capitalistas, tem-se: 11,79 (‘dominância’); 9,38 (status); 9,83 (‘politicagem’) e 10,83 (‘liderança’) e na PA: 11,78; 10,27; 10,87; 10,37. Em Pensamento, para as organizações capitalistas são: 9,45 (‘abstração’), 10,90 (‘planejamento/organização’), 9,83 (‘exposição’) e 10,41 (‘flexibilidade’) e para a PA, 10,6; 10,28; 8,61 e 9,76, respectivamente. Nesses quadrantes, há pessoas de perfis bem parecidos. A diferença é que, na amostragem de organizações capitalistas, o cluster 2 contém 35,5% da amostra total enquanto na PA é quase 10% maior; 44%. Assim, uma característica central da população nos clusters 2 pode ser resumida nas frases: “Nós trabalhamos e nos relacionamos. No resto não mexemos”. Na amostragem de empresas capitalistas, quase ninguém no cluster 2 é gerente (3 entre 65 membros ou 4,6%), percentual bem pequeno. Na PA, eles são 41 pessoas, 23,7% do cluster e 10,4% da amostra! O presidente da PA, diferente de estudos anteriores sobre liderança e valores pessoais, encontra-se no cluster 2, em que há mais não-gerentes (69,3%), o que indica uma liderança relacional, informal e afetiva. Este cluster é forte em apenas uma dimensão de Trabalho (‘esforço’), mas alto nas quatro dimensões de Relações. A ênfase no quadrante Relações, assim como ocorre no cluster não-gerencial (cluster 2) da amostra de empresas industriais dá a ambos a característica de “clusters relacionais”. Ao analisar os outros clusters, as diferenças entre as duas amostras são bem maiores. Os clusters são de tamanhos diferentes e seus atributos são mais diversos. O cluster 3, na PA, que corresponde ao cluster 3 na amostra geral de organizações brasileiras, é relativamente alto, 9

quando comparado com seus pares, em ‘abstração’ (14,57 PA e 12,82). Eles também são bons planejadores (14,45 PA e 11,43). Em ‘comunicação’, a média é 12,73 na amostragem geral e na PA é 15,57, o mais alto dos seus pares. No caso da ‘flexibilidade’ é 13,33 na PA e 13,45. Na PA não há muita organização, prevalecendo a comunicação mais do que qualquer outro critério, e a nota em flexibilidade é quase 14, bem alta. Em termos de trabalho, os dois clusters 3 estão bem parecidos, mas o grupo das organizações capitalistas não está muito empenhado em ‘tempo’ (8,55). A ‘qualidade’, porém, é mais alta (13,82) do que na PA (10,53). Na área afetiva são razoavelmente parecidos. Na amostragem geral, a ‘lealdade’ é alta (15,36), mas para a PA, especificamente neste cluster, é bem baixa (10,97). O interessante dos clusters 3 é que guardam similaridades, porém diferem em tamanho: nas organizações capitalistas se refere a 35% da amostra enquanto na PA é apenas 7% e é aí que está a diferença principal: o cluster 3, na amostragem geral, contém esmagadora maioria (22 de 29) de gerentes, ao passo que na PA, os quatro clusters contêm média de 30% dos gerentes cada um. Na PA, o cluster 4 concentra o maior número de gerentes (44%). Os gerentes são aqui representados pelas Executivas de Vendas, cargo responsável pela coordenação das consultoras (vendedoras), denominadas aqui de não-gerentes. No caso da amostragem geral, a maior parte dessas pessoas não é gerente (apenas 5 de 44 ou 11%). Há uma mudança bastante drástica nesse ponto. Na PA, os líderes não estão concentrados em um único cluster, encontrando-se mais distribuídos entre eles. Há preponderância apenas no cluster 4. O quarto cluster das duas amostragens é parecido, mas ainda tem diferenças. ‘Qualidade’ é bem mais alta na amostragem geral capitalista (16) do que na PA (13,77). Na área afetiva, são parecidos: baixos em ‘afeto’ (9,85 PA e 8,20) e ‘empatia’ (11,94 PA e 11,65), mas relativamente altos em ‘sociabilidade’ (15,62 PA e 13,30) e ‘lealdade’ (14 PA e 14,95), porém baixos na área de Controle. Não há muita ‘liderança’ na amostragem geral (11,65), mas na PA, o cluster 4 tem uma nota de liderança bem mais alta (13,44), além de ser alto em ‘abstração’ (11,51), ‘planejamento/organização’ (13,01) e ‘flexibilidade’ (13,23). Finalmente, o cluster 1 das duas amostras é parecido, mas possui diferenças reveladoras. O cluster 1 da PA contém a segunda maior proporção de gerentes (26,2% do cluster e 23,4% do total) e valoriza três dimensões de Trabalho, uma de Relações e uma de Pensamento. ‘Afeto’ é baixo no cluster 1 para a amostragem geral (9,87) e um pouco mais alto para a PA (11,17). ‘Sociabilidade’ é alta no cluster geral (13,40), mas não muito na PA (11,43). Na área de Controle, ‘liderança’ para a amostragem geral é 15,53, ao passo que na PA é 11,78. Vê-se novamente que a distribuição da liderança na PA está em configurações bastante diferentes quando comparada à amostragem geral. ‘Planejamento/organização’ no cluster 1 da amostra geral é 14,07 e na PA é 13,67, o que mostra boa organização (da PA) no cluster 1. O primeiro cluster, de forma geral, contém pessoas que, na amostragem geral, gostam de liderança, têm certa necessidade de dominar e são bem organizadas, mas não têm a flexibilidade do cluster 3. Na PA, a necessidade de liderar é menos forte do que a de organizar as coisas e há certo grau de dominância, apesar de não haver preponderância de líderes formais, mesmo sendo o segundo maior cluster da amostra. Os centroides da PA podem ser visualizados na Tabela 2. Tabela 2: Cluster centroides em amostra da Pierre Alexander Cosméticos. Clusters - Pierre Alexander Dimensões

1

2

3

4

10

Esforço

17.49

15.48

10.17

15.59

Rapidez

15.61

12.78

11.27

12.43

Concluir tarefa

13.49

12.31

11.53

12.63

Qualidade

15.13

14.52

10.53

13.77

Afeto

11.17

15.22

12.93

9.85

Empatia

11.29

15.87

12.30

11.94

Sociabilidade

11.43

14.68

12.90

15.62

Lealdade

14.61

17.12

10.97

14.00

Domínio

12.52

11.78

12.17

11.19

Status

10.80

10.27

13.30

9.70

Politicagem

11.97

10.87

13.40

11.44

Liderança

11.78

10.37

13.57

13.44

Abstração

9.80

10.06

14.57

11.51

Planejamento

13.67

10.28

11.43

13.01

Comunicação

9.09

8.61

15.57

10.65

Flexibilidade

10.13

9.76

13.33

13.23

103

173

30

86

26,3%

44,1%

7,7%

21,9%

Gerentes

27

41

9

38

Não-gerentes

71

120

20

30

Membros Porcentagem

Nota. Fonte: elaborado pelos autores (2014).

4.1. Limites e Conclusões deste Estudo A visão da liderança, um território econômico e social importante, é construída aqui a partir do olhar de profissionais de vários ramos de atuação, níveis hierárquicos e graus de escolaridade. É possível que o tamanho dos clusters e os níveis de certas variáveis fossem diferentes se representantes do setor público e de ONGs estivessem entre os respondentes. É igualmente provável que, por causa da variação na distância de poder e outras diferenças culturais entre as empresas estudadas, as dinâmicas dos clusters identificados variariam muito mais se uma amostragem maior (ou mais diferenciada) tivesse sido utilizada. Mesmo que pareça claro que aqueles que ocupam posição de comando e possuam subordinados diretos, por definição, exerçam liderança de algum tipo, essa liderança “emergente” (Kaiser, 2008) não precisa ser nem efetiva nem homogênea (Duskrat & Wheeler, 2003; Kotter, 1990; Santana, 2010). Também não podem ser feitas afirmações que relacionem o perfil de valores pessoais dos gerentes à eficácia organizacional. Na empresa de VD, a maioria dos membros está concentrada em dois clusters (70%) que possuem alguma distribuição de liderança, mas nenhuma leva vantagem nesse quesito, o que indica que, nesse ramo, o indivíduo se torna líder sem que seus perfis pessoal e profissional se destaquem tanto do restante da população, o que abre maior espaço para que pessoas com atributos comuns (clusters 1 e 2) exerçam a liderança formal na PA. Ainda assim, existe um cluster em que há mais membros ocupando posições formais de comando (cluster 4), diferente da amostragem geral (cluster 3). O cluster 3, em ambas as amostras, é o menor. São bastante semelhantes, mas o cluster 3 na PA é muito menor e não contém preponderância de líderes, característica presente no cluster 4, enquanto esse, na amostra geral, contém poucos líderes. 11

Assim, pode-se supor que o caminho para a liderança na PA passa menos por liderança, organização e flexibilidade e mais pelo foco no trabalho e em relacionamentos bons e duráveis. Essa constatação pode ser comprovada pelo fato de o presidente da PA estar no cluster 2, em que há maioria de não-gerentes (consultoras), tendência bastante diversa de estudos anteriores sobre valores pessoais e liderança. Compreende-se que a Venda Direta é mais democrática em termos da habilidade para absorver pessoas “normais” na estrutura de liderança. Razão possível: menor necessidade de coordenação, menor diferenciação de funções (todos estão fazendo coisas semelhantes) e o fato de a organização estar orientada para o marketing (vendas). De forma geral, a distinção de um perfil gerencial/de liderança perpassa por características setoriais e valorativas. Organizações capitalistas industriais tradicionais empregam grande contingente de mão de obra masculina, enfatizam a produtividade, a liderança transacional (focada em dimensões como ‘abstração’, ‘planejamento’ e ‘flexibilidade’) e a racionalidade econômica. Empresas de Venda Direta, antigas, femininas e extremamente lucrativas, enfatizam os relacionamentos e as redes de contato, a liderança transformacional (carismática, informal, acolhedora e focada em dimensões como ‘afeto’, ‘sociabilidade’ e ‘lealdade’) e a racionalidade valorativa. A liderança no setor de VD não segue o perfil do líder racional e distante da força de trabalho. Ela é conhecida, faz-se próxima e exerce um controle sutil, de reforços positivos e recompensas, dando ao trabalhador a sensação de que é uma pessoa única, especial, que será reconhecida e terá sucesso se trabalhar com disciplina e honestidade. Ao analisar a distribuição de valores pessoais e sua associação com a liderança formal em dois contextos contrastantes, este estudo sugere possíveis novas linhas de indagação para o estudo da liderança. No contexto da VD, o acesso a posições formais de liderança permite maior diversidade de valores. Isso é demonstrado pela análise do cluster que abriga preponderância de líderes formais, cujo perfil é diferente do cluster na amostragem geral, que abriga a maioria dos gerentes, enfatizando mais trabalho e menos abstração. Na empresa de VD, observa-se distância menor de valores entre líder e liderados, assim como maior homogeneidade de valores, visto haver um cluster preponderante (maior) e clusters divergentes menores do que na amostragem geral. Esses resultados sugerem que a variação de valores pessoais de um setor econômico para outro tem implicações importantes para a ascensão a posições de liderança e no que se refere às relações com seus subordinados. Referências Andrade, D. E. J. (2006). Escrita da História e Política no Século XIX: Yhomas Carlyle e o Culto aos Heróis. História e Perspectiva (35), 211-246. Ashkanasy, N. M., Roberts, E. T. (2010). Leadership in Australia: Results from the GLOBE Study. International Journal of Organizational Behavior (2), 37-44. Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC). Panorama do Setor. São Paulo, Brasil, 2013. Disponível em: . Acesso em: 7 mar. 2014. Bass, B. M. (1985). Leadership and performance. Nova Iorque: Free Press. Biggart, N. W. (1989). Charismatic Capitalism: Direct Selling Organizations in America. Londres: University of Chicago Press, 223 p. 12

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