Limitações e reflexões sobre as fontes nativas da Mesoamérica e Andes Centrais

June 3, 2017 | Autor: Dianaluz Correa | Categoria: History, Latin American Studies, Fontes, Pueblos indígenas
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RESUMO: Da Mesoamérica e dos Andes Centrais, procede uma imensa quantidade de fontes históricas e arqueológicas produzidas pelas populações ameríndias, sejam do período pré-hispânico ou do início do período colonial. Apesar dos diversos problemas de entendimento e interpretação, essas fontes nativas – especialmente as que contém representações escritas ou iconográficas – têm desempenhado papéis fundamentais nos estudos históricos e arqueológicos sobre o período préhispânico dessas duas macrorregiões. Baseando-se nas aulas expositivas, seminários e textos da disciplina “História da América Pré-Hispânica” (FLH 0429, 2º semestre de 2011, professor Eduardo Natalino dos Santos), que utilizou principalmente os textos de Miguel León Portilla, Yukitaka Inoue Okubo, John Murra e Maria Rostworowski de Diez Canseco, a reflexão vai apontar os principais problemas relacionados ao entendimento e interpretação dos diversos tipos de fontes nativas e apresentar propostas para superação desses problemas.

Limitações e reflexões sobre as fontes nativas da Mesoamérica e Andes Centrais CORRÊA, Dianaluz C. L.1 As fontes produzidas na América pré-hispânica possuem diversas particularidades – diversos suportes – e podem ser consideradas em seus diversos aspectos. Muitos relatos estão concentrados no período após a chegada dos espanhóis, as fontes que remetem aos períodos anteriores ao Império Inca estão concentradas na arqueologia, John Murra aponta os vestígios cerâmicos e os aspectos decorativos da arte andina. Com a chegada dos espanhóis, o “tipo” da documentação vai se alterar, prevalecendo narrativas dos que “estiveram lá” – relatos de europeus, viajantes e colonizadores e também dos ameríndios, em menor escala. Sobre as fontes indígenas, há diversas controvérsias a serem consideradas, como coloca Okubo, a própria palavra “indígena”, há de ser discutida, tendo em vista o seu grau de generalização e homogeneidade na medida em que uniformiza e desconsidera a diversidade de etnias e de interesses envolvidos nos acontecimentos relatados nas fontes. Os indígenas viventes no território do “novo

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Dianaluz da Costa Leme Corrêa é Bacharel em História, formada pela Universidade de São Paulo.

mundo” não se compreendiam como uma “alteridade”, esta comparação vai ser posterior à chegada dos espanhóis, mas isso não quer dizer que não reconheciam as diferenças sociais de classe, por isso é necessário estar atento à interpretação rasa de que estes povos eram reivindicadores de uma identidade comum, ou que reconheciam igualdade entre si em oposição ao espanhol. As fontes acerca da América Pré-Hispânica são cheias de lacunas: com falhas nos relatos, ausência de documentação, mas registram pontos que podem ser observados apesar desta falta, como por exemplo John Murra aponta o caso das danças folclóricas que ainda hoje são praticadas e renovam o encontro dos incas com os soldados europeus. O autor lamenta a ausência de maiores registros e entende que estas fontes orais não recuperariam uma tradição dinástica de 450 anos. No entanto, estas fontes orais podem dizer muito da história que ainda está oculta aos olhos dos estudiosos. a consideração destes relatos, bem como de outros relatos , seria um avanço no pensamento destes estudos, mas também” ultrapassa a barreira ideológica que reveste pela dicotomia entre história e mito”. Esta consideração de J. Murra sobre a deficiência de documentação é repensada por Diez Canseco Rostworowski, que coloca um universo de fontes muito maior do que apenas os relatos escritos – insere possibilidades as canções que narravam a história das famílias, as pinturas que recordavam os monarcas e os curacas, os tecidos decorados, códices, ilustrações, que representavam eventos políticos, a vida dos Incas e até a tomada espanhola. Rostworowski fala também sobre os quipos, possivelmente artefatos de contabilidade, que, dizem, poderiam ser também narrativos. A análise das fontes, segundo a autora, não se pode pensar num sentido histórico dos acontecimentos, a veracidade e a cronologia não são relevantes e os fatos são relatados de acordo com as exigências do momento – existindo omissões e alterações nos cantos, narrativas, pinturas, quipos, etc, pois, se determinado trecho não agradasse, poderia ser suprimido. Desta maneira, é necessário ter em mente o período a que as fontes se referem, se antes ou depois da colonização, as circunstâncias na sua produção interferem evidentemente sob o ponto de vista material e iconográfico – como por exemplo os materiais e pigmentos disponíveis no mercado no momento, os tipos dos desenhos, etc, pois todos acontecimentos e fatos são permeados por valores, ideias e necessidades inerentes ao seu tempo. A escrita da história praticada sob a perspectiva dos vencidos foi proposta por Miguel León Portillha, que escolheu documentos prioritariamente “indígenas” na

tentativa de construir uma história entendida não apenas através dos relatos dos espanhóis. No entanto, isso nos remete à questão de o que é ser “indígena“ neste período e como ele se diferencia do “mestiço”. As fontes mestiças têm sido consideradas de maneira também controversa, ao passo que a tentativa de categorização através de atributos biológicos não e coerente com a natureza dos relatos, tendo em vista que o mestiço poderia se identificar ou com os índios ou com o espanhol, ou com os dois. As fontes indígenas não são coisas – existem discrepâncias nos relatos – Portilla explica que isso se dá pela diversidade de origem destes relatos, distintos grupos se manifestam e entendem seu passado de diferentes maneiras – e falam sobre sua história também de acordo com seus próprios interesses. Desta forma, o autor pretende elucidar a visão simplificadora do binômio: espanhol, -índio como explorador – oprimido, haja a vista a multiplicidade de relações políticas travadas entre tais agentes históricos. Yukitaka Inoue Okubo atenta para o equívoco na identificação entre indígena – pré-hispânico – e a busca pelo elemento indígena remetendo-se ao passado, implica num aprisionamento destes povos a um específico período remoto, anterior à colonização. O índio idealizado e morto é um pensamento que paira sobre um problema político da modernidade – o reconhecimento destas culturas vivas, dos que ainda lutam pelos seus direitos, principalmente o direito à terra. Desta maneira, não se pode estar alheio às questões políticas imbricadas no estudo da história das populações que habitam a “Mesoamérica”. O tratamento das fontes não está alheio a juízos de valor, os relatos mitológicos ainda são colocados como itens decorativos, são desqualificados como fontes de pronto, sua possível validade para estudos ‘sérios’ é descartada sumariamente. A escolha das fontes já é, por si só, um ato político – o estudo de León Portilla é um exemplo claro, que evidencia seu posicionamento ao selecionar e enunciar a “visão dos vencidos”. Assim, como a escolha das fontes está carregada de intencionalidade, a análise também está – igualmente evidencia a posição quem o indígena é colocado na história até aqui. Entendê-lo como mero agente passivo da conquista” constitui uma visão negativa, carregada de idealizações, construções que pressupõe inocência e fragilidade, ou fraqueza e submissão, anuviando os processos complexos que se deram no âmbito político e social. A proposta para superar as limitações com as fontes seria não deshistoricizá-las. É necessário considerar os fatores históricos implicados nas

circunstâncias em que foram produzidas, aliando-se este trabalho também aos avanços colocados pela arqueologia. A consideração de fontes também pouco reconhecidas faria a historiografia avançar, ao passo que as formas de representação no mundo andino ultrapassam os suportes tradicionalmente analisados.

Bibliografia: LEÓN-PORTILLA, Miguel. Variedade de livros e seus distintos usos. In: Códices. Os antigos livros do Novo Mundo, p. 47-90. NAVARRETE LINARES, Federico. Las fuentes indígenas: más allá de la dicotomía entre

historia

y

mito.

Disponível

em

http://www.revistas.unam.mx/index.php/ecn/issue/view/845 MURRA, John. As sociedades andinas anteriores a 1532. In: História da América Latina: América Latina colonial, vol. I. p. 63-99. WACHTEL, Nathan. Os índios e a conquista espanhola. In: História da América Latina: América Latina colonial, I. p. 195-239. ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, María & MORRIS, Craig. The fourfold domain: Inka power and its social foundations. In: SALOMON, Frank & SCHWARTZ, Stuart (ed.). The Cambridge history of the native peoples of the Americas. Volume III. South America. Part 1. Cambridge: CUP, 1999. pp. 769-863. ROSTWOROWSKI DE DIEZ CANSECO, María. Estructuras andinas del poder. Ideología religiosa y política. 3 a . edição. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1988 (Historia Andina, 10). ______. Historia del Tahuantinsuyu. 3a . edição. Lima: Instituto de Estudios Peruanos, 1988 (Historia Andina 13). ______. “Mediciones y cómputos en el antiguo Perú”. in LECHTMAN, Heather & SOLDI, Ana María (org). La tecnología en el mundo andino. Tomo I: subsistencia y mensuración. 2 a . edição. México: UNAM, 1985, pp. 379-405 Seminário de aula: Ynstruçion del Ynga Don Diego de Castro Titu Cussi Yupanqui

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