Limites, contradições e possibilidades da extensão rural em um PDS: o caso do Assentamento Santa Helena

July 5, 2017 | Autor: J. Gonçalves de C... | Categoria: Extensão Rural, Questão Agrária, Assentamentos Rurais
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LIMITES, CONTRADIÇÕES E POSSIBILIDADES DA EXTENSÃO RURAL EM UM PDS: O CASO DO ASSENTAMENTO SANTA HELENA Joelson Gonçalves de Carvalho1 Flávia Sanches de Carvalho2 Leonardo Menezes3 André Misiuk Farah4 Anna Carolina Santana da Silva5

Introdução Este artigo tem como objetivo apresentar, como o próprio título sugere, os limites, contradições e possiblidades da extensão rural no Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Santa Helena, um assentamento composto por 14 famílias, localizado no município de São Carlos, SP. Este assentamento é mantido e assistido pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e por seu caráter de PDS é considerado como um possível, pelo menos em tese, novo modelo de desenvolvimento rural. Com o intuito de cumprir o objetivo proposto o trabalho está dividido em quatro tópicos para além desta introdução e das considerações finais. No primeiro tópico, nos detemos no papel estratégico que ocupa a lógica do desenvolvimento sustentável enquanto agenda internacional para situar a importância de um assentamento tipificado como PDS no atual contexto das políticas públicas. No segundo tópico apresentamos o assentamento propriamente dito, elencando um conjunto de observações feitas in loco e também a partir de entrevistas com agentes representativos. O segundo tópico tem caráter mais teórico e busca problematizar o papel, os debates e as controvérsias da extensão rural. No terceiro e último tópico, focamos nossa análise na extensão rural oferecida ao PDS, buscando expor e analisar os seus mecanismos e eficácia de modo a deixar claro o descompasso entre a prática registrada e as necessidades exigidas para a constituição efetiva de um novo modelo de desenvolvimento pautado

no

desenvolvimento sustentável. 1

Mestre e Doutor em Desenvolvimento Econômico e professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar. E-mail [email protected] 2 Tecnóloga em Marketing e Vendas e graduanda em Administração Pública pela UFF. E-mail: [email protected] 3 Graduando em Ciências Sociais pela UFSCar e bolsista de Iniciação Científica Fapesp. [email protected] 4 Graduado em licenciatura em Ciências Biológicas pela UFSCar e coordenador técnico do NuMI-EcoSol UFSCar. E-mail: [email protected] 5 Licenciada em Ciências Biológicas pela UNESP – Campus Botucatu, e técnica-extensionista do Instituto Giramundo Mutuando.

1 – O significado estratégico de um Projeto de Desenvolvimento Sustentável

Enquanto digressão necessária para o entendimento da importância estratégica de um assentamento caracterizado como PDS, cabe ressaltar que o termo desenvolvimento sustentável tem sua gênese com o surgimento da questão ambiental durante a década de 1960, porém, é na década de 1970, que esse debate começa a ganhar força surgindo como uma questão mundial a partir do encontro conhecido como Clube de Roma. Neste encontro o Massachusetts Institute of Technology (MIT) lançou o primeiro informe sobre os limites do crescimento, sob a direção do professor Dennis Meadows. Seguindo esta trajetória, a Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), em 1987, adotou o conceito de Desenvolvimento Sustentável em seu relatório Our Common Future. Neste relatório, o desenvolvimento sustentável é definido como “aquele que satisfaz as necessidades atuais sem sacrificar a habilidade do futuro de satisfazer as suas [próprias necessidades]” (CMMAD,1988). De acordo com MARTINS (2001), à medida que a temática do desenvolvimento sustentável passou a ser discutida de forma mais ampla na sociedade (cientistas, técnicos, políticos, empresários, ONGs, etc.), foram surgindo outras interpretações com relação ao seu significado segundo as expectativas e interesses dos diversos atores sociais, o que provocou a reflexão sobre as distintas dimensões presentes no desenvolvimento:

econômica,

social,

ambiental,

cultural,

política,

cientifica,

tecnológica, jurídica, etc. Após cinco décadas do início do processo modernizante na agricultura brasileira bastante pautado nas inovações técnicas oriundas da Revolução Verde, há que se fazer uma revisão crítica do grau de alcance das metas programadas para esse setor e de seus custos no contexto do desenvolvimento brasileiro. A utilização de máquinas pesadas, insumos específicos, adubação química e consequente aumento da produtividade são características dessa modernização agrícola que entre outras consequências, foi de grande valia para a consolidação dos grandes complexos agroindustriais, incapazes, diga-se, de amenizar a pobreza rural, agravando sobremodo as discrepâncias da estrutura agrária nacional. Estima-se que dos 6,5 milhões de explorações agrícolas familiares existentes no Brasil, cinco milhões estejam em uma situação precária ou de total marginalidade (FAO/INCRA, 1995), o que, por

seu turno, coloca o Brasil com indicadores sociais que o colocam entre os piores do mundo.6 Neste contexto, as atuais políticas públicas voltadas ao setor, sob pressão dos movimentos sociais e de outras articulações sociais mais progressistas tentam superar esses desafios da sustentabilidade com projetos baseados em outros princípios, a exemplo da Agroecologia. Estas iniciativas são orientadas pelo Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pronater) e a Politica Nacional de Ater (PNAter), ambas elaboradas a partir dos princípios do desenvolvimento sustentável, incluindo a diversidade de categorias e atividades da agricultura familiar, e considerando elementos como gênero, geração e etnia e o papel das organizações governamentais e não governamentais. Feita esta digressão, cabe por fim dizer que o Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) baseado em estratégias que, em tese, alcancem o desenvolvimento social e econômico sem prejuízo do ambiental caracterizou o assentamento Santa Helena como um PDS.7 2 – PDS Santa Helena O assentamento estudado está situado em São Carlos. Este município, segundo dados do último Censo do IBGE (2010), possui cerca de 237.000 habitantes, tendo uma área territorial de 1.137,332 km². É considerado um município de porte médio, entretanto, conta com três grandes universidades, sendo duas públicas e uma privada e, entre outros, dois centros de pesquisas agropecuários da EMBRAPA. Conta ainda com dois parques tecnológicos e duas escolas técnicas que possuem cursos voltados às ciências agrárias, ou seja, pode ser considerada uma cidade com foco na pesquisa e inovação, com viés agropecuário. O Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Santa Helena localiza-se a 14 quilômetros da área urbana da cidade de São Carlos. Criado em 2005, o assentamento é composto por 14 famílias, sendo que cada uma possui seu próprio lote para produção com cerca de 7,2 hectares.

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Segundo pesquisa do IPEA - Instituto de Economia Aplicada, 2007 - mostrou que em 2006 havia no país cerca de 21,7 milhões de pessoas em extrema condição de pobreza, sendo que aproximadamente 9 milhões de pessoas das quais em áreas rurais. 7 Conforme norma de execução DT– 69/2008.

O assentamento foi concebido com o caráter de PDS, ou seja, o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) considera o espaço como modelo de desenvolvimento sustentável em todos os seus aspectos. Isso significa que os princípios básicos norteadores destes projetos recaem no associativismo e na agroecologia como condição básica para a concessão do uso da terra e para o consequentemente acesso a crédito8. No que tange o PDS Santa Helena, em sua concepção a ideia era que ele fosse capaz de desenvolver-se, social, cultural e espacialmente dentro dos princípios do desenvolvimento sustentável, o que atualmente não acontece. Fica patente a necessidade de assistência técnica, notadamente com o viés da agroecológica objetivando a aplicação de novas técnicas agrícolas, de manejo e cultivo, auxílio organizacional, tanto popular quanto administrativo. Atualmente o assentamento apresenta associação local estruturada, na qual das 14 famílias 8 integram a entidade. As lideranças apresentam aproximação das iniciativas em Economia Solidária, participando ativamente de espaços como o Conselho Municipal de Economia Solidária e o Fórum Municipal de Economia Solidária. 3 – Extensão rural: debates e controvérsias

A extensão rural desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de projetos agropecuários em assentamentos rurais, oferecendo apoio técnico e logístico, mesmo diante de um contexto em que muitos assentamentos se encontram com elevado grau de precariedade de sua infraestrutura. Sem querer fazer uma longa argumentação, cabe dizer, no que tange a ideia de extensão, dois aspectos são fundamentais, o político e o processual, que nas palavras de Peixoto (2008, p. 7):

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Conforme Portaria INCRA 477/99 e Portaria MMA 01/99.

(...) como processo, em um sentido amplo e atualmente mais aceito, extensão rural pode ser entendida como um processo educativo de comunicação9 de conhecimentos de qualquer natureza, sejam conhecimentos técnicos ou não. Neste caso, a extensão rural difere conceitualmente da assistência técnica pelo fato de que esta não tem, necessariamente, um caráter educativo, pois visa somente resolver problemas específicos, pontuais, sem capacitar o produtor rural. (…) O termo extensão rural também pode ser entendido como uma política pública. Neste caso referimo-nos às políticas de extensão rural, traçadas pelos governos (federal, estaduais ou municipais) ao longo do tempo, através de dispositivos legais ou programáticos, mas que podem ser executadas por organizações públicas e/ou privadas (grifos do autor).

Nesse sentido, tanto como um processo educativo, ou uma política pública podemos utilizar o termo extensão como uma relação entre dois conhecimentos, um técnico/superior (a ser ensinado, passado e transmitido) e um não-técnico/inferior, ou popular, que receberá esse modelo, nesse caso, da extensão rural, podemos visualizar a relação entre conhecimentos e tecnologias técnicas agrárias e os saberes dos camponeses, dos trabalhadores e dos povos tradicionais.

Ainda segundo o Peixoto (2008), os serviços de assistência técnica e de extensão rural, atualmente podem ser prestado por quatro tipos de entidades diferentes: setor público, setor privado, ONG's, e organizações rurais, podendo, neste sentido, receber financiamentos de todos estes tipos de entidades, incluindo, obviamente, as organizações de produtores rurais, o que, por seu turno, causa um grau de diferenciação tanto na qualidade quanto na quantidade da assistência recebida, segundo o órgão prestador e a fonte de recursos. Ou seja, conforme se variam os prestadores de serviços e as fontes de recurso, é possível se obter métodos e racionalidades diferentes de assistência, ou extensão (PEIXOTO, 2008, p. 10). Em síntese, é possível, ao se identificar as associações, as empresas ou as entidades que, historicamente, constroem o processo e a política pública de extensão rural no Brasil, é possível realizar um paralelo com relação às diferentes formas, técnicas e racionalidades intrínsecas a este processo.

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Não desconsiderando que existe hoje todo um conjunto de teorias e estudos sobre o processo de comunicação, ressaltamos o fato de que Paulo Freire já levantava, em 1968, a crítica ao processo de extensão rural, por então apresentar um fluxo de informações unidirecional e impositivo, defendendo um processo efetivamente comunicativo, dialógico, de troca de saberes, a ser estabelecido entre o técnico e o produtor rural (FREIRE, 1982).

Como consequência das diversas entidades envolvidas, das formas de entender a extensão rural e também dos objetivos pretendidos, é fácil perceber que, muitas vezes, a ação da extensão encontra-se superposta. Não obstante, outros limites da extensão rural estão no déficit e a rotatividade de pessoal, nas dificuldades de adequação dos projetos às normas em nível ministerial, inadequação de metodologias de intervenção, muitas delas ainda, ancoradas numa perspectiva difusionista, reforçando o antagonismo entre conhecimento técnico e conhecimento leigo. Como apresentado, a extensão rural apresenta uma possibilidade efetiva de auxílio na emancipação de comunidades e propriedades rurais. Porém, não se pode menosprezar o fato de que “possibilidade efetiva” não é necessariamente “efetividade”. Neste sentido, em nossa perspectiva analítica, ao se pensar o papel da extensão rural, deve-se ter em mente a relação entre dois conhecimentos, um técnico/científico, e um não-técnico. Na mesma linha de raciocínio, o trabalho de Fraga (2012), que aborda o papel da extensão e da transferência de conhecimento, apresenta um debate seminal entre os educadores Paulo Freire, Orlando Fals Borda e Michel Thiollent, debate este pautado na opção que estes tomam como base a “educação como prática transformadora da realidade” (FRAGA, 2012, p. 146). Para Paulo Freire: o termo extensão se encontra em relação significativa com transmissão, entrega, doação, messianismo, mecanicismo, superioridade (do conteúdo de quem entrega), inferioridade (dos que recebem), invasão cultural, etc (…) através do conteúdo levado, que reflete a visão do mundo daqueles que levam, que se superpõe à daqueles que passivamente recebem” (FREIRE, 1983, p. 13 Apud FRAGA, 2012, p.148)

O que se diferencia de uma prática libertadora, na qual: se problematiza sua situação concreta, objetiva, real, para que captando-a criticamente, atuem também criticamente sobre ela (…) não é transferência ou transmissão do saber nem da cultura; não é extensão dos conhecimentos técnicos; não é o ato de depositar informes ou fatos nos educandos; não é a perpetuação de uma cultura dada” (Ibidem, 2012, p. 148).

Ou seja, para o autor, a extensão está ligada a uma ideia messiânica, de transmissão, porém mecanicista e hierárquica, que promove uma invasão cultural. O que se diferencia em muito de uma prática libertadora, que não preza por uma ideia de

“receptores”, mas sim de uma problematização da situação, e a possibilidade de sua superação. Para Orlando Fals Borda, referência na Investigação Ação Participativa, se diferencia de Freire, na medida em que ele afirma que o cientista deve mudar a sua própria visão de mundo. Ele então, trabalha no viés de questionar a noção de “verdade científica”, pois para ele, o cientista foi capaz de descobrir uma maneira de viajar a lua, porém não é capaz de solucionar o problema de uma “mulher pobre que precisa andar todos os dias para ter água em casa” (Ibidem, 2012, p. 150). Para este autor os intelectuais deveriam se envolver com as lutas populares, e estarem dispostos a modificarem as suas próprias concepções ideológicas. O processo deveria se dar no empoderamento das classes trabalhadores, na produção de conhecimento que aumentaria “su control sobre el proceso de producción de conocimientos, así como del almacenamiento y uso de ellos” (RAHMAN; FALS BORDA, 2002, p. 34 Apud FRAGA, 2012, p.150). O ideal normativo então, se daria na democratização e na alteração do próprio “ethos” científico, na criação de espaços que promovessem o diálogo de saberes, que levasse em conta a ciência popular. Por fim, outro autor desta linha, é o franco-brasileiro Michel Thiollent, que retrata a extensão a partir de sua experiência francesa com a Universidade Popular. Para ele, a extensão não deve ser entendida como “uma simples divulgação de informação destinada a um público composto de ‘receptores’ individualizados e passivos” (THIOLLENT, 2002, p. 2 Apud Fraga, 2012, p.153). Deve-se buscar, na verdade, a coconstrução social do conhecimento, passado pelo crivo do “reflexo-na-ação”. Nesse sentido: Bons projetos de extensão são aqueles que geram ganhos de conhecimento e de experiência para todos os participantes, com base no ciclo relacionando ação e reflexão” (THIOLLENT, 2002, p. 7 Apud FRAGA, 2012, p. 153).

Fica claro, portanto, que, para estes autores, a extensão aparece como uma possibilidade que ultrapassa a transferência de conhecimento, ela surge como uma possibilidade de transformação da realidade, sejam dos próprios cientistas, seja na possibilidade de emancipação social. Outra corrente que aborda o processo de extensão, está materializada nos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (ESCT), mais focada em características e arestas diferentes dos processos e na análise da relação entre o conhecimento e o

desenvolvimento científico e tecnológico, trazendo à tona três pontos importantes: primeiro, a não-neutralidade do conhecimento; em segundo lugar, a ideia de que o conhecimento não gera apenas benefícios para toda a sociedade e, por último, a noção de que o conhecimento não se transfere. Os primeiros aspectos apresentado por esta corrente, abordam a questão da nãoneutralidade do conhecimento, o que pode ser depreendido das contribuições de Renato Dagnino e Hugh Lacey (FRAGA, 2012). No que tange Dagnino, Fraga afirma que: A ciência, afirma o autor, ensinaria as pessoas a pensar racionalmente e agir de acordo com um comportamento racional, livre da política, substituindo as paixões e a emoção pelo domínio da lógica da razão. Decorre daí a “convicção de que todos os processos – sociais ou físicos – podem ser analisados, entendidos, coisificados, mediante uma colocação científica pra encontrar uma solução objetiva e politicamente neutra (FRAGA, 2012, p. 163)

Existem dois fatores que retiram o véu da neutralidade científica: o primeiro é a noção de que as ideias e valores permeiam a produção e reprodução da ciência e da tecnologia, assim como é possível verificar controvérsias e contradições que evidenciam a multiplicidade de caminhos que a ciência e a tecnologia poderiam tomar; o segundo fator se visualiza nas diversas formas possíveis de interpretar um mesmo conjunto de dados, e os mecanismos de fechamento utilizados pelos cientistas para lidar com as controvérsias (Ibidem, 2012, p.164). Já para Hugh Lacey, filósofo da ciência, que se debruça nos valores intrínsecos aos conhecimentos, e nas controvérsias existentes sobre o tema, perceber a ciência como neutra, se resume em afirmar que a ciência é livre de valores. E para afirmar sua questão, ele apresenta as controvérsias dos transgênicos e das sementes crioulas, demonstrando como uma mesma questão (produção agrícola) é tratada de formas distintas pela ciência, ou pelas ciências distintas. Duas questões centrais devem ser apreendidas do que foi apresentado: a primeira é a de que “a oferta de conhecimento não se conecta automaticamente com a demanda”, ou seja, um conhecimento, ou tecnologia, pensado enquanto transferido, não se adequa à um problema à ser solucionado por parte dos “demandantes”; a segunda é a de que o conhecimento “precisa ser compreendido como um processo dinâmico de aprendizado”, ou seja, entendido enquanto um processo à ser transformado, ou então, construído a partir de uma interação, pois senão, ele estará distante das demandas locais.

Sendo assim, problematizando a transferência de conhecimento, a extensão rural aparece como possibilidade, ou já repleta de dificuldade, dependendo da forma como constituída. E com a ajuda dos autores aqui apresentados, a extensão enquanto processo, existem diversas formas de alterações da realidade, seja por parte da emancipação de comunidades ou pequenas propriedades, sejam na mudança de visões de mundo. 4 – A extensão rural no PDS Santa Helena10

Na construção da assistência técnica e extensão rural, o PDS Santa Helena conta com ações realizadas pelo SENAR e SEBRAE, sob intermédio do Sindicato Rural Patronal de São Carlos e pelo Instituto BioSitêmico (IBS), vencedor de licitação pública lançada pelo INCRA, assim como iniciativas mais isoladas realizadas por núcleos universitários e organizações da sociedade civil. Por questões de foco e qualidade da informação focaremos nossa análise na ações do SENAR. O Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) é, segundo informações da própria instituição, disponíveis em seu site, uma entidade de direito privado que foi criada pela Lei nº 8.315, de 23/12/91. É uma entidade paraestatal mantida pela classe patronal rural, vinculada à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e administrada por conselho deliberativo tripartite. Esta entidade integra o Sistema S, porém não tem unidade de ensino e sim leva a ensino gratuito no local que o trabalhador e produtor rural atuam (SENAR, 2014).11 O SENAR tem caráter de formação profissional e busca capacitar tecnicamente o produtor rural. Isto se dá por meio de atividades ministradas em propriedades rurais por técnicos capacitados com o objetivo de promover a formação profissional do agricultor. O SENAR conta com 97 técnicos, realizando atividades em diversas regiões brasileiras, além de mobilizadores, responsáveis pela organização de eventos e seleção dos participantes dos cursos, e supervisores os quais desempenham o papel de

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Este tópico contou, para sua elaboração, com a entrevista do engenheiro agrícola e técnico extensionista do SENAR, Diego Mendes. Obviamente, as conclusões e interpretações aqui expostas são de nossa inteira responsabilidade. 11 A gênese do sistema S se dá pela criação da escola de ofício e politécnica, em meados dos anos 1940, mas é com a Constituição Federal de 1988 que ele se consolida e toma a forma como tem atualmente. As organizações que fazem parte desse sistema não são públicas mas recebem subsídios do governo. Estes recursos são amparados pelo artigo 149 da Constituição que rege a destinação de recursos da União em “contribuição de interesse das categorias profissionais ou econômicas” e são distribuídos entre o conjunto de instituições que o forma.

acompanhamento do processo formativo, estrutura encontrada por todo território nacional. As atividades contempladas pelos processos de formação pontuais se dão através dos cursos ministrados e têm ao seu final a certificação individual. Os cursos se desenvolvem no formato “teoria-prática”, com um momento curto de teoria com caráter expositivo. Já o momento prático é bem valorizado pelos técnicos e agricultores, pois estes, segundo o entrevistado, se sentem mais motivados exercendo o trabalho de “construção” durante as atividades propostas. A decisão dos cursos a serem ministrados pelo SENAR tem origem em mapeamentos do sindicato rural, podendo originar-se via demanda dos agricultores ao sindicato ou observações dos dirigentes sindicais sobre a realidade e a necessidade local. No PDS Santa Helena, nos últimos três anos, já se desenvolveram quatro cursos, sendo eles direcionados ao ensino de técnicas de olericultura orgânica, certificação orgânica, de tomates orgânicos e por fim um de turismo rural, que vem sendo oferecido ao longo deste ano. O trabalho de formação tem envolvido geralmente nove das catorze famílias do assentamento. Um gargalo observado é que os cursos oferecidos referem-se a um assunto específico e não há uma continuidade no processo de formação e, também, na ausência de coordenação entre as entidades ligadas à extensão. A forma como os agentes encontram para solucionar essa falta de intercomunicação institucional se dá por iniciativas proativas, na busca por escopo nas atividades com interface em comum. Outro fator importante no processo de extensão rural, que pode ser considerado um gargalo é o grau de distanciamento entre o saberes, ou seja, da hierarquização de saberes. Os técnicos carregam consigo um saber científico, uma racionalidade científica específica, e precisam se articular a fim de transmitir um conhecimento. Soma-se a isto, a especificidade da condição de assentado que, segundo relato colhido na entrevista, apresenta um complicador adicional que é, na maior parte dos casos, a experiência e vivência menor no que tange às atividades agropecuárias. Podemos derivar disto, também uma dificuldade em se colocar uma racionalidade técnica, pautada na lógica produtivista, na medida em que os camponeses do assentamento enfrentam diversos problemas estruturais, tais como baixíssima infraestrutura instalada. Ademais, a dificuldade de obtenção de renda oriunda do lote

por parte dos assentados acaba sendo minimizada pela renda obtida por programas sociais, a exemplo do Bolsa Família e aposentadoria. Do ponto de vista das possibilidades, cabe deixar claro que os cursos ministrados pelo SENAR, tendo seu foco em agricultura orgânica aparecem como uma possibilidade ao desenvolvimento sustentável do assentamento. Outas possibilidades possíveis ao assentamento se referem às dos programas governamentais, via mercados institucionais, que pagam mais aos produtos orgânicos. Neste sentido, os assentados têm, segundo o entrevistado já mencionado, capacidade para enfrentar este mercado. Segundo ele12, não há uma técnica única, mas um conjunto de técnicas agroecológicas que permitem:

... o uso de manejo integrado, o que a gente faz, planta junto com as culturas, plantas amigas, coloca plantas repelentes, faz adubação foliar, faz bokashi, bokashi líquido, faz composto orgânico, aplicação de microrganismos benéficos no solo, faz cobertura morta, adubação verde, soltura de agentes de controle biológico, aplica fungos que matam insetos, usa bactérias para matar lagartas, uso de vespas para parasitar os ovos das pragas, faz consórcio de plantas, cobertura morta, rotação de cultura...

A partir do relato colhido e da visita de campo realizada 13, fica patente que houve uma melhora nas condições de vida dos produtores. Entretanto, as melhoras mais significativas se deram entre aqueles que já possuíam uma trajetória de vida na agricultura, o que, por seu turno, deixa nas entrelinhas claro que um acompanhamento mais contínuo e menos pontual pode contribuir sobremaneira com o desenvolvimento do Santa Helena.

Considerações finais

A criação de assentamentos, conforme aponta Carvalho (2011), em tese, gera trabalho, melhora a qualidade de vida dos assentados e reduz o movimento migratório rumo às cidades. Mas “para o efetivo sucesso destes empreendimentos, é necessário que os assentamentos sejam dotados de infraestrutura social que garanta estabilidade familiar” (CARVALHO, 2011, p. 165). Todavia, quando observamos o PDS Santa Helena, em suas estratégias simples de produção e reprodução social podemos perceber que ainda são patentes as carências mais diversas possíveis. 12 13

Entrevista realizada no campus da UFSCar de São Carlos, dia 9 de maio de 2014. Visita realizada no dia 8 de maio de 2014.

A assistência técnica dirigida ao assentamento ainda não é emancipatória, mas infelizmente isso não é um caso isolado. No Brasil falta uma política de ATER que dê conta das especificidades dos assentamentos, pois, mesmo com alguma experiência agrícola, muitos assentados têm origem urbana e por isso, deveria haver profissionais dedicados exclusivamente a estas áreas. Outro fator importante, geralmente negligenciado em diversas áreas de reforma agrária, e no PDS Santa Helena não é diferente, é a dificuldade de comercialização e escoamento da produção. Os mercados institucionais, tais como o PAA e o PNAE tentam enfrentar tais obstáculos, entretanto, eles não são suficientes e isso fica claro no estudo de caso do Santa Helena, uma vez que, diante do elevado grau de carência local, estes programas são residuais. Neste sentido é fundamental reconhecer que estes assentados não têm experiência, conhecimento e mesmo disponibilidade de tempo para procurar, pesquisar e decidir por mercados e canais mais apropriados de comercialização de suas produções (RAMOS, 2006, p. 5). Outro fator que dever ser enfrentado é o distanciamento do assentamento com as instituições de pesquisa presentes em São Carlos. É notório o distanciamento das instituições bem como das pesquisas ali desenvolvidas com a realidade socioeconômica e produtiva do assentamento que, cabe ressaltar, já tem 9 anos de existência. Outro fator que se soma a este é o fato que, em que pese seu dinamismo, há na cidade, somente algumas poucas iniciativas de desenvolvimento da produção orgânica e agroecologia e isto, por seu turno, aumenta a importância estratégica dos assentamentos caracterizados como PDS tais como o Santa Helena. É visível que as atuações do Sebrae, SENAR e outros agentes de assistência técnica é pontual, tornando-se necessária uma maior coordenação entre estas iniciativas para que seja mais efetiva a extensão. Entretanto, com base na descrição apresentada no texto, fica evidente que na verticalidade dos conhecimentos envolvidos, aparece um processo de transformação de valores dos próprios técnicos envolvidos, na medida em que surgem relações sociais não capitalistas, assim como, a construção e propagação de novas técnicas, a partir dos conhecimentos e da ciência camponesa, que ganha uma possibilidade de propagação através dos técnicos extensionistas.

Referências CARVALHO, J. G. Questão agrária e assentamentos rurais no estado de São Paulo: o caso da Região Administrativa de Ribeirão Preto. Tese de doutorado. IE/Unicamp, 2011. FAO/INCRA. Diretrizes de política agrária e desenvolvimento sustentável. 2 Versão. Brasília: 24p,1995. FRAGA, L. S. Extensão e Transferência de conhecimento: As incubadoras Técnológicas de Cooperativas Populares, Campinas, 2012, 245p. (Doutorado em Política Científica e Tecnológica) – Programa de Pós-Graduação em Política Científica e Tecnológica, UNICAMP, 2012. FREIRE, P. Extensão ou comunicação? Tradução Rosisca Darcy de Oliveira. 7ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. IBGE. Censo Demográfico. Rio de Janeiro – RJ, 2010. MARTINS, S. R. Agricultura, Ambiente e Sustentabilidade, seus limites para a América Latina. Editora UFP, 2001. PEIXOTO, M. Extensão Rural no Brasil – Uma Abordagem Histórica da Legislação. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2008. Disponível em: , acesso 5/05/2014. RAHMAN, M. A.; FALS-BORDA, O. Romper el monopolio del conocimiento: Situación actual y perspectivas de la Investigación-Acción Participativa en el mundo. In: Análisis Político n° 5 Set/Dec, Instituto de Estudios Internacionales (IEPRI)/Universidad Nacional de Colômbia, Bogotá, 1988. p. 30-42. RAMOS, P. O arrendamento nos lotes dos projetos de assentamento de trabalhadores rurais: uma possibilidade a considerar? In: Anais do XLIV congresso da SOBER. Fortaleza, CE. Julho, 2006. THIOLLENT, M. J. M. Construção do conhecimento e metodologia da extensão. ICBEU, 2002.

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