Língua, Literatura e Ensino: Anais da XII Semana de Letras da Faculdade São Luis da França

May 31, 2017 | Autor: Bruno Pinnheiro | Categoria: Linguística
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Organizado por

ÁLVARO CESAR PEREIRA DE SOUZA JOÃO ESCOBAR JOSÉ CARDOSO ARIOSVALDO LEAL DE JESUS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO

ANAIS DA XII SEMANA DE LETRAS DA FSLF ARACAJU – SERGIPE – BRASIL

DIRETORA SUPERINTENDENTE Cristiane Tavares Fonseca de Moraes Nunes SECRETÁRIA GERAL Dayse Xavier de Santana COORDENADOR DO CURSO DE LETRAS João Escobar José Cardoso COMISSÃO ORGANIZADORA DO EVENTO Adauto Freire Filho, Álvaro Cesar Pereira de Souza (presidência), Ana Alice de Sousa Villas Boas, Antônia Conceição dos Santos, Ariosvaldo Leal de Jesus, Gilmar Fabiano da Silva Santos, Jiumara C. de Jesus Santos, João Escobar José Cardoso, Nadja Santos, Renata Feitosa dos Santos Gama, Rubens Murilo Santos Nascimento, Luiz Carlos Nascimento da Hora e Silvana de Fátima Bizetto COMISSÃO CIENTÍFICA Álvaro César Pereira de Souza (FSLF), Eccia Alécia Barreto (UFS), Emília Helena Portella Monteiro de Souza (UFBA), João Escobar José Cardoso (FSLF), Lêda Pires Correa (UFS), Ricardo Nascimento Abreu (UFS), Sandro Marcio Drumond Alves (UFS), Vanessa Ponte de Freitas (UNIT) e Vilma Mota Quintela (UFS) A Faculdade São Luís de França não é responsável pelo conteúdo dos Anais, com o qual não necessariamente concorda. Os Autores conhecem os fatos narrados, pelos quais são responsáveis. Núcleo de Pesquisa e Extensão (NUPEX) Ficha catalográfica produzida pelo editor executivo Língua, Literatura e Ensino / Álvaro César Pereira de Souza, João Escobar José Cardoso e Ariosvaldo Leal de Jesus (organizadores). -Aracaju: Curso de Letras Português e respectivas literaturas - FSLF, 2015. “Anais da XII Semana de Letras da FSLF” Bibliografia. ISSN 2176-6401 1. Língua Portuguesa. 2. Letras. Literatura e Linguística 3. Leitura e escrita. I. Souza, Álvaro Cesar Pereira. II Cardoso, João Escobar José. III. Jesus, Ariosvaldo Leal. CDU 002

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.........................................................................................................................................................06 A CHARGE COMO RECURSO PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Érika Ramos Ribeiro (UNIT) .................................................................................................................................07 A DIVERSIDADE TECNOLÓGICA NO ENSINO DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ADICIONAL Aleislie Emmanuelle de Melo Oliveira (UFS) Autran Kevinlin da Silva Amorim (UFS) Vanessa Machado de Almeida Ferreira (UFS) ..............................................................................................16 A FIGURA DO ÍNDIO NAS PRODUÇÕES ROMÂNTICAS: A TRILOGIA INDIANISTA DE ALENCAR Jônatas Viana Rosa (FSLF) .....................................................................................................................................24 A PRÁTICA DE LEITURA NA PROVINHA BRASIL: AVALIAÇÃO E ENSINO Solange dos Santos (UFS) .......................................................................................................................................41 ANALISANDO O DISCURSO: MAÇONARIA E BÍBLIA SÃO DOIS SEGMENTOS OPOSTOS? José Bezerra da Silva (FACESTA) Max Silva da Rocha (UNEAL) ................................................................................................................................52 ANALISANDO O DISCURSO OBSCURO DA REDE GLOBO Max Silva da Rocha (UNEAL) José Bezerra da Silva (FACESTA) .......................................................................................................................62 ARGUMENTOS PRESENTES NO DISCURSO POLÍTICO DO EX-GOVERNADOR MARCELO DEDA: UMA ANÁLISE RETÓRICA Márcia Cristina do Nascimento Santos Oliveira (UFS) Márcia Regina Curado Pereira Mariano (UFS) .............................................................................................72 A SECA DE 1915 NO NORDESTE CEARENSE: O ÊXODO DA FAMÍLIA DE CHICO BENTO SOB O OLHAR DA ESCRITORA RACHEL DE QUEIROZ (1910-2003) Amalia Maria Soares Pereira (UNILAB) ...........................................................................................................81 CATEGORIA REGIÃO/TERRITÓRIO: UMA PERSPECTIVA ESPACIAL DE TEXTO Gilvan Santana de Jesus (UFS) ..............................................................................................................................95 CEI – CURSO DE ESPANHOL INSTRUMENTAL: EXPERIÊNCIA DE UM ENSINO A DISTANCIA Dulcineide Maria Nascimento Souza (UFS) Francielen Barbosa Océa (UFS) .........................................................................................................................103 DIALOGISMO: UMA PRÁTICA PARA SALA DE AULA Bruno Felipe Marques Pinheiro (UFS) ...........................................................................................................114 DIFERENÇA NÃO É DEFICIÊNCIA LINGUÍSTICA: O TRATAMENTO DO ROTACISMO NA FALA E NA ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL I Kamilla Silva Dida (UFS) Eccia Alécia Barreto (UFS) ...................................................................................................................................122 3 XII SEMANA DE LETRAS

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HERÓI OU VILÃO? NGUNGUNHANE, O ÚLTIMO IMPERADOR DE GAZA, EM UALALAPI (1987), DE UNGULANI BA KA KHOSA Claudio Silva Peixoto (UNILAB) ........................................................................................................................137 IMAGENS DO ESTRANGEIRO PORTUGUÊS NA BAHIA DO SÉCULO XVII EM GREGÓRIO DE MATOS GUERRA (1636-1696) Carlos Eduardo Silva Pinheiro (UNILAB) Maria Mykele Alves Dodo (UNILAB) ...............................................................................................................148 LEITURA E ESCRITA DE POEMAS NO ENSINO FUNDAMENTAL II Pedro Santos da Silva (UFS) ................................................................................................................................157 LETRAMENTO E FORMAÇÃO DOCENTE EM LÍNGUA ADICIONAL NA CULTURA DIGITAL Valéria Jane Siqueira Loureiro (UFS) ..............................................................................................................165 LIVRO DIDÁTICO E TECNOLOGIA COMO SUPORTES INDISPENSÁVEIS À APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Flávio Soares Santos (UFS) Givaneide Santos de Jesus (UFS) ......................................................................................................................176 MATERIAIS DIDÁTICOS PARA O ENSINO DE LÍNGUAS Tainah de Melo Azevedo (UFS) Laís Susane Rocha de Oliveira (UFS) ..............................................................................................................182 MÉTODOS DE ENSINO PARA AS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS Suiara Santos da Silva (UFS) Fabyola Bispo Santos (UFS) .................................................................................................................................189 MÉTODOS DE ENSINO PARA LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: ENFATIZAR UM MÉTODO COMUNICATIVO OU TRADICIONAL? Aline Marques Santana dos Anjos (UFS) Camila Oliveira Xavier ..........................................................................................................................................196 MULTIFUNCIONALIDADE DO ITEM GRAMATICAL AÍ EM TEXTOS NARRATIVOS DE ALUNOS DO 6º E 9º ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL Lécia de Jesus Santos (UFS) Eccia Alécia Barreto (UFS ........................................................................................................................................203 NEOLOGISMO E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA Jiumara C. de Jesus Santos (FSLF) ....................................................................................................................210 O PODER PERSUASIVO PUBLICITÁRIO Helen Brüseke (UFS) ..............................................................................................................................................219 O USO DOS GÊNEROS DIGITAIS NAS AULAS DE LÍNGUA ESPANHOLA Fabiana Alves de Melo Nogueira (UFS) Deise Heloisa Santana Santos (UFS) ...............................................................................................................227 POSSÍVEIS LEITURAS DAS MEMÓRIAS CULTURAIS MOÇAMBICANAS EM UALALAPI (1987), DE UNGULANI BA KA KHOSA Rodrigo Santos Dultra (UFBA) ..........................................................................................................................237 4 XII SEMANA DE LETRAS

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TEMAS SOCIAIS NA ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO PARA O ENSINO DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ADICIONAL Jéssica Maria Pinto (UFS) Marcos Paulo Alves Almeida (UFS) .................................................................................................................245

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APRESENTAÇÃO A Faculdade S~o Luís de França, uma “adolescente” com seus tenros dezessete anos de existência, sempre atuou, desde o nascimento, como uma “veterena” no que se refere { Educação e à formação de profissionais qualificados para um mercado cada vez mais exigente e competitivo. A dedicação de seu corpo diretivo aliada à aplicação e ao comprometimento de seu quadro funcional tem garantido à Faculdade São Luís de França o respeito e a credibilidade que outras instituições de maior envergadura levaram anos, senão décadas, para conquistar. Não é à toa que ostentamos, com muito orgulho, a NOTA 4, em uma escala de 1 a 5, emitida, recentemente, pelo MEC. Tal resultado não se consegue sem muito trabalho, persistência e determinação. Tendo isto em seu espírito empreendedor e ciente de seu papel enquanto instituição vocacionada à transformação e aperfeiçoamento de pessoas, a Faculdade São Luís de França não se limitou apenas ao cumprimento de obrigações básicas, necessárias para o funcionamento de uma Instituição de Ensino Superior; ao contrário, sempre incentivou a busca contínua do conhecimento, para além dos níveis de graduação, através do incentivo à pesquisa e desenvolvimento de projetos de variada ordem e abrangência. Dentre as diversas formas de incentivo à pesquisa e à formação continuada de seu alunado, a FSLF promove, anualmente, as SEMANAS ACADÊMICAS, momento no qual toda a comunidade discente e docente tem a oportunidade de produzir e compartilhar novos conhecimentos, interagindo com alunos e professores, não só da própria Instituição, mas também com os de instituições coirmãs. A XII SEMANA DE LETRAS foi mais uma edição promovida pela FSLF, através de seu Núcleo de Pesquisa e Extensão

– NUPEX, de sua Coordenação de Curso de Letras

Português/Literaturas e do Grupo de Estudos Linguísticos da Faculdade São Luís de França – GELFSLF, cujo objetivo principal – mas não único – é o de proporcionar à sua comunidade docente e discente a possibilidade de produzir e compartilhar conhecimento no vasto campo das Letras. Outro objetivo, de igual importância, é o de formar professores-pesquisadores, profissionais do ensino que sejam “investigadores” de suas próprias práticas docentes, que sejam reflexivos e n~o meros “repetidores de informaç~o pronta”. Que estes Anais sejam uma grande oportunidade de compartilhamento de conhecimento e consequente engrandecimento de todos. Os Organizadores 6 XII SEMANA DE LETRAS

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A CHARGE COMO RECURSO PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Érika Ramos Ribeiro (UNIT)

Introdução O ensino de língua portuguesa, em todo seu vasto conteúdo, tem sido foco de debate de especialistas das mais diversas áreas, como gramáticos, pedagogos, psicólogos, entre outros, que, obviamente, centraram seus estudos e críticas segundo pressupostos próprios às suas |reas de conhecimento. De modo recente, “os linguistas se integraram ao debate, contribuindo de forma original na crítica ao modo como a escola trata o ensino de linguagem” (FARACO, s/d, p. 2). Segundo o autor, as fragilidades encontradas no ensino tradicional e as diferenças culturais e linguísticas dos novos alunos que se integraram à escola pública brasileira, se deram por conta de sua expansão nos governos militares, consequentemente os linguistas apresentaram novos aspectos à discussão, focando o debate a partir, principalmente, da inserção do tema da variação linguística e suas decorrências, seja quanto ao conceito de gramática, seja quanto à funcionalidade das variantes. (FARACO, s/d, p. 2).

Foi essa nova visão linguística a base de toda uma nova produção literária, relacionadas a temas sobre o ensino da língua materna, como o trabalho com a gramática em sala de aula, o ensino de redação, de leitura etc., que fez crítica ao excessivo trabalho normativo com a linguagem nas escolas brasileiras, ou seja, as escolas, além de desconsiderarem os múltiplos usos da língua, colocaram de forma desproporcional a transmissão das regras e conceitos presentes nas gramáticas tradicionais como o objeto central de estudo, confundindo, em consequência, ensino de língua com o ensino de gramática. Neste contexto, ainda conforme Faraco, os aspectos relevantes do ensino da língua materna, como a leitura e a produção de textos, acabaram sendo deixados de lado, já que o foco passou a ser somente a gramática, fato este que gerou em alunos e até mesmo em professores questionamentos sobre o ensino/aprendizagem da língua portuguesa, como para que aprender e o que ensinar. Em contraponto, seguindo-se os novos estudos linguísticos, o objeto de estudo privilegiado no ensino de linguagem, ao ser abandonado o formalismo gramatical, deve ser o texto, na medida em que ele é, de fato, “a manifestaç~o viva da linguagem” (BAKHTIN, 1986, 7 XII SEMANA DE LETRAS

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p.120). Assim, até mesmo o ensino dos aspectos normativos estaria subordinado ao trabalho com o texto, isto é, as regras gramaticais não seriam mais ensinadas por meio de frases soltas, abstraídas de contexto, e sim na perspectiva de sua funcionalidade textual. Essa concepção tornou-se atual podendo ser vista já nos Parâmetros Curriculares Nacional de Língua Portuguesa (PCN’s) de terceiro e quarto ciclo, ou seja, do 6º ao 9º ano, em sua primeira parte, em que se discutem questões sobre a natureza da linguagem. Nos PCN’s (1998, p.18), a língua portuguesa é apresentada como uma área em mudança, no que se refere ao ensino, pois “tem se passado do excesso de regras e tradicionalismo típicos das escolas para um questionamento de regras e comportamentos linguísticos, no que se costuma chamar de “ensino descontextualizado de metalinguagem”, ou seja, o texto é usado como pretexto para retirar exemplos do correto uso da língua, ainda que descontextualizados do cotidiano do aluno, mostrando uma “teoria gramatical inconsistente”. Nos mesmos, ainda, consegue-se entender o aspecto mais relevante sobre o ensino de língua, que apresenta a leitura e a produção de textos como base para a formação do aluno, mostrando que a língua não é homogênea, mas um somatório de possibilidades condicionadas pelo uso e pela situação discursiva. Tendo assim, o texto como unidade de ensino e a diversidade de gêneros textuais como fonte dos estudos, pois “toda educaç~o comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva” (PCN’s, 1998, p. 23). É, portanto, através desta que o aluno poder| se constituir como cidadão e exercer seus direitos como usuário da língua. Dentro deste contexto que busca o uso de diversos gêneros textuais para o ensino de língua materna, insere-se este presente trabalho que visa discutir o uso de um gênero textual escrito, a charge, como um recurso para o ensino de língua portuguesa, no ensino fundamental (6º ao 9º ano), buscando basear-se nos estudos de Mikhail Bakhtin (1986; 1992) e em outras pesquisas que já abordaram o assunto dando perspectivas para o uso da mesma em sala de aula.

A Charge: um gênero textual Mikhail Bakhtin, teórico russo, em seus estudos sobre a linguagem, buscou justificar a mudança da concepção da linguagem, e assim, o ato de ensinar a língua portuguesa nas escolas, isso porque seu estudo da linguagem é inteiramente focado para o fenômeno da interlocuç~o viva: “A língua vive e evolui historicamente na comunicaç~o verbal concreta” (BAKHTIN, 1986, p.123 - 124), logo:

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.

Para este autor, os enunciados são criados e ocasionam a interação verbal, ou seja, a realidade fundamental da língua, e nos mais variados contextos sociais possuem aspectos discursivos - semânticos e formais- relativamente estáveis que se desenvolveram ao longo do tempo, o que Bakhtin denominou de gêneros do discurso: A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. Cumpre salientar de um modo especial a heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos), que incluem indiferentemente: a curta réplica do diálogo cotidiano (com a diversidade que este pode apresentar conforme os temas, as situações e a composição de seus protagonistas), o relato familiar, a carta (com suas variadas formas), a ordem militar padronizada, em sua forma lacônica e em forma de ordem circunstanciada, o repertório bastante diversificado dos documentos oficiais (em sua maioria padronizados), o universo das declarações públicas (num sentido amplo, as sociais, as políticas). E é também com os gêneros do discurso que relacionaremos as variadas formas de exposição científica e todos os modos literários (desde o ditado até o romance volumoso) (BAKHTIN, 1992, p. 282).

Ainda, segundo o teórico russo, esses enunciados assumem para nós extrema relevância no aprendizado de nossa língua, por quê: A língua materna – a composição de seu léxico e sua estrutura gramatical –, não a aprendemos nos dicionários e nas gramáticas, nós a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos durante a comunicação verbal viva que se efetua com os indivíduos que nos rodeiam. Assimilamos as formas da língua somente nas formas assumidas pelo enunciado e juntamente com essas formas. As formas da língua e as formas típicas de enunciados, isto é, os gêneros do discurso, introduzem-se em nossa experiência e em nossa consciência juntamente e sem que sua estreita correlação seja rompida. Aprender a falar é aprender a estruturar enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e, menos ainda, é óbvio, por palavras isoladas). Os gêneros do discurso organizam nossa fala da mesma maneira que a organizam as formas gramaticais (sintáticas) (BAKHTIN, 1992, p. 302).

Entende-se, então, através da teoria dos discursos dos gêneros de Bakhtin a importância da mudança do foco das aulas de português normativas para o uso do texto e seus diversos gêneros. Nesse sentido e completando os estudos de Mikhail Bakthin, Luiz Antônio Marchuschi (2008, p. 13) define gêneros textuais, os quais o teórico russo chamou de gêneros do discurso, como os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos, e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. 9 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO São entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas, constituindo um princípio de listagens abertas. São formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas (op. cit., p. 15).

Conforme Bezerra (2002, apud DIONISIO e BEZERRA, 2002, p. 37), “a definiç~o de gênero necessita de uma maior discussão, visto que ainda há contradição em relação aos termos tipo textual e gênero textual”. Logo, apresentar um conceito único para os gêneros é uma tarefa complexa, considerando-se a grande variedade existente no meio social. Assim, cabe-se explicitar que "os gêneros textuais são de difícil definição formal (...). Quase inúmeros em diversidade de formas, obtêm denominações nem sempre unívocas e, assim como surgem, podem desaparecer." (MARCUSCHI 2003, apud DIONISIO, et. al, 2003, p. 20). Segundo Eliana Viana Brito (2001, p. 25) “os gêneros são, na verdade, uma condição didática para trabalhar com os comportamentos leitores e escritores e para abordar, também, os conteúdos cl|ssicos da disciplina: ortografia e gram|tica”. Ou seja, ao adotar o trabalho com os diversos gêneros, a escola estará cooperando para uma mudança na perspectiva do ensino de língua portuguesa, fugindo assim ao tradicionalismo, pois, é papel da escola. Segundo Koch e Elias (2009, p. 60), "possibilitar ao aluno o domínio do gênero, primeiramente, para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, de modo a ser capaz de compreendê-lo, produzi-lo na escola e fora dela". Assim, a forma mais lógica para se trabalhar o ensino dos gêneros textuais é levar os alunos a interagirem em situações concretas de uso da língua. Por isso, é importante se ter a consciência de que a escola "é tomada como autêntico lugar de comunicação, e as situações escolares, como ocasiões de produção e recepção de textos" (SCHNEUWLY E DOLZ, 2004, p. 78). Consequentemente, os educandos necessitam, de forma breve, a ter ingresso a uma variedade de gêneros textuais, pois isto tornará mais eficiente o desenvolvimento da sua autonomia em relação ao uso social da língua, já que esta prática de aproximação do aluno com a diversidade textual proporciona ao mesmo a leitura, produção, compreensão e entendimento do funcionamento e das características dos gêneros textuais. Concordando com o exposto acima, Koch e Elias (2009, p. 58) afirma que o contato com os gêneros possibilita aos alunos o exercício da sua "competência metagenérica, que diz respeito ao conhecimento de gêneros textuais, caracterização e função". Assim, os aprendizes poderiam exercitar não só a capacidade de identificar os gêneros, mas também de escolher os mais adequados a cada situação comunicativa. Segundo Eliana Vianna Brito em seu trabalho A leitura de Charges, tiras e anúncios publicitários: a formação do leitor crítico (s/d, p. 1), os PCN’s unindo-se com a Lei de Diretrizes 10 XII SEMANA DE LETRAS

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e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996) ofertam alguns gêneros de textos como referência básica a partir da qual o trabalho de leitura/escrita das aulas de português deverá ser desenvolvido dentro do ensino fundamental, cujo objetivo é o desenvolvimento da leitura e escrita do aluno e de sua compreensão textual, cabendo salientar que, nos PCN’s, foram priorizados textos cujo domínio é fundamental { efetiva participação social, encontrando-se agrupados, em função de sua circulação social, em gêneros literários, de imprensa, publicitários, de divulgação científica. Dentre estes, encontrase a charge. Segundo o Dicionário de Comunicação (1978, p. 120), o termo charge é proveniente do francês “charger” (carregar, exagerar), e é uma espécie de crônica humorística, que possui o caráter de crítica, provocando o humor, cujo efeito é conseguido por meio do exagero. Ela se caracteriza por ser um texto visual humorístico e opinativo, criticando um personagem ou fato específico. A charge é um tipo de cartum “cujo objetivo é a crítica humorística de um fato ou acontecimento específico, em geral de natureza política”. (RABAÇA; BARBOSA, 1978, p. 69). Ainda de acordo com os autores do Dicionário de comunicação, uma boa charge deve procurar um assunto atual e ir direto onde estão centradas a atenção e o interesse do público leitor. A construção da charge é também muitas vezes baseada na remissão a outros textos verbais ou não, porém o que a torna singular é o modo perspicaz como demonstra sua capacidade de congregar, num jogo de polifonia e ambivalência, o verso e o reverso tematizado (idem). Segundo Bakhtin: A polifonia se define pela convivência e pela interação, em um mesmo espaço do romance, de uma multiplicidade de vozes e consciências independentes e imiscíveis, vozes plenivalentes e consciências eqüipolentes, todas representantes de um determinado universo e marcadas pelas peculiaridades desse universo. Essas vozes e consciências não são objetos do discurso do autor, são sujeitos de seus próprios discursos. A consciência da personagem é a consciência do outro, não se objetifica, não se torna objeto da consciência do autor, não se fecha, está sempre aberta à interação com a minha e com outras consciências e só nessa interação revela e mantém sua individualidade. Essas vozes possuem independência excepcional na estrutura da obra, é como se soassem ao lado da palavra do autor, combinando-se com ela e com as vozes de outras personagens. (BAKHTIN In BRIGHT, 2005, p. 44).

Assim, segundo o site http://veele.wordpress.com/um-dia-voce-vai-precisar/, em um artigo sobre Charge, de autor e data de publicação desconhecidos, o chargista, aquele que produz a charge, através do desenho e da língua, utiliza o humor para buscar o que está por trás dos fatos e personagens de que se trata. Ele afirma e nega ao mesmo tempo, obrigando o 11 XII SEMANA DE LETRAS

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leitor a refletir sobre fatos e personagens do mundo atual, a interagir com uma intertextualidade. A intertextualidade diz respeito aos modos como a produção e recepção de um texto dependem do conhecimento que se tenha de outros textos com os quais ele, de alguma forma, se relaciona. (KOCH, 2000 in SILVA, s/d, p. 8).

A charge é gênero que atrai o leitor, já que a leitura da imagem transmite múltiplas informações de uma só vez. Porém, se faz necessário que o leitor do texto chárgico esteja informado acerca do tema abordado para que possa compreender e captar seu teor crítico, pois “a charge aborda um tema crítico específico e real, e somente os que conhecem essa realidade efetivamente entenderão a charge”. (SILVA, s/d, p.3). Além disso, a charge estimula à leitura de outros textos contidos nos jornais e revistas em que aparece, ou seja, possibilita atividades mais dinâmicas, interessantes, desenvolvendo ainda o interesse do aluno pela leitura e pela busca de novas informações. Fazendo-se uma comparação com o meio mais habitual da leitura dos jovens hoje, a internet, a charge atua como um link que dá acesso à leitura de outros textos. Cabe ressaltar, também, o valor argumentativo deste gênero, pois o mesmo busca convencer o leitor de certo ponto de vista. Como a educação precisa ser eficaz, enquanto formadora de cidadãos capazes de entender a realidade e nela interferir, e “o professor deve estar sempre atualizado para exercer sua funç~o como formador de opini~o” (KLEIMAN, 1989, p. 43), a charge tornou-se então um recurso bastante útil ao ensino de língua portuguesa, já que objetiva unir esses pressupostos, o trabalho normativo gramatical e as novas propostas linguísticas para o ensino de língua materna.

O uso da charge em sala de aula Há algum tempo, segundo Daniele de Barros Macedo Silva em seu artigo A charge em sala de aula (s/d, p. 1), o professor tratava o aluno como um recipiente vazio, ou seja, pronto para se contemplar com conceitos, normas, e informações que ali se depositaria. A realidade de cada aprendiz e suas informações sobre vários aspectos não tinham importância. O que induzia ao aprendizado mecânico, por meio de repetições, que não faziam sentido para o aluno e que, por este motivo, tais informações eram esquecidas. Contudo, ao usar a charge em sala de aula, deve-se conter em mente que há conteúdos que já fazem parte do conhecimento de mundo de alguns e de outros não, pois, o trabalho com charge pode ser inovador em sua temática ou abordar assuntos já vivenciados e discutidos em sociedade. 12 XII SEMANA DE LETRAS

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A proposta da utilização da charge surge, então, para conseguir unir conceitos, conteúdos e normas ao conhecimento de mundo do discente, para que dessa forma “o aprendizado não seja passageiro, que se mantenha e evolua conforme as novas informações que o aluno for recebendo ao longo de sua formaç~o acadêmica”. (SILVA, s/d, p.5). Seguindo a teoria da autora, assim como outros métodos lúdicos, mas informativos e muito proveitosos, bem como as famosas músicas que os professores inventam para a memorização de um conteúdo desejado, ou os jogos e dinâmicas, a charge é aquela que une a imagem ao texto e às normas, fazendo com que o aluno possa entender o que se passa, e não tenha que decorar ou repetir as normas e os padrões que estão sendo ensinados. A utilização da charge no processo de ensino - aprendizagem vai depender do conteúdo a que se destina e principalmente do professor que conduz tal aula, pois o bom senso deve permanecer, isto é, existem ótimos materiais a serem trabalhados, mas há aqueles que não são apropriados. O centro da questão é que a charge deve ter uma ligação direta com o conteúdo programático da aula de português, ou até mesmo de outra disciplina, que está sendo lecionada no momento, não se desviando do assunto em foco, isto é, o professor como orientador, deve ter objetivos pedagógicos em relação à escolha do material a ser trabalhado, para que este não se perca durante o processo de compreensão e de interpretação da mesma, e consiga trocar informações sobre o conteúdo que está sendo passado, segundo Eliana Vianna Brito em A leitura de Charges, tiras e anúncios publicitários: a formação do leitor crítico. (s/d, p. 5). Ainda neste trabalho, a autora explica que a escolha da charge, também, deve ser como um instrumento de educação, formação moral, propaganda dos bons sentimentos e exaltação de virtudes sociais e individuais, valores que podem ser discutidos, mesmo que por meio de ironias e crítica. Deste modo, a charge deve abordar assuntos sociais de modo crítico, constituída de um discurso pedagógico, e o professor deverá apurar as charges que trazem mensagens ridicularizando qualquer raça ou religião, pois o intuito do trabalho em sala de aula não é a ofensa, e sim, a possibilidade de por meio da ironia e do lúdico, permitir a discussão dos vários sentidos que estão em jogo na sociedade.

Considerações finais Pode-se concluir que o uso da charge em sala de aula é um recurso interessante a ser utilizado por professores, não só da disciplina de língua portuguesa, mas também de outras disciplinas do currículo escolar, promovendo ainda uma interação entre estas matérias. 13 XII SEMANA DE LETRAS

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A charge tem uma grande aplicação e aceitação, visto que permite um maior interesse pelo conteúdo que está sendo passado. Dessa forma, o professor encontra mais facilidade de atuar com os alunos, pois várias questões serão levantadas e colocadas em debate, dinamizando a aula. Além disso, a charge trabalha a compreensão e a interpretação de texto e através deste, questões sociais, já que trabalha com críticas a acontecimentos da sociedade, participando ativamente da formaç~o do cidad~o, como sugere os PCN’s de língua portuguesa (1998, p. 23): “Toda educaç~o comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva”. É, portanto, na percepção das situações discursivas que o aluno poderá se constituir como cidadão e exercer seus direitos como usuário da língua. Ressaltando que a charge é um gênero textual e está inserido no novo foco do ensino de língua portuguesa, que é o trabalho com texto e seus diversos gêneros textuais, como confirmando em toda esta pesquisa através dos estudos de Mikhail Bakhtin e de outros pesquisadores como Ingedore Koch e Luiz Antônio Marcuschi. A educaç~o proposta pelos PCN’s, ou seja, {quela que visa a formação de cidadania, caminha ao encontro do trabalho com charges. Então, cabe aos professores que tenham acesso às áreas de leitura e procurem efetuar um trabalho empírico em sala de aula, a fim de que possam dotar seus alunos de um senso crítico mais apurado, no sentido de que possam, diante de um texto, ler e/ou ouvir, compreender, formular suas ideias e criar um novo texto escrito e/ou oral. Assim, não são criadas crianças amorfas, que acatam pacificamente tudo o que está sendo lido ou escutado nos textos, e que não fazem valer seu próprio dizer.

Referências BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1986. __________. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. BEZERRA, Maria Auxiliadora. Textos: Seleção Variada e Atual. In: DIONISIO, Angela Paiva e BEZERRA, Maria Auxiliadora (Orgs.) O livro didático de Português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chaves. São Paulo: Contexto, 2005. BRITO, Eliana Vianna. PCNs de língua portuguesa: a prática em sala de aula. São Paulo: Arte & Ciência, 2001. 14 XII SEMANA DE LETRAS

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A DIVERSIDADE TECNOLÓGICA NO ENSINO DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ADICIONAL Aleislie Emmanuelle de Melo Oliveira (UFS) Autran Kevinlin da Silva Amorim (UFS) Vanessa Machado de Almeida Ferreira (UFS)

Introdução A atividade foi realizada no Colégio Dom Luciano José Cabral Duarte sob a orientação do Professor Regente Marcelo Alves Marinho, onde a disciplina de língua Espanhola é obrigatória no ensino médio. Na data em que foi realizada a atividade no mês de setembro do ano de 2014, a escola contava com 700 alunos, onde o professor Marcelo possuía sob a sua responsabilidade, 25 (vinte e cinco) turmas, sendo em média 28 (vinte e oito) alunos divididos entre as mesmas, onde nós ficamos responsáveis por aplicarmos as atividades em 10 (dez) turmas de 1º (primeiro) ano. O desenvolvimento da atividade que aplicamos no Colégio Dom Luciano José Cabral Duarte surgiu a partir das observações que foram feitas em sala de aula sob a supervisão do Professor Regente Marcelo Alves Marinho, onde através de reuniões, o mesmo nos pediu para que trabalh|ssemos com o verbo “gustar” utilizando os seus usos e funcionalidades, onde a nossa proposta foi englobar a intertextualidade, e para isso utilizamos os gêneros textuais virtuais “Vídeos de músicas on-line e Tiras Cômicas”. Objetivamos com esse projeto a conscientização do uso adequado das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTIC) num ambiente escolar diferenciando o método de aprendizagem, para que cientes dessa adequação os alunos possam munir-se desses meios, visando à solidificação de sua base estrutural de ensino, pois, surte mais prático em aula a aprendizagem diversificada, aquela que vai além do método tradicional.

Desenvolvimento Inteirados da ligação que há entre o mundo no qual esses alunos estão majoritariamente imersos e a quantidade de conhecimento que nasce diariamente a partir do uso das Novas Tecnologias, foi natural a escolha por esse mundo de globalização, onde cada vez mais nos proporciona uma gama de novos “gêneros textuais virtuais” que nascem a partir do uso das NTICs. É importante ressaltar a imensa gama de possibilidades que o mundo tecnológico proporciona aos docentes para que dinamizem suas aulas. 16 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo (BAKHTIN, 2003, p. 262).

Podemos dizer que as mídias são métodos e estratégias pelas quais os professores e nós enquanto futuros professores necessitamos buscar para assegurarmos que não se percam de vista as finalidades maiores da educação, ou seja, devemos utilizar esses métodos em sala de aula com o objetivo de formarmos o aluno como um cidadão competente para a vida e que possa intervir na sociedade, que tenha uma opinião crítica e que seja criativo para utilizar os mais variados recursos técnicos que estejam à disposição de todos de maneira favorável. A utilização dessas NTICs, além de proporcionar uma série de recursos que podem ser utilizados em sala de aula, também nos trouxe um suporte relevante, nos dando como opção as novas linguagens das mídias eletrônicas. As mídias devem ser ensinadas e utilizadas em sala de aula porque as escolas necessitam incorporar as tecnologias de informação e comunicação, pelo fato de que elas já estão inseridas dentro da sociedade, cabendo as escolas integrarem esses recursos de modo criativo, sendo crítico e de maneira competente, cabendo ao professor uma constante reciclagem, adotando novas metodologias, aprendendo a utilizar os equipamentos eletrônicos, adotando novas didáticas para poder assimilar e repassar os conteúdos de maneira objetiva e eficaz e dominar as novas linguagens próprias dos suportes tecnológicos que estão sendo utilizadas, e para enfrentar esses desafios, o professor: Terá que aprender a trabalhar em equipe e a transitar com facilidade em muitas áreas disciplinares. Será imprescindível quebrar o isolamento da sala de aula convencional e assumir funções novas e diferenciadas. A figura do professor individual tende a ser substituída pelo professor coletivo. O professor terá que aprender a ensinar a aprender (BELLONI, 1999).

Essas são as razões pelas quais devemos utilizar as mídias em sala de aula: O consumo elevado das mídias e a saturação à qual chegamos; a importância ideológica das mídias e a saturação à qual chegamos; a importância ideológica das mídias, notadamente através da publicidade; a aparição de uma gestão da informação nas empresas (agências de governo, partidos políticos, ministérios, etc; a penetração crescente das mídias nos processos democráticos (as eleições são antes de tudo eventos midiáticos); a importância crescente da comunicação visual e da informação em todos os campos (fora da escola, que privilegia o escrito, os sistemas de comunicação são essencialmente icônicos); a expectativa dos jovens a serem formados para compreender sua época (que sentido há em martelar uma cultura que evita cuidadosamente as interrogações e as ferramentas de seu tempo?); o crescimento nacional e internacional das privatizações de todas as tecnologias da informação (quando a informação se torna uma mercadoria, seu papel e suas características mudam) (LEN MASTERMAN, 1993).

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Trabalhar com as mídias é desenvolver uma educação mais democrática e avançar gradativamente para a melhoria do ensino e da sociedade como um todo. Desde as primeiras definições com relação às mídias, em reuniões de especialistas sob os auspícios da UNESCO, está presente a ideia essencial de que a educação para as mídias é condição sine qua non da educação para a cidadania, sendo um instrumento fundamental para a democratização das oportunidades educacionais e do acesso ao saber e, portanto, de redução das desigualdades sociais (BELLONI, 1991 e 1995). A noção de educação para as mídias abrange todas as maneiras de estudar, de aprender, de ensinar em todos os níveis [...] e em todas as circunstâncias, a história, a criação, a utilização e a avaliação das mídias enquanto artes práticas e técnicas, bem como o lugar que elas ocupam na sociedade, seu impacto social, as implicações da comunicação mediatizada, a participação e a modificação do modo de percepção que elas engendram, o papel do trabalho criador e o acesso às mídias (UNESCO, 1984).

Proposta de atividade Dentre v|rios elementos, escolhemos trabalhar com vídeos “on-line” de músicas e tiras cômicas para que contextualizássemos o conteúdo proposto em classe. A diversidade de gêneros que o âmbito virtual nos possibilita, influencia na qualidade da aula e no iminente interesse do alunado, pois através desses diversos gêneros textuais virtuais, conseguimos manter a atenção do aluno e alcançamos com êxito os resultados em classe.

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1) Pré-leitura

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2) Leitura

3) Exemplo:

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4) Pós-leitura

Fonte: http://letras.mus.br/manu-chao/7352/

Resultados da atividade As atividades do projeto foram aplicadas no Colégio Estadual Dom Luciano José Cabral Duarte, juntamente com o professor regente Marcelo Alves Marinho. As atividades executadas no colégio expuseram com êxito a hipótese inicial do projeto que foi utilizar a intertextualidade como fonte de recursos para abarcar os usos e funcionalidades do verbo “gustar”. Podemos perceber a intensificação da participação discente na aula, dialogando com os meios que são comuns a eles. O uso de vídeos da web, de tiras cômicas e das músicas para a solidificação da aula teve um retorno positivo, e desse modo, poderemos experimentar métodos de ensino que surtam efeito ao dialogar com o contexto social do aluno. Foi uma ótima oportunidade para desenvolvermos e ampliarmos os nossos conhecimentos, estimulando o graduando durante a sua formação acadêmica e estimulando o aluno do colégio a observar que os meios de comunicação ao seu redor podem ser muito produtivos para a aprendizagem. 21 XII SEMANA DE LETRAS

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Considerações finais O desenvolvimento da atividade que aplicamos aos alunos dos 1ºs (primeiros) anos do ensino médio, surgiram a partir da observação de algumas aulas onde percebemos que os verbos e as suas conjugações poderiam ser explorados de uma maneira mais contextualizada. Partindo disso, o verbo irregular “gustar” pôde ser trabalhado em sala de aula, onde o mesmo possui especificidades bem acentuadas em sua conjugação. O objetivo dessa proposta de atividade foi trazer os jovens para uma realidade que pode ser vivenciada em sala de aula, utilizando a intertextualidade como veículo motivador que possa estar sendo trabalhada dentro de um contexto voltado ao dia a dia de cada aluno. Os vídeos utilizados em sala de aula tratavam de uma linguagem mais jovem, onde ambos apresentavam situações do cotidiano pelos quais os jovens passam, e atrelados a isso, os alunos puderam adentrar na cultura de um país hispânico, nesse caso a Argentina, os levando a conhecer o tipo de música que eles ouvem, ocorrendo com isso uma troca cultural bastante proveitosa, pois os alunos passam a se identificar com o que veem. O ganho com a realização dessa atividade foi de bastante relevância, do ponto de vista que superou as nossas expectativas, pois os alunos responderam satisfatoriamente a nossa proposta. Fazer parte de um programa como o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência) só tende a nos engrandecer, pois nos proporciona um ganho de experiências que nos auxilia em nossa formação docente, pois nos prepara para a realidade das escolas públicas, dentre elas, as suas dificuldades e a satisfação de podermos cumprir como o nosso dever de educador e de sermos cidadãos. Ser professor nos dias atuais é aprender a conviver com as dificuldades e com o caos, pois a tarefa de ser docente é a de educar e a de ensinar que aprender requer um esforço de todos para que os objetivos sejam alcançados.

Referências BAKHTIN. M. M. (1920 – 1974). Estética da Criação Verbal. (Edição traduzida a partir do russo). São Paulo: Martins Fontes, 2003. BELLONI. Maria Luiza. O que é mídia-educação. 3 ed. rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2009. – (Coleção polêmicas do nosso tempo; 78). BELLONI. Maria Luiza. Reflexões sobre a mídia. Brasília, UnB (série sociologia, n. 69). BELLONI. Maria Luiza. Masculino X feminino na novela das sete. Paper apresentado no CES/ universidade de Coimbra, Portugal, 1990. 22 XII SEMANA DE LETRAS

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MASTERMAN. Len. La enseñanza de los medios de comunicación (trad. Española). Madrid: Ediciones de La Torre, 1993. OROFINO. Maria Isabel. Mídias e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2005. – (Guia da escola cidadã; v. 12). UNESCO. Éducation aux médias. Paris, Unesco, 1984. Manu Chao, Me gustas tu. Disponível em: vagalume: h1hao/7352/traducao.html, visitado em: 23/09/2014 Los Piratas, A mi me gustan las hamburguesas. Disponível em: Vagalume: http://letras.mus.br/los-pirata/520603/traducao.html, visitado em: 23/09/2014 Nick, Gaturro. Disponível em: Spanish, Letslearn: https://www.letslearnspanish.co.uk/course37/nivel-2-leccion-3-lo-que-mas-me-gusta-es/, visitado em: 23/09/2014 Los Piratas, A mi me gustan las hamburguesas. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?vvurwQUDTATO, visitado em: 05/02/2015

Youtube:

Manu Chao, Me gustas tu. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mzgjiPBCsss, visitado em: 05/02/2015

Youtube:

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A FIGURA DO ÍNDIO NAS PRODUÇÕES ROMÂNTICAS: A TRILOGIA INDIANISTA DE ALENCAR Jônatas Viana Rosa (FSLF)

Introdução Escolhemos fazer um estudo reflexivo analisando a tríade alencarina por se tratar de algumas das obras-primas da nossa literatura envolvida em todo um sentimento de nacionalismo presente no Romantismo1, principalmente no viés indianista. Julgamos ser um importante trabalho, pois evoca a presença do índio idealizado por Alencar em uma literatura que destaca diferentes esferas e traz à tona seus valores, tradições e cultura. A pesquisa foi construída a partir da analise das três obras indianistas de Alencar, particularmente um trabalho de literatura comparada, tendo como objetivo geral realizar um estudo analítico sobre a citada trilogia e específicos analisar as relações entre os índios e os brancos nas obras em questão, uma vez que se preconizava no século XIX harmonizar a relação entre as etnias. Outro objetivo foi definir a figura do índio nos romances indianistas e sua relação com o estereótipo do bom selvagem difundido por Rousseau. Enfim comparar as obras de Alencar do ponto de vista histórico-literário a fim de perceber como ele apresenta o índio em cada uma delas. Construímos este trabalho com base no procedimento metodológico de análise de conteúdo com método histórico, posto que se trate de uma pesquisa de caráter históricoliterário. Para isso, utilizamos como fonte livros e artigos sobre história e crítica da nossa literatura com abordagem romântica e indianista, a fim de realizar um levantamento do contexto do Romantismo brasileiro e biobibliográfico de José de Alencar, abordando e analisando os três romances indianistas do autor para, enfim comparar essas obras e consolidar conclusões sobre o que nos dispomos a pesquisar em conformidade com os objetivos traçados. A pesquisa foi dividida em quatro partes, na primeira estudamos o pré-romantismo brasileiro e seus principais poetas, caracterizado como berço do indianismo pelo fato de iniciar a temática do índio como herói nacional; na segunda parte, pesquisamos os primórdios do Romantismo na Europa e no Brasil como suas principais características, seus escritores de maior destaque e também o contexto histórico; no terceiro, versamos cerca da vida e da obra de José de Alencar, um ícone de literatura brasileira, expomos fatos relevantes da biografia do

1Durante

o texto utilizamos Romantismo ao tratarmos da estética e romantismo quando falarmos de sentimento.

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prosador; por fim, na quarta parte, fizemos um estudo sobre o indianismo presente nas obras do escritor, destacamos as principais características e definimos a maneira como foi idealizado o nativo por Alencar em sua trilogia.

Pré-romantismo brasileiro: nascedouro inspirador do indianismo Na primeira metade do século XIX, surgiu na Brasil um movimento pré-romântico que, além de expor um subjetivismo acentuado, possuía uma singular busca pela emoção nas suas obras, e se valeu, para tanto, de uma linguagem confidente, com certo grau de intimidade que gerou nos leitores uma ideia de sinceridade devido à naturalidade das palavras empregadas. O momento mais forte desse movimento aconteceu entre 1820 a 1830 quando, envolvidos num clima de patriotismo motivado pela independência política de 1822, os intelectuais passaram a exaltar a natureza com maior veemência, louvando sua beleza e encantos. Com o florescer do Romantismo, surgiu o que Candido (2009) chama de Indianismo embrionário2, que estava atrelado ao patriotismo literário crescente nos pais. Para ele, os românticos brasileiros, e aí incluímos os de vertente indianista, foram influenciados, ou pelo menos tiveram como fonte de inspiração, pelas obras de alguns franceses que viviam em nosso pais, sobretudo dos que moravam na colônia da Tijuca no Rio de Janeiro. Esses franceses contribuíram para o aperfeiçoamento da sensibilidade pré-romântica no Brasil. Destacamos entre eles Théodore Taunay (1797-1881), Edouard Cobiere (1793-1875), Ferdinand Denis (1798-1890), Daniel Gavet (S/D) e Philipe Boucher (S/D). Podemos encontrar em Élegies Brésileienses (1823), de Édouard Cobiere, a primeira obra pré-romântica a abordar o nativo brasileiro e que mais tarde foi bem difundida pelos indianistas, neles os índios eram apresentados de maneira idealizada na figura do bom selvagem, como bem abordou um dos principais filósofos do Iluminismo Jean Jacques Rousseau (1712-1778). Os nativos eram independentes e preferiam morrer a serem escravizados, tristes face ao aculturamento existente e com lugar de destaque também para os conflitos existentes entre colonos e índios, bem como as paixões e aventuras de ambos. Embora obras como essas fossem pioneiras, no sentido de dar um novo patamar à literatura com a temática indígena 2“Trata-se

da literatura indianista nas frases iniciais do seu desenvolvimento, quando os intelectuais passaram a dar uma nova roupagem as obras, eles modernizaram a temática do índio e da terra brasileira passando assim a explorá-los em suas produções artísticas. Dessa maneira eles atualizaram-se em conformidade com a literatura na Europa no sentido de se voltar para o passado e a construção das suas respectivas nações. No Brasil os poetas empregaram nos nativos uma espécie de símbolo artístico nacional e exaltaram suas qualidades à maneira do cavaleiro medieval europeu, equiparando-os aos homens brancos em sua civilidade. Dessa forma o indianismo embrionário começou a renovar a mente os intelectuais e favoreceu na criação de uma literatura brasileira tanto no tema quanto na linguagem tornando-o mais próxima do falar brasileiro”. CANDIDO (2009, p. 282).

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como o poema La Fontaime de Sergipe, do escritor Édouard Cobiere, arbitrariamente permaneciam ainda resquícios do modelo europeu, a exemplo dos nomes dados índios de personagens de uma tragédia de Voltaire. Superando esses traumas, podemos afirmar, do ponto de vista histórico, que essas produções ajudaram na difusão de temas que mais tarde contribuíram para o amadurecer da literatura nacional. (CANDIDO, 2009). Ainda de acordo com o autor acima, Scenes de La nature sous lês tropiques (1824), de Ferdinand Denis, foi considerada por alguns críticos como um marco na consolidação do Romantismo no Brasil, pois exalta a natureza local, com ênfase unicamente literária, já em Les macharaus (S/D), outra obra do mesmo autor, fez-se a primeira investida na criação de uma ficção indianista e contribuiu na renovação das literaturas de línguas portuguesa. Em Daniel Gavet e Philipe Boucher, encontramos o primeiro romance indianista autônomo e extenso Jakaré ouassou ou Les toupinamabás (1830) Apesar de ser uma obra considerada mediana por Cândido (2009) foi a precursora da ficção indianista na Brasil, nelas destacam-se temas como espírito e forma. Assim como Denis, esses autores buscaram inspiração no escritor Francês Chateaubrind (1768-1848), relatando os conflitos entre brancos e índios, alguns costumes dos nativos e, como era bem comum à época, a existência de aventuras amorosas entre índios e brancos. A diferença é que Chateaubriand idealizou o comportamento indígena como guerreiros em epopéias, enquanto Boucher e Govet apresentam o nativo a maneira do paladino medieval assim como, de forma semelhante, os românticos indianistas brasileiros procederam. Com base nisso, é sabido que esses autores formaram um pré-romantismo indianista e suas obras certamente foram conhecidas pelos jovens intelectuais de nosso Romantismo consolidado na pós-independência, cujos participantes tiveram nessas obras, caminhos sugestões para produzirem uma literatura nacional indianista cantando a natureza, louvando sua beleza e pondo em destaque a idealização da figura do índio.

Os primórdios do romantismo na Europa e no Brasil O Romantismo foi uma escola literária que surgiu na metade XVIII na Alemanha e Inglaterra onde alguns artistas deram uma nova roupagem às artes. No campo da literatura, libertaram-se das características marcantes de Classicismo e, ao invés de se voltarem para antiguidade, dirigiam-se com ênfase para os ‘heróis nacionais’ da idade média. Exaltando a formação das nações e cantando os sentimentos populares, passaram a expressar de maneira íntima seus sentimentos, como nos afirma Tufano (1995). Essa corrente ganhou a Europa e conquistou maior dimensão na França devido ao contato direto com os ideais libertários e 26 XII SEMANA DE LETRAS

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nacionalistas da revolução francesa e ascensão da burguesia. Coutinho (2001) ressalta o nome de importantes românticos desse período a exemplo de Herder, Goethe, Rousseau e Chateaubriand, os quais, segundo ele, ofereceram o conteúdo poético e doutrinário da literatura romântica. Quando a essa escola, podemos elencar algumas das principais características do Romantismo: o rompimento com os modelos da literatura clássica, não seguindo padrões fixos e utilizando também versos livres; apelo aos sentimentos, imaginação e idealização da mulher e do amor (ora a mulher era vista com um ser espiritual, uma espécie de anjo, ora ela era apresentada de maneira carnal e erótica); ênfase no cristianismo e idade média libertando-se da antiguidade classicista e dos deuses da mitologia grega; tinha visão de mundo e linguagem particular e individualista, destacando-se no subjetivismo os mais íntimos sentimentos da alma humana. As obras passaram a ser sinônimo de auto expressão, tornandose tanto estilo de arte como de vida, como afirma Coutinho (2001), sendo o romântico um ser apaixonado, cheio de exaltação, emotivo, temperamental e melancólico, para ele os escritores dessa escola procuravam sempre idealizar a realidade. Esse Movimento foi muito rico, com múltiplos desdobramentos, mas uma característica distingue o escritor romântico de todos os outros, o gosto pela expressão franca dos sentimentos, dos sonhos e das emoções que povoam seu mundo interior, numa atitude individualista e profundamente pessoal. Embora essa característica possa ser encontrada em escritores de qualquer época, é século XIX que ela atinge maior intensidade, convertendo-se num elemento identificador do Romantismo como estilo de época. Libertaram-se da tradição clássica, apresentavam novas concepções literárias em suas obras, eles valorizam os heróis nacionais, voltamse para a Idade Média (e não para a Antiguidade grego-romana), porque foi a época de formatação de suas nações, cantam os sentimentos populares, falam de amor e de saudade num tom bem pessoal, subjetivo. Era o nascimento do Romantismo. (TUFANO, 1995 p. 64).

O Romantismo foi uma escola tão rica e de tão grande expansão que adquiriu características muito variadas, o que torna segundo Tufano (1995), impossível descrevê-lo de maneira minuciosa. Por isso ele resume as principais características em: expressão plena dos estados da alma, paixões e emoções: exaltação à liberdade humana: culto e valorização da natureza entre outras. Ainda segundo ele, os fatos importantes que marcaram o contexto sócio-historico do Romantismo na Europa foram: a revolução industrial na Inglaterra e a revolução francesa, que provocaram o surgimento de duas novas classes sociais: a burguesia e o proletariado. A escola romântica ganhou força em contato com esses ideais revolucionários – liberdade, igualdade, fraternidade – e teve uma relação direta com os ideais políticos e principalmente revolucionários. Após dominar a Europa, esses estilo chegou aos países da

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América, inclusive ao Brasil. Aqui, o Romantismo foi desenvolvido durante o século XIX e é considerado o período de verdadeiro nascimento e afirmação da nossa literatura. O contexto histórico social do Romantismo brasileiro também esteve ligado a grandes acontecimentos importantes no país, como os que procederam a chegada dessa escola, embora já houvesse aqui a presença de um pré-romantismo, como já abordamos na primeira parte deste trabalho. Podemos destacar a vinda de D. João VI e toda a Corte portuguesa para o Rio de Janeiro no ano de 1808 como um dos fatores que resultou no progresso de algumas áreas no país, promoveu reformas no ensino, instalou bibliotecas, tipografias, teatros, consolidou a imprensa, dentre outros. Os avanços promovidos pela presença da família real no Brasil trouxeram grandes benefícios para o povo que aqui vivia. Outro ponto que merece destaque é a independência política do país ocorrida em 1822. Segundo Tufano (1995), tais acontecimentos deixaram o caminho aberto para introdução do Romantismo no Brasil. Para Candido (2009), significou ‘um ato de brasilidade’ o desejo de construir uma p|tria brasileira e de uma literatura verdadeiramente nacional, ou seja, a independência cultural e literária do país em relação à coroa lusitana, como afirma José de Alencar: É essa submissão que eu não tolero, e, como já o disse uma vez, quebraria a pena antes, do que aceitar semelhante expatriação Literária. Admiremos Portugal nas tradições grandiosas de seu passado; nos esforços generosos dos seus costumes; porém nunca imitá-lo servilmente. Importaria anular a nossa individualmente. (ALENCAR, apud TUFANO, 1995 p. 123).

Com esse depoimento, percebemos o desejo de criar essa literatura brasileira, respeitando Portugal, entretanto não sendo subserviente nem o imitando, cortando laços e os moldes de inspiração poética, libertando-se também no campo das letras e afirmando a autenticidade da nossa literatura. A partir de então podemos afirmar que nasceu uma vontade consciente de iniciar no Brasil a produção de uma literatura nacional, pois se o país é uma nação independente politicamente, que seja também no campo intelectual, como nos afirma Candido (2009). Até mesmo escritores estrangeiros, e entre eles o português Almeida Garret, incentivaram os brasileiros na produção de uma arte literária autenticamente nacional, valorizando a território local e procurando temas tipicamente nacionais nas construções dessa literatura. O Romantismo no Brasil foi introduzido por Gonçalves de Magalhães (1811 – 1882) e teve como marco inicial a publicação da Niterói revista Brasiliense e a obra Suspiros poéticos e saudades, em Paris, ambos no ano 1836. Segundo Moisés (2001), essa revista teve pouca duração, mas foi tempo suficiente para renovar a mente intelectual brasileira, pois foi um revista patriota com pretensões nacionalistas que possuía como lema “tudo pelo Brasil e para 28 XII SEMANA DE LETRAS

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o Brasil”. Na perspectiva do mesmo teórico, podemos constatar que Gonçalves de Magalh~es possuía um forte apego ao Neoclassicismo e que foi influenciado pela poética romântica francesa ao aderir ao movimento e trazê-lo ao Brasil. Despertadores da consciência romântica nacional, é como Candido (2009) chama Magalhães e o grupo da revista Niterói formado por Araújo Porto Alegre, Torres Homem, João Manuel Pereira, Candido de Azeredo e Magalhães, sendo este último o mentor e líder do grupo. Conhecido como pai do nacionalismo literário, graças à fundação da revista, foi Magalhães o precursor da escola romântica no país e teve como inspiração as obras de Ferdinand Denis, como já abordamos na primeira parte deste artigo. Já Coutinho (2001) define Magalhães como o primeiro homem das letras do Brasil. O que fica claro é a transferência do modelo estético e temático para a França e não mais Portugal, como fonte de inspiração para vida intelectual, cultural e literária no Brasil, por isso alguns críticos consideram Ferdinand Denis como o pai do Romantismo brasileiro, graças à influência que exerceu nos escritores do país. Além dele, influenciaram fortemente as obras brasileiras Chateaubriand, Byron, Lamartine, Hugo, Garret e Herculano. O Romantismo foi disseminado no seio da sociedade brasileira em lugares simples e familiares até os grandes encontros nos saraus, jantares e teatros. Os textos geralmente eram lidos em tom declamatório, já que a maioria da população não sabia ler, por isso havia mais ouvintes que leitores. No geral, as pessoas que tinham acesso a esse tipo de literatura eram mulheres e jovens que eram tomados pela emoção e sentimentalismo típicos do Romantismo, que conquistou de várias partes do mundo e em cada lugar procurou adaptar-se aos moldes locais. No Brasil, podemos destacar três momentos de forte impulso desse movimento, conhecidos e divididos em primeira, segunda e terceira gerações românticas, sendo o primeiro momento denominado de Indianista, quando os escritores começaram a escrever pondo em destaque o índio como artístico nacional em conjunto com a terra e a natureza brasileira; o segundo Ultrarromantismo, os poetas eram românticos ao extremo como destaca Tufano (1995), e Álvares de Azevedo (1831 – 1852) como seu principal representante; e no terceiro impulso romântico, a escola que envolvia amor e política teve o destaque os poetas Castro Alves (1847 – 1871) e Tobias Barreto (1839 – 1889). Como dito, houve essa adaptação do Romantismo nos lugares onde chegou e os escritores, ao invés de se voltarem para à idade média, como os europeus, voltaram-se para a figura idealizada do índio como verdadeiros heróis nacionais e como símbolo artístico do nacionalismo romântico, o que podemos denominar de Indianismo. Destacamos desse período os intelectuais Gonçalves de Magalhães, o precursor, o poeta Gonçalves Dias (182329 XII SEMANA DE LETRAS

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1824), o consolidador do movimento no Brasil, e José de Alencar, grande ícone e patriarca da literatura brasileira. Analisando o papel desempenhado por este três pilares do Romantismo e consequentemente da literatura brasileira, podemos designar para cada um, funções bem diferentes. Encontramos um Magalhães como introdutor deste estilo no Brasil, um precursor da nossa literatura que teve o importante papel de entoar o grito da nossa libertação literária de Portugal com a revista Niterói e Publicação de Suspiros poéticos e saudades, que resultou na colocada da França como berço inspirador da Cultura nacional brasileira, ao passo que percebemos, como afirma Moisés (2007), Gonçalves Dias como o poeta que consolidou o Romantismo no Brasil, colocando-o como o primeiro autenticamente brasileiro tanto na sensibilidade quanto no tema, pondo-o ainda como um maiores do século XIX. Vejamos o que Moisés afirma: Primeiro poeta autenticamente brasileiro, a despeito da inarredável lusofilia, Gonçalves Dias é também o nosso primeiro poeta romântico na ordem histórica e um dos maiores do século XIX. Nele, os vapores letais do Neoclassicismo, que tantas vítimas fariam até meados daquela centúria, não surtiram efeito. (MOISÉS, 2001, p. 340).

Sem dúvidas, Dias foi um dos grandes ícones da poesia nacional, pois fez um corte consciente com os modelos antigos do Classicismo, enlaçado a imaginação com o sentimento, tornou-se um dos mestres dos poetas posteriores; voltando-se para o indianismo heroico e uma tomada de consciência do solo natal, exaltou o sentimento de honra e valentia do índio, comprovadas em Juca Pirama (1851) e a famosa canção do exílio (1843) em louvor ao Brasil. Tornou-se inspiração para seus sucessores na atualização do tema do índio com grandeza e caráter heroico como forma de patriotismo e brasilidade. Outro majestoso representante do Romantismo Brasileiro e ícone da literatura nacional foi José de Alencar. A ele foi conferido, pela maior parte dos estudiosos da literatura, o título de mais importante prosador do Romantismo brasileiro, estando para prosa como Dias para a poesia. Foi defensor de um estilo autenticamente brasileiro na língua literária, reivindicou suas particularidades primando por uma linguagem mais próxima do falar brasileiro. Tendo em vista a importância de Alencar, não só pra o Romantismo como para a literatura brasileira de um modo geral vamos aprofundar um pouco mais nosso estudo sobre ele.

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José de Alencar: vida e obra do grande ícone da literatura brasileira José Martiniano de Alencar3 foi um escritor nordestino que nasceu no estado do Ceará, em 1829, e faleceu no Rio de Janeiro em 1877. Desde cedo mostrou sua aptidão para vida intelectual, estudou Direito em Olinda e são Paulo onde fundou, junto com alguns colegas, a revista Ensaios literários (1846). Formou-se bacharel em 1850, é considerado por muitos como um divisor de águas da literatura brasileira, teve uma vida marcada por polêmica e intensa produção intelectual tanto literária quanto no teatro. Em 1854, iniciou no Jornal Correio Mercantil, como colaborador de artigos, no ano seguinte foi para o Diário do Rio de Janeiro trabalhar como folhetinista, atividade em alta na imprensa da época. Conseguiu rápido nome em 1856, com a crítica que fez ao poema “A confederação dos tamoios” de Gonçalves de Magalhães, crítica essa que rendeu muitas polêmicas e teve a participação do próprio D. Pedro II. No ano seguinte com a publicação de O guarani (1857) primeiro em folhetim depois editado e impresso, consolidou e ampliou seu nome. Alencar teve atuação relevante na literatura e na sociedade brasileira. Demonstrando sempre ter opiniões próprias e um senso crítico aguçado, foi grande defensor dos ideais nacionalistas, embora fosse tido como um homem reservado na sua vida pessoal. Enquanto homem público, era figura notória da sociedade brasileira, foi deputado e ministro da justiça de D. Pedro II, foi um dos poucos intelectuais discordantes do ingresso de escritores para o alistamento voluntário na guerra contra o Paraguai, também foi contra as festividades patrocinadas pelo governo, pois isto somava dívidas nos centros financeiros de Londres, o que Machado (2010, p.33) denominou como “Uma voz clamando no deserto”. O maior prosador do Romantismo brasileiro foi tido por muitos como um teimoso, genioso e de personalidade forte. Outro fato interessante que aconteceu foi ele recusar uma medalha de condecoração pelos importantes serviços que prestou ás letras e que foi uma afronta aos liberais que estavam no poder e até mesmo ao imperador, com quem até então mantinha relações civilizadas e de boa amizade. Em 1968 foi nomeado pelo imperador ministro da justiça e logo começou a entrar em pequenos conflitos com o monarca, que por sua vez era homem de forte personalidade também. A pasta da justiça trouxe cada vez mais desentendimentos entre Alencar e D. Pedro II. Com sinais de rebeldia contra o imperador, nas eleições para o Senado em 1869, Alencar lançou-se candidato pelo Ceará. Vejamos o que Machado afirma:

3As

informações biográficas a respeito de Alencar foram encontradas em MACHADO (200), TUFANO (1995), COUTINHO (2001).

31

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO Dito em linguagem não palaciana: era um teimoso. Por isso mesmo, encrespava-se, sobretudo com a teimosia e a irreverência. A irreverência e a teimosia de Teófilo Otoni. E de um José de Alencar, homem melindroso e áspero, mais imperial do que o próprio imperador, no sentido de não aceitar objeções. Convivência impossível. Num momento de sinceridade, a Bragança desabafou: “Era um homenzinho muito malcriado”. (MACHADO, 2010 p. 88).

Sem o apoio do monarca, destituiu-se do ministério e foi o mais votado entre os seis candidatos. Acabou sendo preterido pelo imperador que, dono do voto de minerva, escolheu o segundo e o quinto mais votado para assumirem o Senado. Alencar venceu a eleição em primeiro lugar e ficou fora do Senado pelo veto do imperador. Estavam deterioradas então as relações políticas entre Alencar e D. Pedro II. Segundo Moisés (2001), após os problemas diplomáticos com Imperador e a perda da cadeira no Senado Federal, Alencar recolhe-se à vida particular e à sua imensa paixão: a literatura. Tido como o mais importante ficcionista do Romantismo brasileiro, um marco na tradição literária do Brasil, foi o primeiro escritor por vocação e que se dedicou de maneira integral às produções, foi senhor de si na escrita e na vida, não se deixando manipular ou se dobrar por algum superior. Não abandonou as letras, mesmo após ganhar nome de prestígio político como homem público, ao contrário, a maior parte dos escritores tinha as letras como um passatempo de juventude e após formados não tornavam a escrever, ele todavia se manteve fiel à sua vocação e escreveu até o fim da vida, mesmo sofrendo ataques violentos e preconceituosos contra essa atitude. Alencar foi jornalista, advogado, político e um autêntico homem das letras. Sendo romancista e ensaísta, escreveu crônica, poesia e crítica literária, esta última iniciada por ele no país, atividade até então crônica, poesia e crítica literária, esta última iniciada por ele no país, atividade até então desconhecida até fazer a crítica a Confederação dos tamoios. Na poesia, no entanto, não teve tento êxito. Escreveu os versos Os filhos de tupã (1863) sem muito sucesso, mas foi na prosa que alçou maior destaque e o ponto mais alto da sua obra. Foi ele quem inaugurou a profissão de escritor no país e teve participação decisiva também como precursor ao inaugurar a crítica literária no Brasil. Não foi por acaso que em fonte bebeu Joaquim Maria Machado de Assis (1832-198) um dos maiores escritores da literatura mundial, sendo assim ele iniciou o que o próprio

Machado

(2010)

chama

de

dignificação do nosso homem das letras. Escreveu romances nas linhas social ou urbana, regionalista, histórica e indianista, destacamos o indianismo por serem romances obras-primas da literatura nacional e por se voltarem para o nativo, ainda que de modo idealizado com moldes fictícios que figuraram o índio no Romantismo brasileiro. Foi uma atividade de suma importância que valorizou o passado e a história do Brasil, louvando a terra e destacando os indígenas que habitavam este 32 XII SEMANA DE LETRAS

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lugar. Coutinho (2001) considera que o Indianismo foi uma das maiores glórias que coroam o nacionalismo literário no Brasil, quer seja na representação da natureza, ou do índio e isso gerou uma literatura própria tanto no tema quanto na estética.

O Indianismo de José de Alencar O indianismo de modo geral tratou de valorizar as origens do território brasileiro, louvando a natureza e pondo em destaque a figura do índio como um símbolo nacional e não foi diferente em Alencar. Como afirma Candido (2009), o nativo exposto nas obras desse Escritor foi, sobretudo, um elemento ideológico, ou seja, o autor utilizou-se conhecimentos básicos sobre costumes e tradições indígenas e principalmente da imaginação para criar histórias nas quais percebemos a presença de um índio idealizado segundo o padrão do homem branco europeu tido como civilizado, nobre e gentil. Moisés (2001) nos informa que o nativo alencarino foi um ser mítico com qualidades semelhantes ou até superior às dos europeus. Dessa forma, percebemos o destaque que era dado aos nativos nessas obras Indianistas, valorizando-se o passado da nação na figura idealizada dos homens que nela habitavam antes da chegada dos portugueses. Constatamos também a intenção de equiparálos aos homens brancos, expondo suas características físicas, morais e seus valores, ou seja mais uma forma de valorizar o homem tipicamente brasileiro em detrimento dos portugueses, como resposta pelos abusos que os nativos sofreram. Ser mítico, o indígena alencarino é pleno de qualidades, em flagrante contraste com os brancos, raro primários e viciosos. Para os silvícolas vão todas as simpatias; aos brancos fica reservada sempre a pior parte no concerto geral: batem-se em lutas fratricidas ou desconhecem os bons sentimentos dos nativos. A explicação para o idealizado retrato do índio reside na possível influência do pensamento rousseauniano, filtrado pela poesia de Gonçalves Dias, conjugada a outros fatores: Alencar não conhecia de vista os heróis da suas narrativas; quando muito, convivera na infância com pessoas que lhe poderiam ter contado lendas a respeito. O mais aprendera nos livros. E a imaginação fizera o resto. (MOISES, 2001, p. 393).

Para comprovar o que disse Moisés, vejamos a seguir o trecho de O Guarani, que mostra como Alencar idealizou o índio. Não há dúvida, disse D. Antônio de Matriz, na sua cega dedicação por Cecília quis fazer-lhe a vontade com risco de vida. É para mim uma das coisas mais admiráveis que tenho visto nesta terra, o caráter desse índio. Desde o primeiro dia que aqui entrou, salvando minha filha, a sua vida tem sido um só ato de abnegação e heroísmo. Credeme, Álvaro, é um cavalheiro português no corpo de um selvagem! (ALENCAR, 2004 p. 43).

Como é sabido, Alencar foi ávido leitor de escritores como Walter Scoot, Fenimore Cooper e Chateaubriand, o que resultou em profunda colaboração para sua obra. A partir 33 XII SEMANA DE LETRAS

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disse, Alencar passou a empregar em sua literatura as aventuras e feitos indígenas à maneira das novelas de cavalarias medievais e nesse clima medieval, as obras alencarinas transmitem, por meio dos índios, verdadeiros cavaleiros repletos de qualidades como: força, coragem, honestidade, civilidade e nobreza. Para Candido (2001), Alencar, na sua crítica a confederação dos tamoios, atribuiu a Firmino Rodrigues Silva, que escreveu a obra Nênia (1837) considerada por muitos como pilar da poesia nacional indianista, a verdadeira poesia nacional e deu ao índio um tema moderno, deixando-o pronto para ser explorado como escopo no o desenvolvimento da literatura romântica indianista que apresenta um índio idealizado positivamente como símbolo do nacionalismo brasileiro, segundo afirmou Coutinho (2001). Os romances indianistas de Alencar são divididos basicamente em três: O Guarani (1857), Iracema (1856) e Ubirajara (1874). Eles ficaram conhecidos como a Tríade Alencarina ou Trilogia Indianista de Alencar, e nela a figura do índio está idealizada e é representada de maneira diferente. No primeiro, notamos o índio Peri entre os europeus; no segundo, a índia Iracema vive uma história de amor com um português no âmago da floresta brasileira; ao passo que no terceiro, Alencar solta ainda mais sua imaginação somada com alguns dados históricos para idealizar à vida dos índios entre eles mesmos, sem a presença do homem branco, tendo em Ubirajara, um nativo, sua personagem principal. O romance O Guarani (1857) foi lançado primeiro em folhetim nos jornais e logo caiu no gosto popular, em seguida foi editado e impresso como livro. Por meio dele, Alencar consolidou o seu nome no cenário literário brasileiro e se tornou campeão de vendas, sucesso absoluto. Nesse romance, percebemos o caráter de inspiração medievalista imposta por Alencar nas suas obras, aproximando o índio do colonizador e dando qualidades nobres ao índio Peri. O romance narra as aventuras desse índio da tribo goitacá, que salvou Cecília filha de um português chamado D. Antônio de Mariz, de um desmoronamento e ajudou a família dele a se defender do ataque de uma tribo indígena chamada Aimoré. O ataque foi em resposta ao incidente causado pelo irmão de Cecília e que resultou na morte de uma índia daquela tribo. Após isso o jovem Peri tornou-se grande de Cecília e passou a amá-la e a se dedicar totalmente a ela, servindo-a como um verdadeiro cavaleiro puro, honesto, valente e gentil, disposto a enfrentar todos os perigos em favor da sua amada. Percebemos nesse perfil traços de inspiração medieval e o autor se vale de palavras que retomam termos da Idade Média como suserano e vassalo Outro ponto que destacamos é a descrição da casa onde vivia D. Antônio e família. Alencar descreve a casa do português como se fosse um castelo medieval, onde o “suserano” dava abrigo e proteç~o aos “vassalos”, homens que trabalhavam e o tinham em estima e respeito. 34 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO Estes, apesar das precauções que tomavam contra os ataques dos índios. Fazendo paliçadas e reunindo-se uns aos outros para defesa comum, em ocasião de perigo vinham sempre abrigar-se na casa de D. ANTÔNIO DE Mariz, a qual fazia a vezes de um castelo feudal na Idade Média. O fidalgo os recebia como um rico-homem que devia proteção e asilo aos seus vassalos; socorria-os em todas as suas necessidades, e era estimado e respeitado por tudo que vinham confiados na sua vizinhança, estabelecer-se por esses lugares. (ALENCAR, 2064, p. 18).

No que refere a Peri, percebemos como foi idealizado por Alencar, quando D. Antônio tece elogios ao jovem índio chegando a dizer “que era um verdadeiro cavalheiro português” no corpo de um selvagem (p.43). Nesse trecho, o autor descreve o nativo com qualidades nobres, como dedicado, abnegado e herói face ao comprometimento do indígena em satisfazer a jovem Cecília em todos os seus caprichos e necessidades. Entretanto, há de se ressalvar que nesse comentário ele foi infeliz, pois mesmo elogiando o índio Peri, acaba por dar uma soberania europeia. Ao ler essa passagem, percebemos que o fidalgo elenca as qualidades do jovem com certo espanto, como se elas pertencessem somente ao homem ‘civilizado’ o europeu. Em relação ao amor que Peri sentia por Cecília, tratava-se uma espécie de religião, ele procurava a sua ‘deusa’ como idolatria fan|tica, completamente dedicado a cumprir todos os seus desejos como no episódio em que foi caçar uma onça pondo sua vida em risco somente para satisfazer sua amada. Já o pai de Cecília via-o como amigo de confiança, D. Lauriana via-o como um cão fiel que havia prestado serviço a família. Alencar ateneu o preconceito da mulher ao afirmar que não fazia por ter mal coração e sim por prejuízo de educação (ALENCAR, 2004). Mesmo sendo Peri repleto de lealdade à Cecília e sua família, percebemos ainda resquícios de discriminação, a exemplo da forma como Isabel, prima de Cecília referia-se a Peri chamando-o de selvagem, pele escura e sangue vermelho, fazendo alusão ao que a mãe da própria Cecília pensava dele: um animal assemelhando ao cavalo e ao cão, explicitando-se o preconceito racial. D. Lauriana, esposa do português e mão de Cecília, possuía um espírito de nobreza ridiculamente exagerado e, mesmo morando no seio das matas brasileiras, procurava sempre mostrar-se superior e chegou até a tramar para que seu esposo não aceitasse mais a presença do índio em seus domínios, a quem chamava de bugio, espécie de macaco: “-Ouça cá, Sr. Mariz! Exclamou D. Lauriana; ouça as estripulias do capeta! – Senhor Deus! É pior do que um judiaria! Mas quem deu pistola a esse bugio?”. (ALENCAR, 2004, p. 66). Um trecho interessante dessa trama se dá quando, no momento de tensão pelo previsto ataque dos Aimorés, o português D. Antônio, diz para Peri que só deixaria levar Cecília e salva-la do ataque, se ele fosse cristão (p.254). Podemos observar o caráter inferior que foi empregado ao nativo por ser simplesmente um filho de Tupã e não cristão. Faz-se necess|rio falar, entretanto, que no mesmo instante, Peri afirmou seu desejo de ‘convers~o’ ao 35 XII SEMANA DE LETRAS

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cristianismo, claro que não por questão de fé e sim pela sua verdadeira religião, sua doce Cecília, vemos o emocionante relato de como o indígena salvou sua amada do ataque dos selvagens e da morte que estava às portas (p.255-256). Ele salva Cecília do ataque vingativo dos Aimorés e foge com ela pelas florestas. Passam dias e noites e a jovem menina compreendeu que o amor que sentia pelo jovem índio já não era somente fraterno e foi ali, no seio da floresta onde o nativo era rei, que ela descobriu seu amor, sua admiração pela força, coragem, e lealdade do índio, admiração não só por suas qualidades da alma como também seus aspectos físicos vigorosos. A menina estava amando. No clímax do enredo, verificou-se outro ato heróico do indígena salvando-a da inundaç~o provocada por uma tromba d’|gua, salvou-a e, conforme a lenda de Tamandaré, o nome do Noé indígena, foram flutuando sobre as águas em cima de uma palmeira. Em Iracema (1865), Alencar monta um cenário munido de beleza natural das florestas brasileiras, um verdadeiro louvor a terra do Brasil, exaltou seus animais e a diversidade do seu ecossistema. Em meio a toda essa natureza exuberante, ocorreram os fatos descritos pelo autor. A obra apresenta uma linguagem bem elaborada, procura expor a forma poética e natural de falar dos índios e o lirismo amoroso entre os protagonistas, o europeu Martim e a nativa Iracema. O livro possui características de um poema em prosa. Nele existe a lenda de fundação do Ceará (nome indígena) lugar em que foi sepultada Iracema, embaixo de um coqueiro do qual cantava a Jandaia ‘amiga’ de Iracema, por isso a virgem dos l|bios de mel tornou-se símbolo do Ceará – Canto da Jandaia – que etimologicamente significa conto forte da arara ou periquito. Eis, portanto, a verdadeira origem tanto na tradição lendária como nas regras da língua Tupi. Diferente do primeiro romance, que havia um índio no meio dos brancos, nesse há a presença de Martim, um europeu, no meio dos índios nas matas virgens do Brasil e que se perdeu em uma caçada com seus amigos da tribo Potiguara, inimigos da nação Tabajara da qual fazia parte a virgem indiana. Destacamos nessa obra a figura hospitaleira dos nativos idealizados por Alencar, índios de caráter nobre e de grande hospitalidade que ofereciam repouso, água e comida para saciar Martim, que na floresta junto com os índios era tratado como um amigo de Tupã (deus dos índios) recebido com honra por Araquém, pajé e pai de Iracema. Iracema acendeu o fogo da hospitalidade; e trouxe o que havia de provisões para satisfazer a fome e a sede: trouxe o resto da caça, a farinha-d’|gua, os frutos silvestres, os favos de mel, o vinho de caju e ananás. Depois a virgem entrou com a igaçaba, que na fonte próxima enchera de água fresca para lavar o rosto e as mãos do estrangeiro. Quando o guerreiro terminou a refeição, o velho Pajé apagou o cachimbo e falou: - Vieste? - Vim;respondeu o desconhecido.

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO - Bem-vindo sejas. O estrangeiro é senhor na cabana de Araquém. Os tabajaras tem mil guerreiros para defendê-lo, e mulheres sem conta para servi-lo. Dize, e todos te obedecerão. (ALENCAR, 1984, p. 17).

Os dois romances se assemelham no que diz respeito á imposição da fé cristã, todavia faz-se necessário ponderar que primeiro Martim se converteu ao deus Tupã dos índios na cerimônia que recebeu o nome de Coatibo (guerreiro do corpo pintado) e pintou o corpo para tornar-se um Pitiguara. Entretanto, assim como Peri teve de se converter ao cristianismo para salvar Cecília, na história da virgem indiana dos lábios de mel, após sua morte, o guerreiro branco retorna á sua pátria natal e quatro anos depois volta ao Brasil trazendo a fé cristã e convertendo muitos índios, como Poti que foi o primeiro a converte-se a fé cristã. Nos dois textos há a presença do colonizador e Alencar idealiza um índio como homem nobre e civilizado, com qualidades europeias, inclusive na conversão ao Deus dos brancos. Ao passo que em Ubirajara (1874), Alencar o trata como irmão de Iracema, ele narra as aventuras e peripécias dos índios entre eles mesmo nas matas virgens do Brasil e solta sua brilhante imaginação somada com relatos históricos para montar os cenários das histórias indianistas. Em Iracema encontramos por todo o livro palavras da língua dos nativos como forma de valorizar sua nacionalidade linguística e a exaltação das terras brasileiros; em Ubirajara nota-se que Alencar procurou idealizar a vida dos indígenas sem a presença do homem branco e, nesse sentido, reconstruir a imagem do índio ainda que de maneira idealizada é fundamental para alicerçar o espírito de brasilidade proposto pelo Romantismo. Para tanto, Alencar remontou o passado do Brasil sem a chegada dos colonizadores. Nesse romance, o escritor assim como nos dois anteriores, oferece qualidade nobres aos índios como a bravura, lealdade valentia e destemor. Para isso ele narra em 3ª pessoa os atos heroicos de Jaguaré, um jovem caçador que almejava conquistar nome de guerra, ou seja, ser um grande guerreiro, dessa forma conta de maneira simples, a semelhança de Iracema, utilizando muitos aspectos da natureza como sua fauna e flora exuberante, como podemos observar no trecho abaixo, no qual Alencar atribui à beleza de Iracema características da natureza brasileira. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertões as matas do Ipu?’onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto. Iracema saiu do banho; o aljôfar d’|gua ainda a roreja, como | doce mangaba que corou em manhã de chuva Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste. A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela As vezes

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO sobe aos ramos da árvore e de árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru te palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão. (ALENCAR, 1984, p. 14-15).

Em Ubirajara, a historia começa expondo os fatos sobre a vida do jovem índio Jaguarê que necessita realizar um grande feito para se tornar guerreiro (p.15) e nas páginas seguinte é narrado como aconteceu a luta que deu o nome a Jaguarê de Ubirajara (senhor da lança). Nos capítulos seguintes, mostra como se deu a celebração da festa guerreira dos filhos de Camacã, chefe da tribo os araguaia e a coroação de Ubirajara como grande guerreiro dos araguaia. Alencar apresenta também a importância e valorização dos indígenas em manter vivas suas glórias e tradições, desde os rituais festivos até as mais cruéis batalhas: Pela margem do grande rio caminha Jaguarê, o jovem caçador. O arco pende-lhe ao ombro, esquecido e inútil. As flechas dormem no coldre da uiraçaba. Os veados saltam das moitas de ubaia e vêm retouçar na grama, zombando do caçador. Jaguarê não vê o tímido campeiro, seus olhos buscam um inimigo capaz de resisir-lhe ao braço robusto. O rugido do jaguar abala a floresta; mas o caçador também despreza o jaguar, que já cansou d vencer. Ele chama-se Jaguarê, o mais feroz jaguar da floresta; os outros fogem espavoridos quando de longe o pressentem. Não é esse o inimigo que procura, porém outro mais terrível para vencê-lo em combate de morte e ganha nome de guerra. Jaguarê chegou à idade em que o mancebo troca a fama do caçador pela glória do guerreiro. Para ser aclamado guerreiro por sua nação é preciso que o jovem caçador conquiste esse título por uma grande façanha. (ALENCAR, SD, p. 15).

Em Ubirajara, o índio é visto como o bom selvagem de Rousseau, idealizado e construído sempre com qualidades positivas. Assim como em Iracema, retoma a hospitalidade comum entre as tribos ao receberem estrangeiros, exaltando suas atitudes heroicas e, como todo bom romântico, Alencar emprega nos três romances indianistas histórias de amor. No caso de Ubirajara, considera-se a relação amorosa existente entre ele e Araci, sua esposa, pelo Tocantins e Jandira pelo Araguaia. O enredo acontece na região de encontro entre os rios Tocantins e Araguaia, dessa forma Alencar idealiza Ubirajara como o mais forte e bravo guerreiro, o melhor caçador e pescador repleto de qualidade dignas de um grande homem e como conseguira, sob orientação de Itaquê, chefe dos Tocantins que ficara cego em combate, unir Ubirajaras em homenagem ao seu herói. Com Ubirajara, Alencar encerra sua produção indianista, sempre recheada de emoções e aventuras amorosas, exaltando o sentimentalismo e a paixão com histórias que deixavam os leitores de um modo geral muito antenado com o enredo. Segundo Abreu (2011), Alencar, no auge do seu nacionalismo, faz-se valer de notas de rodapé ao longo dos três romances, além dos prefácios e posfácios, empregados como forma de refutar as críticas que vinha recebendo por defender uma língua independe de Portugal e um tema autenticamente brasileiro:

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO Do ponto de vista dos debates letrados que animaram o século XIX, as notas têm múltipla função. Ao lado dos prefácios, elas atuam no sentido de construir e difundir o nacionalismo literário, apresentado argumentos e dados com o objetivo de revisar o passado colonial, afirma distinção entre a língua falada no Brasil e em Portugal e erigir a natureza e os índios como símbolos da nova nação. Nesse sentido, as notas participam das polêmicas eruditas, em que se discutiam quais seriam os temas e formas mais adequadas para a criação de uma literatura brasileira. A feito às polêmicas, Alencar espalhou-as por jornais, cartas, advertências, prefácios, posfácios e – com não menor intensidade – notas de rodapé. Conforme observa a autora, as notas são espaço de resposta á crítica coetânea, que acusava os romances indígenas alencarinos de falta de compromisso com a observação da realidade e condenavam seu afastamento da língua escrita em Portugal. Além de refutar os argumentos de seus adversários. Alencar utilizou o espaço das notas para citar autores de destaques no cenário da época, dando mostras de sua erudição e inserindo seus romances numa linhagem nobre. (ABREU, 2011, p. 10).

Compreendemos que esses recursos servem para dar autenticidade às histórias narradas. Inserindo relatos históricos e documentos historiográficos, Alencar usou esses espaços para citar importantes autores europeus da época, revelando sua erudição e afirmando a identidade nobre dos romances. Ele atingiu diferentes públicos: para os leitores cativos, o corpo da pagina com o enredo da história, para os letrados, as notas junto co, prefácios e posfácios permitindo, portanto, que os leitores se deliciassem com as aventuras românticas e os intelectuais tivessem acesso à informação importante. De maneira sábia e perspicaz, o autor empregou a tríade indianista para construir e difundir o nacionalismo literário, afirmando diferenças linguísticas entre o Brasil e Portugal e pondo a natureza e o índio como símbolo da nação e da criação da literatura brasileira.

Considerações finais Percebemos, durante a realização desse trabalho, o quanto foi importante a investida de Alencar em desenvolver uma literatura nacional, com o objetivo de afirmar a identidade literária e intelectual do país. Dessa maneira, notamos que o Indianismo foi uma maravilhosa manifestação literária nacionalista que aconteceu no Brasil, pois se voltou para o passado da nação e valorizou aqueles que nela habitavam. Mesmo sendo o índio de Alencar idealizado em suas obras, cremos que o papel que foi desempenhado e atingiu êxito em formar e difundir a literatura brasileira de maneira moderna. Dessa forma, ele inovou tanto no tema quanto na linguagem empregada nas obras, que se aproximaram do falar do povo brasileiro. Faz-se necessário frisar que Alencar inaugurou a carreira de escritor no Brasil e foi um dos primeiros campeões de vendas de livros no país, fazendo parceria com editoras e, com visão de empreendedor, começou a vender os romances nas portas das pessoas. Deixou sua marca cravada na história da literatura brasileira inaugurando também a crítica literária no país, exerceu grande influência nos jovens literatos que despontavam no cenário nacional, 39 XII SEMANA DE LETRAS

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como Machado de Assis. Sendo assim, consideramos Alencar como um ícone da literatura brasileira, nome fundamental na consolidação das letras no Brasil e patriarca da geração de escritores que vieram após ele e que tanto trouxeram frutos para nossa literatura. A influência das obras de Alencar na sociedade brasileira pode ser verificada ainda hoje, quando encontramos diversos nomes de origem indígenas nos registros civis de cidadãos brasileiros. Nomes esses que estiveram presentes na trilogia indianismo do autor, tais como Iracema, Ubirajara, Ubiratan, Jacira, Moacir, Arapuã, Juçara, Araci, Jandira, dentre outros, e que foram disseminados entre a população brasileira. Consideramos, portanto, que esse trabalho foi muito proveitoso e que contribuiu significativamente para o entendimento dos fatos que se deram durante o Romantismo no Brasil e de como foi consolidada a literatura brasileira, que teve participação decisiva de Alencar e de seus romances indianistas. Elucidouse, por meio dessa pesquisa, como o Romantismo chegou ao Brasil e a maneira como essa escola foi adaptada em nosso país e a colaboração do viés indianista para afirmação da literatura brasileira.

Referências ABREU, Mirhiane Mendes. Ao pé da página: a dupla narrativa em José de Alencar. São Paulo: Mercado de Letras, 2011. ALENCAR, José de. Iracema: lenda do Ceará. São Paulo: Ática, 1984. _____________. O Guarani. São Paulo: Martin Claret, 2004. _____________. Ubirajara. São Paulo: Solidez Edições, S.D. CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (1750-1880). São Paulo: Fafesp, 2009. COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand, 2001. MACHADO, Ubiratan. A vida literária no Brasil durante o Romantismo. Rio de Janeiro: EdUERJ. 2010. Moisés, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. São Paulo: Cultrix, 2007. ______________. História de literatura brasileira: das origens ao Romantismo. São Paulo: Cultrix, 2001. TUFANO, Douglas. Estudo da literatura brasileira. São Paulo: Moderna, 1995.

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A PRÁTICA DE LEITURA NA PROVINHA BRASIL: AVALIAÇÃO E ENSINO Solange dos Santos (UFS)

Introdução O fracasso na formação dos alunos, no que concerne às habilidades de leitura, é repercutido em resultados de avaliações como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e os exames do Programa para Avaliação Internacional de estudantes (PISA). Diante disso, percebe-se que as habilidades de leitura não foram totalmente desenvolvidas, fazendo surgir a necessidade de encontrar os motivos que suscitam este fracasso na formação de leitores. A Provinha Brasil passa ser foco de análise por ser uma avaliação diagnóstica de âmbito nacional, que indica o nível de alfabetização e letramento dos alunos, avaliando as habilidades de leitura de alunos do 2º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas, indicando, assim, as principais dificuldades dos alunos no que se referem às capacidades de leitura. Além de avaliar as habilidades dos alunos, a Provinha Brasil auxilia na reflexão da prática de ensino, uma vez que os resultados fornecem subsídios para o planejamento pedagógico e a revisão de critérios para a escolha dos matérias didáticos adequados. A par da necessidade de analisar os recursos utilizados no ensino de leitura, este artigo, recorte da dissertação intitulada Leitura e Provinha Brasil: dos pressupostos teóricos ao diagnóstico de habilidades, resultante de atividades ligadas ao projeto Ler+Sergipe – leitura para o letramento e cidadania, vinculado ao Programa Observatório da Educação (edital 38/2010/CAPES/INEP), observa as estratégias e propostas de se trabalhar a leitura subjacentes a essa avaliação.4 Nesse âmbito, inicialmente, realizou-se a leitura do kit da edição 2013 da Provinha Brasil, ressaltando seus objetivos, pressupostos teóricos, orientações para aplicação, correção e uso dos resultados. Em seguida, com o propósito de analisar como a atividade de compreensão/interpretação textual é explorada nos testes, realizamos o rastreamento dos tipos de perguntas, utilizando a tipologia elaborada por Marcuschi (2008).

O projeto Ler+Sergipe – leitura para o letramento e cidadania foi coordenado pela Profa. Dra. Raquel Meister Ko. Freitag, formado por uma equipe de cinco pesquisadores (professoras doutoras da Universidade Federal de Sergipe), três alunas de mestrado, duas supervisoras (professoras da educação básica) e cinco alunos de graduação. O principal objetivo do projeto é diagnosticar as causas do fracasso na aprendizagem inicial da leitura, contribuindo na diminuição do analfabetismo funcional no estado de Sergipe. Alguns resultados do desenvolvimento deste projeto estão reunidos no livro Leitura, letramento e cidadania: explorando a Provinha Brasil, publicado em 2013. 4

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A Provinha Brasil A Avaliação da Alfabetização Infantil – Provinha Brasil – foi implementada, em 2008, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), por meio da sua Diretoria de Avaliação da Educação Básica (Daeb) e com o apoio da Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação (MEC). As secretarias de educação recebem o Kit da Provinha Brasil composto por três documentos: Guia de Aplicação; Caderno do Aluno; Guia de Correção e Interpretação de Resultados. Estes documentos consistem em cadernos que abordam a metodologia da prova, seus objetivos, pressupostos teóricos, além das orientações para a aplicação, correção e uso dos resultados. Ao contrário do que ocorre com a Prova Brasil, os resultados da Provinha Brasil não são utilizados na composição do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, assim, a sua aplicação é opcional, ficando a critério de cada secretaria de educação dos estados e municípios.

Nesse sentido, a sua finalidade não é classificatória, mas oferecer aos

professores e gestores das escolas um instrumento de análise das habilidades concernentes à alfabetização e ao letramento inicial dos alunos. A Matriz de Referência da Provinha Brasil considera três eixos: i) apropriação do sistema de escrita; ii) leitura; e iii) valorização da cultura escrita. Vale ressaltar que as habilidades referentes à valorização da cultura escrita estão ao longo da constituição do teste. Nesse sentido, a Matriz de Referência está estruturada em dois grandes eixos, como podemos observar a seguir na figura 1:

Figura 1 – Matriz de Referência da Avaliação da Alfabetização e do Letramento Inicial da Provinha Brasil Fonte: Guia de Correção e Interpretação de Resultados (2013c, p. 12)

Destaca-se a concepção de que a leitura contempla não somente a atividade de decifração, mas também a de compreensão e produção de sentido, ou seja, as práticas de 42 XII SEMANA DE LETRAS

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letramento. Dentro dessa perspectiva, ressaltam-se as habilidades de: “ler palavras e frases, localizar informações explícitas em frases ou textos, reconhecer assunto de um texto, reconhecer finalidades dos textos, realizar inferências e estabelecer relação entre partes do texto” (BRASIL, 2013c, p. 11). Os desempenhos dos alunos são analisados de acordo com cinco níveis de acerto. Para chegar a esses níveis, foi realizada uma análise das dificuldades das habilidades segundo critérios estatísticos e pedagógicos, através de um pré-teste, realizado pelo Inep e aplicado a diferentes grupos de alunos de todo país. A partir disso, definiu-se o número de acertos para cada nível de alfabetização e letramento, de acordo com o número de questões de múltipla escolha respondidas corretamente. Na edição 2013, foram adotados os seguintes números de acertos para cada nível de desempenho:

Figura 2 – Indicadores de nível de alfabetização e letramento da Provinha Brasil (2013) Fonte: Guia de Correção e Interpretação de Resultados (2013c, p. 26)

Acredita-se que as respostas dos alunos podem ser interpretadas fazendo uma relação entre o número ou a média de acertos e os correspondentes níveis de desempenho descritos pela Provinha Brasil. Para cada nível h| um conjunto de habilidades. “É importante esclarecer que cada um desses níveis apresenta novas habilidades e engloba as anteriores, por exemplo: um aluno que alcançou o nível 3 já desenvolveu as habilidades dos níveis 1 e 2” (BRASIL, 2013c, p. 26). Esses níveis indicam em que fase de aprendizagem os alunos estão. A análise desse tipo de prova, a par dos resultados apontados, pode contribuir para a reflexão da prática pedagógica, ampliando conceitos e bases teóricas que dão suporte ao trabalho em sala de aula. Depois de apresentadas as principais características da Provinha Brasil, torna-se pertinente observar, por meio das questões que a compõem, como são avaliadas as habilidades de compreensão/interpretação textual.

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A tipologia de perguntas Marcuschi (2008) apresenta uma tipologia das perguntas de compreensão em livro didático de Língua Portuguesa nos anos de 1980-1990. Os tipos de perguntas identificados nas atividades de compreensão/interpretação textual, dos livros didáticos selecionados para análise, foram classificadas, segundo o referido autor, de acordo com as estratégias aplicadas. Vejamos a tipologia no quadro a seguir: Quadro 2 – Tipologia das perguntas de compreensão em livros didáticos de língua portuguesa nos anos de 1980 – 1990 TIPOS DE EXPLICITAÇÃO DOS TIPOS EXEMPLOS PERGUNTAS 1. A cor do Cavalo branco de Napoleão

São P não muito frequentes e de  Ligue perspicácia mínima, sendo já auto- Lilian – Não preciso falar sobre o que respondidas pela própria formulação. aconteceu. Assemelham-se às indagações do Mamãe – Mamãe, desculpe, eu menti para tipo: “Qual a cor do cavalo branco de você. Napole~o?”

2. Cópias

São as P que sugerem atividades mecânicas de transcrição de frases ou palavras. Verbos frequentes aqui são: copie, retire, aponte, indique, transcreva, complete, assinale, identifique etc.

 Copie a fala do trabalhador.  Retire do texto a frase que...  Copie a frase corrigindo-a de acordo com o texto.  Transcreva o trecho que fala sobre...  Complete de acordo com o texto.

3. Objetivas

São as P que indagam sobre conteúdos objetivamente inscritos no texto (o que, quem, quando, como, onde...) numa atividade de pura decodificação. A resposta acha-se centrada só no texto.

 Quem comprou a meia azul?  O que ela faz todos os dias?  De que tipo de música Bruno mais gosta?  Assinale com um x a resposta certa.

4. Inferenciais

Estas P são as mais complexas, pois  A donzela do conto de Veríssimo exigem conhecimentos textuais e costumava ir à praia ou não? outros, sejam eles pessoais, contextuais, enciclopédicos, bem como regras inferenciais e análise crítica para busca de respostas.

5. Globais

São as P que levam em conta o texto  Qual a moral dessa história? como um todo e aspectos  Que outro título você daria? extratextuais, envolvendo processos  Levando-se em conta o sentido global inferenciais complexos. do texto, pode concluir que...

6. Subjetivas

Estas P em geral têm a ver com o  Qual a sua opinião sobre...? Justifique. texto de maneira apenas superficial,  O que você acha do...? Justifique. sendo que R fica por conta do aluno e  Do seu ponto de vista, a atitude de não há como testá-la em sua validade. menino diante da velha senhora foi correta?

7. Vale-tudo

São as P que indagam sobre questões  De que passagem do texto você mais que admitem qualquer resposta, não gostou? havendo possibilidade de se  Se você pudesse fazer uma cirurgia equivocar. A ligação com o texto é para modificar o funcionamento de seu apenas um pretexto sem base alguma corpo, que órgão você operaria? para a resposta. Distinguem-se das Justifique sua resposta. subjetivas por não exigirem nenhum  Você concorda com o autor? tipo de justificativa ou relação textual.

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8. Impossíveis

Estas P exigem conhecimentos  Dê um exemplo de pleonasmo vicioso externos ao texto e só podem ser (Não havia pleonasmo no texto e isso respondidas com base em não fora explicado na lição) conhecimentos enciclopédicos. São  Caxambu fica onde? (O texto não falava questões antípodas às de cópias e às de Caxambu) objetivas.

São P que indagam sobre questões formais, geralmente da estrutura do texto ou do léxico, bem como de 9. Metalinguísticas partes textuais. Aqui se situam as P que levam o aluno a copiar vocábulos e depois identificar qual o significado que mais se adapta ao texto. Fonte: Marcuschi (2008, p. 271-272)

 Quantos parágrafos tem o texto?  Qual o título do texto?  Quantos versos tem o poema?  Numere os parágrafos do texto.  Vá ao dicionário e copie os significados da palavra...

Com o rastreamento dos tipos de perguntas, Marcuschi (2008) constatou que entender um texto era uma noção distorcida pelas atividades nos livros didáticos. Notou-se que as questões priorizam a compreensão: i) do vocabulário; ii) de frases na maioria das vezes descontextualizadas; e iii) extração de informações objetivas. Marcuschi (2008) afirma que vários estudos atuais mostram que, apesar de muito se discutir a questão da compreensão, o livro didático de Língua Portuguesa ainda apresenta atividades superficiais. Esse fato justifica o grande número de estudos que giram em torno dessas atividades e a validade dessa tipologia. Santos e Silva (2012) examinaram as estratégias e propostas de trabalho com a leitura da coleção Português: Ensino Médio, adotada na rede pública do município de Itabaiana/SE, diferenciando, segundo esta tipologia elaborada por Marcuschi (2008), os tipos de perguntas encontradas nas atividades de compreensão/interpretação textual. Os resultados da análise mostraram que a coleção Português: Ensino Médio explora bem a atividade de interpretação textual, dando prioridade às perguntas inferenciais, que proporcionam o raciocínio crítico do aluno, uma vez que as respostas solicitadas pelas questões não estão centradas no texto. Mesmo quando são apresentadas questões que pedem a transcrição de palavras do texto, percebe-se que as perguntas são antecedidas por outras que exigem processos inferenciais. Nesse sentido, as perguntas do tipo cópias estão ligadas a outro tipo, perdendo a função de simples extração de informações. As questões que não exigem uma reflexão, como as objetivas, apresentaram um percentual de 4%. Também há uma baixa ocorrência de perguntas subjetivas e vale-tudo, 1% de cada. Apenas duas perguntas são classificadas como impossíveis de serem respondidas com base no texto. E as metalinguísticas, em sua maioria, não direcionam a análise de um elemento específico do texto, requerendo a observação dos aspectos formais como um todo.

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Apesar dos resultados positivos com relação aos tipos de perguntas, a análise também evidenciou que a atividade de compreensão de textos está limitada à terceira seção destinada ao estudo da Literatura, privilegiando, assim, somente os gêneros literários e as telas. O que aponta a falta de aplicação destas atividades com os demais gêneros textuais, para que efetivamente ocorra a formação de alunos/leitores. Em Santos e Silva (2015), realizou-se o rastreamento dos tipos de perguntas nas atividades de compreensão/interpretação textual dos livros didáticos do 2º ano do Ensino Fundamental de duas escolas públicas do município de Itabaiana/SE – Letramento e alfabetização, 2º ano: ensino fundamental e A escola é nossa: letramento e alfabetização, adotados da rede estadual e municipal, respectivamente. Constatou-se que nas atividades de compreensão/interpretação predominam as questões objetivas, que estimulam a habilidade de localização das informações explícitas, o que revela a necessidade dos materiais didáticos das séries iniciais explorarem melhor a atividade de interpretação textual, apresentando mais perguntas inferenciais. Por conseguinte, essas análises reafirmam a concepção de que as práticas de leitura no espaço escolar continuam sendo uma questão aberta a novos estudos que proporcionem mudanças significativas no processo de ensino-aprendizagem de leitura. Insiste-se, então, na ideia de que os recursos envolvidos no ensino de leitura devem ser analisados. Diante dessa necessidade de analisar o ensino de leitura, este artigo volta seu foco para a Provinha Brasil, por ser uma avaliação diagnóstica aplicada nas séries iniciais do Ensino Fundamental, fase essencial que consiste na formação das bases de ensino.

Análise e discussão dos resultados Para observar de que maneira as questões voltadas para compreensão/interpretação textual estavam distribuídas nos testes da Provinha Brasil e realizar o rastreamento dos tipos de perguntas, utilizando a tipologia de Marcuschi (2008), utilizamos como material de análise o Guia de Aplicação dos testes 1 e 2 da edição 2013. Das vinte questões que compõem a Provinha Brasil, oito solicitavam a compreensão/interpretação de textos, no teste 1 e nove no teste 2, ou seja, a maior parte das questões correspondem ao eixo de apropriação do sistema de escrita. Nos dois testes analisados, encontramos apenas três tipos de questões: objetiva, inferencial e global. No teste 1, duas questões são objetivas, quatro inferenciais e duas globais.

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No teste 2, uma é objetiva, cinco inferenciais e três globais. Os dados podem ser resumidos da seguinte forma: Tabela 1 – Perguntas de interpretação textual na Provinha Brasil

TIPOS Objetiva Inferencial Global

Teste1 25% 50% 25%

Grupos 25% 75%

Teste 2 11% 56% 33%

Grupos 11% 89%

Fonte: Dados da pesquisa

Nesse sentido, quando se refere ao eixo de leitura, prevalecem questões que as respostas não estão centradas no texto, mas que requerem processos inferenciais, como a localização de informações implícitas, a identificação do assunto do texto e a finalidade de gêneros textuais. Vejamos alguns exemplos:

Figura 4 – Questão 19 do teste 2013/1

Figura 5 – Questão 20 do teste 2013/2

Em (19), é avaliada a habilidade de estabelecer a relação entre partes do textos, perguntando o que quer dizer a palavra “l|” no poema A tartaruga e o jacaré: “Tartaruga e jacaré, / enjoados da floresta, / decidiram ir pra cidade. / — A vida lá é uma festa/ Lá tem muita divers~o, / tem cinema, discoteca, tem passeios de mont~o!” (BRASIL, 2013b, p. 25). 47 XII SEMANA DE LETRAS

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Para o aluno acertar a questão, é preciso que ele tenha conhecimento sobre as repetições e substituições que sustentam a coesão do texto. Outra questão semelhante é a questão (20) do teste 2, que também avalia a habilidade de identificar substituições. Nessa questão, o professor/aplicador pede aos alunos que ouçam com atenção o texto. Em seguida, indaga: “O termo OS PAIS se refere a”. Dentro dessa perspectiva, a quest~o tem o propósito de avaliar a habilidade de “identificar substituições e/ou repetições pronominais”, envolvendo, assim, um processo inferencial. Outro exemplo de questão inferencial consiste no questionamento sobre a finalidade de gêneros textuais como a questão (13), apresentada a seguir. Para acertar esse tipo de questão, o aluno deve identificar, através das características do texto, o gênero em questão e relacioná-lo à sua finalidade.

Figura 6 – Questão 13 do teste 2013/1

Figura 7– Questão 18 do teste 2013/2

Na questão (18), o questionamento é sobre uma informação que não está evidente no texto: “Marque um X no quadradinho que responde à pergunta: Por que o menino disse que vai fazer uma dieta?”. A pergunta est| direcionada a uma piada de Ziraldo em que um pai pergunta ao filho: “– O que é que você vai fazer quando for do tamanho do papai?”. O menino responde: “– Uma dieta”. Dessa forma, o aluno precisa realizar uma inferência para deduzir que geralmente as pessoas fazem dietas, principalmente, quando estão acima do peso recomendado e, assim, marcar a opç~o: “Porque o pai est| gordo”. 48 XII SEMANA DE LETRAS

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Esses processos inferenciais também são ativados nas questões denominadas globais, mas se distinguem das inferenciais por exigir a interpretação geral do texto. Na Provinha Brasil, elas aparecem, questionando sobre o assunto dos textos, como nos seguintes exemplos:

Figura 8 – Questões 16 do teste 2013/1

Figura 9 – Questão 15 do teste 2013/2

Na questão (16) do teste 1 e na (15) do teste 2, é avaliada a habilidade de reconhecer o assunto do texto, considerando, portanto, a interpretação global. Diferentemente das questões que perguntam sobre informações objetivamente apresentadas nos textos, as questões inferenciais e globais buscam além dos conhecimentos textuais. Para respondê-las, é preciso relacionar os indícios textuais com conhecimentos de mundo, o que não é necessário nas questões abaixo:

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Figura 10 – Questões 10 do teste 2013/1

Figura 11 – Questão 11 do teste 2013/2

Na questão (10) do teste 1, questiona-se o que é informado pelo cartaz do menino, solicitando, assim, a habilidade de localizar uma informação explícita no texto, o que a caracteriza a questão como sendo do tipo objetiva. A questão (11) do teste 2 está ligada a uma tirinha, na qual a menina, Magali, faz um pedido ao gênio da lâmpada mágica. A pergunta indaga o que a menina pediu. No último quadrinho há imagem do gênio cozinhando com uma receita na mão e a menina com cara de quem espera ansiosa a comida ser preparada. Nesse sentido, apesar de não ter um texto escrito, a imagem deixa explícito que Magali pediu uma comida, sendo portanto, uma questão objetiva. Diante do que foi observado, pode-se dizer que, embora a Provinha Brasil não apresente todas as questões voltadas para a interpretação textual propriamente dita, as questões com estímulo textual condizem com os tipos mais produtivos para avaliar o desempenho de leitura dos alunos, indo da identificação de informações explícitas aos processos inferenciais.

Considerações finais Com o rastreamento das questões, segundo essa tipologia, percebemos que na provinha Brasil predominam as questões inferenciais. Nessa perspectiva, podemos afirmar que, apesar da limitação do pouco espaço para as habilidades concernentes ao eixo de leitura, na Provinha Brasil predominam questões que proporcionam o desenvolvimento do aluno, 50 XII SEMANA DE LETRAS

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uma vez que este tipo de questão não direciona as respostas, exigindo do leitor uma interação entre seus conhecimentos prévios e estratégias que estão muito além da decifração das palavras. Nesse sentido, ressaltamos que, mesmo nas séries iniciais, é preciso trabalhar diversas habilidades de leitura, pois as dificuldades constatadas em séries posteriores podem ser reflexos de problemas que não foram solucionados nas séries iniciais, que podem prosseguir e se intensificar a cada série. Assim, torna-se necessário identificar e buscar meios de solucionar os problemas que atrapalham o ensino de leitura na base escolar. Acredita-se que buscar analisar em que ponto do processo de aprendizagem os alunos estão, identificando as dificuldades dos alunos nas séries iniciais, auxilia o professor a buscar meios para desenvolver as habilidades necessárias. Mas, para que a Provinha Brasil desempenhe efetivamente a função de instrumento identificador das dificuldades dos alunos, é necessário que os alfabetizadores entendam todo o processo da prova desde os objetivos à correção e à interpretação dos resultados.

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ANALISANDO O DISCURSO: MAÇONARIA E BÍBLIA SÃO DOIS SEGMENTOS OPOSTOS? José Bezerra da Silva (FACESTA) Max Silva da Rocha (UNEAL)

Introdução O presente trabalho aqui referido aborda a Análise do Discurso, porém não com o intuito de explicar detalhadamente o que significa a AD, mas faremos um breve esclarecimento sobre ela com o objetivo de por meio dela analisar e compreender como alguns discursos, neste caso, o da maçonaria inserido em várias citações de livros secretos de grandes autores maçons possuem verdadeiros aspectos reveladores. Veremos que esses escritos possuem vários pontos polêmicos e ideológicos. Esses livros têm várias ideologias e analisamos de um ponto de vista crítico como essas citações nos revelam coisas imprescindíveis a respeito do nosso tema em questão. Vemos desse modo, alguns pastores, bispos ou simplesmente cristãos fazendo parte de lojas maçônicas, porém com sigilos para que os fiéis não vejam já que se trata de uma sociedade totalmente secreta e que também se denomina um segmento filantrópico, filosófico, educativo-progressista, auxiliadora, benéfica para a sociedade, mas com grandes mistérios. Para analisar essa grande problemática envolvendo a Bíblia e a maçonaria tomamos como ponto de partida a Análise do Discurso, pois como se sabe a AD é um dos ramos da Linguística que irá estudar todo o meio de comunicação e transmissão de linguagem. O mundo religioso vem se tornando algo de forte influência social, pois vemos se levantar muitas denominações religiosas. Não que isso seja algo anormal, mas temos que prestar bastante atenção nesses vários discursos porque, na maioria das vezes, muitos líderes estão ligados a essas sociedades secretas as quais fazem tudo em oculto para que as pessoas não percebam as suas estratégias. Com esse estudo podemos compreender se a Bíblia e a maçonaria podem se conciliar. Desse modo, analisamos o discurso da maçonaria que se diz benéfica e faz coisas boas para a sociedade e realmente o faz, mas esse não é o nosso problema em questão. Atentaremos também para os cristãos que lá estão frequentando as lojas que façam uma reflexão crítica, pois mostraremos como é a concepção da Bíblia Sagrada dentro da loja maçônica. Analisamos as citações do maior escritor maçom Albert Pike e também de outros escritores bem como Albert Mackey e Manly P. Hall a fim de termos base para fazermos algumas afirmações. Tratar de temas religiosos é sempre complicado uma vez que se tem 52 XII SEMANA DE LETRAS

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contato direto com crenças de indivíduos e isso gera certos conflitos, porém a nossa pesquisa está embasada no maior escritor maçom que já existiu, aliás, ele é considerado como um “papa” para a maçonaria uma vez que os seus escritos s~o colocados em pr|tica até os dias de hoje. Muitas denominações trocam de líderes de vez em quando, mas a maçonaria só tem um que é Albert Pike. É através dos escritos desse autor que o nosso trabalho está alicerçado. Nos próximos itens mostraremos, na prática, como se deu toda a análise das citações desse supermaçom, acima do grau 33º5.

Breves considerações sobre a análise do discurso Nesta pesquisa tomamos como base a Análise do Discurso para tentar compreender toda essa complexidade que encontramos no discurso da maçonaria sobre a concepção da Bíblia Sagrada dentro dessa sociedade secreta. O discurso religioso é pouco estudado, porém a influência sob o meio social é muito relevante como nos afirma Maingueneau (2000): Nas sociedades ocidentais, a cultura religiosa é cada vez menos divulgada entre os pesquisadores em ciências humanas e sociais. Muitos dos que estudam textos religiosos o fazem não para compreender o discurso religioso, mas porque ele interfere em outros domínios. [...] (MAINGUENEAU, 2000, p. 101).

É através da Análise do Discurso que será possível compreendermos o nosso tema problema, uma vez que com a AD conseguimos realizar toda uma análise tanto interna, quanto externa do conteúdo abordado. Interna no que diz respeito ao que o discurso, neste caso o da maçonaria, está dizendo e também de que forma está sendo dito. Na externa iremos abordar, necessariamente, o motivo pelo qual ocasionou o discurso, isto é, a causalidade. Utilizar a Análise do Discurso é tentar explicar e entender como está constituído todo o discurso e como esse texto se relaciona com o meio social. O nosso objeto de pesquisa, ou seja, o discurso da maçonaria, é também uma linguagem e esse estudo aqui realizado não está visando o lado gramatical da linguagem, mas principalmente, a ideologia existente em nosso tema problema e o reflexo que ele transmite para seus respectivos destinatários. É simplesmente observar a língua de um ponto de vista discursivo e também ir além das perspectivas que ela nos oferece. A AD como já está no seu próprio nome analisa o discurso, o qual é entendido como a palavra em transição, prática de linguagem, na qual se analisa o homem falando. É importante ressaltar o que diz Orlandi (2001, p.26): “A AD visa { compreens~o de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele est| investido de signific}ncia para e por sujeitos.” Com a 5A

maçonaria possui 33º graus.

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Análise do Discurso podemos entender e compreender como o discurso maçônico, aqui tratado por várias citações dos maiores autores maçons de todos os tempos, tem ideologias, público alvo, distorções em alguns aspectos semânticos, qual seja, do sentido ao que ele apresenta. Dessa forma, a análise minuciosa do discurso mostra que os efeitos e as escolhas feitas e a causa que produzem dependem e estão interligadas com a maneira como o discurso foi construído, isto é, há toda uma intenção ao dizer determinado discurso. Esse discurso sobre como a maçonaria considera a Bíblia também tem direcionamentos, pois de acordo com Cavalcante et al. (2009, p.25-26) sabemos que “n~o h|, pois, discurso neutro ou inocente, uma vez que ao produzi-lo, o sujeito o faz, a partir de um lugar social, de uma perspectiva ideológica e, assim, veicula valores, crenças, visões de mundo que representa os lugares sociais que ocupa”. A seguir, analisaremos o discurso para identificarmos como se deu todo esse processo discursivo e se na maçonaria tem espaço para a Bíblia já que muitos cristãos que tem a Sagrada Escritura como a Palavra de Deus estão frequentando as lojas. Tomamos por base Albert Pike já que ele é o maior escritor da maçonaria.

Maçonaria x Bíblia Sabemos que a Bíblia Sagrada para o cristianismo é verdadeiramente a Palavra de Deus e que esse livro é usado como regra de fé e prática para os cristãos. Nesse tópico iremos analisar, necessariamente, como a Bíblia Sagrada é vista dentro da maçonaria e se esses dois segmentos podem andar juntos e harmônicos. A Bíblia é uma das colunas da verdade Divina como está escrito no livro de João (cap. 17:17, 22-23, p.132-133): “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade [...] E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um”. Desse modo, a Bíblia est| nos dizendo que ela é uma das colunas da verdade de Deus. S~o cinco colunas da verdade divina a saber: 1) Deus é a verdade: “Nas tuas m~os, entrego o meu espírito, tu me remiste, SENHOR, Deus da verdade”. (SALMOS cap. 31:5, p.594); 2) Jesus Cristo é a verdade: “Respondeu-lhes Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai sen~o por mim”. (JOÃO cap. 14:6, p.129); 3) O Espírito Santo é a verdade: “Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. ” (JOÃO cap. 16:13, p.131); 4) A Lei de Deus é a verdade: “A Lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e d| sabedoria aos símplices”. (SALMOS cap. 19:7, p.589); 5) A Bíblia é a verdade: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade (JOÃO

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cap. 17:17, p.132). Contudo, temos apenas uma verdade subdividida em cinco colunas que completam e integram a verdade absoluta que é Deus. Porém a maçonaria não acredita nesse poder e veracidade da Sagrada Escritura e considera a Bíblia conforme o maçom Nogueira Filho (1984, p.32-33): “A Bíblia é apenas um livro sagrado entre outros, que podem ser inclusive livros esotéricos [...] E também é uma metáfora da vontade divina”. Ou seja, os maçons dizem que a Bíblia n~o é absoluta e colocamna no mesmo patamar que os demais livros esotéricos. Dentro das lojas maçônicas temos a presença de vários livros de acordo com a fé de cada membro. Se a loja for no território islâmico ter-se-á o alcorão e se a loja estiver na Índia ter-se-á os vedas, ou seja, varia de acordo com a fé e nacionalidade de cada membro. Voltando a concepção bíblica vamos ver o que a própria Bíblia Sagrada fala sobre ela mesma para identificarmos se há harmonia com a compreens~o maçônica. No segundo livro de Timóteo (cap. 3:16, p.304) diz: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça. Para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra.” Ent~o toda a Escritura é divinamente inspirada diferentemente daquilo que a maçonaria afirma. Nesse primeiro momento já temos um confronto, porque a maçonaria diz que a Bíblia é uma metáfora, mas a Sagrada Escritura se diz a palavra literal de Deus. Dessa forma, o cristão que lá está deve analisar e escolher com qual opinião ele vai ficar, pois não há meio termo. A Bíblia Sagrada nos ensina em vários textos que Jesus Cristo é o próprio Deus em sua Plenitude. No entanto, a maçonaria não pensa dessa forma como nos afirma o maior escritor maçom de todas as épocas Albert Pike (1872, p.254) que diz: Não subestimamos a importância de qualquer verdade. Não consideramos qualquer palavra irreverente, por qualquer pessoa ou credo. Ousamos afirmar aos sinceros cristãos que Jesus de Nazaré não foi nada mais que um homem como nós. Sua história é a falsa personificação de uma lenda.

Vemos claramente como a maçonaria e seu líder Pike tratam a pessoa de Jesus, pois esta citação representa a opinião do maior escritor que a maçonaria já teve. Ou segue a maçonaria e o que ela diz de Jesus e da Bíblia ou o que a Bíblia diz de ambos, pois são duas opiniões totalmente distintas e jamais poderão se conciliar. Enquanto a maçonaria considera o Cristo como apenas um homem qualquer, vejamos o que a Bíblia diz sobre Jesus no livro do profeta Isaías (cap. 9:6, p.836): “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; e o principado está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da eternidade, Príncipe da Paz”. Contudo, a Bíblia diz que Jesus é o próprio Deus, j| 55 XII SEMANA DE LETRAS

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a maçonaria não acredita nessa afirmativa e veremos adiante como Pike se refere outras vezes a Jesus Cristo. Esses são alguns dos vários pontos em que a maçonaria e a Bíblia não conseguem combinar-se. Outro aspecto bastante relevante é que não se deve orar em nome de Jesus dentro de loja como nos afirma Scott Horrel (1995, p.79) que diz: “Embora as reuniões maçônicas incluam a oração, é absolutamente proibido orar em nome de Jesus”. Como uma pessoa sendo cristã pode concordar com tal situação se tanto o que ora quanto os que ouvem necessitam de Jesus para alcançarem a salvação? E se não orarmos em nome de Jesus iremos ir de confronto com o que o próprio Cristo falou no livro de Mateus (cap. 10:32-33, p.16): “Portanto, qualquer que me confessar diante dos homens, eu o confessarei diante de meu Pai, que está nos céus. Mas qualquer que me negar diante dos homens, eu o negarei diante de meu Pai que está nos céus”. De forma alguma, podemos deixar de orar em nome de Jesus. Sabemos que a maçonaria é uma fraternidade de homens com intenções boas, porém com relação aos ensinamentos bíblicos não há como conciliar, pois vemos claramente que essa sociedade secreta contraria os princípios doutrinários bíblicos. A Bíblia Sagrada e mais especificamente Jesus Cristo nos ensina a não fazermos juramentos e lá nas lojas maçônicas têm-se juramentos. Esse é outro aspecto que contraria a Bíblia. Assim diz uma parte do juramento maçônico: Eu [...] juro e prometo, de minha livre vontade, pela minha honra e pela minha fé, em presença do Supremo Arquiteto do Universo, que é Deus, e perante esta assembleia de maçons, solene e sinceramente, nunca revelar qualquer dos mistérios da maçonaria que me vão ser confiados [...] Se violar este juramento seja-me arrancada a língua, o pescoço cortado e meu corpo enterrado nas águas do mar, onde o fluxo e refluxo me mergulhem em perpétuo esquecimento, sendo declarado sacrilégio para com Deus e desonrado para com os homens. Assim seja 6.

Jamais a Bíblia Sagrada vai aceitar um juramento desse tipo uma vez que o teor é muito sério. Deve ser por causa desse juramento que muitos maçons quando saem da maçonaria ficam com bastante medo e não revelam os segredos que lá lhe foram confiados, mesmo que tais segredos servissem para alertar algumas pessoas de condutas anticristãs dentro das lojas. Se vários ex-maçons revelassem os tais segredos misteriosos com certeza muitos indivíduos pensariam duas vezes antes de ingressar nessa sociedade secreta. O problema é que a maçonaria tem dois lados o visível e o invisível. Essa definição é dada pelo maçom grau 33º que inclusive ganhou um prêmio e foi considerado o maior filósofo da maçonaria seu nome é Manly P. Hall7 que diz: 6Ritual

e Instruções do Aprendiz-Maçom do Rito Escocês Antigo e Aceito [São Paulo: Grande Oriente de São Paulo, 1984]. Cf. Aslan, Ritual do Aprendiz Maçom, p. 94-98. 7 Lectures on Ancient Philosophy, Manly P. Hall, pág. 433.

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO A Maçonaria é uma fraternidade dentro de uma fraternidade — uma organização exterior que esconde uma irmandade interior dos eleitos [...] é necessário estabelecer a existência dessas duas ordens separadas, porém independentes, a visível e a outra invisível. A sociedade visível é uma esplêndida camaradagem de homens livres e aceitos que se reúnem para dedicarem seu tempo às atividades éticas, educacionais, fraternais, patrióticas e humanitárias. A sociedade invisível é uma fraternidade secreta e augustíssima (de majestosa dignidade e grandiosidade), cujos membros dedicam-se ao serviço dos arcanos (segredos, mistérios).

De fato, são dois lados o visível e o invisível. O visível todos podem conhecer, mas o invisível é onde só os sábios e eleitos podem adentrar uma vez que é aí que se encontram os tais segredos. Mas em nosso trabalho não iremos nos aprofundar nessa perspectiva. É importante também, em nosso estudo, analisar como cristãos que tem a Bíblia como regra de fé e prática conseguem fazer parte dessa sociedade e de todos os rituais que lá se encontram uma vez que vários são os pontos que afrontam e contradizem os escritos bíblicos. O maçom McQauig8 afirmou: “A maçonaria n~o é crist~, nem uma substituta para o cristianismo”. Ent~o como uma pessoa que se diz cristã pode estar frequentando e ser membro dessa sociedade secreta? A nosso ver, essas pessoas estão enganadas, pois as mentiras são fortes características da maçonaria como nos afirma o próprio Albert Pike (1872, p.224) que diz: “Temos que mentir para que o irmão se aprofunde nos conhecimentos. Aí será descoberta a verdade”. Desse modo, Pike nos diz com todas as letras que a maçonaria mente e engana seus membros. Falarmos da Bíblia Sagrada e não tratarmos de Deus não estaríamos fazendo nada em nosso trabalho. A maçonaria se diz adorar o Grande Arquiteto do Universo G.A.D.U. É apenas um nome genérico para Deus, pois engloba vários deuses e até mesmo lúcifer. No entanto, para a Sagrada Escritura só há um Deus como está escrito no livro do profeta Isaías (cap. 43:10-11, p.871) que diz: Vós sois as minhas testemunhas diz o Senhor, e o meu servo, a quem escolhi; para que o saibais, e Me creais, e entendais que Eu Sou o mesmo, e que antes de Mim deus nenhum se formou e depois de Mim nenhum haverá. Eu Sou o Senhor, e fora de Mim não há Salvador.

Vemos claramente que a maçonaria discorda com o Deus da Bíblia e do cristianismo, pois se Deus está afirmando no livro do profeta Isaías que Ele é o verdadeiro Deus entendemos que logo, Krishna não é Deus, Zeus não é Deus, Moloque não é Deus, Odin não é Deus, Jabulon não é Deus, Tamuz não é Deus, Abadom não é Deus, Baphomet não é Deus, Baal não é Deus, Shiva não é Deus, Ganesh não é Deus, Osíris não é Deus, Hórus não é Deus, Brahman não é Deus, dentre outros. Mas para a maçonaria, qualquer dos falsos deuses citados acima pode ser o tal G.A.D.U. dependendo da fé de cada membro. Albert Pike (1872, p.102) 8

C. F. McQuaig. My Masonic Friend, p.1

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outra vez nos diz: “O verdadeiro nome de Deus, dizem os cabalistas, é Yahweh invertido, pois satanás não é um deus negro, mas a negação de deus. Para os iniciados, não é uma pessoa, mas uma força criada para o bem, mas que pode servir para o mal”. Chamando satan|s de força, Pike cumpre as palavras do profeta Daniel (cap. 11:38, p. 900) que diz: “Mas ao deus das fortalezas honrará em seu lugar, e a um deus a quem seus pais (Abraão, Isaque e Jacó) não conheceram honrar| com ouro, e com prata, e com pedras preciosas, e com coisas agrad|veis”. Contudo, o Deus da Bíblia é um Deus zeloso já o da maçonaria é um deus totalmente sincretista e pagão e não há nada em comum com o Deus da Bíblia Sagrada nem do cristianismo.

A Bíblia Condena a Maçonaria Muitas pessoas estão verdadeiramente equivocadas e tem a maçonaria como algo que leva ao Deus da Bíblia e não é isso que ela faz, pelo contrário, ela afasta as pessoas Dele. Ela mente para seus adeptos constantemente como Pike afirma: “[...] usa falsas explicações e falsas interpretações sobre seus símbolos para enganar aqueles que merecem somente ser enganados [...]”. Então como confiar e acreditar numa instituição desse tipo? De forma alguma, um cristão que professa a Jesus como Senhor e Salvador pode fazer parte dessa religião. A própria Bíblia condena a maçonaria como está escrito no livro de Ezequiel (cap.8:12-18, p. 985-986) que diz: Então me disse: Viste, filho do homem, o que os anciãos da casa de Israel fazem nas trevas, cada um nas suas câmaras pintadas de imagens? E eles dizem: O Senhor não nos vê; o Senhor abandonou a terra. E disse-me: Tornarás a ver ainda maiores abominações do que as que estes fazem. E levou-me à entrada da porta da casa do Senhor, que está da banda do norte, e eis que estavam ali mulheres assentadas chorando por tamuz. E disse-me: Viste, filho do homem? Verás ainda abominações maiores do que estas. E levou-me para o átrio interior da casa do Senhor, e eis que estavam à entrada do templo do Senhor, entre o pórtico e o altar, cerca de vinte e cinco homens, de costas para o templo do Senhor, e com os rostos para o oriente; e eles adoravam o sol virados para o oriente. Então me disse: Viste, filho do homem? Há coisa mais leviana para a casa de Judá, do que essas abominações, que fazem aqui? Havendo enchido a terra de violência, tornam a irritar-me; e, ei-los a chegar o ramo ao seu nariz. Pelo que também eu procederei com furor; e o meu olho não poupará, nem terei piedade: ainda que me gritem aos ouvidos com grande voz, eu não os ouvirei.

Mas como pode esse texto tão antigo se referir a maçonaria? Pois bem, nesse texto Deus está fazendo referência as abominações que estavam sendo feitas em determinada época, porém com um detalhe imprescindível que era o local onde estavam acontecendo tais abominações a saber: na casa de Judá, ou seja, na tribo e linhagem da qual veio o Senhor e Salvador Jesus Cristo. Essas abominações acontecem e aconteceram dentro da casa do Senhor. Já com relação a maçonaria o que ela tem haver com esse texto? O que ocorre é o seguinte: no 58 XII SEMANA DE LETRAS

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funeral maçônico o mestre de cerimônia segura o dedo mindinho do morto e diz: “A carne se desprende dos ossos”. Em seguida, os maçons v~o rodando em volta do caix~o e na outra extremidade o venerável mestre tira o ramo de acácia de dentro do caixão eleva-o ao nariz e volta com o ramo pra dentro do caixão de novo, ou seja, isso é uma ritualística do mesmo modo que está na Bíblia. Portanto, as mesmas práticas abomináveis perante os olhos de Deus continuam sendo feitas, mas agora pelos maçons. Deus, em sua palavra, ainda faz uso de uma figura de linguagem que é o pleonasmo, isto é, uma repetição intencional quando Ele diz: “[...] ainda que me gritem aos ouvidos com grande voz, eu n~o os ouvirei [...]”. Sendo assim, o próprio Deus já deu a sentença final.

Considerações Finais O nosso trabalho começou com o seguinte questionamento: Bíblia e maçonaria são dois segmentos opostos? Fizemos toda uma análise tomando como base as citações dos maiores escritores maçons, porém dando ênfase no maior deles que é Albert Pike e em seu livro Moral e Dogmas que é considerado a “Bíblia” da maçonaria. Constatamos claramente que, para o autor, Jesus Cristo não passa de um homem comum. E também compreendemos que muitos membros que lá estão se encontram enganados, pois a maçonaria mente para eles como pode ser visto claramente nas palavras de Pike (1872, p.224) que diz: “Temos que mentir para que o irmão se aprofunde nos conhecimentos. Aí então será descoberta a verdade”. A maçonaria engana os seus membros e nesse lugar, crist~os de verdade n~o podem estar. Vejamos o que outro super-maçom grau 33º Manly P. Hall9 afirmou: “O verdadeiro maçom não é limitado por credos. Ele percebe com a iluminação divina da loja que, como tal, sua religi~o deve ser universal: Cristo, Buda ou Maomé, o nome pouco importa”. Vemos desse modo, que o sincretismo domina a maçonaria e a gama de divindades que lá são reverenciadas não são poucas. Nunca a maçonaria e a Bíblia poderão andar juntas, pois são segmentos totalmente contrapostos. Não temos dúvida que o Senhor Jesus Cristo não tem espaço dentro da maçonaria, pois os principais autores maçons afirmam com todas as letras que Jesus não é Deus. Em nosso trabalho nos detemos apenas em mostrar como a Bíblia Sagrada e seus ensinamentos doutrinários são vistos dentro das lojas maçônicas que é uma instituição religiosa e secreta. Vemos claramente durante todo esse estudo que não há condições desses dois segmentos se unirem uma vez que ambos os ensinos se contradizem e ninguém pode servir a dois senhores como nos afirma o livro de Mateus (cap. 6:24, p.10): “Ninguém pode 9The

Lost Keys of Freemasonry, Macoy Publishing Hichmond, p.65

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servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezar| o outro [...]”. Dessa forma, esperamos ter alcançado o que pretendíamos com essa pesquisa, ou seja, mostrar que nem a Bíblia, nem Jesus Cristo e vários outros preceitos bíblicos tem alguma relevância para a maçonaria. Contudo, sem a pretensão de querer esgotar o assunto aqui tratado, vale ressaltar o grande prazer e a satisfação obtida com essa pesquisa, pois analisamos um tema pouco estudado no âmbito acadêmico como nos afirma Maingueneau (1991) e ainda despertamos para a realização de outros futuros estudos nessa área para a obtenção de conhecimentos. Alertamos várias pessoas cristãs, ou não, que estão frequentando as lojas maçônicas que analisem e estudem realmente o que é a maçonaria. Por fim, é válido salientar o que diz o livro de G|latas (cap. 4:16, p.270): “Fiz-me acaso vosso inimigo, dizendo a verdade? ”

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PAULO. Livro de Gálatas. Traduzido por ALMEIDA, João Ferreira de. 5ª ed. revista e corrigida. São Paulo-SP: Juerp, King’s Cross, 2007. Revista do GELNE, vol. 2, n. 2, 2000. . Acesso em 03.02.2015

Disponível

em:

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ANALISANDO O DISCURSO OBSCURO DA REDE GLOBO Max Silva da Rocha (UNEAL) José Bezerra da Silva (FACESTA)

Introdução O presente trabalho aqui referido aborda a Análise do Discurso, porém não com o intuito de explicar detalhadamente o que significa a AD, mas faremos um breve esclarecimento sobre ela, pois temos o objetivo de analisar e compreender como alguns discursos, neste caso, o midiático através de uma reportagem da Rede Globo de televisão pode transmitir outra ideia completamente diferente daquela que foi noticiada. De acordo com Cavalcante et al. (2009, p.25-26) sabemos que “n~o h|, pois, discurso neutro ou inocente, uma vez que ao produzi-lo, o sujeito o faz, a partir de um lugar social, de uma perspectiva ideológica e, assim, veicula valores, crenças, visões de mundo que representa os lugares sociais que ocupa”. Vemos desse modo, uma emissora de televis~o divulgando, implicitamente, tudo aquilo que na verdade se diz condenar. A emissora aqui analisada coloca em seu discurso uma ideologia, implícita, completamente diferente daquela que está sendo mostrada durante as reportagens em seus programas de TV. É por meio da AD que faremos essa análise, pois como se sabe a Análise do Discurso é um dos ramos da Linguística que estuda todo o meio de comunicação e transmissão de linguagem. E é justamente por essa transmissão que a nossa pesquisa está embasada. As emissoras de TV sejam a Globo ou qualquer outra, tem por objetivo e dever em suas transmissões prestar serviços à sociedade uma vez que é por meio das pessoas que essas empresas se mantêm no ar. O que vemos é, na verdade, um sistema comunicacional de grande poder e influência social, política e também religiosa a mandado e manipulado por grande parte da elite dominante. Por meio desses canais de televisão podemos ver coisas interativas, agradáveis, mas também situações em que determinado canal propaga coisas ruins para seus telespectadores. É esse ponto crítico que a pesquisa, aqui abordada, trata durante todo o conteúdo. Fizemos uma análise minuciosa de uma reportagem sobre uma nova droga que foi noticiada no ano de 2003 pelo programa Fantástico da Rede Globo de televisão e identificamos que ao assistirmos esses programas, devido a tanta interação, às vezes não prestamos atenção nas notícias e o modo como elas estão sendo transmitidas para seus telespectadores. Com essa pesquisa poderemos saber e entender como esses discursos, aqui referidos, estão manipulando a sociedade e comprometendo o entendimento de várias pessoas uma vez 62 XII SEMANA DE LETRAS

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que o poder da mídia, em nosso país, tem grande relevância. Esses discursos podres inseridos na mídia seja rádio, televisão ou qualquer outro meio comunicativo tem a autoridade de mudar completamente a opinião de várias pessoas. A transmissão dessas reportagens tem o intuito de manipular e, posteriormente, colocar no entendimento daqueles que não conhecem e não querem enxergar o real uma forma de pensar totalmente alienada. O que a Rede Globo fez e vem fazendo é dizer algo sem dizê-lo, ou seja, inserir uma mensagem de uma forma pouco perceptível a fim de expor o que realmente o discurso pretende alcançar. Nesse aspecto, é válido ressaltar o que afirma Orlandi (2005, p.35) sobre o silenciamento discursivo: [...] consiste em considerar o que é dito em um discurso e o que é dito em outro, o que é dito de um modo e o que é dito de outro modo, procurando escutar o não-dito naquilo que é dito como, uma presença de uma ausência necessária [...] porque [...] só uma parte do dizível é acessível ao sujeito, pois mesmo o que ele não diz (e que muitas vezes ele desconhece) significa em suas palavras.

Vê-se, pois, quão grande é a problemática nesses discursos midiáticos porque só dizem uma parte da veracidade das reportagens e confundem totalmente o restante do conteúdo. Veremos, nos próximos itens, como se deu todo esse processo de inserir mensagens que tem direcionamentos, objetivos, público alvo e divulgação da verdadeira e escondida podridão da Rede Globo. Nesse primeiro momento atentemos para as seguintes perguntas: De que maneira a Rede Globo vem divulgando e propagando tudo aquilo que a elite dominante global determina e propõe? Por que divulgar coisas maléficas para a maioria da sociedade, em suas reportagens? E o que se esconde por trás desse discurso que se apresenta como útil? E ainda mais, o que a Globo obscurece? Nos próximos tópicos, responderemos a estas e outras perguntas e mostraremos na prática como essa emissora que se diz prestar serviços à sociedade está fazendo uso do seu monopólio para confundir e divulgar entre os seus telespectadores o erro e, assim, agradando a elite global e econômica que está por trás desse sistema alienante, que é a Rede Globo de televisão.

Breves considerações sobre análise do discurso Nesta pesquisa iremos tomar como base a Análise do Discurso para tentar compreender toda essa complexidade discursiva que encontramos num discurso midiático transmitido por meio de uma reportagem no programa Fantástico da Rede Globo. É através da Análise do Discurso que será possível compreendermos o nosso tema problema, uma vez que com a AD conseguimos realizar toda uma análise tanto interna, quanto externa do conteúdo abordado. 63 XII SEMANA DE LETRAS

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Interna no que diz respeito ao que o discurso, neste caso o midiático, está dizendo e também de que forma está sendo dito. Na externa iremos abordar, necessariamente, o motivo pelo qual o discurso está sendo dito, isto é, a causalidade. Neste sentido é importante destacar o que afirma Fiorin e Platão (2000, p.241): Um dos aspectos mais intrigantes da leitura de um texto é a verificação de que ele pode dizer coisas que parece não estar dizendo: além das informações explicitamente enunciadas, existem outras que ficam subentendidas ou pressupostas. Para realizar uma leitura eficiente, o leitor deve captar tanto os dados explícitos quanto os implícitos.

É justamente a partir dessa perspectiva de analisar não só o que nos está claro, mas também o sentido do que n~o est| dito, pois segundo Cavalcante et al. (2007, p.66): “Mitificar um discurso é, pois apresentá-lo de forma que mascare ou oculte práticas que seriam socialmente conden|veis, especialmente, por grupos os quais se opõe.” Nesse aspecto, a nossa percepção de leitura não pode se delimitar apenas no que está explícito, mas sempre procurando fazer uma an|lise crítica de qualquer discurso. “Partindo do j| mencionado pressuposto da AD de que as palavras não possuem um significado único, mas podem significar diferentemente a partir da posiç~o que ocupam aqueles que pronunciam, [...]” conforme Cavalcante et al. (2007, p.101). Dessa forma, utilizar a Análise do Discurso é tentar explicar e entender como está constituído todo o discurso e como esse texto se relaciona com o meio social. O nosso objeto de pesquisa, ou seja, a reportagem do programa Fantástico trata também de uma linguagem e esse estudo aqui realizado não está visando o lado gramatical da linguagem, mas principalmente, a ideologia existente em nosso objeto de estudo e o que ele transmite para seus respectivos destinatários. É simplesmente observar a língua de um ponto de vista discursivo e também ir além das perspectivas que ela nos oferece. A AD como já está mencionado no seu próprio nome analisa o discurso, o qual é entendido como a palavra em movimento, prática de linguagem, na qual se analisa o homem falando. É importante ressaltar o que diz Orlandi (2001, p.26): “A AD visa { compreens~o de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos.” Com An|lise do Discurso podemos entender e compreender como o discurso midiático, aqui tratado em uma reportagem, foi totalmente manipulado e como se deu todo esse processo de mascaramento discursivo. Dessa forma, a análise minuciosa do texto mostra que os efeitos e as escolhas feitas e a causa que produzem dependem e estão interligadas com a maneira como o discurso foi construído, ou seja, há toda uma intenção por trás do implícito. Nesses implícitos podemos identificá-los não só na reportagem aqui analisada, mas também em vários outros casos da mesma emissora. A Rede Globo coloca de forma suave a 64 XII SEMANA DE LETRAS

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mensagem que quer em sua programação e infelizmente a maioria dos telespectadores não conseguem visualizar o real significado que está por trás daquele discurso. Como diz Mariani (1999, p.59), “a imprensa vai se colocar como autoridade que fala sobre o mundo, retratandoo e tornando-o compreensível para os leitores através do efeito ilusório da informatividade”. Essa emissora traz ao longo da história várias acusações do meio político, ou seja, de privilégios digamos assim, mas não vamos nesse trabalho nos deter a esse ponto. Logo mais, utilizaremos a AD para identificarmos algumas inconsistências nessa reportagem. Também, provavelmente, poderemos identificar o porquê a Rede Globo insere em suas reportagens tantos implícitos distorcendo tudo aquilo que se diz defender.

O poder da mídia: como ela atua? Quando um novo produto chega ao mercado é necessário que haja uma divulgação para que as pessoas analisem e, consequentemente, comprem aquela mercadoria. Essa forma de divulgação, muita das vezes, acontece por meio televisivo, pois onde tem audiência de algum programa lá também tem público consumidor. Dito isto, vale ressaltar que antes desses produtos irem ao ar eles precisam ser avaliados pelos interessados, isto é, a classe dominante. A televisão só divulga algum produto do interesse dessa elite global porque o que importa são eles e não os telespectadores. Desse modo, fica uma pergunta no ar: Como alguma emissora, neste caso a Rede Globo, consegue transmitir algo maléfico e destruidor, em suas reportagens ou propagandas, sem que as pessoas percebem? Quando essa mesma emissora quer divulgar algo nocivo à sociedade ela usa uma estratégia brilhante que o telespectador não percebe de jeito nenhum. Ela faz uso do implícito, ou seja, fica no oculto da visão, audição e assim consegue passar de forma impressionante a mensagem que quiser seja boa ou ruim, tudo isso através do psicológico. A mente humana é comparada a um computador, pois tem uma grande eficiência para assimilar e armazenar informações. Não importa quão grande seja a informação, porém se for possível a mídia controlar esse conhecimento, então, independente de quanto à pessoa seja inteligente é totalmente possível dominar e controlar os pensamentos de determinado indivíduo. A televisão, nos dias de hoje, para muitas pessoas tem sido elevada a um alto patamar que, por muita das vezes, ela passa a ser considerada um membro da própria família. Um bom exemplo de controle mental é justamente as notícias que são publicadas pela mídia, não temos dúvida de que a televisão é a mais poderosa arma de guerra psicológica de todos os tempos. Cavalcante et al. (2009, p.100) ressalta que: “[...] a imprensa n~o é autônoma e no seu modo de 65 XII SEMANA DE LETRAS

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produzir a notícia revelam-se os interesses econômicos e políticos em jogo que são constitutivos do dizer.” Vivemos num ambiente totalmente controlado, numa realidade virtual e tudo isso foi criado pela mídia principal. A verdade é que, gradativamente, o que vemos, ouvimos, e lemos está sendo controlado por um grupo cada vez menor da elite dominante. Esse poder hipnotizador consegue controlar as pessoas, especialmente, jovens que aceitam sem questionamento a realidade que é apresentada pela mídia. Pessoas populares, filmes, músicas, todos estes carregam mensagens de como as pessoas devem se comportar. A nosso ver, a meta é controlar total, ou seja, controlar as pessoas com sua percepção consciente. Já observamos jovens, velhos e crianças assistindo televisão, eles têm um olhar vago, distante em seus olhos é porque eles estão em transe, isto é, num estado mental hipnótico. Sem dúvida, a TV é uma grande hipnotizadora para a mente e por meio da televisão está sendo implantada uma crença na realidade. Então, quando abraçamos essa crença implantada e quando a informação entra pelos nossos olhos nós a editamos tendo aquela verdade por base, com isso o que subjuga a população, como um todo, e o que ela sofre nada mais é do que uma hipnose em massa. É necessário fazermos uma pergunta: E por que isso tudo acontece? A resposta é que a elite global dominante não quer que pensemos muito e é por isso que nosso mundo e país se tornaram proliferados de entretenimento midiático em massa. Vemos, e temos todos os tipos de entretenimento para manter a mente humana entretida, ou seja, para que não atrapalhemos os planos de pessoas importantes, isto é, pensando demais por nós mesmos. Devemos acordar dessa alienação e perceber que tem alguém guiando nossas vidas sem que percebamos. De acordo com Cavalcante et al. (2007, p.65) “Por isso a conquista da mídia é uma prioridade da política. Para tanto, n~o basta apenas ocupar os canais de comunicação, mas também conquistar a legitimação midiática [...] impondo seus consensos de sentidos e valores”. A nosso ver, a TV é a maior hipnotizadora do planeta e essa é a razão pela qual ela foi criada. Segundo Chomsky (2014): “A imprensa pode causar mais danos que a bomba atômica. E deixar cicatrizes no cérebro.” Muitas pessoas acham que a hipnose é algo misterioso e esotérico, mas não é. É apenas uma transação mental em que a pessoa foca a sua atenção, pára de ser crítica e está mais aberta as sugestões. A seguir, veremos como se deu todo o discurso alienante, apologético e podre da Rede Globo de televisão visto que, essa emissora não é a única, mas é uma das principais em controlar mentalmente as pessoas.

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Analisando os fragmentos da reportagem Agora, veremos na prática, como se deu todo esse discurso da Rede Globo de televisão durante uma reportagem veiculada no programa Fantástico10 no ano de 2003. Essa reportagem teve duração de cinco minutos e meio, porém não vamos nos deter ao conteúdo completo, colocaremos apenas fragmentos dessa propaganda em forma de reportagem. “N~o há como esquivar-se de trabalhar com a linguagem sem levar em consideração a interpretação, a ideologia, o inconsciente, a história e, sobretudo, os sujeitos nos seus limites e possibilidades” Cavalcante et al. (2009, p.91). O que vamos fazer, aqui, é desvelar trechos dessa matéria e detalhar claramente o que essa emissora transmitiu, implicitamente, para os seus telespectadores. Como tudo que está implícito pode ser revelado é válido ressaltar o que afirma o livro do Apóstolo Marcos (cap. 4:22, p.56) que diz: “Porque nada h| encoberto que não haja de ser manifesto; e nada se faz para ficar oculto, mas para ser descoberto.” Esse também foi um dos sentidos pelos quais tomamos a iniciativa de analisar esse discurso. Vamos ao primeiro fragmento da reportagem: 1-Um perigo conhecido por apenas três letras GHB11 acaba de chegar ao Brasil. 1-E pior já começou a fazer vítimas. 1-Que droga é essa? 12Atentemos

para esses detalhes da Globo fazendo propaganda de uma nova droga

que está chegando ao Brasil. Sem dúvida, é uma notícia que interessa diretamente aos viciados. O repórter já diz que ela tem três letras para que todos gravem bem o nome dessa maldita droga. Depois a apresentadora cria todo um clima e chama atenção e expectativa do telespectador e diz: “Que droga é essa?” Esse destaque foi para os que são viciados prestarem bastante atenção. O que vemos, até o momento, é que a Globo está mostrando os mínimos detalhes sem que muitas pessoas percebam. Durante a matéria o repórter diz: “Uma pessoa passou mal” quer dizer que em meio a milhares de pessoas apenas uma passou mal. Em seguida ele afirma: “Depois de um ano outra pessoa passou mal.” Percebe-se que a droga não mata e a Globo está acobertando os efeitos devastadores.

Reportagem disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CEU9N-D8CjA Acesso em 01.02.2015 Ácido Gama Hidroxibutírico. 12 O número 1 representa os apresentadores. O 2 representa o repórter, o 3 está representando os especialistas e por último o 4 são os entrevistados. 10 11

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2-É uma droga que turbinou muita gente nesse carnaval. Desse modo, a reportagem está dizendo que qualquer pessoa que quer ficar turbinada só é usar essa droga. Já num certo ponto da entrevista eles colocam, sempre, um especialista dizendo como é a droga, como usar e tudo detalhadamente. Ele diz: 3-É uma substância sem cor, sem gosto e pode ser misturada na água sem que se perceba. 3-Não é um estimulante, não é um perturbador não tem as características do êxtase que é mais uma anfetamina ele é mais parecido com os calmantes. 2-Ele é tão potente que chegou a ser usado nos Estados Unidos para tratar distúrbios do sono. Agora, a droga já não faz tanto mal assim porque até pouco tempo estava sendo vendida na farmácia, e ela parece mais um sonífero, calmante, etc. Chegamos a outro ponto dessa matéria, ou seja, um dos públicos alvos, a saber: os indivíduos que frequentam a academia. Assim diz a matéria: 3-Ele (droga) melhoraria a disposição do indivíduo para atividade física e, supostamente, ele melhoraria a massa muscular. Vê-se, pois, que agora está totalmente direcionando o discurso para as pessoas que vão para a academia, porque se começarem a usar, consequentemente, irá melhorar a disposição e ganhar-se-á massa muscular. Outro público citado na reportagem são pessoas que frequentam festas noturnas. O repórter pergunta para um entrevistado: 2-Você conseguiria identificar alguém que está turbinado, movido pelo GHB? 4-Consegue. Você já vê-lo de longe. É a pessoa que fala mais, que dança mais. 4-Na primeira vez eu passei mal, vomitei muito, dormi. O usuário afirmou que quem está sob efeito da droga dança mais, chama a atenção dando a entender que a droga é o caminho para quem quer se mostrar, perder a timidez, isto é, chamar a atenção para si. O entrevistado também fala que passou mal somente na primeira vez dando a entender que depois, ou seja, nas outras vezes que usou não aconteceu simplesmente nada. Em seguida, outro especialista afirma que essa é uma droga do estupro e para o estuprador vejamos: 68 XII SEMANA DE LETRAS

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3-Era oferecida pra uma menina, ela entrava em sonolência perto do coma, sofria um abuso sexual e quando acordava não se lembrava de nada. Vê-se, desse modo, quão grave é esse discurso da Rede Globo. O que está a mostra para nós é simplesmente a Globo dizendo que o estuprador pode ficar tranquilo, pois a vítima, após o ato criminoso e sexual, não vai se lembrar de absolutamente nada. Para finalizar esses fragmentos dessa reportagem terrível a Globo faz uso, como sempre, de uma suposta autoridade estrangeira para dar uma explicação. Assim afirma o especialista estrangeiro: 3-Quando essa droga é tomada regularmente as pessoas podem se viciar tanto que chegam a ter que tomar de duas em duas horas. Conheço casos de pacientes que acordam no meio da noite só pra tomar outra dose de 13(droga) não conseguem dormir oito horas seguidas. 14Na

verdade, o que o especialista disse de uma forma implícita é que essa droga é tão

boa que o usuário toma de duas em duas horas e ainda acorda durante a noite para tomar outra dose. O que ele acabou de dizer é que a droga é excelente. Outro aspecto curioso é que durante toda essa propaganda, silenciosa em forma de reportagem, o nome dessa maldita droga foi repetido quinze vezes, mas preferimos não citá-la muitas vezes nesse trabalho. Notamos claramente durante toda essa análise minuciosa que aquela droga fatal do início dessa propaganda podre, já não é tão terrível agora conforme o discurso silenciado da Rede Globo.

Considerações finais Este trabalho teve como principal enfoque mostrar como a televisão consegue de uma forma implícita, transmitir a mensagem que quiser. Tomamos como ponto de partida um discurso da Rede Globo de televisão no qual constatamos que essa emissora fez e faz apologias a qualquer tipo de objeto basta apenas a classe elitizada mandar. Neste trabalho, notamos claramente que uma elite global dominante está por trás dos discursos que vemos e ouvimos através da mídia. Essa classe dominante não quer que as pessoas sejam bem

Preferimos citar poucas vezes o nome dessa droga porque não queremos também fazer propaganda que nem a Rede Globo de televisão. 14 Toda a reportagem tem cinco minutos e meio, porém a Globo fala mal da droga durante trinta segundos e durante os outros cinco minutos ela só faz elogios e propagandas a essa maldita droga. 13

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informadas e, consequentemente, tenham um pensamento crítico. Isso é contra os princípios e interesses dessa elite. Evidenciamos, mostramos fatos, e ao mesmo tempo desvelamos um discurso escondido por trás de uma matéria de TV. Desse modo, também compreendemos que a Rede Globo de televisão é apenas uma mandada da elite dominante. Sobre isso é importante fazermos o seguinte questionamento: Quem controla essas informações que saem na mídia? O que vemos é um grande interesse de partes importantes e tudo que é noticiado é devidamente analisado se está de acordo com os donos da mídia. Por exemplo, a Globo é dona da revista Época. Será que a Globo iria expor alguma notícia que pudesse impedir a assinatura de algum contrato que valesse um montante de dinheiro para essa revista? A nosso ver, de forma alguma ela faria isso. Pois bem, é justamente esses interesses que levam a mídia a divulgar e propagar o que são ordenadas por quem está por trás dela. Nesse sentido, é válido ressaltar o que afirma Pêcheux (1983, p. 311): Um processo de produção discursiva é concebido como uma máquina autodeterminada e fechada sobre si mesmo, de tal modo que um sujeito-estrutura determina os sujeitos como produtores de seus discursos: os sujeitos acreditam que ‘utilizam’ seus discursos quando na verdade s~o seus ‘servos’ assujeitados [...]

Ou seja, há sempre um sujeito-chefe que dita o que deve ou não ser dito pela mídia. Nesse sentido, é importante também levarmos em consideração o que ressalta o linguista Chomsky (2014) “O propósito da mídia n~o é informar o que acontece, mas sim de moldar a opini~o pública de acordo com a vontade do poder corporativo dominante.” Sabemos que h| sim, uma elite global dominante que rege os meios comunicativos e que esses mesmos meios só noticiam o que é agradável a essa classe capitalista. Por fim, sem ter a pretensão de querer esgotar o assunto aqui tratado, resta-nos dizer que essa pesquisa foi desafiadora, pois desvelamos e mostramos como as pessoas estão sendo alienadas pela mídia. Despertamos ainda para outros futuros estudos nessa área para alertarmos as pessoas que boa parte do que a mídia transmite sempre está manipulado por cada vez mais um grupo menor e ao mesmo tempo dominante de pessoas. Temos a absoluta certeza que este trabalho discutiu e evidenciou, mostrou fatos concretos da podridão e alienação que é a mídia e a Rede Globo. Isto posto, é válido dizer o que está escrito no livro de Gálatas (cap. 4:16, p.270) que diz: “Fizme acaso vosso inimigo, dizendo a verdade?”

Referências Bíblia Sagrada. Traduzida por ALMEIDA, João Ferreira de. 5ª edição revista e corrigida. São Paulo-SP: Juerp, King’s Cross, 2007. 70 XII SEMANA DE LETRAS

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CHOMSKY, Noam. Mídia: Propaganda e Manipulação. 1ª edição. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. CAVALCANTE, Maria do Socorro de Oliveira, et al. Análise do Discurso: Fundamentos e Prática. 1ª edição. Maceió: Edufal, 2009. CAVALCANTE, Maria do Socorro de Oliveira. Qualidade e Cidadania nas Reformas da Educação Brasileira: o Simulacro de um Discurso Modernizador. 1ª edição. Maceió: Edufal, 2007. FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco Savioli. Lições de Texto: Leitura e Redação. 4ª edição. São Paulo: Ática, 2000. MARCOS. Livro de Marcos. Traduzido por ALMEIDA, João Ferreira de. 5ª edição revista e corrigida. São Paulo-SP: Juerp, King’s Cross, 2007. MARIANI, Betânia. O PCB e a imprensa: os comunistas no imaginário dos jornais (19221989). Rio de Janeiro, Revan, Campinas, Ed. Da Unicamp, 1998. ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise do Discurso: Princípios e Procedimentos. 6ª. edição. Campinas: Pontes, 2005. ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e Leitura. 7ª edição. São Paulo: Cortez, 2006. ORLANDI, Eni Pulcinelli. A linguagem e seu Funcionamento: As Formas do Discurso. 4ª edição. Campinas: Pontes, 1996. PAULO. Livro de Gálatas. Traduzido por ALMEIDA, João Ferreira de. 5ª edição revista e corrigida. São Paulo-SP: Juerp, King’s Cross, 2007. PÊCHEUX, Michel. O discurso, estrutura ou acontecimento. Tradução Eni Pulcinelli Orlandi. Campinas: Pontes, 1983.

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ARGUMENTOS PRESENTES NO DISCURSO POLÍTICO DO EXGOVERNADOR MARCELO DEDA: UMA ANÁLISE RETÓRICA Márcia Cristina do Nascimento Santos Oliveira (UFS) Márcia Regina Curado Pereira Mariano (UFS)

Introdução O discurso retórico objetiva a adesão do auditório, logo todo discurso pode ser considerado retórico, uma vez que rege o público numa determinada direção em busca de cogitar um ponto de vista em comum (FERREIRA, p.49, 2010). Tendo em vista que os argumentos presentes no discurso político têm a intenção de levar os cidadãos a aderirem e tomarem como verdade aquilo que está sendo colocado pelo orador, nesse caso o candidato, este trabalho visa avaliar os argumentos encontrados no discurso15 de posse de 2010 do exgovernador do estado de Sergipe, Marcelo Deda, com o intuito de aferir o modo como estes argumentos estão dispostos dentro do discurso para conseguir eficácia. Marcelo Deda era um político muito querido pelos cidadãos sergipanos, e podemos comprovar isso com base na grande comoção causada com o impacto de sua morte, em 2013. Deda era um homem culto, formado em Direito pela Universidade Federal de Sergipe, contudo sua posição social estabilizada não o impediu de conquistar o apreço e o carinho do “pov~o”. Diferentemente de muitos políticos que usam a falta de instrução para favorecer as suas campanhas e se aproximar das classes populares menos favorecidas, Marcelo Deda não poderia incluir essa estratégia em seus discursos, no entanto isso não o impediu de vencer não só uma, mas duas vezes as eleições para governo do estado de Sergipe, além das eleições vencidas para prefeito, deputado federal e estadual. É importante ressaltar que a análise retórica não tem a intencionalidade de avaliar se o texto tem ou não razão, intenta apenas mostrar como os elementos persuasivos se configuram, como esses recursos que visam o convencimento são incutidos no discurso (FERRERA, 2010). Sendo assim, o objetivo deste trabalho não é julgar se os argumentos proferidos por Deda são ou não verdadeiros, mas, sim, como conseguem ou buscam persuadir o auditório, nesse caso, os eleitores. Dessa forma, a linguagem utilizada por Deda em seus discursos não pode ser considerada neutra, uma vez que existe uma intenção por trás dos argumentos proferidos por ele. Tem-se assim que “o aspecto retórico deixa de lado a quest~o

15Discurso

encontrado transcrito no site: Acessado em 23/05/2015

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da verdade para apreender a linguagem como discurso produtor de efeitos capazes de intervir na realidade.” (FERREIRA, 2010, p. 56). Em outras palavras, não precisa, necessariamente, que seja dita a verdade no discurso retórico para que se obtenha êxito, basta que aquilo que está sendo dito seja visto como verdade. No caso dos argumentos articulados por Deda, em seus discursos em campanha, podem ter sido classificados, pelo público, como sendo verídicos, mesmo porque, se os eleitores não tivessem acreditado que suas promessas iriam ser cumpridas, ele não teria ganhado a eleição. Para o desenvolvimento deste trabalho, adotamos como base dois teóricos, Luiz Antônio Ferreira (2010) e Adilson Citelli (1997), que retomam conceitos da retórica aristotélica; dos estudos de argumentação das novas retóricas, mais especificamente do Tratado da Argumentação de Perelman e Olbrechts-Tyteca, publicado originalmente em 1958; e de estudos discursivos que resgataram a noção de ethos advinda da retórica antiga. Nosso foco permanecerá, ao longo do trabalho, nos argumentos retóricos presentes no discurso político do ex- governador Marcelo Deda, contudo isso não nos impede de trazer outras informações relevantes para um melhor entendimento do texto, como a definição de ethos e ethos prévio. Desta forma, a primeira parte deste artigo conterá informações sobre a persuasão que se faz presente no discurso retórico, em seguida serão expostos os três tipos de gêneros segundo Aristóteles: deliberativo, judiciário e laudatório, sendo que será dada maior ênfase ao gênero deliberativo, uma vez que é o que melhor relaciona-se ao discurso político. Depois trabalharemos com as Figuras de Argumentação e Retórica a partir da tipologia de Perelman e Olbrechts-Tyteca, retomada por Ferreira (2010) - figuras de presença, figuras de comunhão e figuras de escolha-, presentes no discurso de posse do ex-governador de Sergipe, Marcelo Deda. Por último, apresentaremos as considerações finais, que farão uma avaliação geral de todo conteúdo exposto neste trabalho.

Persuasão como busca da adesão de um auditório Segundo Ferreira (2010, p.49), “A an|lise retórica implica um olhar sobre o texto em busca do que possui de persuasivo”. Deste modo, antes de analisar retoricamente um texto é necessário tanto se estabelecer o que é persuasão quanto quais são os usos que podem levar a ela e que o analista deve buscar nos textos. A partir dos estudos retóricos, tem-se que persuadir é levar o outro a aceitar uma determinada ideia. Essa preocupação com o modo eficaz de se expressar é um tema que já vem sendo discutido há alguns séculos, na verdade, desde a Grécia antiga. Já naquela época o problema não era somente articular bem o discurso, 73 XII SEMANA DE LETRAS

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mas, sim, realizá-lo de modo que conseguisse convencer/persuadir a todos quanto a sua veracidade (CITELLI, 1997). E é “Nesse espaço do dizer, em que a habilidade no manejo do discurso se impõe potentemente para que o orador consiga mover seu auditório a favor de suas causas, que habita a retórica” (FERREIRA, 2010, p. 15). Dessa forma, cabe à retórica evidenciar o modo de organizar os argumentos dentro do discurso, a fim de convencer o interlocutor de determinada verdade. Assim, “Entende-se por que a retórica não poderia ser uma ética, pois ela não entra no mérito daquilo que está sendo dito, mas, sim, no como aquilo que est| sendo dito o é de modo eficiente” (CITELLI, 1997, p.11), o que leva ao conceito de verossimilhança. Dessa maneira, “a retórica existe onde h| uma quest~o a ser debatida. Por isso, atua no interior do discurso polêmico: aquele em que duas ou mais pessoas ou facções emitem opiniões discordantes” (FERREIRA, 2010, p. 98). De acordo com Ferreira (2010), “[...] somos seres retóricos e usamos a linguagem não só para estabelecer comunicação, mas, sobretudo, para pedir, ordenar, sugerir, criticar, argumentar, fixar uma imagem positiva ou negativa, afirmar ou negar uma ideia, enfim, para estabelecer acordos com nosso auditório, para negociar a distância entre os interlocutores a respeito de uma quest~o, de uma causa.” (FERREIRA, 2010, p. 50).

Portanto, concluímos que a retórica vai além do simples ato de comunicar, fazendo-se presente quando o orador tem a intenção de levar o interlocutor a mudar seu ponto de vista, ou seja, quando há a necessidade de convencer/persuadir alguém de algo. Como nenhum discurso é neutro e despojado de intenções, tem-se que todo enunciado está impregnado de persuasão.

Refletindo sobre os argumentos presentes no discurso de posse do exgovernador Marcelo Deda De acordo com Ferreira (2010), são três os tipos de gêneros do discurso na retórica aristotélica: o deliberativo, o judiciário e o laudatório/epidítico. Embora, principalmente a partir de Bakhtin, os estudos sobre os gêneros tenham se aprofundado, mostrando que apenas aqueles indicados por Aristóteles não são o suficiente para dar conta do sem número de gêneros existentes na modernidade, nota-se a utilidade dessa tipologia antiga na observação de características linguísticas, objetivos e auditórios recorrentes em determinados domínios ou esferas de comunicação, sendo possível relacionarmos os gêneros atuais à tipologia de Aristóteles. Como nosso trabalho é voltado para o discurso político, será dada maior ênfase ao gênero deliberativo, uma vez que é este que melhor relaciona-se ao discurso político. Sendo assim, tem-se que no gênero deliberativo “o orador coloca o auditório 74 XII SEMANA DE LETRAS

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numa posição de assembleia que deve votar a favor ou contra uma proposição e o orador posiciona-se como um conselheiro que delibera sobre o futuro [...]” (FERREIRA, p. 57, 2010). Como já foi dito acima, além do gênero deliberativo, temos o laudatório e o judiciário. O gênero judiciário apoia-se nas leis para resolver a quest~o. J| no “gênero laudatório, as questões se apresentam de forma inteiramente resolvidas: as respostas são expostas e o auditório apenas as aprecia e não as contesta, pois o problema exige apenas a tarefa de qualificá-la” (FERREIRA, 2010, p. 58). Dessa maneira, o discurso político está mais relacionado ao gênero retórico deliberativo, visto que, de um modo geral, os assuntos debatidos neste tipo de discurso são questões que visam o futuro. No caso aqui analisado, em particular, tratam-se de promessas feitas aos eleitores, já que o gênero atual pode ser definido como um discurso de posse. No trecho, abaixo, de 2010, podemos ver claramente as promessas feitas nessa nova etapa de governo de Marcelo Deda: Saúde, Segurança, Educação e Desenvolvimento Social serão políticas prioritárias no novo governo, sem prejuízo de aumentar os investimentos nas outras áreas. Melhorar a qualidade e universalizar o acesso às políticas sociais será uma obsessão do meu novo governo.

Ao se posicionar dessa forma, o orador tem a intenção de atingir tanto um auditório universal quanto um auditório particular, uma vez que traz questões de interesse de cunho social, algumas que se imagina serem de interesse de todos (como “saúde, segurança e educaç~o”) e outras que atendem a pessoas simpatizantes de ideologias conhecidas como “de esquerda”, de base socialista (como “políticas sociais”). Ao mesmo tempo, de acordo com os estudos retóricos e discursivos, o orador constrói uma imagem de si no momento em que está discursando, chamada de ethos discursivo. Por outro lado o público também tende a criar uma imagem prévia do orador, denominada de ethos prévio. No caso do político, que é uma figura pública, as pessoas costumam construir essa imagem antecipada, geralmente negativa, o que pode dificultar a relação de confiança entre o político e os eleitores, visto que casos de corrupção e falsas promessas podem levar à generalização. No entanto, Marcelo Deda, especificamente, sempre teve, para a maioria dos eleitores, uma boa imagem, e o ethos construído na enunciação (ethos discursivo) viria apenas para consolidar essa imagem prévia (etnos prévio). Tendo em vista que o discurso autorizado é aquele autorizado por entidades, podemos ainda classificar o discurso de Deda como autorizado, uma vez que é autorizado pelo partido político. No caso aqui analisado, o discurso é ainda autorizado pelo povo, pela legitimidade da eleição que deu o cargo a Deda e que permite um discurso de posse. São 75 XII SEMANA DE LETRAS

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exemplos de entidades que autorizam seus membros a realizar determinadas ações discursivas: a igreja, a escola, o judiciário etc. No decorrer do seu discurso, Deda emprega várias estratégias na tentativa de convencer os eleitores de que ele será o melhor governador de Sergipe, entre elas se faz presente o argumento de autoridade. Temos como exemplo de argumentos de autoridade a citação, abaixo, feita por Deda na abertura de seu discurso de posse, onde ele traz o pensamento de um filósofo do início da civilização ocidental. Dessa forma, Deda busca comprovar que o que está sendo dito pode ser considerado verdadeiro, pois se Heráclito, grande filósofo pré-socrático, disse, é porque é verdade. No alvorecer da civilização ocidental, quando o chamado "milagre grego" apresentava ao mundo a Filosofia, um homem chamado Heráclito, nascido em Éfeso, na Jônia, e considerado o mais importante dos filósofos pré-socráticos, pensava o mundo como expressão de mudança contínua e o movimento como realidade última e verdadeira. No decorrer das suas reflexões, Heráclito de Éfeso produziu um pensamento, dos mais conhecidos e citados, que pode assim ser exposto: "Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio: suas |guas n~o s~o as mesmas e nós jamais seremos os mesmos.”

A partir do que foi dito por Deda, conclui-se que ele tenta, através das palavras de Heráclito, mostrar que seu cargo será o mesmo já ocupado por ele anteriormente, o de governador, mas seu papel não, pois houve mudanças significativas ao longo de seu mandato anterior que o tornaram diferente, mais experiente, mais preparado para assumir com maior autonomia e desempenho o novo governo. Desse modo constatamos que Marcelo Deda utilizase ao mesmo tempo do argumento de comparação ao comparar seu governo, que está começando, com o seu antecedente.

As Figuras retóricas utilizadas no discurso de posse de Marcelo Deda As figuras retóricas nem sempre são percebidas dentro do discurso, por outro lado, o objetivo do orador costuma ser bem visível. A tipologia de Perelman e Olbrecths-Tyteca centra-se não só nesses objetivos, mas, principalmente, nos efeitos de sentido que as figuras causam no discurso. São elas: figuras de presença, de escolha/caracterização e de comunhão (FERREIRA, 2010, p.123-128). Dentre essas figuras retóricas destacamos inicialmente a figura de presença que tem como funç~o despertar “o sentimento de presença do objeto do discurso na mente do auditório (FERREIRA, 2010, p. 123)”. De modo que a figura de presença mais utilizada é a repetição, muito encontrada em propagandas, dentre outros gêneros. A repetição é definida como a insistência do orador diante de tópicos já entendidos pelo auditório (FERREIRA, 2010). Nessa perspectiva, retiramos do discurso de posse de Marcelo Deda alguns trechos onde ele insiste em reafirmar ideias que já podem ter sido claramente entendidas pelo 76 XII SEMANA DE LETRAS

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público, como indicam as expressões “tenham certeza”, “mais uma vez”, “meu objetivo é o mesmo” e as ideias abaixo sublinhadas: Volto ao governo com o coração cheio de alegria e os ombros vergados sob o peso da responsabilidade. Só vale a pena a reeleição se aquele que foi reconduzido se dedicar de corpo e alma à construção de um governo melhor do que o primeiro. Este, tenham certeza, será o meu desafio: fazer mais e melhor por Sergipe e pelos sergipanos. Quero, mais uma vez, desta tribuna, agradecer ao generoso povo sergipano que me deu a honra de mais uma vez representá-lo à frente do governo do estado. Peço a Deus que me dê inteligência, saúde e coragem para honrar este mandato. Meu objetivo é o mesmo que me trouxe aqui há quatro anos: fazer de Sergipe um grande estado e da nossa gente um povo feliz.

Diante dos argumentos colocados acima, percebemos que os tópicos destacados estão sendo repetidos ao longo do discurso, mesmo o orador estando ciente quanto ao entendimento do público. Também ganha destaque dentro do discurso de posse de Deda a sinonímia, outra figura de presença usada como forma de persuasão. A sinonímia é classificada como a repetição de ideias por meio do uso de palavras/expressões sinônimas, e percebemos sua presença em algumas partes do discurso do ex-governador (mudanças = transformações = “campo” diferente para a semeadura; amadurecimento = experiência). Nos trechos, abaixo, estão contidas as mesmas ideias- de mudanças realizadas em seu último mandato- que são repetidas ao logo do discurso. O Governo que assumo neste momento, já não é o mesmo que assumi há quatro anos. Um processo complexo e difícil, mas, também, inexorável, produziu mudanças na qualidade da gestão, nas práticas administrativas e no conteúdo das políticas públicas que executa. O Estado de Sergipe experimentou um período de transformações e mudanças, cujos resultados se espalham em todo o seu território, se fazem presente em todas as áreas da sua vida social e econômica e já podem ser aferidos e mensurados, traduzindo-se em vida nova para milhares de sergipanos. Eis-me aqui de novo, caríssimos conterrâneos, tão igual e tão diferente. A tarefa continua a mesma, mas o campo onde vou semear já não é o mesmo. Está mais fértil, mais bem cuidado, há implementos novos a auxiliar a semeadura e adubo de boa qualidade para alimentar a semente. Já se vê, portanto, que mudou Sergipe e com ele mudamos nós. Mudanças que podem ser percebidas nas mechas brancas que dominam os cabelos, prateando com a neve do tempo o alto da minha cabeça; mudanças que produziram no político um indiscutível amadurecimento e incorporaram no seu patrimônio uma rica experiência, construída no difícil cotidiano de governar um estado pobre.

Como podemos notar, a partir dos argumentos destacados acima, Deda intenta reforçar a ideia de que em seu governo anterior ocorreram mudanças significativas que contribuirão, positivamente, para o desenvolvimento do Estado, nessa nova etapa de governo. Destacamos, também nesse objetivo do orador, o uso das metáforas para parafrasear as ideias 77 XII SEMANA DE LETRAS

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destacadas ao mesmo tempo em que empresta ao discurso um ar poético, também persuasivo. Falaremos mais sobre metáfora adiante, já que ela pode acumular mais de um efeito de sentido no discurso. Essas foram algumas das figuras de presença encontradas dentro do texto, a seguir destacaremos a presença de outro tipo de figura: a figura de comunhão. As figuras de comunh~o “oferecem um conjunto de características referentes ao acordo, à comunhão com as hierarquias e valores do auditório” (FERREIRA, 2010). Ou seja, o orador procura tratar de assuntos que considera de interesse compartilhado entre ele e o auditório. Em meio às figuras de comunhão foram encontradas a citação e a remissão a alguns valores considerados universais, que também são tidos como figuras de comunhão, uma vez que estabelece uma interação, uma comunhão entre o orador e o auditório. Ao citar o trecho de um dos poemas de Fernando pessoa, Deda faz uso de uma das figuras de comunhão- a citação- e com isso busca uma adesão maior do público; nesse caso, se Fernando Pessoa disse é porque é verdade, funcionando também como argumento de autoridade. Ao mesmo tempo ele constrói o ethos do homem culto, que preza e conhece a literatura e a poesia. "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce." Ainda ao longo de seu discurso, Deda cita algumas vezes o nome de Deus, procurando exercer dessa forma a comunhão entre o orador e o público, uma vez que ele presume que a maioria dos brasileiros creem em Deus. Essas são algumas frases em que Deda se refere a Deus: Peço a Deus que me dê inteligência, saúde e coragem para honrar este mandato/ Que os meus sonhos dialoguem com o querer divino/ Que Deus proteja Sergipe e abençoe os sergipanos. Com essa estratégia, Deda constrói também o ethos do homem religioso, para muitos sinônimo de bom homem, de pessoa confiável, humilde, justa. Além das figuras de presença e figuras de comunhão, temos as figuras de escolha. Esta última utiliza-se, por exemplo, da linguagem figurada para agir, encontrando uma maneira de caracterizar o contexto, qualificando-o e interpretando-o de acordo com o interesse argumentativo do orador (FERREIRA, 2010). No trecho que se segue, abaixo, Deda, ao falar das mudanças significativas ocorridas no estado, utiliza-se do sentido figurado por meio de metáforas e perífrases, já que poderia dizer a mesma coisa com um número menor de palavras: Eis-me aqui de novo, caríssimos conterrâneos, tão igual e tão diferente. A tarefa continua a mesma, mas o campo onde vou semear já não é o mesmo. Está mais fértil, mais bem cuidado, há implementos novos a auxiliar a semeadura e adubo de boa qualidade para alimentar a semente.

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Ainda no discurso de posse de Deda encontramos as analogias, baseadas em comparações e relações de semelhança, dependência ou contiguidade, e que são imagens criadas dentro do discurso com a intenção de sensibilizar o interlocutor (FERREIRA, 2010). A analogia é um importante recurso retórico utilizado pelo orador e a a metonímia e a metáfora são consideradas analogias quando deixam de agir como simples figuras de linguagem e passam a “exercerem papel emotivo e argumentativo na medida em que impressionam e se colocam, também, como condensadoras de determinados valores em torno dos quais a argumentaç~o se estabelece” (FERREIRA, 2010, p.130). No trecho abaixo, podemos ver que Marcelo Deda utiliza-se da metáfora para falar, de forma mais poética e subjetiva, das mudanças ocorridas durante o período em que esteve no governo. Mas, o rio em que hora mergulho já não é mais o mesmo e eu, como homem e político, carrego agora uma experiência pessoal e política que não possuía naquela solenidade de outrora. Não há quem não admita que ainda temos muitos problemas a enfrentar e resolver. Não fez parte do meu programa construir um novo Éden, transformando o estado num paraíso na terra. O compromisso mudancista que trouxe ao governo se sustentou num programa racional, comprometido com Inclusão pelo Direito e pela renda e lastreado no planejamento participativo.

As metáforas utilizadas por Deda tem funções múltiplas nesse discurso, como figuras retóricas, na medida em que funcionam, ao mesmo tempo, como figuras de presença (retomam ideias já colocadas anteriormente, em outras palavras), como figuras de escolha (evidenciando uma escolha do orador por essa estratégia e permitindo caracterizar seu discurso como metafórico e mais subjetivo) e, por fim, como figuras de comunhão (remetem a crenças e valores compartilhados com o auditório, assim como deixam o texto mais didático).

Considerações finais Ao analisar o discurso de posse de 2010, do ex-governador de Sergipe, Marcelo Deda, notamos que suas estratégias argumentativas têm o propósito de intensificar a credibilidade do que está sendo colocado por ele. Marcelo Deda dirige-se ao pathos (auditório) com o intuito de despertar a confiança e, consequentemente, o apoio do mesmo. Logo, temos que o pathos é um argumento de natureza psicológica que está ligado à afetividade, ao conjunto de emoções, que o orador consegue despertar no ouvinte (FERREIRA, 2010). E é através do logos (discurso) que a ação de persuadir acontece. Com base no ethos construído por Deda em seu discurso, percebemos que ele edifica a imagem de um homem culto, religioso, humilde, capacitado para reassumir o cargo de governador de Sergipe. E é através dessa imagem de 79 XII SEMANA DE LETRAS

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bom moço que ele consegue provocar a adesão do público, ou seja, conquistar os eleitores sergipanos. Além da proximidade deste discurso com o gênero deliberativo, também notamos que ele se aproxima do gênero laudatório, uma vez que, ao se pronunciar, Deda interessa-se por construir o discurso do belo, do louvável, e não apenas de dizer como seria seu novo mandato, o que se comprova, principalmente, pelas citações vindas na intertextualidade com textos filosóficos e religiosos e pelo uso abundante de metáforas. Sendo assim, pudemos observar, como já indicavam os teóricos consultados, que todo discurso é uma construção retórica, visto que conduz o auditório a acatar determinado ponto de vista, e que uma argumentação bem elaborada pode estabelecer uma relação de aceitação imediata do público, o que, no caso aqui específico, só poderia ser comprovado com a análise de textos subsequentes. Assim sendo, cabe à retórica mostrar o modo como são constituídos sujeitos e (/nos) discursos visando a convencer/persuadir outros acerca de dada verdade, também construída discursivamente. E é através da argumentação, como um trabalho linguístico-discursivo do orador e como coenunciação do auditório, que a persuasão ocorre.

Referências CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 1997. FERREIRA, Luiz Antônio. Leitura e persuasão: princípios de análise retórica. São Paulo: Contexto, 2010.

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A SECA DE 1915 NO NORDESTE CEARENSE: O ÊXODO DA FAMÍLIA DE CHICO BENTO SOB O OLHAR DA ESCRITORA RACHEL DE QUEIROZ (1910-2003) Amália Maria Soares Pereira (UNILAB)

Introdução16 O objetivo deste trabalho é apresentar a seca de 1915 no nordeste cearense e a diáspora nordestina sob o olhar da escritora Rachel de Queiroz na obra literária O Quinze. A seca de 1915 foi sem dúvida uma das piores tragédias vivenciadas pelo povo nordestino no que concerne ao sofrimento com a falta de água, alimentação, e dos meios mais básicos para sobreviver. Diante ao caos e a triste ilusão bem como esperanças de chuvas que oportunizariam vida ao campo seco e árido, o sertanejo sem ter outra opção tem que deixar sua terra, tendo que partir para outros lugares á procura de melhores condições de vida e da própria sobrevivência. Levava consigo a família, provisões e o pouco que tem para uma viagem distante, castigaste e cheio de incertezas, tendo apenas a consciência de que a diáspora será difícil e na maioria das vezes um caminho sem chegada, tão pouco retorno para a terra querida que ficara guardada somente nas lembranças daqueles que partiram. Durante a seca de 1915 o papel social do governo do Estado do Ceará, Benjamim Liberato e Vice-governador Padre Romão Batista foram colocados em aprova, onde os mesmos teriam que contribuir para a questão da seca. Contudo a indiferença e a falta de estruturas necessárias para sanar ou amenizar o sofrimento e a dor dos nordestinos no contexto mencionado foi insuficiente e até mesmo desumano, haja vista que os nordestinos que buscavam auxiliam, tiveram que se submeter as mais baixas condições subumanas que a miséria pode considerar, chegando a ser usado como enriquecimento ilícito por parte de outros que desviavam os recursos financeiros aos quais eram enviados para suprir a fome e a sede. Pesava ainda na figura dos nordestinos (retirantes) a figura de serem moribundos flagelados e

No Ceará estava à frente do governo Benjamim Liberato Barroso como governador um engenheiro e bacharel em matemática e ciências e física também professor da extinta Escola Militar do Ceará. Padre Cícero Romão Batista, religioso, líder, político foi o vive governa dor. GOVERNO DO ESTADO DO CEARA EM 1915. Disponível em:< http://pt.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Liberato_Barroso> Acesso em: 27 Out. 2014. 16

Campos de Concentrações eram locais estratégicos para abrigo e auxilio aos retirantes, os quais os impediam de irem para a capital -Fortaleza. Os campos ficaram conhecidos como currais do governo. CAMPOS DE CONCENTRAÇÕES NO CEARÁ. Disponivel em: Acesso em: 27 Out. 2014.

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famintos que vagavam a procura de comida, como se fossem zumbis a deriva da própria sorte. Para não inundar a capital de fortaleza com os pestilentos nordestinos foram criados campos de concentrações (Galpões) onde os mesmos ficavam confinados impedidos de saírem do local até que alguém decidisse quando eles iam sair. A obra literária o Quinze trás uma narrativa emocionante o qual através de personagens demonstram a triste história de sofrimentos, encantos, desencantos e esperanças de um povo tão castigado pelas terras e planícies do semiárido nordestino.

A seca de 1915 no Ceará Fator Geográfico

A seca ocorreu no nordeste brasileiro, sobretudo no Ceará e castigou ferozmente os estados e as cidades que compõem os sertões (Cidade de Quixadá em O Quinze). A seca é um dos fenômenos comuns que assola o semiárido Nordestino há décadas. Segundo o professor de Geografia da EEEP Professora Luiza de Teodoro Vieira-Pacatuba, Fábio Nobre. Formado pela Universidade Estadual do Ceará - UECE. O fenômeno da seca é provocado devido às massas de ar úmida que vem do oceano atlântico e se deparam com a barreiras (relevos) do planalto da Borborema, o qual ao subir para ultrapassar o planalto as massas de ar úmido se resfriam e ocasionam chuvas. Porem quando conseguem ultrapassar essas barreiras chegando ao semiárido nordestino a nuvens já tem perdido a umidade onde a massa de ar se torna quente e seca, provocando a estiagem intensa de calor. Todas as regiões nordestinas sofreram ao longo dos anos com a problemática das secas, principalmente a região do Ceará.

Figura 01 Mapa da Região Nordeste

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Fator Histórico17 No ano de 1915 os nordestinos sofriam com a estiagem intensa da seca. Milhares de pessoas tiveram que sair de suas terras em busca de água e comida para não morrerem de fome. Nesse período o governo Federal e o Estadual (Presidente Venceslau Brás) criaram campos de concentrações onde abrigavam em grandes galpões os famintos /flagelados da seca. Segundo Marcos Antônio Villa (Vida e morte do sertão) a seca de 1915 vitimou cerca de 100 mil pessoas e mais de 250 mil migraram para outras regiões do país. (VILLA, 2000, p. 102). No ano de 1915 mediante a eminência de um caos total devido as estiagens no nordeste nas regiões do semiárido cearense o governo cearense juntamente com autarquia federal, resolvem criar campos de concentrações. Mas para melhor entendimento é preciso voltar ao tempo no que diz respeito a outras grandes secas. Em 1877o Brasil ainda estava nos tempos do império onde uma grande seca assolou o sertão cearense o qual uma grande massa de retirantes tiveram que se deslocar para outras cidades, principalmente para a atual capital do Ceará, Fortaleza, certamente dominada pelas elites. O governo, mal inspirado, recusou em fins de 1877 a enviar socorros para o interior. [...] O êxodo tornou-se geral. Para capital, Aracati (sic), Sobral, Granja, Camocim e outros povoados do litoral milhares de pessoas. Em todos eles a população adventícia era tríplice, quádrupla, até decupla (sic) da estável e, como faltassem casas para acomodá-la, ficavam ao relento, debaixo das árvores ou amontoados em sítios estreitos. As consequências (sic) deste regime não tardaram; febres de mau caráter, varíola, prostituição, vadiagem e todos os seus consectários desenrolaram-se triste e dolorosamente (POMPEU. 1893: 33).

Os famintos retirantes consumidos pela fome e da extrema miséria passou a saquear a cidade de Fortaleza para obtenção de alimento e derivados. Os governantes e os principais representantes das elites com medo das invasões e de mais prejuízos resolveram incentivar aos nordestinos flagelados a migrarem para a Amazônia, criando assim o primeiro ciclo da borracha. Após trinta e oito anos o Ceará vira pouco novamente da fome e da miséria ligada à seca. Em 1915 com a seca do quinze os sertanejos não tendo mais nada a fazer em suas terras onde as plantas secavam, a água evaporava, a chuva não se fazia presente, as reses (gado) morria e não havia mais as mínimas condições para a existência do ser, centenas de sertanejos 17A

fome e o cangaço. Aqui está o drama da terra. Que drama é este, que está em O Quinze, no Lampião, em A Beata Maria do Egito, em João Miguel e em certas páginas de Dôra, Doralina e em Memorial de Maria Moura? É o drama da terra, ou o duelo entre o homem e a terra, numa perspectiva euclidiana de autênticos desafios. (QUEIROZ, 2006,p.7). VILLA, Marcos Antônio. Vidae Morte do Sertão: História das secas no nordeste nos séculos XIX e XX. São Paulo: Ática, 2000. CAMPOS DE CONCENTRAÇÕES EM FORTALEZA-CE. em: Acesso em: 27 Out. 2014.

Disponível

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saiam de suas casas, terras deixando suas taperas e amigos para se aventurarem em uma caminhada exaustiva e sofrida na busca de sobreviver à tamanha crise. Levavam consigo pequenos trapos ao lombo do burro acompanhados com provisões básicas, mas de tamanha importância como, por exemplo, a rapadura, a farinha e a carne seca onde em meio ao cansaço e aos gritos e choros da criançada faziam pequenas paragens para comer um pouco e repor as energias. O destino era a cidade do sol o qual dispunha de maior sustento e prosperidade. De imediato as autoridades do governo resolveram criar meios para afugentar e impedir os flagelados da seca como os mesmos eram conhecidos. Foram erguidos galpões, local para abrigar os famintos. O primeiro campo foi construído no “alagadiço” atual bairro Ot|vio Bonfim, ao oeste da cidade de Fortaleza, foram abrigados no campo mais de 8 mil pessoas a quem eram ofertadas alimentações precárias sob a vigilância continuados guardas (Soldados). Os acampamentos não ofereciam qualquer infraestrutura para comportar um contingente enorme de pessoas, mulheres, crianças, jovens e idosos. As mesmas medidas criadas na seca de 1877 foram adotadas em 1915 de incentivando e enviando os retirantes para a Amazônia. Apenas se livrando de moribundos e flagelados que somente sujavam as ruas imponentes da capital. Em novembro de 1915 o campo de concentração do alagadiço foi desativado.

Fator Social A falta de estrutura e de ações públicas intensificou ainda mais a dor dos nordestinos no que concerne à fome, a sede e a desvalorização da pessoa humana. Órgãos do governo foram criados a fim de combater as secas como, por exemplo, os Campos de concentração; IOCS (Inspetoria de Obras contra as Secas, atual DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra a Seca), e outros auxílios para o deslocamento de famílias / transporte (trem e navios) eram colocados à disposição para outras regiões do Brasil. Contudo salientamos que apesar dos esforços do governo federal e estadual mesmo que por interesses egoístas de quererem se livrar dos pobres a qualquer custo ainda houve utilização indevida e má fé de muitas pessoas inclusive pessoas ligadas ao governo de enriquecimento as custas dos nordestinos que sofriam com a seca de 1915. As passagens sejam pelas vias ferroviárias ou pelas vias náuticas eram repassadas a terceiros (atravessadores) aos quais revendiam para os necessitados. Lei da oferta e da procura em tempos difíceis em que o homem mesmo convivendo e vivenciado as mazelas humanas ainda tiravam proveito das situações. O Estado que representa a figura maior das

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hierarquias institucionais18 regionais por meio de seus representantes não tinham articulações nem plano de ações necessárias para enfrentarem as questões da seca. O poder executivo na esfera presidencial divulgou em nota em meios de circulação (Jornais) que em 1914 somente 42 poços haviam sido cavados, sendo que 33 poços privados e apenas 9 públicos. (Villa, 2000 p. 102). No Ceará estava à frente do governo Benjamim Liberato Barroso como governador um engenheiro e bacharel em matemática e ciências e física também professor da extinta Escola Militar do Ceará. Padre Cícero Romão Batista, religioso, líder, político foi o vive governador. É importante ressaltar que muitas pessoas, inclusive religiosos também contribuíram de forma salutar amenizando a dor dos famintos, disponibilizando roupas, alimentações e tempo para dar atenção aos nordestinos já tão cansados e oprimidos socialmente pela condição que a vida lhes oferecia. Apesar de anos enfrentando a estiagem e as secas no nordeste brasileiro ainda é visível a fragilidade no trato das políticas públicas voltadas para sanar as questões da seca. Em pleno século XXI as pessoas ainda são tocadas com a fome a sede bem como mazelas que poderiam ser evitadas mediante a tomada de decisões e ações efetivas que possam valorizar de forma mais humana as pessoas, sobretudo as mais carentes, desprovidas de recursos financeiros tão pouco de autonomia política social.

Vida e obra de Rachel de Queiroz Escritora, jornalista, contista, tradutora, e cronista. Nasceu em Fortaleza-Ce, aos 17 de novembro de 1910. Pertencia a família do escritor José de Alencar. Publicou seu primeiro livro “O Quinze” com apenas 20 anos de idade. Foi { primeira mulher a compor a Academia Brasileira de Letras em 1977. Ingressou na Academia Cearense de Letras em 1994. Publicou mais de 40 obras e recebeu 15 Prêmios. Faleceu em 04/11/2003 JR aos 92 anos de idade. Raquel de Queiroz aos cinco anos de idade leu o livro “Ubirajara” um romance do escritor brasileiro José de Alencar, o qual era parente materno da escritora. Rachel descendia paternalmente dos Queiroz, família influente do Quixadá. Filha dede Daniel de Queiroz e de Clotilde Franklin de Queiroz, foi instruída, ensinada e educada pelo pai que a incentivava a ler e a ter uma consciência mais apurada da vida. Em 1917 com devido às consequências visíveis da seca de 1915 a família da Quando foi criado o IOCS-Inspetoria de Obras Contra as Secas em 1909 já havia se passado trinta anos desde a tragédia de 1877-79 , e cinco secas de menor efeito haviam voltado a flagelar o Nordeste. (ALVARGONZALEZ, 1984, p.158). Assim com carência de recursos , sem qualquer infraestrutura estratégica para apoiar a retirada de flagelados , e sem plano geral de obras a serem realizadas na contingencia de uma estiagem, teve que ser enfrentada a seca de 1915 . (ALVARGONZALEZ, 1984, p.159). 18

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escritora se refugia para o Rio de Janeiro. Após a passagem pelo rio de Janeiro a família decide ir para o Pará, mas ao passar de dois anos decidem retornar ao Ceará. Fixaram-se na Cidade de Guaramiranga no Maciço do Baturité e depois retornaram para a cidade natal do pai de Rachel (Quixadá). Raquel é matriculada em uma escola de doutrinação religiosa em outra região e com apenas 15 anos de idade em 1925se forma professora. Rachel volta á Quixadá e dedica-se integralmente à leitura o qual ensaia seus primeiros rascunhos literários, mas não os mostra com receio de queixas. Raquel passa então a escrever com frequência e para não se identificar resolve criar um nome fictício denominado “Rita de Queluz” No inicio de 1930 Rachel tem graves problemas de saúde (congestão pulmonar) e suspeitas de tuberculose o qual os médicos exigem absoluto repouso para a sua recuperação e tratamento de saúde. Resolve então escrever sobre a seca. Nasce a maior obra da escritora “O Quinze”. Livro que retrata o sofrimento, história de lutas, fome e miséria dos sertanejos onde o contexto social abala as estruturas da época. Os pais de Rachel ao ver a maravilha da escrita e seu enredo resolvem contribuir emprestando para a filha dinheiro para a edição de seu primeiro livro. Em agosto de 1930“O Quinze”é publicado com a tiragem de mil exemplares . Rachel não havia completado vinte anos de idade quando publicou o livro. Os críticos literários aplaudiram a escritora pelo talento que a jovem apresentava naquela obra, ainda mais em tempos em que as mulheres viviam a parte das questões literárias e sociais. Rachel de Queiroz vai ao rio de Janeiro em 1931 para receber um prêmio da fundação Graça Aranha, regida e coordenada pelo escritor Murilo Mendes. Na ocasião a escritora faz amizades com integrantes do Partido Comunista. Ao retornar para a cidade do sol Fortaleza começa a pensar nas questões que envolvem os pensamentos comunistas, a partir dessas ideias contribui para a fundação do PC- Partido Comunista Cearense. Em 1932 começa a fazer ações pautadas nas revoluções comunistas o qual é apontada como “agitadora Comunista” pelas autoridades policiais do Estado de Pernambuco. Com a grande receptividade de seu primeiro livro O Quinze, Rachel revolve publicar o segundo livro intitulado João e Miguel. Mas seu livro é submetido a um comitê do PC, o qual é reprovado pelo contexto literário que fazia referencia ao assassinato de um operário o qual o autor da morte seria também outro operário. Rachel rompe com o Partido Comunista e vai para o Rio de Janeiro para publicar seu segundo livro. Em 1935 muda-se para Maceió e entra no circulo de amizades com Graciliano Ramos e José Lins do Rego, Faz amizade com o pai de Fernando Collor, o jornalista Arnon de Mello. Em 1937 é fundado o Estado Novo, um regime político adotado por Getúlio Vargas que durou até outubro de 1945, Tinha como característica o autoritarismo, anticomunismo, 86 XII SEMANA DE LETRAS

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nacionalismo e centralização do poder. Os livros de Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José Lins do Rego e de Graciliano Ramos são queimados em Salvador-Bahia, por serem acusados de subversivos, revolucionários. Rachel é mantida detida por três meses em Fortaleza. Em 1939 muda-se para o Rio de Janeiro e em meio à separação do marido pública o quarto livro “As Três Marias”. É nesse período que ela rompe com a esquerda. Em 1948 publica“ADonzela e a Moura Torta”. Rachel escreve também peças para o teatro como, por exemplo ‘O Lampião, e“A Beata Maria do Egito” dentre outras peças teatrais. O presidente Jânio Quadros convida a escritora Rachel de Queiroz para ocupar o cargo de Ministra da Educação, o qual a mesma recusou , utilizando como justificativa que era apenas uma jornalista e gostaria de continuar sendo tão somente uma jornalista. No golpe de 1964 contribuiu para a deposição do presidente João Goulart. Rachel já se torna uma pessoa influente na sociedade na cultura e na política. Em 1967 passa a fazer parte do Conselho Federal de Cultura o qual permanece até o ano de 1985. Rachel estreia em 1969 com a literatura infanto-juvenil com “O Menino Mágico”. Em 1975 lança o livro “Dôra, Doralina”. No ano de 1977Rachel é a primeira mulher a ocupar a Academia Brasileira de Letras, no assento de número cinco. Em 1978 “O Quinze”, é publicado no Japão e na Alemanha. Em 1980 a televisão lança a novela “As Três Marias”, baseada na obra da celebre Rachel de Queiroz. A escritora já idosa, mas com a mente aguçada e resplandecente pública seu ultimo livro em 1992 “ Memorial de Maria Moura”. Adaptada em 1994para a televisão, uma minissérie que fez sucesso não somente no Brasil mais em vários países como, por exemplo: Angola, Bolívia, Canadá, Guatemala, Indonésia, Nicarágua, Panamá, Peru, Porto Rico, Portugal, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Em 2000 recebe o título de Doutor Honoris da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. No ano de 2003, é inaugurado na Cidade de Quixadá no Ceará um Centro cultura o qual recebe o nome da escritora como homenagem. Ainda no ano de 2003 A escritora Rachel de Queiroz morre dormindo em sua residência no Rio de Janeiro. Segundo familiares a escritora havia sofrido recentemente um acidente vascular cerebral (AVC), o qual foi decisivo para a sua morte. A escritora viveu intensamente , escreveu, criticou, participou de manifestações e, sobretudo abriu espaço para outras mulheres, pois foi à primeira brasileira a participar efetivamente do campo literário onde somente os homens tinham abertura para discutir sobre os assuntos que envolviam a sociedade. Uma mulher determinada que não se intimidou mediante as dificuldades tão pouco da opressão machista e do governo. Suas obras ultrapassaram as barreiras geográficas e foram publicadas em outros países, a televisão adaptou suas obras fazendo chegar aos lugares mais longínquos suas histórias, seus romances e sua forma fascinante de escrever. 87 XII SEMANA DE LETRAS

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"[...] tento, com a maior insistência, embora com tão precário resultado (como se tornou evidente), incorporar a linguagem que falo e escuto no meu ambiente nativo à língua com que ganho a vida nas folhas impressas. Não que o faça por novidade, apenas por necessidade. Meu parente José de Alencar quase um século atrás vivia brigando por isso e fez escola." (Rachel de Queiroz).19

O Quinze É uma obra liter|ria regionalista, dividida em 26 capítulos. Narra a “história de um amor irrealizado da mocinha que lê romances franceses e sonha com o moço rede entregue à faina solitária de salvar o seu gado; e a dramática marcha a pé de um retirante e sua família, sonhando chegar ao amazonas”. O Quinze, Título do Romance de estreia (1930),se refere à grande seca de 1915, de que Rachel tanto ouviu falar. A tradução francesa de O Quinze, publicada em 1986 de chama L’année de La grande sécbresse (O ano da grande seca).Ceiç~o convence M~e Nácia a partirem. Vicente quer ficar, salvar o gado. Dona Maroca manda soltar o gado. Chico Bento vende as reses e parte com a família. Chegará à Amazônia? Não consegue as passagens e vai indo a pé. Um retirante em meio à seca. A fome e o cangaço.(QUEIROZ, 2006, p. 7).

Rachel de Queiroz relata através de sua obra, histórias contadas por seus familiares e amigos de tempos de muito sofrimento e dor para os nordestinos no enfrentamento da grande seca de 1015.

Êxodo/Diáspora Retrata a história real de um povo que forçadamente, seja pelos meios naturais ou por imposição das estruturas sociais tem que sair de sua terra para outros lugares em busca de melhores condições de vida. Na literatura da obra “O Quinze”, relata a história de um sertanejo que é forçado pelas condições da seca a sair de sua terra, de seu lugar para outras terras. A A seca, realidade sempre presente no Semiárido brasileiro, tem como consequências diretas a fome, a desnutrição, a miséria, a morte, o êxodo rural. Toda essa tragédia, em boa medida, forjou uma nova geopolítica nacional com base em uma diáspora imposta pela intolerância da seca. A despeito das glórias do passado, do seu papel na construção do país, o Nordeste de hoje se tornou um bode expiatório para aqueles que discursam sobre o desperdício do dinheiro público na sua recuperação. Mas é preciso pôr na balança o que o Nordeste já fez. DIÁSPORA E EXÔDO RURAL. Disponível em: Acesso em: 22 Out. 2014. O sol poente, chamejante, rubro, desaparecia rapidamente como um afogado, no horizonte próximo. Sombras cambaleantes se alongavam na tira ruiva da estrada, que se vinha estirando sobre o alto pedregoso e ia sumir no casario dormente dum arruado. Sombras vencidas pela miséria e pelo desespero que arrastavam passos inconscientes, na derradeira embriaguez da fome. (QUEIROZ, 2006, P. 75). 19

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caminhada é longa, a pé. Sua mulher, filhos e cunhada tem que se submeter a uma série de condições durante a jornada. A fome, sede e misérias bem como as injustiças sociais são fatores preponderantes no contexto da obra. Enfatizando que nos tempos da grande seca de 1915 não havia as condições mínimas de locomoção para quem não tinha dispunha de recursos financeiros, fazendo necessário para os sertanejos a caminhar ao sol inclemente em busca da sobrevivência em outras terras.20 Debaixo de um juazeiro grande, todo um bando de retirantes se arranchara: uma velha, dois homens, uma mulher nova, algumas crianças. O sol, no céu, marcava onze horas. Quando Chico Bento, com seu grupo, apontou na estrada, os homens esfolavam uma rês e as mulheres faziam ferver uma lata de querosene cheia de água, abanando o fogo com um chapéu de palha muito sujo e remendado. Em toda a extensão da vista, nem uma outra árvore surgia. Só aquele velho juazeiro, devastado e espinhento, verdejava a copa hospitaleira na desolação cor de cinza da paisagem. (QUEIROZ, 2006, p. 43).

Desde os tempos mais remotos os povos que foram assolados pelas grandes secas no nordeste realizaram caminhos tortuosos tendo que enfrentar muitas vezes a morte face a face, fugindo de seu berço original, suas terras para tentarem sobreviver em outros lugares.

Dona Inácia Idosa e religiosa sai de sua fazenda devido aos problemas da estiagem. Dona Inácia enxugava os olhos vermelhos, que teimosamente insistiam em lacrimejar. O lenço branco, feito uma bola, agitado pela mão tremente da velha, continuava a friccionar os olhos lacrimosos. – Deixar tudo assim, morrendo de fome e de seca! Fazia vinte e cinco anos que eu não saía do logradouro, a não ser para o Quixadá! (QUEIROZ, 2006, p.38).

Conceição Moça letrada que busca através dos estudos outras concepções de vida e guarda um amor arrebatador para com seu primo Vicente. Todos os anos, nas férias da escola, Conceição vinha passar uns meses com a avó (que criara desde que lhe morrera a mãe), no logradouro, a velha fazenda da família, perto do Quixadá. Ali tinha a moça o seu quarto, os livros, e

20Dona

Inácia é uma senhora idosa religiosa e avó de uma das personagens principais da obra, Conceição. Inácia viveu durante anos de sua vida no sertão e tem que deixar sua terra por imposição da seca. Conceição é uma moça letrada que gosta de estudar. Guarda um amor arrebatador pelo primo Vicente. Nos tempos da grande seca Conceição dispensava seu tempo em auxilio aos famintos, levando amor e conforto para os flagelados da seca. Vicente é um vaqueiro que valoriza suas raízes e vive um amor irrealizado pela prima Conceição. O moço apesar das consequências da seca não abandonou sua terra tão pouco os animais na esperança de dias melhores para aquela terra tão castigada.

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principalmente, o velho coração amigo de Mãe Nácia. (QUEIROZ, 2006, p.13). Conceição nos tempos da seca auxilia aos famintos e sofridos nos em um campo de concentração, oportunizando maior conforto e solidariedade para com os flagelados.

Vicente e sua família Criador de gado em uma fazenda nas redondezas da cidade de Quixadá vive com sua família resistindo às mazelas da seca. Vive também um amor arrebatador, mas tímido por sua prima Conceição. Enquanto houver juazeiro a mandacaru em pé e água no açude, trato do que é meu. (QUEIROZ, 2006, p.16). O jovem acostumado às coisas simples do sertão vive cuidando das reses e da fazenda, sempre a frente das tarefas. Compra troca e vende o gado, providencia os materiais pertinentes aos cuidados dos animais bem como de outros afazeres como, por exemplo, a organização dos funcionários.

Chico Bento, sua esposa Cordulina e sua família Nordestinos retirantes que realizaram a diáspora em terras sofridas, passando pelas mais diversas dificuldades em busca da sobrevivência. Na primeira noite, arrancharam-se numa tapera que apareceu junto da estrada, como um pouso que uma alma caridosa houvesse armado ali para os retirantes. O vaqueiro foi aos alforjes e veio com uma manta de carne de bode, seca, e um saco cheio de farinha, com quartos de rapadura dentro. (QUEIROZ, 2006, p.41). Chico Bento um sertanejo honesto, justo e provedor do sustento da família, onde ver sua prole ser praticamente desfeita por total devido às consequências da seca e da falta de políticas publicas que garantissem melhores condições de vida ao homem do sertão. Ele e sua família tiveram que sair de sua casa para não morrerem de fome e de sede. Contudo antes procurou ajuda do governo, solicitando passagens para viajar ao Amazônia ou em qualquer estado ou cidade que pudesse abrigá-los. Mas foi em vão que Chico Bento contou ao homem das passagens a sua necessidade de se transportar a Fortaleza com a família. Só ele, a mulher, a cunhada e os cinco filhos pequenos. O homem não entendia. – Não é possível. Só se você esperar um mês. Todas as passagens que eu tenho ordem de dar, já estão cedidas. Por que não vai por terra? Mas meu senhor vejo que ir por terra, com esse magote de menino, é uma morte! O homem sacudiu os ombros: Que morte! Agora que retirante tem esses luxos..., no 77 não teve trem para nenhum. É você dar um jeito, que passagens, não pode ser. (QUEIROZ, 2006, p. 34).21

Mandioca (do tupi mãdi'og1 , mandi-ó ou mani-oca que significa "casa de Mani"2 ), mandiocabrava ou mandioca-amarga são termos brasileiros para classificar a espécie Manihot esculenta (sinônimo M. utilissima)3 que possui elevada toxicidade porém são igualmente consumidos após um preparo especial e das 21

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A burocracia excessiva e a falta de estrutura para atende-los bem como a corrupção dentro do sistema de entrega de passagens o qual estavam vendendo ao invés de dar aos necessitados impedia que Chico Bento e sua família viajassem de transporte. Não tendo outra saída tiveram que ir a pé, seguindo um longo caminho. Fizeram as malas (Trouxas) do pouco que tinham e seguiram caminho. Cordulina sua mulher estava aflita, por dentro estava desesperada, insegura de ter que deixar a proteção da casinha de taipa para sair mundo a fora com os filhos ainda tão pequenos. Um animal de carga levava os pertences e ao do animal ia o filho mais novo. Os outros filhos iam andando sob a terra quente. Mocinha a cunhada de Chico Bento seguia mais adiante em passos silenciosos. Durante a viagem passaram por diversas dificuldades que as palavras não são o bastante para descrever a dor e as aflições da família o qual retratava a história de muitos sertanejos que enfrentam a diáspora em terras alheias. Em um dado momento as provisões já estavam quase acabando, quando avistou embaixo de um pé de juazeiro uma família que ao lado estava um animal (gado) morto devido à fome. O estado da carne já estava em putrefação, mas os famintos estavam prontos para cortar a carne e comê-la para saciar a fome. Foi quando Chico em meio aquela agonia fez um gesto de compaixão e de homem bom, onde ofereceu uma parte do pouco que tinha para que os mesmos pudessem se alimentar. A mulher ainda se queixou, mas Chico em sua capacidade humana não ligou e disse à mulher que não iria deixar as pessoas comerem carne pobre. Seguiram seu caminho e de vez enquanto se deparavam com cenas tristes em meio à paisagem seca onde o sol inclemente castigava as criaturas. Mas uma cena se faz presente em relatar pela sua importância. Mostrando a ligação do homem com os animais. A família ia passando quando um dos filhos de Chico avistou uma vaquinha, a Rendeira pintada de malhas brancas e pretas. Estava lá parada magra e com um olhar sofrido olhava-os como se quisesse dizer alguma coisa, talvez um adeus. Cordulina a esposa de Chico não pode segurar as lágrimas de emoção. Chico bento sentiu um pesar enorme, mas não podiam fazer nada. Encerrava-se ali a história da rendeira. Os dias eram quentes e as noites frias sob o luar. A fome os assolavam e as esperanças iam acabando por não acharem saídas. No sertão há muitas plantações abandonadas onde às raízes se multiplicam no caso da planta da maniva ou mandioca, uma espécie que dar umas raízes grandes, mas com substancias tóxicas para o consumo humano. Um dos filhos de Chico desviou os olhares dos pais e a fome se fez mais forte. O menino comia as raízes sugando o liquido e saciando a sede e a fome, porem não durou muito quais se produz a maior parte das farinhas e bebidas. Acesso em: 28. Out. 2014.

MANDIOCA.

Disponível

em:

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para cair doente. A barriga enxada e as dores de cólica aumentavam cada vez mais. A pobre criança teve que dizer que haverá comido a raiz. A mãe desesperada gritava a Deus por socorro, Chico bento saiu à procura de ajuda, mas em vão chegou tarde demais, o menino já estava morto. Toda família ficou desesperada com aquela situação. Mocinha resolveu ficar em um vilarejo trabalhando com uma senhora, o qual depois se entregou a vida fácil para sobreviver. Lá se tinha ficado Josias, na sua cova á beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarados, feita pelo pai. Ficou em Paz. Não tinha mais que chorar de fome estrada a fora. Não tinha mais alguns anos de miséria á frente da vida, para cair depois no mesmo buraco á sombra da mesma cruz. Cordulina, no entanto, queria-o vivo. Embora sofrendo, mas em pé, andando junto dela, chorando de fome, brigando com os outros..., e quando reincetou a marcha pela estrada infindável chamejante e vermelha, não cessava de passar pelos olhos a mão tremula: Pobre do meu bichinho! (QUEIROZ, 2006, P. 67). A família de Chico Bento teve que seguir caminho. Segundo o texto, na obra literária, enfatiza ainda outra perda para a família. A caminho da cidade do Baturité, entre as cidades de Acarape e Redenção um dos filhos de Chico Bento se perde em meio à multidão de retirantes e apesar dos esforços dos familiares e ajuda dos amigos não encontram a criança trazendo mais perda para a família. Apesar dos últimos acontecimentos seguem viagem e chegam a um campo de concentração, popularmente conhecido como curral do governo ou chapelão do sertão. Lá encontraram abrigo, precário, mas já era alguma coisa e tinham outros sertanejos que compartilhavam da mesma história de vida. No mesmo atordoamento chegaram à estação do matadouro. E, sem saber como, acharam-se empolgados pela onda que descia, e se viram levados através da praça de areia, e andaram por um calçamento pedregoso, e foram jogados a um curral de arame onde uma infinidade de gente se mexia, falando, gritando, acendendo fogo. (QUEIROZ, 2006, P.96). No entanto o destino lhes reservava uma surpresa, encontraram Conceição, sua conterrânea e comadre que auxiliava nas demandas do campo. Ficaram felizes e passaram a manter comunicação. Conceição vendo a penúria e sofrimento da família resolveu ajudar ainda mais. Pediu ao compadre para criar o afilhado, pois sabia que o garoto poderia morrer com toda aquela fome, doenças e sofrimento. Apesar da mãe do garoto relutar, acabara por aceitar diante á extrema pobreza a qual tinham consciência de que nas mãos da madrinha o garoto iria ficar melhor. Conceição ficou feliz. Alguns dias passaram e a mesma providenciou passagens á navio para que os mesmos pudessem ir a São Paulo. Os corações se enchiam de alegrias e esperanças mesmo que sob o cansaço e sofrimento, viam naquele momento novas oportunidades de viverem mais felizes. Chegara o dia da partida. Cordolina, os filhos e Chico 92 XII SEMANA DE LETRAS

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Bento estavam prontos para partirem, mas antes Conceição veio se despedir dos amigos e com um sorriso nos lábios lhes desejou boa sorte. Abraçaram-se e partiram. O casal ficou olhando a imensidão do oceano e as lembranças se misturavam em tristeza e alivio por terem conseguido sobreviver à diáspora.

Considerações finais A escritora, através de sua obra literária retratou de forma vivencial e social os aspectos que envolveram o sofrimento dos nordestinos acerca da fome e das misérias provocadas pelas estiagens no sertão. Apesar de tamanha dor o sertanejo trazia consigo amor ao próximo e esperanças de uma vida mais digna e tranquila. Ao longo dos séculos o Nordeste, sobretudo o Estado do Ceará, passou por grandes secas, abalando e modificando a vida de milhares de pessoas. No ano de 1877, 1915 e 1932 o Ceará passou por grandes aflições com a estiagem e a falta de chuva, aumentando a fome e a miséria de um povo já tão sofrido na época pela falta de políticas públicas que colocasse o sertanejo em um lugar mais aprazível de se viver. A escritora cearense Rachel de Queiroz teve o talento e a ousadia de relatar as aflições dos sertanejos de forma tão emocionante, chocando os leitores sob a forma expressiva das cenas, principalmente quando o filho de Chico Bento morre a míngua por ter comido raiz de planta venenosa (mandioca). Antes de morrer o garoto sofre com o ventre inchado, olhos e boca ressequidos pela insolação. Aliado a isso a dor da mãe ao ver o filho pequeno morrer sem ter tido a oportunidade de ser feliz. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística) o Ceará atingiu a marca de mais de 08 milhões de habitantes. (Jornal O Povo em 29/08/20013). Apesar do crescente avanço das tecnologias e aumento das riquezas do país como um todo. Muitas regiões do nordeste ainda passam por dificuldades com a falta de água. Projetos do governo Federal estão sendo desenvolvidos e aplicados para melhorar a condição de vida das pessoas nordestinas, mas ainda há muito que se fazer de fato. As obras são lentas e a conclusão não tem data certa para encerrar. A transposição do rio São Francisco, deslocamento de parte das águas do rio através de mais de 700 quilômetros de canais feitos de concretos passando por quatro Estados (Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e Pernambuco), levando água e esperança para os que necessitam de água para sobreviver em terras secas e difíceis. O orçamento chegase a 8,5 milhões de reais, investimento do governo Federal. Apesar dos atrasos nas obras e os desvios dos recursos públicos os sertanejos ainda esperam dias melhores, mas estão mais conscientes e preparados para enfrentarem as situações sob outra visão, não mais a submissão e conformação da imposição dos mais fortes (ricos) contra os mais fracos (pobres), mas de pessoas que entendem seus valores e acima de tudo buscam viver de forma digna e feliz. 93 XII SEMANA DE LETRAS

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Referências A seca de 1877. Disponível em: Acesso em: 27 Out. 2014. ALVARGONZALEZ, Rafael. O Desenvolvimento do Nordeste Árido: Departamento Nacional de Obras Contra As Secas. Fortaleza: Ministério do Interior, 1984. Ceará nos campos de concentração. Disponível em: Acesso em: 25 set. 2014. QUEIROZ, Raquel de. O Quinze. 77. Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. VILLA, Marcos Antônio. Vida e Morte do Sertão: História das secas no nordeste nos séculos XIX e XX. São Paulo: Ática, 2000. Vida e obra de Rachel de Queiroz. Disponível Acesso em: 20 set. 2014.

em:

Figura 1- REGIÃO NORDESTE. Disponível em:< http://www.baixarmapas.com.br/mapa-da-regiaonordeste/ >Acesso em: 15 Out.2014.

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CATEGORIA REGIÃO/TERRITÓRIO: UMA PERSPECTIVA ESPACIAL DE TEXTO Gilvan Santana de Jesus (UFS)

Introdução O presente texto é resultado dos trabalhos realizados através de um projeto desenvolvido em escolas da rede pública estadual de Aracaju/SE, a partir do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), promovido e financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). O subprojeto do curso de Letras Português era intitulado “Escrita e autoria: o jornal em sala de aula”, e tinha como orientador o professor Dr. Wilton James Bernardo-Santos, do Departamento de Letras Vernáculas da Universidade Federal de Sergipe (DLEV/UFS). O projeto propunha atividades voltadas, basicamente, para as práticas de leitura e de escritura textuais, enquanto condições primordiais para a produção do conhecimento acadêmico-científico. Afinal, não seria possível produzir conhecimento se não houvesse a possibilidade de registrá-lo, sem a possibilidade de documentação (BERNARDO-SANTOS, 2014). Essas atividades, cujos principais instrumentos foram o Modelo Clássico de Exposição de Estudos/MCEE e a categoria região/território22, consistiam na análise, demarcação, estruturação e produção de textos, mais especificamente de resumos de textos do gênero jornalístico. Tais práticas objetivavam o estabelecimento/busca das relações de sentido possíveis nos textos trabalhados, por meio da percepção das características próprias de cada região textual (introdutória, central e conclusiva) e também através da relação entre os espaços constitutivos do texto. Da mesma forma, essas práticas buscavam observar o modo como a autoria se constitui nesses diferentes espaços. Nesse contexto, o projeto busca analisar se os resumos produzidos pelos alunos manifestam a percepção de que cada região/território do texto possui características específicas. Isso torna possível observar ainda em que medida essas produções demonstram o

22Cf.

BERNARDO-SANTOS, W. J. “Poética de interfaces (I): a escrita em notas pr|ticas para uma reflex~o sobre autoria no ensino” In: Bernardo-Santos, Carvalho & Lima (Org.). Do oral ao escrito: reflexões e práticas desenvolvidas no programa de iniciação à docência em língua portuguesa (PIBID/SERGIPE). Aracaju, SE, Criação Editora, 2014.

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domínio das relações de sentido que se estabelecem entre as regiões do texto, objeto para a produção dos resumos. Tendo observado esses aspectos, evidenciamos que este texto está fundamentado justamente nos princípios do projeto “Escrita e autoria: o jornal em sala de aula”, bem como na produção de Bernardo-Santos (2014) acerca do objeto em pauta neste trabalho, a categoria região/território. Além disso, ele encontra respaldo ainda nos postulados de Sylvain Auroux (2009), no que concerne à escrita e suas especificidades.

Escrita: por uma perspectiva espacial de texto A escrita é apresentada, no projeto, como um instrumento para realizar leituras e dominar espacialmente textos, isto é, enquanto um instrumento de domínio textual, no que diz

respeito à leitura. Os grifos, marcações e observações que fazemos, por exemplo, servem para facilitar o processo de leitura e de compreensão textual. Aqui, vale trazer à baila as palavras de Bernardo-Santos (2014): Considerando que o problema da leitura e da escrita não é de ordem linguísticonormativa, a meu ver, em grande parte, o problema decorre da falta de compreensão das especificidades da escrita. A capacidade de aprender, a autonomia intelectual e o pensamento crítico só são possíveis se houver compreensão das especificidades da escrita enquanto instrumento para construir leituras e escrituras (BERNARDOSANTOS, 2014, p. 17).

E afirma ainda que “a escrita é o platô para a construç~o de nossos domínios” (BERNARDO-SANTOS, 2014, p. 18), algo “próprio da civilizaç~o”, de tal maneira que sem ela a produção do conhecimento científico seria inviável. Não seria, pois, possível produzir conhecimentos na ausência de um sistema de escrita que registre, por exemplo, os resultados de uma pesquisa, dada a brevidade de duração da fala. Em contrapartida a essa brevidade, evidenciamos exatamente o caráter de permanência da escrita, o que possibilita a produção do conhecimento. A escrita nos dá essa possibilidade de materializar o saber no papel. Trata-se do que Bernardo-Santos (2014) chama de materialidade gráfica. É forçoso acrescentar também as palavras de Sylvain Auroux (2009), no que tange à escrita, segundo o qual ela é um dos fatores necessários ao aparecimento das ciências da linguagem. Essa é uma das duas teses apontadas pelo autor em “A revolução tecnológica da gramatização”. A outra tese faz referência ao que Auroux entende como “gramatização”. Segundo ele, este é o “processo que conduz a descrever e a instrumentar uma língua na base de duas 96 XII SEMANA DE LETRAS

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tecnologias, que são ainda hoje os pilares de nosso saber metalingüístico: a gramática e o dicion|rio” (AUROUX, 2009, p. 65). É especificamente esse “instrumentar” que interessa ao projeto, porquanto este tenha buscado, através de seu coordenador, desenvolver instrumentos de domínio da escrita, enquanto uma tecnologia específica e essencial para a constituição de outros domínios (AUROUX, 2009); (BERNARDO-SANTOS, 2014). Por sua vez, esses domínios dão lugar, tal como observa Auroux (2009), à constituição de técnicas e competências, que podem, inclusive, facilitar o processo de ensino-aprendizagem da escrita. Desse modo, um ensino de língua que se pretende eficaz precisa reconhecer a importância histórica que a escrita efetivamente tem, de registrar e documentar, tornando o conhecimento não apenas visível, mas também mais duradouro. Da mesma forma, é preciso pensá-la a partir de sua noção espacial, que é, afinal, aquilo que o projeto buscou fazer junto aos alunos.

Acerca da instrumentação Tendo em vista a exposição feita até aqui sobre a instrumentação e sua importância para o ensino da escrita, destacamos, conforme já foram apontados anteriormente, os principais instrumentos utilizados no projeto “Escrita e autoria: o jornal em sala de aula”, quais sejam: o Modelo Clássico de Exposição de Estudos/MCEE; e a categoria região/território (BERNARDO-SANTOS, 2014).

O princípio desses instrumentos é o de entender o texto enquanto um mapa, um espaço dividido em regiões/territórios23, observando ainda de que maneira a autoria se manifesta nesses diferentes espaços da materialidade textual. A esse respeito, o coordenador do projeto evidencia: O leitor trafega em diferentes regiões. Diante de um texto, seja qual for sua dimensão, devemos reconhecer em sua materialidade relações de sentido deslizando entre as regiões e em cada uma delas temos posições/vozes específicas em construção (BERNARDO-SANTOS, 2014, p. 26).

Esse mecanismo, portanto, viabiliza a localização dentro do texto, facilitando o processo de compreensão e domínio textual. A partir dele, os alunos selecionados para a execução do projeto eram levados a produzir resumos de alguns dos textos trabalhados em sala de aula e, em seguida, a reescrevê-los, reparando os possíveis problemas e melhorando a qualidade da produção. Cf. a Figura 1, em Anexos, na qual ilustramos um modelo de como acontece a demarcação do texto em seus espaços constituintes, que aqui funciona como um facilitador da leitura e promove o domínio efetivo do texto. 23

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Reproduzimos abaixo o Modelo Clássico de Exposição de Estudos/MCEE, assim designado por Bernardo-Santos (2014): Ordem Gráfica (Modelo Clássico de Exposição de Estudos) ┌.................................... Regiões de peças periféricas ....................................┐ ┌ Regiões de peças centrais ┐ A Capa, apresentações, prefácios, notas e c.

B Introdução, capítul s teóricos.

C

D

Descri ão do objeto, Apêndices, anexos, capítulos analí icos, posfácios, índices, bibliografias, conclusões etc. contracapa et .

É possível observar que esse instrumento separa o que é central em um texto do que é periférico, de acordo com a nomenclatura utilizada por Bernardo-Santos (2014). Há, assim, uma espécie de hierarquia entre os espaços textuais, de modo um resumo precisa apresentar o domínio do todo, com atenção, é evidente, para o que é central. Contamos ainda com outros instrumentos, a exemplo de uma tabela chamada de Referências para Avaliação de Leitura e Escrita – RALE (BERNARDO-SANTOS). Essa tabela nos permite analisar pontos específicos das produções discentes, a saber: leitura, escrita e linguagem. Porém, por uma questão espacial, não cabe inseri-la aqui. Entretanto, todas essas ferramentas serviram para dar forma ao trabalho desenvolvido através do projeto, contribuindo demasiado para sua execução. Tendo, então, feito essa breve exposição acerca dos instrumentos do projeto, fica claro que nossa proposta é a de analisar se, e em que medida, os alunos se utilizaram desses recursos. Em outras palavras: analisar, a partir dos resumos produzidos24 por eles, se houve a percepção das características peculiares a cada espaço do texto, isto é, se os alunos demonstraram o domínio das regiões (introdutória, central e conclusiva) e, enfim, se demonstraram domínio das relações que se estabelecem entre elas.

24As

produções foram devidamente digitalizadas e estão salvas em um banco de dados.

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Sobre a atuação em sala de aula Na condição de docente iniciante, atuei no Colégio Estadual Tobias Barreto 25 no período de 22 de agosto a 05 de dezembro de 201326. Os encontros com os alunos aconteciam sempre às quintas-feiras, algumas vezes com a supervisão do professor regente da disciplina língua portuguesa da turma selecionada, o 9º ano do Ensino Fundamental, e tinham duração de cinquenta minutos. As primeiras aulas foram utilizadas para a exposição dos princípios do projeto. Tratamos, assim, de noções como a de texto, espaço, região/território, mapa, escrita, documentação etc. Em seguida, a fim de que os alunos pudessem entender com mais propriedade a categoria região/território, bem como produzir resumos demonstrando que haviam dominado espacialmente os textos resumidos, foram feitas análises coletivas e individuais em sala de aula. Essas análises se davam a partir da demarcação dos espaços constitutivos do texto, estabelecendo relações entre eles, e ainda através da estruturação de um texto cujos parágrafos haviam sido recortados e misturados. Desse modo, a ordem do texto seria estabelecida por meio da observação das características (introdutórias, centrais ou conclusivas) dos parágrafos, bem como dos mecanismos de coesão e coerência. O material obtido através do projeto soma as experiências e práticas desenvolvidas quando de sua execução, aos textos produzidos pelos alunos. Estes chegam a um quantitativo de aproximadamente cem resumos (entre o que chamamos de “escrita”, para as primeiras produções, e “reescrita”, para os resumos j| modificados a partir das correções e coment|rios feitos em um segundo momento). Para a produção de seus resumos, os alunos tiveram como base textos do gênero jornalístico, publicados no jornal Folha de São Paulo e selecionados do banco de dados organizado pelo próprio coordenador do projeto. Os objetos dessas produções foram os seguintes textos: “Pinker é um otimista sem ser crente”, de Hélio Schwartsman; e “Supermulheres S.A.: O neofeminismo corporativo discute se carreira e filhos são incompatíveis”, de Patrícia Campos Mello27. Buscamos analisar se os alunos perceberam as diferenças entre as regiões/territórios dos textos resumidos e manifestaram essa percepção, demonstrando, assim, o domínio Situado na Rua Pacatuba, 288 – Centro - Aracaju - SE, CEP: 49010-150. Minha atuação na escola durou pouco mais de três meses, mas fui integrante do programa por dois anos (2012/2014). 27Disponíveis, respectivamente, em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/102461-pinker-e-umotimista-sem-ser-crente.shtml; e http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/101189-supermulheressa.shtml. 25 26

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espacial deles. Na sequência, procuramos identificar a quantidade de resumos em que houve a manifestação desse domínio. Evidenciamos, então, como os trabalhos no projeto foram efetivados em inúmeros e diferentes sentidos. Em um primeiro momento, tivemos reuniões frequentes com o orientador para conhecer e estudar o objeto em questão. Nessa fase, analisamos, com base nos princípios do projeto, textos jornalísticos publicados no Jornal Folha de S. Paulo. Posteriormente, adentramos o ambiente escolar no afã de levar aquele modo específico de enxergar e trabalhar o texto, isto é, pela perspectiva espacial. E, por fim, obtido o corpus do projeto (as produções discentes), chegamos ao momento de analisar os resultados e emitir um feedback através dos relatórios parciais e finais produzidos pelos integrantes do projeto.

Considerações finais As experiências trazidas pelo projeto foram, seguramente, muito pertinentes e contundentes, não apenas para a elaboração deste trabalho, mas também, e principalmente, em razão da ampliação do arcabouço de teorias e práticas docentes nele desenvolvidas. Mais do que tornar possível o contato real e efetivo com o ambiente escolar e permitir o desenvolvimento de atividades próprias do ofício docente, o projeto viabilizou o conhecimento de instrumentos que podem e, seguramente, vão ser muito úteis, no que concerne ao exercício de compreensão e domínio textuais. Pensar/trabalhar a leitura e a escrita na perspectiva do texto enquanto espaço visível, tal

como

define

Bernardo-Santos

(2014),

constituído

por

outros

espaços

(as

regiões/territórios), tornou possível imaginar um ensino de língua ainda mais eficiente, no qual o desenvolvimento dessas habilidades de leitura e de escritura textuais é indispensável. Da mesma forma, pensar nesses espaços a partir de sua relação com a autoria, isto é, observando a constituição do sujeito nos diferentes espaços textuais, tornou-se igualmente indispensável para a compreensão da totalidade do texto. À luz dessas evidências, podemos notar que o desenvolvimento desse projeto teve uma importância inquestionável e contribuiu demasiado tanto no âmbito institucional e acadêmico, quanto, mais especificamente, em minha formação profissional.

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Referências AUROUX, S. A revolução tecnológica da gramatização. Campinas: Editora da Unicamp, 2009. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997. ______. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1999. BERNARDO-SANTOS, W. J. “Poética de interfaces (I): a escrita em notas pr|ticas para uma reflex~o sobre autoria no ensino” In: Bernardo-Santos, Carvalho & Lima (Org.). Do oral ao escrito: reflexões e práticas desenvolvidas no programa de iniciação à docência em língua portuguesa (PIBID/SERGIPE). Aracaju, SE, Criação Editora, 2014. COIMBRA, O. O texto da reportagem impressa. São Paulo: Ática, 1993. GERALDI, João Wanderley (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006. JESUS, G. S. Categoria região/território: o domínio textual pela escrita. In: ENCONTRO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS, 6., 2015. São Cristóvão. Anais eletrônicos do VI ENPOLE. MACHADO, A. R., LOUSAD, E. G., ABREU-TARDELLI, L. Resumo. São Paulo: Parábola, 2004. MELO, José Marques de. A opinião do jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1985. ORLANDI, E. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas: Pontes, 2001. REBOUL, Olivier. O slogan. São Paulo: Cultrix, 1975. SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2000.

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Anexo Figura 1

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CEI – CURSO DE ESPANHOL INSTRUMENTAL: EXPERIÊNCIA DE UM ENSINO A DISTANCIA Dulcineide Maria Nascimento Souza (UFS) Francielen Barbosa Océa (UFS)

Introdução Este artigo foi criado no propósito de falar um pouco sobre a Educação à Distância e suas ramificações, mas tendo como foco principal apresentar um projeto realizado Departamento de letras da universidade federal de Sergipe em paria com Centro de Educação Superior a Distância, o Curso Espanhol Instrumental - CEI, desenvolvido pela Mestra Valeria Jane Loureiro Siqueira. Serão relatados os objetivos do curso, assim como a aplicação do mesmo e sobre a experiência vivenciada por duas tutoras, quais métodos utilizaram para guiar os alunos durante o curso.

Ensino a distancia Com a nova era de comunicação estudar a distância fica cada vez mais comum e acessível para todas as pessoas que querem se graduar ou até mesmo fazer cursos diversos. Sem sair de casa o aluno pode aprender uma nova língua, aprender a cozinhar, aprender a escrever certo tipo de texto, pode fazer uma faculdade, pode aprender uma profissão e muito outros aprendizados. Porém essa forma de ensino aprendizagem não é algo que surgiu com as novas tecnologias de comunicação ou com a internet. O ensino a distancia é um processo de ensino aprendizagem que se realiza com uma separação física (geográfica e/ou temporal) entre professor e aluno. A comunicação acontece de diversas formas: pode ser via correios, rádio, tv, cds, aplicativos de celulares, sites relacionados, plataformas modelos , entre outros, e consegue ultrapassar a exposição oral. (SANTOS; NOGUÊZ, 2009, p. 3).

Estudar a distancia é uma modalidade educacional que apareceu no Brasil no começo do século passado, por volta de 1850, com a finalidade de ensinar a agricultores e pecuaristas europeus a plantar e cuidar do rebanho. O ensino a distancia no Brasil ficou mais difundido em 1937 com a criação do Serviço de Radiodifusão Educativa do Ministério da Educação, as pessoas escutavam as aulas em suas casas por meio do radio e acompanhavam cada passo por material impresso. Em 1939 surge o Instituto monitor, a mais antiga instituição em funcionamento no país a oferecer educação não presencial. Sete anos depois surgiu o Instituto Universal 103 XII SEMANA DE LETRAS

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Brasileiro. Ambos tinham métodos semelhantes de ensino e avaliações. A prioridade é na área técnica, o curso era ministrado através de apostilas, CDs, e atividades enviadas pelos correios, método que até hoje em um mundo globalizado e tecnológico, é utilizado pelas duas Instituições. Os certificados eram enviados também via correios. O forte do Instituto Monitor era as áreas técnicas em eletrônica, mecânicas e outras, já o Instituto Universal Brasileiro focava nas áreas de supletivos e cursos como bordados, crochês, culinária, cursos de línguas, entre outros. Para a inscrição o aluno teria que recortar em revistas o cupom e preencher, era a forma de matricular-se em um curso, ao enviar o cupom preenchido com seus dados pessoais, faria um deposito com o valor do curso e aguardava o contato da Instituição para começar a estudar. Em 1980 foi ao ar um dos primeiro meio de ensino à distância televisionado os Telecursos 1º e 2º graus criada pela Fundação Roberto Marinho, em seguida passando a ser chamada de Telecurso 2000. Onde se ensina curso do ensino fundamental e ensino médio tudo isso por meio da TV e graças a esse curso 4 milhões de pessoas possui uma formação. Hoje a internet é uma forte ferramenta a favor do ensino a distancia, sem dúvida uma parceira tanto para quem ensina como para quem estuda. O espaço virtual dar ao aluno e ao professor (monitor) um respaldo mais completo, ou seja, os resultados (negativos ou positivos) são quase que imediatos. Sem falar da riqueza de conteúdos que o aluno pode ter acesso. A EaD é marcado por três gerações: ensino por correspondência a primeira geração que era realizado por meio de correspondência como o próprio nome já diz. Os alunos semanalmente recebiam seus materiais e enviavam suas respostas por meio de cartas. A Segunda geração foi a Teleducação/Telecursos que tinha como principal recurso, os programas radiofônicos e televisivos, aula expositiva fitas de vídeo e materiais impressos. Internet esta como a terceira geração destacando como meio de interação entre os professores e alunos chat, fóruns de discussão, correio eletrônico, weblogs, espaços wiki, plataformas de

ambientes virtuais

que

possibilitam interação multi-direcional e

teleconferência.

Ensino à distância pelo meio virtual O ensino à distância através da tecnologia deu uma reviravolta no mundo do EaD, pois o processo de aprendizagem antes utilizado (correspondência, televisão e radio) mesmo sendo eficazes e populares entre os alunos, eles tinham suas falhas superadas pelas NTICs 104 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO

como o tempo em que o aluno recebia os materiais, os trabalhos proposto, o envio das respostas, e até mesmo o rico da perda de tais materiais. A educação à distância (EAD) pode e tem sido realizada por diversos meios, seja rádio, correio, telefone, televisão, dentre outros. No entanto, o sucesso dos cursos não depende unicamente da tecnologia empregada, assim como, muitas experiências atuais não obtêm o êxito esperado devido a diversos fatores alheios ao meio tecnológico utilizado. Entretanto, não se pode negar que o surgimento de novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC), originadas na década de 60 e consolidadas nos anos 90, têm corroborado sensivelmente para o crescimento do ensino a distância. (BRITO, 2003, p. 62).

As

tecnologias

vieram

como

mais

possibilidades,

para

facilitar

o

ensino/aprendizagem à distância encurtando o tempo de resposta e interação entre o professor e aluno assim como entre os próprios alunos, direta e dinâmica. As NTICs sendo popular entre as pessoas, facilitou a sua integração no EaD, sem falar da abordagem assíncronas que é comum entre toas as EaDs que é quando a comunicação não ocorre em tempo real, ou seja, o estudante faz um questionamento e sua duvida não é sanada imediatamente, leva-se um tempo antes que alguém possa responder. E a abordagem sincrônica que se pode falar em tempo real, ou seja, quando o aluno faz uma pergunta pelo fórum ou chat da plataforma ele recebera a resposta imediatamente seja do professor ou aluno, que cabível na EaD virtual tendo um lado positivo no momento da aprendizagem do aluno. As inscrições para o EaD vão depender em que instituição será realizada o curso, o mais comum esta sendo as inscrições online, mas é comum a realização de provas para o processo seletivo. Ambientes de EaD ou Sistemas de Gerenciamento para a EaD (SGEAD) é onde ocorre à administração e manutenção disponibilizando os meios de comunicação, matérias didáticos para os alunos e professores do EaD. Os meios de comunicação mais utilizados no EaD virtual são: os chats, emails, fóruns, teleconferência entre outros. Com esses meio a utilização de gênero textual torna-se mais variado podendo trabalhar melhor com a intertextualização, uma vez que trabalhar comum tipo de gênero por vez tornou-se obsoleto e o virtual abre caminho para a mistura desses gêneros textuais. Mas não basta ter os recurso tecnológicos, os professores, monitores e alunos devem estar preparados para esse tipo de ensino uma vez que o ensino à distância da autonomia para o aluno, ou seja, depende dele mesmo ter a vontade de estudar e aprender, assim como se programar adequadamente para que os trabalho e atividades não acumulem e venha 105 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO

atrasar. Até mesmo os professores e monitores tem como obrigação estarem bem preparados para manter o aluno motivado não deixando com que desistam do curso, como também saber corrigir sem dá as respostas corretas e sem deixa-los mais perdidos na busca da solução e para isso um trabalho em conjunto deve ser levado em conta, pois um depende do outro para que o ensino dê certo. Mais tais preparação e determinação devem acontecer em qualquer tipo de ensino à distância.

Vantagem e desvantagens do Ead O ensino a distancia rompe barreiras como à falta de tempo para estudar à distância entre o aluno e a Instituição. O difícil acesso aos estabelecimentos de ensino presencial e as universidades, além de facilitar que o aluno faça o seu horário de acordo com o tempo que ele dispõe e dá a ele a oportunidade de escolher cursos que não tenha a possibilidade de participar em aulas presenciais. Para essa modalidade de ensino aprendizagem o aluno deve ter um maior comprometimento, muita dedicação e autonomia, já que é ele mesmo quem vai decidir seu próprio ritmo de estudo. E essa é uma vantagem por que leva o estudante a aprender como se tornar uma pessoa dedicada e comprometida. Características principais de um bom profissional. Entretanto as pessoas atualmente não estão acostumadas à autonomia e sim a pressão e cobranças no que se diz referente ao estudo e tal fato pode prejudicar o desempenho do aluno, uma vez que nenhum professor estará lhe lembrando de seu dever de aluno, ele próprio terá que formular sua agenda de compromissos e encaixar um horário para o estudo. O que leva também o pensamento de que uma vez que o ensino não é presencial ele pode burlar o sistema e enviar trabalhos, atividades, comentários depois do prazo dado pelo professor e quando tenta enviar fora do prazo o sistema do ensino a distancia o impede de efetuar a postagem da atividade em questão, mas tal consequência serve de reforço para que o aluno aprenda a se regrar e se adaptar a uma vida independente.

CEI – Curso de Espanhol Instrumental Com os avanços tecnológicos o ensino à distância tornou-se, não mais acessível, mas mais pratico. Cursos que antes não era possível ser feito a distância ganhou espaço na grade curricular do EaD. A Educação a Distância (EaD) no ensino superior vem sendo popularizada, envolvendo um uso intensivo das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) nesse nível de ensino, implicando um número cada vez maior de estudantes,

106 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO professores e instituições, tanto públicas como privadas, em um novo conjunto de desafios. (PICANÇO. PRETTO, 2005, p. 31).

O ensino de uma língua estrangeira já era incluído no EaD, porem seu aprendizado era mecânico, não dava espaço ao estudante aprender uma conversação dinâmica, mas com o avanço da comunicação e informação por meio das TICs tornou mais possível o aprofundamento das habilidades comunicativas (leitura, escrita, oralidade e auditiva). O CURSO DE ESPANHOL INSTRUMENTAL – CEI é um projeto para a comunidade interna da Universidade Federal de Sergipe. Trata se de um curso de espanhol instrumental para desenvolver estratégias de leitura que ajudem na compreensão de textos escritos ampliando o conhecimento do vocabulário específico e de estruturas sintáticas do espanhol e levando os alunos a também familiarizar-se com as diferentes variedades da língua espanhola no mundo. O curso será promovido pelo Departamento de Letras Estrangeiras (DLES) da Universidade Federal de Sergipe (UFS) juntamente com o Centro de Educação Superior a Distância (CESAD). O curso se realizará na modalidade à distância, com atividades avaliativas semanais postadas na plataforma Moodle. E será ofertado aos estudantes da UFS de qualquer área de conhecimento da graduação com a finalidade de que apreendam a língua espanhola por meio da leitura e redação de textos direcionados as diversas áreas de conhecimento apresentando subsídios para a compreensão da Língua Espanhola. Para isso, se desenvolverá a utilização de ferramentas discursivas para que produza e desvele textos específicos das diversas áreas de conhecimento em língua espanhola instrumental. O curso é uma iniciativa da professora Msc. Valéria Jane Siqueira Loureiro, professora de língua espanhola do Departamento de Letras Estrangeiras e dos estudantes da graduação do curso de Licenciatura em Letras (espanhol e português/espanhol) integrantes do Projeto de Pesquisa em “O uso das TIC’s no processo de ensino/aprendizagem de E/LE” que pertence ao grupo de pesquisa em Análise e Elaboração de Materiais Didáticos em E/LE (GEMADELE).

Aplicação do projeto O CEI era composto por cinquenta e três alunos e dezesseis tutores/monitores ficando em media de três a quatro alunos para cada monitor. A frequência dos alunos se dava por meio das respostas das atividades postadas, e como ocorre nas aulas presenciais que com vinte cinco por cento de faltas o aluno esta 107 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO

reprovado, acontece o mesmo no CEI tendo sete atividades postadas ao total e sendo quatro o numero de atividades postadas para receber o certificado de conclusão. Toda a semana era postada uma atividade diferente onde o aluno teria o limite de uma semana começando das 00h01min até 23h59min do ultimo dia do prazo para postar a atividade no sistema do SIGAA. Depois desse prazo as atividades postadas eram invalidadas e para que cada prazo fosse respeitado cabia de cada tutor monitorar seus respectivos alunos. Observando que em um curso pleno de um ensino à distância o próprio sistema veda a postagem fora do prazo, ou seja, o aluno tenta postar a resposta fora do tempo determinado e o sistema dará com aviso que aquela atividade já foi dada como concluída. Notando se que ao inicio do curso os alunos são avisados sobre o tempo de postagem, assim como também são advertidos que nem o professor responsável e nem os tutores ficaram lembrando que devem postar as respostas. Uma vez que no ensino à distância assim como no presencial, um dos objetivos é ensinar aos estudantes serem independentes. Dos alunos participantes foram escolhidos foram selecionados sete alunos de duas tutoras, cinco mulheres e dois homens. O intuído dessa escolha é de dar duas visões de métodos diferentes, uma vez que cada tutora tem sua forma de trabalhar e como cada aluno responde a esse método. As tutoras serão chamadas de T1 e T2. Os alunos do sexo masculino terão como referencia numero impar as do sexo feminino números pares. EX: T1: A1; A3; A4; A2. T2: A6; A8; A10. O único meio de comunicação entre os tutores e alunos se dava pela plataforma do SIGAA, onde eram postadas as atividades, respostas, avisos e curiosidades coletivas. E pelo email a comunicação era mais dedicada a duvidas individuais dos alunos. Os métodos utilizados para a correção das atividades foram: T1: 

Tachar as respostas com cores diferentes indicando indiretamente cada erro. Ex: amarelo – texto sem conexão ou sem sentido; azul claro – reler a pergunta, pois a resposta não esta bem clara ou incompleta; OBS – dicas sutis para melhorar uma interpretação do texto, etc. a cada resposta tachada era explicado no final de tudo explicado os significados, então com isso o aluno teria que reler tanto a pergunta como a resposta e encontrar por si só o erro.



Após X quantia de atividade era feita uma retrospectiva de como foi o desempenho de cada aluno dizendo se melhoraram e caso não no que deveriam melhoras.

T2:

 Antes de ver as respostas dos alunos a T2 respondia a atividade para que quando fosse corrigir as atividades ela tivesse como identificar o erro com mais facilidades. Observando que a T 2 não buscava na resposta do aluno uma idêntica a sua, mas sim uma linha paralela de entendimento respeitando as

108 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO questões pessoais. Não respondido satisfatoriamente a pergunta era pedido para que o aluno relesse mais atentamente a atividade e refizesse, sempre dando dicas sutis para orienta-lo.

Analise das respostas de todas as atividades na perspectiva das tutoras Todas as perguntas assim como os textos se encontram em espanhol, as respostas podem ser dadas em espanhol, sendo que cada aluno pode responder em português uma vez que o curso é de compreensão leitora e não escrita. As perguntas são voltadas para a interpretação textual, o letramento, nada envolvendo perguntas gramaticais. Atividade #1 Composta de três textos (historinhas e um anuncio de campanha “texto verbal/n~o verbal”, reportagem) e cinco perguntas. Ao principio os alunos tiveram um pouco de dificuldade para responder algumas perguntas. Nota-se que a linha de pensamento seguida era saudável, obtendo perda do raciocínio ao longo do desenvolvimento da resposta. Principalmente nos textos verbal/não verbal indicando pouca pratica nesse tipo de leitura. E em cada erro ou dificuldade foram utilizados os métodos citados acima e no final de toda a atividade era dado um novo prazo para devolver a atividade corrigida, esse prazo era individual, cada tutora ditava seu tempo limite. Logo após era postado no SIGAA no mesmo lugar onde compete a atividade 1, nomeado com nome do aluno mais corrigido. Todos os alunos reenviaram às atividades corrigidas corretamente indicando que seguiram as dicas dadas. Atividade #2 Composta de um fragmento de um artigo econômico e quatro perguntas. Nesta atividade o aluno A1 e A10 não cometeu os erros da atividade anterior. Ao contrario teve uma boa linha de interpretação. Os outros alunos cometeram os erros anteriores, e com isso os métodos tiveram que ser novamente mencionados e novos métodos adicionando, reforçando que tais erros devem ser sanados. O aluno A3 entrou em contato com a sua tutora mencionando que estava achando interessante o curso e queria saber quis dicionários de espanhol ou site de tradução poderiam ser utilizados na resolução das atividades. Coube à tutora a fazer referencia de como traduzir textos em uma língua adicional, em primeiro caso, sem o auxilio de dicionários ou sites de 109 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO

tradução. Pediu-se que não tentasse interpretar a palavra isoladamente e sim com base na frase... paragrafo e temática do texto. Caso ainda continuasse a não conseguir identificar o sentido da palavra que recorresse a um dicionário, mas não a um site de tradução, pois o mesmo poderia facilitar muito a decodificação da frase e isso prejudicaria o aprendizado do aluno. Tal questionamento pode ser entendido como um método em que o aluno já utilizava ou estava pretendendo utiliza. Percebe-se ent~o que esse atalho se assemelha a dito “cola” dos cursos presenciais onde o aluno não se esforça e copia a resposta de seu colega ou ate mesmo ele vai à internet atrás de tradução. Tais métodos não tem como ser rigorosamente serem vigiados, cabe ao aluno ter consciência que isso afetara a ele e somente ele. A aluna A8 respondeu algumas questões totalmente erradas. Entendimento claro da falta de atenção do aluno. O que levou a tutora a chamar sua atenção ao erro gritante, pedindo que tivesse mais atenção. As atividades corrigidas foram postadas na pagina referente à mesma atividade, todas foram corrigidas e reenviadas pelos alunos. Atividade #3 Composta por três textos (um conto de fadas da bela adormecida; um anuncio publicitário e uma curiosidade sobre el dia de los muertos) e treze perguntas distribuídas entre os textos. O aluno A1 mostra apenas pequenos erros de interpretação com o texto publicitário verbal/não verbal, indicando sua deficiência nesse tipo de texto, uma vez que nos outros textos ele obteve um bom desempenho. Alguns alunos mostraram dificuldades em compreender os enunciados, um motivo podendo ser falta de atenção à pergunta. A aluna A10 Teve uma compreensão completa dos textos errado coisas leves. E a aluna A8 não respondeu a atividade garantindo sua primeira falta. As atividades corrigidas foram postadas na pagina referente à mesma atividade, todas foram corrigidas e reenviadas pelos alunos. As atividades corrigidas foram postadas na pagina referente à mesma atividade, todas foram corrigidas e reenviadas pelos alunos. Atividade #4 Composta por uma historia em quadrinhos e quatro perguntas. Todos os alunos tiveram uma compreensão notável. Tendo apenas a aluna A4 persistindo em erros básicos de concordância Obrigando a tutora a lhe chamar a atenção para tal erro, pedindo que antes de enviar a atividade respondida que dê uma olhada nas respostas, pois os erros cometidos 110 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO

podem muito bem serem resolvidos ao serem dado o visto pelo próprio aluno. E a aluna A 8 mais uma vez não respondeu a mais uma atividade, como também a aluna A6 ganhando sua primeira falta. As atividades corrigidas foram postadas na pagina referente à mesma atividade, todas foram corrigidas e reenviadas pelos alunos. As atividades corrigidas foram postadas na pagina referente à mesma atividade, todas foram corrigidas e reenviadas pelos alunos, menos a do aluno A3 tal ato não o penaliza diretamente no curso, somente no seu aprendizado, pois deixa ao entendimento que não tenha talvez visto o que era necessário concertar. Atividade #5 Composto dois textos (uma publicitária e uma reportagem) e quatro perguntas entre os textos. Os alunos concluíram as atividades com perfeição. Menos o aluno A3 que persiste em erros básicos e a aluna A8 quem novamente não participou. Nessa atividade a T1 fez uma retrospectiva do desempenho de seus alunos. Com o proposito de fazê-los ver o quanto progrediu e o quando ainda tem que continuar melhorando ou mantiver o seu desempenho. Adicionando dicas que possa ajudar na reta final do curso. Todos responderam com exceção do aluno A3 e A8. Atividade #6 Composto por um texto cientifico adaptado e quatro perguntas referentes ao entendimento do texto como um todo. Todos responderam com perfeição. Menos os alunos A3 e A8 pelos mesmos motivos anteriores. Isso mostra que quem atendeu as dicas dadas ate agora e quem visualizou a retrospectiva obteve um desempenho notável os que ignoraram apenas estagnaram. Atividade #7 A última atividade do CEI foi uma já postada à atividade #2 com o intuito de ver se o aluno tinha uma boa memória e se estavam atentos, assim como se eram honestos e não copiariam as repostas dadas na atividade #2 ou se seguiriam com honestidade e responderia mais uma vez podendo mostrar uma nova visão de entendimento, um mais amadurecido. Apenas uma aluna comentou antes de responder que a atividade já havia sido postada anteriormente a aluna A4. E todos os alunos ainda participantes responderam honestamente cada pergunta não recorrendo à segunda atividade. 111 XII SEMANA DE LETRAS

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Resultado e experiência dos tutores O CEI (Curso de Espanhol Instrumental) consiste em um curso a distancia, o qual ensina aos alunos a interpretar textos em espanhol. A experiência adquirida no CEI foi bastante proveitosa, pois possibilitou por em pratica conhecimentos adquiridos ao longo do curso acadêmico. E com o fato de ser um curso a distância contribuiu ainda mais na formação de docente. Já que era uma experiência inteiramente nova tutoria alunos mantendo apenas um contato puramente indireto, ou seja, por meio das atividades disponibilizadas para os alunos. Onde eles respondiam as atividades e as reenviava para fossem corrigidas e novamente enviadas aos alunos com orientações, caso necessário. Conseguir identificar qualquer traço de que o aluno não estava conseguindo acompanhar o curso ou que até mesmo estava se empenhando ao máximo requeri-o muito da capacidade de ambas as tutoras, pois tínhamos como base acadêmica o ensino presencial que o mesmo já se mostra difícil identificar tal desempenho, no a distância tivemos que nos ater ate nos mais mínimos detalhes e sempre comparar uma atividade com a outra e ver se o aluno esta mostrando mais evolução ou menos e depois partir para a elaboração de mais dicas sutis para ajudar ao aluno e ao mesmo tempo não desmotiva-lo, lhe revelando que seu desempenho estava caindo se esse fosse o caso. Como já mencionado a abordagem do monitor ao aluno tendia a ser feita com cuidado para evitar a desmotivação ou até mesmo contraria-lo situações corriqueiras também no ensino presencial. Para que não ocorresse nenhuma das ações mencionadas optamos por trata-los como nos monitoras gostaríamos que fossemos tratadas de forma direta, sincera e eficaz. Com base no resultado ao termino do curso acreditamos que nos saímos bem nas escolhas. Dos sete alunos tutorados, cinco seguiram as orientações transmitidas, concluindo o curso e tendo alcançado o objetivo de forma satisfatória. Mas um aluno concluiu o curso cometendo os mesmos erros, por ter ignorado as orientações e um desistente. Concluindo que mesmo um curso sendo a distancia ele possibilita o ensino/aprendizagem, desde que ambas as partes trabalhem em conjunto.

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Referências BRITO, Mario Sergio da Silva. Tecnologia para a EAD – Via internet. Salvador: Ed. UNEB, 2003, p. 61-87. MARQUES, Camila. Ensino a distância começou com cartas a agricultores. Folha online, 2004. Site: http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u396511.shtml. Acessado em: 15/06/2015 PRETTO. Nelson De Luca, PICANÇO. Alessandra de Assis. Reflexões sobre EAD: concepções de educação. In. Coordenadoras Bohumila Araújo e Katia Siqueira de Freitas; autores, André Lemos... [et al.]. Educação a Distância no contexto brasileiro: algumas experiências da UFBA - Salvador: ISP/UFBA, 2005, p. 31-56. SANTOS, Graciela. NOGUÊZ, Suelen. Tecnologia da informação. SLIDESHARE, 2009, p. 1-15. Site: http://pt.slideshare.net/gracisantos/ead-ensino-a-distncia. Acessado em: 15/06/2015

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DIALOGISMO: UMA PRÁTICA PARA SALA DE AULA Bruno Felipe Marques Pinheiro (UFS)

Introdução Várias são as dificuldades que abarcam o processo de construção do conhecimento de alunos atualmente. Alguns gargalos podem ser notados no tocante da sala de aula e a relação professor/aluno, principalmente na educação básica. Alguns desses problemas podem ser descritos como: deficiência na leitura dos alunos como mera decodificação, dificuldades na interpretação de textos e falhas na produção nos textos solicitados em sala. Pesquisas apontam, como a do Instituto Paulo Montenegro (IPM), braço social do Ibope, e pela ONG Ação Criativa feita em 2005, que 75% dos brasileiros leem mal, afirmação esta, que pode denotar o déficit de leitura nos alunos na educação básica, por sua vez, sem a recepção de texto, não há produção textual. Dessa forma, para sanar essas dificuldades e outras, o presente artigo pretende estabelecer parâmetros a partir dos estudos sobre o dialogismo em busca de uma prática a ser desenvolvida em sala de aula na educação básica. É de suma importância social este estudo pois irá ajudar os professores a auxiliar seus alunos desenvolverem a capacidade analítico-interpretativa-crítica através dos textos, exercitando assim, essa habilidade possibilitando os alunos construírem suas próprias reflexões filosóficas, políticas, econômicas sobre determinado assunto que abarca a sociedade. A concepção discursivo-textual é uma prática a ser alcançada a partir do estudo sobre o dialogismo, pois poderá obter uma construção interacionista dos alunos com a linguagem partindo do conceito de enunciação mediante o contexto social em que os alunos vivem. A situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da enunciação (BAKTHIN, 2010, p. 117).

O objetivo desta pesquisa é privilegiar os discentes e seus conhecimentos para um processo de interação com os textos segundo a prática do dialogismo; além de ressaltar o papel de leitor que o estudante possui exercitando diversas estratégias de leitura e suas estratégias.

Dialogismo e Diálogo O Dialogismo é o conceito que se tem sobre linguagem com o qual é trabalhado pela Filosofia e a Linguística. Todo texto, ou qualquer sintagma, seja oral ou escrito 28, possui vozes 28“(...)

A utilizaç~o da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana.” (BAKHTIN, 2000, p. 279).

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ideológicas, que contribuem para a significação do contexto. Importante salientar que os estudos das ideologias e a Filosofia da Linguagem não vem de agora. Mikhail Bakhtin em seu livro Marxismo e Filosofia da Linguagem, discutiu o problema da linguagem entre a relação das infraestruturas e superestruturas que abarcavam o Marxismo; terminando com a discussão sobre o problema da linguagem e a psicologia objetiva. O estudo das Vozes Ideológicas29 é muito importante para sedimentar o conceito sobre dialogismo, pois no tocante deste, é necessário compreender o contexto externo que abarca razões filosóficas, sociais, psicológicas e econômicas onde seus interlocutores estão inseridos. Ele é caracterizado por destacar ideologias e crenças das personagens que estão envolvidas dentro do discurso. Um exemplo que se pode estabelecer entre o dialogismo e a influência ideológica do sujeito estão interligadas é o que Bakhtin expressa em seu livro, “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, com o exemplo do “p~o e o vinho” que permuta sua significação mediante o contexto prévio estabelecido pelo Cristianismo. O pão e o vinho, por exemplo, tornam-se símbolos religiosos no sacramento cristão da comunhão. Mas o produto de consumo enquanto tal não é, de maneira alguma, um signo. Os produtos de consumo, assim como os instrumentos, podem ser associados a signos ideológicos, mas essa associação não apaga a linha da demarcação existente entre eles. O pão possui uma forma particular que não é apenas justificável pela sua função de produto de consumo; essa forma possui também um valor, mesmo que primitivo, de signo ideológico (por exemplo o pão com a forma de número oito ou de uma roseta). (BAKHTIN, 2010, p. 32).

Machado e Wachowicz (2013) dão um exemplo de uma piada, que possui como interlocutores “a mocinha e o rapaz”, esse exemplo deixa claro o dialogismo presente nesse texto: A mocinha bonita e dengosa, cansada de sua vidinha morna, sem graça, saiu naquela direção à periferia. Nunca tinha ido a um forró daqueles. Ao entrar no salão se assustou com o bafo quente que veio de encontro ao seu rosto. Olhou aquelas pessoas tão diferentes daquelas com quem costumava conviver. Não demorou muito, um rapaz alto, de cabelos cumpridos, veio buscá-la para dançar. Não era nada fácil acompanhar aquele ritmo, aquele entrelaçar de pernas. Logo o rapaz era um suor só. Aqueles cabelos longos começaram a grudar no rosto, no pescoço, em tudo. Usando a mão como freio no ombro do companheiro, a moça procurava mantê-lo afastado. Numa tentativa de ver se ele se tocava, ela disse: - Você sua, hein? O rapaz esticou mais o braço, enlaçou sua cintura trazendo o corpo dela para bem junto do seu, e sussurrou no seu ouvido: - E eu também “vô sê seu”. (MACHADO E WACHOWICZ, 2013, p. 83).

As marcas deixadas pelo narrador da piada nos levam a crer a relação existente entre as situações de comunicaç~o entre “a mocinha e o rapaz” possibilitando compreender um 29Entende-se

aqui pelo aspecto filosófico, que faz parte de uma realidade (natural ou social), que detrimento ao contexto toma outros significados, e possui uma carga semântica do que não é dito. Vale salientar que essas vozes possuem autonomia, aspecto que deve ser dominado na hora da leitura.

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XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO

contexto prévio que está implícito dentro do texto da piada, e a interação presente entre as personagens marca a análise do dialogismo. Ao final da piada, a possibilidade de interpretação se dá pela homofonia30 das respostas da mocinha e do rapaz (você sua / “vou sê seu”), na qual ambos possuem diferentes interpretações, essa ambiguidade que traz o humor à piada referese ao dialogismo presente. Assim, pode-se perceber as vozes dialógicas, que compõem a estrutura dialógica da piada, presente tanto na fala do narrador como no trecho do diálogo das personagens. Dessa forma, pode-se estabelecer algumas diferenças entre diálogo e dialogismo, o primeiro requer uma estrutura, como o uso de travessões e dois pontos, o segundo não requer estrutura, está atrelado a linguagem que constitui todo o enunciado. Como afirma Machado e Wachowicz (2013) “o dialogismo expressa ideias, opiniões e afirmações sobre as mais diversas manifestações do mundo”. O di|logo é concebido somente como estrutura, que pode ser em discurso direto ou indireto, está atrelado somente a forma estrutural no texto, é uma forma presa diferentemente do dialogismo que está presente em nosso cotidiano.

Dialogismo e a Filosofia da Linguagem O Dialogismo está presente desde a Grécia Antiga, com os filósofos clássicos, presente na Filosofia da Linguagem, especialmente no uso da retórica e da dialética. Nessa época o uso do dialogismo era usado para dar conta das organizações sociais das cidades-estados, havia três tipos de ouvintes: o Povo; a Assembleia e os Juízes; estes que deram origem para os primeiros gêneros do discurso, concomitantemente, com os gêneros literários. Conforme BRANDÃO (1999) 1. O gênero epidíctico (pertinente à advertência e/ou felicitação pelo comportamento do indivíduo - função do povo); 2. O gênero deliberativo (interligado a aconselhamentos - função da assembleia); 3. O gênero judiciário (está relacionado a atuação de argumentos contra ou a favor alguém- função dos juízes). Platão e Aristóteles fortaleceram essa reflexão acerca do dialogismo, pois percebe-se que desde a Filosofia Clássica, o dialogismo já estava presente. Platão estabelecia a reflexão sobre a natureza da linguagem motivada pela dialética e edificava os fundamentos do dialogismo, nos seus diálogos encontramos suas marcas, como no Fedro e na República. Em um trecho do Fedro, após ter ouvido o discurso de Lísias, Fedro indaga Sócrates sobre qual a razão de seu discurso ser tão bom, o próprio filósofo clássico responde com a met|fora do vaso, “nosso discurso é como um vaso”. 30A

homofonia é marcada pelo dialogismo dentro da análise não porque é diálogo, mas pela interação das personagens diante da situação, pelas marcas das personagens, pois o dialogismo presente no texto independe das estruturas.

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FEDRO: Quem são eles? Onde existe coisa melhor do que este discurso? SÓCRATES: De momento não posso dizê-lo com exatidão. Só uma coisa é clara: é que ouvi isso de alguém- talvez da bela Safo, do sábio Anacreonte ou de outro escrito qualquer. Sabes o que me leva a essa suposição? É o meu coração, caríssimo; sinto que ouvi outra coisa não inferior ao discurso que leste. Bem sei que eu próprio não a inventei, pois conheço a minha ignorância. Uma coisa me resta, entretanto: como um vaso, deixo-me encher pelos pensamentos alheios que entram em mim pelo ouvido. (PLATÃO, 2001, p. 66).

Com esse trecho do livro fica claro a questão da problemática da retórica que tinha nesse tempo, e remete-se a noção de dialogismo que se tinha nesse período e remonta a ideia da filosofia da linguagem do pensamento clássico. E de vozes ideológicas que podemos perceber no trecho do Livro do Fedro, como por exemplo, o uso por parte do filósofo para a “bela Safo”, conotando a ideia decorrente da ajuda que o pensamento filosófico possuía de atribuir à divindades a produção literária-filosófica, como se o poeta fosse um canal entre o metafísico e o mundo físico. Em outra obra, A República, em seu terceiro livro, Sócrates faz uma primitiva classificação de obras literárias segundo os gêneros que tinham naquela época, explicando que há três tipos de obras poéticas: ‘O primeiro é inteiramente imitaç~o.’ O poeta como que desaparece, deixando falar, em vez dele, personagens. ‘Isso ocorre na tragédia e na comédia.’ O segundo tipo ‘é um simples relato do poeta; isso encontramos principalmente no ditirambos.’ Plat~o parece referir-se neste trecho, aproximadamente ao que hoje se chamaria de gênero lírico, embora a coincidência n~o seja exata. ‘O terceiro tipo, enfim, une ambas as coisas; tu o encontras nas epopeias...’ Neste tipo de poemas manifesta-se seja o próprio poeta (nas descrições e na apresentação dos personagens), seja um ou outro personagem, quando o poeta procura suscitar a impressão de que não é ele quem fala e sim o próprio personagem; isto é, nos diálogos que interrompem a narrativa. (ROSENFELD, 2000, p. 15).

Contudo, o passo inicial em busca de uma sistematização dos gêneros literários foi dado por Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) que, ao voltar seu olhar às questões de ordem estética, repudiou “...a hierarquia platônica, apresentando na Poética uma nova percepç~o do processo de mímesis artística” (SOARES, 1993, p. 9-10). Com Aristóteles, sistematizava as reflexões retóricas de sua época, na sua obra A Poética, ele deixa claro o exercício da argumentação e a estrutura clássica que temos de texto (introdução, desenvolvimento e conclusão). Conforme Rosenfeld (2000) no 3º capítulo de A Poética, o filósofo diferencia duas maneiras de narrar, a primeira com a introdução de um terceiro em que os próprios personagens dão conta, e a segunda que dá a entender o próprio autor participando da história, sem a presença de outro personagem. Mas foi com Bakhtin que a dialética discursiva toma corpo na sistematização do dialogismo como pressuposto da linguagem humana, surgindo assim a problemática do 117 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO

gênero do discurso, analisando a relação locutor / destinatário. Ele destaca a dimensão do “enunciado”31 funcionando como veiculador de fronteiras decorrentes da alternância de sujeitos falantes. O dialogismo para Bakhtin, como afirma SILVA (2009) “é o princípio gerador da noç~o de gêneros do discurso”, a heterogeneidade dos gêneros do discurso é uma consequência das múltiplas atuações sociais. O enunciado é um fenômeno complexo, polimorfo, desde que o analisemos não mais isoladamente, mas em sua relação com os outros enunciados (...) o enunciado reflete o processo verbal, os enunciados dos outros e, sobretudo, os elos anteriores (às vezes os próximos, mas também os distantes, nas áreas da comunicação cultural). (BAKTHIN, 1992, p. 318-319).

Para o filósofo russo a heterogeneidade dos gêneros do discurso é uma consequência das múltiplas atuações sociais. O autor distingue gênero do discurso primário/simples que para ele é aquele que diz respeito as situações da vida do cotidiano e gêneros do discurso secundário/complexo, que está ligado a uma comunicação mais elaborada. Para o filósofo russo, os primários podem funcionar como componentes perdem sua relação imediata com a realidade existente e com a realidade dos enunciados alheios — por exemplo, inseridas no romance, a réplica do diálogo cotidiano ou a carta, conservando sua forma e seu significado cotidiano apenas no plano do conteúdo do romance, só se integram à realidade existente através do romance concebido como fenômeno da vida literário-artística e não da vida cotidiana. O romance em seu todo é um enunciado, da mesma forma que a réplica do diálogo cotidiano ou a carta pessoal (são fenômenos da mesma natureza); o que diferencia o romance é ser um enunciado secundário (complexo). (BAKHTIN, 2000, p. 281).

É necessário compreender que este termo, dialogismo, é um conceito emprestado pela análise do discurso ao Círculo de Bakhtin, por isso que este termo toma proporção com ele, para referir-se às relações que todo enunciado mantém com outros enunciados produzidos anteriormente, bem como com os enunciados futuros que podem ser produzidos. Por isso, que para Bakhtin (2010) “a palavra est| sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial” que nada mais é um conceito de dialogismo.

Dialogismo e a Sala de Aula Deve-se ter em mente que a prática do dialogismo dentro da sala de aula perpassa pelas relações de linguagem que o sujeito, nesse caso os alunos, têm com a sociedade em que estão inseridos, o convívio social é primordialmente necessário para o signo ideológico. Dessa 31Caracterizado

como a junção de um conteúdo temático, de um estilo — dada a seleção de recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais — e de uma construção composicional, o enunciado reflete a especificidade de cada uma das atividades comunicativas, traduzindo as suas respectivas finalidades e, embora isoladamente seja encarado como individual, é afetado por essas ‘camadas’ de utilizaç~o da língua, as quais geram a sua estabilização. (SILVA, 2009, p. 163)

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forma a construção interacional dos alunos com a linguagem é necessária para que haja a interaç~o dos alunos com o texto cujo sentido é o que “n~o est| l|”, no qual somente ser| alcançado à medida que forem verificando os elementos, para a construção do pensamento a partir dos “sinalizadores” textuais oferecidos pelo autor. O papel que o aluno exerce dentro dessa prática do dialogismo é ser contextualizador a partir dos fatores de contextualização32, desempenhando a função de âncoras textuais, desenvolvendo seu conhecimento linguístico e interacional, facilitando desta forma o seu uso com a gramática normativa e desempenhando outras habilidades que se fizerem oportunas, refletindo e observando as múltiplas vozes ideológicas presentes no texto, e exercendo assim, seu poder de reflexão pois o leitor pode ou não concordar com as ideias do autor, e sofrendo também um poder de adaptação. Como auxílio para a sala de aula, tem-se a ideia do dialogismo como intertextualidade, mas qual a diferença básica entre ambos? O dialogismo, como já foi dito, é um pressuposto filosófico da linguagem, está atrelado ao nível do discurso. Já a intertextualidade está atrelada à análise concreta dos elementos que são retomados dentro do texto, ela é somente uma forma em que se pode manifestar o dialogismo. Leva-se a crer que este, é um pressuposto da linguagem, não uma habilidade que os alunos precisam desenvolver, mas é necessário que eles compreendam como utilizá-los dentro do texto, e os recursos que são utilizados para adequá-lo às condições de sentidos. Importante salientar também que o dialogismo esteja presente dentro do livro didático a partir de seus reflexos, todo texto é tomado de discursos, seja o poema, conto, crônica, entre outros, pois como afirma Bakthin (2010) a linguagem é, por natureza, dialógica entre pelo menos dois seres, dois discursos, duas palavras. Assim, mais uma vez estabelecendo a intertextualidade, mas também a interdiscursividade. Para o ensino em sala de aula uma orientação é destacar o aspecto do gênero que para autores como Marcuschi são gêneros textuais, e trabalhar o dialogismo em cima dessa perspectiva. Muitas vezes os gêneros somente são trabalhados na sala de aula como uma irrelevante comunicação dentro da sociedade, e esquecemos do seu aspecto dialógico dentro dos textos, ou somente como uma sequência discursiva a partir da sua estrutura. Para isso Marcuschi (2008) faz uma clara distinção entre tipo textual, gênero textual e domínio discursivo, primeiro é uma espécie de sequência linguística de sua composição, abrangendo meia dúzia de categorias: narração, argumentação, exposição, descrição. O

32São

aqueles que ancoram o texto em uma situação comunicativa, exemplos: data, local, assinatura, elementos gráficos, o timbre.

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segundo é uma noção vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossas vidas diárias: telefonemas, sermão, carta comercial. O domínio designa a uma esfera ou instância de produção discursiva ou de atividade humana, não são textos nem discursos mas propiciam o surgimento de discursos específicos: jurídico, jornalístico, religioso. Assim, leva a crer a relevância de ser estudados os gêneros textuais na sala de aula com a interação verbal, que é a chave da realidade fundamental da língua que se realiza em funcionamento com todos os aspectos que estão fora do texto e principalmente com a ideologia que estamos inseridos.

Considerações finais O dialogismo é uma característica do funcionamento discursivo onde podemos encontrar várias instancias enunciadoras num mesmo texto. É a presença dessas várias instancias que se pode constituir a dimensão polifônica do discurso, ou seja, as inúmeras vozes ideológicas que estão inseridas dentro do enunciado. O sentido que a enunciação completa é o chamado tema, isto é, é o fenômeno que ocorre no texto diante dos fenômenos segmentais e suprassegmentais. Essa significação é devido a interação que ocorre entre o leitor e o texto, constituindo assim, os elementos da enunciação. Com a prática do dialogismo dentro da sala de aula, percebe-se que os alunos eles começam a criar uma autonomia dos textos, como afirma Machado e Wachowicz (2013) “a autonomia é um dos aspectos que deve ser dominado pelos alunos para que suas produções sejam adequadas, e para que seus textos alcancem o sentido pretendido”. Facilitando assim, a compreensão dos textos e uma melhor produção e melhorando as dificuldades de interpretação que é um dos déficits que se encontra hoje no que concerne à educação. Uma outra questão a ser desenvolvida a partir do dialogismo é a capacidade analíticointerpretativa-crítica, os alunos passam a compreender melhor o que está escrito nos textos, ajudando também a desenvolver a leitura e a parte fonológica do universo, e iniciando uma criticidade mais aguçada na leitura a ser proferida dos textos. Além do aspecto da autonomia, acima mencionado e o uso das vozes dialógicas, outros fatores são favorecidos a partir da produção textual, como salientam Machado e Wachowicz (2013) “quando a escrita est| adequada, aprimoram-se a adequação dialógica e o sentido, até mesmo do texto com o qual se dialoga”. O uso dos gêneros é de extrema importância no que tange ao processo para inserir o dialogismo dentro das aulas de língua portuguesa, pois eles estão inseridos no mundo e, é a partir destes mostram uma relação de intimidade e aproximação do leitor com a sociedade, 120 XII SEMANA DE LETRAS

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como bem retrata Marcushi (2002) “é bom salientar que embora os gêneros textuais n~o se caracterizam nem se definam por aspectos formais, sejam eles estruturais ou linguísticos, e sim por aspectos sócio comunicativos e funcionais”. O uso de gêneros como, artigos, reportagem jornalística, notícias, conversação espontânea, pressupõem vozes dialógicas, que podem ser utilizadas como propostas de atividades entre os alunos, tomando como partida os aspectos e elementos vistos neste artigo desenvolvendo uma análise dialógica nos textos, e exercitando assim, o uso do dialogismo, e apresentando uma criticidade essencial levando para fora da sala.

Referências BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ____________. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. ____________. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 14ª ed. São Paulo: Hucitec, 2010. BRANDÃO, Helena Nagamine. Texto, gêneros do discurso e ensino. In: Aprender e Ensinar com Textos. São Paulo: Cortez, 1999, Volume 5. GALHARDO, Ricardo – O Globo – “De15 a 65 anos, 75% dos brasileiros leêm mal”. MONTFORT. Associação Cultural Acesso em: 16/06/2015 às 16:27. MACHADO, Daniela Zimmermann; WACHOWICZ, Teresa Cristina. Dialogismo. In: COSTA, Iara Bemquerer; FOLTRAN, Maria José (Org.). A Tessitura da Escrita. São Paulo: Contexto, 2013. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão. São Paulo: Parábola, 2008. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Raquel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (Org.). Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. PLATÃO, A República. 10ª ed. trad. Maria Helena da Rocha Pereira. São Paulo: Fundação Calouste Gulbenkian, 1949, p. 265-359. PLATÃO. Fedro. São Paulo: Martin Claret, 2001, p.66. ROSENFELD, Anatol. “A teoria dos gêneros”. In: O teatro Épico. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2000, p. 15-36 SILVA, Leilane Ramos da. Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Materna. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, CESAD, 2009, p. 157-176. SOARES, Angélica. Gêneros Literários. 3 ed. São Paulo: Editora Ática, 1993, Série Princípios. 121 XII SEMANA DE LETRAS

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DIFERENÇA NÃO É DEFICIÊNCIA LINGUÍSTICA: O TRATAMENTO DO ROTACISMO NA FALA E NA ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL I Kamilla Silva Dida (UFS) Eccia Alécia Barreto (UFS)

Introdução No português brasileiro há várias pessoas que simplesmente falam diferente das regras prescritas pela norma culta (cf. FARACO, 2008), o que gera a noç~o do “certo” versus “errado”. Entretanto, considerando a heterogeneidade da língua, observando que a língua muda porque varia e que tais mudanças podem ser observadas no interior das diferentes comunidades de fala, condicionadas por fatores de natureza linguística e social (cf. LABOV, 2008), não abordaremos a noç~o de “errado”, mas de variedades, variantes ou variações linguísticas. A variação linguística pode ocorrer nos níveis sintáticos, lexicais e fonológicos. Um exemplo no nível fonológico é quando há a troca do R pelo L, ou seja, uma letra pela outra em encontros CCV, ao falarem, por exemplo: chicrete, pranta, frauta, probrema. Assim, ao perceber essa situação, e dependendo do nível de compreensão e consciência dos interlocutores, esses iriam logo “zombar” ou apelidar alguém (cf. BAGNO, 2009). As pessoas que falam ou escrevem “frauta”, “prástico”, “ingrês”, “crínica”, “grobo” sofrem estigmatização por parte da sociedade, pois as variantes que fogem a norma de prestígio são vistas como marcadores sociais de pobreza, ou melhor, são ligadas às classes desprestigiadas da sociedade. No entanto, faz-se necessário compreender que o que ocorre com o falante é um fenômeno fonológico/linguístico, a saber: rotacismo. Assim, é possível considerar não, simplesmente, como um “erro”, mas como uma das variações linguísticas do português brasileiro. O rotacismo pode ocorrer em dois contextos silábicos: no ataque complexo, como, por exemplo, na realização padrão de estilo CCV, como em claro por craro, ou na coda silábica, como, por exemplo, a realização de desculpa por discurpa, como podemos observar na figura 1.

122 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO Figura 1: Quadrinho de Chico Bento (Maurício de

Sousa) Copyright © 2009. Maurício de Sousa Produções LTD. Todos os direitos reservados.

Neste trabalho, encontramos apenas o rotacismo no ataque complexo: a neutralização de uma líquida lateral /l/ pela alternância de uma líquida vibrante /r/, nos grupos consonantais do tipo CCV, em que C significa “consoante” e V significa “vogal”, seguindo a terminologia de Bortoni-Ricardo (2004), e o rotacismo que sofre uma supressão da vibrante na realização do grupo consonantal, ou seja, [r] ~ø, como, por exemplo, globo > grobo por gobo ou placa > praca por paca. Segundo Gomes e Souza (2012, p.76 apud MOLLICA; BRAGA, 2012), o apagamento do [r] não parece ser tão estigmatizado quanto o ataque complexo. Historicamente, a substituição lateral e o pagamento da vibrante situam-se numa matriz de mudanças de sons consonantais que tinha como resultado um som mais fraco ou seu cancelamento (sonorização de consoantes surdas, redução de consoantes longas, oclusivas passando a fricativas, quedas de /d/, /g/ e /l/ intervocálicas ). O enfraquecimento consonantal, ou lenição, ocorre quando uma consoante é produzida com um grau mais relativamente fraco de esforço muscular e força respiratória (cf. CRYSTAL 1988, p. 157 apud MOLLICA; BRAGA, 2012, p. 76). Alguns gramáticos também atribuem o apagamento da vibrante a um processo de dissimilação, devido à presença de outra líquida na sílaba. Nos estudos de Mollica e Paiva (1991 apud COSTA 2006, p.61), “trata-se de um processo de dissimilação presente na história do nosso idioma e permanente no sistema enquanto deriva”. Para as autoras, o rotacismo no ataque complexo nos grupo consonantal CCV e o rotacismo com dissimilação ou supressão nos grupos consonantais constituem mecanismo de abrandamento fonético e estão intimamente ligados. Ilustraremos o rotacismo que sofre supressão na figura 2.

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Figura 2: Supressão no grupo consonantal, R > 0 (Retirado do banco de dados da própria pesquisa)

Esse fenômeno é estudado sobre as perspectivas históricas, fonológicas e sociológicas, analisamos também propostas curriculares pedagógicas, isto é, os Parâmetros Curriculares para o Ensino de Língua Portuguesa – PCNs (BRASIL, 1998), os quais ressaltam a necessidade de uma educação em língua materna com base na heterogeneidade linguística, no entanto percebe-se na prática que essas propostas ainda são pouco utilizadas no cenário educacional. O presente estudo objetiva verificar a influência da neutralização dos traços distintivos dos fonemas /l/ pelo /r/ alveolares (da fala) na escrita de alunos do ensino fundamental I de duas escolas públicas da cidade de Ribeirópolis/SE – uma localizada na zona rural a outra na zona urbana –, para corroborar que diferença linguística não significa “deficiência”, e com isso, verificar como a variaç~o linguística é abordada nas escolas e o grau de monitoramento dos alunos em relação ao uso das variantes trabalhadas, diante de 124 XII SEMANA DE LETRAS

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estímulos auditivos e visuais. Para averiguar a influência da fala na escrita e das variáveis linguísticas e extralinguísticas na efetuação ou não do rotacismo, seguiremos os pressupostos teórico-metodológicos da sociolinguística variacionista (LABOV, 2008[1972]). Traremos também contribuições teóricas de Faraco (2008), Bagno (2009; 2010), Bortoni-Ricardo (2004) e Mollica (1998; 2012).

Rotacismo e suas perspectivas O fenômeno estudado vem de um processo histórico, de línguas românicas, cuja raiz é o latim vulgar, em que se tinha, por exemplo, clavu, duplu, sclavu, flaccu, obligare, placere e plumbu que se transformaram, com o passar do tempo, em cravo, dobro, escravo, fraco, obrigar, prazer e prumo. Portanto, o fenômeno do rotacismo é um prosseguimento natural de tendência histórica em transformar o R ao invés de L, em encontros consonantais, por isso continua intenso e atuante no vocábulo das pessoas, pois é inerente à língua. Muitas dessas palavras estão documentadas em textos históricos da língua portuguesa, como, por exemplo, na obra de Camões, Os Lusíadas (1572), no período renascentista (cf. BAGNO, 2010). No quadro abaixo, poderemos ver alguns versos desse poema épico que contém a troca dos traços distintivos: Quadro 1: “Camões também falava ingrês” (BAGNO, 2010, p. 217) “E n~o de agreste avena, ou frauta ruda” (canto I, verso 5) “Doenças, frechas e trovões ardentes” (X, 46) Era este ingrês potente” (VI, 47) “Nas ilhas de Maldiva nasce a pranta” (X, 136) “Pruma no gorro, um pouco declinada” (II, 98) “Onde o profeta jaz, que a lei pubrica” (VIII, 34)

Quanto à perspectiva fonológica, consoante Cox e Assad (1999), o R e o L são muito semelhantes, pois ambas são realizadas dentro da boca, ou seja, a ponta da língua toca os alvéolos dos dentes, por isso a facilidade da troca de um pelo outro. No entanto são fonemas distintos no português, uma vez que, de acordo com o princípio da comutação, há pares mínimos idênticos ou análogos de palavras, assim a troca de /l/ por /r/ pode implicar em mudança de significado, como, por exemplo, no caso das palavras “mal” e “mar” (cf. ASSAD; COX, 1999). Mas, no que se refere ao rotacismo, a troca do R por L, não altera a significação da palavra - o traço semântico -, pois a alteração será, somente, no nível fonológico. Já nos estudos sociológicos, segundo Bagno (2010), em qualquer sociedade humana, existe sempre um grupo de pessoas que acredita ser seu falar mais bonito ou mais certo do que o do outro grupo que compõe aquela comunidade. Mesmo assim, a variação linguística 125 XII SEMANA DE LETRAS

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está ligada as atividades cotidianas do ser humano, todavia se manifesta de maneiras distintas e está vinculada aos fatores sociais, culturais e políticos no ato da interação verbal. Sendo assim, numa sociedade que quer ser verdadeiramente democrática, é preciso conhecer, descrever, denunciar e combater os componentes do senso comum que funcionam como repressores da liberdade individual e coletiva, como instrumentos de discriminação social, de humilhação, de opressão psicológica e até mesmo de violência física. (BAGNO, 2010, p. 81)

Na visão preconceituosa dos fenômenos da língua, a alternância de L em R nos encontros consonantais, como em “pranta”, “frauta”, “chicrete”, “simpres”, “fror” “é fortemente estigmatizada e {s vezes considerada até um sinal do “atraso mental” das pessoas que falam assim” (BAGNO, 2009, p. 40). Deste modo, se um falante pronuncia “pranta” ao invés de planta, “framengo” em lugar de flamengo, é caracterizado como pertencente a camadas sociais desprestigiadas, marginalizadas, que não tem acesso à educação da escola. Em consequência disso, sua linguagem é tida como “feia”, “pobre”, quando, na verdade, é só uma forma diferente de falar, a qual se difere da que é ensinada na escola (BAGNO, 2009).

Quando o rotacismo chega à escrita A linguagem oral influencia diretamente na escrita de crianças dos anos iniciais do ensino fundamental, isto é, em todo o processo de aquisição da tecnologia da escrita alfabética. Isso ocorre porque os alfabetizandos acreditam que a língua portuguesa é sempre biunívoca33, conforme os estudos de Mollica (1998). De acordo com a referida autora, embora a escolarização seja responsável pelo processo de autocorreção natural, uma metodologia que utilize estratégias definidas pode reduzir a influência do processo de variações fonológicas, a exemplo do rotacismo, na alfabetização e, consequentemente, antecipar a solução de problemas de aprendizagem que podem persistir durante todo o ensino fundamental e médio. Embora a conscientização e a instrução explícita condicionem notavelmente o processo de correção, as propostas didático-pedagógicas também devem se adequar ao grau de escolaridade, à faixa etária e à maturidade do aprendiz, visto que os estudos sociolinguísticos vêm evidenciando que os alunos do 1º e 2º anos não são sensíveis a um comando explícito sobre a influência da fala na escrita. É preciso assimilar inúmeras regras. Nesse momento, o alfabetizando ainda está assimilando a relação fonema/grafema, processo suficientemente complexo. 33Correspondência

entre grafema e fonema, isto é, um grafema para cada fonema e vice-versa. Escrever da mesma forma em que se fala.

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Ainda de acordo com Mollica (1998), é por meio dos estudos linguísticos que percebemos a dicotomia: mudança x prestígio. Assim, a escola tem o papel de refrear ou retardar o fluxo natural de uma mudança, por isso convém compreender que uma pedagogia da variação linguística tem como propósito analisar os aspectos envolvidos numa metodologia mais eficaz do ensino do português como uma língua materna que considere exclusivamente a heterogeneidade da língua e se fundamente em descrição sociolinguística, tipicamente variacionista, das modalidades orais e escritas. Na mesma perspectiva de Mollica (1998), a autora Bortoni-Ricardo (2004) oferece aos professores os instrumentos de análise adequados para lidar com as regras características das variedades estigmatizadas, bem como procura conscientizá-los de que as diferenças linguísticas n~o s~o “erros”, mas sim formas diferentes de usar os recursos potencialmente presentes na própria língua. Segundo a autora, é necessário enfatizar as tendências imanentes da língua para incentivar os professores a assumir a convicção de que os chamados ‘erros’ que nossos alunos cometem têm explicação no próprio sistema e processo evolutivo da língua, portanto, podem ser previstos e trabalhados com uma abordagem sistêmica (BOTORNIRICARDO, 2004). Nessa perspectiva é papel do professor ensinar aos seus alunos que não existe forma “certa” ou “errada” de falar, mas sim, formas adequadas aos diferentes meios comunicativos. O educador deve pautar-se no seu ensino da heterogeneidade da língua, haja vista que o aluno que fala “pranta” ao invés de “planta” sofre “preconceito linguístico” na escola (cf. BAGNO, 2009), por isso certamente no futuro ele sentirá vergonha do modo como fala seus familiares, se desvalorizará e assim o conduzirá ao fracasso. A aplicação desse modelo em sala de aula representa, sem dúvida, uma promessa de renovação das práticas pedagógicas de educação em língua portuguesa, pois, por meio dele, procura-se eliminar as “deficiências” dos modelos teóricos convencionais que se fixavam somente num ou em outro desses contínuos e que analisavam dicotomicamente os fenômenos linguísticos pelo viés do preconceito social presente na ideologia normativo-prescritiva. No mercado linguístico diferença é “deficiência”, cabe { escola permitir ao aluno o acesso a regras linguísticas prestigiadas e ao maior número possível de recursos linguísticos para que possam adquirir uma competência comunicativa ampla e diversificada, sem desvalorizar sua própria variedade linguística, adquirida nas relações sociais de sua comunidade. Decerto, o ponto fulcral na teoria de Bortoni-Ricardo (2004), no plano teórico é a proposta de um instrumental de análise das variedades linguísticas brasileiras, composto por três contínuos: o contínuo rural-urbano, o contínuo de oralidade-letramento e o contínuo de 127 XII SEMANA DE LETRAS

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monitoração-estilística. E para explicarmos o fenômeno do rotacismo, utilizaremos neste projeto o contínuo de urbanização segundo Bortoni-Ricardo (2004, p. 52), como identificou na figura 3. Figura 3: Contínuo da urbanização (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 52). Variedades Área rurbana Variedades urbana rurais isoladas padronizadas

Neste contínuo, a autora cita que na ponta esquerda estão as variedades rurais geograficamente isoladas. No meio a área rurbana, pois é formada pelos migrantes de origem rural que preservam muito seus antecedentes rurais, principalmente, a sua bagagem linguística e as comunidades periféricas que estão submetidas à influência urbana. Na ponta direita, as variedades urbanas que recebem a maior influência dos processos de padronização linguística. Conforme Bortoni-Ricardo (2004), o rotacismo é um fenômeno bastante encontrado em falares rurais e rurbanos e, às vezes, até em falares urbanos. Preferimos classificar o rotacismo “como um traço descontínuo, considerando que esse fenômeno é muito estigmatizado na cultura urbana” (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 51-54). Neste sentido, segundo Bortoni-Ricardo (2004), é necessário compreender e ter consciência de que variantes linguísticas são diferenças faladas pela população do mesmo país, portanto não se pode rotulá-las de “erros”, visto que a língua é totalmente heterogênea; não podemos fomentar o preconceito linguístico, pois o português falado em um estado ou região nunca será superior ou inferior a outro.

“Que caminhos seguir?”: procedimentos metodológicos Para a investigação desta pesquisa, os alunos foram convidados a participar de três métodos, com 10 vocábulos lexicais, a saber: flecha, blusa, placa, flamengo, clipes, planeta, flor, bicicleta, planta e flauta. No primeiro método, teste oral, os discentes eram convidados para testar o estímulo visual; o aluno, individualmente, respondia oralmente qual era o nome da imagem, sendo que as palavras destacadas eram substituídas pelas suas respectivas figuras, para que eles fizessem o reconhecimento semântico e fonológico. No segundo método, a turma recebia um questionário, contendo as mesmas figuras do teste oral. Neste, eles eram levados a escrever os nomes das imagens para testarmos o visual/escrito. Nossa finalidade era avaliar se a resposta oral influenciava na resposta escrita; definimos esse método como 128 XII SEMANA DE LETRAS

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ditado mudo. Já no terceiro e último método, ditado oral, enunciando palavras com a variável em estudo (as palavras sempre eram realizadas com a variante padrão, ou seja, /l/), as quais deveriam ser escritas pelos alunos (estímulo oral e resposta escrita). Diante dos métodos apresentados, nosso corpus é constituído de 220 amostras, de aluno do 1º e 5º anos, do Ensino Fundamental, de duas escolas, a saber: uma situada na zona rural e a outra na zona urbana, Escola Municipal João José de Mendonça e Escola Edezuíta Araújo Noronha, respectivamente, da cidade de Ribeirópolis/SE. A Escola Municipal Jo~o José de Mendonça est| localizada no povoado Lagoa D’ Água, localizada no centro do povoado próximo à igreja. Possui 61 alunos matriculados, mas só frequenta 58, oriundos tanto da Lagoa D’ Água quanto dos povoados próximos. A Escola oferece o ensino fundamental, do pré-infantil ao 5º ano, no turno matutino, já no vespertino funciona o projeto Mais Educação. Para a composição do corpus, foram selecionados 21 alunos, dos quais 6 são alunos do 2º ano e 15 são alunos do 5º ano. Convém ressaltar que aplicamos o mesmo teste no 1º ano, contudo os alunos não conseguiram escrever o nome de objetos comuns, pois a maioria ainda não havia sido alfabetizada, portanto, desconhece completamente os encontros vocálicos. Esses alunos, segundo os professores, ainda estão em processo de decodificação dos símbolos alfabéticos (consoantes e vogais), logo não sabem unir sílabas e compor palavras. Podemos afirmar também que, às vezes, os alunos faltam na segunda feira para ajudarem seus pais agricultores na feira livre da cidade. Já, a Escola Edezuíta Araújo Noronha está localizada no centro da cidade. Foi construída a mais ou menos 30 anos e, atualmente, está passando por uma reforma para trocar os pisos e pintar as paredes. Possui 190 alunos matriculados, mas 3 não frequentam, tais alunos são oriundos tanto da cidade quanto da zona rural. A Escola oferece o ensino fundamental, do pré-infantil ao 5º ano, no turno matutino, já no turno vespertino funciona o projeto Mais Educação. Para a composição do corpus, foram selecionados 34 alunos, dos quais 15 são alunos do 1º ano e 19 são alunos do 5º ano. Depois de caracterizarmos o nosso corpus, partimos para a tabulação dos dados que foram submetidos à categorização em função da variável dependente /l/ ou /r/ e das variáveis independentes: identidade local (cidade/povoado), série (1º e 5º ano), sexo (masculino e feminino), estímulo/resposta (visual/oral; visual/escrito e oral/escrito) e o tipo de vocábulo. Após a categorização, os dados foram submetidos à análise estatística do programa GoldVarb X (SANKOFF; TAGLIAMONTE; SMITH, 2005). Os resultados são discutidos a seguir.

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Resultados e discussões Nesta seção apresentaremos os resultados da nossa pesquisa referente à atitude linguística de estudantes do ensino fundamental menor, como também as possíveis discussões a cerca do rotacismo na escola da rede pública de ensino de Ribeirópolis/SE, com a finalidade de corroborar as hipóteses anteriormente levantadas. As ocorrências foram codificadas de acordo com o tipo de diagnóstico e fatores sociais (zona e sexo)34 . Vale ressaltar que as interpretações dos dados são feitas pelo pesquisador, pois as an|lises estatísticas “s~o apenas ferramentas para a manipulaç~o dos dados” (VALLE, 2001, p. 59).

Diagnóstico oral: fala De acordo com o primeiro método, o teste oral (gravação), tem-se: Gráfico 1: Aplicação da variante padrão /l/ em função do sexo

Com relação a variável sexo, obtivemos 502 dados. Os resultados cotejados no gráfico 1 apresentam para o sexo masculino 53% e para o sexo feminino 47%. Portanto, ficou comprovado que o sexo masculino utilizou mais a variante padrão /l/, enquanto que o sexo feminino utilizou mais o fenômeno do rotacismo. Dessa análise, podemos ressaltar que não corroboram com os pressupostos teóricos de Mollica (2000) e nem com a hipótese levantada nesta pesquisa. Dessa forma, os resultados obtidos refutam a hipótese inicial, dentro da variável sexo, de que os indivíduos do sexo feminino tenderiam a usar a forma mais padrão e os do sexo masculino recorreriam à forma não padrão. Haja vista, como já havíamos citado anteriormente, as meninas serem mais sensíveis ao uso de formas linguísticas padrão do que os meninos, os quais são mais sensíveis ao uso de formas linguísticas não padrão. Portanto, como a fala é espontânea e rápida, 34Depois

da rodada do GoldVarb X o fator escolaridade foi excluído, pois não foi significativo.

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assim, essas meninas podem ter ficado intimidadas pela presença de um gravador, por isso não conseguiram monitorar o uso da língua. Gráfico 2: Aplicação da variante padrão /l/ em função da localidade

No gráfico 2 obtivemos 501 dados. Constatamos que a zona urbana apresentou maior incidência da variante padrão /l/, com 62%, já a zona rural apresenta maior tendência ao uso da variante não padrão, com percentual de 38% (valor referente a variante padrão). Esse fato comprova-se através do contínuo de urbanização proposto por Bortorni-Ricardo (2004), no qual o rotacismo é um fenômeno bastante encontrado em falares, rurais e rurbanos – formado pelos migrantes da zona rural e comunidades periféricas influenciadas pela zona urbana -, às vezes, até em falares urbanos padronizados.

Ditado mudo Adiante, com o segundo método, o ditado mudo, percebemos: Tabela 1: Aplicação da variante padrão /l/ em função da zona

IDENTIDADE LOCAL Urbano Rural Total

APLIC./TOTAL 277/309 97/192 374/501

PERCENTUAL 89,6% 50,5% 74,7%

PESO RELATIVO 0.69 0.21 -

Na tabela 1 obtivemos 501 dados. Desses dados apareceram 374 ocorrências da variante padr~o /l/ e 127 ocorrências do rotacismo /ɾ/. Constatamos que a zona urbana apresentou maior incidência do /l/ com a porcentagem de 89,6% e peso relativo 0,69, enquanto a zona rural apresentou maior tendência ao rotacismo, com porcentagem de 50,5% e peso relativo 0,21. Nessa comparação, os dados obtidos da tabela 1 corroboram os pressupostos teóricos de Bortoni-Ricardo (2004), no contínuo de urbanização os habitantes da zona urbana, uma vez que tem maior acesso aos meios de comunicação de massa, utilizam 131 XII SEMANA DE LETRAS

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mais a norma padrão e as práticas sociais de uso da escrita, adquirem mais rapidamente a linguagem próxima da norma gramatical do que os residentes na zona rural. Tabela 2: Aplicação da variante padrão /l/ em função do sexo

SEXO Feminino Masculino Total

APLIC./TOTAL 211/250 175/252 386/502

PERCENTUAL 84,4% 69,4% 76,9%

PESO RELATIVO 0.60 0.39 -

Na tabela 2 obtivemos 502 dados. Desses dados apareceram 386 ocorrências da variante padr~o /l/ e 181 ocorrências do rotacismo /ɾ/. Averiguamos que o sexo feminino apresentou maior incidência do /l/ com a porcentagem de 84,4% e peso relativo 0,60, enquanto o sexo masculino apresentou maior tendência ao rotacismo /ɾ/ com porcentagem de 69,4% e peso relativo 0,39. Nessa comparação, os dados obtidos da tabela 14 vão de encontro aos pressupostos teóricos de Mollica (1998), a qual constata que as meninas são mais sensíveis ao uso de formas linguística padrão do que os meninos, os quais são mais sensíveis ao uso de formas linguísticas não padrão. Em outras palavras, no diagnóstico do ditado mudo, os meninos utilizaram mais o fenômeno do rotacismo do que as meninas.

Ditado oral Já no último e terceiro método, o ditado oral, apresentamos: Gráfico 3: Aplicação da variante padrão /l/ em função do sexo

De acordo com os dados cotejados no gráfico 3, a variável sexo apresenta 41% para o sexo masculino e 59% para o sexo feminino. Portanto, ficou comprovado que o sexo masculino utilizou mais o fenômeno do rotacismo, no ditado oral, enquanto que o sexo feminino fez mais uso da variante padrão /l/. Como já havíamos citado anteriormente, através de Mollica (1998), ficou comprovado que as meninas são mais sensíveis ao uso de formas 132 XII SEMANA DE LETRAS

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linguísticas padrão do que os meninos, os quais são mais sensíveis ao uso de formas linguísticas não padrão. Gráfico 4: Aplicação da variante padrão /l/ em função da localidade

Com relação a variável localidade geográfica, de acordo com os dados obtidos no gráfico 4, observamos que a aplicação da variante padrão /l/ foi mais recorrente nos discentes moradores do povoado, com um percentual de 70%. Assim, a zona urbana utiliza menos a variante padrão /l/ no ditado de palavras. Dessa forma, os resultados obtidos refutam a hipótese inicial, dentro do contínuo de urbanização, de que os indivíduos da cidade tenderiam a usar a forma mais padrão e os do povoado recorreriam à forma não padrão. Em suma, a maioria das hipóteses levantadas foi confirmada, pois ainda há no município de Ribeirópolis/SE a variável estigmatizada, intitulada rotacismo. A variação linguística é ainda mal interpretada pelas escolas que ainda ensinam na base do certo x errado. Na escola da zona urbana, os dados mostram que a maioria dos alunos opta pelo uso da variante padrão, isso pode ser explicado pelo fato de que, mesmo esses alunos terem contado com a variante não padrão, a atuação do professor na escola barra a variante estigmatizada, porém a supressão do rotacismo /r/ > /0/ é pouco encontrada pelos alunos, que estão aprendendo a escrever. Já na escola da zona rural, os alunos optaram mais pelo uso da variante /r/ e /r/ > /0/, esse fato se explica porque a maioria são filhos de agricultores analfabetos ou de baixa escolaridade e usuários da variante estigmatizada, esses alunos usam a variante que ouvem mesmo estando em contado com o ambiente que trabalha a norma padrão. Tendo em vista os resultados obtidos ao longo desta pesquisa, levantamos no capítulo a seguir as nossas considerações finais.

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Considerações finais A partir do exposto, entendemos que na maioria dos métodos propostos para essa investigação, os fatores relevantes foram à localidade geográfica e o sexo. A zona urbana é a que mais faz uso da variante de prestígio, enquanto a zona rural utiliza mais a variante estigmatizada. O sexo masculino faz mais uso do rotacismo e o sexo feminino utiliza mais a variante padrão /l/, entretanto no teste oral (fala), os meninos utilizaram a variante padrão mais do que às meninas. Com base nos nossos resultados, as hipóteses levantadas foram confirmadas, pois ainda é constante o uso da variável estigmatizada no município de Ribeirópolis/SE. As escolas ainda ensinam na base do certo x errado. Na zona urbana, os dados mostram que a maioria dos alunos opta pelo uso da variante padrão, porém a supressão do rotacismo /r/ > /0/ é encontrada pelos alunos cujos estão aprendendo a escrever. Já na zona rural, os alunos optaram mais pelo uso da variante /r/ e /r/ > /0/ estigmatizada, esses alunos usam a variante que ouvem mesmo estando em contado com a escola que trabalha a norma padrão. No tocante aos métodos utilizados na investigação, estamos cientes de que apresentam algumas limitações, o corpo de análise é pequeno, tivemos um período curto para desenvolvê-lo, algumas figuras provocaram duplo sentido, por exemplo, planeta – mundo; blusa – vestido; planta – árvore; clipes – pregador. Mostramos também que o rotacismo é um fenômeno carregado de estigmas, por isso os falantes que pronunciam “pranta”, “pobrema”, “simpres”, “chicrete”, “frores”, “brusas” s~o “discriminados” pelos falantes que n~o utilizam esse fenômeno. Porém, se quisermos pensar em uma educação baseada na heterogeneidade da língua, devemos desmistificar e desfazer o rótulo de “erro” dado a este fenômeno e a tantos outros, que fujam dos padrões impostos pela gramática normativa. Assim, esta pesquisa pretende contribuir para o ensino de língua portuguesa, partindo do “combate” ao preconceito linguístico, de forma a conscientizar alunos e professores que é necessário respeitar as variedades linguísticas.

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HERÓI OU VILÃO? NGUNGUNHANE, O ULTIMO IMPERADOR DE GAZA, EM UALALAPI (1987) DE UNGULANI BA KA KHOSA Claudio Silva Peixoto (UNILAB)

Introdução A obra literária Ualalapi, do escritor moçambicano Ungulani Ba Ka Khosa, oportuniza aos leitores visões amplas, históricas e ficcionais, do imperador Ngungunhane, sob fortes comprovações documentais de pessoas próximas que de alguma forma fizeram parte da vida dele, no final do século XIX: o português Ayres d´Ornellas e o suíço Dr. Liengne. E relatos de personagens irreais que viviam na corte: Malule, Ciliane e o neto de Simapunga. O escritor utilizou do contexto histórico real, a guerra contra Ngungunhane em 1895 e sua prisão no mesmo ano pelo oficial Mouzinho Albuquerque. O presente artigo tem como arcabouço as obras: O herói de Flávio Kothe (1987); Em louvor de anti-herói, de Victor Brombert (2004); Testemunha ocular: História e imagem, de Peter Burke (1937); e Metaficção historiográfica, de Linda Hutcheon (1991).

“Metaficç~o historiogr|fica” (Linda Hutcheon) e história e imagem (Peter Burke) A escritora Linda Hutcheon, em seu livro Poética do Pós Modernismo (1991), discorre sobre a metaficção historiográfica, especificamente no capítulo sétimo em metaficção historiogr|fica: “O passatempo do tempo passado”. A autora revela que a história escreve sobre a realidade sob o ponto de vista da observação, os quais os textos do passado se relacionam com a ficção e se completam. Hutcheon acredita que o modo de escrever e contar sobre o passado, não mais passa tão somente pelo viés de um simples romance histórico, mas por algo que possa ser questionado. Usa-se a história e o contexto histórico para fazer questionamentos e reflexões, se em tal fato existe veracidade ou não na história em suas muitas performances. A metaficção histórica se aproveita das verdades e das mentiras do registro histórico para inserir novos conceitos e alegorias, conforme a cultura e ideologia, para criar mecanismos dentro da narração que possa de forma ficcional, colocar em questão as verdades e mentiras: A metaficção histórica, por exemplo, mantém a distinção de sua auto representação formal e de seu contexto histórico, e ao fazê-lo problematiza a própria possibilidade de conhecimento histórico, por que aí não existe conciliação, não existe dialética,

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO apenas uma contradição irresoluta [...] No entanto desde, então muitos historiadores utilizam as técnicas da representação ficcional para criar versões imaginárias de seus mundos históricos e reais. (HUTCHEON, 1991, p.142).

Peter Burke (1937), historiador inglês, em sua obra Testemunhos oculares: História e imagem, revela que as imagens são importantíssimas para o entendimento da história, bem como para as formas de agir e de ser da sociedade. Segundo ele, as imagens são linguagens não verbais as quais podem traduzir fatos e acontecimentos tal qual um documento escrito. As mesmas não se traduzem apenas em apresentar períodos de uma época, mas simbolizam autenticamente os contextos sociais que elas foram produzidas por cada período da humanidade. Para Burke, “[...] as imagens, assim como textos e testemunhos orais, constituem-se numa forma importante de evidência histórica. Elas registram atos de testemunho ocular”. (BURKE, 2004, p.17).

Teorias do herói (Flávio Kothe) e do anti-herói (Victor Brombert) A figura mítica do herói é algo que acompanha o homem desde os primórdios. Acentua-se com maior ênfase no período clássico (Grécia) o qual o herói situava-se em uma esfera intermediária entre os deuses e os homens os quais os simples mortais veneravam outros mortais “heróis” que através da bravura, honra, determinação, notoriedade, excelência, virtude e coragem erguiam-se diante de si mesmos veneração e reconhecimento por parte dos homens. O herói na era clássica tinha como objetivo proteger as pessoas da maldade dos outros, como se fosse um patriarca que prove as necessidades e protege sua prole dos maus feitores. Flávio Kothe, em O Herói (1987), discorre sobre as nuances que envolvem o protagonista, com exemplos de diversas obras literárias sobre a questão do herói e, sobretudo seu papel nas mudanças e sistemas de classes dominantes e dominadas nos contextos sociais. Ele menciona que o herói é influenciado pelo sistema dominante da época, seja ele das classes mais abastadas ou das menos favorecidas socialmente. Na medida em que o herói identifica-se com a vida real, transmitindo aquilo que as pessoas sentem e almejam, ele se torna mais popular e grandioso, pois cria laços com seus fãs e admiradores. Segundo Kothe (1987) a construção do herói dependerá da época e da visão da sociedade, bem como do poder da classe dominante: Tentar reproduzir a sociedade apenas seguindo a fachada construída pelos interesses dominantes seria desconhecer a sua estrutura interior, aos seus fundamentos e os mecanismos de acordo com os quais ela funciona. Torna difícil entender a tese sublime à trivialidade de direita, à medida que o alto se afirma como elemento elevado ás custas do rebaixamento do baixo. (KOTHE, 1987, p. 85).

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Kothe (1987) esclarece que o herói é classificado sob duas perspectivas: O ‘alto' e o ‘baixo' da sociedade se operacionalizam e se entrecruzam de v|rios modos na literatura. Tendem a ecoar a natureza fazendo o alto aparecer como elevado e o baixo como inferior, mas isto corresponde à própria possibilidade de a classe dominante dominar ideologicamente a sociedade. (KOTHE, 1987, p.6).

O autor revela que existem vários tipos de significados do que seria o herói de fato. Para uns, um vilão, para outros, um herói, mesmo que ele tenha atitudes grotescas e até mesmo cruéis: Não há grande obra de arte que não una os contrários. O herói trágico é um carvalho em que caem os decisivos raios do destino; o herói épico é o grande pinheiro indicador dos caminhos da história: nenhum deles tem a sabedoria dos caniços. O pícaro é o caniço que se dobra aos ventos para conseguir sobreviver. Nele o que pensa é o estomago. Ele tem a pouca dignidade daqueles que sempre têm o suficiente para comer, mas em sua dignidade sem indignação ele revela a pouca dignidade daquilo que pretende ser digno e superior na sociedade. (KOTHE, 1987, p.14).

Para Kothe, a literatura destina-se basicamente para a classe alta o qual pressupõe que distorções de identidade e realidade no que concerne o ser herói poderá ser manipulada de forma a criar negatividade ou endeusamento do mesmo: Se a parte mais elevada da literatura se destina basicamente à classe alta, então enquanto a parte mais trivial vai para a classe baixa, antão a literatura - como a narrativa em geral- desempenha fundamentalmente um papel de legitimar a estrutura vigente e de fazer com que ela funcione mais azeitada. (KOTHE, 1987, p.86).

Victor Brombert na obra Em louvor de anti- heróis (2004) revela uma série de questionamentos do que de fato seria o herói. Um deus? Semideus? Ou pessoas que em um dado momento da história tiveram que fazer escolhas que mudariam suas vidas e até mesmo o destino da humanidade? Os heróis do passado eram associados às figuras míticas lendárias, que estavam acima dos simples mortais. A sociedade conceitua o anti-herói como algo desprezível e sem bravura, t~o pouco honra. “Anti-herói é amiúde um agitador e um perturbador” (BROMBERT, 2004, p, 15). O anti-herói no sentido comum da palavra é o inverso do herói desprovido de bravura, honra moral e de feitos grandiosos. Carrega consigo o inverso do bem, mas por sua vez se assemelha naturalmente ao homem, um ser cheio de falhas e imperfeições. Para tanto, ele não é um ser bestial ou desumano, mas sim alguém que carrega em suas estruturas de formação humana características herdadas pelos sistemas sociais e culturais, aos quais foi submetido em determinadas eras: Esses personagens n~o s~o totalmente “fracassos”, nem est~o desprovidos de coragem; simplesmente chamam a atenção por suas características ajudarem a subverter, esvaziar o contestar de imagem do ideal. ((BROMBERT, 2004, p, 15).

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Brombert questiona-se sobre os aspectos do anti-herói já que os mesmos são conceituados como fracos, incompetentes, humilhados, inseguros, descaracterizando-o de toda e qualquer bravura ou honra, mas por outro lado, eles são capazes de demonstrar solidez e uma força descomunal diante das situações.

Moçambique, disputa de poder nos tempos do último imperador das terras de gaza (Ngungunhane) O Império das terras de Gaza, no reinado de Ngungunhane abrangia, toda a área costeira entre os rios Zambeze e Maputo o qual a capital de Gaza era Mandlakasi. Gaza está localizada autalmente no sul de Moçambique. Ngungunhane governou a região por onze anos (1884-1895). Durante seu reinado, Moçambique era cobiçado por ter em suas terras grandes jazidas de diamantes e pontos geoestratégicos. Grã-Bretanha por sua vez tinha grandes interesses em se apropriar do comercio e de estratégias políticas em Gaza.

35Portugal

e Grã-

Bretanha disputavam freneticamente o poder para a conquista e dominação definitiva de Gaza o qual o governador da região intitulava-se Ngungunhane e agia sob acordos com a GrãBretanha. “Portugal por sua vez recebeu um Ultimatum em 1890 para deixar as terras de gaza” (SANTOS, 2007, P.163 e 168). Ngungunhane estreitava cada vez mais as relações entre a GrãBretanha. De maneira independente fechou acordos e autorizou expedições em Gaza no ramo de minério de diamantes e permiss~o para conduç~o ao mar. “Ngungunhane recebeu em troca pagamento de taxa anual como concessão e 1000 espingardas bem como munição, cerca de 20000 cartuchos”. (SANTOS, 2007, p.170). Contudo Portugal n~o concordou com as decisões tomadas por Ngungunhane em fechar acordos com seu rival inimigo e tomou medidas enérgicas para se livrar do último imperador de Gaza. Em 1895 o exército português pilhou e incendiou Mandlakasi, capital do império de Ngungunhane que foi detido e humilhado por Mouzinho de Albuquerque. (CABAÇO, 2009, p.64). Em 28 de dezembro de 1895 Ngungunhane perdeu seu título e virou prisioneiro de guerra juntamente com seus filhos herdeiros, suas mulheres. Em Lisboa o ex-imperador desfila em cortejo nas ruas sendo xingado e observado pela multidão. Ngungunhane é exilado na Ilha Terceira dos Açores em Angra do Heroísmo em 1896 recebendo o batismo cristão o qual também foi alfabetizado. Em 23 de Dezembro de 1906 Ngungunhane morre de 35Cerca

de 1520, o povo Nguni, um ramo dos zulus, penetra no sul de Moçambique e coloniza os Chopes, os Tsongas, os vandaus e os bitogas. Sochangane, denominado mais tarde de Manukuse, se torna o primeiro rei de Gaza e morre por volta de 1858. Um de seus filhos, Mawewe, usurpa o poder que é reconquistado pelo legítimo herdeiro, Muzila, pai de Mundungazi (Ngungunhane), nascido em 1850. Este também consegue o trono de forma violenta. (PÉLISSIER, 2000, p. 119-128).

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decorrência de problemas cardíacos em Angra do Heroísmo. Em 15 de junho de 1985 os restos mortais do último imperador das terras de Gaza é entregue em uma urna de madeira para a República Popular Moçambicana na era do governo Samora Machel (1985). Ngungunhane era um imperador de condutas excêntricas e poder tirano seguia as tradições de seus antepassados para subir ao trono. Utilizou de forma violenta para a atingimento de seus objetivos, mandou matar seu irmão e herdeiro legítimo ao trono o qual Ngungunhane assume o poder e intitula-se rei das terras de Gaza (1884-1895).

Ngungunhane: herói ou anti-herói Na obra literária Ualalapi de Ungulani Ba Ka Khosa o autor reuniu através do seu contexto literário uma série de apontamentos que dimensionam o personagem principal “Ngungunhane”, o último imperador das terras de Gaza o qual no período do governo Machel em Moçambique (1933-1986) o intitulou como herói nacional por ter enfrentado o poder colonial português na era de seu governo nas terras de Gaza (1884-1895). A obra em si questiona a figura mítica do herói Ngungunhane. O último imperador durante sua trajetória realizou várias ações que o denota como um tirano, um rei cruel que em seu reinado provocou de forma maléfica vários sofrimentos e tragédias na vida das pessoas, tanto de seus inimigos como daqueles que estavam sob sua proteção, os súditos. Com a morte do rei Muzila, o filho Mundungazi se intitulou rei de todas as terras de gaza passando a ser Ngungunhane, o qual iniciou sua crueldade mandando matar seu irmão Mefamane, herdeiro legítimo ao trono. No discurso inicial o novo régulo diz: O poder pertence-me. Ninguém, mas ninguém poderá tirar-mo até a minha morte. [...] Eu serei temido por todos, por que não me chamarei Mundungazi, mas Ngungunhane, tal como essas profundas furnas onde lançamos os condenados à morte! O medo e o terror ao meu império correrão séculos e séculos e ouvir-se-ão em terras por vocês nunca sonhadas! Por isso meus guerreiros, aguçai as lanças. (KHOSA, 2013, p.23-24).

Ngungunhane assim como seus antepassados reinou sob a forma rígida e muitas vezes cruel. O autor da obra Ualalapi, utiliza-se de instrumentos e personagens da vida real de Ngungunhane introduzindo na narrativa de forma ficcional colocando em destaque a tirania do imperador. Nos tempos do império a figura do ser herói com as qualidades inerentes que lhes cercam ficavam cada vez mais distante do rei e o império caía cada vez mais em desgraça pelas más ações e condutas da família real. A obra Ualalapi demonstra uma série de fatos ficcionais ocorridos como forma de castigar os pecados dos Nguni: Uma chuva amarela e pegajosa; o repentino aparecimento de cadáveres sem rosto e nome; o escoar do mênstruo de Damboia a manchar um rio e a matar os peixes, etc.

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO Diante desses episódios sobrenaturais, Ngungunane se revelou um homem com dupla face: vulnerável e violento, de um lado, ele agia como um sonâmbulo emagrecido e, de outro, ordenou a seu comandante semear a dor e a morte e atacar os súditos chopes. (ROCHA, 2013, p. 23).

O autor coloca em destaque um capítulo acerca do que seria o filho herdeiro de Ngungunhane e o relacionamento para com o filho: No episódio de O diário de Manua são contadas as adversidades do príncipe herdeiro que estudou no liceu de artes e oficio e retorna em navio para Lourenço Marques, em uma viagem na qual ocorreram assustadores e sobrenaturais eventos, pois ele ingeriu peixe, um alimento interdito pela sua etnia. Totalmente assimilado, o moço inicia a escrita de suas reflexões sobre o reinado despótico paterno e acentua que quando ascendesse ao trono, adotaria os costumes e práticas do homem branco. Na aldeia real, ele não consegue se adaptar, se torna um alcoólatra e é evitado pelo pai. (ROCHA, 2013, p. 23).

Um dia o príncipe herdeiro após várias horas de gritos de loucura se cala para sempre. Pela manhã avisam ao rei que o filho herdeiro estava morto e o mesmo em sua indiferença ordena para que o enterre. Em seguida volta a dormir. No episódio final de Ualalapi o autor relata os últimos momentos de Ngungunhane mediante ao seu aprisionamento em 1895 pelo exército português. Em meio a sua prisão e vendo que jamais retornaria as terras de Gaza o imperador Ngungunhane faz seu pronunciamento final para seus súditos onde reuniu em sua fala acontecimentos proféticos terríveis para aquele povo quem um dia foi governado por ele. Segundo a obra Ualalapi, o imperador não tinha princípios nem honra tão pouco bravura, perfil dos heróis da era clássica, agia sob a visão tirânica e cruel de dinastia que obteve seu lugar de destaque através da imposição do respeito pelo medo e pela opressão. Mas é fato também que muitos heróis cometeram verdadeiras barbáreis em busca de honra e glória sendo cruéis para o atingimento de seus objetivos o qual a história lhes consagrou como verdadeiros bravos e destemidos no sentido mais sublime que existe. É importante dizer ainda que os homens são criaturas humanas dotados de erros e acertos, agindo sob perspectivas e banhados de pensamentos e ações pautadas pelas regras da sociedade que lhes persegue em dados momentos no tempo e no espaço. O último imperador das terras de Gaza foi mais um a exercer seu papel diante de tempos em que a tirania e a maldade assolavam a sociedade de forma mais enérgica. Em todas as eras a figura do bem e do mal se cruzavam colocando em questionamentos as formas de agir e de pensar no que concerne viver em sociedade partilhando de emoções e sentimentos dos mais diversos possíveis.

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Ualalapi, de Ungulane Ba Ka Khosa A obra Ualalapi pode ser intitulada como uma novela, um drama, conto ou até mesmo como texto de ficção contemporânea por apresentar em sua obra contextualizações que permeiam os seguimentos literários acima citados como também ao mundo do imaginário ficcional. Contudo não se pode negar é que a obra sem dúvida vem trazer uma nova forma de se fazer contar a estória de maneira a introduzir novos mecanismos dentro da narrativa. A narrativa escrita em ordem cronológica abrange testemunhos diversos: os verbais, contados pelo velho senhor, neto de Somapunga, membro da corte, e por Malule e Ciliane, antigos serviçais reais; e os escritos por funcionários civis e militares do governo português e por um médico suíço que são personagens históricas. Os textos ficcionais e históricos foram mesclados com excertos bíblicos e máximas sobre o último imperador de Gaza. (ROCHA, 2013, p. 18).

Ungulani Ba Ka Kosa é o pseudônimo dado ao autor Francisco Esaú Cossa. Professor e escritor de Moçambique é um dos nomes mais conhecidos no país por levar o nome de sua terra contextualizando de forma política e social as questões que envolvem seu povo. Nasceu na província de Sofala em 1957. Foi também um dos fundadores da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), o qual é membro. Recebeu prêmios de reconhecimento por sua notoriedade em fazer romances, contos e estórias. Ganhou vários prêmios literários inclusive em 1990 o qual venceu o prêmio de ficção moçambicana com a obra Ualalapi e em 2002 pela mesma obra foi considerado um dos cem melhores romances africanos do século XX. A obra Ualalapi foi publicada pela primeira vez no ano de 1987 em Maputo, intitulada fragmentos do fim: A obra de Khosa, Ualalapi, visa tematicamente a questionação do passado e do presente, fazendo uma releitura das fontes históricas do século passado. O autor critica os poderes políticos, e tenta mostrar como a História pode ser mitificada para uso desses mesmos poderes. Por outro lado, há uma reflexão sobre a noção de cultura e identidade cultural, que é retrabalhada pela reabsorção de alguns modelos da oralidade e de uma certa mundividência mágo-mítica. (LEITE, 1998, p. 83).

Em seguida apresenta testemunhas oculares, fontes históricas da vida e personalidade do último imperador de Gaza. Ayres d’ Ornellas, retrata o imperador chefe de uma grande raça, fala ainda das características físicas do rei e finaliza descrevendo-o como homem inteligente com grandeza e superioridade. Fala ainda que o admira. Em seguida Dr. Liengme, fala de Ngungunhane retratando- como um ser bestial, diabólico e horrenda quando se encolerizava. Dr. Liengme finaliza dizendo que o imperador era um falso em suas políticas e que não se podia conhecer de fato a real intenção do rei devido sua duplicidade de agir e de pensar. 143 XII SEMANA DE LETRAS

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A obra é composta por 125 páginas sendo separadas em partes, denominadas fragmentos do fim 1 ao 6. Em fragmentos do fim (1), o autor fala do Ualalapi, nome de um dos guerreiros de confiança do imperador Ngungunhane. Relata ainda a morte de Muzila, pai de Ngungunhane e o assassinato de Mefemane filho e herdeiro legítimo ao trono de Muzila. Em fragmentos do fim (2) revela a morte de Mputa, um membro da guarda real que se recusou aos prazeres sexuais da primeira esposa de Ngungunhane sendo posteriormente acusando de assédio sexual. A esposa do rei por sua vez solicita ao mesmo a morte imediata de Mputa. A filha de Mputa, Domia tenta vingar-se do pai morto por Ngungunhane a qual defere um golpe de punhal na coxa direita do rei e o feri. Mediante a isso ele a estupra covardemente e manda em seguida executá-la. Em Fragmentos do fim (3) relata o sofrimento de Damboia, tia do régulo. A mulher menstrua durante meses exaustivos sem parar e morre de hemorragia. No entanto estranhos acontecimentos ocorrem na região. Mortos aparecem sem nome e sem face; chuvas pegajosas caem sem parar e os peixes do rio morrem em decorrência do sangue menstrual de Damboia, o qual contaminou as águas do rio. O cerco ou fragmentos de um cerco (4) revela a tirania e crueldade do imperador, sem justificativa alguma ele manda sitiar os chopes, e utiliza-se de estratégia de guerra militar de estilo europeia, o qual os chope desconheciam findando em massacre em massa dos chopes o qual o rei de Gaza sentiu-se feliz e regozijado com tamanha barbaria. Fragmentos do Fim (5) o diário de Manua filho herdeiro de Ngungunhane vem descrever a vida do filho do rei, que estudou e aprendeu modos europeus (Português), e sonhava em implantar cultura dos brancos em Gaza, contudo diante a indiferença e crueldade do pai o garoto se tornou alcoólatra. A loucura se fazia cada vez mais presente. Manua bebia e gritava, mas ninguém lhe o auxiliava. Em uma manhã acordaram Ngungunhane e disseram que o rapaz havia morrido e ele diz: o que? Responderam: seu filho Manua. O rei mandou enterra-lo e depois voltou a dormir. No último Fragmento do Fim (6) O imperador de Gaza vira prisioneiro de guerra pelas tropas portuguesas e em meio ao caos e incertezas do futuro e ao apupo da multidão faz seu último discurso já em navio português. Impropérios são lançados de forma profética sob as terras de Gaza. O mal chegara aos Nguni devastando seu império tendo como cartada final o seu aprisionamento pelas tropas portuguesas. Chegara o fim do último imperador de Gaza onde mandaram-no sentar-se ao chão, coisa que o mesmo detestava, mas mediante a força imposta teve que ceder. Cansado, magro, sujo e desvalido de todas as forças e coragem Ngungunhane virava refém de seus inimigos e de si mesmo pela incapacidade de gerenciamento e de zelo 144 XII SEMANA DE LETRAS

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por aqueles que eram considerados seus súditos. De certa forma a obra Ualalapi traz uma humanização ao último rei de Gaza, por mais que o imperador tenha sido um tirano sem escrúpulos ele de certa forma foi manipulado pela família. Homem sem instrução no que concerne aos estudos, tão pouco afeto pelos seus antepassados os quais traziam consigo tradição de usurpação ao trono de forma violenta e sem qualquer ressentimento. Sem dúvida ele combateu as tropas portuguesas que queriam dominar as terras de Gaza, mas utilizou do trono de forma incoerente, maldosa, violenta e cruel. Teve seu papel na história o qual se faz necessário estudar sobre sua trajetória tornando a região de Gaza foco de vários estudos científicos e literários. Contudo é preciso analisar de forma imparcial sobre a vida de Ngungunhane. Ele foi um herói? um vilão? ou parte da história das terras de Gaza? De forma brilhante e precisa Ba Ka Khosa, remonta a estória onde os personagens dão vida real a um cenário longínquo da história onde o enredo a cada página emociona e transmite algo novo a revelar e a questionar sobre a vida e o período do último imperador das terras de Gaza.

Considerações finais O escritor moçambicano, autor de Ualalapi intrigado com a política de enfatizar Ngungunhane como uma figura heroica resolveu estudar e pesquisar sobre a vida do último imperador das terras de Gaza, colocando através de testemunhas orais e documentais momentos da vida do régulo que tempos atrás viveu naquelas terras e praticou de forma cruel a matança e sofrimento para a vida de muitas pessoas, inclusive para aqueles que ele mesmo tinha o dever de proteger como rei. O principal foco da literatura em questão é o fato do governo Machel (1983) ter requisitado ao governo português os restos mortais de Ngungunhane justificando que o mesmo fazia parte de uma identidade nacional colocando-o como herói. É verdade que o imperador desafiou e lutou contra a opressão portuguesa, contudo não o coloca de fato como um herói nacional. A partir dessa colocação do governo Machel, Ba Ka Khosa resolveu utilizar de sua habilidade como escritor exímio para delatar e se fazer ouvir através da literatura moçambicana a verdadeira face do último imperador de Gaza. A narrativa introduz ainda elementos culturais e dialetos próprios da região o qual o autor quis aproximar os leitores do país, oportunizando-os uma leitura acessível para melhor entendimento do que o mesmo propusera em realizar. Para melhor entendimento e elucidação do contexto de Ualalapi se fez necessário buscar outras fontes bibliográficas tais como: O herói de Flávio Kothe (1987); Em louvor de anti-herói de Victor Brombert (2004); 145 XII SEMANA DE LETRAS

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História e imagem de Peter Burke (1937); Metaficção historiográfica de Linda Hutcheon (1991) dentre outros que puderam de forma ímpar trazer maior ênfase aos estudos e pesquisas. Desde os primórdios da humanidade têm-se a figura cruel dos déspotas. O bem e o mal se cruzam em todas as eras, colocando os homens face a face com seu lado mais terrível, fazendo-os compreenderem que não são plenamente bons ou completamente ruins. Todos carregam consigo uma carga enorme de imposições sociais e culturais formativas que se tornam automáticas as ações, confundindo-se com os sentimentos mais verdadeiros, Ngungunhane sem dúvida foi um imperador de uma maldade sem precedentes. Muitos heróis também utilizaram da maldade para conquistar e erguer seus nomes na história da humanidade como alguém que fez um grande feito em detrimento de outro. Contudo os seres humanos são imperfeitos e como tal agem conforme seus instintos e sentimentos.

Referências AIRES D´ORNELLAS. Disponível em:. Acesso em: 10 out. 2013. BROMBERT, Victor. Em louvor de anti-heróis. São Paulo: Ateliê, 2004. BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Trad. de Vera Maria Xavier dos Santos e revisão técnica Daniel Aarão Reis Filho. Bauru, São Paulo: Edusc, 2004. CABAÇO, José Luís. Moçambique: Identidade, colonialismo e libertação. São Paulo: Editora UNESP, 2009. HUTCHEON, Linda. Poéticas do pós-modernismo: História, teoria, ficção. Trad. de Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991. KHOSA, Ungulani Ba Ka. Ualalapi. Belo Horizonte: Nandyala, 2013. KOTHE, Flávio R. O herói. 2 ed. São Paulo: 1987. (Série Princípios). LEITE, Ana Mafalda. Oralidades & Escritas nas Literaturas Africanas. Lisboa: Colibri, 1998. LEITE, Ana Mafalda. Literatura moçambicana: Herança e Reformulação. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2010. MATA, Inocência. A literatura africana e a crítica pós-colonial-Reconversões. Luanda: Editora Nzila, 2007. (Coleção Ensaio-37). MATHE, Alberto. Samora em diálogo com Ngungunhane: a metáfora dessacralizadora da figura herói em Ualalapi. Forma breve, p. 319-328, dez. 2012. Disponível em: . Acesso em: 11 nov. 2013. 146 XII SEMANA DE LETRAS

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Memória Gungunhana: Um herói para Moçambique. Grande reportagem 190, 28 de agosto de 2004. Disponível em: . Acesso em 11 nov. 2013. PÉLISSIER, René . História de Moçambique: Formação e oposição 1854-1918. 3. ed. Trad. de Manuel Ruas. Lisboa: Estampa, 2000,v. 1. RABECCHI, Ana Lúcia G. da. Tradição e transgressão em Ualalapi, de Ungulani Ba Ka Khosa, XII Congresso Internacional da ABRALIC Centro, Centros –Ética, Estética, 18 a 22 de julho de 2011, UFPR, Curitiba. Disponível em:< http://www.abralic.org.br/anais/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC0979-1.pdf>. Acesso em: 11 nov. 2013. ROCHA, Denise. Da palavra oral à palavra escrita: História e memória moçambicana em Ualalapi (1987), de Ungulani Ba Ka Khosa. Colonialismos, Pós-colonialismos e Lusofonias. Atas de IV Congresso Internacional em Estudos Culturais, Universidade de Aveiro, Portugal. 2004. Disponível em: http://www.ces.uc.pt/myces/UserFiles/livros/1097_atas-INGfinal.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2014. _____________. Representações históricas e orais de Ngungunhame em Ualalapi (1987), de Ungulani Ba Ka Khosa. Revista Literatura em Debate, v. 7, n. 13, p. 17-33, dez. 2013. SANTOS, Gabriela Aparecida dos. Reino de Gaza: O desafio português na ocupação do sul de Moçambique (1821-1897). 2007. Dissertação (Mestrado em História), Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo.

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IMAGENS DO ESTRANGEIRO PORTUGUÊS NA BAHIA DO SÉCULO XVII EM GREGÓRIO DE MATOS GUERRA (16361696) Carlos Eduardo Silva Pinheiro (UNILAB) Maria Mykele Alves Dodo (UNILAB)

Introdução Gregório de Matos Guerra, famoso poeta baiano que viveu entre 1636 e 1696, recebeu a alcunha de “Boca do Inferno” devido aos seus versos polêmicos, por meio dos quais inimigos do poeta eram atacados. Neste trabalho, têm-se como foco sua lírica satírica, especificamente o poema Descreve com mais individuação a fidúcia com que os estranhos sobem a arruinar sua república, no qual o eu-lírico denuncia os problemas político-sociais de sua época através da representação do português atrevido e corrupto que, apesar de chegar pobre e subalterno na colônia, conquista, em pouco tempo, um lugar social de prestígio em contraste com os “Naturais”, “Paisanos” ou “Filhos da terra”, que s~o abatidos pela atividade colonizadora.

A poesia satírica do Barroco brasileiro No artigo Positivo/Natural: sátira barroca e anatomia política, publicado em 1989, o pesquisador João Adolfo Hansen disserta sobre o caráter político da sátira barroca, ressaltando o diálogo entre sociedade e estética literária de modo a desconstruir as possíveis subjetividades da sátira em favor de uma proposta mais universal, a saber, a articulação de um particular ao social que visa a censura dos excessos da desigualdade: A sátira desenvolve como um de seus temas principais esta desigualdade de direito para ratificá-la como harmonia preestabelecida e criticar atos que publicamente a desestabilizam quando infringem os deveres de cada ordem: não se crítica, portanto, o privilégio, mas os efeitos de seu excesso ou de sua carência (HANSEN, 1989, p. 83).

Retomando Hansen, Nogueira (2011) desenvolve a proposta moralizadora da sátira barroca: Não se nega à sátira o direito à punição exemplar pela via do ridículo, mas não se admite o recurso ao apontamento insultuoso e cru, literal; a subtileza do conceito não é só um dos princípios essenciais da poética barroca: deve também ser a regra essencial do género satírico, a que se atribui uma função de denúncia corretiva e moralizadora (NOGUEIRA, 2011, p. 273).

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O colonizador português na Bahia Na obra História da Bahia (2008), o pesquisador Luís Henrique Dias Tavares delineia a história da Bahia partindo do período pré-colonial, no qual apresenta os povos que habitavam o seu atual território, passando pela colonização portuguesa, pela chegada dos escravizados africanos na colônia até a transição dos governos militares para o retorno à legalidade democrática. No quis diz respeito a presença do estrangeiro português na Bahia, Tavares argumenta que esse colonizador contribui favoravelmente para a constituição da sociedade, história e cultura desta terra: O português contribuiu com o maior e mais expressivo contingente humano para a formação do povo baiano. Foi o que marcou mais fundamentalmente as linhas de sua cultura, a começar da língua falada e escrita: a Língua Portuguesa. Foi o principal fundador da etnia baiana. [...] A contribuição cultural do português para a cultura baiana está na cultura material e na espiritual. Encontra-se na língua que dominou as comunicações, no traçado das cidades mais antigas da Bahia – com sua capela, casa da Câmara e cadeia -, nos sobrados, igrejas e conventos, utensílios domésticos e festas religiosas (TAVARES, 2008, p. 68-70).

O autor ainda reforça a organização social da Bahia do século XVI, caracterizando-a como “hier|rquica, olig|rquica e repressiva” (2008, p. 71), reforçando a sujeiç~o dos nativos e escravizados ao colonizador em função tanto da valoração social destes últimos quanto da organização do trabalho em uma sociedade marcadamente rural. Chegando em terra onde nada existia de produção sistemática, terra de povos nômades, caçadores e pescadores, o colono português respondeu às exigências da economia capitalista comercial em expansão nos séculos XVI e XVII implantando a economia açucareira. Trouxe a cana-de-açúcar das ilhas atlânticas (Açores e Madeira) e a plantou nas terras que ia conquistando aos povos que a habitavam. (TAVARES, 2008, p. 72).

Imagens do estrangeiro português na poesia de Gregório de Matos Em sua sátira, Gregório de Matos pretendia não apenas denunciar as deficiências de sua terra natal, interpelada pela corrupção e desigualdade social, mas também ridicularizar seus desafetos. Nesse sentido, reforça-se a afirmação de Hansen (1989), quando postula a funç~o política das s|tiras, explicando a ambiguidade pr|tica do termo “político”: O termo aplica-se, assim, tanto à caracterização de uma técnica de policiar o Estado, "primeira parte da moral" que visa a felicidade do bem comum, quanto ao jogo livre das paixões e à satisfação das ambições pessoais servidas por diversos expedientes, arte de triunfar. A sátira barroca seiscentista é política segundo esse duplo registro: funciona como uma técnica que hierarquiza metaforicamente a segurança da população, encenando seu controle no discurso e pelo discurso. Impondo normas aos corpos de linguagem, ela os interpreta como adequação ou desvio da lei positiva e

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO natural de que se faz emissária, fundamentando a crítica, de direito, para a mesma população, a um tempo referencial e destinatário de sua intervenção. Ao propor a correção dos vícios — políticos no mau sentido referido — ela o faz em nome do ideal de bem comum ausente que a enunciação racional efetua, ditando a retificação do que expõe (HANSEN, 1989, p. 65).

No poema Descreve com mais individuação a fidúcia com que os estranhos sobem a arruinar sua república cuja autoria é atribuída a Gregório, pode-se verificar a articulação destas duas propriedades estilísticas do próprio do autor: denunciar e ridicularizar. Na obra em tela, o poeta ilustra o estrangeiro português de maneira a ressaltar seu caráter atrevido, manipulador e corrupto. O texto poético apresenta estrutura romantizada e se compõe por 192 versos, dispostos em rimas brancas. Neste estudo, optou-se pela análise da obra a partir de sua estrutura argumentativa, considerando a organização linear das imagens e ideias construídas pelo poeta ao longo do texto. Desse modo, considerou-se as três sequências seguintes, que podem ser identificadas no texto poético através dos versos dispostos ente parênteses: 1. Questionamentos e críticas ao sistema político-social da Bahia (versos 1-31); 2. Imagens do estrangeiro português (versos 32-173) e 3. O lugar do nativo na Bahia seiscentista (versos 174-192).

Questionamentos e críticas ao sistema político-social da Bahia (verso 1-31) O primeiro dos argumentos do poema evoca a cidade de Bahia (na verdade, São Salvador de Todos os Santos) através da sua antropomorfização, evidenciada no uso da express~o “Senhora Dona Bahia” pelo poeta. A partir disso, o eu-lírico constrói uma cadeia de questionamentos nos quais vê-se sua insatisfação no que diz respeito ao lugar social dos “Naturais”, demarcado pela subalternidade em relaç~o aos “Estrangeiros”: Senhora Dona Bahia, nobre e opulenta cidade, madrastas dos Naturais, e dos Estrangeiros madre. Dizei-me por vida vossa, em que fundais o ditame de exaltar os que aí vêm, e abater os que ali nascem? (MATOS, 1931, p. 18, vv. 1-8).

Para fundamentar suas proposições iniciais, o eu-lírico continua a sátira fazendo uma comparação sócio-histórica entre a Bahia pré-colonial com o aquele atual presente histórico, valorizando este último. Nesse quadro, destaca-se a menção aos indígenas daquela região e ao 150 XII SEMANA DE LETRAS

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escravo africano. Além disso, o poeta instaura a redação do poeta em um momento histórico compreendido, provavelmente, entre as duas últimas décadas do século XVII: O certo é, Pátria minha, que fostes terras de alarves36, e inda os ressábios vos duram desse tempo, e dessa idade. Haverá duzentos anos, (nem tanto podem contar-se) Que éreis uma aldeia pobre, e hoje sois rica cidade. Então vos pisavam Índios, e vos habitavam cafres. (MATOS, 1931, p. 18, vv. 17-26).

Finalizando seus questionamentos e críticas à cidade de Bahia, apresenta-se o assunto da sátira: denunciar uma nova e corrupta classe que surge na colônia. Gregório de Matos objetiva, através disso, provocar constrangimentos e, consequentemente, uma rendição moral dos delatados, procedimentos típicos da poética satírica do lirismo barroco, como já visto anteriormente.

Imagens do estrangeiro português (v.32-173) O primeiro dos alvos do eu-lírico é “um pobrete de cristo”, isto é, um crist~o pobre, digno de compaixão. Tal personagem teria saído de Portugal ou do Algarve, região mais meridional do Portugal continental, após ter sido nomeado comissário por um cristão-novo que o mandara ao Brasil com uma carga de tecidos nobres. Nesse momento, o poeta adianta o car|ter corrupto do o personagem, que pretende tirar lucros (“gages”) com a venda dos artigos: Saí um pobrete de Cristo, De Portugal, ou do Algarve Cheio de drogas alheias Para daí tirar gages: O tal foi sota-tendeiro De um cristão-novo em tal parte, Que por aqueles serviços O despachou a embarcar-se. Fez-lhe uma carregação Entre amigos e compadres: E ei-lo comissário feito De linhas, lonas, beirames. (MATOS, 1931, pp. 18-19, vv. 33-44).

36Segundo

o Dicion|rio Aurélio (FERREIRA, 2010), “alarves” seria um substantivo de dois gêneros, cujo significado é “pessoa rústica, rude ou palerma”. No poema de Gregório de Matos, o termo faz referência aos nativos que viviam nas terras da atual Bahia no período pré-colonial. Essa categorização pejorativa realizada pelo eu-lírico evidencia uma posição favorável a colonização, visto que esta trouxera desenvolvimento àquela terra.

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Segundo o eu-lírico, quando o comissário chega ao Brasil com a grande carga não se demora e logo “arma a botica dos trastes”, entendida como o estabelecimento no qual os produtos seriam comercializados. Depois disso, o poeta põe-se a assinalar a ousadia deste personagem, que “vendendo gato por lebre” enriquece em pouco tempo. Infere-se, através disso, que o comissário enganava seus clientes vendendo os produtos a preços muito superiores aos seus valores legítimos. Salta em terra, toma casas, Arma a botica dos trastes, [...] Vendendo gato por lebre, Antes que quatro anos passem, Já tem tantos mil cruzados [...] (MATOS, 1931, p. 19, vv. 49-55).

Continuando sua sátira a este primeiro personagem, o eu-lírico apresenta uma situação na qual alguns pais afortunados, interessados na riqueza do estrangeiro, oferecem em casamento suas filhas e dotes. Depois de casado e feito nobre, o português adquire um status social ainda mais elevado (evidenciado pelos escravos, casas-grandes e objetos de luxo que o pertencem) chegando, inclusive, a ocupar um cargo político de vereador, conforme se pode verificar nos versos: Casa-se o meu matachim, Põe duas Negras, e um Pajem, Uma rede com dous Minas, Chapéu-de-sol, casas-grandes. Entra logo nos pilouros, E sai do primeiro lance Vereador da Bahia, que é notável dignidade. (MATOS, 1931, p. 19, vv. 65-71)

O poeta finaliza a descrição deste primeiro personagem afirmando que, apesar de ter se tornado uma figura importante naquela cidade, o homem “inda fede aos seus beirames” (MATOS, 1931, p. 19, v. 74), metáfora entendida como uma proposição do eu-lírico para reforçar o passado de pobreza do estrangeiro. O segundo personagem do poema tem origem e ofício semelhantes aos do primeiro, o que os diferenciam, no entanto, é o status socioeconômico, pois segundo o eu-lírico, a posição deste personagem “t~o pobre, e t~o miser|vel” n~o muda com o decorrer do tempo, mas é decerto modificado através de uma narrativa mentirosa que o personagem conta nos arredores do Iguape37: 37O

termo faz referência à Santiago do Iguape, pequena vila de pescadores e pequenos agricultores quilombolas. A vila “pertence ao município de Cachoeira, na Bahia, localizada na margem esquerda da Baía do Iguape, fundado pelos padres jesuítas em 1561 na ent~o Capitania de Mem de S|.” (SANTIAGO DO IGUAPE, online).

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Vem outro do mesmo lote tão pobre e tão miserável, vende os retalhos, e tira comissão com couro e carne. Co principal se levanta, e tudo emprega no Iguape, que um engenho, e três fazendas o têm feito homem grande. (MATOS, 1931, p. 20, vv. 78-85).

O terceiro personagem delatado é um crist~o “que apenas benzer-se sabe”, segundo o eu-lírico. De acordo com a descrição feita, o personagem troca os serviços que prestava em Portugal pela oportunidade de trabalhar na ordem mercante. Quando chega ao Brasil é recebido por um nobre que lhe oferece o cargo de sócio na administração de um empreendimento comercial: Feito homem rico em pouco tempo, logo o personagem vê-se endividado. Põe-se então a vender as mercadorias alheias sem dar satisfação ao nobre que o acolheu. Passam-se então dois anos sem que a dívida seja paga, no entanto o devedor ainda se diz pertencer à burguesia. Este fato desencadeia o desconforto e a indignação do eu-lírico, que acusa a própria Bahia de dar suporte à corrupção: Vende o cabedal alheio, e da com ele em Levante, vai, e vem, e ao dar contas diminui, e não reparte. [...] O que ele fez, foi furtar, Que isso faz qualquer bribante, tudo o mais lhe fez a terra sempre propícia aos infames. (MATOS, 1931, p. 20, vv.103-122)

O quarto personagem também é um cristão, desta vez, porém, o eu-lírico é severo. Ao longo da sua descrição, o eu lírico enfatiza o caráter dissimulado do personagem, que disfarçando sua malícia e ignorância torna-se um cidadão prestigiado capaz de influenciar o governo com o seu poder: Vem um Clérigo idiota, desmaiado com um jalde, os vícios com seu bioco, com seu rebuço as maldades [...] Letrado como um Matulo, E velhaco como um Frade: Ontem simples sacerdote, Hoje uma grã dignidade, Ontem salvage notório, Hoje encoberto ignorante. Ao tal beato fingido É força, que o povo aclame,

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO E os do governo se obriguem, Pois edifica a cidade. (MATOS, 1931, pp. 20-21, vv. 124-139)

O eu-lírico é irônico quando afirma que este personagem adquire muitos bens materiais “por sua muita humildade” e continua a s|tira alegando que o clérigo enriquece ao remeter o dinheiro da igreja para os seus fundos pessoais, comprando, dessa forma, muitas terras. O poeta finaliza esse segundo argumento do poema em tela com uma crítica depreciativa a um grupo de cristãos missionários que cruzavam a colônia para fins de catequização dos povos nativos. O eu-lírico se refere a estes personagens pejorativamente como “mariolas”, “lacaios”, “ganhões” e denuncia um jesuíta que se tornou um sacerdote bem considerado entre aristocracia baiana, mas que embolsava os ordenados recebidos para a manutenção das capelas: Vêm outros zotes de Réquiem, que indo tomar o caráter todo o Reino inteiro cruzam sobre a chanca viandante. De uma província para outra como Dromedários partem, caminham como camelos, e comem como salvagens: Mariolas de missal, lacaios missa-cantante sacerdotes ao burlesco, ao sério ganhões de altares. Chega um destes, toma amo, que as capelas dos Magnates são rendas, que Deus criou para estes Orate frates. Fazem-lhe certo ordenado, que é dinheiro na verdade, que o Papa reserva sempre das ceias, e dos jantares. Não se gasta, antes se embolsa [...] (MATOS, 1931, p. 21, vv. 148-168)

O lugar do nativo na Bahia seiscentista (v.174-192) É clara a consternação do poeta com as iniquidades da sua terra natal neste terceiro e último argumento do poema, principalmente no que se refere a passividade dos “Filhos da terra” frente aos abusos de poder e a latente corrupção no sistema político daquela capitania. Em vista disso, Gregório de Matos coloca-se como um mensageiro divino responsável por levar a justiça aos cidadãos baianos por meio da sátira. Além disso, o poeta compara a corrupção de sua cidade com a das cidades bíblicas de Sodoma e Gomorra, destruídas devido sua tirania pelo deus do cristianismo, acontecimento 154 XII SEMANA DE LETRAS

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narrado no Antigo Testamento da Bíblia Sagrada38. Depois disso, o eu-lírico encerra a obra lançando uma praga aos denunciados através da evocação de um tradicional ritual do folclore brasileiro, realizado no dia litúrgico de São Marçal: Vêem isto os Filhos da terra, e entre tanta iniquidade são tais, que nem inda tomam licença para queixar-se. Sempre vêem, e sempre falam, até que Deus lhes depare, quem lhes faça de justiça esta sátira à cidade. Tão queimada, e destruída Te vejas, torpe cidade, Como Sodoma e Gomorra Duas cidades infames. [...] Que a ti São Marçal de queime, E São Pedro assim me guarde. (MATOS, 1931, p. 22, vv. 173-192)

Considerações finais A partir das várias representações do português corrupto no poema Descreve com mais individuação a fidúcia com que os estranhos sobem a arruinar sua república, datado das últimas duas décadas do século XVII, observa-se que Gregório de Matos aborda a colonização portuguesa de um lugar enunciativo identificado com desprezo do estrangeiro, interpelado por um comportamento atrevido e ganancioso. De modo geral, a leitura dessa obra de Gregório de Matos é interessante para que tomemos conhecimento dos valores atribuídos ao estrangeiro português no Brasil do século XVII, bem como conferir a maneira como tais valores são apropriados pela linguagem literária do poeta baiano.

Referências BÍBLIA: A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. p. 57-59. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da língua portuguesa. 5ª. ed. Curitiba: Positivo, 2010. HANSEN, João Adolfo. Positivo/Natural: sátira barroca e anatomia política. S/d. In: Estudos Avançados. p. 64-88. Disponível em:. Acesso em 12 abr. 2015.

38A

destruição de Sodoma e Gomorra é narrada na Bíblia em Gênesis 19:1-29.

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MATOS, Gregório de Matos. Seleção de textos, notas, estudo biográfico, histórico e crítico em exercício por Antônio Dimas. Abril Educação: São Paulo, 1931. p. 18-22. NOGUEIRA, Carlos. A sátira de Gregório de Matos. In: Línguas e Letras. V. 12, n. 23, 2º Sem, 2011. p. 271-285. Disponível em:. Acesso em 12 abr. 2015. Santiago do Iguape. Disponível em:. Acesso em 11 abr. 2015. São Marçal. Disponível:. Acesso em 11 abr. 2015. TAVARES, Luís Henrique Dias. História da Bahia. 11. ed. São Paulo: Editora da UNESP; Salvador: EDUFBA, 2008.

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LEITURA E ESCRITA DE POEMAS NO ENSINO FUNDAMENTAL II Pedro Santos da Silva (UFS)

Introdução Algumas políticas educacionais, que dão importância somente aos aspectos linguísticos e literários dentro do texto, não levam em consideração o aluno como leitor, com autonomia crítica e reflexiva a partir das próprias leituras, nesse sentido, é que surge o projeto de leitura, intitulado Leitura e escrita de poemas no ensino fundamental II, na Escola Santa Rita de Cássia. Com o propósito de formar leitores habilidosos na arte da interpretação e compreensão dos sentidos do texto, mais especificamente poemas de autores brasileiros, além de fazer com que os alunos aumentem o interesse pela leitura. O suporte teórico utilizado explicita as ideias de alguns estudiosos, entre eles, Bamberger (1995), Orlandi (2003), Eagleton (2003), Berenblum (2009), Pereira (2009), Faria (2011), além de buscar o diálogo com a LDB (1996), e os PCNs (1998). Tudo isso, com o intuito de obter uma base teórica consistente que trata da formação de leitores. O trabalho com os alunos deve acontecer a partir de oficinas; com a colaboração de uma das oficinas criadas pelo Profº. Drº. Alberto Roiphe, um dos coordenadores do projeto “Leitura, escrita e autoria: o jornal em sala de aula”, PIBID-DLEV-UFS - 2015; debates das questões relacionadas aos temas transversais e dos aspectos estruturais dos poemas. Além disso, a produção de um livro contendo os melhores poemas; e a leitura dessas criações na rádio da escola. Além do mais, o projeto leva em consideraç~o a “mediaç~o” feita pelo professor na hora da leitura, questões relacionadas ao silenciamento: a busca do movimento reverso que envolve a participação mais ativa dos alunos nas discussões.

“O dado e o novo” no ensino de literatura Na prática do ensino, o professor se vê, diante de questões que precisam ser postas, criadas e trabalhadas com o intuito de melhorar a competência e as habilidades dos leitores em potencial, que são os alunos, por isso, ao tratar dos temas transversais, entende-se que:

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa orientam que o trabalho de reflexão sobre a língua pode e deve pautar-se nos seguintes temas: Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde e Orientação Sexual. Esses assuntos, por tratarem de questões sociais que permeiam toda a esfera pública, exigem capacidade de análise crítica, reflexão sobre valores sociais e habilidade de participação. (FARIA, 2011, p. 290).

Para fugir dos tradicionais e monótonos trabalhos a partir da leitura de recortes de textos no livro didático, o projeto tem como objetivo fazer com que o aluno se perceba “integrante, dependente e agente transformador do ambiente”, tanto dentro do contexto escolar, como também na comunidade em que ele vive. Nesse sentido, busca-se a autonomia e ampliação do número de alunos como efetivos leitores de textos literários, com uma visão crítica, reflexiva e analítica através da leitura.

A mediação da leitura pelo Professor Um fator importante que é negligenciado pelos professores, no ensino básico, é a falta da mediação durante o processo de leitura, reflexão e debate entre os alunos: A mediação do professor é fundamental: cabe a ele mostrar ao aluno a importância que, no processo de interlocução, a consideração real da palavra do outro assume, concorde-se com ela ou não. Por um lado, porque as opiniões do outro apresentam possibilidades de análise e reflexão sobre as suas próprias; por outro lado, porque, ao ter consideração pelo dizer do outro, o que o aluno demonstra é consideração pelo outro. [...]. Trata-se de instaurar um espaço de reflexão em que seja possibilitado o contato efetivo de diferentes opiniões, onde a divergência seja explicitada e o conflito possa emergir; um espaço em que o diferente não seja nem melhor nem pior, mas apenas diferente, e que, por isso mesmo, precise ser considerado pelas possibilidades de reinterpretação do real que apresenta; um espaço em que seja possível compreender a diferença como constitutiva dos sujeitos [...]. A mediação do professor, nesse sentido, cumpre o papel fundamental de organizar ações que possibilitem aos alunos o contato crítico e reflexivo com o diferente e o desvelamento dos implícitos das práticas de linguagem, inclusive sobre aspectos não percebidos inicialmente pelo grupo - intenções, valores, preconceitos que veicula explicitação de mecanismos de desqualificação de posições - articulados ao conhecimento dos recursos discursivos e linguísticos. (PCN, 1998, p. 47-48).

Segundo o que consta nos PCNs percebe-se que é decisiva a posição de destaque e importância em que se põe o mediador da leitura e do conhecimento, dadas as múltiplas hipóteses interpretativas que um texto pode apresentar. Trata-se de um complexo “espaço de reflex~o [...] e diferentes opiniões”, por isso, n~o deve ser posto em xeque a construç~o de novos conhecimentos e ideias. Certamente, essa posição intermediária não deve deixar de ser considerada fundamental para o trabalho com “a leitura e os leitores”. Ensinar “[...] jovens leitores bemsucedidos, apresentando-lhes o material de leitura apropriado, de modo que o êxito não

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somente inclua boas habilidades de leitura, mas também o desenvolvimento de interesses de leitura capazes de durar a vida inteira.” (BAMBERGER, 1995, p. 31).

Silenciamento: a busca do movimento reverso No Brasil, por causa de consequências políticas e religiosas, o silenciamento foi cultuado por muitos anos. Atualmente, percebem-se vestígios decorrentes dessa problemática, através das atuais políticas da educação, que seguem a risca o livro didático como método de trabalho em sala de aula. Todavia, as pesquisas atuais buscam um movimento contrário daquilo que vem sendo posto erroneamente como método eficaz de ensino/aprendizagem. Portanto, entende-se que as políticas públicas buscam silenciar os sujeitos. Logo, esse projeto coloca em prática atividades que levam os leitores a terem uma posição mais participativa; com os discentes partindo do próprio silêncio e não silenciando totalmente diante da leitura. Observa-se que esse trabalho pretende tirar os alunos da posição de silenciamento, embora, alguns deles em paralelo com a tecnologia, caminham cada vez mais para uma posição de silêncio total, ou pode-se considerar comodidade; a lei do menor esforço intelectual ou preguiça. Contudo, o trabalho com esse projeto de leitura percorre o caminho reverso a essa realidade, vai de encontro aos silenciados e faz emergir desses alunos, leituras e interpretações, associações com o mundo e a sua própria realidade.

As teorias da leitura Vários estudiosos se preocupam com o trabalho de desenvolvimento da leitura como fator fundamental na formação do sujeito. Não cabe nesse projeto esgotar todas as possíveis teorias que tratam dos temas propostos. Porém, salientar as que cuidam mais diretamente dos meios que são utilizados para uma leitura eficaz, como pode ser percebido nos estudos de Bamberger: Além da orientação relativa à natureza e ao processo da leitura, o objetivo da educação literária é também importante para um ensino eficaz. [...]: a) Incentivo ao pleno uso das potencialidades do indivíduo em sua leitura, de modo a influir ao máximo no seu bem-estar e levá-lo à auto-realização. b) Emprego eficiente da leitura como um instrumento de aprendizado e crítica e também de relaxamento e diversão. c) Ampliação constante dos interesses de leitura dos estudantes. d) Estímulo a atitudes que levam a um interesse permanente pela leitura de muitos gêneros e para inúmeros fins. (BAMBERGER, 1995, p. 24).

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Bamberger destaca alguns pontos que devem ser observados para a devida import}ncia dada a leitura a partir da “educaç~o liter|ria”. No que diz respeito aos múltiplos interesses dos alunos; levando-os a permanência no gosto pela leitura literária, que consequentemente será alargado para os diversos gêneros. Tudo isso, em face do impacto positivo que esse projeto de leitura deverá causar nos discentes. Nesse sentido, pensando em aumentar a capacidade de autonomia dos alunos através da leitura e da escrita, é fundamental considerar os espaços em que essas práticas ocorrem. Pois, o trabalho com essas duas ferramentas não se dá distante da escola e da biblioteca. Uma vez que, “Uma biblioteca bem organizada, especialmente construída ou reformada para acolher livros e seus leitores é, com certeza, o primeiro estímulo para a leitura.” (PEREIRA, 2009, p. 9)

Essas ferramentas dizem respeito a questão central do projeto, por isso,

serão feitas atividades na biblioteca da escola através da realização de rodas de leitura e posteriormente a escrita. Em relação à seleção dos textos devem ser levados em consideração alguns fatores e gêneros: Os gêneros existem em número quase ilimitado, variando em função da época (epopéia, cartoon), das culturas (haikai, cordel) das finalidades sociais (entreter, informar), de modo que, mesmo que a escola se impusesse a tarefa de tratar de todos, isso não seria possível. Portanto, é preciso priorizar os gêneros que merecerão abordagem mais aprofundada. [...] Sem negar a importância dos textos que respondem a exigências das situações privadas de interlocução, em função dos compromissos de assegurar ao aluno o exercício pleno da cidadania, é preciso que as situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem os textos que caracterizam os usos públicos da linguagem. Os textos a serem selecionados são aqueles que, por suas características e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada. (PCN, 1998, p. 24).

O que está posto pelos parâmetros curriculares nacionais é inerente, sem via de dúvidas, a proposta esboçada nesse projeto, que diz respeito ao “exercício pleno da cidadania”, “reflex~o crítica” e a “plena participaç~o numa sociedade letrada” entre outras questões, mesmo que: a literatura para as faixas etárias correspondentes ao Ensino Fundamental dirija-se a crianças, adolescentes e jovens – categorias que definem gostos, interesses, escolhas, sonhos, modos de perceber a realidade e com ela interagir, mediados por construções simbólicas e próprias da imaginação – na prática escolar essas marcas se apagam. (BERENBLUM, 2009, p. 21).

Apesar de outros gêneros literários abrirem espaço para várias análises, a escolha de trabalhar com a leitura e escrita de poemas se deu pelo fato desse gênero, também, abrir espaço para várias leituras e interpretações. Além disso, são textos que possibilitam, tanto o 160 XII SEMANA DE LETRAS

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entretenimento, como também a informação e a formação dos alunos, que vão além das práticas escolares, nesse sentido: O texto literário constitui uma forma peculiar de representação e estilo em que predominam a força criativa da imaginação e a intenção estética. Não é mera fantasia que nada tem a ver com o que se entende por realidade, nem é puro exercício lúdico sobre as formas e sentidos da linguagem e da língua. [...] Como representação – um modo particular de dar forma às experiências humanas -, o texto literário não está limitado a critérios de observação fatual (ao que ocorre e ao que se testemunha), nem às categorias e relações que constituem os padrões dos modos de ver a realidade e, menos ainda, às famílias de noções/conceitos com que se pretende descrever e explicar diferentes planos da realidade (o discurso científico). Ele os ultrapassa e transgride para constituir outra mediação de sentidos entre o sujeito e o mundo, entre a imagem e o objeto, mediação que autoriza a ficção e a reinterpretação do mundo atual e dos mundos possíveis. [...] Pensar sobre a literatura a partir dessa relativa autonomia ante outros modos de apreensão e interpretação do real corresponde a dizer que se está diante de um inusitado tipo de diálogo, regido por jogos de aproximação e afastamento, em que as invenções da linguagem, a instauração de pontos de vista particulares, a expressão da subjetividade podem estar misturadas a citações do cotidiano, a referências indiciais e, mesmo, a procedimentos racionalizantes. Nesse sentido, enraizando-se na imaginação e construindo novas hipóteses e metáforas explicativas, o texto literário é outra forma/fonte de produção/apreensão de conhecimento. [...] aquelas que contribuem para a formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos, a extensão e a profundidade das construções literárias.(PCN, 1998, p. 26-27).

De acordo com os PCNs é possível observar uma quest~o de circularidade “o texto literário não está limitado a critérios de observação fatual ao que ocorre e ao que se testemunha”. Pensando nisso, se os poemas foram produzidos segundo critérios de observação, mas não estão limitados a isso, a pretensão é ler e observá-los para que surjam a partir deles “outra mediaç~o de sentidos entre o sujeito e o mundo, entre a imagem e o objeto, mediaç~o que autoriza a ficç~o e a reinterpretaç~o do mundo atual e dos mundos possíveis.” É nesse contexto que aparece a questão de como se apresentam os temas transversais nos poemas, além dos aspectos fonológicos, sintáticos e semânticos através da leitura. Os temas que atravessam as disciplinas podem ser vistos como uma forma de diálogo interdisciplinar, de modo que: A língua, sistema de representação do mundo, está presente em todas as áreas de conhecimento. A tarefa de formar leitores e usuários competentes da escrita não se restringe, portanto, à área de Língua Portuguesa, já que todo professor depende da linguagem para desenvolver os aspectos conceituais de sua disciplina. [...] A idéia de que se expressar com propriedade oralmente ou por escrito é “coisa para a aula de Língua Portuguesa”, enquanto as demais disciplinas se preocupam com o “conteúdo”, não encontra ressonância nas práticas sociais [...]. (PCN, 1998, p. 31).

Decerto, o tratamento da interdisciplinaridade através da leitura e da escrita de poemas é devido a responsabilidade que os professores, num }mbito geral, têm em “formar leitores”. Todas as |reas do conhecimento devem priorizar esses fatores na formaç~o dos sujeitos para que eles adquiram a capacidade de autonomia intelectual e reflexão crítica. 161 XII SEMANA DE LETRAS

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Ainda que o ensino da especificidade literária seja de responsabilidade dos professores de Português, porém, isso não impede que os professores de outras disciplinas trabalhem a leitura e a escrita com os alunos. Por exemplo, na escola em que o projeto está em execução, a professora Fátima Maria Pereira Marques de Oliveira, formada em História, enfatiza a importância da formação de leitores, e ensina aos alunos a prática da leitura de poemas, tanto em sala de aula, como também no projeto coordenado por ela. O projeto da professora diz respeito à rádio da escola que vai ao ar no momento do intervalo. Além de tocar as mais variadas músicas, com caráter educativo, tem um quadro denominado “Tem poesia no ar”. Os alunos participam fazendo a leitura dos poemas de v|rios autores visto que deverão fazer a leitura de seus próprios poemas produzidos em sala de aula e durante as oficinas de criação literária.

Poemas no final: caminhos a serem trilhados no processo de leitura e escrita O trabalho com os poemas vai além da leitura promovida em sala de aula. Deixa de lado o livro didático e outros gêneros. Concentra-se na plena participação dos alunos na biblioteca da escola tendo em vista ser um espaço destinado à leitura e a pesquisa. O projeto vem sendo desenvolvido em torno do 8º e 9º anos do ensino fundamental II, com o intuito de trabalhar através das produções dos alunos os aspectos fonológicos, sintáticos e semânticos assim como as temáticas encontradas nos poemas relacionadas aos temas transversais e as várias disciplinas. Além disso, tendo como finalidade a produção de um livro com os melhores poemas produzidos pelos alunos. Esses textos serão escolhidos para serem publicados a partir de um concurso de poemas promovido na escola. O evento deverá contar com a presença das Professoras, Maria Normélia de Farias, Maria Isabel Vieira Freire e Fátima Maria Pereira Marques de Oliveira, como avaliadoras das produções dos alunos. Como perspectiva mais abrangente deve-se pensar num resultado que considere, principalmente, o trabalho com a leitura e a escrita literária. Assim, essas atividades irão contribuir para o aumento da quantidade de leitores assíduos. A partir desses pontos, será feita uma análise para mostrar que este projeto surtiu efeito positivo para os alunos no processo de ensino/aprendizagem. Os resultados serão analisados a partir de questionários ou entrevistas realizadas com os discentes e professores da escola.

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Considerações finais Em suma, “A execução de projetos de pesquisa não se resume em analisar observações, propor questionários etc., mas também consiste em descobrir meios e maneiras de melhorar a situaç~o” (BAMBERGER, 1995, p. 91) do ensino/aprendizagem, além do incentivo a leitura e a escrita. Tudo isso, se dá através de Professores interessados pelas políticas de formação de leitores. Nesse trabalho foram esboçadas algumas propostas consideradas importantes para tais objetivos. Enfim, lidar com novas práticas metodológicas de trabalho, em sala de aula e fora dela, pode ser de extrema importância para os resultados a serem alcançados.

Referências BAMBERGER, Richard. Como incentivar o hábito de leitura / Richard Bamberger. 6ª ed. – São Paulo: Ática, 1995. BERENBLUM, Andréa. Por uma política de formação de leitores / elaboração Andréa Berenblum, Jane Paiva. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2009. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa/Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ELIAS, V. M. Ensino da língua portuguesa: oralidade, escrita e leitura / organizadora Vanda Maria Elias. – São Paulo: Contexto, 2011. FARIA, E. M. B. ASSIS, M. C. Língua portuguesa e LIBRAS: teorias e práticas 4/ Evangelina Maria Brito de Faria, Maria Cristina de Assis (organizadoras). – João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011. KLEIMAN, Angela B. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos projetos da escola / Angela B. Kleiman, Silva E. Morais. – Campinas, SP: Mercado de Letras, 1999. KOCH, Ingedore Villaça. Ler e compreender: os sentidos do texto / Igedore Villaça Koch e Vanda Maria Elias. 2. ed. , 1ª reimpressão. – São Paulo: Contexto, 2007. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO, Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, 1996. ORLANDI, Eni Puccinelli. 1942 - A leitura e os leitores / Eni P. Orlandi. (Organizadora). – Campinas, SP: Pontes, 2ª edição, 2003.

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO

PEREIRA, Andréa Kluge. Biblioteca na escola / elaboração Andréa Kluge Pereira. – Brasília: Ministério da educação, Secretaria de Educação Básica, 2009. ROJO, Roxane. A prática da linguagem em sala de aula: praticando os PCN’s/ Roxane Rojo (org.) – São Paulo: EDUC; Campinas, SP: Mercado de letras, 2000.

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LETRAMENTO E FORMAÇÃO DOCENTE EM LÍNGUA ADICIONAL NA CULTURA DIGITAL Valéria Jane Siqueira Loureiro (UFS)

Introdução O surgimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) tem modificado muitas atividades da vida moderna. Tais modificações também têm atingido o processo de ensino/aprendizagem, nos levando a refletir e a pesquisar sobre as consequências dessas novas práticas sociais e uso da linguagem na sociedade. O crescente aumento na utilização das novas ferramentas tecnológicas (computador, Internet, cartão magnético, caixa eletrônico etc.) na vida social exige dos cidadãos a aprendizagem de comportamentos e raciocínios específicos. Por essa razão, com o surgimento de um novo tipo, paradigma ou modalidade de letramento, o digital, consideramos o letramento uma necessidade dos indivíduos de dominar um conjunto de informações e habilidades mentais que devem ser trabalhadas pelas instituições de ensino, a fim de capacitar os alunos a não só dominarem a língua adicional (LA), mas também a viverem como verdadeiros cidadãos neste novo milênio cada vez mais cercado por máquinas eletrônicas e digitais. Neste trabalho, procuramos refletir sobre o mais recente desafio pedagógico que se coloca para os docentes: letrar digitalmente em LA uma nova geração de aprendizes, crianças e adolescentes que estão crescendo e vivenciando os avanços das tecnologias de informação e comunicação e consequente sobre o material didático com que letramos os estudantes. Assim a proposta de formação docente que se baseia no desenvolvimento de novas competências e letramentos tem por fundamentação o que nos afirma Coscarelli (2002), Ribeiro (2005), Soares (1998) e Dias (2009). Além disso, se objetiva que a apropriação crítica das tecnologias e de novos letramentos de forma que os usos pedagógicos das TIC tragam uma mudança nos paradigmas educacionais (KENSKI, 2012; PRETTO, 2008; PONTE, 2000).

Novos Letramentos e a Cultura Digital Vivemos na Sociedade em Rede de Castells (2000), mergulhados na Cibercultura de Lévy (2010), no qual as tecnologias digitais, cada vez mais inseridas no nosso cotidiano, trazem enormes transformações e desafios para a sociedade. Entre as transformações estão a alteração da relação espaço-temporal permitida pelo ambiente virtual, assim como novas 165 XII SEMANA DE LETRAS

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práticas comunicacionais e novas relações sociais marcadas pelos recursos eletrônicos (LEMOS, 2003) que assume diferentes recursos e potencialidades, que, dependendo do uso que damos a ela, nos permite desvendar novos e promissores horizontes para nossas práticas sociais, entre elas a educacional. Neste cenário, o novo paradigma tecnológico emergente com a introdução da Web 2.0, permite aos usuários exercerem um papel mais ativo na busca, compartilhamento e produção de informação e construção de conhecimento. O avanço de novas ferramentas disponíveis no ambiente on-line permite que se vislumbrem novas abordagens educacionais, através de maior interação e colaboração entre alunos e professores em comunidades virtuais no ciberespaço, fundamentadas na organização de redes de aprendizagem. No cenário de mudanças, com necessidade constante de inovação em processos de disseminação de informação e construção do conhecimento, a educação encontra um ambiente favorável para uma mudança de paradigmas. Variados Ambientes Virtuais de Aprendizagem possibilitam a construção de conhecimento e aprendizagem no ciberespaço não restringindo mais o processo educacional a um tempo ou espaço específico. Neste contexto, diversas ferramentas de mídias sociais (Wikis, Sites de Redes Sociais, sites de compartilhamento de vídeos e fotos, sites de realidade virtual, marcadores, entre outros) abrem novas possibilidades e perspectivas para uma educação mais aberta e flexível. Ao mesmo tempo em que o avanço das tecnologias abre novas possibilidades para os processos de ensino e aprendizagem formais e não formais, despertando o interesse por novas abordagens e aplicações educacionais para o novo ferramental da pós-modernidade faz-se necessário um olhar e uma reflexão crítica sobre estas ferramentas e seus impactos na sociedade contemporânea, uma vez que estas tecnologias não são neutras (Lévy, 2010) e muitas vezes são consumidas acriticamente, reproduzindo a nova ordem mundial. Os avanços tecnológicos e a rapidez com que novas ferramentas surgem e passam a permear nosso cotidiano gera a necessidade de atualização e aquisição de novos conhecimentos para dominar as novas técnicas. Novas tecnologias surgem diariamente e são utilizadas pela educação no intuito de proporcionar novas formas de interagir com o conhecimento. Situado nesse contexto, o trabalho objetiva propor uma estratégia da aprendizagem a partir das tecnologias voltada para a formação continua de professores língua adicional visando à apropriação crítica das tecnologias a fim de potencializar sua utilização na educação, uma vez que se os professores fazem apropriação das possibilidades dessas tecnologias na sua prática pedagógica no ensino de língua estrangeira, o professor terá o

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papel de mediador da aprendizagem do aluno, facilitando-lhe o domínio e a apropriação dos diferentes instrumentos culturais, entre eles a linguística e digital. Sabemos que novos comportamentos e novas linguagens são produzidos com a utilização de novas tecnologias, demandando novas competências para professores que vão muito além do conhecimento técnico para operar tais ferramentas. Dada à velocidade com que as inovações ocorrem e novas ferramentas passam a fazer parte do nosso dia-a-dia e das nossas salas de aula, surge o desafio de identificar como as tecnologias ajudam o aprendizado da leitura e o processo de letramento em LA. É notório que a internet abre novas perspectivas dentre elas muitas ferramentas que usadas como mediação pedagógica vem auxiliar os professores no processo de letramento, proporcionando aos nossos estudantes se envolverem na construção de seu próprio aprendizado e de forma autônoma.

Cultura Digital para a Formação Docente A apropriação das constantes mudanças desde uma perspectiva crítica permite ir além do conhecimento técnico e operacional no manuseio das tecnologias, tornando-os capazes de se apropriarem criticamente dessas ferramentas. Assim, os docentes em suas práticas pedagógicas promovem transformações no contexto educacional. Entretanto, infelizmente, o que percebemos é outra realidade, como aponta Vani Kenski ao constatar o abismo entre o ensino mediado pelas TIC e as possibilidades geradas por elas ao afirmar que A cultura tecnológica exige a mudança radical de comportamentos e práticas pedagógicas que não são contemplados apenas com a incorporação das mídias digitais ao ensino. Pelo contrário, há um grande abismo entre o ensino mediado pelas TICs – praticado em muitas das escolas, universidades e faculdades – e os processos dinâmicos que podem acontecer nas relações entre professores e alunos on-line (KENSKI, 2013, p. 68).

Neste sentido, a inclusão das tecnologias tem por finalidade desenvolver as estratégias de leitura que ajudem na compreensão de textos escritos, ampliando o conhecimento do vocabulário específico e de estruturas sintáticas próprias da língua estudada levando os alunos a também familiarizar-se com as diferentes variedades de registros das línguas a partir da utilização dos vários gêneros textuais. Capacitar os estudantes por meio do desenvolvimento da destreza leitora faz parte do que propõe para a Educação Básica. A leitura se trata de uma habilidade imprescindível para o desenvolvimento cognitivo no processo de ensino-aprendizagem de línguas, seja materna ou estrangeira. Esta orientação se apresenta nos documentos que direcionam o ensino de línguas no Brasil: os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) e as OCN (Orientações Curriculares Nacionais). O PCN de língua estrangeira afirma: 167 XII SEMANA DE LETRAS

LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO Note-se também que os únicos exames formais em Língua Estrangeira (vestibular 39 e admissão a cursos de pós-graduação) requerem o domínio da habilidade de leitura. Portanto, a leitura atende, por um lado, às necessidades da educação formal, e, por outro, é a habilidade que o aluno pode usar em seu contexto social imediato. Além disso, a aprendizagem de leitura em Língua Estrangeira pode ajudar o desenvolvimento integral do letramento do aluno. A leitura tem função primordial na escola e aprender a ler em outra língua pode colaborar no desempenho do aluno como leitor em sua língua materna. (BRASIL-MEC/SEF, 1998, p. 20).

Na OCN para o Ensino Médio há a orientação do desenvolvimento da habilidade leitora para o ensino de línguas e assegura que na língua materna “as ações realizadas na disciplina Língua Portuguesa, no contexto do ensino médio, devem propiciar ao aluno o refinamento de habilidades de leitura e de escrita, de fala e de escuta” (2006, p. 18). Além disso, o mesmo documento nos orienta a: Conviver, de forma não só crítica, mas também lúdica, com situações de produção e leitura de textos, atualizados em diferentes suportes e sistemas de linguagem – escrita, oral, imagética, digital, etc. –, de modo que conheça – use e compreenda – a multiplicidade de linguagens que ambientam as práticas de letramento multissemiótico em emergência em nossa sociedade [...]. (MEC/SEF, 2006, p. 32).

Para o ensino de língua estrangeira, a OCN, no que se refere à compreensão leitora, ressalta que se deve “No que concerne { leitura, contempla pedagogicamente suas v|rias modalidades: a visual (mídia, cinema), a informática (digital), a multicultural e a crítica (presente em todas as modalidades).” (MEC/SEF, 2006, p. 98). Portanto, a partir da documentação que rege a educação no Brasil, PCN e OCN, o desenvolvimento da destreza leitora com a inclusão de subsídios da tecnologia digital é uma necessidade para a formação dos professores que vivem na sociedade do conhecimento e da informação. Na cultura contemporânea, onde variadas tecnologias permeiam o nosso cotidiano impondo

diversas

transformações

na

sociedade,

fazem-se

necessárias

profundas

transformações nos processos educacionais a fim de empoderar os cidadãos para o uso das tecnologias digitais. Dessa forma, Kenski (2013) reforça ainda a necessidade de um novo modelo de formação docente de forma que o avanço tecnológico seja articulado com mudanças no ensino, garantindo, assim, que a utilização das TIC no contexto educacional leve à mudança de práticas e hábitos e a processos inovadores, condizentes com as demandas da cibercultura.

A Cultura Digital na Formação Docente em LA A partir dessas constatações, o reconhecimento de que os avanços tecnológicos, principalmente os relacionados às tecnologias, como a disseminação da Web 2.0 e suas 39Atualmente

o exame formal do Ministério da Educação e Cultura (MEC) para o ensino médio de língua estrangeira é o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

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ferramentas de cooperação e colaboração, acarretam mudanças profundas nas formas como interagimos e aprendemos na sociedade da informação e do conhecimento. Em segundo lugar, a necessidade emergente de processos de formação e qualificação docente para apropriação crítica e criativa das ferramentas que as tecnologias disponibilizam em contextos de educação presencial de maneira que esses professores possam contribuir para a realização de processos de ensino e aprendizagem significativos e inovadores e não simplesmente de transposição de antigas metodologias e técnicas de ensino baseadas em novas ferramentas tecnológicas, como computadores e tablets. Como nos lembra Kenski, “[...] a tecnologia é essencial para a educação. Ou melhor, educaç~o e tecnologias s~o indissoci|veis” (2013, p. 43). Dessa forma, diferentes tecnologias permearam o ambiente escolar ao longo dos últimos séculos e ao final do século XX variadas tecnologias foram sendo substituídas por tecnologias mais novas e modernas. Na minha atuação tanto como professora de LA quanto como formadora de professores, coordeno projetos em que há a proposta de inserção das possibilidades das tecnologias e de diferentes aparatos tecnológicos na aula de espanhol de colégios do ensino médio, desde retroprojetores e gravadores até o computador, e, mais recentemente, tecnologias móveis, como o celular e o tablet, segundo Santaella (2007, p. 24) (...) linguagens tidas como espaciais – imagens, diagramas, fotos – fluidificam-se nas enxurradas e circunvoluções dos fluxos [...] Textos, imagem e som já não são o que costumavam ser. Deslizam uns para os outros, sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-se, unem-se, separam-se e entrecruzam-se. Tornaram-se leves, perambulantes. Perderam a estabilidade que a força de gravidade dos suportes fixos lhes emprestavam. Viraram aparições, presenças fugidias que emergem e desaparecem ao toque delicado da pontinha do dedo em minúsculas teclas. Voam pelos ares a velocidades que competem com a luz.

Vivemos um momento de grande apelo às tecnologias, o que gera uma constante inserção dessas ferramentas no contexto educacional por meio de incentivos dos governos municipal, estadual e federal na compra de diferentes equipamentos como tablets, netbooks e lousas digitais além da criação de diferentes programas de promoção dessas tecnologias como o “Um Computador por Aluno” (UCA), entre outros. Consequentemente amplia-se a demanda para a formação de professores visando à plena utilização dessas tecnologias no contexto educacional. Contudo, muitos desses programas apresentam baixa eficiência, uma vez que a maior parte das ações tem como objetivo um caráter instrumental, de treinamento para utilização dos aparelhos e suas funcionalidades (aplicativos e programas) ao invés da apropriação crítica dessas tecnologias e o letramento digital de forma que os usos pedagógicos das TIC tragam uma mudança nos paradigmas educacionais e não a replicação de antigos modelos com o novo ferramental (KENSKI, 2012; PRETTO, 2008; PONTE, 2000). 169 XII SEMANA DE LETRAS

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O trabalho parte de uma problemática central que se foca nas seguintes questões: Como os professores de LA da educação básica, ensino médio podem se apropriar das tecnologias de maneira a potenciar o letramento, a compreensão escrita, em suas aulas? Como as tecnologias promovem ou não a aquisição da compreensão escrita no processo de letramento em LA? Nesse sentido, nos centramos em propor uma estratégia de aprendizagem da compreensão escrita a partir das tecnologias voltada para a formação continuada de professores de espanhol visando à apropriação crítica das TIC a fim de potencializar sua utilização na educação. Para isto, a aplicação das tecnologias pode potenciar o aprendizado de espanhol. Para tanto, é notório que as tecnologias entre elas, a internet, abrem novas perspectivas entre as muitas ferramentas que disponibiliza como mediação pedagógica para auxiliar o processo de ensino-aprendizagem, levando aos docentes a se envolverem com os seus alunos na construção do seu próprio conhecimento de forma participativa e cooperativa desenvolvendo a sua autonomia na aprendizagem. A escolha de textos, músicas, vídeos entre outros, bem como de estratégias para a inclusão destes nas atividades didáticas pedagógicas, pode potencializar o ato de aprender. Quando o professor tem a possibilidade de planejar e construir materiais em linguagem multimídia, o processo tende a ser mais efetivo. Além disso, motivar os alunos para o letramento, a partir da interação com as tecnologias de modo que todos os envolvidos no mesmo processo possam interagir em prol da prática do ato de ler 40, não ficando presos só ao ensino presencial, oferece a possibilidade de estar em contato com as comunidades virtuais de interação social e aprendizagem. Sendo assim, partimos do pressuposto que a utilização das TIC, de maneira contextualizada para o ensino de espanhol, permite que o docente dinamize a aula e estimule a participação crítica e criativa dos estudantes. Dessa forma, formamos a hipótese que as tarefas pedagógicas de cunho digital se voltam para a interação, de modo que provocam a participação colaborativa dos professores com os estudantes e dos estudantes entre si tanto dentro quanto fora da sala de aula. A elaboração de materiais didáticos a partir das tecnologias e o emprego das suas possibilidades no processo de ensino de espanhol para os estudantes visam à criação e recriação de material didático por parte do professor para a aplicação nas aulas presenciais41. Dar-se-á especial ênfase na perspectiva do ensino presencial, a utilização das tecnologias 40Referencia

a obra de Paulo Freire “A import}ncia do ato de ler: em três artigos que se complementam”. professores de língua estrangeira contam com uma hora aula (cinquenta minutos) por semana com turmas que possuem em média quarenta e cinco alunos. 41Os

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como suporte para dar continuidade ao processo de ensino e aprendizagem iniciado em sala de aula. Enfatizam-se as diversas perspectivas existentes sobre o espaço e a importância que devem/podem ser dados ao ensino com as TIC, assim como a destreza leitora que permitem desenvolver vários letramentos o impresso, o midiático e o digital nos estudantes. Desta maneira, se objetiva a formação continua dos professores regentes dos colégios estaduais no que tange a análise e elaboração de materiais didáticos, uma vez que os professores participarão do projeto colaborando na elaboração das atividades e tarefas das possibilidades que nos oferecem as TIC como a internet. Além disso, a ponte entre as atividades e tarefas do manual didático utilizado pelo professor regente nas aulas e as atividades propostas com as tecnologias são imprescindíveis para que se repense a questão da adequação do material didático as necessidades e expectativas dos estudantes. O projeto visa avaliar até que ponto as tecnologias podem beneficiar o ensino de LA e desenvolver a capacidade dos estudantes no que tange habilidade de leitura no processo de letramento múltiplo. É sabido que o uso do computador pode proporcionar ganhos pedagógicos como editores de texto, editores gráficos e ambientes de construção multimídia que permitem aos alunos a compreender na língua estrangeira, interpretando e reinterpretando infinitamente. Dessa forma, oportuniza aos discentes, vivências no processo ensino-aprendizagem com base nas tecnologias existentes e aos professores, a possibilidade de criarem e recriarem material didático tendo a disponibilidade de mais um recurso. Devido ao relatado, o conhecimento e a inclusão das possibilidades da tecnologia na aquisição de espanhol leva também à ampliação do processo de letramento dos estudantes do ensino médio.

O ensino de línguas com o auxílio do recurso on-line Neste trabalho nos baseamos na comunidade de prática ou na teoria social de aprendizagem de Wenger. Ao se engajar nesse projeto os participantes contam com a colaboração entre todos pertencentes da comunidade para um aprendizado contínuo e mútuo, sendo que cada um assume um papel importante no processo como um todo. Para Wenger (apud PERIN, 1998): A comunidade é o fio condutor da aprendizagem. Assumindo que a aprendizagem é uma questão essencialmente de pertencimento e de participação, a comunidade tornase um elemento central como grupo de pessoas que interagem, aprendem conjuntamente, constroem relações entre si, desenvolvem um sentido de engajamento e de pertencimento. Estas pessoas interagem regularmente e se engajam em atividades conjuntas, estabelecendo relacionamento e confiança.

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Como uma comunidade de prática visa o aprendizado de todos para desenvolver a habilidade de leitura em LA, os professores e os estudantes assumem a responsabilidade de participar e interagir para que o processo se efetive, consequentemente haja o aprendizado. Assim, a interação assume vários papéis, como por exemplo: 1) Aluno-aluno: essa interação ocorre síncrona e assincronamente, o que caracteriza o aprendizado colaborativo. A interação é interpessoal. “Ela gera motivaç~o e atenç~o, enquanto os alunos aguardam o feedback dos colegas, e diminui a sensação de isolamento do estudo a dist}ncia” (MATTAR, apud LITTO & FORMIGA, 2009, p. 116). 2) Aluno-professor: essa interação se assemelha à anterior, pois pode ser síncrona ou assíncrona também e o papel do professor é fundamental pois esse deve motivar e dar feedback ao trabalho realizado pelos alunos. Sem esse feedback o aluno pode se perder ao não entender alguma atividade ou desistir de participar do projeto. 3) Alunoconteúdo: “O aluno pode interagir com o conteúdo de diversas maneiras: navegando e explorando, selecionando, controlando, construindo, respondendo, entre outras” (MATTAR, apud LITTO & FORMIGA, 2009, p. 116). No projeto o aluno explora o texto que foi postado com outros participantes e respondem as questões interpretativas. 4) Professor-conteúdo: nesse tipo de interaç~o o professor assume seu papel de ‘designer´, faz escolha de material didático a ser postado, na plataforma a ser utilizada, sugere fontes, propõe atividades para os alunos, enfim cria e coordena o projeto em si. Segundo Ramos (apud SOTO; MAYRINK & GREGOLIN, 2009, p. 93) um dos princípios teóricos de ensino-aprendizagem envolve o projeto no tangente a elaboração do material didático: [...] desenvolver confiança e fazer os alunos sentir-se confortáveis – envolve considerações sobre como o material pode dar ao aluno segurança de que obterá sucesso ao se engajar nas atividades que lhe serão apresentadas, criando senso de realização e, ao mesmo tempo, possibilitando elevar sua autoestima.

A interação mencionada anteriormente é fator primordial para interpretar textos em ELA. A partir das propostas de atividades colaborativas desenvolvidas a partir das tecnologias espera-se que o aluno chegue além do que seria capaz de produzir individualmente. Essa é uma preocupação da teoria socioconstrutivista de Vygotsky. Como nos diz Mores (2001, s/p): Um dos princípios básicos da teoria de Vygotsky é o conceito de "zona de desenvolvimento próximo". Zona de desenvolvimento próximo representa a diferença entre a capacidade da criança de resolver problemas por si própria e a capacidade de resolvê-los com ajuda de alguém. Em outras palavras, teríamos uma "zona de desenvolvimento auto-suficiente" que abrange todas as funções e atividades que a criança consegue desempenhar por seus próprios meios, sem ajuda externa. Zona de desenvolvimento próximo, por sua vez, abrange todas as funções e atividades que a criança ou o aluno consegue desempenhar apenas se houver ajuda de alguém. Esta pessoa que intervém para orientar a criança pode ser tanto um adulto (pais, professor, responsável, instrutor de língua estrangeira) quanto um colega que já tenha desenvolvido a habilidade requerida.

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Dessa maneira, os estudantes se ajudam mutuamente com o conhecimento que cada um tem e colaboram com o que vem sendo desenvolvido, sendo o professor um orientador, um mediador nas atividades, no processo de trabalho. Trata-se de uma abordagem na qual o estudante, a partir de exposição a diversos tipos e gêneros textuais, compreende e aprende a organização textual e a interpreta. Sabe-se que a partir do surgimento da Internet há a disponibilidade de um leque de gêneros digitais: e-mail, reportagens, bate-papo virtual, aulas virtuais, orkut, blog etc., que se tornaram práticas de linguagem diária na vida contemporânea, fazendo assim parte da nossa vida cotidiana, uma vez que saem do texto impresso se tornam digitais e passam a ser um recurso a mais para o professor de línguas na modalidade presencial.

Considerações finais... ou iniciais Sabemos que o hipertexto é certamente, a proposta de mesclar tecnicamente recursos semiológicos e linguísticos sob a tela do computador, que exige de seu usuário outro comportamento cognitivo para efetuar a compreensão, interpretação com o texto. Diante de tantas possibilidades exploratórias e de acesso a dados que a tecnologia proporciona uma reformulação para o texto. Assim, verificamos a possibilidade de desenvolver a habilidade leitora em língua adicional para os estudantes, se transformando em uma possibilidade a mais para que os professores utilizem o auxilio da tecnologia na educação. Assim, uma revisão no tipo de material didático para a aquisição de LA diferenciada do que é proposto tradicionalmente e oferecer um modelo a partir da utilização e apropriação das tecnologias na educação voltada para os novos letramentos que são necessários na nova cultura digital. Ao indicar atividades de aprendizagem de LA se busca responder ao desafio atual dos docentes em relação a utilizar as potencialidades da Web 2.0 para desenvolver novas formas de ensino e aprendizagem baseados na interação, colaboração e coaprendizagem, oferecendo maior abertura e flexibilidade, características da própria cibercultura. Ao propor para os professores a elaboração e aplicação do material didático almeja-se a apropriação crítica da tecnologia por professores permitindo processos de ensinoaprendizagem condizentes com as necessidades em um mundo cada vez mais globalizado e conectado em rede. Um mundo em que o conhecimento se torna cada vez mais fluido e as relações e interações sociais cada vez mais acentuadas. Nesse sentido, ao sugerir uma formação continuada de professores de ELA por meio de uma estratégia de aprendizagem da compreensão escrita a partir das tecnologias visando a criação de um processo de ensino e 173 XII SEMANA DE LETRAS

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aprendizagem baseado na relação não hierárquica entre os participantes da rede e que propicie a prática reflexiva e construção colaborativa de conhecimento.

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LIVRO DIDÁTICO E TECNOLOGIA COMO SUPORTES INDISPENSÁVEIS À APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Flávio Soares Santos (UFS) Givaneide Santos de Jesus (UFS)

Introdução O tempo não para e como ele aparecem transformações ao longo de várias etapas, sejam essas da vida, do trabalho, até do próprio ser humano. No entanto, o homem conseguiu, através de suas habilidades em decorrência do tempo, aprimorar a sua inteligência, em favor de novas “revoluções”, descobertas. É com o aparecimento do tecnológico que muitas janelas se abriram no ramo da ciência, da informação, que, por conseguinte gera o conhecimento. Este último, por sua vez, discorre de vários aparatos, podendo ser de um pergaminho, uma carta, um computador e até mesmo um livro. Pergaminho? Computador? Carta? Livro? , mas por que desta pergunta e qual a relação existente entre essas palavras? O que mais se utiliza no século XXI um pergaminho ou um computador? Uma carta ou um livro? Para responder essas perguntas voltamos à palavra tempo. O que podemos dizer do tempo relacionado a esses meios de informação? Em que momento essas quatro palavras estão mais situadas? É com base em duas dessas quatro palavras que esse trabalho se debruça: computador (internet) e livro, mas, especificamente às tecnologias e o livro, que nesse ramo será o livro didático. Partindo desses dois meios de informação, recai mais uma pergunta: Que relevância tem as tecnologias e o livro didático para a construção desse texto e que será o fio norteador, ou melhor, mediador para utilizar esses meios de informação? O professor é o que terá o papel protagonista relacionado aos dois elementos citados tecnologias, em especial à internet, e livro didático, pois esse trabalho ressalta a implementação dessas duas ferramentas, além da importância que essas atribuem à formação educativa em seio escolar, que neste trabalho será uma língua estrangeira, espanhol. É visível que com passar do tempo o mundo se transforma, e porque não dizer que a educação também? Estabelecer uma relação entre meios de informação considerados mais “remotos” de outros mais “atuais” pode ser uma tarefa até fácil. No entanto seria uma tarefa muito mais fácil quando se utiliza desses meios de informação para que estes sejam um pilar instrutivo à elaboração de um material didático, em especial a uma língua estrangeira. Como mencionado acima, para a elaboraç~o de tal material did|tico é necess|ria a “m~o de obra” de 176 XII SEMANA DE LETRAS

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um profissional (professor) capacitado na área da educação. Este que vai dosar de uma formação adequada que atenda às necessidades de seus alunos. Com isso, a junç~o “Tecnologia e Livro did|tico” reforça que é possível conciliar essas duas formas, até então tão distintas, mas que de modo positivo agregam uma importância ao ensino de uma língua estrangeira, como também em qualquer área de aprendizagem.

A contribuição da internet para a elaboração de material didático É ineg|vel o avanço da tecnologia que por sua vez impulsiona uma “revoluç~o” na sociedade, uma destas está relacionada à capacitação de professores cujas aulas necessitam se adequar ao ritmo globalizado e tecnológico, advento, principalmente, de máquinas que transpassam informações sobre qualquer assunto/tema global, o computador, esse, como outros aparelhos tecnológicos digitais, que pode/podem fornecer uma rede que conecta todos os acontecimentos e conteúdos, sejam esses, em qualquer área de conhecimentos: a internet. Vários são os aparatos tecnológicos atualmente, no entanto nos atentamos ao computador, neste trabalho, um dos incontáveis meios que colabora para a elaboração de material didático, claro quando este possui internet, esta que é de grande importância e a pilar, nesse caso, para a contribuição ao professor em suas buscas para construir um material que atenda a necessidade de seus alunos no processo educacional. A internet, que não tem muito tempo na vida social, permite que o educador obtenha variadas possibilidades de conteúdos para serem socializados em sala de aula. Bonh, 2009, contribui para essa validação quando ressalta: Metaforicamente falando, a rede mundial de computadores é um oceano de profundidades infinitas, a cada mergulho, encontramos vários tipos de informações sobre assuntos variados, seja local ou internacional. Essa variedade e autenticidade de informações encontradas principalmente em sites estrangeiros podem ser um excelente material para o ensino de língua estrangeira, (BONH, 2009, p.174).

A web, sem dúvidas disponibiliza inúmeros conteúdos que culminam a um eficaz material, não somente para o ensino de línguas estrangeiras, como também para o ensino de qualquer área educacional, uma vez que são infinitas, como aponta a autora, a disponibilidade de conteúdos, corroborando as palavras de Bonh, Araújo (2009) também atribui à tecnologia, em especial, as páginas educacionais inerentes à web um papel relevante quando se trata de aprendizagem de língua estrangeira, bem como pela disponibilidade de materiais para ensino, pois: Páginas educacionais baseadas na web têm começado a surgir, algumas gratuitas, outras pagas disponibilizando atividades para a aprendizagem de línguas a qualquer indivíduo interessado na aquisição de conhecimento através de materiais autênticos,

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO como também páginas destinadas a professores com orientações e sugestões de ensino sobre diferentes habilidades e tópicos, (ARAÚJO, 2009, p. 444).

Quando a autora menciona material autêntico, ela o justifica como aquele que é pautado em textos, vídeos e outras fontes que são usadas na comunicação genuína da vida real e, especialmente, foram preparados para as práticas pedagógicas. Como apontado anteriormente, vivemos numa sociedade, onde não se pode distanciar de muitas exigências, em especial no campo educacional. Com isso, Bulla e Bonotto (2008) reforçam o que apontamos sobre a validação das tecnologias como suporte à elaboração de materiais didáticos, como também para uma melhor contribuição ao ensino, em especial de língua estrangeira quando apontam: ... vivemos o desenvolvimento de novas TICs, principalmente o computador e a Internet, e suas aplicações no campo educacional. Essa nova realidade impõe aos professores de LE de hoje e de amanhã, bem como aos formadores, novas demandas e desafios. (BULLA e BONOTTO, 2008, p. 320).

“Formadores” se designa a todos os professores, sejam esses da rede de escolas básicas, como aos docentes de instituições superiores, segundo as autoras, pois para que os próprios alunos, professores e até mesmo os docentes de Universidades, exemplo, tenham êxito sobre a utilização das TICs (Tecnologia de informação e comunicação) é necessária essa formaç~o, se possível, continuada de professores que n~o eram “familiarizados” com tal ferramenta tecnológica. Assim, se adequando a essa nova realidade para suprir os anseios da educação nesse mundo tecnológico.

O livro didático como material indispensável às aulas O livro didático é o mais utilizado pelos professores no processo de ensinoaprendizagem, este que por muito tempo carrega uma significância educacional singular à formação do estudante, claro quando é utilizado de maneira adequada. Respaldando o mencionado acima, para que o livro didático seja utilizado (nas escolas públicas) é necessário que ele passe por um critério de avaliação bastante rígido pelo PNLD (Programa Nacional do Livro Didático) que destina livros das variadas disciplinas escolares ao longo de vários anos às escolas de ensino básico por todo país. A resolução nº 60, de 20 de novembro de 2009 abrange inovações ao PNLD, dentre estas está a implementação, em escolas de ensino fundamental e médio, de livros didáticos, seriados e reutilizáveis, abrangendo o comportamento curricular de língua estrangeira, inglês ou espanhol. Além disso, a própria resolução atribui que a educação é direito de todos e por isso se deve considerar “... as diversidades sociais e culturais que caracterizam a populaç~o e a 178 XII SEMANA DE LETRAS

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sociedade brasileira, demandando a garantia de oportunidades e a igualdade de condições para o acesso e a permanência dos alunos na escola”. No caso específico de língua estrangeira o PNLD dispõe a implementação desta às escolas no momento muito recente, no entanto a língua com mais representação foi a inglesa, antes do decreto 11.161 de 05 de agosto de 2005, após isso a língua espanhola, obrigatoriamente, seria adentrada ao ensino médio nas escolas públicas e privadas no país, sendo facultativa ao ensino fundamental. Embora essa resolução seja de 2009, o PNLD inclui o livro didático de língua estrangeira (Espanhol) no ano de 2011, para o ensino fundamental com os livros “Entérate” e “Saludos-Curso de Lengua Española” e para o ensino médio no ano de 2012 com os livros “Síntesis-Curso de Lengua Española”, “El arte de Leer Español” e “Enlaces-Español para Jóvenes Brasileños”. É através do primeiro livro dessa coleção aprovada pelo PNLD no ano de 2012, o “Síntesis” que propusemos, também com a tecnologia, a elaboraç~o do material did|tico apresentado às práticas pedagógicas. Além de complementá-lo para uma maior contextualização e explanação da aula proposta.

Da teoria à prática: aplicando os dois materiais nas aulas de língua estrangeira Iniciamos a prática docente fazendo algumas observações das aulas ministradas pelo professor regente, em uma determinada escola pública do estado de Sergipe (2ª série do ensino médio). Nas observações percebemos algumas dificuldades nos alunos como: leitura e oralidade na língua estrangeira, já que o professor regente só fazia uso do livro didático, elaboramos uma oficina que teve como objetivo principal unir o livro didático com a tecnologia, para que os discentes soubessem da importância de ambos. Desta maneira, optamos pelo conto “Todo es posible” das p|ginas 93 e 94, do livro Síntesis. No conto citado acima, obtivemos as imagens de “Caperucita Roja” (Chapeuzinho Vermelho) e sua “Abuelita” (vovozinha), tais imagens e conto divergiam da “história real” que conhecemos de Chapeuzinho Vermelho. Sendo assim, resolvemos utilizar a tecnologia, buscando imagens na internet que mostrassem os personagens da história, trabalhando a préleitura com as imagens da internet (com a chapeuzinho do conto tradicional) e as imagens do livro. Desta forma, fizemos alguns questionamentos como: Conhecem os personagens dessas imagens? Lembram-se da qual história eles fazem parte? acerca das imagens, ativando o conhecimento prévio dos alunos. Nisso, várias respostas foram dadas e quando mostramos as 179 XII SEMANA DE LETRAS

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imagens da “história real” de Chapeuzinho Vermelho e as imagens do livro, perguntamos quais as diferenças que existiam entre elas? O que a Chapeuzinho e a Vovó estavam nas mãos nas duas imagens? A fisionomia de ambas era igual? O título “Todo es posible”, o que quer dizer esse? Quais as possibilidades que essa história pode nos contar? Depois de tais questionamentos sugiram várias respostas e diversas possibilidades para o título. Logo após, solicitamos que os alunos fizessem a leitura em espanhol da história presente no livro, intitulada “Todo es posible” e pedimos para que um dos alunos contassem a “história real” de Chapeuzinho Vermelho. A partir da leitura, percebemos as dificuldades dos alunos em ler um texto em língua estrangeira. Em vista disso, o tempo era de 50 minutos e não podíamos explanar tanto os principais fatores para uma leitura em língua estrangeira, algumas dúvidas de vocabulário foram tiradas. Posteriormente, perguntamos se a história que eles tinham acabado de ler tinha alguma semelhança com a história real de Chapeuzinho Vermelho, qual era o objetivo de Chapeuzinho Vermelho e da Vovó na história do livro? Apesar das histórias serem distintas, os alunos conseguiram entender o que ambas as histórias mostravam. Logo depois desse momento de interação com os alunos chegamos à pós-leitura, a atividade fundamentava em elaborar um pequeno texto, em espanhol, fazendo uma relação entre as duas histórias, colocando o posicionamento crítico de cada discente. Através destes relatos, podemos perceber que o uso do livro didático e da tecnologia ajuda no aprendizado de língua adicional (espanhol), uma vez que o professor regente tem a autonomia de adaptá-lo. A primeira ferramenta mencionada é o recurso mais utilizado pelos professores. Desta forma, muitos não fazem uso de outros recursos em suas aulas, devido a alguns fatores, como: falta de tempo, apenas uma aula por semana, indisponibilidade de materiais tecnológicos, entre outros. A segunda ferramenta é de bastante valia para chamar a atenção dos alunos na aula, através desta podemos também trabalhar todos os conteúdos da língua estrangeira de forma diversificada e bem mais ampla.

Considerações finais Ao mencionar sobre a importância/junção do livro didático e da tecnologia que são fatores de fundamental relevância para o ensino de língua estrangeira, devemos levar em consideração os aspectos que foram avaliados para a aprovação do PNLD, bem como se a escola oferece recursos tecnológicos para serem utilizados na sala de aula e como o professor regente trabalha o ensino da língua adicional (espanhol). Em suma, o livro didático é um suporte de fundamental importância na aprendizagem do aluno, só que existem livros em que o professor necessita adaptá-lo para que o discente 180 XII SEMANA DE LETRAS

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tenha um maior interesse em estudar a uma língua estrangeira, no caso específico dessa pesquisa o livro “Síntesis”. Quando falamos em adapt|-lo o material de forma crítica, Matos, 2014, p.172, ressalta que: “... os professores precisam estar preparados para, de maneira crítica, saber escolhê-los, reescrevê-los, complementá-los, adaptá-los e usá-los para atender às necessidades de seus alunos”. A tecnologia é um recurso inovador e transformador no ensino de línguas e fazendo “parceria” com o livro did|tico temos dois recursos indispens|veis para o ensino de língua adicional (espanhol). Essa junção foi/é de fundamental importância para o aprendizado do discente.

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MATERIAIS DIDÁTICOS PARA O ENSINO DE LÍNGUAS Tainah de Melo Azevedo (UFS) Laís Susane Rocha de Oliveira (UFS)

Introdução Para um melhor resultado na aprendizagem dos estudantes, professores buscam recursos pedagógicos que ajudem a melhorar suas aulas, diminuindo a evasão escolar e o desinteresse por parte dos alunos. Dessa forma, boas práticas docentes como a utilização de materiais didáticos podem tornar as aulas mais proveitosas, facilitando e enriquecendo a aquisiç~o de conhecimentos, assim, “Entende-se aqui por material didático todo ou qualquer material que o professor possa utilizar em sala de aula; desde os mais simples como o giz, a lousa, o livro didático, os textos impressos, até os materiais mais sofisticados e modernos” (FISCARELLI, 2007, p.1). O professor tem papel fundamental na vida do aluno, pois além de mediador de conhecimentos, tenta muitas vezes estar presente na vida do discente, estimulando-o a estudar. É dessa forma que o professor em seu dia-a-dia vai procurar maneiras de fazer com que seus alunos tenham bons resultados nas suas aulas, fazendo bons planejamentos e utilizando materiais didáticos apropriados para que estas sejam mais produtivas tanto para o professor quanto para o aluno. O uso dos materiais didáticos nas aulas é de suma importância para que se possa conseguir garantir, na maioria das vezes, uma maior motivação nas aulas e nos estudos, e em relação ao ensino de línguas, é uma maneira de estimular os alunos a serem mais participativos e servir de incentivo para o aprendizado da língua estudada, desenvolvendo assim habilidades orais e escritas, destacando que não depende somente desses materiais para as aulas serem satisfatórias. Nesse contexto, o docente não pode mais se limitar em ministrar aulas consideradas monótonas e sem materiais didáticos diversificados, ele deve se apropiar também das novas tecnologias como ferramentas de apoio no processo de ensino-aprendizagem, pois principalmente nos dias atuais, nem sempre é possível satisfazer aos interesses dos estudantes. Por estas razões apresentadas, decidimos trabalhar neste artigo de forma contextualizada buscando unir esses materiais didáticos a temas transversais e às novas tecnologias em junção ao conteúdo gramatical, para que assim efetivamente contribua para estabelecer algumas condições favoráveis para o ensino e para a aprendizagem dos discentes. 182 XII SEMANA DE LETRAS

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Os professores veem na utilização dos materiais didáticos, maneiras de proporcionar uma participação mais ativa dos alunos, pois uma aula onde só o professor explica o conteúdo, na maioria das vezes, não desperta a atenção dos discentes, o mesmo ocorre nas aulas de língua estrangeira, em que em alguns casos, estas são baseadas apenas no conteúdo gramatical e na tradução. Por mais que o livro didático seja um dos materiais mais utilizados pelos docentes, por motivo de ser um tipo de método mais fácil para o professor, faz com que a maioria destes profissionais utilizem exercícios tradicionalistas, resultando em poucas taxas de interesse pelo conteúdo e aprendizado na sala de aula. Assim, os materiais e recursos didáticos apresentam uma relevância muito grande na realização de atividades, pois desenvolvem o conhecimento com mais qualidade, resultando em uma melhor fixação do conteúdo e facilitando assim, a compreensão sobre determinados temas. Além do mais, temas transversais também podem ser incluídos como um tipo de material didático, pois são temas da contemporaneidade trabalhados pelo professor, e que na maioria das vezes despertam interesse nos alunos, por serem temas que estão sendo intensamente vividos pela sociedade, comunidades, famílias, alunos e educadores em seu cotidiano, assim o docente pode fazer a junção do material didático, temas transversais e novas tecnologias, que dessa forma o auxiliarão com maior precisão no processo de aprendizagem dos alunos.

Temas transversais e novas tecnologias no ensino de línguas É importante repensarmos sobre os métodos de ensino, deixar um pouco o tradicional e começarmos a utilizar o inovador, deste modo, o professor deve usufruir e utilizar da sua criatividade para poder tornar uma aula diferente da outra, contando com uma grande diversidade de temas transversais, temas estes que os alunos veem diariamente na rua, em casa, na televisão. Além disso, pode também ser unido às novas tecnologias, pois são ferramentas que atualmente se encontram mais acessíveis ainda para uma grande parte dos alunos, é dessa forma que esses recursos vão ser aliados dos professores, já que com isso várias atividades poderão ser produzidas. A escolha dos temas transversais é um recurso importante, pois não deverão ser trabalhados em classe temas muito longe da realidade do aluno e sim temas que eles vivenciam constantemente, portanto o professor pode inovar sua prática utilizando os diversos recursos que estão disponíveis, unindo o material didático ao conteúdo gramatical que ele utilizará em sala com função de promover uma aprendizagem significativa. 183 XII SEMANA DE LETRAS

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Assim, o professor deve atentar-se aos conteúdos que quer trabalhar na sua aula, para não fugir da realidade do estudante, portanto, como é tratado nos Parâmetros Curriculares Nacionais “Devem ser explorados os temas transversais apropriados para a faixa et|ria dos alunos que sirvam para problematizar as questões de natureza social do mundo em que vivem”. (BRASIL, 1998, p. 73). Atualmente muito se fala em internet como um objeto fundamental de auxilio dos professores em diferentes áreas, assim muitos educadores vêm propondo que a escola esteja cada vez mais unida a novas tecnologias, mas a utilização destas no ambiente escolar ainda enfrenta alguns obstáculos, essa ferramenta ainda é inacessível para muitos estudantes do nosso país, mas o problema não é apenas este, ainda há muitas escolas sem estrutura para efetivação de práticas pedagógicas inovadoras, incluindo problemas governamentais, em que o acesso a esses recursos tecnológicos não chegam a todos. É imprescindível frisar sobre a importância de estarem vinculados a tecnologias, porém, os docentes devem estar preparados para receber e lidar com os novos recursos que desejam trabalhar, pois para alguns professores é difícil lidar com algumas complexidades encontradas nos meios tecnológicos a fim de repassá-los para seus alunos como meio de uma forma de ensino. São por essas razões que é necessário destacar que é de extrema importância a participação desses profissionais da educação em cursos e capacitações para sempre estarem atualizados. Vários estudos feitos por pesquisadores no Brasil e no exterior mostram que, a inclusão de novas tecnologias não pode ser feita de qualquer maneira no contexto escolar, sendo necessário que o professor passe por uma capacitação antes de explorar pedagogicamente as tecnologias com seus alunos. A aprendizagem mediada pelo computador oferece oportunidades de interação comunicativa e reflexões sobre o uso da linguagem na contemporaneidade e, consequentemente, do processo de aprendizagem a partir da constituição de um conhecimento colaborativo. (SANTOS, BEATO E ARAGÃO, 2010, p. 1 e 2).

Dentre tantos desafios encontrados pelo professor para o desenvolvimento e execução do seu papel em sala de aula, devido a escassez de materiais didáticos, pesquisas têm demonstrado que o docente ainda encontra dificuldade em utilizar tecnologias que algumas escolas disponibilizam, para assim obter uma aprendizagem significativa, interativa e comunicativa. Como já foi mencionado neste artigo, ainda há um despreparo desses profissionais para a utilização dessas ferramentas que de fato se faz necessário, assim deve partir do governo preparar os professores para auxiliá-los a expandir seus conhecimentos no meio tecnológico para dessa forma, integrá-los às novas tecnologias. Neste âmbito, o professor se vê desafiado a propor formas significativas de uso da língua que podem ser realizadas em atividades mediadas pelas novas tecnologias e/ou

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO outras mídias. A mediação do computador dá aos participantes oportunidades de interação comunicativa, de reflexão sobre o uso da linguagem no mundo contemporâneo e do processo de aprendizagem a partir da construção de conhecimentos colaborativos. (SANTOS, BEATO E ARAGÃO, 2010, p. 3).

Apesar disso, pode-se observar nos dias atuais que muitas pessoas, independente da idade, estão cada dia mais envolvidas em meios tecnológicos. Esse fato ocorre com mais ênfase entre os jovens, a partir disso, nota-se que é importante que o professor aproveite esse conhecimento e busque levar para suas aulas essas tecnologias, afim de que possa transformar essas aulas em um ambiente de aprendizagem mais dinâmico, proveitoso e interativo, como diz Maria Cecilia Mollica em seu texto sobre A formação em linguagem, “H| que se pensar em recursos dinâmicos, durantes os quais seja estimulada a curiosidade permanente de buscar conhecimentos novos, modos pedagógicos inovadores, e de se prestar atenç~o a novas tecnologias” (MOLLICA, 2009, p.33). Contudo, trabalhar com materiais didáticos unidos à tecnologia da informação (TIC) pode envolver alguns obstáculos: O uso das Tic’s nas escolas enfrenta várias barreiras, dentre elas uma aversão à mudança que impossibilita a plena integração das novas tecnologias no contexto escolar. Essa resistência pode partir do professor ou da escola, no primeiro, pode ser por falta de interesse em mudar sua prática de ensino, insistindo em continuar com o método tradicional, e no segundo porque, muitas vezes, as escolas têm dificuldades de se reorganizar para promover a implementação de práticas pedagógicas inovadoras. (SANTOS, BEATO E ARAGÃO, 2010, p. 1).

Como pode-se perceber, a aplicação de materiais didáticos ligados às Tic´s, o tempo, a disponibilidade das escolas e dos próprios professores, podem ser um desafio para a maioria destes. Mas diferente desses pensamentos aqui apresentados, nos dias atuais, com o avanço das tecnologias, estas podem ser um dos recursos de maior inovação no processo ensinoaprendizagem, resultando nas melhores consequências possíveis, principalmente em disciplinas de línguas estrangeiras, pois além de possibilitar de uma maneira mais rápida e fácil a comunicação entre povos de diferentes nacionalidades, faz com que os docentes tenham a oportunidade de diminuir nos seus alunos, os preconceitos e esteriótipos em relação a povos ou costumes dos países estudados, é uma forma mais prática de levar o conhecimento de novas culturas para os discentes.

Papéis do material didático no ensino de línguas O livro didático é um material valioso para o acesso à cultura e ao desenvolvimento, porque ele organiza, sistematiza e inclui métodos de aprendizagem, um instrumento de trabalho do docente. Todavia, é imprescindível destacar a importância deste e dos demais 185 XII SEMANA DE LETRAS

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materiais didáticos no ensino de línguas, pois eles têm como função no ambiente escolar entre outros fatores, possibilitar a interação e aprendizado de diferentes culturas, proporcionar meios para uma melhor construção de conhecimento e auxiliar o processo de ensinoaprendizagem de professores e alunos, respectivamente. Hoje muito se comenta sobre a falta de interesse de boa parte dos alunos para se aprender uma língua estrangeira por motivos de não saberem ou entenderem a importância que esta disciplina representa no contexto social. Por estas e múltiplas razões, muitos professores buscam atrair a atenção dos estudantes, levando recursos que façam suas aulas tornarem-se mais dinâmicas tentando motivá-los, pois como sabemos, para se ter uma aula satisfatória não é necessário apenas o uso de um bom material didático, é preciso que a maneira e o contexto em que o professor vai inseri-lo também sejam atrativos e significativos, pois esses recursos se não trabalhados da melhor forma, talvez não obtenha bons resultados, e em um mundo altamente desenvolvido como o atual, há uma maior facilidade de adquirir ou encontrar os tipos de materiais adequados para determinados conteúdos disciplinares como meios de inovar o ensino de disciplinas em geral e principalmente as de línguas estrangeiras, um exemplo disto é o uso da internet, um dos meios mais práticos e favoráveis para este benefício. Para Oxford (1999), estudiosa da motivação em ensino-aprendizagem de línguas, compreender esse construto é de interesse e valia para os professores, ao permitirlhes usar técnicas pedagógicas adequadas e otimizadoras do envolvimento do aluno com o aprendizado, e também para os próprios alunos, podendo lhes auxiliar nos momentos em que se torna difícil manter a motivação interna para continuar persistindo na tarefa de aprender uma língua estrangeira, posto que, para a autora, a motivação é o que encoraja o esforço e conseqüentemente viabiliza os bons resultados. (CAMPOS-GONELLA, 2007, p.23, apud Oxford, 1999).

É pensando dessa forma, que o professor de língua estrangeira deve procurar soluções a fim de modernizar o seu ensino e assim restaurar o mesmo, pois esta motivação pode resultar em uma maior influência na aprendizagem, tornando também uma oportunidade de criar uma maior autonomia e independência dos livros didáticos por parte dos docentes, sucedendo assim em uma possível maior interação entre aluno-professor, professor-aluno.

Considerações finais Entendemos, portanto, que para ter sucesso no momento de ministrar a aula, é necessário um bom planejamento e isto inclui com certeza a utilização de materiais didáticos diversificados, assim, se torna indispensável a união entre materiais didáticos que o professor 186 XII SEMANA DE LETRAS

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opte trabalhar, com temas transversais vividos pela comunidade escolar em junção às novas tecnologias, pois assim os resultados serão qualitativos tanto para o professor que terá sensação de dever cumprido, quanto para o aluno que fixarão o que foi ensinado. Em síntese, existem vários artefatos que o professor pode trabalhar em sala de aula e utilizar como recursos didáticos, alguns sites da internet, por exemplo, lugar em que é encontrada uma variedade de materiais satisfatórios, produtivos e ainda maneiras de como utilizá-los, é a partir disso que extende-se o papel de professor como mediador para auxiliar seus alunos na busca do conhecimento. Dessa forma, o professor pode trabalhar com vídeos, pesquisas, entre outros, sempre contextualizando, montando assim o seu próprio material didático. Diante disso, se faz necessário atentar que inicialmente é primordial que o professor se aproxime do aluno e de sua realidade, pois não adianta que o docente por exemplo, leve para a classe uma música que só ele goste, é preciso que seja do interesse do aluno também, para que sintam-se motivados a participar da aula, as temáticas também precisam estar de acordo com a realidade a qual os alunos estão inseridos, como por exemplo as novelas, filmes, esportes e toda a diversidade que o mundo tecnológico nos traz cada dia que passa. Por conseguinte, as redes sociais, muitas vezes são grandes aliadas do professor, sendo necessário realizar tarefas que envolvam a internet, atividades de produção escrita em blogs, e-mail, fóruns virtuais, chats, facebook, entre outros, utilizando também sites onde pratiquem seus conhecimentos gramaticais, respondendo a exercícios, dessa maneira, os alunos estarão em contato com o que gostam e terão mais possibilidades de desenvolver sua aprendizagem, extinguindo assim a monotonia e o tradicionalismo que muitas vezes são encontrados nas aulas em geral, aumentando o prazer em estudar e de realizar as atividades desempenhadas pelo professor.

Referências BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais : terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília : MEC/SEF, 1998. CAMPOS-GONELLA, Cristiane Oliveira. A influência do material didático na motivação de aprendizes da língua inglesa em contexto de ensino público / Cristiane Oliveira CamposGonella. São Carlos: UFSCar, 2007. FISCARELLI, Rosilene Batista de Oliveira. Material didático e prática docente / Rosilene Batista de Oliveira Fiscarelli. Araraquara : SP, 2007. MOLLICA, Maria Cecília. A formação em linguagem. In: Linguagem para formação em letras, 187 XII SEMANA DE LETRAS

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educação e fonoaudiologia. SP: Contexto, 2009. RICHTER, Marcos Gustavo. O material didático no ensino de línguas. 2005. SANTOS, Tássia Ferreira. BEATO, Zelina. ARAGÃO, Rodrigo. As TICS e o ensino de línguas. 2010.

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MÉTODOS DE ENSINO PARA AS LÍNGUAS ESTRANGEIRAS Suiara Santos da Silva (UFS) Fabyola Bispo Santos (UFS)

Introdução Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998 p.19), o objetivo do ensino de LE é de a “possibilidade de aumentar a auto percepç~o do aluno como ser humano e como cidad~o”. Ressalta-se também a aprendizagem não apenas pela importância, mas por ser direito de todo cidadão, ou seja, é de grande importância para a construção se sua cidadania. É através dele que as escolas tornam-se referência diante de como se deve ensinar e aprender uma língua estrangeira. Com isto, nossa pesquisa pretende trazer algumas reflexões quanto ao ensino de língua estrangeira na escola básica e alguns métodos inovadores que possam ser utilizados no ensino-aprendizagem. Para justificar nossa investigação procuramos analisar a importância do ensino educacional de E/LE, e com base em possíveis problemas existentes no ensino público brasileiro. Todavia, não procuramos desconsiderar as faculdades de letras que tem um papel importante na formação dos docentes. Assim

procuramos

organizar

esta

investigação

em

tópicos.

Inicialmente

apresentamos o objetivo e a justificativa de que nos levou a essa investigação. No primeiro, trazemos um amplo conhecimento sobre a importância da inclusão do ensino de língua espanhola no currículo escolar baseado em leituras e reflexões críticas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998 e 2002), Orientações Curriculares do Ensino Médio (2006). No subtópico que segue abordamos o ensino de língua e possibilidades de mudar a situação encontrada, buscando modos de inovação de ensino. No quarto tópico segue as considerações finais e referencias.

O ensino de E/LE na escola básica O Ensino de língua estrangeira no Brasil sempre foi discriminatório. Desde 1942, o Espanhol foi incluído, pela primeira vez na grade curricular obrigatória brasileira por meio da Lei Orgânica do ensino nº 4.244/42, que determinava a sua inclusão no 2º ciclo secundário, no clássico e no cientifico.

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No Brasil, a proximidade com as fronteiras com os países hispanofalantes e o aumento das relações econômicas entre nações impulsionadas pelo Mercado das Nações de Cone Sul (MERCOSUL), levaram o governo brasileiro a introduzir a língua espanhola como oferta obrigatória nas escolas, através da Lei 11.161 em 05 de agosto de 2005 que obriga a oferta da disciplina no Ensino Médio e faculta no Ensino Fundamental. Apesar de que a língua estrangeira esteja sendo obrigada nas escolas, a situação do ensino não é muito agradável no Brasil, o ensino da mesma não é visto como elemento importante na formação do aluno, ou seja, essa disciplina não tem lugar privilegiado no currículo, sendo ministrada em algumas regiões uma vez por semana, e em outras a situação se torna bem pior, a língua estrangeira é colocada fora da grade curricular. Até bem pouco tempo o ensino da língua estrangeira foi alvo de discursões e manifestos nos meios acadêmicos e educacionais. A discursão era para garantir a permanência dessa disciplina no currículo, no entanto com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que determina a língua estrangeira como disciplinas obrigatória no ensino fundamental a partir da quinta série, esse discursão não precisa ser mais defendido. A partir do que foi determinado na criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) a aprendizagem de LE, assim como a língua materna é um direito de todo cidadão. Segundo os PCNs “a aprendizagem de leitura em Língua Estrangeira pode ajudar o desenvolvimento integral do letramento do aluno”. (1998 p 20), ou seja, a leitura tem uma função muito importante na escola e aprender a ler em outra língua pode colaborar no desempenho do aluno como leitor em sua língua materna. A aprendizagem de LE leva o aluno a uma nova concepção de linguagem, aumenta sua compreensão de como a linguagem funciona e desenvolve maior consciência do funcionamento da própria língua materna, promove também o desejo do aluno conhecer outros valores e costumes de outras culturas, outro ponto importante educacional é a função interdisciplinar que a aprendizagem de LE pode desempenhar no currículo. Aprendizagem de língua estrangeira contribui para o processo educacional como um todo, indo muito além da aquisição de um conjunto de habilidades linguísticas. Leva a uma nova percepção da natureza da linguagem, aumenta a compreensão de como a linguagem funciona e desenvolve maior consciência do funcionamento da própria língua materna. (PCNs, 1998, p. 37).

O ensino de língua espanhola, não deverá ser ensinada somente para aprender uma nova língua, e sim no processo educativo global dos estudantes, expondo-os à alteridade, à diversidade à heterogeneidade, caminho fértil para a construção de sua identidade. 190 XII SEMANA DE LETRAS

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Por tanto é necessário enfatizar, no entanto, que os objetivos de ensino de língua estrangeira na escola não são os mesmos do ensino em cursos particulares. O ensino de ELE na educação básica buscar trabalhar as habilidades de leitura, oralidade e comunicação escrita e sempre que possível, relacionar os conteúdos com a realidade do grupo. Além disso, o ensino de LE na escola tem o papel de ampliar a visão crítica do aluno e possibilitar sua participação ativa no mundo. Por meio das disciplinas do currículo escolar, busca-se a formação de indivíduos, o que inclui o desenvolvimento de consciência social, criatividade, mente aberta para conhecimentos novos, enfim, uma reforma na maneira de pensar e ver o mundo. (OCEM, 2006, p. 90).

Desta forma, o professor que leciona LE deve preparar os alunos para que eles tenham acesso a novas informações e possam utilizar o que é aprendido para transformar sua realidade e o meio em que vivem.

O ensino de língua além da gramática O ensino de língua estrangeira sempre manteve a gramática em destaque, dando aos exercícios estruturais um lugar privilegiado, não que nos cursos de letras os professores não passem esse tipo de exercício, um professor sim tem que saber a gramática, por tanto que não seja o eixo do curso “A gramática – normativa, prescritiva e proscritiva – pautada na norma culta, modalidade escrita, não é a única que deve ter lugar na aula de línguas estrangeira, nem deve ser o eixo do curso” (OCEM,2006 pag. 144). O processo de aprendizagem de LE também tem o papel de inclusão ou exclusão social, ou seja, o ensino de língua estrangeira nas escolas vai muito além do conteúdo gramatical. Esta busca contribuir para a formação dos indivíduos como cidadãos, além de agregar novos conhecimentos ao que já é sabido pelos alunos e fornece também conhecimentos ou ampliação de um conhecimento prévio sobre uma cultura diferente. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a maiorias das propostas educativas no ensino de línguas já oferece uma abordagem comunicativa, mas as atividades nas escolas, em geral, ainda exploram a estrutura gramatical fora de qualquer contexto, ou seja a gramática é desvinculada dos materiais disponíveis (livros, internet, canções, revistas), textos que podemos utilizar de forma positiva e ao nosso favor no processo de ensinoaprendizagem. Sem dúvida alguma o estudo de forma contextualizada é a melhor solução, pois oferece novas informações e ideias, revela elementos da cultura e amplia o vocabulário do aluno.

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O que acontece em muitas das vezes são verdadeiros rituais de ensino, em que o professor ensina as regras de uma determinada língua e depois pede que os estudantes apliquem em atividades formais, exercícios estruturais e provas como forma avaliativa sem uma reflexão dos conteúdos estudados. Precisamos modificar urgentemente esse caminho tradicional de ensino, caminhar sempre em busca de novas e próprias maneiras de ensinar. Segundo González o problema não está se ensinamos ou não a gramática e sim, como ensinamos, ou seja, meios como televisão, música, redes sociais se interagem em uma estratégia que favorece a interdisciplinaridade, a criatividade e a inovação que valoriza o ensino do professor e proporciona que os alunos se sinta envolvido no seu processo de ensino-aprendizagem. Certamente assim, haverá mais interesse, participação e envolvimento tanto por parte dos alunos como de toda comunidade escolar. Nos últimos anos, houve um aumento nos números de vagas para professores de espanhol nas universidades públicas com o propósito de ampliar a capacidade de formação de professores para atuar no Ensino Básico, porém os ensinos fundamentais e médios continuam quase igual e carentes de profissionais capacitados na área, muitos desses formadores fazem basicamente o que sempre fizeram, ou seja, ensinar regras de gramática para alunos que possivelmente, jamais irão usá-las. No entanto é preciso repensar o ensino de LE na escola pública e conscientizar os professores a focarem o ensino de leitura e escrita, habilidades essa de que os alunos irão precisar em suas vidas acadêmicas.

Métodos inovadores: um desafio ou futuro aprendizagem para professores do século atual? Temos em vista que todo professor tem como meta realizar sua pratica pedagógica pautada em uma proposta educacional voltada para a formação de alunos críticos e participativos. No PCNEM entendemos que: Aprendizagem da Língua Estrangeira Moderna qualifica a compreensão das possibilidades de visão de mundo e de diferentes culturas, além de permitir o acesso à informação e a comunicação interacional, necessárias para o desenvolvimento pleno do aluno na sociedade atual. (PCEM, 2000, p. 11).

Assim todo professor tem que conhecer seus alunos, as culturas dos mesmos para que a partir daí possa existir uma relação entre professor e aluno, no método de ensino e nas técnicas inovadoras. Por tanto no método tradicional, a interação entre professor e aluno e pautada na transmissão de conhecimento, mas com os métodos inovadores, o professor vai passar a ser um facilitador e ambos trabalharam em conjunto para conseguir outros 192 XII SEMANA DE LETRAS

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resultados satisfatórios. Segundo Almeida Filho (2010), em “Dimensões comunicativas no ensino de línguas”, ...aprender uma língua consiste em um processo que vai da forma do professor ensinar, até a forma do aluno aprender, esse processo de ensino aprendizagem depende dos dois, tanto do professor quanto do aluno. (FILHO, 2010, p. 20).

Isso adquirir em fatores como: aproximação do ensino do professor, filtro afetivo do professor, partes do aprender do aluno e filtro afetivo do aluno, se não houver uma boa interação entre o professor e o aluno, se aulas não forem contextualizadas, ter seu foco apenas gramatical, não poderá dar-se de forma efetiva esse trabalho de ensinar e aprender. No ato da escrita, os textos de leitura devem ser autênticos e servir para incentivar a produção escrita; trocar de informações pessoais, relatos de passeios, notícias, construção de jornal, mural e etc. Fazendo uma interligação de habilidades com os relatos por escrito, uma entrevista oral ou recontar por escrito à história expressa na letra de uma música, a partir daí os alunos vão percebendo a importância dos gêneros textuais no cotidiano. Muito acima de uma visão reducionista e limitadora, os professores são agentes juntos com os estudantes, a construção dos saberes leva o indivíduo a estar no mundo de forma ativa, reflexiva e crítica. O foco do ensino não pode estar de modo exclusivo e predominante, somente para a preparação para o trabalho ou para superação de provas seletivas, como o vestibular. Dominar uma língua estrangeira supõe conhecer também e principalmente, os valores e crenças presentes em diferentes grupos sociais. (OCEM, 2008, p. 15).

Justamente conforme o PCN (2000) um erro realizado pelos docentes é aplicar suas classes de forma enfadonha e repetitivas; forma descontextualizada e desligada da realidade. Hoje em dia a grande maioria das instituições se baseiam nas aulas de língua estrangeira, no domínio do sistema formal da língua objeto, isto é, pretende-se levar o discente a entender, falar, ler e escrever, acreditando que a partir disso ele será capaz de usar o novo idioma em situações reais de comunicação. No entanto, o trabalho com as habilidades linguísticas citadas, por diferentes razões, acaba centrando-se nos preceitos da gramática normativa, destacandose a norma culta e a modalidade escrita da língua. Portanto no ponto de vista do docente o propósito do trabalho é mais do que transferência do assunto, passa a depender de um método que contornar pessoas na concepção de conhecimentos. Na metodologia tradicional, a memorização, como a principal operação exercitada, é insuficiente para os processos efetivos de ensino-aprendizagem e conjunturas contemporâneas. O docente deve propor ações que desafiem ou possibilitem o emprego das demais operações mentais para captação e assimilação do conteúdo; para isso organiza os processos de apreensão de tal maneira que as operações de pensamento sejam despertadas, praticadas, construídas e flexíveis para as necessárias rupturas. (SOUZA, p. 288).

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Ensinar é um procedimento dinâmico onde tem que haver relação entre o discente e o docente, discente e o discente e também entre discente e assuntos da disciplina. A avaliação é como se fosse um ponto de referência, a partir dela é que as decisões serão tomadas a respeito de métodos, conteúdos e objetivos dando qualidade as ideias construídas.

Considerações finais No entanto finalizamos que ao destaque do ensino da língua esta, por tanto, em agregar os alunos no funcionamento prudente da linguagem, não como seguidores de uma ou várias normas, mais como falantes capazes de refletir sobre as relações da língua e da linguagem, o que implica no trabalho em classe, sobre a possibilidade de afirmação em relação à divisão política que constitui as relações sociais, constituídas pela linguagem, ou seja, a uma relação entre língua e linguagem, e não entre língua e gramatica. Cremos que seja de fundamental importância, que todo assunto ou tema a ser estudado pela turma, tenha nexo, ou seja, que tenha significado, sendo assim, se faz necessário que o docente esteja sempre atento a utilizar diferentes recursos, seja um sócio interacionista, como: dinâmica em grupo, letra de música, vídeo e outros, na atividade a ser realizada, com a intenção de envolver aluno e professor para assim desenvolver o interesse, o que te gosta e o prazer, pois, partindo desse princípio, conseguiremos dos discentes a participação em sala de aula, motivação, e o interesse. Contudo temos em vista que, todo docente tem como objetivo desenvolver sua pratica pedagógica pautada em uma proposta educacional voltada para a formação de alunos críticos e participativos. Em Rapamzzo entendemos que: Atualmente a palavra método refere-se a um “conjunto de etapas, ordenadamente dispostas, a serem vencidas na investigação da verdade, no estudo de uma ciência, ou para um determinado fim”. Convém destacar que o autor enfatiza que um método deve seguir etapas ordenadas. Em outras palavras, considera o método como um trajeto linear que deve ser seguido para que um fim previamente estabelecido seja obtido. (RAPAMZZO, 2002, p. 3).

No entanto, sabemos que para que aconteça uma aprendizagem significativa dos discentes, a responsabilidade não se restringe só a uma instituição, nem ao docente. Referir-se principalmente, de uma maior alteração na educação pelas entidades que as mantem, que vai desde a devida remuneração dos profissionais de educação, até a segurança de níveis de trabalho.

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Referencias ALMEIDA FILHO, JPC “Dimensões comunicativas no ensino de línguas” / José Carlos Paes de Almeida Filho-6ª Edição- Campinas, SP: Pontes Editores, 2010. Cap. Ensinar e aprender uma língua estrangeira na escola. Disponivel em: http://www.people.ufpr.br/~marizalmeida/celem05/ensino_les_br.doc GONZÁLEZ, N. “Teoria linguística e gramática y em el aprendizaje de la enseñanza de E/LE” In: Actas del XIII Seminarios de dificuldades específicas de la enseñanza del español a Lusohablantes. Nuevos enfoques de la gramática en la enseñanza del español com légua extranjera. MEC, ESPAÑA, Consejería de Educación ed., 2005. p. 13-19. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares para o Ensino Médio; vol. 1: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Conhecimento de línguas estrangeiras. Brasília: MEC, 2006. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira/ Secretaria de Educação Fundamental. - Brasília: MEC/SEF, 1998. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Estrangeira. (3º e 4º ciclos do ensino fundamental). Brasília: MEC, 1998. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio). Brasília: MEC, 2000. RAPAMZZO, L. Metodologia Cientifica: Para Alunos dos Cursos de Graduação e PósGraduação. São Paulo: Loyola, 2002.

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MÉTODOS DE ENSINO PARA LÍNGUAS ESTRANGEIRAS: ENFATIZAR UM MÉTODO COMUNICATIVO OU TRADICIONAL? Aline Marques Santana dos Anjos (UFS) Camila Oliveira Xavier (UFS)

Introdução O objetivo desse artigo consiste em fazer uma análise sobre os tipos de métodos de ensino - tradicional e comunicativo - para línguas estrangeiras que são atualmente mais utilizados pelos professores em sala de aula para ensinar aos alunos. Consiste também em mostrar as desvantagens do método que é mais utilizado, o que melhorar nele, qual deveria ser utilizado e as razões para se mudar. E ao final mostrar uma terceira opção para o professor levar para as suas aulas. Optamos por usar o termo método durante a pesquisa, por este parecer abarcar de forma mais ampla o sentido de princípios e normas que regem determinada forma de ensino desenvolvida pelo professor. Se entende aqui por método como sendo um conjunto de procedimentos, estabelecidos a partir de um enfoque para determinar o programa de ensino, seus objetivos, seus conteúdos, as técnicas de trabalho, os tipos de atividades, e os respectivos papéis e funções de professores, alunos e materiais didáticos (INSTITUTO CERVANTES, 1997). No ensino das escolas no Brasil é predominante o uso do Método Tradicional que nele prevalece o uso da gramática Normativa, em que consiste no ensino de regras e conceitos que devem ser cumpridos, ou seja, regras que regem a língua falada e escrita, e com base na norma padrão. Esse método traz como características conteúdos estruturalistas, exercícios repetitivos e de memorização. Com o decorrer do tempo o ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras foi se aperfeiçoando as mudanças que ocorriam no modo de ver, pensar e agir referentes a modalidade de ensino, a sociedade, ao ser humano e com isso teve impacto na metodologia. O professor deixa de ter a função de único protagonista da aula e passa a ser o mediador do conhecimento. O método comunicativo tem essa característica de fazer com que o professor não seja o único portador de conhecimento da língua, e sim, faz também com que o aluno seja ativo no processo de ensino-aprendizagem, levando em conta os seus conhecimentos prévios adquiridos.

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ENSINO DE LÍNGUA 2 Método Tradicional O método tradicional iniciou no século XVIII com o Iluminismo e tinha o objetivo de trazer o conhecimento ao indivíduo de uma maneira universal, em seu modelo ou abordagem não havia mudanças ou melhorias no ensino, sendo assim, o conteúdo era passado de forma sistemática. Sendo ainda hoje utilizado de foma intensa nas escolas brasileiras públicas ou privadas. Esse método é baseado na repetição dos conteúdos e na sua memorização tendo no centro o professor - sendo ele o único detentor de conhecimento - que transmite esse conhecimento ao aluno sem nenhuma via de troca de conhecimentos. É voltado para o estruturalismo ficando preso ao conhecimento através de estruturas gramaticais, conceitos, frases soltas, sem contexto e deixando de lado as variedades linguísticas, diversidades culturais. É perceptível que a metodologia tradicional provoca enfado, aborrecimento, muita das vezes causa sensação de fracasso no aluno, fazendo com que eles não tenham vontade, nem disposição de aprender a língua estrangeira, e também faz com que o professor se sinta frustrado por não ter obtido êxito no ensino. O aluno, muita das vezes, quando é exposto somente ao ensino da gramática tradicional, se transforma em um aprendiz que n~o tem a capacidade de questionar “o porquê” da normatização ser dada daquela maneira, o papel social da língua em sua vida, para que serve em meio a sociedade, com isso o estudante se sente desmotivado por conta de não conhecer a língua de outra forma, ou seja, não saber como se usa aquela língua. Assim forma-se um sujeito que não interroga sua própria natureza de falante e de cidadão de uma sociedade que não questiona sua relação - como cidadão e como falante - com a(s) normatividade(s) sejam elas linguísticas ou sociais, portanto, que não busca intervir na sociedade (tampouco na literatura e na língua, como parte da sociedade), sujeito que não busca transformar, porque não percebe que poderia fazêlo. (OLIVEIRA, 2006, p.75).

Sheila Elias Oliveira (2006) argumenta que as escolas formam sujeitos que não conseguem perceber a relação que há com o mundo a sua volta, não conseguem perceber a sua condição de falantes de uma língua e nem conseguem questioná-la. Os métodos tradicionais são meios de formar indivíduos com regras e conceitos que devem ser cumpridas com uso da gramática normativa, cujo qual, apresenta exercícios para o aluno com uma estrutura repetitiva e requisita que essa forma padrão seja seguida de forma a desconsiderar as variedades que há presente na língua. Entretanto, muitas vezes, o aprendiz traz consigo 197 XII SEMANA DE LETRAS

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conhecimentos em que a norma padrão da gramática não está completamente presente, porque nem sempre faz parte de seu hábito e do meio em que se está inserido, e para se obter isso só com um estudo que leve em conta a comunicação para poder trabalhá-lo e abarcá-lo. Um exemplo a se tratar é quando um aluno leva para a aula uma palavra, termo, jargão ou gíria que não está presente na norma culta, contudo ele o usa em seu cotidiano, então o professor tem que estar atento e além de mostrar ao aluno o contraste com a gramática, tem que ensiná-lo que ele deve saber adequar a sua linguagem de acordo com o ambiente e sendo para isso necessário ensinar as duas formas, formal e informal. Um método de ensino que tem como objetivo ser um “instrumento de comunicaç~o” não pode ter como base exercícios de repetição como é o modelo estrutural do método tradicionalista, pois só faz com que os estudantes decorem estruturas gramaticais (PARAQUETT, 2001). Ensinar uma língua estrangeira é muito mais do que só ensinar gramática, é saber mais sobre as comunidades falantes, de sua geografia, de seus contextos históricos, de sua cultura. Ensinar a gramática normativa é muito importante sim, mas não é o suficiente para uma verdadeira aprendizagem pois não capacita o aluno a desenvolver as competências leitoras, auditivas e expressões orais e escritas. É comum notar que quando os alunos partem para o campo oral, escrito ou real de fala, eles não conseguem sustentar uma conversa simples, nem escrever com coerência e coesão e essas são desvantagens de grandes proporções porque atingem grande parte dos alunos e são erros e dificuldades como essa que v~o sendo “empurrados com a barriga”, passando a cada ano escolar e apenas aumentando a dificuldade de solucionar essas problemáticas.

Método Comunicativo O método comunicativo5 teve participação no ensino de línguas a partir das décadas de 60 e 70 com metodologias mais amplas para o ensino-aprendizagem, sendo uma forma de obter mais qualidade com o objetivo de unificar-se com os conhecimentos tradicionais, antes considerado padrão. Esse método visa a compreensão das quatro habilidades que são ler, falar, escrever e ouvir, tendo como alvo o saber no ensino de línguas. O método comunicativo tem o foco no sentido, significado e na interação entre sujeitos na língua estrangeira (ALMEIDA FILHO, 2008). Este método não descarta a gramática e suas regras, contudo, seu objetivo promove materiais, ferramentas que incentive o aluno a pensar e interagir na LE.

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Esse método tem como base introduzir a comunicação, seja oral ou escrita nas aulas, unir a forma e o uso. E o professor tem um papel muito importante nesse processo para conseguir levar a comunicação, oral e escrita para as aulas. Propiciar experiências de aprender com conteúdos de significação e relevância para a prática e uso da nova língua que o aluno reconhece como experiências válidas de formação e crescimento intelectual [...]; representar temas e conflitos do universo do aluno na forma de problematização e ação dialógica [...]; respeitar a variação individual quanto a variáveis afetivas tais como motivações, ansiedades, inibições, empatia com as culturas dos povos que usam língua-alvo, autoconfiança etc; avaliar o que o aluno pode desempenhar em atividades e tarefas comunicativas mais do que aferir conhecimento gramatical inaplicado sobre a língua-alvo (FILHO, 2008, p. 38).

Como trata Filho (2008) para o professor utilizar o método comunicativo com os estudantes, tem que levar temas e assuntos que sejam próximos da realidade dos alunos para poder ter significado para eles. É imprescindível também respeitar as variações de cada indivíduo, quanto a suas inibições, vergonhas, até porque a expressão oral está vinculada com tudo isso. No momento de avaliar as tarefas comunicativas, tem que ser percebido todo o valor que tem esta parte de expressão oral, que inclusive às vezes é mais valido que somente apresentar questões estruturais de conteúdos gramaticais que em alguns casos não são utilizados na língua-alvo. Deixa de ter sentido o ensino de línguas que objetiva apenas o conhecimento metalinguístico e o domínio consciente de regras gramaticais que permitem, quando muito, alcançar resultados puramente medianos em exames escritos. Esse tipo de ensino, que acaba por tornar-se uma simples repetição, ano após ano, dos mesmos conteúdos, cede lugar, na perspectiva atual, a uma modalidade de curso que tem como princípio geral levar o aluno a comunicar-se de maneira adequada em diferentes situações da vida cotidiana (PCNEM: LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS, 2000, p. 26).

Neste parâmetro se deixa claro que as instituições tem o objetivo de ensinar aos alunos pelo menos uma língua estrangeira, que esta língua os ajudem na língua materna, que desenvolvam as quatro habilidades, que aprendam a cerca das diversas culturas, que consigam comunicar-se pelo menos o básico e é por isso que é uma controversa dizer que o aluno conseguirá compreender a segunda língua (L2) e falar o mínimo que seja ensinado a eles somente utilizando o método estruturalista, que apresentam exercícios puramente estruturais. O caráter prático do ensino da língua estrangeira permite a produção de informação e o acesso a ela, o fazer e o buscar autônomos, o diálogo e a partilha com semelhantes e diferentes. Para isso, o foco do aprendizado deve centrar-se na função comunicativa por excelência, visando prioritariamente a leitura e a compreensão de textos verbais orais e escritos – portanto, a comunicação em diferentes situações da vida cotidiana (PCNEM +, 2002, p. 94).

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Diante dessas considerações nos Parâmetros Curriculares Nacionais +: Linguagens códigos e suas Tecnologias (2002), percebemos que as classes tem que centralizar seu foco na abordagem comunicativa, pois assim se conseguirá obter o interacionismo social, a formação de cidadãos críticos da sociedade em que vivem. A melhor forma de ensino de língua espanhola, introduzindo elementos comunicativos, como em atividades em dupla, ou em grupo, melhoraria o desempenho dos alunos em classe, elevaria o nível de aprendizagem, a educação de qualidade melhoraria.

Como deveria ser? Uma terceira opção A proposta desse artigo não é dizer que o método tradicional é ruim para o ensino, pelo contrário, ele é importante e fundamental no ensino de língua estrangeira, os alunos precisam conhecer as regras e conceitos gramaticais para que possam ter uma base sólida e os exercícios estruturais tem o papel de auxiliar os estudantes a fixarem estes conteúdos sistêmicos, todavia, os educadores tem que saber utilizá-lo, abordá-lo e aplicá-lo em aula de uma forma mais dinâmica, interativa, inovadora. É necessário mesclar e unir com outras propostas de ensino já que ensinar somente a competência gramatical não prepara o aluno para o uso real da língua, seja escrita ou oral. O ideal não é enfatizar um método em detrimento do outro, e sim, juntar os dois em conjunto, método tradicional e método comunicativo, para que a aprendizagem do aluno seja feita de forma mais efetiva, ampla e que abarque certa quantidade de viés e não somente o gramatical como sendo o único. Alguns professores buscam fazer aulas mais comunicativas, mas ainda assim continuam disfarçadas. Utilizam textos que muitas vezes são fragmentados e perdem o sentido original. Passam em classe músicas vídeos curtos e estão certos os professores que o fazem, mas poucos são aqueles que depois fazem um trabalho de interpretação do gênero tratado, que ensinam suas características próprias e que discutem em classe sobre compreensão textual e a compreensão do aluno referente ao gênero. Um método tem que unir a forma e o uso, usar a gramática de maneira ativa em atividades que propõe novas tendências e variando a disponibilidade dos materiais de uso habitual no ensino, como o quadro branco ou negro, lápis, caderno, giz, piloto, apostila, livro, para materiais digitais como computador, celular e tablet, para assim fazer uso das mídias sociais, ou materiais como filmes, rádio, músicas, vídeos, revistas, jornais, entre outros materiais adicionais. Estimular a vontade de aprender e buscar as informações uma forma de ensinar de L2 bem mais interativa, participativa, se torna mais interessante a compreensão, 200 XII SEMANA DE LETRAS

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muito mais rica em detalhes e também o uso destas ferramentas instiga o aluno a comunicarse com os demais, a participar ativamente da discussão e compreensão. O estudante passa a ter uma ampla capacidade de adquirir ideias, técnicas, habilidades a importância do conhecimento humano e social, ou seja, tanto interno quanto externo.

Considerações finais Como foi exposto no artigo, ensinar uma língua estrangeira é muito mais do que ensinar somente a estrutura gramatical. Ensinar uma língua é saber mais sobre as diversidades culturais dos países que fazem parte, aprender a expressar-se tanto na oralidade quanto na escrita, etc. E para este ensino o professor tem o papel fundamental, através de sua forma de ensinar, de ser a ponte entre o aluno e a aprendizagem. O ensino de língua deve estar intimamente unido à gramática, unindo tanto o método tradicional como também o método comunicativo, relacionando a forma e o uso, ou seja, os professores deveriam aproveitar para fazer una juncão da tradição com as técnicas metodológicas que trazem estímulo de aprendizagem aos alunos. O professor tem esse papel fundamental de ser o mediador do conhecimento e ele também tem que levantar questões ao se pensar em fazer um plano de aula. Ele tem que levar em consideração uma série de fatores como: qual o objetivo para os alunos de se aprender aquela língua estrangeira, a realidade em que se encontram os alunos, sua faixa etária para a partir daí encontrar o método que melhor se adeque os seus discentes e que ajude a desenvolver e melhorar a aprendizagem.

Referências Diccionario de Términos Clave de ELE, disponível http://cvc.cervantes.es/ensenanza/biblioteca_ele/diccio_ele/diccionario/metodo.htm. Acessado em: 20 de maio 2015.

em:

FILHO, José Carlos Paes de Almeida. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. 5ª Edição, Campinas, SP: Pontes Editores, 2008. BRASIL, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Ministério da Educação, 2000. BRASIL. Secretaria da Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais + (PCN+) – Linguagens códigos e suas Tecnologias. Brasília: MEC, 2002. SALINAS, A. “Ensino de Espanhol para brasileiros: destacar o uso ou a forma?” In: SEDYCIAS, J. (org.) O Ensino do Espanhol no Brasil: Passado, presente, futuro. SP: Parábola, 2005. 201 XII SEMANA DE LETRAS

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PARAQUETT, Marcia. “Da abordagem estruturalista { comunicativa: um esboço histórico do ensino de espanhol/LE no Brasil” In: Hispanismo 2000, volume II SP: Associação brasielira de hispanistas, 2001. GONÇALVES, Hortência de Abreu. Manual de artigos científicos. São Paulo: Editora Avercanp, 2004.

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MULTIFUNCIONALIDADE DO ITEM GRAMATICAL AÍ EM TEXTOS NARRATIVOS DE ALUNOS DO 6º E 9º ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL Lécia de Jesus Santos (UFS) Eccia Alécia Barreto (UFS)

Introdução Tradicionalmente, o item gramatical aí é classificado, na maioria das gramáticas brasileiras, como advérbio de lugar (cf. CUNHA & CINTRA, 2006; BECHARA, 1999; 2009; CASTILHO, 2010; BAGNO, 2011). Segundo Abaurre e Pontara (2008) advérbios são palavras invariáveis que se associam aos verbos, indicando as circunstâncias da ação verbal. Em casos especiais, associam-se aos adjetivos, especificando as qualidades por eles expressas, e a outros advérbios, intensificando o seu sentido. Quanto à classificação dos advérbios, utiliza-se um critério de ordem semântica, de acordo com a circunstância que eles exprimem com relação aos verbos, adjetivos ou outros advérbios por eles modificados. Lugar: aí, aqui, ali, acolá, lá, além... (ABAURRE, PONTARA, 2008, p.464 - 465). É importante ressaltar que pesquisamos a classe gramatical advérbio em várias gramáticas pedagógicas da rede de ensino de Moita Bonita/SE, no entanto, em nenhuma delas, o item linguístico aí esteve presente na classificação dos advérbios. Diante disso, recorremos a um manual didático, utilizado no ensino médio, e mesmo assim o aí foi classificado apenas como advérbio de lugar, sem sequer demonstrar essa ocorrência por meio de exemplo. Esse fato justifica a problematização que gira em torno da preocupação apenas com o conceito sem exposição de exemplos. A escolha do item gramatical aí como objeto de estudo deve-se ao fato dele apresentar, atualmente, funções mais abstratas que se distanciam, por vezes, da sua função primária de advérbio de lugar. Nesse estudo, mostramos o funcionamento do item gramatical aí e seus contextos de uso, em um banco de dados constituído de redações e charges, à luz do referencial teórico da Sociolinguística (LABOV, 2008 [1972]) e do funcionalismo linguístico norte-americano, com especial atenção às propostas de Talmy Givón (1995). Buscamos fornecer uma breve descrição funcional do aí neste corpus, posto que o item, em determinados contextos de uso, deixa de exercer a função de advérbio de lugar para desempenhar outras funções, como pode ser observado em (1) e (2). 203 XII SEMANA DE LETRAS

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(1) Era feriado do carnaval meu pai viaja Eu dice pai Eu vou para picinha viu meu filho aí ele mede 20 reais aí não vou para barají do brito aí eu fui Tuma banho na. (Escrita de aluno do 6º ano) (2) Um dia eu saí escondido aí fui para o Sítio aí eu não disse que eu tava na casa do meu colega. Em (1), o item linguístico aí exerce a função de sequenciador temporal, ou seja, ele sequencializa temporalmente eventos, quando os introduzem na ordem de ocorrência de tempo. Na sequenciação temporal, apresentam-se acontecimentos no discurso de acordo com a ordem em que ocorreram no tempo, seja ele cronológico ou psicológico envolvendo a hipótese de que o segundo acontecimento ocorreu depois, ou seja, mais tardiamente que o primeiro. Esse fato justifica-se com o exemplo citado, pois era feriado do carnaval, o filho falou ao pai que ia para piscina, o pai deu R$20,00 para o filho, depois ele falou que não ia para a barragem do Brito. No exemplo (1) são apresentados os acontecimentos por meio do discurso, o qual nos faz entender a ordem em que as ações aconteceram no tempo. Já em (2), o item linguístico aí é classificado como sequenciador textual, uma vez que demonstra a ordem de sequência das informações, desenvolvidas no texto em forma de progressão. Essa sequenciação textual não deixa de ser uma estratégia linguística coesiva, a qual determina a ordem em que as unidades conectadas ocorreram ao longo do tempo discursivo, enfatizando o encadeamento de ideias discursivas relacionando as anteriores com as posteriores. Essa ocorrência é comprovada por meio do exemplo (2), uma vez que especifica que o indivíduo saiu escondido, foi para o sítio e não falou que foi para a casa do colega. Dessa forma, assinala a ordem em que as ideias ocorreram enfatizando a articulação entre o discurso anterior e o posterior. Cabe destacar que para respaldar a pesquisa utilizamos alguns dados extraídos do Banco de dados do GELINS - Grupo de Estudos em Linguagem, Interação e Sociedade, além de charges disponíveis em livros didáticos. Os resultados obtidos demonstram que o item linguístico aí é utilizado em contextos específicos; além de ser menos marcado, e por isso tem maior frequência. Foi perceptível que o aí é condicionado favoravelmente pelas funções de sequenciação textual, função menos marcada, e de sequenciação temporal. Quanto à tipologia textual, nota-se que o aí tende a ser mais frequente no contexto textual de narrativas.

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Revisão da literatura Esta pesquisa é constituída pela associação de postulados do Funcionalismo Linguístico norte-americano (com especial atenção às propostas de Talmy Givón) e da Sociolinguística Variacionista Laboviana, em uma abordagem que vem sendo denominada na literatura de sociofuncionalista. Essa combinação das duas correntes, que até meados de 1980 eram desenvolvidas em âmbito separado da linguística, busca demonstrar que, a explicação acerca dos fenômenos de variação e de mudança oferecida por cada uma dessas perspectivas não são excludentes, o que facilita essa integração. Essas duas teorias destacam a frequência de uso das formas linguísticas. Cabe salientar que a Sociolinguística toma como base de investigação o vernáculo de uma comunidade de fala, por isso é possível afirmar que a sociolinguística é o ramo da linguística que estuda a relação entre língua e sociedade. É importante ressaltar que o iniciador desse modelo teórico-metodológico (sociolinguística quantitativa) é o americano William Labov. O modelo da sociolinguística quantitativa de análise proposto por Labov (2008 [1972]) apresenta-se como uma reação à ausência do componente social no modelo gerativo. De acordo com Tarallo (2006, p.7): Foi, portanto, William Labov quem, mais veemente, voltou a insistir na relação entre língua e sociedade e na possibilidade, virtual e real, de se sistematizar a variação existente e própria da língua falada.

Na perspectiva funcionalista de Givón (1995 apud TAVARES, 1999), a língua é concebida como instrumento de interação social por meio da qual os falantes desenvolvem competência comunicativa, voltada para o processamento da informação e estabelecimento da comunicação. A gramática é concebida como um sistema adaptativo, emergente, cujas regras são motivadas no contexto comunicativo, baseadas em estratégias e princípios de uso. A partir dessa perspectiva teórica, analisamos a multifuncionalidade do item gramatical aí, com vistas a evidenciar a relação entre padrões de uso linguístico e contexto. Então o funcionalismo linguístico está voltado à língua em uso, destacando a associação entre gramática e o discurso. Nas palavras de Hopper (1987 apud TAVARES, 1999, p. 44), “n~o h| gramática, mas apenas gramaticalização – movimento para a estrutura”. Em outras palavras, a gramática é dinâmica e emergente, por isso pode-se dizer que é resultado da regularidade surgida das forças de uso. Portanto, a gramática nunca se estabiliza, nunca está acabada: ao mesmo tempo em que alcança regularidade pela eliminação de anomalias e variações, emergem novos padrões que introduzem novas anomalias e variações (LICHTENBERK, 1991 apud TAVARES, 1999, p. 44). Podemos dizer que o funcionalismo linguístico preocupa-se em 205 XII SEMANA DE LETRAS

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ampliar os níveis de abrangência da gramática e em prever variações, como no caso do item gramatical aí que devido ao fluxo de uso, já passou pelo processo de gramaticalização (cf. TAVARES, 1999). É importante, no âmbito desta pesquisa, definir a função de itens gramaticais e lexicais. Estes fazem referência a entidades, ações, qualidades, incluem-se entre eles nomes, verbos, adjetivos e advérbios. E os itens gramaticais são elementos funcionais que servem para organizar os itens lexicais (TAVARES, 1999). Enfim, o percurso de mudança pelo qual passam os marcadores discursivos (como os sequenciadores), envolve a passagem do léxico para a gramática (gramaticalização) e, desta, para a interação. Ou seja, um elemento, inicialmente lexical, passa a ser usado com função gramatical, podendo assumir também a função de marcador discursivo. De acordo com Tavares (1999), o aí é classificado como um sequenciador retroativopropulsor. O domínio funcional da “sequenciaç~o retroativo-propulsora de informações” é responsável por indicar que um enunciado será introduzido no discurso em continuidade e consonância com o já dado. Por meio da expressão retroativo-propulsora entende-se que os movimentos simultâneos de retroagir- conduzem a atenção do interlocutor para trás no discurso- e de propulsionar- conduzem a atenção do interlocutor para frente, para a continuidade do discurso. Essa sequenciação é analisada por meio de pressupostos teóricometodológicos de duas teorias a sociolinguística variacionista, a qual tem como objeto de estudo a língua em uso, cuja natureza heterogênea abriga a variação e a mudança e o funcionalismo linguístico (vertente norte-americana), no qual a gramática é concebida como maleável, emergente sendo motivada por meio da situação comunicativa.

“Que caminho seguir?”: procedimento metodológico Nesta seção, procuramos delimitar mais especificamente o item em estudo. Dessa maneira, o uso do aí não deve ser visto apenas como um advérbio de lugar, mas também como um sequenciador textual ou temporal. Demonstraremos a utilização do conector em estudo em outros contextos além do prescrito nas gramáticas normativas e livros didáticos. Para subsidiar a análise, utilizamos dados extraídos do Banco de dados do GELINS e charges de livros didáticos, como mencionado na introdução. Neste trabalho, estamos analisando o item linguístico aí, dando prioridade aos contextos de sequenciação de informação. As redações coletadas seguem critérios de estratificação social, tais como: sexo e escolaridade, o que subsidia a análise do perfil do informante.

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Análises de dados: multifuncionalidade do item gramatical aí Neste estudo, o item gramatical aí apresentou funções mais abstratas que a de advérbio de lugar. Essas múltiplas funções assumidas pelo item aí foram constatadas no estudo de Tavares (1999) que atribui ao item um caráter multifuncional. Baseado nesse estudo, apresentamos nesta seção, alguns exemplos que comprovam a multifuncionalidade do aí. Em (3), o aí exerce a função de marcador discursivo, ou seja, elemento verbal que, na interação discursiva oral, assegura a fluência das trocas verbais, quer ao nível cognitivo, quer ao nível interpessoal. Os marcadores são encontrados mais facilmente na fala que na escrita. Muitos empregos do conector aí, que não são adverbiais geralmente são considerados vícios de linguagem, especialmente pelos professores de Língua Portuguesa. Dessa maneira são estigmatizados socialmente e não são encontrados com enorme frequência na escrita. Vejamos: (3) Minha irmã falou que quando eu era pequena ficava muito agitada nos lugar. Aí ela tinha que voltar por causa de mim. (Escrita de aluno do 6º ano)

(4) O item linguístico aí presente no exemplo (4) exerce a função de sequenciador de informação, dando a noção de movimento, uma vez que a própria imagem dá indícios de movimentação, pois é preciso correr já que a polícia se aproxima. Nesse caso, como o principal objetivo é a fuga, não importa qual meio será utilizado, o importante é correr a fim de não ser alcançado pela polícia, pois ela n~o para, est| a caminho, “vem aí”. Sendo assim, é preciso encontrar um meio rápido e eficaz para não ser alcançado.

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(5) O aí, em (5), não pode ser analisado separadamente, mas sim, através da expressão “N~o estou nem aí”, a qual significa não estou preocupado com esse assunto ou ainda “para mim tanto faz”. Nessa oraç~o também temos a presença do advérbio de negaç~o “nem”, logo em seguida aparece o aí reforçando a ideia de negação. Nesse cartaz, o personagem que fala a express~o “N~o estou nem aí”, subentende-se que ele não quer se preocupar, pois se isso acontecer, ele irá se aborrecer e fará uma loucura interrompendo o evento para cantar uma determinada música citada, a qual o agrada.

Considerações finais O presente estudo teve como finalidade mostrar o funcionamento do item gramatical aí e seus contextos de uso, por meio da descrição de algumas ocorrências do aí que fazem parte do banco de dados do GELINS/UFS, além de charges extraídas de livros didáticos, à luz do referencial teórico do funcionalismo linguístico norte-americano (GIVÓN, 1995) e da Sociolinguística variacionista (LABOV, 2008 [1972]). Observa-se que o item gramatical aí, conforme apresentado demonstra sofrer mudanças que vão do conceito mais concreto do item (advérbio de lugar) ao menos concreto, na medida em que assume novas funções. O item gramatical aí analisado nesse estudo apresenta funções mais abstratas quando exerce função de sequenciador temporal, marcador discursivo, sequenciador textual. O item, nos contextos apresentados neste trabalho, ainda mantém traços com sentido locativo (advérbio de lugar), que é o valor de lugar, assim como atribuído nas gramáticas normativas. Dessa forma, e em consonância com os estudos aqui apresentados, pode-se ver, no presente 208 XII SEMANA DE LETRAS

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trabalho, como o aí apresenta um enfraquecimento semântico, na medida em que não se refere somente a lugar espaço físico (sofre metaforização), mas indica espaço de tempo, por exemplo, tornando evidente que o aí se apresenta numa direção mais abstrata e gradual. Dessa forma, os resultados apresentados neste texto colaboram com a ampliação e atualização de estudos já existentes sobre a descrição funcional. Estes resultados, portanto, confirmam que o item gramatical aí nos contextos de uso aqui apresentados é multifuncional.

Referências ABAURRE, Maria Luiza M; ABAURRE, Maria Bernadete M; PONTARA, Marcela. Português: contexto, interlocução e sentido. São Paulo: Moderna, 2008. BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37ª Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009. CUNHA, C.; CINTRA, L.. Breve gramática do Português contemporâneo. Lisboa: Edições João Sá da Costa, 2006. GIVÓN, T. Functionalism and grammar. Amsterdam: John Benjamins, 1995. LABOV, William. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, [1972] 2008. NEVES, M. H. de M. Guia de usos do português: confrontando regras e usos. São Paulo: UNESP, 2003. TARALLO, Fernando. A pesquisa Sociolinguística. São Paulo: Ática, 2006. TAVARES, Maria Alice. Um estudo variacionista de aí, daí, então e como conectores sequenciadores retroativo-propulsores na fala de Florianópolis. 1999. Tese (Mestrado em Linguística) – Curso de Pós-graduação em Linguística, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1999. TAVARES, Maria Alice. A gramaticalização do aí como conector – indícios sincrônicos. In: Working Papers em Lingüística, 3. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, 1999, p. 25-40.

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NEOLOGISMO E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: UMA DISCUSSÃO NECESSÁRIA Jiumara C. de Jesus Santos (FSLF)

Introdução A língua portuguesa, assim como qualquer outra língua natural, renova-se continuamente. Os indivíduos que a utilizam fazem isso para atender a uma situação de comunicação e, muitas vezes, dão uma nova roupagem para aquilo que querem dizer. Nesse sentido, o ensino de língua portuguesa no Brasil, a partir do avanço dos estudos linguísticos, passa por uma série de mudanças. Tem-se questionado como tem sido o ensino de gramática e sua eficácia, levando-se em conta esse caráter dinâmico da língua. Com a capacidade criativa que o ser humano tem e com as possibilidades que a língua lhe permite, surgem inovações lexicais, a que chamamos de neologismos, um fenômeno linguístico que contribui para a evolução da língua através da (re)criação de novas palavras, de uma expressão nova, ou na atribuição de um novo sentido a uma palavra já existente. Partindo desse pressuposto, objetivamos discutir como esse fenômeno ocorre na língua portuguesa e qual a sua importância no ensino-aprendizagem de língua portuguesa na escola. Sendo assim, são conceituados e classificados alguns neologismos que recolhemos de algumas edições aleatoriamente selecionadas da Revista Veja, além de alguns outros retirados da obra Macunaíma, de Mário de Andrade. Demonstra-se, assim, como a abordagem desse fenômeno em sala de aula contribui para a ampliação do conhecimento linguístico dos alunos, ao mesmo tempo em que se oportuniza aos discentes um saber que se encontra além das páginas do livro didático ou das gramáticas normativas. O conhecimento dos neologismos permite ao aluno o reconhecimento de uma parte da história da constituição de sua própria língua, uma vez que, em muitos casos, ao longo da história, foi no contato com outras línguas e culturas que a língua mãe se formou e se consolidou. Como falantes nativos de uma língua, os indivíduos costumam brincar com as palavras, e os neologismos são um exemplo fiel a isto. O processo de criação de palavras, conceitos ou expressões, nos mostra a habilidade e a capacidade que o usuário tem em dominar e contribuir para que a língua continue viva e atenda a uma comunicabilidade entre os indivíduos. O presente artigo é fruto de pesquisa bibliográfica e de leituras críticas e pertinentes ao tema, buscando analisar os neologismos e sua inserção nas aulas de língua portuguesa. 210 XII SEMANA DE LETRAS

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Realizamos uma coleta de dados em revistas “Veja” para mostrar como os neologismos est~o presentes no nosso dia a dia e em Macunaíma, de Mário de Andrade, para a percepção de que esse fenômeno não é novo na língua, pois ocorre em todos os tempos em todos os gêneros, desde que o homem começou a viver na natureza e a transmitir conhecimento.

Neologia e Neologismos Em Neologia em português de Correa e Almeida (2012, p.17), encontramos a palavra neologia como a “capacidade natural de renovaç~o do léxico de uma língua pela criaç~o e incorporaç~o de unidades novas, os neologismos” e neologismo como uma “unidade lexical, cuja forma significado e significante ou cuja relação significado-significante, caracterizada por um funcionamento efetivo num determinado modelo de comunicação, não se tinha realizado no est|gio imediato anterior do código da língua” (ibidem p. 23). Percebemos que esse fenômeno só tende a alimentar o léxico de uma língua, com as inovações permitidas pelo sistema dessa língua, como nos ensinava Coseriu (1979), seja para enriquecer a fala do usuário, seja para chamar a atenção do ouvinte para a importância do que se quer transmitir. Como exemplo para o exposto, quando acrescentamos a uma palavra já existente um prefixo ou sufixo, como a palavra extra, mega, super, ão, mente e outras queremos apenas mostrar que aquilo de que se fala é algo importante. Coutinho (1976, p 215) conceitua neologismo de uma forma mais simplificada, como “palavras ou expressões novas que se introduzem ou tentam introduzir-se na língua, ou o uso de uma palavra antiga com acepç~o nova” e apresenta-nos uma citação de Darmesteter, ao afirmar que quando a língua cria sentidos novos, dá à palavra já existente funções que lhe eram até então desconhecidas. Sem parecer atingir o léxico, ela faz, na realidade, surgir uma verdadeira palavra nova, por isso que, com economia de som, dá a uma mesma forma funções diferentes. Sabemos que os neologismos servem para facilitar a comunicação, para nomear e conceituar, porém há quem os tenha como erro e vício de linguagem. No entanto, como nomear, conceituar e como aumentar o léxico de uma língua se não por criações? E por que os dicionários estão sempre se atualizando? Para aumentar seu número de palavras e conceituar outras que já estão dicionarizadas. Os neologismos surgem tão naturalmente que é impossível serem evitados. Há gramáticos conservadores que são contra esse processo natural de renovaç~o linguística, que defendem a língua desses “erros” ou “barbarismos”. Por outro lado, os linguistas afirmam que a língua não precisa ser defendida e não há de quê ou de quem a

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defendê-la, porque quem a utiliza é dono de seu próprio falar, e a língua é dinâmica, é viva e sempre estará em mudanças e sofrendo inovações. Quando Coutinho nos explica que são palavras que se introduzem ou tentam introduzir-se na língua, isso significa que nem todos os neologismos criados serão um dia dicionarizados, já que muitos deles desaparecem tão rapidamente quanto surgem, caindo em desuso; é o caso dos arcaísmos, por exemplo. Eles mesmos – os arcaísmos – em algum momento no tempo podem voltar a ser utilizados, com um novo significado, tornando-se, dessa forma, em um neologismo. Vejamos exemplos de neologismos atuais: imorrível, engolfados, pé-rapado, mensalinho, rolezinhos, fluxos (como chamam as festas de baile funk), dedilhamento, playboyzada, parca (parceiro), rolezão, pipocaram, semicelebridade, petrolão, protomarxitas, hathahaters, Bombou, bebemorou, blogueira. Neologismos coletados na obra, Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, Andrade (1988). Brincaram (p. 05), inoqueando carne (p. 09), uma pedra lascou (cortou) a boca e moeu (quebrou) três dentes (p. 05), negaceando (p. 24), bôca-da-noite, murmurejando (p. 27), escureza (p. 19), sobessubindo pro campo (p. 22). Os neologismos podem ocorrer por: -

processos autóctones, dentro dos próprios recursos linguísticos;

-

por formações onomatopaicas ou, mesmo, sinestésicas;

-

por importação de elementos de outras línguas.

A língua portuguesa falada e escrita no Brasil tem utilizado todos esses recursos com maior ou menor frequência. O léxico português brasileiro é, basicamente, de origem latina, o que não impediu que ao longo da história de sua formação, venha incorporando elementos das mais variadas procedências: celta, fenícia, hebraica, grega, germana e árabe, para só mencionar os contatos mais íntimos e anteriores { “descoberta” do Brasil. Já na chamada Idade Moderna, os gramáticos conservadores tiveram muito trabalho no combate à invasão de termos de origem francesa, ditando à França a moda por muito tempo, sobretudo no século XIX. Atualmente, a maior influência na língua portuguesa tem sido da língua inglesa, principalmente no que se refere às telecomunicações, com a incorporação das seguintes palavras: internet, blog, mouse, lan hause. No Português brasileiro, contamos, também com a valiosa contribuição de termos de origem africana e indígena. Porém, como vimos, nem todos os neologismos são resultantes de estrangeirismos (FARACO, 2001). São perceptíveis, porém raros, os casos de formação onomatopaica, e os casos de formação com elementos pré-existentes, os mais interessantes. 212 XII SEMANA DE LETRAS

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Para que os neologismos de origem estrangeira sejam “aceitos” em uma determinada língua, é necessário que estes estejam de acordo com os padrões fonológicos da língua e, mais difícil ainda, que vençam a resistência dos falantes quanto a seu uso. Será relevante nesse sentido que um número significativo de falantes esteja de acordo quanto ao significado daquela nova palavra. O próprio aspecto conservador dos falantes da língua pode ser um impedimento à adoção do novo termo.

Neologia e Nelogismos: o caso dos estrangeirismos Carone (1986) afirma que os recursos mais férteis para a produção de novas palavras são: a derivação e a composição. Em português, a derivação é o procedimento gramatical mais produtivo para o enriquecimento do léxico. Este se realiza sobre apenas um radical (raiz), ao qual se articulam formas presas, os afixos: em posição anterior, os prefixos; e em posição posterior, os sufixos. Quanto à composição, é um procedimento pelo qual uma construção sintática se imobiliza, dando origem a uma unidade cristalizada. Ao estudar os neologismos, faz-se necessário citar os estrangeirismos, como o emprego na língua de uma comunidade de elementos oriundos de outras línguas. No caso brasileiro, posto simplesmente, seria o uso de palavras e expressões estrangeiras no português, podendo ser chamados também de “empréstimo linguísticos” (FARACO, 2001). É importante ressaltar que seu uso em nada altera nas estruturas da língua, a sua gramática, não sendo capazes de destruí-la, como juram os conservadores. Os estrangeirismos contribuem apenas no nível mais superficial da língua, que é o léxico. Não existe língua pura: o vocabulário de qualquer língua do mundo é o resultado de séculos de intercâmbio com outras línguas, o que prova que o seu uso não precisa de legislação. A língua é um sistema autoregulador, que dá conta de suas próprias carências e necessidades (FARACO, 2001). Os estrangeirismos fazem parte do processo de evolução de uma língua pela necessidade que esta língua sente em ampliar-se, e, em alguns casos, não encontra a palavra certa, servindo os empréstimos para suprir essa necessidade.

Neologismos: classificações São muitos os neologismos existentes na língua portuguesa. Dessa forma, existem várias maneiras de classificar os neologismos de acordo com diferentes estudiosos da língua. Vejamos alguns tipos e exemplos. O primeiro, e mais conhecido é o: Neologismo semântico: a palavra já existe, mas ganha uma nova conotação, um novo significado. 213 XII SEMANA DE LETRAS

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Exemplo: brincar, queimar. Andrade (1988, p. 12). Neologismo sintático: supõe a combinação de elementos já existentes na língua, por derivação ou a composição. Exemplos: acompanheiraram, pensamentear, bocagem, guardeiraram. Andrade (1988, p. 28, 88 e 166). Neologismo lexical: é a criação de uma palavra nova com um novo conceito. Exemplo: pecurrucha, relumeava. Andrade (1988, p. 166). Outros exemplos presentes no nosso cotidiano; Semântico: deu zebra (algo que não deu certo); fazer um bico (trabalho extra); estou afim de fulano (está interessado). Sintático: papalizando; infralegal; extrafirme; megafrio. Lexical: internetês (a língua da internet); imorrivel (que não morre); juridiquês (linguagem do advogado, promotor, juiz e pessoas ligadas à área jurídica); ficar de bituca (observar alguém, sem ser notado). É importante destacar que o processo de neologismo exige duas combinações: estrutura adequada em nosso idioma e a ausência de sinônimo em nossa língua. Se não conveniente nem corretamente formado, o neologismo passa a ser barbarismo (erro de pronúncia) e a configurar vício de linguagem.

Neologismos no português brasileiro Como já dissemos, os neologismos são um fenômeno natural às línguas e fazem parte do dia a dia de seus usuários, estando no falar brasileiro. Os indivíduos os criam para enfatizar a fala e chamar a atenção do seu interlocutor, é o que acontece, por exemplo, nas redes sociais, em jornais, revistas e na fala espontânea. São muito frequentes os casos de formação a partir de elementos do próprio idioma, agrupados de maneira não-usual, com ajustes no significado. Faremos, a seguir, a divisão desses mesmos neologismos formados por motivação intra-linguística: 1) Por derivação prefixal: É, talvez, na atualidade, o processo mais frequente, sendo, por vezes, tomados por prefixo, elementos que “normalmente” n~o est~o assim classificados. Na linguagem jornalística, por exemplo, são muitíssimo produtivas as partículas: _ auto – “dar um autogolpe”; _ anti – “...escudo antimíssil “; “corrente anti-gay...” – Veja – 18-04-2013; 214 XII SEMANA DE LETRAS

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_ mega –“um megainvestimento de 14 bilhões”; “o enorme sucesso da megaloja” – Veja – 18 e 25-04-2014; _ micro ... “vestindo uma microblusa” – Veja – 18-04-2013; _ multi - “a vers~o multimídia” – Veja – 18-04-2013; _ não – “obras de n~o-ficç~o”; “deve ser considerado como n~o-violento – Veja – 2504-2013; _ pós – “...em uma festa pós-Oscar” “...era pós-Fujimori” – Veja – 18-04-2013; _ pré - “crédito pré-aprovado”; “celulares pré-pagos” – Veja – 25-04-2013; pode ser tomado como adjetivo, ou mesmo, substantivo, com omissão do radical: aceitamos pré; matriculou o filho no pré; _ sem (e o seu correspondente, irônico com) “filha de um sem-terra” – veja 18-042001; “sem-teto recolhidos nas vias públicas...para passar a noite em suítes... com-arcondicionado...” – Veja – 25-04-2013. O uso constante desses e de outros prefixos, com ou sem omissão do radical, representa um mecanismo de economia linguística ou ser mais direto. Falar em “movimento dos sem-teto” requer menos esforço que “movimento daqueles que n~o tem um teto”. 2) Por derivação sufixal: Se o século XIX foi a época de maior proliferação de – ismos e, consequentemente, – istas; o processo continua, copiosamente, sempre traduzindo adesão a uma ideia, teoria, doutrina e, até, a uma pessoa: ...fundamentalistas, “...regime fujimorista”...populista – Veja – 18-04-2014; além dos já banalizados petista, pefelista, brizolista, etc. Note-se que algumas siglas, bem como o nome de alguns líderes aceitam essa formação, porém nem todos. Igualmente produtivos têm-se mostrado os sufixos verbais – ar e – izar, ligados, também à ideia de adesão, embora esse processo tenha-se mostrado mais forte nas eleições presidenciais de 1985 e 1989, não tendo as subsequentes apresentado o mesmo envolvimento emocional. Em relação ao ex-presidente Fernando Collor, deu-se preferência ao sufixo –ir , atribuindo nova acepção ao já existente verbo collorir, distinguindo-os na grafia e produzindo o expressivo adjetivo collorido em relação ao passado governo e a seus componentes. Em formação de novos vocábulos, alguns sufixos serão tomados em acepção valorativa: _ aço: golaço, filmaço; _ ~o: fresc~o, orelh~o; “... regat~o, um barco que abastece comunidades distantes” – Veja – 25-04-2013; 215 XII SEMANA DE LETRAS

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ou carinhoso-pejorativa: _ eba: “ele próprio foi um natureba militante” – “ ...o programa foi uma mistureba” Veja – 18-04-2014; _ eco: “...repeteco dez anos depois”- Veja – 18-04-2013; _ eiro “...16 de abril, Dia do Picapeiro”- Veja – 18-04-2013.

A importância dos neologismos no ensino de português É imprescindível que a escola pense em um ensino de língua capaz de conscientizar os alunos quanto à heterogeneidade linguística na sala de aula.

Essa é uma questão

primordial que precisa ser levada em conta para que o processo de ensino e aprendizagem de língua portuguesa seja mais produtivo. Nossa intenção é propiciar uma reflexão a qual centralize a possibilidade de se ensinar a língua materna de forma mais dinâmica, sem a necessidade de bloquear a expressividade oral do aluno, dentro e fora do espaço de conhecimento como se houvesse uma verdade única em termos de língua. Nessa perspectiva, os PCNs (1998) apresentam o domínio da linguagem, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da língua, como sistema simbólico utilizado por uma comunidade linguística, pois são condições de possibilidade de plena participação social. Pela linguagem, os indivíduos se comunicam, têm acesso à informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo, produzem cultura. Dessa forma, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a função e a responsabilidade de contribuir para garantir a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania. Sabemos que é papel do professor de português trabalhar de forma interativa, de modo que venha desenvolver e ampliar as habilidades comunicativas dos alunos. Para auxiliálo nessa prática, surgiu o guia prático que todo professor de língua portuguesa deve conhecer, os denominados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), publicados em 1998. Eles declaram a importância e o reconhecimento da diversidade linguística no ensino da língua, visto que vários estudos linguísticos têm comprovado que a língua humana é composta por um conjunto de variedades, e os neologismos compõe esse conjunto, seja ela utilizada em pequenos grupos ou grandes comunidades a língua nunca tem sido usada da mesma forma por todos os falantes ou até por um mesmo falante.

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Algumas considerações Toda língua viva é dinâmica e está em constante modificação. Sendo assim, os neologismos ocorrem naturalmente para o enriquecimento do léxico dessas línguas. Os neologismos têm suma importância para o crescimento do léxico da língua por objetivar e estimular a capacidade de manipulação nas estruturas linguísticas e levar o seu usuário a descobrir estruturas internas das palavras, promovendo uma consciência linguística no desenvolvimento do vocabulário. Para uma criação significante através, por exemplo, de uma derivação, faz-se necessário associar o significado à estrutura interna das palavras e estabelecer as relações entre a forma e o seu significado. Quanto à criação de um neologismo para nomear algo recém-criado, é preciso aproximar ao máximo, palavra e objeto, facilitando o entendimento. A importância do reconhecimento desses fenômenos no ensino de língua portuguesa e sua abordagem em sala de aula se dão para que os alunos percebam que eles, enquanto usuários têm total domínio de criar uma palavra, uma expressão ou até atribuir um novo conceito a uma palavra já existente e manter uma comunicabilidade eficiente com as pessoas. Os neologismos servem para nomear algo também recém-criado, por um conceito, ou simplesmente para expressar uma ideia. Nesse processo de criação, também estão presentes os estrangeirismos, que da mesma forma, ocorrem para suprir uma necessidade. Como a língua portuguesa não tem vocabulário suficiente para tanta demanda em evolução, ocorrem esses empréstimos de outras línguas e a adequamos a nossa. É importante ressaltar que o tema neologismos não é algo novo na língua, pois esse fenômeno ocorre desde que o homem vive em sociedade e começou a produzir cultura, ou seja, desde que a língua é usada para se comunicar.

Referências ALVES, Ieda Maria. A integração dos neologismos por empréstimo ao léxico do português. Alfa, v. 28 (supl), São Paulo: UNESP, 1984, p. 119-126. ANDRADE, Mario de. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter. Edição crítica. Coord. Telê Ancona Porto Lopes, Brasília Distrito Federal. CNPC, 1988. BECHARA, Evanildo. Dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2011. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. 217 XII SEMANA DE LETRAS

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CARONE, Flavia de Barros. Morfossintaxe. São Paulo: Editora Ática, 1986. CASTILHO, Ataliba Teixeira de. Nova Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014. CORREIA, Margarita; ALMEIDA, Gladis Mª de Barcellos. Neologia em Português. São Paulo: Parábola Editorial, 2012. COSERIU, Eugenio. Teoria da linguagem e linguística geral. São Paulo: Presença/Editora da USP, 1979. COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática Histórica. 6ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1974. FARACO, Carlos Alberto. Estrangeirismos guerras em torno da língua. São Paulo: Parábola Editorial, 2001. POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado das Letras, 1996.

Fontes Revista Veja. Ed. 2348 – ano 46 – nº 47. Editora Abril. 2013. Revista Veja. Ed. 2353 – ano 46 – nº 52. Editora Abril. 2013. Revista Veja. Ed. 2357 – ano 47 – nº 4. Editora Abril. 2014.

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O PODER PERSUASIVO PUBLICITÁRIO Helen Brüseke (UFS)

Introdução Uma palavra, ainda que neutra, precisa de dois elementos para seu uso: um significado e um contexto. Fora de um contexto uma palavra pode ter seu significado ampliado, sem um significado, pode não ter uso, perdendo sua função de ser. O que aconteceu em 2013, por causa de manifestações anteriores e contextos construídos socialmente advindos de anos anteriores a 2013 e lugares mais distantes do que na conjuntura brasileira, prova que uma palavra pode ser recontextualizada para atender a novos usos e novas necessidades do que aquelas proferidas em dicionários. O ano de 2013 foi bastante tumultuado. O governo deixa de atender às necessidades reais de um povo e acaba sendo a principal pauta de reivindicações, dando origem à maior manifestação desde as Diretas Já. Milhares de pessoas das cinco regiões se reuniram para confrontar verbalmente os constantes atentados a uma política que não consegue se organizar estruturalmente e prover educação, saúde, infraestrutura e mais outras necessidades vitais, previstas na constituição brasileira. Além disso, os milhões gastos em campanhas políticas e construções de estádio para sediar a Copa no ano seguinte também contribuíram para as manifestações. Antes, porém, Chile já era palco de manifestações articuladas por jovens reinvindicando a manuntenção do ensino superior público, bem como a garantia do governo para o acesso a este. Em 2012, também, milhares de jovens foram capazes de mobilizar alguns países no norte da África e contar com a ajuda geopolítica de países europeus e Estados Unidos para a derrubada de governos ditatoriais. Para entender esses processos, com ênfase na conjuntura brasileira, e levantar pontos de interesse na avaliação dessas interações sociais e, sobretudo, verbais, é preciso que adentremos em três importantes aspectos. Primeiro, como começa o processo de fomentação de articulações sociais, ou seja, como se constrói um contexto. Segundo, que entendamos qual a função da palavra e como ela pode ser remodelada para atender a mil formas de uso prático, sobretudo os verbos e suas inclinações a expressarem ações. Terceiro, como entender, ainda que de forma bastante superficial, dada a limitação de espaço, de que forma a publicidade e suas características e preferências por palavras e sentenças enxutas acabou fornecendo slogans e motes que determinam o perfil característico do uso da nossa língua e como essa manifestação teve um rosto e uma cunjuntura próprias. 219 XII SEMANA DE LETRAS

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A construção do contexto Além do contexto, existe uma construção de realidade ditada principalmente pelo meio social. É o meio social que constrói à sua maneira, respeitando suas limitações, uma realidade que pode ser conhecida tanto pelo homem comum, como pelo homem erudito. Quem se aprofunda nesse assunto são os teóricos Peter L. Berger e Thomas Luckmann em seu livro “A construç~o social da realidade”, para eles é a Sociologia do Conhecimento, que busca: (...) Além disso, porém, uma disciplina que se chama a si mesma por esse nome terá de ocupar-se dos modos gerais pelos quais as “realidades” s~o admitidas como “conhecidas” nas sociedades humanas. Em outras palavras, uma “sociologia do conhecimento” ter| de tratar n~o somente da multiplicidade empírica do “conhecimento” nas sociedades, mas também dos processos pelos quais qualquer corpo de “conhecimento” chega a ser estabelecido como “realidade”. (BERGER. L. PETER E LUCKMANN, THOMAS, 2008, p. 14).

Tanto a sociologia do conhecimento quanto a base teórica desse trabalho bebem das fontes marxistas para criaram seu próprio repertório teórico.

Bakhtin se mostra mais

inclinado a retornar e manter, sempre que necessário, suas fontes marxistas. Já no caso de Luckmann e Bergman, eles se mostram bem cautelosos em não cair nas excentricidades que o Marxismo conseguiu prover. Para Marx, a consciência do homem é determinada por seu ser social, indicando que é o meio social que constrói o homem, seu mundo, suas ideias e seus anseios. Dessa forma, quando falamos de contexto, é na maioria das vezes o meio social que cria e fomenta condições ideais para que novas ideias sejam aceitas como vigentes, construindo assim alicerces para protestos e manifestações, que são por essência, a expressão máxima que a fomentação advinda da construção social pode conceber. É a consciência dos homens que permite uma estruturação advindas de todos nós, criadores de estímulos visuais e propagadores de novos modelos da linguagem, das formas inúmeras que a expressão pode sucitar. Uma cor, uma frase, um filme recentemente lançado, uma entrevista da presidente em rede nacional fomenta comentários e tece uma cadeia sem fim de acontecimentos que constrói um cenário onde novos cenários serão construídos e com isso temos a ideia de contexto. No caso das manifestações sociais de 2013 no Brasil, o contexto já tinha sido fomentado por manifestações em outras cidades e teve sua reverberação nas constantes falhas governamentais. Seu estopim, entretanto, é detonado com a rejeição do aumento das passagens de ônibus que se liga { apropriaç~o de slogans como “Vem pra Rua” e o “Gigante Acordou” das campanhas publicit|rias que n~o estavam dentro do contexto político citado, 220 XII SEMANA DE LETRAS

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mas que tiveram seus significados remodelados ao bel prazer de todos envolvidos nesse contexto. Hoje ao digitar no google Vem pra Rua, Vem pra rua 2013 ou manifestações os resultados convergem para esse contexto do qual tanto falamos. Um exemplo abaixo:

Função da palavra dentro de um contexto social Qual seria então a função da palavra dentro de um contexto social? Poderíamos responder essa pergunta apenas com os recursos da análise sintática, que analisa a função da frase dentro de uma sentença, oração ou frase. Mas como a escrita é um fenômeno congelado ao seu tempo e espaço, e as manifestações sociais são passadas adiante pelo espírito contido em nós, foi preferido de início atentar para apenas uma das milhares de interpretações que a palavra enquanto raíz, verbum, pode assumir. A Bíblia no evangelho de João, apenas para nos atentarmos para amplitude e importância que as palavras carregam em si, diz: No Príncipio era o Verbo, e o verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. (...) E o Verbo se fez carne e habitou entre nós. (Jo.1;14)

Ainda que seja contraditório colocar como referência a palavra bíblica e marxista dentro de um mesmo trabalho, já que Marx negava a existência de Deus, mas somente para fornecer uma amostra de como a palavra, ainda que neutra, como Bakhtin afirma, pode assumir diversos aspectos e mudar no curso da história de importância, a palavra é a maneira pela qual nosso pensamento pode se materializar. Ou seja, pode dar luz a um contexto. A palavra tem seu próprio poder definido pelos homens e por suas articulações, sendo uma arma que aponta na direção que melhor convém a eles mesmos. Sem palavra, o conteúdo da indigesta indignação pelo governo perderia seu sentido e seu momento de atuação. É preciso 221 XII SEMANA DE LETRAS

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estabelecer uma frase que articule as ideias gerais dos propósitos pelos quais milhares de pessoas foram às ruas. O sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto. De fato, há tantas significações possíveis quantos contextos possíveis. No entanto, nem por isso a palavra deixa de ser una. Ela não se desagrega em tantas palavras quantos forem os contextos nos quais ela pode se inserir. (BAKHTIN, 1981, p 106).

No caso sobre o qual nos aprofundamos, que é o de entendimento de como um contexto criado para uma situação pode ser remoldado e virar um contexto bem diferente do inicial, a palavra, no caso os slogans, foram advindos de contextos socialmente construídos e continuam sendo recriados. Foi e continuará sendo de suma importância o uso de palavras, porque ela é a condição de existência das articulações de nossos ideais. Contextos não param de ser criados e recriados em todo momento, e para cada um deles há uma enunciação, pessoas que proferem razões em público para a melhoria contínua das suas vidas, ainda que muitas vezes tais palavras tenham sido colocadas de forma errada e não resultaram em nada com aquilo que se formou no imaginário dos envolvidos em determinado contexto.

A publicidade e as manifestações sociais: um encontro As campanhas publicitárias que deram às manifestações seu próprio repertório de gestos, ainda que adquiridos destas, foram criadas por agências publicitárias no Brasil no mesmo ano das manifestações, em 2013. No caso do “Vem pra Rua”, se tratava de uma campanha de posicionamento da marca diante do evento das Copas das Confederações. A empresa chama os milhões de futuros espectaodres do show futebolístico a realmente tomarem o espaço público como uma forma mais lúdica de tornar mais próximo um sentimento nacional, que seria retomado em breve com a Copa do Mundo da Fifa. No entanto, esse contexto construído pela Leo Burnett, agência localizada em São Paulo, não foi feliz. O governo intimou a Empresa a desvincular a campanha dos acontecimentos sociais porque o slogan tomava sua própria forma e dimensões nas revoltas populares. O “Vem pra Rua” n~o só se casava perfeitamente com o espírito da época, como era fácil de ser pronunciado, tornando-se um dos motes principais juntamente com “n~o é pelos 20 centavos” (em apelo ao aumento da tarifa que tinha aumentado na mesma época) e “o gigante acordou”. “O gigante acordou” foi criado um pouco antes, em 2011 pela Neogama BBH para a Johnny Walker. Era uma tentativa de mostrar um gigante adormecido, representado pelo Rio de Janeiro e contextualizado de forma superficial, já que na época não se tinha nenhum 222 XII SEMANA DE LETRAS

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motivo pelo qual um gigante acordaria, pelo menos não justificado pela propaganda e filmes veiculados nas mídias off (jornais, revistas) e midia online (TV e internet). Esse slogan tornouse alvo muito mais fácil de ter seu sentido transfigurado para dentro do contexto político das manifestações de 2013. A publicidade tem seus motes e produções constantemente alterados em seus significados pelos jovens, sobretudo com o uso da internet, o que cria um cenário de uso muito próprio da linguagem, constantemente bem humorada e inteligente. Os processos criativos publicitários são fundamentados pelo planejamento e atenção às estratégias para criação de contextos nos quais as campanhas podem ser inseridas e reverberadas pelo seu público. Muitas tentativas são falhas e poucas sobrevivem às inúmeras tentativas criadas pelas inúmeras agências de publicidade no Brasil. Mas aquilo que a publicidade tenta desesperadamente criar para dar sentido às suas produções, o contexto, é feito não só pelas pessoas como também para as pessoas de forma bastante natural, sem muitos esforços aparentes. O meio social, enquanto corpo vivo e pensante, trata de sempre criar contextos que podem sobreviver por uma semana ou ter seu sentido reverberado e levado para os livros de história. Contexto, como ilustrado no trecho retirado abaixo, é extremamente difícil de ser criado, seja porque a linguagem pode sefrer todo tipo de interpretação, muitas vezes diferente às primeiras intenções colocadas, seja porque as pessoas ali circunscritas no contexto não estão preparadas para o formato de linguagem: não se trata, para o êxito desta [da publicidade no mundo da comunicação social], apenas de um bom uso do leque que o léxico dispõe, nem muito menos das forças motivadoras que a publicidade quer ver crescer dentro de um cenário qualquer, muitas vezes inventado pela própria. Se trata sobretudo de deixar que as pessoas, o público alvo e o público inalcansável, se tornem à medida do tempo mais adeptas das novidades que o mundo oferece para só depois os legos de todo um contexto seja aos poucos montados, não de uma vez, porque a rapidez é só feliz no tempo, e não muito lentamente a ponto de deixar o fervor de um contexto passar. (THARP, 2006, p. 122).

Twyla Tharp é uma das maiores teóricas dentro da criatividade americana, porque estudou, ao longo de vários anos, os mecanismos de ser criativo e melhor atender às demandas de criação do universo publicitário e artístico em geral. Para ela não são as agências os motores que conduzem a máquina de produção de conteúdo, mas são as pessoas a quem esses motores se movimentam que ditam se essa produção vai ser aceita ou não, dado o espírito de uma época e a qualidade do conhecimento que as pessoas produzem. Ela cita que muitos autores não se deram bem apenas pelo fato de estarem muito à frente de seu tempo. Muitas piadas não são entendidas pelo azar de seus ouvintes não serem colocados dentro de um contexto cultural, e a mesma coisa serve para nós que nos atentamos às campanhas 223 XII SEMANA DE LETRAS

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publicitárias. Assim como uma frase pode não ser entendida, ela pode servir no futuro para atender demandas outras e ser entendida, então, de outra forma. Um contexto político como esse sobre o qual falamos, é apenas um dos vários exemplos que podemos citar no qual a expressão é exatamente isso sobre o que Bakhtin teoriza: Mas o que é afinal a expressão? Sua mais simples e mais grosseira definição é: tudo aquilo que, tendo se formado e determinado de alguma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores (BAKHTIN, 1981, p. 111).

Em “com a ajuda de algum código de signos exteriores”, ainda reforçamos a ideia de que para um contexto político que engloba, envolve e contagia alguns milhares de pessoas, é preciso que esse conjunto de signos seja de mútua compreensão e que seu significado tenha exata amplitude para todos os envolvidos nesse dado contexto. Se um significado ganha um grau de importância maior ou menor durante o curso da inflamação dos debates e lutas, um grupo social pode se sentir mais ou menos envolvido e levar a um desequilíbrio dessa interação, resultando muitas vezes em uma separação de grupos, como o que aconteceu também em 2013. A princípio, o grupo MPL (movimento passe livre) era reunido por estudantes, e alguns deles se sentiam mais à vontade, suavizando o sentido dessa palavra, para lutar por causas dentro da conjuntura do grupo “Vem pra Rua”. Mas o contr|rio pode muito bem acontecer, grupos separados podem se unir em prol de uma única causa.

Considerações finais As manifestações de 2013 são exemplo claro de que um significado pode ser reapropriado e servir a um novo contexto. Na história impressa jornalística existem diversos exemplos de frases que foram tiradas de um determinado contexto para gerar uma polêmica proposital e confundir todos aqueles envolvidos no contexto da época. A publicidade em seu papel nato de criar um receptáculo no qual pessoas e palavras estejam inseridas e dispostas a passar adiante a mensagem recebida, teve seu papel invertido: dessa vez foram as pessoas e as palavras que a colocaram dentro de um receptáculo no qual sua mensagem inicial teve seu valor próximo a zero e sofreu com uma recontextualização de significados. A língua é sempre viva, seu uso é sua modificação constante, sobretudo na internet que vem sendo palco de todo tipo de manifestação, micro ou macro. A gramática e as teorias servem apenas de apoio para que possamos beber de sua fonte e consequentemente quebrar ou provar o contrário daquilo que havia sido afirmado. 224 XII SEMANA DE LETRAS

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Se o contexto é um produto das nossas movimentações e dos choques com novas ideias e expressões, a língua é uma ferramenta do meio social sem a qual nosso pensamento ficaria engessado nas sinapses, pois toda internalização precisa de um código. Boa parte das tentativas de se criar um contexto precisou sempre de um esforço muito maior e mais dispendioso do que se deixássemos ao bel prazer das pessoas sucitarem contextos, e só aí a publicidade adentrar com algum tipo de “sacada genial”, como é do jarg~o preferido deles. Ao contrário do que se pensa, casos como esses acontecem com muita frequência. O caso do “Somos todos Macacos” é um exemplo muito bom porque ilustra a esperteza de uma agência de no momento preciso adentrar com um mote bastante forte e com personalidades reconhecidos pelo público. Na copa da UEFA de 2013, algum jogador indignado se mostrou revoltado com a desempenho do time (não foi provado de que se tratava no início de um ato racista, mas a mídia veiculou isso e foi o que se entendeu da situação) jogou uma banana em direção a Daniel Alves que estava perto da arquibancada. A banana que representou o símbolo do ódio, foi recontextualizada na campanha feita pela agência Loducca, também em São Paulo, que mostra Neymar, também do time do Barcelona, mostrando uma banana e dizendo que para nivelar nossas qualidades,

defeitos e

características pessoais, somos todos macacos. Embora, claro, não sejamos, e se esse contexto tivesse sido mal interpretado, teríamos um problema de interpretação textual bem mais difícil de ser contornado do que aquele inicial no ato de jogar a banana. Um contexto pode ser infeliz ao dar vida a um significado que não teve pelos seus externalizadores essa intenção, além disso, muita coisa se perde e se transforma entre a imaginação e a expressão, e sobre isso, inclusive, Bakhtin comenta da seguinte forma: Por isso o idealismo, que deu origem a todas as teorias da expressão, engendrou igualmente teorias que rejeitam completamente a expressão, considerada como deformação da pureza do pensamento interior. (BAKHTIN, 1981, p. 111).

Sobre esses casos dentro das manifestações políticas e ideológicas que compõem a história brasileira, a linguagem e todo seu universo é o único meio pelo qual tais contextos puderam ser entendidos e levados a seu extremo, seja na luta pelas classes, para as classes, entre classes, com as classes, das classes. Como já sabemos, um contexto só é um contexto pelas pessoas que o constituem. Com certeza, novos contextos como esse de 2013 virão, com corpo e formato parecidos, usando de jargões muitas vezes publicitários, ou que a publicidade poderia facilmente usar em suas campanhas. Vemos assim que as regras existem para serem moldadas a nosso favor, porque a palavra tem sua convenção em significado marcado em dicionários e por filólogos, mas pode ter vários usos, e inclusive nenhum uso, se as pessoas 225 XII SEMANA DE LETRAS

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não souberem o que significa. Portanto, as pessoas, o meio social e a realidade (que por sua vez precisa da construção de conhecimento) podem dar luz a novos contextos, remoldá-los e levá-los até onde tais pessoas quiserem e puderem. Dão não só margem a mudanças políticas, sociais e históricas, mas também fazem nascer novos valores, novos ideais. Além disso, trazem o passado ao presente, até que esse presente seja sufocante e intolerável e mais uma vez se precise do passado para a retomada de um novo presente.

Referências BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Prefácio de Roman Jakobson. Editora Hucitec, 1981. BERGER. Peter L. LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. 29. Ed.: tradução de Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis, Vozes, 2008. THARP, Twyla. The Creative Habit: learn it and use it for life: a practical guide. Colaboração de Mark Reiter. Simon & Shuster paperbacks, designed by Julian Peploe, 2006. http://www.adnews.com.br/publicidade/vem-pra-rua-campanha-da-fiat-vira-hino-deprotesto Acessado no dia 9 de maio, às 21:35. http://economia.estadao.com.br/blogs/radar-da-propaganda/vem-pra-rua-da-fiat-sai-do-arapos-virar-tema-de-protestos/ Acessado às 21:55 do dia 9 de maio http://vemprarua.org/ Acessado Às 9:06 do dia 11 de maio

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O USO DOS GÊNEROS DIGITAIS NAS AULAS DE LÍNGUA ESPANHOLA Fabiana Alves de Melo Nogueira (UFS) Deise Heloisa Santana Santos (UFS)

Introdução Este trabalho objetiva ilustrar o uso dos Gêneros Digitais nas aulas de Língua Espanhola, papel que o professor desempenha na utilização desses recursos, assim como a criação de um AVA na rede social Facebook, intitulado “El Mundo Español” que vem sendo utilizado como instrumento pedagógico para atividades com a abordagem de gêneros textuais, a fim de desenvolver as competências e habilidades linguísticas dos alunos, buscando a ampliação de seus conhecimentos com uma visão crítica, através da língua-alvo, assim aprenderão de maneira dinâmica, interacional e satisfatória. O público alvo são alunos do 1º ano do Colégio Estadual Dom Luciano José Cabral Duarte, vinculado ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Analisam-se primeiramente, os Gêneros Digitais como ferramentas pedagógicas, indispensáveis no processo de ensino/aprendizagem do Espanhol como Língua Adicional E/LA e como eles podem ser explorados no desenvolvimento das competências e habilidades linguísticas. Souza e Gomes (2009) afirmam que: A questão das novas tecnologias e conceitos como saber flexível, aprendizagem cooperativa, interdisciplinaridade, transdisciplinariedade, currículo integrado, redes de aprendizagem e educação continuada e à distância começam a se fazer cada vez mais presentes nos ambientes acadêmicos e políticos, sobretudo quando está em pauta a discussão sobre a necessidade de renovação dos processos educacionais, (SOUZA E GOMES, 2009, p.36). No segundo tópico, se faz uma análise de como o professor passa a utilizar essas novas tecnologias dentro e fora da sala de aula, levando em consideração que para o desenvolvimento de qualquer atividade traçada pelo professor precisa estar pautada em estratégias predefinidas para que se possa obter resultados significativos, como nos explica Nóvoa (2002, p.23), “o aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares: a própria pessoa, como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente”. E no terceiro, trataremos especificamente, do Projeto “El Mundo Español” no Facebook para o ensino/aprendizagem do espanhol, em que será explicado o porquê da escolha do gênero digital, os tipos de atividades abordadas e os resultados alcançados. Segundo Silva “O uso do computador como ferramenta mediadora da comunicação leva-nos a 227 XII SEMANA DE LETRAS

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considerar textos que contemplam tanto a “interatividade tecnológica”, onde prevalece o di|logo, a comunicaç~o e a troca de mensagens, quanto { “interatividade situacional”, definida pela possibilidade de agir, interferir no programa e/ou conteúdo” (Silva, 2000: pg. 87 In: Braga, 2001: pg. 145).

Os gêneros digitais no contexto educacional Professores e demais profissionais da educação, discutem frequentemente o processo de ensino-aprendizagem, em que exige um esforço maior para elaboração de materiais didáticos, estratégias e técnicas para o ensino. As Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) surgem como novas possibilidades neste processo, contribuindo para uma melhor qualidade no contexto educacional. As redes interativas de computadores estão crescendo exponencialmente, criando novas formas e canais de comunicação, moldando a vida e, ao mesmo tempo, sendo moldadas por ela. (...). As mudanças sociais são tão drásticas quanto os processos de transformação econômica e tecnológica. (CASTELLS, 1999, p.40).

Para Antunes (p. 2001), essas tecnologias não podem mais ser vistas apenas como mais um recurso pedagógico, da forma como é um gravador de som, o computador veio para ficar e necessitamos utilizá-los em aulas para desenvolver o senso crítico do aluno, ensiná-lo a pensar melhor, aguçar suas faculdades de observação e pesquisa, sua imaginação, suas memórias e os novos horizontes de sua comunicação. Com isso fica evidente a importância da intervenção tecnológica, como ferramenta essencial no processo de ensino/aprendizagem, pois de caráter inovador estabelece novos conceitos de interação social ajudando a desenvolver no aluno a capacidade de construção e ampliação de seus conhecimentos com uma visão crítica relacionada aos temas culturais, políticos, econômicos, entres outros presentes na sociedade. Os Gêneros Digitais são excelentes ferramentas educacionais para o processo de ensino/aprendizagem, por ser um espaço em que a língua adicional é efetivamente empregada. Assim os gêneros possibilitam, através do estudo desses enunciados, um contato com as “condições específicas e as finalidades de cada campo, n~o só pelo seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem (seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua), mas, por sua construç~o composicional” (BAKHTIN, 2000, p.263). (...) Desta forma, os gêneros digitais são megaferramenta para desenvolver nos aprendizes a necessária habilidade de construir pontos de vista e defendê-los convincentemente. (XAVIER: 2005 p.37-38.) 228 XII SEMANA DE LETRAS

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Há vários instrumentos que podem ser explorados para uma aprendizagem sólida, que podem contribuir no desenvolvimento das habilidades linguísticas (ouvir, falar, ler e escrever) dentre os recursos podemos citar multimídias, internet, comunidades virtuais (Blog, Glogster, WebQuest, Twitter, WhatsApp, Facebook entre outros), pois Segundo Antunes (p.2000) O importante nessas competências não está em se buscar o uso e sim em ousar, criar, inventar, sugerir, desafiar. Na área da educação, os gêneros eletrônicos se destacam de modo geral, inclusive na língua adicional, neste caso o espanhol, pois assim como as demais disciplinas a língua adicional tem uma função educacional, ou seja, a formação de cidadãos, como afirma as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM, p.91 2006), que fazem referência ao conceito de cidadania, que é um valor social a ser desenvolvido nas várias disciplinas, inclusive de uma língua adicional, trazendo para o aluno a necessidade de uma relação com o próximo, baseada no respeito mútuo com demais indivíduos dos diversos meios sociais. No ensino da língua espanhola, os recursos digitais oferecem um ambiente propício de aprendizagem através de atividades interativas e cooperativas, desta maneira utiliza a tecnologia como ferramenta pedagógica para desenvolver e estimular a aprendizagem. Nesta perspectiva a tecnologia pode ser vista como: “[...] o estudo e a pr|tica ética de facilitaç~o da aprendizagem e melhoria do desempenho, por meio da criação, uso, e gestão de processos e recursos tecnológicos apropriados”. (AECT, 2004, p. 3). Em vista disto, estas tecnologias agem como ferramentas educacionais, propiciando ao aluno uma aprendizagem embasada na formação de cidadãos e não se tratando apenas da informatização do ensino, que reduz as tecnologias a meros instrumentos para instruir o aprendiz. As TIC têm um significativo impacto no processo de ensino-aprendizagem, e o professor tem um papel importante de proporcionar um ambiente favorável para que os envolvidos na aprendizagem construam seus conhecimentos. Contudo Gianolla afirma que: A utilização do computador na escola, como ferramenta pedagógica, exige uma compreensão maior do que seja o processo de aprendizagem, para que não se confunda as idéias de “informar-se sobre o mundo com o formar-se no mundo.” (GIANOLLA, 2006, p.52).

Contudo, é absolutamente necessário que o professor não só conheça a parte técnica, mas como proceder no manuseio do mesmo, enfatizando a importância da formação continuada dos profissionais da educação para o uso das ferramentas midiáticas em sala de aula, pois formar-se no mundo exige construção do conhecimento através desta ferramenta inovadora, antes considerada como um acessório para o desenvolvimento profissional, 229 XII SEMANA DE LETRAS

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tornando-se assim uma parte essencial, em que envolve não só professores e alunos, mas toda a comunidade educativa.

O papel do professor na inclusão dos gêneros digitais A inserção dos Gêneros Digitais já faz parte do contexto educacional e diante dessa realidade o professor aparece como mediador, sendo um dos grandes responsáveis pela introdução das novas tecnologias em sala de aula. Estas ferramentas vêm ganhado espaço no meio docente, devido à constatação de que tais meios servem de excelente recurso para o ensino-aprendizagem e no que se refere a uma língua adicional. Para haver sucesso com o uso destas TIC na sala de aula é essencial que a escola disponibilize recursos necessários para esta prática, assim como professores preparados para usufruírem destas ferramentas. “(...). É preciso que o professor conheça os recursos que ele oferece e crie formas interessantes de usá-las.” COSCARELLI (2011). Silva (2000) acrescenta: É preciso apenas que os professores se apropriem dessa linguagem e explorem com seus alunos as várias possibilidades deste novo ambiente de aprendizagem. O professor não pode ficar fora desse contexto, deste mundo virtual que seus alunos dominam. Mas cabe a ele direcionar suas aulas, aproveitando o que a internet pode oferecer de melhor. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), as línguas estrangeiras nas escolas devem ser consideradas uma disciplina tão importante como qualquer outra do ponto de vista da formação do indivíduo. Nesta perspectiva, é necessário refletir sobre mudanças no ato de ensinar, buscando alternativas que possibilitem ao aluno o contato com a língua alvo. Neste sentido, é importante que no desenvolvimento das atividades de ensino os docentes se assegurem de considerar os conhecimentos prévios de mundo, que possuem os aprendizes, dando-lhes a possibilidade de utilizá-los na construção de suas identidades. Durante o ensino de uma língua adicional os professores apontam algumas dificuldades que encontram na execução de suas aulas, dentre elas a falta de infraestrutura adequada, a falta de equipamentos tecnológicos como computador, impressora, data-show, televisão, rádio gravador, entre outros, assim como também a falta de recursos para a produção de um material didático que atenda às reais necessidades de seus alunos. Segundo Vilaça (2001) o material didático define como toda a criação que ajude no ensino de aprendizes de uma língua. Por esta definição Vilaça, nos permite entender que o material didático depende, logo, de um agente para administrar tal ensino. Mediante esta afirmação, é necessário que o professor busque novos recursos como a construção de seu próprio material didático. Desta maneira, é fundamental encarar o material como um ponto 230 XII SEMANA DE LETRAS

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de referência, não como o único facilitador, mas como um guia de orientação geral, que ajuda na seleção e organização dos conteúdos e seus objetivos. O material produzido, deve oferecer aos alunos o que eles necessitam, sendo que sua compreensão seja precisa e que a aquisição da linguagem possa satisfazer suas necessidades comunicativas. Segundo Almeida Filho, “os professores de língua necessitam, entre outras coisas, produzir seu ensino e buscar explicar porque procedem de tal maneira e como fazem” o enfoque adotado dever ser integrador e eficaz para que se atinjam os objetivos propostos e que o conjunto de concepções com as quais as ações do docente se vinculam deve haver coerência. Segundo Gargallo (2003, p. 27) El material debe exponer al alumno a elementos que ya conocen: los materiales didácticos han de facilitar una introducción progresiva de nuevos elementos sin el contexto general de presentación de los mismos supere el nivel de competencia del alumno. Hemos de considerar que si exponemos al alumno, de forma exclusiva, a aquello que ya conoce, disminuirá la motivación; sin embargo, tampoco es conveniente que el material supere en exceso el nivel de conocimiento del alumno (GARGALLO, 2003, p. 27).

Portanto, o material didático deve ser ensinado em um contexto comunicativo, tornando as aulas mais atrativas e motivadoras aos aprendizes da língua adicional. No cenário educacional, a utilização das TIC introduz mudanças porque trabalha com a interação entre o professor e os alunos no que se refere ao desenvolvimento das habilidades linguísticas, baseadas em um contexto comunicativo e funcional. Pensando em atividades instigantes e desafiadoras, com o desígnio de mobilizar e motivar a aprendizagem dos educandos, criamos um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) na rede social Facebook, no intuito de trabalhar com diversos tipos de gêneros textuais autênticos da língua alvo.

A construção de um ava no facebook Atrativas e multifuncionais, as redes sociais exercem forte influência no cotidiano das pessoas porque proporcionam a troca de informações com agilidade, facilitando a interação no mundo virtual. Este processo já é inerente na vida de inúmeras pessoas, entre elas crianças e adolescentes. Esta é uma realidade imutável, pois além de entreter, as mídias sociais podem se tornar ferramentas de interação valiosíssimas para o ensino-aprendizagem, inclusive do espanhol como língua adicional. A definição de redes sociais citada por Recuero (2009, p.24) enfatiza que: Uma rede social é definida como um conjunto de dois elementos: Atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais) (...). Uma rede, assim, é uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das conexões estabelecidas entre os diversos

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LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO atores. A abordagem de rede tem, assim, seu foco na estrutura social, onde não é possível isolar os atores sociais e nem suas conexões (Recuero, 2009, p.24).

No que se refere ao uso de Gêneros Digitais, elegemos o Facebook pelo fato de servir como Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e por ser bastante usual e interativo entre os jovens, para desenvolvermos o Projeto intitulado “El Mundo Español”, em que foram trabalhadas atividades com diversos tipos de gêneros textuais. O projeto teve a participação de seis turmas (1º B2, 1º H2, 1º I, 1º J, 1º K2, 1º L) do 1º ano do ensino médio do Colégio Estadual Dom Luciano José Cabral Duarte no ano letivo de 2014. O Facebook permite o feedback entre docentes e discentes, essencial no processo de ensino/aprendizagem porque proporciona a interatividade e é nessa troca de informações entre professor e aluno que TEDESCO (2004) nos afirma: (...) as novas tecnologias da informação e da comunicação constituem um complemento das técnicas pedagógicas tradicionais, para permitir que os sistemas educacionais possam adaptar-se às diferentes necessidades de aprendizagem e às características das sociedades. (TEDESCO,2004, p. 8).

O que pauta neste trabalho é o uso de elementos que permitem uma aprendizagem de forma significativa para os estudantes de espanhol, fazendo parte do desenvolvimento das habilidades linguísticas inseridas tanto no contexto funcional quanto no comunicativo. O uso de gêneros textuais no ensino de uma língua adicional corresponde às reais necessidades encontradas pelos alunos, durante o processo de aquisição da língua alvo. Adquisición es un proceso espontáneo y inconciente de internalización de reglas como consecuencia del lenguaje con fines comunicativos y sin atención expresa a la forma. Aprendizaje es un proceso conciente que se produce a través de la instrucción formal en el aula e implica un conocimiento de la lengua como sistema (GARGALLO, p.19 2003).

A escolha de trabalhar com gêneros textuais se deve ao fato de que eles apresentam elementos culturais, além disso oferecem contato com a língua de forma usual, permite aos alunos compreender e apreciar outra (s) cultura (s), promovendo assim um envolvimento maior com o idioma. Nesse contexto a Literatura se apresenta como conteúdo inerente no processo de ensino de uma língua, pois a mesma é vista como meio para aquisição de conhecimentos linguísticos necessários para o uso correto da língua. O contato com distintas culturas do idioma espanhol pode ser trabalhado dentro e fora da sala de aula, através de conteúdos educacionais em que o professor possa organizar debates on-line no Facebook com o uso de temas transversais, utilizando sempre textos autênticos, como ensinam os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) no intuito de 232 XII SEMANA DE LETRAS

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desenvolver as habilidades e competências linguísticas na língua alvo, fomentando assim um ensino-aprendizagem de qualidade. Ambientes digitais de aprendizagem são sistemas computacionais disponíveis na internet, destinados ao suporte de atividades mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação. Permite integrar múltiplas mídias, linguagens e recursos, apresentar informações de maneira organizada, desenvolver interações entre pessoas e objetos de conhecimento, elaborar e socializar produções tendo em vista atingir determinados objetivos. (ALMEIDA, 2003. p. 331).

Contudo, o aluno deixa de ser passivo e o professor deixa de ser o ‘dono da verdade’, ou seja, o conhecimento passa a ser compartilhado, havendo assim a interação entre aluno e professor, e mesmo entre professores e entre alunos também, todos ampliando e compartilhando conhecimentos e saberes. Torres e Fialho (apud LITTO; FORMIGA, 2009) afirmam que “precisamos de professores que sejam capazes de compartilhar seus conhecimentos com os demais, pois o professor não é o dono do saber e, sim, alguém que aprende com o grupo e com seus alunos”.

O projeto “El mundo Español” A criaç~o do grupo no Facebook, “El mundo Español”, surgiu a partir da iniciativa das pibidianas Deise e Fabiana, juntamente com a Coordenadora Professora Doutoranda Valéria Jane Siqueira Loureiro e o Supervisor Professor Marcelo Marinho, em virtude da necessidade de um recurso que pudesse auxiliar no processo de ensino/aprendizagem e que fosse além da sala de aula, para um melhor aprendizado da língua alvo.

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Resultados Os resultados obtidos indicam uma avaliação satisfatória, pois os alunos perceberam que o aprendizado de uma língua adicional não está limitado a uma abordagem gramatical com domínio de questões mais sistemáticas, como leitura e tradução. Durante as atividades verificamos as assertivas: “Fiquei emocionada com o vídeo Cuerdas, ele é real ou fictício?”, “Gosto muito do espanhol e este grupo est| me incentivando bastante”, “Gostei muito desta adaptaç~o de Dom Quixote e pretendo ler este cl|ssico”, “Curioso este vídeo... eu n~o sabia que uma mesma palavra tinha distintos significados em diversos países que fala o espanhol” e “Conhecer outras culturas estimula novos conhecimentos”. Os alunos entenderam que, através dos diversos gêneros textuais inseridos no AVA, podem conhecer outras culturas com seus respectivos valores, estimulando a busca por novos saberes de maneira dinâmica e interacional, saindo do ensino convencional, buscando novas alternativas de aprendizagem que priorizem a questão social e, consequentemente, a formação de cidadãos críticos.

Considerações finais Diante dos fatos mencionados e de todos os pressupostos teóricos que foram expostos neste trabalho, fica evidente que os Gênero Digitais vêm ocupando um espaço de suma importância no contexto educacional, visto que tais ferramentas facilitam no processo de desenvolvimento de atividades que buscam integrar novos recursos como sendo meios de aproximar positivamente docentes e discentes. De fato, as mídias tecnológicas interferem na educação desde as distintas formas de linguagem e comunicação até o conhecimento adquirido, com isso fica perceptível que através destes recursos midiáticos podem se formar indivíduos pensantes com visões críticas relacionadas às questões políticas, sociais e econômicas presentes no mundo globalizado. O professor que se apresenta como um mediador e educador tem o dever de estender o uso dos meios de comunicação de casa até a escola, assim os alunos podem ter a satisfação de aprender utilizando-se dos mais variados recursos e obter, em decorrência disso, um resultado positivo acerca da língua e da linguagem. Os resultados obtidos com o projeto atenderam às expectativas, pois os alunos curtiram, comentaram, perguntaram e responderam as atividades propostas com dedicação, sem se sentirem pressionados. Deste modo, as TIC favoreceram a interação entre os alunos, 234 XII SEMANA DE LETRAS

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em que os mesmos foram capazes de estabelecer novas relações. Pois segundo Mendes (2008, p.63): Os aprendizes sejam incentivados a assumir uma postura que favoreça a abertura, o diálogo, o respeito às diferenças, assim como a avaliarem criticamente os seus posicionamentos e atitudes durante o desenvolvimento do processo de aprendizagem. Isso, no entanto, vai depender do modo como ele enxerga o ‘outro’, o diferente dele e a língua que está aprendendo. (MENDES, 2008, p. 63).

Neste sentido acreditamos que os aprendizes obtiveram dentro deste ambiente virtual uma postura aberta ao diálogo, desenvolvendo a competência comunicativa, respeitando o próximo e contribuindo para uma interação em que favoreceu a ampliação dos conhecimentos diante dos Gêneros Digitais para transformá-los em bons produtores de gêneros textuais valorizados na sala de aula, sempre privilegiando a questão social e consequentemente, a formação com cidadãos críticos.

Referências AECT (2004) AECT, definition and terminology committee document #MM4.0, The Meanings of Educational Technology. Consultado na internet em 03 de junho de 2009. ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de. Educação a distância: diretrizes políticas, práticas e concepções. In: FAZENDA, I. C. A.; SEVE-RINO, A. J. Fórum Paulista de PósGraduação em Educação. Série Cidade Educativa, vol. 3. Campinas: Papirus. 2003. ACTAS DEL VIII SEMINARIO DE DIFICULTADES DE LA ENSEÑANZA DEL ESPAÑOL A LUSO HABLANTES: Elaboración de materiales para la clase de español. São Paulo: 2000. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal, 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2000. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira /Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. v.1. São Paulo: Paz e Terra, 1999. COSCARELLI, Carla, Ana Elisa Ribeiro – Letramento digital: aspectos sociais e possibilidades pedagógicas – 3. ed., Belo Horizonte: Ceale; Autêntica, 2011. GIANOLLA, Raquel Miranda. Informática na educação: representações sociais do cotidiano. São Paulo, Cortez, 2006. LITTO, F. M.; FORMIGA, M. Educação a distância o estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009.

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MEC- SEE. Orientações curriculares para o ensino médio. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006, volume 1. MENDES, Edleise. CASTRO, Maria Lúcia S. Língua, cultura e formação de professores: por uma abordagem de ensino intercultural. In: Saberes em português: ensino e formação docente. Campinas-SP: Pontes, 2008. p. 57-77. NÓVOA, Antonio. (coord.). Os professores e sua formação. Lisboa-Portugal, Dom Quixote, 2002. RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre, Cibercultura. 2009. SANTOS GARGALLO, I. Lingüística aplicada a la enseñanza aprendizaje del español. Madrid: Arco libros, 2003. SILVA, M. Sala de aula interativa. Rio de Janeiro: Quater, 2000. SOUZA, Carlos Henrique Medeiros de, GOMES, Maria Lúcia Moreira. Educação e Ciberespaço. Brasília: Usina de Letras, 2009. TEDESCO, Juan Carlos. Educação e novas tecnologias: esperança ou incertezas. São Paulo, Cortez, 2004. VILAÇA, M.L.C. O material didático no ensino de língua estrangeira: definições, modalidades e papéis. Revista Eletrônica do Instituto de Humanidades da Unigranrio. Número XXX. Julho-setembro de 2009. XAVIER, Antônio C. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In: _______ Hipertexto e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005, p.13-67.

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POSSÍVEIS LEITURAS DAS MEMÓRIAS CULTURAIS MOÇAMBICANAS EM UALALAPI (1987), DE UNGULANI BA KA KHOSA Rodrigo Santos Dultra (UFBA)

Introdução “Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento”. (Stuart Hall)

A arte literária é atravessada de reconfigurações da realidade e, por isso, tem a capacidade de tocar em searas que muitas vezes estão submersas e as fazem vir à tona. Entrar em contato com essa arte proporciona vivências e experiências que permitem ao sujeito conhecer outras realidades, além de um maior poder de reflexão e autoconhecimento. Estudar os escritores africanos de língua portuguesa e estar submerso nessa Literatura desperta inquietações acerca das ideias de nação, país, comunidade, autoria e a própria ideia de África. Há algum tempo, essas idéias eram solidificadas e havia uma falsa crença de que se poderia localizar o sujeito no tempo e no espaço tendo como base apenas sua pertença geográfica. Algumas dessas ideias pré-estabelecidas sobre África, alimentavam o imaginário ocidental sem que se dessem conta de estarem ouvindo, lendo e estudando versões únicas das histórias. O processo de expansão Europeia, a partir do século XIV, fez disseminar sua cultura pelo mundo, através do sistema de colonização no qual os lugares encontrados ou “descobertos” se tornavam colônias desses países, e passavam a ser povoados por aventureiros, exploradores, religiosos e pessoas ligadas à monarquia. Portugal estendeu seu domínio sobre a América, Ásia e África, se consolidando como uma das grandes potências marítimas nos séculos XIV, XV e XVI. No entanto, o processo de colonização corrobora para inúmeros outros processos tão complexos e agressivos quanto o primeiro. O apagamento de culturas, o esvaziamento dos sujeitos e a tentativa da formação de uma identidade unicamente europeia são apenas alguns exemplos deles. Ao se fazer uma análise do sistema colonial lusitano observa-se que apesar de Portugal ser uma dessas potências marítimas, seu sistema colonial se diferenciava do resto da Europa. Boaventura de Sousa Santos em seu ensaio intitulado “Entre Próspero e Caliban: colonialismo, pós-colonialismo e interidentidade” propõem-se a fazer uma investigação no espaço-tempo da língua portuguesa no que diz respeito ao contato dos portugueses com os povos asiáticos, americanos e africanos. Para isso, ele apresenta de forma sucinta as quatro 237 XII SEMANA DE LETRAS

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hipóteses que orientam sua investigação e que discutem desde a condição do país comosemiperiférico no sistema mundial capitalista até a constataç~o de que “a cultura portuguesa é uma cultura de fronteira: não tem conteúdo, tem sobretudo forma, e essa forma é a zona fronteiriça”. (SANTOS, 2003, p. 24). A epígrafe acima retirada do livro “A identidade cultural na pós-modernidade” de Stuart Hall põe em evidência o estado do sujeito pós-moderno, além de colocar a identidade como algo em processo inacabado e não inato. Esse processo de formação de uma configuração identitária está presente na maioria dos espaços pós-coloniais. As literaturas africanas de língua portuguesa nos dão provas da utilidade da Literatura como parte da história de um povo, assim como revela seu grande poder representativo frente às lutas enfrentadas nos territórios africanos. Temas como as guerras de independência, conflitos internos, a presença do ex-colonizador fazem parte da agenda de muitos escritores africanos pós-coloniais, assim como nos afirma Inocência Mata: Por razões que talvez tenham a ver com o lugar das literaturas na luta nacionalista das colônias portuguesas, que conduziu à independência política desses territórios, os estudos literários africanos de língua portuguesa têm insistido numa decorrência de que também não estou isenta, que consiste em considerar as literaturas a partir de um lugar ideológico do poder e do contra poder. (MATA, 2003, p. 4).

Os confrontos pelos quais as ex-colônias portuguesas passaram se assemelham em muitos pontos. Pode-se ainda ter em mente o jogo de alteridade que figura a composição das nações pós-coloniais, pois as relações que envolvem colonizador e colonizado, a princípio, não se mostraram afetivas e nem amorosas, razão pela qual Inocência Mata afirma acima que as literaturas africanas são analisadas sempre a partir de um lugar ideológico de poder. Tem-se então, na literatura, um grande instrumento para revisitar essas questões e tentar resolver problemas que estão no passado. Hugo Achúgar, pensador Uruguaio, afirma que muitas histórias passam pelo processo de esquecimento, por não servirem de base para a composição de uma memória oficial. Essa tentativa de resgate, feita através da arte literária, estaria no plano da “Ordem ritual” que se constituem no }mbito público. N~o se pode virar as costas para os problemas enfrentados pelos países africanos na pós-independência, no entanto enquanto as histórias oficiais forem as únicas a serem contadas, serão as únicas a servir de base para construção das memórias nacionais. A construção das configurações identitárias de uma nação partem dos diversos elementos que a compõem; esses elementos, porém, podem ser manipulados ou passar por momentos de apagamentos temporários. O olhar ao passado é, muitas vezes, uma das melhores formas de resolverem-se conflitos ou ampliar questionamentos. Não se pode achar que o passado apenas influencia o presente e futuro com marcas indeléveis, mas, sobretudo 238 XII SEMANA DE LETRAS

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como composições memorialísticas, que em alguns casos se tornam terrenos áridos e porosos. Isso evidencia o quanto este passado ainda precisa ser revisitado para que o presente e o futuro possam ser compostos por relações dialógicas que ajudem na construção das memórias que compõem a nação. Quanto a isso Francisco Noa nos diz que: Discutir o passado não é para saber o que aí aconteceu nem simplesmente para saber como ele influencia o presente, mas sobretudo o que ele é , na verdade, se está concluído, ou continua sob diferentes formas. Como ensina Cícero, não conhecer o passado é permanecer sempre criança. (NOA, 2002, p. 17)

Os símbolos, histórias e mitos que fazem parte do passado nem sempre interessam a quem se propõe enunciar as histórias oficiais; e essas, por sua vez, são atravessadas de silenciamentos impostos de forma proposital. A discussão do passado permite o conhecimento de como ele funcionou em função do presente, mas para isso, é preciso estar atento ao que diz cada um dos discursos formadores da nação para se compreender os caminhos que conduzem ao enfrentamento dos conflitos presentes na memória nacional. Hugo Achúgar faz, ainda, a distinção entre os três tipos de memórias que ajudam a compor a memória nacional: a popular, a oficial e a pública. Segundo ele, a memória popular é aquela construída pelo povo, as lutas, batalhas e enfrentamentos, é nela que surgem algumas lendas e mitos. A memória oficial é o espaço intelectual, o âmbito do debate acadêmico e pode funcionar sem materialidade, nela surgem os ditos discursos oficiais que exercem um poder legitimador por conta de seu AD SITU, ou lugar de enunciação. Já a memória pública, é a batalha entre esses dois tipos de memória onde se pode observar uma verdadeira luta de “queda de braço” na qual a quantidade de braços envolvidos não representa maior força. Quando Francisco Noa chama a atenção para o entendimento do passado e suas implicações, ele está alertando para os conflitos existentes nos discursos que são baseados nas memórias oficiais, sem que haja uma consulta à memória popular ou ao menos à pública. É preciso aguçar a criticidade para não se deixar levar por discursos que são incompletos ou contados pela metade. Chimamanda Adichie em sua aula/discurso intitulada O perigo de uma única história, discute os perigos de se conhecer apenas um dos discursos acerca de um povo, naç~o, espaço, família ou até mesmo pessoas. Pois estes constroem estereótipos “e o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história tornar-se a única história.” (ADICHE, 2009). Pensando nessas questões é que alguns escritores africanos pós-coloniais compõem suas narrativas e procuram colocar em evidência as histórias que são silenciadas. É nesse

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contexto que

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Kha Kosa, escritor moçambicano, desponta com o livro Ualalapi

publicado pela primeira vez em 1987. Segundo o autor, trata-se de uma tentativa de humanizar um dos mitos que fazem parte da memória coletiva de Moçambique, pois no pósindependência houve uma investida na intenção de apagar essas histórias que faziam parte da formação dos povos que ajudaram a compor a nação. O livro Ualalapi é composto por contos contínuos, e antes de cada conto o autor acrescenta alguns documentos e os chama de “Fragmentos do fim”. Alguns desses documentos são relatos históricos entregues ao Governo português durante o período colonial, outros são reconfigurações da realidade que são adicionadas à narrativa e nos dão pistas dos desfechos da trama que se segue. São essas constatações que são feitas no âmbito da memória popular que ajudam, não somente a conhecer o passado, mas acima de tudo, a entendê-lo. A escolha de quem contar e como contar já deve permitir desconfianças quanto às verdades estabelecidas por esses discursos. Ao se pensar nessas histórias que são disseminadas e carregadas de “verdades”, deve-se ater ao elemento que pode causar muitas controvérsias, o passado; pois esse entendimento implica em poder dar novos rumos ao presente. Khosa, em Ualalapi, tenta fazer um resgate de fatos que não devem ficar reservados apenas ao passado colonial, pois seus efeitos reverberam também no presente. Ngungunhana foi o ultimo rei de Gaza, território que fica localizado ao sul de Moçambique, inicialmente procurou manter relações diplomáticas com Portugal. No entanto, essas relações se tornaram emblemáticas, pois ele ora demonstrava lealdade à coroa portuguesa ora se se mostrava um bravo opositor do colonialismo. Era também conhecido pela sua coragem e pela conquista de outros povos, foi capaz de mandar matar seu próprio irmão para garantir sua ascensão ao poder. Após diversas tentativas, finalmente foi capturado e levado para Portugal numa expedição comandada por Mousinho de Albuquerque, aclamado pelo feito heroico. Ao construir uma narrativa composta por contos que tratam de um passado que luta para se manter latente na memória coletiva, ele faz um grande exercício de contar outra versão da história de caça e captura de Ngungunhana. O território que hoje é conhecido como Moçambique é o cenário onde as histórias acontecem, as narrativas são ambientadas inicialmente no período pré-colonial. O autor acrescenta um tom fantástico às narrativas, a exemplo da figura do guerreiro Ualalapi, que dá nome ao livro, e que aparece apenas em um dos contos. Este guerreiro fazia parte da guarda de Mundugazi, que após subir ao trono se auto proclamará Ngungunhana. Ele recebe ordens expressas do rei, para matar seu irmão e

42UNGULANI

BA KA KHOSA é o nome tsonga de Francisco Esau Cossa, nascido na província de Sofala, em 1957, fundador da revista Charruae autor de várias obras de ficção.

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oponente, pois assim não haveria luta pelo trono do reino de Gaza. A mulher de Ualalapi tem alguns sonhos e fica preocupada com o destino do marido. A mulher de Ualalapi acompanhou com o olhar o marido até este desaparecer na floresta. Pegou no filho e começou a chorar mansamente. Entrou na cubata e não mais saiu até à morte do filho e dela afogados pelas lágrimas que não pararam de sair dos olhos desorbitados durante onze dias e onze noites. (KHOSSA, 1990, p. 35).

Ela estava prevendo o que aconteceria ao seu marido, apesar do autor não se aprofundar nas características psicológicas da personagem, o apresenta como leal, corajoso, destemido e extremamente obediente ao seu senhor a ponto de matar em seu nome. No entanto, sua integridade e seu bom caráter o fizeram vítima de sua incomensurável submissão. Estas primeiras cenas do livro já revelam as estratégias de Ngungunhane para se manter no poder, ele manda que seu melhor guerreiro mate seu irmão para garantir que não haveria, já que segundo a tradição o filho mais velho deveria abrir a sepultura do pai e assumir a coroa. O destino de Ualalapi é pré-(visto) pela sua esposa que havia sonhado que o guerreiro que matasse Mefemane também morreria. Sabendo do destino que estava reservado para o marido, morre junto ao filho, afogada nas próprias lágrimas. Esses são alguns traços místicos que aparecerão ao longo das narrativas, fazendo parte também do fantástico. Segundo Mia Couto, “O fant|stico e o inusitado est~o na realidade africana e fazem parte de nossa cultura”. O jeito de contar revelado por Khosa não foge à regra de alguns escritores africanos que mesmo escrevendo em língua portuguesa, tentam incluir elementos da tradição oral na literatura. O próprio autor, em entrevista, releva que esta sempre foi sua preocupaç~o, pois “a primeira república na pós-independência tentou obliterar esses elementos culturais”. O que ele tenta fazer não é o simples resgate de um herói nacional, mas a inclusão de um mito que faz parte da memória nacional moçambicana na literatura, dando-lhe a chance de fazer parte da memória oficial. Esse é mais um exemplo do silenciamento cultural sofrido pelas ex-colônias. Khosa faz um passeio pelo território moçambicano no período pré-colonial e, de uma forma muito competente, traça um panorama da cultura tradicional, destacando a organização social e as paisagens rurais. Com o desenrolar da narrativa, começa-se a perceber a figura do colonizador no território africano. Discriminação, violência e medo são alguns sentimentos que despontam e envolvem essas relações. No capítulo intitulado Diário de Manua, há evidências de um encantamento pela cultura Europeia, isso é revelado pelo Manua, filho de Ngungunhana. No entanto, esse encantamento será punido por seus antepassados e sua admiração pelos portugueses o levará a loucura e consequentemente à morte. 241 XII SEMANA DE LETRAS

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Passagens bíblicas estão presentes na obra, a bíblia como símbolo da catequese, da entrada do cristianismo no território africano, a troca de uma religiosidade tradicional por uma fé ocidentalizada. Essas passagens revelam elementos presentes nas configurações identitárias moçambicanas, a partir do contato com a igreja protestante, principalmente a igreja Suíça. “Erguer-se-á povo contra povo e reino contra reino, e haverá fomes, pestes e terremotos em v|rios sítios. Tudo isto ser| apenas o princípio das dores.” (Khossa, 1990). Esta passagem foi colocada estrategicamente antes do último capítulo, no qual Ngungunhane é finalmente capturado pelos portugueses e profere o seu “último discurso”. O discurso do imperador é repleto de previsões quanto à devastação que os povos africanos enfrentarão com sistema colonial, ele fala dos conflitos, invasões, estupros e do processo de assimilação que eles deverão enfrentar. Estes homens da cor de cabrito esfolado que hoje aplaudis entrarão nas vossas aldeias com barulho das suas armas e o chicote do cumprimento da jibóia. Chamarão pessoa por pessoa, registrando-vos em papeis que enlouqueceram Manuae que vos aprisionarão. Os nomes que vêm de vossos antepassados esquecidos morrerão por todo o sempre, porque dar-vos-ãoo nome que bem aprouver, chamando-vos merda e vocês agradecendo. (...) O papel com rabiscos norteará a vossa vida e a vossa morte, filhos das trevas. (KHOSSA, 1990, p. 118).

Estas palavras proferidas, por Nhungunhane, no calor da emoção de estar sendo retirado do local que tanto lutou para possuir, mostram o quanto ele temia pelo que iria acontecer ao seu povo. A entrada da escrita como única forma de registro das memórias, também faz parte da preocupação dele. Os registros que foram usados como forma de controle da população africana. Os papéis que enlouqueceram Manua, revelam o choque da transferência da cultura oral para cultura escrita. Os nomes africanos passaram a ser proibidos, e os nomes europeus serão dados de forma aleatória. Havia a tentativa de fazer com que esses povos esquecessem seu passado e os papeis com rabiscos serão as formas legítimas de registro da memória. A literatura como discurso de memória não deve assumir a responsabilidade em dar conta de todas as lacunas que compõem o passado colonial, mas deve ser utilizada como instrumento de resgate dessas memórias. Ba Ka Khosa conta um pouco do passado précolonial de Moçambique, fala sobre a estrutura das sociedades que habitavam aquela localidade bem como evoca a memória de um herói que no ocidente pouco se ouve falar. Há, no texto, uma discussão quanto aos limites da lealdade de Ngungunhana a seu povo. A ideia de construção de uma nação também está presente na narrativa, pois os diversos povos precisaram se unir contra um inimigo comum. Parti-se desse ponto para analisar o sentimento nacional que passa a figurar nos contos que compõem o livro. Stuart Hall busca 242 XII SEMANA DE LETRAS

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sintetizar a ideia de uma cultura nacional a partir de uma reflexão que envolve também o processo de formação das sociedades pós-coloniais. Para dizer de forma simples: Não importa quão diferentes seus membros possam ser em termos de classe, gênero ou raça, uma cultura nacional busca unificá-los numa identidade cultural, para representá-los todos à como pertencendo mesma e grande família nacional (HALL, 2006, p. 59).

A memória coletiva de um povo está diretamente ligada as suas formações identitárias, já que as memórias individuais contribuem para a formação das memórias coletivas, e estas são capazes de produzir formas diversas de identificação. A identidade pósmoderna está cada vez mais fragmentada e, a historiografia, nem sempre é capaz de dar conta das fragmentações que a compõem. As memórias analisam as semelhanças entre os fatos para que as lembranças sejam capazes de produzir um efeito identificador no sujeito que a possui. Afinal “no momento em que examina seu passado, o grupo nota que continua o mesmo e toma consciência de sua identidade através do tempo.” (HALBWACHS, 2006, p. 108). A noção de família apresentada na citação de Hall mostra o quanto a afetividade também é importante na construç~o do “espirito” nacional, ali|s, ele se torna o sentimento que irá agregar todos os outros nesse processo. É preciso se identificar com o outro, com os costumes, formas de ser, para que essa família permaneça harmônica. A literatura como documento da memória cultural de um povo deve ser compartilhada por todos, pois ela guarda lembranças que não podem ser esquecidas. A arte literária passa a ser a guardiã de uma memória; porém não uma simples guardiã como uma vestal que precisa se manter pura. Antes de tudo, uma guardiã que permite a penetração de intrusos que ajudam a compor suas memórias. E essas não são trancadas, mas livres aos seus visitantes intrusos; talvez seja nesse ponto que a historiografia e as histórias oficiais se pegam para proferir discursos de verdade, através de histórias contadas, muitas vezes, por uma única voz.

Referências ACHUGAR, H. Planetas sem boca: escritos efêmeros sobre arte, cultura e literatura. Tradução de Lyslei Nascimento. Belo Horizonte: UFMG, 2006. ADICHIE, Chimamanda. O perigo de uma única história. Disponível http://www.youtube.com/watch?v=wQk17RPuhW8 = Acesso em 20 de janeiro de 2014.

em

HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. HALL, S. A identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. KHOSA, U. B. K. Ualalapi. 2º. ed. Lisboa: Caminho, 1990. 243 XII SEMANA DE LETRAS

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Mata, I. “a condiç~o pós-colonial das literaturas de língua portuguesa: algumas diferenças e convergências e muitos lugares-comuns”. In: le~o, Ângela Vaz (org.). Contatos e consonâncias: literaturas africanas de língua portuguesa. Belo horizonte: PUC minas, 2003, p.43-72. NOA, F. Império, mito e miopia; Moçambique como invenção literária. Lisboa: Caminho, 2002. SANTOS, B.D.S. Entre Próspero e Caliban: colonialismo, pós-colonialismo e interidentidade. Novos Estudos CEBRAP, n. 66, jul. 2003, p.23-52. Disponível em HYPERLINK "http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/100/20080627_entre_prospero_e_calib an.pdf%20"

http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/100/20080627_entre_prospero _e_caliban.pdf VILHENA, M. D. C. Gungunhana: Grandeza e Decadência de Um império Africano. Lisboa: Edições Colibri, 1999.

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TEMAS SOCIAIS NA ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO PARA O ENSINO DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ADICIONAL Jéssica Maria Pinto (UFS) Marcos Paulo Alves Almeida (UFS)

Introdução O presente artigo tem o intuito de colocar em pauta o desenrolar das atividades desenvolvidas para o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES), existente na Universidade Federal de Sergipe (UFS) – especificamente o PIBID de espanhol, o qual dispõe de 120 (cento e vinte) bolsistas distribuídos entre a orientação de 06 (seis) professores da instituição, formando assim, grupos de 20 (vinte) pibidianos por coordenador. Além do mais, as atividades desenvolvidas que aqui serão relatadas sucederam no Colégio Estadual Atheneu Sergipense, situado no Bairro São José, na cidade de Aracaju, Sergipe, com alunos da 2ª série do ensino médio, durante o ano de 2014. Acerca do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, ele é um projeto que oferece bolsas a alunos matriculados em cursos presenciais com o objetivo de inserir os futuros professores, ainda na graduação, no contexto escolar, proporcionando inclusive, experiência para quando eles chegarem aos estágios curriculares dos seus respectivos cursos. O programa tem a intencionalidade de unir as secretarias estaduais e municipais de educação com as universidades públicas, buscando melhorias para a educação, além de contribuir para uma melhor formação acadêmica. Ainda a respeito do programa, o decreto 7.219 em 24 de junho de 2010, do governo federal sinaliza no artigo 3°, inciso IV, como um dos objetivos: Inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensinoaprendizagem.

Como percebido, afirma o decreto a participação do graduando no processo de formação e suas práticas docentes, além de objetivar uma prática docente de forma inovadora, atribuindo autonomia para a produção de material que auxilie no ensino-aprendizagem dos alunos nas escolas. Sendo possível, inclusive, autonomia para fazer adaptação do livro didático adotado por estas. Logo, este trabalho buscará assim, demonstrar a importância desse projeto na vida acadêmica dos bolsistas, como também, profissional dos seus integrantes, além de expor toda 245 XII SEMANA DE LETRAS

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a experiência ao fazer uso de temas sociais na elaboração do material didático desenvolvido para o projeto, a fim de trabalhar o ensino-aprendizagem do espanhol como língua adicional. Para tanto foram iniciados os trabalhos com leituras dos documentos oficiais que normalizam e orientam a educação escolar no Brasil, além de textos teóricos sobre elaboração de materiais didáticos e ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras (BARROS e COSTA, 2010), seguidas de seis aulas observadas na turma escolhida para mais tarde aplicar o material. Este, elaborado pelos próprios bolsistas sob a orientação da professora Acacia Lima Santos. Logo, foi criada uma unidade didática com o tema social escolhido – elecciones –, em que se primou pela variedade de gêneros textuais explorando, assim, a compreensão e produção escrita e oral. Além disso, foi considerada de fundamental importância a aplicação de atividades que promovessem a negociação de significado, fundamental para que o discente saiba usar a variação linguística em diferentes situações, como nos propõe os Parâmetros Curriculares do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (1998; 2000). Dessa forma, o artigo estará organizado em 03 (três) partes, além da introdução. Na primeira, será discorrido sobre a elaboração de material didático, justificando por meio dos documentos que regem a educação brasileira, o porquê de fazer uso de temas sociais na elaboração de material didático para o ensino-aprendizagem de espanhol como língua adicional. Na segunda, o propósito será comentar acerca da estrutura da escola, bem como, o posicionamento da professora regente frente ao grupo e, ainda, o comportamento da turma, reputando o fato de que esses são aspectos que influenciam no ensino-aprendizagem da língua meta, e inclusive, influenciaram na produção, assim como, na aplicação do material elaborado. E, na terceira, será argumentado a respeito da metodologia utilizada, relatando desde a teoria à prática do desenvolvimento desse trabalho. Por último, nas considerações finais, a síntese em relação à temática.

Porque fazer uso de temas sociais na elaboração de material didático? Segundo a definição apresentada pelas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006), material didático: Pode-se dizer, em linhas gerais, que material didático é um conjunto de recurso dos quais o professor se vale na sua prática pedagógica, entre os quais se destacam, grosso modo, os livros didáticos, os textos, os vídeos, as gravações sonoras (de textos, canções), os materiais auxiliares ou de apoio, como gramática, dicionários, entre outros (OCEM, 2006, p. 154).

É muito comum os professores planejarem suas aulas com as perspectivas do livro didático utilizado pela escola em que trabalha. O que não está errado. Porém, é necessário que 246 XII SEMANA DE LETRAS

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os professores saibam aproveitar outros materiais que possam ser utilizados como didáticos, não ficando estritamente presos ao livro adotado pelo colégio. Para isso, é de extrema importância que se tenha conhecimento das particularidades de cada turma, e, inclusive, de cada escola, ou seja, estar atento ao que deve ou não ser trabalhado em sala de aula para não influenciar negativamente a um ou a outro aluno. Infelizmente, mesmo com todo o rigor nas avaliações do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), sempre haverá algum tema abordado ou alguma pergunta contida no livro, que poderá causar constrangimentos e problemas desnecessários para o professor, seus alunos, e até mesmo a escola. Por esse motivo, além de outros, Lajolo (1996) afirma que qualquer livro didático pode ser utilizado com adaptações, por melhor que ele seja, com o intuito de obter um melhor resultado no processo de ensino-aprendizagem por parte dos alunos. Partindo do pressuposto de que os professores podem, e devem trabalhar com outros meios além do livro didático, os docentes devem saber elaborar seu próprio material didático. Dessa maneira, podendo abordar os mais diversos temas julgando-os interessantes e de acordo com a realidade daquele alunado. No caso em questão desse artigo, o tema utilizado foi elecciones, uma temática social que os bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID/CAPES) optaram por abordar, através do material elaborado para alunos da 2ª série do ensino médio no Colégio Estadual Atheneu Sergipense. Como já é sabido, 2014 foi ano de eleições no Brasil, portanto, um tema social de grande pertinência para ser trabalhado em uma turma com mais de 40 alunos com faixa etária entre 15 à 17 anos. Ou seja, muitos deles já exerceriam o seu direito ao voto pela primeira vez, e dúvidas de como se dá o processo de votação no país, havia bastante. Frise-se que em nenhum momento das classes ministradas ou em qualquer parte do conteúdo do material didático elaborado, foi citado o nome de um partido ou mesmo de um político, e isso justifica o fato desse ser um tema social e não político, pois em momento algum foi feito propaganda com a intenção de influenciar na escolha dos alunos, pelo contrário, foi realizado um trabalho de conscientização, para que os discentes, enquanto eleitores, tivessem um posicionamento crítico frente à suas escolhas. Assim, foi explorado e ampliado o conhecimento de algo que já se fazia presente na vida desses alunos, conforme orientam os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, embora a turma trabalhada tenha sido da 2ª série do ensino médio, como já foi mencionado: “Um dos procedimentos b|sicos de qualquer processo de aprendizagem é o relacionamento que o aluno faz do que quer aprender com aquilo que j| sabe” (PCNEF, 1998, p. 32).

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Explorar o conhecimento de mundo dos alunos, no que diz respeito ao tema eleições, foi de extrema importância nas classes ministradas pelos bolsistas, uma vez que, serviu para ampliar os conhecimentos prévios. Porém, como se trata de um material didático elaborado para aulas de uma língua adicional, o espanhol, somente essa abordagem não seria suficiente para atingir o resultado esperado. Afinal, se faz necessário conhecer a cultura do outro para um melhor conhecimento da sua. Por essa razão, não se pôde deixar de lado uma abordagem à interculturalidade no material e nas aulas, conforme, o mesmo documento: Os temas transversais podem ser focalizados pela análise comparativa de como questões particulares são tratadas no Brasil e nos países onde as línguas estrangeiras são faladas como língua materna e/ou língua oficial. (PCNEF, 1998, p. 44).

Ao abordar temas sociais, obviamente também foi abordado temas transversais, portanto não há que distinguir um do outro.

Escola, professora e alunos: aspectos que influenciam no ensinoaprendizagem O Colégio Estadual Atheneu Sergipense, onde se deu a aplicação do material didático elaborado pelos bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), a partir do tema social – elecciones –, está situado no Bairro São José, na Cidade de Aracaju, Sergipe. De acordo com o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola, desde 2003 o colégio vem trabalhando em regime semi-integral, e também com uma nova proposta curricular, com atividades complementares que são desenvolvidas em turnos contrários, através de oficinas de trabalho e estudo, em que os alunos têm como intenção relacionar teoria e prática, dominando os princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna, além de ter conhecimento de diversos tipos de linguagem. O ensino do colégio segue uma linha construtivista e interacionista, considerando que o conhecimento não é uma realidade pronta e acabada em nenhuma instancia, sendo construído na interação do individuo. Ainda sobre a escola, se faz relevante comentar a respeito de sua estrutura, seja a física e/ou a pedagógica, além do quadro de alunos, por serem quesitos que acabam influenciando de alguma forma no ensino-aprendizagem dos discentes. Acerca de sua estrutura física, por tudo o que foi observado, conclui-se que a escola oferece estruturas consideravelmente boas, sendo inclusive, um lugar agradável que transmite uma impressão positiva aos seus visitantes, ainda que apresente alguns aspectos negativos, mencionando como exemplo, janelas quebradas que acabam prejudicando o 248 XII SEMANA DE LETRAS

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ensino-aprendizagem dos alunos, já que eles iniciam uma sessão de reclamações por causa do calor, algo que os deixam dispersos. Sobre o quadro de professores da escola, há somente uma de espanhol, Daiane Tarrago Nunes, que é licenciada em Letras Português e Espanhol e respectivas Literaturas pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (2003), com Especialização em Orientação Educacional pela Unilasalle – Canoas – RS. Tem ainda experiência na área de Educação e Ensino de Língua Espanhola, com ênfases em Letras e Linguística, atuando principalmente nos seguintes temas: coesão, coerência, estratégias e leituras, além de ser a supervisora do PIBID de espanhol na escola. Daiane Tarrago Nunes, a professora responsável pela disciplina de espanhol no colégio, se vê sufocada para suprir a necessidade de ministrar classes em grupos com média de 40 ou mesmo 50 alunos, sendo que são muitas turmas de 1º e 2º anos, já que não há espanhol para os 3º, o que é algo para refletir, visto que este é um público que está se preparando para participar, por exemplo, de provas com o intuito de ingressar em uma universidade/faculdade. A docente permitiu de bom grado que seis de suas classes fossem observadas pelos bolsistas, e mais tarde cedeu outras três para que o material produzido fosse aplicado. Foi percebido que ela é muito acolhedora, principalmente com os seus alunos, com os quais conversa frequentemente, mantendo um relacionamento amigável, um ponto positivo que deve ser aproveitado nas aulas, e talvez esse bom relacionamento justifique, inclusive, o fato de que mesmo sendo o espanhol uma disciplina optativa na escola, que não tem boletim, nem ameaças por notas ou mesmo reprovação, tem turmas com alunos frequentes, e inclusive, participativos nas aulas, destacando principalmente os dos 2º anos, com os quais a professora trabalha textos voltados para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), já que no 3º ano não terão a disciplina. Igualmente foi percebido que a professora busca fazer de suas aulas momentos divertidos, sempre incentivando os alunos a participarem falando na língua meta, espanhol, porém alguns ainda inibidos optavam por falar em português. Nas classes, a professora usava as duas línguas, ás vezes lendo os textos em espanhol, e fazendo explicações em português. Já os bolsistas, ao aplicarem o material produzido, priorizaram usar o espanhol, fazendo uso do português apenas em última circunstância. Acerca do quadro de alunos da escola, os dos 2º anos são os que mais se destacam nas aulas de espanhol, sendo também os mais participativos. S~o eles os chamados “alunos salvos da peneira”, pois na escola não é admitido reprovações, e se esta acontece logo o aluno é desligado do colégio, ou

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seja, estes alunos mais participativos são aqueles que não repetiram o ano. Já os alunos dos 1º anos possuem muitas dificuldades, sendo difícil para eles, responder inclusive questões de cunho dissertativo. Além de tudo, a professora regente busca ensinar seus alunos a pensar, e não somente a repetir algo que foi reproduzido em classe, seguindo assim o que nos diz Baptista: O professor não deve ser um reprodutor de informações, mas sim um construtor de conhecimentos. Tal percepção do papel do professor de Espanhol nos parece fundamental para que essa disciplina cumpra sua função no contexto do Ensino Regular: contribuir para a formação de cidadãos letrados e críticos, com autonomia para enriquecer e continuar seu aprendizado... (BAPTISTA, 2010, p. 10).

Além do mais, o colégio consegue manter boa estrutura, seja a física ou mesmo a pedagógica, possuindo assim, condições boas para receber alunos para estágio, porém a escola não aceita essa modalidade, e as classes observadas, assim como as aulas ministradas, só foram possíveis por serem elas parte do trabalho desenvolvido pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Por fim, o colégio com a sua “peneira”, possui um quadro de alunos muito bom, sendo, inclusive, considerado um dos centros de excelência do Estado de Sergipe.

Teoria à prática: como se deu todo o desenrolar da unidade temática Após leituras dos documentos que servem como base para a educação no país, como: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996), Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM, 2006), Parâmetros Curriculares do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (1998; 2000), Programa Nacional do Livro Didático (PNLD, 2012) e, ainda, alguns teóricos em Letras, foram realizadas algumas visitas de observação, através do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID), juntamente com a Universidade Federal de Sergipe (UFS), em uma turma da 2ª série do ensino médio no Colégio Estadual Atheneu Sergipense no município de Aracaju, Sergipe com o intuito de colher informações sobre o comportamento dos alunos perante a aquisição de conhecimento de uma cultura não pertencente a eles, na aula de língua espanhola. O objetivo em questão foi reconhecer no aluno pensamentos ou atitudes que mostrassem dificuldades no aprendizado da língua, e acima de tudo, se essa dificuldade estava ligada a algum tipo de negação à cultura alheia ou se após conhecer essa cultura através da aula de espanhol como língua estrangeira (E/LE), ele começava a supervalorizar a sua cultura ou minimizá-la. Além disso, os bolsistas estavam ali para identificar como o conhecimento de outras tradições e costumes de várias localidades se tornaria em uma maneira eficaz e 250 XII SEMANA DE LETRAS

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divertida de trabalhar a língua espanhola em sala de aula, ao mesmo tempo, fazendo com que o aluno reconheça suas próprias raízes, podendo criticá-las ou não. Afinal, o conhecimento de todos passa por essa interculturalidade, ou seja, pelo intercambio de culturas, agregação de várias culturas para a formação de uma. Ao tentar minimizar esse impacto ocorrente no recebimento da nova cultura, foi elaborado um material didático na língua espanhola que serviu como facilitador da aquisição desse novo conhecimento a partir do tema social “elecciones”, o qual foi extremamente oportuno em virtude de 2014 ter sido um ano de eleições no Brasil e, portanto, isso acabou permitindo a convicção de que o material ajudaria aos alunos em suas dúvidas e reflexões sobre o tema, uma vez que muitos deles já exerciam a sua cidadania, ou seja, o direito a voto conquistado por suas idades. Com as aulas, se fez possível investigar o efeito de trabalhar com a apresentação de uma cultura com pontos divergentes e convergentes da deles, o sentido de heterogeneidade e a construção de uma (nova) forma de olhar crítica e reflexivamente. Ou seja, observar o outro, sua identidade, seus costumes, sua cultura, sem menosprezo ou vanglória, e assim, refletir sobre a sua própria e a partir disso, atuar ativamente na cultura local, federal, continental e global. Ao que concerne à aplicação da unidade temática intitulada como “elecciones” no colégio, esta se deu em três aulas. Sobre os objetivos, os mesmos foram alcançados mesmo com alguns empecilhos, como por exemplo, o fato de que a turma era caracterizada por ser muito barulhenta, entretanto, sendo compensada por ser também, muito participativa. Vale ressaltar que o intuito foi passar aos alunos a língua espanhola através do tema social fazendo uso de diversos gêneros, trabalhando, assim, a compreensão e produção escrita e oral, além de fazer com que os discentes refletissem sobre a temática e logo tomassem conhecimento de sua importância ao longo de suas vidas, ou seja, prezou-se aplicar o que as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM, 2006) orientam além de preparar os alunos para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) com as leituras e interpretações dos textos propostos: […] as disciplinas do currículo escolar se tornam meios. Com essas disciplinas, buscase a formação de indivíduos, o que inclui o desenvolvimento de consciência social, criatividade, mente aberta para conhecimentos novos, enfim, uma reforma na maneira de pensar e ver o mundo. (OCEM, 2006, p. 90).

Para tanto, na primeira aula, logo após o segundo turno das eleições no Brasil, iniciouse a aplicação da unidade no colégio. Porém um fato a ser mencionado a respeito da aplicação do material é que ele foi pensado para ser aplicado antes das eleições no país, porém por 251 XII SEMANA DE LETRAS

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motivos internos, acabou sendo aplicado logo após o segundo turno, porém, felizmente o fato não prejudicou o sucesso da unidade temática. Voltando a aplicação da primeira aula, além de alguns questionamentos a fim de explorar o conhecimento de mundo dos alunos, foram trabalhados também dois textos autênticos. O primeiro tratava das eleições de 2014 no Brasil, e o segundo falava das eleições de senado na Colômbia, ou seja, realidades distintas da mesma temática. Vale destacar que aquele texto estava em português, enquanto este estava em espanhol. A leitura dos textos se deu com a interação do alunado, que inclusive, se mostrou bastante interessado no trabalho dos bolsistas desde as observações, e agora não hesitou em participar. Além das leituras houve questionamentos para interpretar os textos, com a intencionalidade de preparar os alunos para exames como os do ENEM. Por fim, houve ainda comparações das eleições, sendo comentadas as de outros países, assim como a eficácia dos métodos de votação de cada um deles. Para a segunda aula foi levado o áudio da canção “Canción Contra el Fraude en Elecciones Honduras 2013, de José Luis Espinoza Ochoa”, assim como três imagens abordando algumas das principais temáticas em ano de eleição – educação, saúde e segurança. A aula teve inicio com a apresentação do áudio, que primeiramente foi reproduzido sem que os alunos tivessem conhecimento da letra com intuito de fazer a compreensão auditiva, e assim, após reproduzi-lo por duas vezes seguidas, e os alunos interagirem expondo o que haviam entendido, assim como, do que se tratava o áudio foi entregue a eles uma folha contendo a letra da canção, para que então eles pudessem comprovar ou não o que disseram anteriormente. Posteriormente foram apresentadas as três imagens referentes a abordagens feitas em ano de eleição, proporcionando assim, uma rica discursão a respeito delas. Já para a terceira e última classe, foi pensada uma aula para que os alunos dessem o retorno. Assim, foi proposto uma dinâmica em que eles deveriam criar partidos políticos com as suas respectivas campanhas abordando os temas apresentados nas três imagens da aula anterior – educação, saúde e segurança. Porém, nem tudo saiu como esperado, justificando-se pelo fato de que naquela semana estava acontecendo um evento no colégio, O Gira Mundo, que inclusive abordou países que têm o espanhol como língua materna, e estando eles envolvidos com o evento, não deram a devida importância a atividade, embora não tenham hesitado em fazer a apresentação, elaborando desde propostas políticas até nomes de partidos. Por fim, a experiência de elaborar, assim como aplicar o próprio material foi enriquecedora, embora a última aula não tenha saído com o retorno desejado, porém, todas as

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demais atenderam as expectativas dos bolsistas, assim como algumas até surpreenderam diante dos sábios comentários que foram ouvidos.

Considerações finais Grande parte dos professores almeja tornar suas aulas participativas de modo a produzir eficaz aprendizagem por parte dos alunos. Em relação às aulas de Espanhol os professores têm a mão diversificados meios que poderão auxiliá-los na efetivação dessa aspiração. Porém com uma variedade de trabalhos já realizados em sala de aula, é perceptível que a aquisição de uma nova língua nem sempre alcança os objetivos esperados fazendo uso apenas do livro didático que a escola adota. O ensino de uma língua estrangeira deve ter como finalidade formar, além de alunos, cidadãos. Deve fazer com que o discente pense criticamente, além de conhecer e respeitar a cultura do outro, e assim, ter um maior conhecimento da sua. Para tanto, se faz necessário o uso de novos recursos para que a aprendizagem ocorra de maneira significativa, e assim, o professor não deve se prender apenas ao uso do livro didático adotado pelo colégio, reputando a aprendizagem que o professor terá ao criar seu próprio material didático, e inclusive, fazer uso de temáticas sociais, por exemplo, a fim de trabalhar a partir da realidade do aluno, apresentando-lhe a cultura do outro, fazendo com que ele a respeite e conheça melhor a própria. Sabe-se das dificuldades que o professor enfrenta, e inclusive o pouco tempo que possui para se dedicar a cada turma, e logo, preparar material didático que atenda a necessidade de cada público, mas talvez seja possível pensar em aulas diferenciadas, a fim de um melhor aprendizado, assim como alcançar os objetivos do ensino de espanhol como língua adicional, e ainda que seja árdua a batalha, fica comprovado com os resultados desse material, que é verdadeiramente possível um retorno positivo.

Referências BAPTISTA, L. M. T. R. Traçando caminhos: letramento, letramento crítico e ensino de espanhol. In: COSTA, E. G. M e BARROS, C. S. Coleção explorando o ensino. Brasília: Ministério da Educação, 2010, p. 119-136. BARROS, C.; COSTA, E. Elaboração de materiais didáticos para o ensino de espanhol. In: _________. (Org.). Espanhol: ensino médio. Coleção Explorando o Ensino, v. 16, p. 85-118. Brasília: MEC/SEF, 2010. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Estrangeira. (3º e 4º ciclos do ens. fundamental). Brasília: MEC, 1998. 253 XII SEMANA DE LETRAS

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_________, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 2000. Decreto 7.219, de 24 de junho de 2010. Dispõe sobre o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência PIBID. Disponível em: . Acessado em 01/06/2015. LAJOLO, Marisa. Enfoque: Qual é a questão? Disponível em Acessado em 01/06/2015. LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

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