Limites às alterações quantitativas dos contratos administrativos e as modificações imprescindíveis em projeto de engenharia

July 21, 2017 | Autor: C. Merlin Clève | Categoria: Direito Constitucional, Direito Administrativo
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LIMITES ÀS ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS E AS MODIFICAÇÕES IMPRESCINDÍVEIS EM PROJETO DE ENGENHARIA

LIMITES ÀS ALTERAÇÕES QUANTITATIVAS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS E AS MODIFICAÇÕES IMPRESCINDÍVEIS EM PROJETO DE ENGENHARIA Revista dos Tribunais | vol. 851 | p. 89 | Set / 2006 Doutrinas Essenciais de Direito Administrativo | vol. 4 | p. 959 | Nov / 2012 DTR\2006\771 Clémerson Merlin Cléve Titular de Direito Constitucional das Faculdades de Direito da UFPR e da UNIBRASIL. Área do Direito: Administrativo Sumário: - 1.A consulta - 2.O parecer - 3.Respostas aos quesitos

Ementa: Contrato celebrado sob a égide do Dec.-lei 2.300/86. Ato jurídico perfeito. Proteção constitucional. Inincidência da Lei 8.883/94. Modificações em projeto (alteração qualitativa) para atender interesse público primário. Não sujeição aos limites das alterações quantitativas. Manutenção do objeto da licitação e do contrato. Legalidade do 3.º aditivo contratual. Inexistência de hipótese de responsabilização do atual Prefeito. 1. A consulta A Prefeitura Municipal de (...), por meio do seu ilustre Procurador-Geral, consulta-nos a propósito de contrato celebrado, em 30.11.1990, com a empresa (...), em decorrência da concorrência pública (...), cujo objeto, conforme o edital, tem por finalidade a "execução de obras do acesso da BR (...) a (...) constituído de terraplenagem, pavimentação, obras de artes correntes, obras de arte especiais e obras complementares" Os quesitos apresentados são os seguintes: (i) em relação a contratos celebrados sob a égide do Dec.-lei 2.300/86, são aplicáveis os dispositivos da Lei 8.666/93? (ii) são admissíveis alterações unilaterais consistentes na modificação de projeto executivo de engenharia, sem que se altere o objeto do contrato, que ensejem a elevação do valor contratual em percentual superior a 25% (vinte e cinco por cento)? (iii) na hipótese de resposta afirmativa ao segundo quesito, apresenta-se de acordo com o ordenamento jurídico pátrio a contratação em tela, mormente no que concerne ao terceiro aditivo? (iv) a rescisão do contrato, ao revés da celebração do terceiro aditivo, é opção mais consentânea ao interesse público primário? (v) Configura-se, no caso em apreço, hipótese de responsabilização, nos moldes da Lei 8.443/92, do atual Prefeito de (...)? 2. O parecer 2.1 Do edital de licitação, da avença e aditivos celebrados 1. Em 16.04.1990, o então Prefeito do Município de (...), tornou público edital de concorrência pública, cujo objeto licitado consistia na execução de obras do acesso da rodovia federal (BR ...) à cidade. 2. Em decorrência do certame licitatório, o Município concluiu, em 30.11.1990, com a empresa (...) contrato de empreitada por preço unitário, cabendo a esta, consoante a cláusula primeira, executar as "seguintes obras e serviços: serviços preliminares, terraplenagem, drenagem, pavimentação asfáltica, serviços complementares e obras de arte, nos lotes 01, 02 e 03 do acesso da BR (...), no Página 1 bairro (...), à Rua (...), construção dos viadutos sobre o acesso e da ponte sobre o Rio (...), nos

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fundos do Posto (...)". 3. Diante do contingenciamento dos recursos federais, a execução das obras foi paralisada, por determinação do Município contratante, em diversas oportunidades, ensejando, por isso mesmo, a necessidade da celebração de aditivos contemplando a prorrogação da avença, a saber: (i) 1.º - Termo aditivo concluído em 23.07.1993 - gestão do Prefeito (...): prorrogação do contrato por período de 16 meses e 20 dias, em virtude da paralisação dos trabalhos por período de 8 (oito) meses; (ii) 2.º - Termo aditivo celebrado em 31.08.1994, com termos de retificação firmado aos 24.11.1994 e 13.12.1994 - gestão do Prefeito (...): (i) conversão do valor do contrato para URV, passando a corresponder a (...); (ii) prorrogação do contrato por período de 26 meses e 40 dias, em virtude da paralisação dos trabalhos; (iii) suspensão dos reajustes de preços até 01.04.1995; (iii) 3.º - Termo aditivo pactuado em 25.09.1995 publicado no DOU de 11.10.1995 - gestão do Prefeito (...): (i) Cláusula primeira: "Tendo em vista a necessidade da realização de serviços complementares nas obras de acesso, vindo a alterar o Quadro Demonstrativo de Quantitativos de Preços em anexo, o valor inicialmente contratado de (...) passa a ser de (...)." (ii) Cláusula segunda: "Fazem parte integrante deste termo os seguintes documentos: 1. Quadro Demonstrativo de Quantitativos e de Preços; 2. Composição de Preços Unitários Novos; 3. Ofício 613/95 da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Urbanos encaminhando ao Gabinete do Prefeito Municipal relatório técnico da alteração do projeto das obras do acesso da BR - (...) a (...); 4. Cópia de parecer do Tribunal de Contas do Estado de (...) sobre caso análogo" (iv) 4.º - Termo aditivo subscrito em 13.03.1996: "Tendo em vista a paralisação dos trabalhos no período compreendido entre 01.01.1995 a 31.10.1995, por determinação do Município, fica prorrogado o prazo contratual por mais 11 meses e vinte dias." (v) 5.º - Termo aditivo datado de 25.03.1997: "Tendo em vista a paralisação dos trabalhos no período compreendido entre 01.12.1995 a 31.10.1996, por determinação do Município, fica prorrogado o prazo contratual por mais 8 meses e vinte dias." (vi) 6.º - Termo aditivo pactuado em 13.01.1998: Prorrogação por mais 21 meses e 17 dias. (vii) 7.º - Termo aditivo celebrado em 01.10.1999 com retificação ao 01.03.2000: "Tendo em vista a paralisação dos trabalhos no período compreendido entre 01.06.1998 a 30.09.1999, por determinação do Município, fica prorrogado o prazo contratual por mais 19 meses e 17 dias." (viii) 8.º - Termo aditivo concluído em 05.09.2002: "Tendo em vista a paralisação dos trabalhos no período compreendido entre 30.12.1999 a 04.09.2002, por determinação do Município, fica prorrogado o prazo contratual por mais 16 meses e 17 dias, passando a ser o dia 22.01.2004 a data limite para a sua conclusão." (ix) 9.º - Termo aditivo firmado em 30.09.2003: Repactuação dos preços unitários do contrato primitivo e aditivos, com base na Tabela SICRO (DNIT) de maio de 2003, que gerou um crédito global ao Município de R$ (...). (x) 10.º - Termo aditivo celebrado em 13.01.2004: prorrogação do prazo contratual por mais 180 dias, sendo a data de conclusão 20.07.2004. Como se vê, por determinação do Município, na medida em que o contingenciamento de recursos federais ensejou paralisações na execução dos trabalhos, a avença foi, para responder à involuntária circunstância, prorrogada por oito vezes. 4. Ao lado das prorrogações, frise-se, em relação ao terceiro aditivo, que sua formalização foi precedida de apresentação de justificativa técnica da alteração do projeto, datada de 15.09.1995, na qual constava o seguinte (sic): "Trata-se de um projeto elaborado em junho de 1980, portanto, um projeto com defasagem de 15 anos. Nesse período, (...) não teve só um crescimento desordenado, mas podemos dizer que ocorreu uma explosão demográfica por migração de populações. (...) foi castigada por enchentes Página 2

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que além dos danos, causou sério problema de abastecimento da população em geral. Os motivos acima expostos determinaram as seguintes modificações no projeto licitado: 1. Alargamento da plataforma de terraplenagem (...) 2. Mudança de seção-tipo de pavimentação (...) 3. Inserção de um viaduto (...). 4. Construção de quatro passagens inferiores (...) 5. Inclusão do sistema viário compreendido entre a Ponte do (...) e Rua São Paulo. No projeto original ficou omisso a ligação da ponte do (...) com o sistema viário da cidade na margem direita do rio (...). (...) 6. Alteração do projeto e do processo construtivo da Ponte do (...), aumentando sua extensão de 281,50 metros para 318,23 metros. (...) 7. Elevação do dreide de terraplenagem para a cota mínima de 17,00 metros, portanto acima da cota de máxima cheia, dado da cidade não considerado no projeto original. Esta decisão foi tomada para permitir o suprimento em caso de catástrofes como as que já ocorreram, além de garantir uma maior vida útil do pavimento, mantendo-o acima dos níveis das enchentes. A alteração do projeto implicou, evidentemente, a revisão do valor do contrato. Ao analisar o 2.º Relatório de Revisão de Projetos em Fase de Obras do acesso apresentado pela Secretaria de Obras e Serviços Urbanos da Prefeitura Municipal, o Engenheiro Chefe do Serviço de Estruturas, à guisa de um breve resumo da evolução dos acontecimentos, fazendo referência aos autos de processo n. (...), destaca: "Projeto inicial "Desenvolvido em 1980 (...), com previsão de cinco lotes de construção com 9.852,65m de implantação de rodovia, uma ponte sobre o rio (...) de 281,5m de extensão e um viaduto de acesso à rodoviária de 50,0m de comprimento. Era previsto uma largura de plataforma de 11,0m, com previsão de alargamento tendo em vista o histórico de crescimento da cidade de (...). "1.º Relatório de Revisão "Este relatório foi analisado e recomendada a sua aprovação em 23.06.1992, (ver parecer em anexo) através do processo n. (...). "Era proposto neste relatório a elevação do dreide da rodovia de acesso de 14,0m para 17,0m para superar a cota de enchente máxima ocorrida após 1980 e alargamento da plataforma para 22,0m, exclusão dos lotes 1 e 3, construção de um viaduto na estaca 133 e três passagens inferiores, sem acréscimo de custo. "Modificação do Projeto da Ponte sobre o Rio (...) "Com as alterações propostas no 1.º Relatório, o projeto inicial da ponte sobre o rio (...) foi modificado para permitir adaptação às novas concepções do projeto de acesso à BR - (...), com acréscimos de extensão, largura e altura dos pilares. O projeto inicial, com 281,5m de comprimento e 11,0m de largura, passou para 319,5m de comprimento e 19,0m de largura, representando um acréscimo na área do tabuleiro de 96,04% com método construtivo conhecido como incrementos sucessivos. Estas modificações no projeto da ponte, foram decididas em conjunto DNER, Prefeitura Municipal e a Construtora (...) detentora do contrato, em 09.04.1992 (ver ata em anexo), somente em 17.11.1992 o projeto foi modificado e concluído e encaminhado para aprovação através do Processo n. (...), (ver parecer em anexo) por isso os quantitativos do novo projeto não fizeram parte do 1.º Relatório de Revisão. "2.º Relatório de Revisão "As sucessivas paralisações da obra, ocorridas nos anos de 1992, 1993, 1994 e 1995, assim como Página 3

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as transformações ocorridas nos últimos dois anos tornaram o projeto de 1980 ultrapassado. "Examinamos as alterações propostas e as justificativas destas alterações efetuadas pela Prefeitura Municipal de (...) e concluímos pela necessidade destas modificações, para tornar o acesso da BR (...) a (...) adequado à atual realidade. "Foram também analisados os quantitativos e os preços novos. "Quanto a estes últimos, consideramos de acordo com os preços de mercado e coerentes com os custos de outros serviços semelhantes. A única restrição refere-se ao volume de concreto para cravação de tubulação em solo de 1.ª e 2.ª categorias, os quais devem ser revistos. "Tratando de elevação de custos superior a 25%, recomendamos consulta à Procuradoria do DNER, para análise e parecer a respeito dessa situação. "Segue, também, em anexo, consulta ao Tribunal de Contas do Estado que emitiu parecer a respeito de obras com elevação de custos superior a 25%." Diante do conteúdo da justificativa técnica e do 2.º Relatório de Revisão de Projetos, vislumbra-se que a ampliação do valor contratual decorreu de alterações no projeto executivo original, que se encontrava defasado, visando à melhor adequação à realidade e às necessidades do Município. 5. No que atine ao terceiro termo aditivo, em novembro de 1996, o então Prefeito, Exmo. Sr. (...), encaminhou ao Chefe do (...) Distrito Rodoviário Federal (DRF) do DNER ofício justificando o acréscimo de valor contratual, com o seguinte teor: "Os serviços e obras que elevaram o valor do contrato decorreram de situação adversa que exigia a urgência concreta e efetiva do atendimento à situação decorrente de estado emergencial. "Assim, nada obsta, em princípio, sejam englobados, na mesma obra e serviço os quantitativos necessários entendidos como adequados para melhor atender à situação emergencial. "Tal procedimento visa aproveitar as peculiaridades do mercado, tendo em vista o princípio da economicidade. "Assim, necessário se fez aditar ao contrato os novos serviços e novos preços unitários que elevaram o valor a preços iniciais além do permitido pelo § 1.º do artigo 55, do Dec.-lei 2.300/86, entretanto, com permissão do § 4.º do mesmo artigo e Dec.-lei." (fls. 603 dos autos do TCU SECEX) Por fim, em relação a este aditivo, em janeiro de 1997, a Secretaria do Conselho Administrativo do DNER, comunicou, por meio de fax, ao Chefe do (...) DRF que "foi aprovado na Sessão C.A. n. (...) o processo n. (...) - contrato de empreitada celebrado entre o Município de (...) e a firma (...) para obras do acesso da BR - (...) a (...) acobertado pelo Convênio PG - (...)." 6. Tecidas estas considerações a respeito da evolução do ajuste, cumpre, então, levar a cabo explanação que permitirá responder aos quesitos formulados. 2.2 Da proteção constitucional ao ato jurídico perfeito - aplicação do Dec.-lei 2.300/86 à contratação em apreço: ultratividade aplicação do Dec.-lei 2.300/86 à contratação em apreço: ultratividade 1. Conforme já asseverado, o contrato de empreitada para construção do acesso de (...) à BR - (...), tendo sido ajustado em 30.11.1990, regeu-se pelo disposto no Dec.-lei 2.300/86. No entanto, na medida em que o 3.º aditivo contratual, contemplando modificações do projeto construtivo, foi firmado em setembro de 1995, isto é, após a entrada em vigor da Lei 8.666/93, emerge indagação acerca de qual legislação (a atual ou a revogada) aplicar ao contrato. A fim de responder à questão, cumpre discorrer, ainda que brevemente, sobre o modo como o ordenamento jurídico brasileiro regula a problemática da retroatividade, da ultratividade e da proteção ao ato jurídico perfeito. Página 4

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2. Estudando as formas por meio das quais pode a sobrevivência da lei velha ser regulada nos ordenamentos jurídicos, José Eduardo Martins Cardozo trata de duas fórmulas clássicas: "A primeira delas reside na fixação de regras genéricas, disciplinadoras de hipóteses de ultratividade admitidas pelo sistema. Isto se dá quando a própria Constituição, ou mesmo a legislação ordinária (nesse caso à lei nova se defere a prerrogativa de casuisticamente excepcionar a regra geral), estabelecem, por exemplo, que certos direitos ou situações jurídicas são intangíveis pela ação da lei nova, devendo sempre serem disciplinados pela lei sob a égide da qual tiveram nascimento. "A segunda fórmula se resume no tratamento casuístico da questão, normalmente objeto do próprio diploma legislativo que procede a revogação do antecedente. Seria o caso, por exemplo, da lei processual que extingue um dado recurso anteriormente previsto no ordenamento jurídico, e que em seu próprio texto determina que as ações, já ajuizadas na época da entrada em vigor da lei nova, continuarão a ser regidas pelo diploma legislativo que revoga."2 3. Pois bem, em relação ao ordenamento jurídico brasileiro, ex vi do disposto no art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 (LGL\1988\3), e no art. 6.º, da LICC (LGL\1942\3), o tratamento atribuído à ultratividade e aos efeitos temporais da lei nova é realizado seja em sede constitucional, seja em sítio infraconstitucional, adotando-se, portanto, a primeira fórmula consistente na fixação de regras genéricas, disciplinadoras das hipóteses de ultratividade admitidas pelo sistema. Não se olvide, ainda, que a garantia do art. 5.º, XXXVI, consubstancia cláusula pétrea (art. 60, § 4.º, IV, da CF/1988 (LGL\1988\3)). 4. A Constituição Federal (LGL\1988\3), no art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 (LGL\1988\3), dispõe que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada." Ademais, o art. 6.º, da Lei de Introdução ao Código Civil (LGL\2002\400), estabelece ipsis literis: "Art. 6.º. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. § 1.º - Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. § 2.º - Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem. § 3.º - Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso." (sem grifos no original) 5. A propósito dos limites à retroatividade da lei, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano lecionam: "Entre os direitos fundamentais, a Constituição busca assegurar a estabilidade das relações jurídicas, proibindo a retroeficácia da lei em face do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada. "A compostura jurídica do instituto encontra-se bem delimitada pelo art. 6.º da Lei de Introdução ao Código Civil (LGL\2002\400) (...). "Como se vê, em princípio, a lei tem eficácia imediata e ultra-ativa, passando a regular os atos e fatos jurídicos a partir de sua edição. Todavia, não existe uma proibição absoluta à retroeficácia. Respeitando o ato jurídico perfeito, a coisa julgada e o direito adquirido, a lei pode ter efeito retroativo, o qual, contudo, em face de seu caráter excepcional, deve vir textualmente declarado. (...)" 3 (sem grifos no original) André Ramos Tavares, também interpretando o art. 5.º, XXXVI, da CF/1988 (LGL\1988\3), assevera: "A Constituição, ao proteger essa trilogia, busca assegurar um mínimo de estabilidade das relações jurídicas. Para tanto, proíbe a eficácia retroativa das leis àquelas situações do passado já consolidadas."4 6. Maria Helena Diniz, com propriedade, firmando seus olhos sobre o especificado no art.Página 6.º da 5

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LICC (LGL\1942\3), acima transcrito, obtempera: "O ato jurídico perfeito é o já consumado, segundo a norma vigente, ao tempo em que se efetuou, produzindo seus efeitos jurídicos, uma vez que o direito gerado foi exercido. É o que já se tornou apto para produzir os seus efeitos. A segurança do ato jurídico perfeito é o modo de garantir o direito adquirido pela proteção que se concede ao seu elemento gerador, pois se a nova norma considerasse como inexistente, ou inadequado, ato já consumado sob o amparo da norma precedente, o direito adquirido dele decorrente desapareceria por falta de fundamento. (...) Claro está que a garantia do ato jurídico perfeito seria um modo de assegurar o direito adquirido, uma vez que o ato jurídico perfeito é um dos elementos geradores de direito adquirido e do dever jurídico correlato. Assim sendo, o ato jurídico perfeito não poderá ser alcançado por lei posterior, sendo inclusive imunizado contra quaisquer requisitos formais exigidos pela nova norma."5 7. Aplicando à seara contratual a proteção ao ato jurídico perfeito, a civilista sustenta: "Se o contrato estiver em curso de formação, por ocasião da entrada em vigor da nova lei, esta se lhe aplicará na fase pré-contratual, por ter efeito imediato. Se o contrato foi legitimamente celebrado, os contratantes têm o direito de vê-lo cumprido, nos termos da lei contemporânea a seu nascimento, que regulará inclusive os seus efeitos. Deveras, os efeitos do contrato ficarão condicionados à lei vigente no (...) em que foi firmado pelas partes. Aí não há que se invocar o efeito imediato da lei nova (RT, 660/109 e 547/215; RTJ, 90/296 e 86/296). Daí a advertência de Carlos Maximiliano: 'Não se confundam contratos em curso e contratos em curso de constituição; só estes a norma hodierna alcança, não aqueles, pois são atos jurídicos perfeitos'. "A Lei de Introdução adotou o critério de Roubier ao prescrever que a lei em vigor terá efeito imediato geral atingido os fatos futuros (facta futura), não abrangendo os fatos pretéritos (facta praeterita). Em relação aos facta pendentia, nas partes anteriores à data da mudança da lei não haveria retroatividade; nas posteriores a lei nova, se aplicável, terá efeito imediato. "Nos contratos em curso há uma zona intermédia, em que são excluídos os efeitos imediatos e os retroativos. Os contratos em curso, como os de execução continuada, apanhados por uma lei nova, são regidos pela lei sob cuja vigência foram estabelecidos (tempus regit actum) (...) "Em princípio, se a norma constitucional e o art. 6.º da Lei de Introdução não resguardassem o ato jurídico perfeito, haveria destruição de direitos subjetivos, formados sob o império da antiga norma, prejudicando interesses legítimos de seus titulares, causando a desordem social."6 8. De outra parte, José Eduardo Martins Cardozo leciona a respeito do art. 6.º da LICC (LGL\1942\3): "Não resta dúvida de que o caput do art. 6.º da LICC (LGL\1942\3), ao estabelecer a regra do efeito imediato da lei nova, trouxe um conceito desenvolvido pelos adeptos das teorias do fatto compiuto e das 'situações jurídicas', particularmente pelo emérito jurista Paul Roubier, para o campo da teoria do direito adquirido, que acabou por introduzir a necessidade de serem firmadas maiores especificações no campo da exegese deste dispositivo legislativo, à luz do próprio princípio consagrado no art. 5.º, XXXVI da nossa lei maior. "Uma primeira observação que aqui deve ser lançada, é a de que o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito não são realidades imunes apenas ao efeito retroativo da lei nova. Quaisquer efeitos de um novo diploma legislativo, não importa se imediatos ou mesmo futuros, não podem vir a prejudicar quaisquer destas realidades."7 Deveras, a proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada substancia princípio que assegura a sobrevivência, a ultratividade da lei velha, de sorte que, não obstante revogada, a lei velha permanece disciplinando as realidades pré-constituídas durante a vigência da lei nova, eis que tais realidades não podem ser atingidas pelo novo diploma. 9. A propósito do campo de aplicação da Lei de Introdução, José Eduardo Cardozo adverte: "Tendo a Lei de Introdução ao Código Civil (LGL\2002\400) alcance vasto, não limitado às leis civis, mas pertinente a todos os Códigos e a todas as disposições legislativas, sejam estas de natureza pública ou privada, a abrangência do princípio da irretroatividade das leis, com as características retro expostas, envolve todos os ramos do direito, salvo aqueles que possuam consagrado por via 8 constitucional ou legislativa, princípios específicos, atinentes a um peculiar sistema intertemporal." Página 6

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10. Como se vê, por força da proteção prevista no art. 5.º, XXXVI, a lei nova, seja em sua ação pretérita, imediata ou futura, não poderá prejudicar direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos ou a coisa julgada. Destarte, na medida em que o contrato administrativo foi concluído anteriormente à vigência da Lei 8.666/93, constituindo, de tal sorte, ato jurídico perfeito, é insofismável que os dispositivos da lei nova (Lei 8.666/93) não se lhe aplicam, havendo a sobrevivência do revogado Dec.-lei 2.300/86 em relação a tal contrato. 11. Muito embora as explanações já realizadas sejam suficientes para afastar, desde logo, a aplicação da Lei 8.666/93 aos contratos celebrados anteriormente à sua vigência, é salutar considerar a redação conferida ao art. 121 pela Lei 8.883/94. A Lei 8.666/93 previa, em seu art. 121: O disposto nesta Lei não se aplica às licitações instauradas e aos contratos assinados anteriormente à sua vigência. Todavia, a nova redação, residente na Lei 8.883/94, é a seguinte: Art. 121. O disposto nesta Lei não se aplica às licitações instauradas e aos contratos assinados anteriormente à sua vigência, ressalvado o disposto no art. 57, nos §§ 1.º, 2.º e 8.º do art. 65, no inciso IV do art. 78, (...). (sem grifos no original) Sobre a matéria, Antônio Carlos Cintra do Amaral salienta: "A Constituição consagra o respeito ao ato jurídico perfeito (art. 5.º, XXXVI): 'a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada'. Não poderia, portanto, a Lei 8.666/93 aplicar-se a contratos já celebrados, sob pena de inconstitucionalidade. (...) "Procurarei firmar entendimento sobre essa nova redação do art. 121, enfocando apenas, obviamente, aquela que diz respeito a este trabalho, qual seja a referente aos §§ 1.º e 2.º, do art. 65, da Lei 8.666/1993. "Essa questão deve ser enfocada a partir de três premissas: "Primeira: a norma do art. 121 da Lei 8.666/1993, com a nova redação da Lei 8.883/94, deve ser entendida de acordo com seu 'sentido', ou seja, em sua ratio juris, como escreve Karl Engisch, acima citado. "Segunda: ela deve ser entendida - se possível - em consonância com a norma do art. 5.º, XXXVI, da Constituição. Se não existe essa possibilidade, devemos concluir que ela é inconstitucional, já que não pode prejudicar o ato jurídico perfeito. "Terceira: a 'vontade' do legislador é irrelevante. O que ele quis nada importa. (...) "Estabelecidas essas premissas passarei analisar a ressalva relativa aos §§ 1.º e 2.º do art. 65, inserida na Lei 8.666/93 pela Lei 8.883/94. Há três possibilidades de entendimento quanto ao 'sentido' dessa norma: a) que os limites relativos a extensões contratuais valem inclusive para contratos celebrados anteriormente à Lei 8.666/93 e que a eles não estavam sujeitos por força de norma regulamentar ou legal; b) que os contratos anteriormente sujeitos a esses limites continuam a ele submetidos; ou c) que os contratos sujeitos ao Dec.-lei 2.300/86 devem ser interpretados como adstritos aos limites legais, apesar da aparente contradição entre os §§ 1.º e 4.º de seu art. 55. "O primeiro entendimento levaria à constatação da inconstitucionalidade da ressalva legal do art. 121, por prejudicar o ato jurídico perfeito. O segundo seria absurdo, porque equivaleria a dizer que a ressalva não tem 'sentido'. O terceiro leva a encontrar um 'sentido' na norma legal, harmônico com a Constituição e juridicamente útil. Parece-me que este último é o único entendimento sustentável. "Digo que esse 'sentido' - declaratório - é juridicamente útil porque dirime a controvérsia doutrinária a Página 7

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que me referi acima sobre a aparente contradição entre os dois parágrafos, 1.º e 4.º, do artigo 55 do Dec.-lei 2.300/86. "Vale acentuar que quando a Constituição dispõe que a lei não pode prejudicar o ato jurídico perfeito, está a referir-se ao ato eficaz (...). Vale dizer: a lei não pode atingir atos jurídicos, inclusive contratos, quer em sua perfeição (...), quer em sua validade e eficácia. Não pode a lei prejudicar o contrato válido, alterando-lhe a eficácia prevista pelas partes. A questão, porém, não é relevante no contexto deste trabalho, já que considero idênticas em seu 'sentido', as normas dos §§ 1.º e 2.º do art. 65 da Lei 8.666/1993 e dos §§ 1.º e 4.º do Dec.-lei 2.300/86."9 Consentânea é a análise encontrada em manifestação de Marçal Justen Filho: "8. Ainda que não tenha sido objeto de explícito questionamento por parte da consulente, não posso deixar de averbar minha discordância quanto à redação adotada pela Lei 8.883/94 para o art. 121 da Lei 8.666/93. "Na versão original, a Lei 8.666/93 previa que suas disposições não seriam aplicáveis a contratos firmados em data anterior ou provenientes de licitações já em curso. Essa regra correspondia à solução compatível com o princípio da irretroatividade das leis. Afinal a lei posterior não pode afetar o ato jurídico perfeito - no caso, o contrato administrativo é regido pela legislação em vigor na data de sua avença. Como os termos da contratação subordinam-se à disciplina do ato convocatório, a lei que regula o edital também será aplicada para dispor sobre o contrato dele resultante. 1. Poderia contrapor-se que o interesse público que entranha a matéria de contratações administrativas suplanta o postulado da irretroatividade da lei nova. A lei antiga seria afastada, porque a matéria, em sendo de interesse público, deverá reger-se pelas regras reputadas mais adequadas. E as regras mais adequadas são as contidas na lei mais nova, tanto assim que a lei antiga foi revogada. "Esse raciocínio é indefensável e prova muito mais do que se poderia imaginar. Se o argumento fosse procedente, ter-se-ia de concordar com a ausência de limites para a lei nova dispor sobre contratos administrativos em curso, ou seja, a lei nova poderia introduzir disciplina totalmente inovadora acerca da contratação administrativa. Em última análise, o contratado não teria direito algum oponível ao Estado. Assim, por exemplo, suponha-se que uma lei nova autorizasse que a Administração, por ato unilateral, promovesse redução superior a 50% dos valores contratuais originalmente pactuados. A argumentação fundada no interesse público conduziria a validar a aplicação imediata do dispositivo. Logo, o particular seria obrigado a suportar o regime da lei nova sem qualquer garantia de intangibilidade do regime da lei vigente à época da formulação da proposta. "Essa situação seria incompatível com os princípios consagrados na Constituição atual, especialmente quando se impõe um estado democrático de direito. O princípio da segurança jurídica significa que os contratos - mesmo administrativos - serão disciplinados pela lei vigente na data da pactuação. Nenhum contrato poderá ser subordinado ao disposto em lei nova. O princípio da intangibilidade da equação econômico-financeira teria de ser afastado. "Por outro lado, ninguém se disporia a contratar com o Estado diante do risco de alterações legislativas supervenientes. "10. Por decorrência, não se pode admitir a inovação trazida pela Lei 8.883/94, a propósito da redação do art. 121."10 12. Com efeito, as normas da Lei 8.666/93 não podem ser aplicadas aos contratos anteriores a ela, sob pena de ofensa ao Texto Constitucional. Logo, a redação original do art. 121 da citada lei, ao excluir de sua incidência licitações e contratos em curso, encontrava-se em consonância com a Lei Magna, ao passo que a nova dicção que lhe foi aportada pela Lei 8.883, de 08.06.1994, por força da qual pretendeu tornar imediatamente aplicável o disposto nos §§ 1.º e 2.º do art. 65 (entre outros dispositivos) é juridicamente intolerável pela visível afronta ao art. 5.º, XXXVI da Constituição. 13. Destarte, aplicam-se à contratação em tela, que consubstancia ato jurídico perfeito, os dispositivos do Dec.-lei 2.300/86, mormente os concernentes ao art. 55 e §§, ao qual se atribui sobrevida haja vista a proteção plasmada no inciso XXXVI, e não a Lei 8.666/93. 2.3 Contratos administrativos: alterações unilaterais e garantia constitucional do equilíbrio Página 8

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econômico-financeiro 1. Não obstante, em regra, o contrato, como relação de direito privado, seja dominado pelo princípio da igualdade entre as partes contratantes que torna inviável a alteração unilateral de suas cláusulas, a presença da Administração Pública é suficiente para transformar o contrato do ponto de vista qualitativo, implicando a emergência do assim chamado contrato administrativo.11Neste transparece "o fim de interesse público, de tal modo que a tônica do contrato se desloca da simples harmonia de interesses privados para a satisfação de uma finalidade coletiva, no pressuposto da utilidade pública do objeto do contrato."12 Deveras, "o princípio da igualdade entre as partes cede passo ao da desigualdade no sentido da prerrogativa atribuída ao Poder Público de fazer variar a obrigação da outra parte na medida necessária à consecução do fim de interesse público que é o alvo da atividade estatal."13 2. Como corolários lógicos da supremacia do interesse público sobre o das partes contratantes, decorrem os princípios básicos do contrato administrativo, quais sejam: a) o da 'mutabilidade'; b) o da 'continuidade e regularidade'; c) o da 'colaboração' e d) o do 'equivalente econômico'.14 3. Por força da prerrogativa atribuída ao Poder Público, o contrato administrativo apresenta a característica da mutabilidade, isto é, uma espécie de cláusula implícita, em razão da qual a Administração Pública pode modificar, unilateralmente, a avença, conquanto seja respeitado o equilíbrio econômico-financeiro. Ao lado do poder-dever conferido à Administração para alterar o contrato quando isso, motivadamente, se fizer necessário para a plena consecução do objeto contratual e realização dos fins buscados pelo ajuste, há a necessidade de preservação que deve ser dada ao objeto deste contrato. 4. A propósito da mutabilidade, assevera Antônio Cintra do Amaral: "A prevalência do interesse coletivo primário sobre os interesses secundários enseja, nos contratos administrativos, o surgimento do princípio da mutabilidade. Princípio esse assim enunciado por Ariño Ortiz: 'A administração não pode renunciar a seus poderes nem cercear sua liberdade na gestão do interesse geral. Daí seu poder de introduzir modificações no objeto do contrato, que assegurem uma melhor realização deste ou uma melhor adaptação a seus fins.'"15 De outra parte, no que respeita ao interesse público, Renato Alessi, como todos sabem, distingue o interesse coletivo primário do interesse público secundário, o primeiro, da sociedade, o segundo, do aparelho estatal. Adotada essa distinção, pode afirmar-se que o interesse preponderante é o 'coletivo primário' que, nos contratos administrativos, está acima dos interesses das partes contratantes, quer o da Administração, interesse público secundário, quer o do contratado, interesse privado. Ambos secundários em face do interesse público primário.16 5. Em contrapartida à mutabilidade, isto é, ao poder unilateral de alteração da Administração, assegura-se ao contratado o direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato, para tornar-se estável a equivalência entre as obrigações de dar, ou de fazer, de um agente e a obrigação de pagar do outro autor da relação bilateral. Isto é, para preservar, no contrato modificado, a comutatividade (equivalência intrínseca entre as obrigações) e a natureza sinalagmática (reciprocidade das obrigações). Sobre a contrapartida considera Celso Antônio Bandeira de Mello: "Equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeira) é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações, assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá. "A equação econômico-financeira é intangível. Vezes a basto têm os autores encarecido este aspecto. Apostilas deste teor podem ser colhidas aos racismos. Para comprovar não é preciso mais que tirar a lume algumas passagens encontradiças nos doutores de maior suposição, como aliás o seriam também em estudiosos de menor fôlego, posto que nisto acordam todos na mais prazível das harmonias."17 Página 9

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Salienta, outrossim, Marçal Justen Filho que a intangibilidade da equação econômico-financeira traz benefícios à Administração: "A equação econômico-financeira se delineia a partir da elaboração do ato convocatório. "Porém, a equação se firma no instante em que a proposta é apresentada. Aceita a proposta pela Administração, está consagrada a equação econômico-financeira dela constante. A partir de então, essa equação está protegida e assegurada pelo direito. (...) "A tutela ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos destina-se a beneficiar à própria administração. Se os particulares tivessem de arcar com as conseqüências de todos os eventos danosos possíveis, teriam de formular propostas mais onerosas. A Administração arcaria com custos correspondentes a eventos meramente possíveis - mesmo quando inocorressem, o particular seria remunerado por seus efeitos meramente potenciais. É muito mais vantajoso convidar os interessados a formular a menor proposta possível: aquela que poderá ser executada se não se verificar qualquer evento prejudicial ou oneroso posterior. "Concomitantemente, assegura-se ao particular que, se vier a ocorrer o infortúnio, o acréscimo de encargos será arcado pela Administração. Em vez de arcar sempre com o custo de eventos meramente potenciais, a Administração apenas responderá por eles se e quando efetivamente ocorrerem. Trata-se, então, de reduzir os custos de transação atinentes à contratação com a Administração Pública."18 6. Como ao contratante privado não é conferida a possibilidade de evadir-se, seja por que meios forem, ao completo, regular e fiel cumprimento das obrigações assumidas, entre as quais, "incluem-se os encargos suplementares que lhes sejam irrogados pela Administração, aí compreendidas as alterações contratuais resultantes de imposição unilateral do contraente público desde que respeitado o objeto da avença",19a sua única contrapartida consiste em postular a restauração do equilíbrio econômico-financeiro. 7. Não se olvide, outrossim, que apontada garantia ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo não pode ser afetada nem mesmo por lei, isto é, não pode ser suprida, tampouco enfraquecida por diploma legal, uma vez que é assegurada pelo art. 37, XXI, da CF/1988 (LGL\1988\3), o qual estabelece que obras, serviços, compras e alienações serão contratados com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta. De fato, a fim de serem mantidas as efetivas condições das propostas (constantes da oferta vencedora do certame licitatório que precede o contrato), incumbe à Administração manter íntegra a equação econômico-financeira inicial, seja quando houver ônus decorrente de alterações unilaterais, seja quando ocorrerem elevações de preços que tornem mais onerosas as prestações a que esteja obrigado, seja quando emergir desgaste do poder aquisitivo da moeda provocado por inflação. 8. Não bastasse a proteção conferida pelo art. 37, XXI, para Celso Antônio Bandeira de Mello, "o equilíbrio econômico-financeiro está abrigado, ainda, por outro dispositivo constitucional: o art. 5.º, XXXVI segundo o qual 'a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada'. A equação econômico-financeira contratual é um direito adquirido do contratado, de tal sorte que normas a ele sucessivas não poderiam afetá-lo."20 Neste aspecto, destaca Marçal Justen Filho: "O direito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da contratação não deriva de cláusula contratual nem de previsão no ato convocatório. Tem raiz constitucional. Portanto, a ausência de previsão ou de autorização é irrelevante. São inconstitucionais todos os dispositivos legais e regulamentares que pretendem condicionar a concessão de reajustes de preços, recomposição de preços, correção monetária a uma previsão no ato convocatório ou no contrato."21 9. O equilíbrio econômico-financeiro da contratação pode ser rompido e, por conseguinte, deve ser restabelecido quando derivar seja de fatos imputáveis à Administração (ampliação dos encargos do contratado, unilateralmente, para melhor atender às suas necessidades, por exemplo), seja de eventos a ela estranhos (v.g., a crise econômica poderá produzir uma extraordinária elevação de preço de determinados insumos). A propósito da alteração unilateral relativa a modificações no projeto, assevera Hely Lopes Meirelles: "E, de nossa parte, já advertimos que: 'É obrigatória a revisão do contrato quando as alterações Página do 10

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projeto ou do cronograma de sua execução, impostas pela Administração, aumentam os custos ou agravam os encargos do particular contratante, ou quando atos gerais do Governo ou dificuldades materiais específicas passam a onerar extraordinariamente o cumprimento do contrato, desequilibrando a equação econômico-financeira estabelecida inicialmente entre as parte. Destarte, a recomposição de preços não se confunde de modo algum com o reajustamento contratual de preços, pois este surge do consenso inicial das partes, para manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato durante a sua execução normal, ao passo que aquela, a recomposição, destina-se a restaurar esse mesmo equilíbrio, desfeito por eventos supervenientes e extraordinários, não previstos ou imprevisíveis pelos contratantes, que acarretam modificação anormal da situação fática existente na época da celebração do ajuste. A recomposição de preços, assim, independe de previsão no contrato de um critério de reajustamento de preços e torna-se devida no (...) em que este deixa de atender à sua finalidade, ou seja, à manutenção da equação financeira do ajuste, em razão de atos e fatos inimputáveis ao particular contratante' ".22 8. Pois bem, no caso em tela, a elevação, no 3.º aditivo contratual, do montante inicial da avença, foi ensejada por modificações realizadas no projeto de construção do acesso, visando à melhor adequação da construção às reais necessidades da municipalidade. Em relação às modificações desse jaez, convém transcrever raciocínio de Floriano Azevedo Marques Neto desenvolvido em parecer sobre caso análogo ao vertente: "Colocada diante da possibilidade e, mais, da necessidade de dispor de uma alternativa construtiva que não lhe acarreta maiores ônus23não pode se furtar a Administração de perpetuar tal modificação determinando a alteração do projeto construtivo. "Neste sentido, é perfeito o ensino de Marcello Caetano (...): 'É que a Administração serve o interesse público e não pode exonerar-se do dever de procurar sempre os melhores processos técnicos e os meios materiais e jurídicos de realizá-lo' (Manual de direito administrativo. t. I. Rio de Janeiro: Forense, 1970, p. 558) "A alteração de projeto para agasalhar modificação do projeto construtivo mais sofisticado, tecnicamente mais vantajoso, economicamente não mais oneroso e imprescindível para evitar afligir a coletividade com preocupante obstrução de tráfego, além de não encontrar óbice na legislação, se mostra absolutamente imperativa."24 9. Promovida a alteração unilateral consistente em modificações do projeto de construção, mantendo-se, todavia, o objeto contratado e licitado, incumbia, de outra parte, ao Município, por força da intangibilidade do arranjo econômico-financeiro, realizar o restabelecimento da equação, elevando o valor contratado ao montante previsto no 3.º aditivo. 2.4 Limites: modificação de projeto e manutenção do objeto 1. O Dec.-lei 2.300/86, ao regular minuciosamente os contratos administrativos, disciplinou, em seu art. 55, as alterações contratuais: "Os contratos regidos por este decreto-lei poderão ser alterados nos seguintes casos: I - unilateralmente, pela Administração: a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica dos seus objetivos; b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por este decreto-lei; II - por acordo das partes: a) quando conveniente a substituição da garantia de execução; b) quando necessária a modificação do regime de execução ou do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários; c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias Página 11

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supervenientes, mantido o valor inicial; d) para restabelecer a relação, que as partes pactuaram inicialmente, entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do inicial equilíbrio econômico e financeiro do contrato. § 1.º. O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% para os seus acréscimos. (...)§ 4.º. No caso de acréscimo de obras, serviços ou compras, os aditamentos contratuais poderão ultrapassar os limites previstos no § 1.º deste artigo, desde que não haja alteração do objeto do contrato." Para Celso Antônio Bandeira de Mello, "por força, então, do mencionado art. 55, § 1.º, o contratante governamental podia impor acréscimos ou supressões até 25% ou 50% do valor do contrato (conforme o caso), mas, por acordo entre as partes, mantido o objeto do contrato e suas condições, estes limites, ao menos aparentemente, podiam ser ultrapassados sem reservas. De um modo geral, a doutrina assentia nisto, conquanto houvesse, já, por parte de alguns estudiosos, certas restrições no que atina à superação consensual dos sobreditos limites."25 2. A propósito do § 4.º, do artigo 55, do Dec.-lei 2.300/86, Raul Armando Mendes ressalta a necessidade de cautela do administrador no seu manejo, evitando a banalização do permissivo: "No caso de acréscimos de obras, serviços ou compras, reza o § 4.º, os aditamentos contratuais poderão ultrapassar os limites previstos no § 1.º deste artigo, desde que não haja alteração do objeto do contrato, mas, para tanto, o contratado deverá concordar com isso. Nesse caso, estaria dispensada a licitação, desde que obedecidas as cláusulas da avença original, obviamente com as adaptações pertinentes. O administrador deve ser cauteloso nessas contratações, pois elas podem abrir margem a vultoso negócio, com burla ao princípio da licitação e da probidade administrativa"26 Comentando o entendimento esposado por Raul Armando Mendes, Celso Antônio Bandeira de Mello considera o seguinte: "Estamos em que a observação de Raul Armando Mendes, embora vaga, encaminhava-se para o rumo correto ao advertir para a necessidade de cautela na utilização da faculdade prevista no parágrafo 4.º sub examine, sem o que haveria desvirtuamento do princípio da licitação e da probidade administrativa."27 3. Toshio Mukai, por sua vez, pugna pelo cerceamento à liberdade administrativa na matéria: "Este parágrafo 4.º veio trazer perplexidade, pois parece desdizer o parágrafo 1.º. Para nós, o único caso em que poderá ele ser aplicado é no de renovação de contrato anterior, celebrado com dispensa ou inexigibilidade de licitação. Isto porque os limites de 25% ou de 50% são impostos também no interesse dos licitantes, além de constituírem bases de cláusula exorbitante".28 No entanto, como bem leciona Celso Antônio ao discordar de Toshio Mukai, a fundamentação é excessiva, uma vez que o § 4.º do art. 55 não se encontra adstrito aos casos em que o contrato inicial foi celebrado diretamente, fruto de dispensa ou inexigibilidade de licitação. Deveras: "A abertura legal de que se cogitava seguramente não fora concebida para hipóteses deste jaez. Fácil é demonstrá-lo. "Desde logo, o § 4.º do art. 55 seria despiciendo para todos os casos de inexigibilidade de licitação, pois esta tinha lugar (e ainda hoje é assim) 'quando houver inviabilidade de competição' (produtor, fornecedor ou representante exclusivo; serviços técnicos de natureza singular; profissional de setor artístico consagradamente reputado; compra ou locação de imóvel condicionada pela situação do bem e aquisição ou restauração de obras de arte, tudo conforme art. 23 daquele decreto-lei e exemplário contido nos incisos I a V). Ora, se a competição fora e prosseguiu inviável, para contratar diretamente bastaria o art. 23 daquele diploma. O § 4.º do art. 55 nada lhe acrescentava. Página 12

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"Se, diversamente, a competição fora inicialmente inviável, porém deixara de sê-lo - fato que poderia ocorrer na hipótese do inciso I do art. 23 (com o fim da exclusividade) ou na hipótese do inciso II (com a deterioração da reputação do profissional ou empresa contratados diretamente) - a inexigibilidade originária não poderia, só por si, oferecer qualquer calço, lógico ou jurídico, para que a Administração e o contratado se valessem do § 4.º do art. 55. "O mesmo, por idênticas razões, podia-se dizer em casos de dispensa de licitação. Bastaria lembrar que se determinada obra ou serviço era urgente - e por isto se recorreu à contratação direta, para evitar comprometimento ou prejuízo, para a segurança de pessoas, obras, serviços ou bens, a teor do art. 22, IV, tal como era no Dec.-lei 2.300 - e os quantitativos inicialmente estipulados ou acrescidos até o limite de 25% ou 50%, conforme o caso e como ali se previa, já haviam removido o perigo que se quis obviar, os fatores que justificavam a contratação direta não mais compareceriam para autorizar a superação de certame licitatório e, portanto, não serviriam para embasar aumento dos quantitativos do contrato. Assim, não seriam eles que propiciariam recurso ao § 4.º do art. 55. "Acresce que entre os casos de dispensa e subseqüente contratação direta, figurava, então, a complementação de obra, serviço ou fornecimento (art. 22, inciso V) até o limite máximo de 25% ou 50%, conforme o caso. Assim, este não podia ser ultrapassado - ao contrário do que previa o § 4.º do art. 55. Logo, é evidente que dito parágrafo nada tinha a ver com os casos de dispensa de licitação ou com as hipóteses de inexigibilidade. "Não havia como relacioná-los procedentemente. Descabia, pois, atrelar a utilização do parágrafo 4.º em apreço a situações advindas de anterior inexigibilidade ou dispensa de licitação."29(sem grifos no original) No mesmo sentido caminha o magistério de Antônio Carlos Cintra do Amaral: "Houve quem entendesse que o § 4.º do art. 55 somente tinha aplicação quando o caso fosse de dispensa de licitação ou inexigibilidade de licitação (Diógenes Gasparini. Direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 1989, pp. 269/270). Como bem acentuou Carlos Ari Sundfeld, em excelente parecer sobre o assunto (Contratos administrativos - acréscimos de obras e serviços - alteração. RTDP 2/149 e ss.), esse entendimento levava a retirar todo e qualquer conteúdo ao dispositivo legal."30 4. Além de reputar descabida tentativa de atrelar o disposto no § 4.º, do artigo 55, do Dec.-lei 2.300/86, Celso Antônio Bandeira de Mello, com propriedade, propõe: "Fácil é ver-se que as advertências ou cautelas de balizamento ao permissivo contido no parágrafo 4.º teriam de fundar-se em outro calço e este só poderia ser o objetivo de prevenir que se convertesse em meio de fraude ao princípio da licitação, isto é, aos interesses jurídicos nela abrigados; a saber: o da igualdade dos administrados na disputa de negócios que o Poder Público intente travar com terceiros, o da probidade administrativa e o da busca do vínculo jurídico mais vantajoso para o Poder Público. Sendo o contrato administrativo um vínculo instaurado publicae utilitatis causae, como é de todos sabido, o que importava e importa verificar é quando - em que circunstâncias - a realização do interesse público justificaria a superação consensual dos limites de acréscimo determináveis unilateralmente pela Administração, sem com isto comprometer os impostergáveis valores residentes no princípio da licitação." Com efeito, ao revés de tentar atrelar aos casos de dispensa e inexigilidade, incumbe delinear as hipóteses justificadas de extrapolação dos limites de acréscimo e, concomitantemente, obstar a conversão em fraude do processo licitatório. 5. Antes, porém, de promover tal delineamento, cumpre explanar mais um pouco a respeito dos dispositivos do Dec.-lei 2.300/86, bem como cotejá-los com os previstos na Lei 8.666/93, sem olvidar, todavia, que, por força da proteção ao ato jurídico perfeito, o decreto-lei apresenta eficácia ultrativa em relação ao contrato ora em estudo. 6. Desde logo, em relação ao cotejo que será levado a cabo, o qual, aliás, faz-se necessário, inclusive, para compreender em que situações tornar-se-á possível extensão contratual superior a 25% (vinte e cinco por cento) ou, se for o caso, 50% (cinqüenta por cento), registre-se que, para Antônio Carlos da Cintra Amaral, "o tratamento dado aos limites referentes às extensões contratuais Página 13

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é, na Lei 8.666/93, igual ao contido no Decreto-Lei 2.300/86, apesar de, em sua literalidade, as respectivas normas parecerem parcialmente contrárias."31 7. Pois bem, comentando o artigo 55, do Dec.-lei 2.300/86, Antônio Carlos Cintra do Amaral esclarece: "O § 1.º do art. 55 do Decreto-lei 2.300/86 tinha um duplo significado. Por um lado, obrigava o contratado a aceitar aumentos ou supressões até os limites de 25% (vinte e cinco por cento), em regra, e de 50% (cinqüenta por cento) nos casos de reforma de edifício ou equipamento. Por outro lado, vinculava a Administração a tais limites. "De forma aparentemente paradoxal, o § 4.º do mesmo art. 55 permitia que os limites estabelecidos no § 1.º fossem ultrapassados desde que não houvesse alteração do objeto do contrato. "Note-se, inicialmente, que esse § 4.º continha expressão juridicamente inócua. É óbvio que não podia ser alterado o objeto contratual, porque se assim fosse feito estar-se-ia diante de um novo contrato, o que exigiria, em princípio, nova licitação. Além do mais, a norma nele contida referia-se a extensões contratuais, o que pressupunha a imutabilidade do objeto do contrato, vale dizer, a continuidade da mesma relação contratual. "Abstraindo-se essa impropriedade, porém, há que acentuar que esse § 4.º não se referia ao comando dirigido, no § 1.º, ao contratado, mas à Administração. Tratava-se, portanto, de uma ampliação da margem de discricionariedade administrativa, resultante da permissão de ultrapassar os limites estabelecidos no § 1.º para extensões contratuais. Quanto ao contratado, podia ele aceitar ou não a extrapolação desses limites, utilizando-se da faculdade que lhe era conferida, implicitamente, pelo mesmo § 1.º. "A questão que se colocou desde o início da vigência do Dec.-lei 2.300/86 foi a de saber como conciliar uma norma que estabelecia limites para a Administração (§ 1.º) com outra que, pelo menos aparentemente, retirava esses limites (§ 4.º)".32 Em outro excerto, ao tratar da parte final do § 4.º, do art. 55, salienta: "Sundfeldsustentou, porém, neste trabalho, a tese de que o § 1.º do art. 55 permitia que houvesse alteração do objeto contratual dentro dos limites nele previstos, enquanto o § 4.º permitia que tais limites fossem ultrapassados, desde que o objeto fosse mantido. A meu ver, o objeto do contrato é seu conteúdo; logo, o objeto se confunde com o contrato. Alterado o objeto, há um novo contrato, em princípio sujeito a licitação prévia. Não posso, por isso, aceitar tal tese. "Parece-me inquestionável, ainda, a distinção, efetuada por Sundfeld, entre natureza da prestação e dimensãodo objeto. Em um contrato de empreitada de pavimentação de rodovia (exemplo dado por Sundfeld), o objeto do contrato não é a execução de 100km de pavimentação, mas sim a execução da pavimentação da rodovia (ou de trecho desta). Esta noção fica mais clara se exemplificarmos não com a pavimentação, mas com a construção de uma rodovia. Ao final da execução, pode ela ter 100km de extensão, conforme inicialmente projetado, assim como pode ter extensão maior ou menor, por força de modificação do projeto, sem que isso signifique que o objeto foi alterado. "No caso de empreitada, portanto, a questão dos limites legais não se põe em termos de quantidades, como ocorre na compra e venda de bens, mas em termos de valor. Isso porque a empreitada contém obrigação de fazer e não obrigação de dar, mesmo que seja ela de lavor e materiais".33 No que concerne com a manutenção do objeto contratual, preconiza Celso Antônio Bandeira de Mello que "sem um exame das circunstâncias e dos casos não se poderá, de antemão, verificar se ocorreram ou não os pressupostos para a utilização do parágrafo 4.º e se persiste o mesmo objeto contratual, pois a compostura dele depende do 'sentido' do próprio contrato, da razão de ser dele."34 8. Ao iniciar o exame da evolução legislativa e doutrinária a respeito das extensões contratuais, o citado e festejado autor ressalta: "Consoante nos parecia já ao tempo do Dec.-lei 2.300 e continua a nos parecer sob o império do atual regramento - nunca houve (nem mesmo no passado) permissão absoluta, assim como não há, no presente, vedação absoluta, a que se superem os limites de valor de 25% ou 50%, conforme Página 14o

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caso. "Dantes, como hoje, tal ultrapassagem só pode ser feita perante circunstâncias invulgares que a justifiquem, mas, na ocorrência delas, descaberia opor-lhe ritualísticas objeções. Como sempre, em questões jurídicas, é necessário buscar a racionalidade que inspira as normas e interpretá-las nesta conformidade, com atenção centrada firmemente no espírito que as anima. "Dessarte, as mesmas razões que nos levavam a contender, sob o império do decreto-lei 2.300, irrestrita liberdade para Administração e contratados, de comum acordo, excederem os limites que pareciam, em tal caso, livremente franqueados pela dicção normativa, concorrem com a mesma força para considerá-los superáveis quando presentes os fatores que outrora e atualmente os fariam justificáveis."35 9. Cotejando o tratamento conferido pelo Dec.-lei 2.300/86 ao da Lei 8.666/93, cumpre salientar que o art. 65 desta lei corresponde ao art. 55 daquele: Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: I - unilateralmente, pela Administração: a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica dos seus objetivos; b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei; II - por acordo das partes: a) quando conveniente a substituição da garantia de execução; b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou do serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários; c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação de pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço; d) para restabelecer a relação, que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. § 1.º. O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos. § 2.º. Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo: I - (vetado) II - as supressões resultantes de acordos celebrados entre os contratantes. Como se vê, ao contrário do Dec.-lei 2.300/86, não há parágrafo que expressamente autorize ultrapassagem dos limites de 25 e 50% (conforme o caso), tendo sido incluído, no § 2.º, I, um versículo reforçadamente proibitivo de acréscimo ou supressão além dos limites estabelecidos no § 1.º. 10. Diante dessa constatação literal, alguns doutrinadores (v.g. Jessé Torres PereiraPágina Junior. 15

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Comentários à lei das licitações e contratos da administração pública. 3. ed. Renovar, 1995, p. 417; e Diógenes Gasparini. Direito administrativo. 4. ed. Saraiva, 1995, p. 400/401) são firmes no sentido de que não se admite mais qualquer ultrapassagem dos percentuais referidos. Deveras, segundo Antônio Marcello da Silva, muitos "dos comentadores e intérpretes da Lei 8.666/93 (assim como os do Dec.-lei 2.300/86, que regulava a matéria quase nos mesmos termos), quando não passam ao largo, não têm sabido conjugar corretamente esses dispositivos. Assim, diante de sua aparente incoerência, apelam para uma solução simplista, qual seja a de considerar a alínea a do inciso I do art. 65 como abrangendo apenas as modificações qualitativas do projeto ou das especificações originais, de modo que, em havendo acréscimo ou supressão de quantidades, a alteração unilateral do contrato passará a ser regida pelo disposto na alínea b do mesmo inciso e pelos parágrafos que lhe são conexos."36No entanto, para ele: "A Lei 8.666/93 (tal como fazia o Dec.-lei 2.300/86) cuida separadamente da prorrogação dos prazos contratuais para as hipóteses de alteração do projeto ou especificações (art. 57, § 1.º, I) e de aumento de quantidades (art. 57, § 1.º, IV), de modo a não deixar dúvida de que são institutos distintos e que o primeiro - alteração do projeto ou especificações - não se sujeita, absolutamente, aos limites previstos nos §§ 1.º e 2.º do referido art. 65. A confirmar essa exegese, o inciso I do mesmo art. 65 também aparta as duas espécies nas suas alíneas a e b, o que seria ilógico fazer se o aumento ou diminuição de quantidades fosse mera conseqüência de alteração de projeto."37 Outrossim, as lições de Caio Tácito, de Antônio Carlos Cintra do Amaral, de Marçal Justen Filho, de Celso Antônio Bandeira de Mello, de Adilson Abreu Dallari, de Floriano Azevedo Marques Neto seguem distinta orientação. 11. Caio Tácito ressalta que os limites legais às extensões destinam-se à hipótese de modificações meramente quantitativas mencionadas na letra b, do art. 65, I, e não quanto às qualitativas, isto é, às contempladas na letra a do art. 65, I (modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos), as quais, em sendo necessárias para a "plena consecução da finalidade do contrato", são admissíveis: "As alterações quantitativas do contrato, objeto do capítulo anterior, são manifestações unilaterais da Administração, por motivo de conveniência do serviço, que podem processar, dentro dos limites permitidos, sem que se modifiquem as especificações do contrato e os critérios definidos nas planilhas que o integram. A ordem a ser emitida, de obrigatório acatamento pelo contratado, pressupõe nos explícitos termos da lei, o atendimento das 'mesmas condições contratuais'. (...) "As alterações qualitativas, precisamente porque são, de regra imprevisíveis, senão mesmo inevitáveis, não têm limite pré-estabelecido, sujeitando-se a critérios de razoabilidade, de modo a não se desvirtuar a integridade do objeto do contrato."38 12. Antônio Carlos Cintra do Amaral,39por sua vez, em percuciente exame, também entende que a modificação do projeto - que em certos casospode e em outros deve ser efetuada - não se encontra adstrita aos aludidos limites percentuais. Ressalta, ainda, conforme já mencionado, que, no seu entendimento, do Dec.-lei 2.300 para a Lei 8.666, mudou a linguagem, mas não a situação: "O exame da ratio juris do § 4.º do artigo 55 do Dec.-lei 2.300/86 e do § 2.º do art. 65 da lei 8.666/93 conduz à conclusão de que ambos dizem a mesma coisa, embora com palavras diferentes. Considerando-se, como acima foi dito, que não há limite quando o agente público se depara com situações supervenientes e excepcionais, o § 4.º do art. 55 do Decreto-lei 2.300/86 devia ser entendido em seu sentido, como expressando a fórmula 'pode, desde que ...', enquanto o § 2.º do art. 65 da Lei 8.666/93 deve ser entendido como dizendo 'não pode, salvo se ...' O resultado é o mesmo".40 Outrossim, com propriedade, vincula a possibilidade de modificações de projeto que extrapolem tais limites ao atendimento do interesse público primário: "As licitações para construção de obras públicas devem ser precedidas de projeto básico. (art. 7.º, § 2.º, da Lei 8.666/1993) Página 16 "Na execução do objeto contratual, o projeto vai sendo detalhado e desse detalhamento decorrem

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modificações (alterações, adaptações ou complementações) do projeto inicial, que muitas vezes elevam substancialmente o custa de sua execução. "Surgida uma necessidade, o contrato pode ser estendido, a fim de adequar-se o projeto à realidade. Essa extensão tem por limite o 'interesse coletivo primário'. Vale dizer: somente são admissíveis modificações do projeto que visem ao melhor atendimento do interesse da parcela da sociedade afetada pela obra a ser construída."41 Em outro excerto, prossegue: "Explicando melhor: se a modificação (alteração, adaptação ou complementação) do projeto é considerada, tecnicamente, a melhor para atingir-se o 'interesse coletivo primário', há discricionariedade administrativa, ou seja, o agente público tem o poder de efetuar ou não a modificação. Se, no entanto, por motivo de técnica de engenharia, a modificação é considerada indispensável à realização desse interesse, há vinculação administrativa, ou seja, o agente público tem o dever de efetuar a modificação. Em ambas as hipóteses, a modificação pode extrapolar os limites estabelecidos na lei, como regra geral, para as extensões contratuais, já que o limite real é ditado pelo satisfatório atendimento do 'interesse coletivo primário'."42 Explicita, ainda, que "na hipótese de extrapolação do limite legal, a alteração do contrato é bilateral, ou seja, deve respeitar a equação econômica e financeira inicial"43e é necessária a aquiescência do contratado. 13. Marçal Justen Filho, por seu turno, perfilha a tese de que os limites mencionados nos §§ 1.º e 2.º do art. 65 não estão reportados à hipótese de alteração do projeto, razão pela qual podem ser excedidos nos casos da alínea a do inciso I: "O texto da alínea a não alude diretamente a qualquer limite de valor. É na alínea b que consta expressa previsão de que as modificações quantitativas não poderão superar os limites previstos na Lei. Ora, o dispositivo que estabelece tais limites é o parágrafo do mesmo art. 65. Logo, os §§ 1.º e 2.º do art. 65, referem-se, a meu ver, à hipótese da alínea b do inciso I. A previsão da alínea a não se relaciona com limites quantitativos - mesmo porque se relaciona com alterações qualitativas".44 14. Para Celso Antônio Bandeira de Mello, a persistência da possibilidade de extrapolação dos limites, tal como previsto no § 4.º, do Dec.-lei 2.300/86, "advém de que a vedação contida no § 2.º do art. 65 da Lei 8.666 está reportada tão somente à alteração unilateral a que se remete a letra b do inciso I do art. 65 ("quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta lei", os quais estão fixados no § 1.º e não ao que está mencionado na letra a ("modificação do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos seus objetivos"). De fato, o § 2.º do art. 65 (que declara inaceitáveis quaisquer acréscimos ou supressões excedentes dos limites fixados) se remete expressamente ao parágrafo anterior. Ora, neste, ou seja, no § 1.º, está estabelecido que o contratado fica "obrigado a aceitar acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras" até 25% ou, no caso de reforma 50%."45- sem grifos no original. Conclui, em outro trecho: "Ambos os parágrafos (1.º e 2.º) estão reportados à 'acréscimo' ou diminuição: expressões idênticas ou equivalentes às utilizadas na letra b do art. 65, I, (acréscimo ou diminuição) que é o que trata de alteração de quantitativos. "Demais disto, é também nesta letra b - e unicamente nela - que se faz referência a "nos limites permitidos por esta lei" - expressão que inexiste na letra a, (que trata de "modificação do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos seus objetivos"). Esta inclusão dos limites em uma e exclusão em outra não pode ser desconsiderada."46- sem grifos no original. Nessa esteira é a análise do art. 65 promovida por Floriano Azevedo Marques Neto: "É cediço que na lei inexistem palavras inúteis. Se o legislador distinguiu as hipóteses, era porque isto se fazia necessário. À luz da lei, uma coisa é alteração necessária à adequação técnica do projeto. Outra são as hipóteses de acréscimo ou supressão quantitativa do objeto, estas últimas submetidas a limites previstos na lei. Página 17

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"A referência que se faz aos limites, desde os dispositivos citados, é exclusiva à segunda hipótese de alteração unilateral, ou seja, aquela que agrega ou retira quantidades ao objeto, que modifica o escopo oferecido aos particulares na licitação. Na primeira hipótese, modificação no projeto ou nas especificações ditadas por necessidades técnicas supervenientes que obstam a plena realização dos seus objetivos. Não há qualquer menção aos limites, certamente porque o legislador estava ciente da impossibilitar tais alterações, estranhas à vontade das partes, ditadas por imperativos técnicos supervenientes. Repetimos à farta: onde o legislador diferiu as hipóteses, não podemos nós, intérpretes, procurar uniformizá-las."47 Consentâneo é o entendimento de Adilson de Abreu Dallari, ao destacar que "já é consenso, atualmente, que a necessidade de adequação técnica verificada durante a execução do contrato não obedece a qualquer limite de natureza quantitativa, pois isso seria negar a própria finalidade da lei, que é alcançar a plena eficiência da prestação contratada".48 Adverte Celso Antônio Bandeira de Mello que, "nas hipóteses de modificação do projeto, havendo ultrapassagem dos limites de 25 e 50% (conforme o caso) é necessário o consenso do contratado para que se excedam os limites legais. Deveras, mesmo não estando catalogada no arrolamento dos casos de alteração bilateral, ou seja, procedida por acordo das partes, comparece aqui uma razão teórica suficiente para reputar-se necessário o sobredito consenso."49Destaca, ainda, nesse sentido: "Embora os limites legais não hajam sido estatuídos para a hipótese de alteração de projeto, a aludida necessidade de garantir o contratadocontra ilimitada intensidade e extensão do poder de alteração unilateral, obriga a colocar-lhe balizas. Como referencial limitador (além do respeito à natureza do objeto, o que é intuitivo), é razoável estabelecer aquele mesmo que foi fixado para os casos de aumento e supressão de quantitativos. "Donde, ainda quando esteja em questão alteração de projeto, para que sejam superados os limites legais cumpre que o contratado expenda sua concordância, a qual, entretanto, é bem de ver, não poderia ser negada por mero capricho, por abuso de direito ou para captar indenização pela rescisão de contrato do qual se desinteressara, até porque o contrato administrativo é um contrato de colaboração. "Lembre-se ao respeito, a oportuna lição de Benoît de acordo com a qual no contrato administrativo, ambas as partes estão 'atreladas a uma mesma tarefa de interesse geral', o que se constitui, conforme diz, em uma 'idéia de base' inerente a tal espécie de contrato, levando a que contratante e contratado sejam havidos como colaboradores, excluída, portanto, a hipótese de que possam se apresentar como antagonistas, 'cada qual procurando as fraquezas de seu adversário, como no direito privado' (...)"50 15. Como se vê, a Lei 8.666 admite, nas hipóteses da alínea a, do inciso I, do art. 65, a superação dos limites que menciona no § 1.º: 16. Feitas estas considerações, cumpre definir em que circunstâncias será justificada tal superação, tendo-se, desde logo, como certo, na esteira do entendimento transcrito de Antônio Carlos Cintra do Amaral que a persecução do interesse público primário51importa, como conseqüência, que nem a Administração por si, nem ela e os contratados, em comum acordo, estão livres para a promoção de acréscimos contratuais despidos de fundamento. Neste aspecto, esclarece Celso Antônio Bandeira de Mello que: "A possibilidade de serem superados os quantitativos de 25% do valor dos contratos (ou 50%, no caso de reformas) só ocorrerá em situações anômalas, especialíssimas, para bom atendimento do interesse público primário. "As situações a que aludimos, desde logo, são, evidentemente, aquelas em que o contrato não pode se desenvolver em sua normalidade. Certos fatores invulgares, anômalos, desconcertantes de sua previsão inicial - portanto, que não haviam sido inicialmente supostos ou que lhe são supervenientes - vêm a tornar inalcançável o bom cumprimento do escopo que o animara, sua razão de ser, seu "sentido", a menos que, para satisfatório atendimento do interesse público, se promovam os ajustes contratuais necessários. "Os fatores invulgares, desconcertantes do contrato inicial, em dadas circunstânciasque a seguir referiremos, ensejarão que, à vista destes pressupostos (eventos não previstos e muitíssimas vezes Página 18

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imprevisíveis), seja excedido ou reduzido o valor do contrato em mais do que 25% (ou 50%, no caso de reformas)."52 17. Pois bem, buscando elucidar que circunstâncias são estas, reputáveis como situações anômalas, especialíssimas, justificadoras (ou até mesmo, em alguns casos, visivelmente impositivas) da ultrapassagem dos limites em causa, para correto atendimento do interesse público primário, Celso Antônio Bandeira de Mello assevera: "a) Desde logo, a superação referida seria cabível na hipótese das sujeições imprevistas, perante as quais (...) parece-nos óbvio que não poderia prosperar a limitação de incremento do valor contratual. Este é, dentre todos, o mais evidente dos casos e que, por já ter sido objeto de consideração nos precedentes números, prescinde de quaisquer outras averbações. (...) "b) também parece claro o cabimento da ultrapassagem dos limites referidos quando o projeto inicial ou suas especificações devam ser modificados, 'para melhor adequação técnica aos seus objetivos' ( a do art. 65 da Lei 8.666) em decorrência de eventos supervenientes, por força dos quais os termos iniciais do projeto se tornaram defasados, inadaptados a circunstâncias novas, emergentes, de tal sorte que, se não houver alterações nele e ou em suas especificações frustrar-se-ão os objetivos que o contrato visara quando de seu travamento, ou, quando menos, revelar-se-ão insuficientes para acobertar a necessidade pública que se predispunha a suprir. "Bem se vê que aqui estará em pauta situação anômala, invulgar e, pode-se mesmo dizer, especialíssima, porquanto eventos de tal ordem são incomuns. De regra só ocorrerão em contratos que perduraram por longo tempo, seja porque seu prazo de duração era extenso, seja por haverem sido suspensos durante algum período, em cujo intercurso eclodiram transformações sensíveis na realidade fática. Assim, se o panorama urbanístico ou suas implicações se modificaram (como, e.g., o incremento significativo do fluxo de tráfego na área), disto resultando que as soluções previstas não mais serão suficientes para atender a finalidade contratual, cumpre alterar o projeto, inclusive, em sendo necessário, com a inclusão de obras complementares idôneas ao asseguramento da finalidade contemplada no contrato. "c) igualmente terão de ser admitidas quando, em razão de falha grave, não detectável facilmente, no projeto informador da licitação os quantitativos nele contemplados se revelem insuficientes ou as soluções técnicas presumidas se demonstrem inviáveis, exigindo alteração de uns ou de outros para cumprimento do escopo contratual. A ocorrência de tal anomalia por certo tinha maior probabilidade de ocorrer ao tempo do Dec.-lei 2.300, pois este, ao contrário da Lei 8.666, ora vigente, só exigia um projeto básico para instauração do certame, dispensando a necessidade de projeto executivo."53(sem grifos no original) As hipóteses cogitadas por Celso Antônio Bandeira de Mello também residem na doutrina de Antônio Carlos Cintra do Amaral: "A modificação do projeto pode acarretar extensões contratuais independentemente de o fato motivador ser superveniente ou de conhecimento superveniente. Por outro lado, esse fato tanto pode ser um fato da natureza quanto outro, como alteração da configuração urbana de Municípios a serem atravessados por uma rodovia, alteração essa posterior à elaboração do projeto e que torne impossível ou excessivamente onerosa a observância do traçado previsto; alteração de legislação federal estadual ou municipal que impeça a execução do projeto tal como inicialmente concebido; ou reivindicação político-social com vista à preservação do meio ambiente, todos fatos extrínsecos à relação contratual."54(sem grifos no original). 18. A propósito de possível questionamento quanto à compatibilidade em relação ao princípio licitatório das extensões contratuais que extrapolem os limites de 25 e 50% (vinte e cinco e cinqüenta por cento), é salutar, mais uma vez, transcrever magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello: "Nas hipóteses aludidas não há ferimento ao princípio da licitação e dos valores que nele se albergam. Não há ferimento ao princípio da igualdade, pois todos os que disputaram o certame fizeram-no sob determinadas condições e a quem quer que fosse o vencedor aplicar-se-iam as mesmas eventualidades de superação dos limites referidos no § 1.º do art. 65, perante as circunstâncias aludidas. Não há ferimento ao princípio da busca do negócio mais vantajoso às conveniências públicas por serem precisamente elas que reclamam dita superação. Não há, igualmente, ofensa ao princípio da probidade administrativa porquanto, conforme dito, as autoridades Página 19

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públicas, em comum acordo com os contratados, não têm liberdade para agir ao seu sabor nas ampliações mencionadas, já que só poderão fazê-lo ante hipóteses do gênero indicado. A possibilidade de agravos à probidade nestas situações não é distinta da que pode irromper na grande maioria dos atos administrativos, inexistindo, pois, o que a peculiarizasse em confronto com quaisquer outras. Assim, uma vez presentes as situações anômalas, especialíssimas, a que se fez alusão, nada concorre contra a ultrapassagem dos limites previstos no § 1.º do art. 65; antes e pelo contrário militam razões de tomo para que sejam aceitas."55 19. Destarte, presente interesse público primário justificador da modificação do projeto construtivo, ainda que se extrapole tais limites, não será possível falar em afronta aos princípios da licitação, da isonomia, da eficiência e da economicidade, tampouco à probidade administrativa. 20. Pois bem, no caso vertente, conforme anteriormente explanado e inclusive mencionado nas justificativas apresentadas por ocasião da celebração do 3.º aditivo, tanto as sucessivas paralisações da obra, quanto as transformações ocorridas no Município tornaram o projeto construtivo ultrapassado e premente a necessidade das modificações para adequá-lo à realidade e, mormente, ao escopo almejado pelos munícipes com a realização da obra. Com efeito, encontram-se, integralmente, compatíveis ao atendimento e à persecução do interesse público primário as modificações do projeto, contempladas no 3.º aditivo contratual, ensejadoras de ultrapassar o limite de 25%, limite esse que, aliás, consoante exaustivamente evidenciado, não se aplica às hipóteses de alteração de projetos para melhor adequação técnica. A propósito, Caio Tácito destaca que "uma vez efetivado o contrato, é dever da Administração esmerar-se em alcançar plena eficiência da prestação contratada, visando à melhor adequação técnica e operacional, compatível com a escala do negócio jurídico pactuado. Várias causas poderão recomendar que se atualizem e aperfeiçoem as especificações da obra ou serviço, em termos técnicos ou de qualidade material, mantida a compatibilidade com a estrutura do ajuste."56 Deveras, em sendo necessárias modificações no projeto para melhor adequá-lo técnica e operacionalmente ao escopo da pactuação, incumbirá ao poder público promovê-las. 21. Não bastasse isso, ressalte-se, por oportuno, que tais modificações não implicaram a alteração do objeto contratual, uma vez que este permaneceu inalterado. Demais disso, não se olvide que, no caso em tela, a alteração do projeto constitui imperativo para a consecução do objeto contratual, ao passo que a respectiva complementação proporcional do valor contratual inicialmente estimado faz-se necessária para assegurar a garantia constitucional da intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro. Nesse particular, assevera, com perspicácia, Floriano Azevedo Marques Neto: "Ora, pretender limitar a alteração (do projeto) aos limites dos acréscimos de obras ou serviços significaria obstar a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro ou compelir o particular a não realizar o contrato a que fez jus ao vencer a licitação. Ambas as hipóteses são contrárias ao assegurado no já referido inc. XXI do art. 37 da Constituição. Se assim fosse, o dispositivo supostamente proibidor da alteração colimada seria inaplicável, porquanto inconstitucional."57 Nesse sentido, Caio Tácito, outrossim, preconiza: "Na ocorrência de alterações qualitativas, originárias de modificações do contrato ou de suas especificações, pela indicada causalidade, poderá ocorrer um especial agravamento de custo que venha a abalar a correlação prevista, em detrimento da continuidade do equilíbrio econômico-financeiro gerador de relação jurídica bilateral. É a regra da chamada equação financeira do contrato, a ser respeitada em atenção ao sinalagma original que motivou o acordo de vontades."58 22. No caso vertente, cogitar a opção, ao revés das modificações promovidas e a conseqüente extrapolação de 25% (vinte e cinco por cento), de rescisão do contrato de empreitada e realização de novo certame licitatório importa afronta não só ao interesse público primário, mas também ao interesse secundário na medida em que as verbas rescisórias e indenização ao contratado somadas aos custos de realização de nova licitação ensejaria montante assaz oneroso ao erário público, superior àquele resultante do 3.º aditivo contratual. Página 20

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Com efeito, não se pode olvidar, nessa análise, que as paralisações na execução da obra, inevitáveis, motivadas pelos sucessivos contingenciamentos dos recursos necessários, inviabilizaram a conclusão do objeto contratual no prazo inicialmente previsto, bem como prejudicaram consideravelmente o contratado, mormente com os custos de desmobilização de pessoal e de maquinário. Nesse sentido, encontra-se, na jurisprudência do Tribunal de Contas, em excerto da Decisão 606/96 (Proc. TC 008.151/94-6, DOU 15.10.1996, p. 20.931), embora se refira às devoluções dos lapsos temporais interruptivos ao prazo contratual, ponderação aplicável ao caso em tela: "A bem da verdade, impende frisar que a questão do prazo máximo de duração dos contratos previsto nas normas atinentes à licitação e contratos sempre se operou, no que diz respeito à construção de obras e serviços de engenharia, computando-se, para efeito de contagem de tempo, as devoluções das interrupções de responsabilidade da Administração, que via de regra patrocina as tão conhecidas e combatidas 'obras paralisadas ou inacabadas' muitas vezes fruto da insuficiência de dotação orçamentária gerada pelos constantes contigenciamentos de recursos feitos pelo Governo Federal (...) "Em harmonia com o entendimento acima creio que a exegese correta dos dispositivos do já revogado DL 2.300/86 não pode deixar de considerar a hipótese de que dando causa às interrupções dos contratos a Administração concorreu para a não execução a bom termo das avenças, impondo, desse modo, em regra, vultosos prejuízos ao contratado, decorrente do não cumprimento integral do objeto pactuado, sendo pois, bastante razoável que a suspensão do contrato por conveniência administrativa autorize a devolução do prazo correspondente a essa suspensão, conceito este que se coaduna tanto com a Súmula 191 do TCU, bem assim com os dispositivos da atual Lei 8.666/93." 23. Ademais, é salutar transcrever trecho de estudo de Floriano Azevedo Marques Neto sobre, em circunstância análoga àquela aqui traçada, a conveniência da interrupção das obras e realização de nova licitação: "A primeira seria a interrupção das obras, definitivamente (caso desistisse a Administração da melhoria) ou provisoriamente (até concluir uma nova licitação para conclusão das obras, já consignando os novos quantitativos necessários e o novo valor para a contratação). Porém, nesta hipótese, não vemos como estaria sendo consagrado o interesse público. Muito ao contrário. "Se desistir da obra, estará ferindo o interesse coletivo pois já empenhou recursos em obras que não concluirá. E de nada servirá para a coletividade paulistana um esqueleto de ponte largado às margens do rio. Essa hipótese sequer pode ser pensada. "Se resolver ultimar a ponte em outro contrato, por certo, só se estará a contemplar às expectativas dos que interpretam a atividade administrativa como uma sucessão de procedimentos licitatórios, pouco importando se deles advém ou não uma melhoria a ser revertida para a coletividade. A licitação, cumpre frisar, é um meio e não um fim da atividade administrativa. "Uma nova licitação feriria o interesse público em três pontos: i) violentando o princípio da economicidade, pois que a Administração terá que indenizar a contratada pela rescisão contratual a que ela, a Consulente, não deu causa, criando gasto sem contrapartida em melhoria pública, além de duplicar alguns gastos; ii) prolongando inutilmente o tempo de reversão da melhoria para a coletividade, impedindo de se reduzir a aflitiva situação do tráfego na cidade; iii) carreará intrincados problemas operacionais pois, caso não seja aConsulente a vencedora do certame, advirão questões relativas à sucessão de responsabilidade técnica. "(...) Se é a licitação indesejável, em gênero, ela não lograria atingir suas finalidades no caso específico. (...) "Qualquer novo executante deverá praticar na obra os quantitativos posteriormente apurados e pela técnica construtiva que se concluiu ser necessária para contornar os problemas técnicos de tráfego. Proporcionalmente, a obra sairá mais cara que o inicialmente estimado, qualquer que seja a construtora contratada. Assim, não logra a licitação resguardar ao princípio da isonomia, o qual, como já asseveramos, não se colocaria no caso. "Já no que tange ao corolário da busca da melhor proposta, fundados temores podem-se terPágina que ele 21

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será afligido. Como relatou a Consulente, os preços por ele oferecidos na licitação quedaram-se bastante inferiores aos preços de referência do órgão promotor do certame. "Desistir da execução da obra neste contrato implicaria também renunciar à proposta sobejamente vantajosa. "Concluímos, pois, que a alternativa decorrente de aplicação irrefletida dos limites de acréscimo, levaria à rescisão do contrato, sem a conclusão do objeto e, via de conseqüência, antes de não trazer qualquer benefício à coletividade, significará uma verdadeira afronta ao interesse público".59 (sem grifos no original) Antônio Carlos Cintra do Amaral, por seu turno, ao bosquejar sobre as alternativas consistentes em " (a) desistir de realizar a obra ou (b) modificar o projeto, abrir outra licitação e efetuar nova contratação", pondera: "A primeira decisão pode contrariar o interesse coletivo primário na medida da necessidade ou indispensabilidade da obra. A segunda pode ferir o princípio constitucional da economicidade, quer por acarretar custos extraordinários decorrentes da paralisação da obra, quer por conduzir a uma contratação mais cara. Provocaria atraso considerável nos prazos previstos e poderia, ainda, gerar dificuldades operacionais, na hipótese de o novo contratado não ser o mesmo (remanejamento dos canteiros de obras, por exemplo). Além do mais, há que se analisar o impacto econômico da rescisão do contrato, em termos de possíveis indenizações a serem pagas ao contratado. "Tal situação, que a Administração costuma enfrentar na prática, evidencia que o limite legal de 25% (vinte e cinco por cento) para extensões contratuais, examinado à luz de sua ratio, constitui regra geral, que comporta exceções. A decisão de ultrapassar esse limite, em casos excepcionais - como é a modificação necessária ou indispensável do projeto -, contém-se na margem de discricionariedade do agente público, a quem cabe valorar os fatos e adotar a decisão que considere mais compatível com o interesse coletivo primário a atender" (loc. cit., p. 132 - os destaques são do autor). Em outro excerto, após vincular a possibilidade em discussão à persecução do interesse público primário, preconiza: "Penso que defender a tese de que, atingido o limite legal, e surgida a necessidade de ultrapassá-lo, deve sempre rescindir o contrato, não importando o motivo que levou a essa situação, é postura irrealista, quase sempre prejudicial aos interesses sociais. Como diz Ariño Ortiz (ob. cit., pp. 309/310): 'A moderna doutrina se tem mostrado mais partidária da revisão, com preferência à suspensão ou resolução dos contratos, e concretamente em Direito Administrativo é clara a prioridade desta solução sobre as outras duas'".60 24. Muito embora devam, haja vista tratar-se de ato jurídico perfeito, ser aplicados ao contrato em tela os dispositivos do Dec.-Lei 2.300/86 e não a Lei 8.666/93, convém mencionar que a opção pela celebração do 3.º aditivo contratual, ao revés de rescindir a avença e realizar nova licitação, na medida em que atende seja ao interesse público primário, seja ao secundário, apresenta-se absolutamente compatível com a jurisprudência do E. Tribunal de Contas da União, conforme se depreende da Decisão 215/99, na qual foi desenhada solução precisa e irrebatível, admitindo-se, em situações excepcionalíssimas, alterações qualitativas (de projeto) que superem os limites legais. Com efeito, nesse julgado definiu-se que a admissibilidade da modificação sobejante ao limite de 25% depende de: "I - não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório; II - não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado; III - decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial; IV - não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos; V - ser necessária à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma Página 22

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de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes; VI - demonstrar-se - na motivação do ato que autorizou o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea a, supra - que as conseqüências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou gravíssima a esse interesse; inclusive à sua urgência e emergência". Comentando o julgado, Marçal Justen Filho obtempera: "A decisão merece aplausos, especialmente por seu cunho de inovação em face da doutrina então vigente. O entendimento por ela consagrado refletiu a melhor orientação para a questão, tanto que vem sendo amplamente adotado como solução aplicável no âmbito não apenas da União como também de Estados. Frise-se que o próprio TCU utiliza a Decisão 215/99 como precedente norteador de seus julgamentos, como se pode comprovar no corpo da Decisão 813/2000, proferida em 27.09.2000 (DOU 19.10.2000, seção I, p. 114-120)."61 25. Diante de todo o exposto, vislumbra-se que as modificações do projeto, a par de não se sujeitarem aos limites destinados às alterações quantitativas, visaram a atender ao interesse público primário, respeitando o objeto contratual, eis que foram implementadas para viabilizar a plena satisfação do escopo contratual, sem as quais se frustrariam ou restariam deficientemente atendidas as necessidades que o objeto contratual se propunha a suprir. Não bastasse isso, tais modificações asseguram o atendimento ao interesse público secundário, uma vez que a opção pela rescisão do contrato poderia ensejar à Administração custos superiores à elevação promovida no terceiro aditivo. 3. Respostas aos quesitos Tendo em vista o exposto, responde-se aos quesitos formulados da seguinte forma: (i) em relação a contratos celebrados sob a égide do Dec.-lei 2.300/86, são aplicáveis os dispositivos da Lei 8.666/93? Não, em virtude da proteção constitucional ao ato jurídico perfeito (art. 5.º, XXXVI), tais contratos submetem-se ao Dec.-lei 2.300/86, ao qual se atribui ultratividade; (ii) são admissíveis alterações unilaterais consistentes na modificação de projeto executivo de engenharia, sem que se altere o objeto do contrato, que ensejem a elevação do valor contratual em percentual superior a 25% (vinte e cinco por cento)? Sim, quando as modificações, para conferir melhor adequação técnica ao projeto, atenderem ao interesse público primário e, assim, o escopo buscado na realização do contrato, mesmo porque os limites em questão apenas regulam as alterações quantitativas, não estando as qualitativas (alteração de projeto) a eles adstritas. (iii) na hipótese de resposta afirmativa ao segundo quesito, apresenta-se de acordo com o ordenamento jurídico pátrio a contratação em tela, mormente no que concerne ao 3.º aditivo? Sim, porque a elevação do contrato em montante superior a 25% (vinte e cinco por cento) decorreu de modificações no projeto construtivo, destinadas a assegurar o escopo visado com a contratação e, assim, a preservação do interesse público primário. (iv) A rescisão do contrato e realização de nova licitação, ao revés da celebração do 3.º aditivo, é opção mais adequada à satisfação do interesse público primário? Não, porque a rescisão e realização de nova licitação, a par de ensejarem custos maiores do que os decorrentes da elevação promovida no 3.º aditivo afrontando, assim, o interesse público secundário, haja vista as indenizações ao contratado e outras obrigações decorrentes, implicariam a interrupção, ainda que parcial, da realização da obra e, por conseguinte, frustraria ou postergaria a persecução do interesse público primário e do escopo específico almejado com a contratação. (v) Configura-se, no caso em apreço, hipótese de responsabilização, nos moldes da Lei 8.443/92, do atual Prefeito de (...)? Página 23

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Não, por dois motivos. Não foi, em primeiro lugar, o responsável pela conclusão do 3.º aditivo. Depois, como se viu, o aditivo não padece de ilegalidade, restando afastada, portanto, a hipótese de responder em função de "dar prosseguimento a contrato ilegal". A busca incessante pela conclusão da obra, afirme-se, encontra-se em plena consonância com o interesse público primário. Este é, s.m.j., o parecer. Curitiba, 11.08.2004. (1) Agradeço a preciosa colaboração da Dra. Melina Breckenfeld Reck, Mestre em Direito pela UFPR, advogada militante, assessora jurídica e professora de Direito Econômico da UniBrasil.

(2) CARDOZO, José Eduardo Martins. Da retroatividade da lei. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995,p. 298. (3) ARAÚJO, Luiz Alberto David; SERRANO, Vidal. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, pp. 128-9. (4) TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 503. (5) DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil interpretada. 7. ed. São Paulo: Saraiva. 2001, pp. 182-3. (6) DINIZ, op. cit., pp. 183-4. (7) CARDOZO, op. cit.,p. 325. (8) CARDOZO, op. cit.,pp. 321-2. (9) AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. Ato administrativo, licitações e contratos administrativos. São Paulo: Malheiros, 1995, pp. 133-5. (10) JUSTEN FILHO, Marçal. Limites às alterações de contratos administrativos. ILC - Informativo Licitações e Contratos, n. 42, ago. 1997, pp. 607-8. (11) Conferir, nesse sentido, TÁCITO, Caio. Parecer. Revista de Direito Administrativo. RD, n. 198, out.-dez. 1994, p. 363. (12) TÁCITO, op. cit., p. 363. (13) Idem, ibidem, pp. 363-4. (14) Conferir, nesse sentido, ORTIZ, Gaspar Ariño. Teoria del equivalente economico en los contratosadministrativos. Madrid: Instituto de Estudios Administrativos, 1968, p. 225. (15) AMARAL, op. cit., p. 127. (16) ALESSI, Renato. Principi di Diritto Amministrativo. v. 1. Milão: Giuffrè, 1974, p. 226 e ss. (17) BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 228. (18) JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 10. ed. São Paulo: Dialética, 2004, pp. 528-9. (19) BANDEIRA DE MELLO. Elementos ..., p. 231. Página 24

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(20) Idem, p. 225. (21) JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários... p. 535. (22) MEIRELLES, Hely Lopes. Reajustamento e recomposição de preços em contrato administrativo. RDA 139/16, p. 18. (23) "Ainda que os custos fossem maiores do que os inicialmente orçados, entendemos que isto não seria óbice para a alteração, pois para nós são suficientes os imperativos de ordem técnica levantados pela CET. Afinal, o interesse de economizar alguns dinheiros parece-nos secundário em relação ao interesse primário de evitar o colapsamento do tráfego da região, independente de ter a Administração se equivocado em não dimensionar este impacto na época da preparação do projeto básico. Se a Administração ou seus agentes falharam neste passo, certamente não haverá de ser o usuário da av. Marginal que irá arcar com as conseqüências desta imprevisão." (MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Contrato Administrativo: Superveniência de Fatores Técnicos dificultadores da execução da obra - inaplicabilidade dos limites de 25% de acréscimos. Boletim de Direito Administrativo, NDJ, ano XIV, n. 2, fev. 1998, p. 109) (24) MARQUES NETO, op. cit., p. 109 . (25) BANDEIRA DE MELLO, Extensão das alterações dos contratos administrativos: a questão dos 25%. RevistaDiálogo Jurídico. Salvador: CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. 1, n. 6, set. 2001. Disponível em [http://www.direitopublico.com.br], p. 3. (26) MENDES, Raul Armando. Estatuto das licitações e contratos administrativos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 148. (27) BANDEIRA DE MELLO, Extensão..., p. 4. (28) MUKAI, Toshio. Estatutos jurídicos de licitações e contratos administrativos. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 88. (29) BANDEIRA DE MELLO. Extensão..., pp. 5-6. (30) AMARAL, op. cit., pp. 123-4. (31) AMARAL, op. cit., p. 123. (32) Idem, ibidem. (33) Idem, p. 124. (34) BANDEIRA DE MELLO. Extensão..., p. 5. (35) Idem, p. 6. (36) SILVA, Antônio Marcello da. Alteração de projeto, variação de quantidades e direito ao equilíbrio financeiro do contrato. RDA n. 198, out./dez. 1994, p. 63. (37) SILVA, Antônio Marcello da. Alteração..., p. 64. (38) TÁCITO, op. cit., pp. 365-6. (39) AMARAL, op. cit., pp. 122-135. (40) Idem, pp. 125-6. (41) AMARAL, op. cit., p. 128. (42) Idem, p. 131.

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(43) Idem, p. 133. (44) JUSTEN FILHO. Limites..., p. 610. (45) BANDEIRA DE MELLO. Extensão..., pp. 10-11. (46) Idem, p. 11. (47) MARQUES NETO, op. cit., p. 112. (48) DALLARI, Adilson de Abreu. Contrato de obra pública - circunstâncias que determinam a alteração do projeto - acréscimo de valor superior a 25% do valor inicial do contrato - aditamento viabilidade jurídica. Interesse Público,n. 25. Porto Alegre: Nota Dez, 2004, p. 81. (49) BANDEIRA DE MELLO, Extensão..., p. 12. (50) BANDEIRA DE MELLO. Extensão..., p. 12. (51) Os interesses públicos primários, consoante lições de Renato Alessi são os "da coletividade como um todo" - e interesses secundários são "os que o Estado (pelo só fato de ser sujeito de direitos) poderia ter como qualquer outra pessoa, isto é, independentemente de sua qualidade de servidor de interesses de terceiros: os da coletividade". (ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del diritto aministrativo italiano. 3. ed. Milano: Giuffrè, 1960, p. 197) (52) BANDEIRA DE MELLO. Extensão..., pp. 16-17. (53) BANDEIRA DE MELLO. Extensão..., pp. 17-8. (54) AMARAL, op. cit., pp. 128-129. (55) BANDEIRA DE MELLO. Extensão..., p. 20. (56) TÁCITO, op. cit., p. 366. (57) MARQUES NETO, op. cit., p. 115. (58) TÁCITO, op. cit.,p. 367. (59) MARQUES NETO, op. cit., p. 118. (60) AMARAL, op. cit., p. 131. (61) JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários..., pp. 537-8.

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