Língua Portuguesa e Identidade Amazônica

June 2, 2017 | Autor: Silvia Benchimol | Categoria: Teaching English as a Second Language, Translation Studies
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Prof. Assistente na Universidade Federal do Pará. Doutoranda em Tradução e Terminologia nas UA e UNL - [email protected], [email protected]; lattes: http://lattes.cnpq.br/8002163769688750




Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm

DECRETO Nº 7.387, DE 9 DE DEZEMBRO DE 2010.
BRASIL- Ministério da Cultura, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional , disponível em


Língua Portuguesa e Identidade Amazônica

Silvia Helena Benchimol Barros
Universidades de Aveiro e Nova de Lisboa
Universidades Federal do Pará



Resumo: A palavra, seja ela escrita ou falada, constitui-se, irremediavelmente, em indicador de localização de seu enunciador, no tempo, no espaço e na cultura. Le Page (1980) tem assentado que o ato de fala é também um ato de identidade. A grande dimensão territorial do Brasil, propicia, internamente, a formação de comunidades de utilizadores da língua Portuguesa com características bem distintas. Diferenças que para além das crenças, culinária e vestuário, se revelam na linguagem, nas formas de expressão verbal. Rickes (2002, p. 66) ressalta que o exercício da escrita põe em marcha operações que sustentam e desdobram a própria constituição do sujeito. Acrescemos à esta a convicções, o fato das escolhas léxico gramaticais, consciente ou inconscientemente feitas por um autor, na concepção de um texto, estarem relacionadas aos diferentes estratos que moldam a sua identidade social e cultural condicionadas à situação concreta de produção e comunicação e têm em primeira linha a figura de seu interlocutor e co - enunciador – leitor e, ou ouvinte. Afirma Halliday (1994 p.16) que "uma língua é interpretada como um sistema de significados acompanhados por formas através das quais os significados podem ser percebidos". Considerando-se estas premissas teóricas, elegemos como objeto de análise deste trabalho, um texto em Língua Portuguesa, inserido no domínio científico e produzido por um autor de origem amazônida com o objetivo de propor reflexão sobre a especificidade da linguagem utilizada, com ênfase em seus elementos léxico-gramaticais e nos sentidos pretendidos, estes, atrelados à uma circunscrição geográfica: a floresta Amazônica. O autor, que se revela por meio da dinâmica discursiva e dá a conhecer um sujeito que reflete sobre si, sobre o seu processo de subjetividade e sobre seus saberes e estabelece uma relação destes saberes com o mundo exterior, realça a relação cultural entre o homem e a natureza, entre o real e o surreal, e analisa a poética estetizante da Amazônia na visão do caboclo nativo. Neste propósito, utiliza-se de recursos linguísticos típicos do texto literário, embora com objetivo comunicativo científico, criando uma produção híbrida identificável como prosa poética. Os recortes que constituem o corpus deste estudo, são interpretados qualitativamente na perspectiva da Linguística Sistêmico Funcional (LSF), com relevo à dimensão do registo nos substratos : tenor, field, mode conforme proposição de Eggins e Martin (1997).

Palavras Chave: Identidade Linguística-Cultural. Contexto geográfico. Linguística sistêmico Funcional.


Abstract: The word, whether spoken or written, constitutes an indicator of its utterer's location in time, space and culture. Le Page (1980) has stated that the speech act is also an act of identity. The great territorial dimension of Brazil, provides the formation of internal communities of users of the Portuguese language with very distinct features. Differences that go beyond beliefs, food and clothing, are revealed through the use of the language, verbal forms and expression. Rickes (2002, p. 66) emphasizes that the activity of writing exercise ignites mechanisms, which support and unfold the constitution of the subject. To these convictions, we add the fact that conscious or unconscious lexicogrammatical choices made by an author, while producing a text, are related to different strata that shape his social and cultural identity, conditioned to the actual situation of production and communication and take into account the figure of his interlocutor and co - enunciator - reader or listener. Halliday (1994 p.16) says, "A language is interpreted as a system of meanings accompanied by forms through which meanings can be perceived". Considering these theoretical premises, we chose as the object of analysis of this paper, a scientific text in Portuguese, produced by an Amazonian author, aiming at proposing reflection on the specificity of the language used, posing emphasis on the lexicogrammatical elements and intended meanings, tied to a geographical area: the Amazon rainforest. The author, who reveals himself through the discursive dynamics, is someone who thinks about himself, about his process and subjectivity and about his knowledge and establishes a relationship of such knowledge and the outside world, enhancing the cultural relationship between man and nature, between the real and the surreal, and analyses the Amazon aesthetic in the poetic vision of the native caboclo. With this purpose, he uses typical linguistic features of literary writing, although with a scientific communicative goal, creating a hybrid production identifiable as poetic prose. Fragments that form the corpus of this study are qualitatively interpreted from the perspective of Systemic Functional Linguistics (SFL), with emphasis on the dimension of the register substrates: tenor, field and mode as proposed by Eggins and Martin (1997).


Key words: Cultural Linguistic identity, geographic context, Systemic Functional Linguistics:



Introdução

Afirmar que o Brasil é um país de dimensões continentais é como chover no molhado. O que, de fato, isto traz de informação consistente ao nosso interesse na pesquisa linguística?
Geograficamente, o Brasil é um espaço de proporções gigantescas quando comparado à outras nações, como as europeias, por exemplo. Os seus 8.515.767,049 km2 o situam, no ranking mundial como o quinto maior país do planeta em extensão territorial, superado apenas pela Rússia, Canadá, China e Estados Unidos. E o que isto nos revela em relação à língua Portuguesa falada no Brasil ?
Seus aproximados cento e noventa milhões de habitantes (IBGE, 2010), intensamente miscigenados, encontram-se distribuídos pelos seus vinte e seis Estados e um Distrito Federal politicamente definidos em cinco regiões: Norte, Nordeste, Sul, Sudeste e Centro-oeste. Além disso, o Brasil apresenta um complexo conjunto de paisagens e ecologias que o IBGE classifica em nove diferentes biomas: Caatinga, Campos, Cerrado, Floresta Amazônica, Mata Atlântica, Mata de Araucária, Mata de Cocais, Pantanal, Zonas Litorâneas. E o que isto acrescenta ao cenário linguístico em termos da construção identitária que se dá por meio do uso da língua por esta imensa população?
A partir desta condução de pensamentos, e acercados de algumas informações, cabe esclarecer que nosso objetivo no presente estudo não é estatístico, econômico ou ecológico tampouco tem foco político. Nos importa frisar que os números e descrições apresentados são meros referenciais para a compreensão do panorama em que se inserem as nossas reflexões sobre o interesse pivotal e motivador do presente artigo – a identidade linguística que se constrói, atrelada aos diversos fatores históricos, contextuais (inclusive políticos e geográficos) e culturais que caracterizam a vida de um grupo de falantes.
As influências recebidas de distintas etnias, culturas, línguas se evidenciaram ao longo da história do país cuja tônica da diversidade sempre foi a marca maior da 'identidade nacional'. Temos, de fato, alguns Brasis distintos nos seus aspectos políticos e econômicos e para além destes parâmetros, destacamos a diversidade do dançar, do comer, do vestir, do viver e do falar, que singularizam-se e igualmente matizam-se de tal forma nas populações espalhadas pelas extensas regiões que nos levam a indagar, finalmente, sobre nossa 'brasilidade', sobre qual identidade temos, que língua falamos, que cultura partilhamos.
É com este quadro sucinto e bastante generalizado de informações e questionamentos, que passamos a tentar responder algumas das questões postas e que metodologicamente decidimos por abordar partir da própria expressão da linguagem escrita, no contexto discursivo peculiar, amazônida.

A formação de comunidades de utilizadores da língua Portuguesa
Reconhecemos a linguagem como um componente constitutivo do sujeito e de sua identidade. Entendemos que a identidade deste sujeito é fluida e em constante construção. Partilhamos da acepção de que o processo dinâmico de construção e desconstrução não se dá pura e simplesmente como resultado do processo de aprendizagem, mas por ação de suas memórias, relações sociais, vivências culturais e ideológicas. Este sujeito, que se constrói e reconstrói sucessivamente, transparece nas suas ações comunicativas, sendo a escrita um destes canais de expressão da linguagem em que ele - sujeito criador e enunciador – atua de forma criativa, entretanto, condicionada pelo contexto.
Atribuímos, assim, a condição de 'fatores que propiciam a formação de comunidades de utilizadores e recriadores da língua portuguesa com características acentuadamente distintas' às grandes dimensões do Brasil e ao mosaico de características e influências culturais evidenciadas durante os períodos históricos coloniais e pós coloniais.
Cabe pontuar que durante o período colonial, a língua portuguesa herdada, por si só, não dava conta de expressar a realidade cultural e ecológica da região Amazônica. A hegemonia da Língua Portuguesa em nossos dias ainda é marcada pela coexistência dela com cerca de uma centena de línguas indígenas (xxx) e o uso desta língua para retratar o cenário e culturas locais é alvo de interessantes estudos no âmbito da Linguística, da Literatura interfaceada com a Antropologia, da Imagologia (Beller e Lerssen,2007) e da Estética (Vasquez, 1999).
É igualmente digna de observação e do pensar científico, a complexidade que está atrelada ao compartilhamento de uma 'mesma' língua em diferentes ambientes de uso e à memória cultural (Assmann, 1988). A respeito deste fator "complicador", Neves afirma (XXX) que

O primeiro complicador que surge no exame do compartilhamento de língua e na consideração da identidade linguística é exatamente a distinção de espaços, que, com a distinção de terras e ares, carrega a distinção de histórias e de culturas. Não é diferente com a lusofonia (...)


A propósito destas proposições, a discussão sobre a existência de uma língua brasileira polemiza e divide opiniões nas discussões acadêmicas em que são aludidos o tempo-espaço da língua portuguesa falada no Brasil e seu distanciamento daquela falada em Portugal e em outros espaços lusófonos. Entretanto, e embora estas concepções tangenciem nosso objetivo, as tratamos aqui de forma panorâmica e subsidiária por razões de estreitamento do foco.
Além do espaço geograficamente definido e suas influências, os espaços simbólico e político também exercem seu impacto sobre o ato enunciativo, na medida em que compõem o contexto de cultura e condicionam escolhas por parte de quem usa a língua.

Fiorin (2006 citado por Neves, 2008) refere-se

ao 'espaço simbólico e político, que se investe de valor 'performativo', de orientação de comportamento social. 'Espaço enunciativo da diversidade, das diferentes feições que o Português foi assumindo nos diferentes países em que é falado'.

Outra fonte de dados que respalda nosso entendimento sobre o mosaico de línguas coexistentes no Brasil e que irremediavelmente afetam as variações do uso da língua (oficial) Portuguesa, encontra-se no levantamento apresentado pelo Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL) com referência as línguas faladas pelas comunidades linguísticas brasileiras e que menciona

Estas línguas são constitutivas da história e da cultura do Brasil e devem ser entendidas como referências culturais da nação, tal qual ocorre com outros bens de natureza material ou imaterial. As línguas faladas no Brasil são classificadas em cinco categorias histórico-sociológicas, de acordo com sua origem histórica e cultural e sua natureza semiótica. Podem ser:


Indígenas
de comunidades Afro-Brasileiras
de Imigração
de Sinais
Crioulas
Língua Portuguesa e suas variações dialetais

Esta multiplicidade de categorias histórico - sociológicas nos reforçam as bases para a reflexão sobre o uso da língua no contexto de produção do texto alvo deste estudo, em língua Portuguesa e com as suas características ímpares de esteticidade e especificidades lexicais marcadas por empréstimos das línguas indígenas.
Nossa intenção, neste artigo, é utilizarmos a metalinguagem de uma metodologia descritiva da atividade de linguagem, oferecida pela Linguística Sistêmico Funcional desenvolvida por Halliday (1973, 2004), para identificar aspectos linguísticos revelados pelos contextos de cultura e situação.


Os contextos de Cultura e de Situação

Diz Gouveia (XXX) que a Linguística Sistêmico Funcional (LSF) ocupa-se com o motivo e forma pelos quais a língua varia em função de quem fala - dos grupos de falantes e de seus contextos de uso. Consideramos que a LSF oferece mecanismos úteis para a análise do discurso e para subsidiar a reflexão sobre a construção dos sentidos por parte de quem produz – enuncia [escreve ou fala] e quem recebe - coenuncia e igualmente ressignifica [ lê ou escuta].
Esta construção de sentidos que ocorre ao nível de seus agentes enunciador e co-enunciador dá-se interna e também externamente ao texto – extra e intra linguisticamente. Quem, de onde, quando, como e para quem enuncia são componentes decisivos para a produção de sentidos em ambas perspectivas – enunciação/coenunciação. É neste sentido, que identidade e realidade cultural emergem das escolhas lexico-gramaticais e do conjunto de noções abstratas e pré-enunciativas (Campos, 1994) do enunciador revelando-o ou indiciando-o. Os aspectos extralinguísticos que situam-se, portanto, ao nível do contexto em que este – o texto – se insere, dão conta do registo ou contexto de situação e são caracterizados pelas dimensões: campo, relações e modo. Hatim e Mason (1990) referem-se ao registo de um texto como parte essencial do processamento do discurso, o qual envolve o leitor na reconstrução do contexto através de uma análise do que aconteceu (campo), de quem participou (relações), e de qual meio foi utilizado para a transmissão da mensagem (modo).
Ainda na dimensão extratextual, em um nível mais abrangente das ideias e sentidos concebidos no texto, está o que Halliday (1991) refere como contexto de cultura. O contexto de cultura abrange o domínio onde encontram-se todas as possibilidades de comportamentos disponíveis ao indivíduo como ser social, incluindo-se as suas opções lexicais e discursivas quando enuncia. Afirma o autor que

A situation, as we are envisaging it, is simply an instance of culture; or, to put it the other way round, a culture is the potential behind all the different types of situation that occur. We can perhaps use an analogy from the physical world; the difference between "culture" and "situation" is rather like that between the "climate" and the "weather". Climate and weather are not two different things; they are the same thing, which we call weather when we are looking at it close up, and climate when we are looking at it from a distance" (1991[2007]: 276).

A figura abaixo nos remete aos pontos norteadores das reflexões sobre o corpus. A cultura encontra-se instanciada na situação, enquanto o sistema encontra-se instanciado no texto.


O Corpus de análise

Selecionamos a seguir alguns excertos do texto: Cultura Amazônica, produtora de conhecimento em uma ressonhada lusofonia (Paes Loureiro, 2014) para tecer breves análises referentes ao gênero discursivo e as suas características impressas no texto, as escolhas lexicais do enunciador na perspectiva do registo e suas dimensões.

A caracterização geral do corpus

Quem escreve ?
Paes-Loureiro, J.J escritor, poeta teatrólogo e professor universitário brasileiro. Professor de Estética, História da Arte e Cultura Amazônica, na Universidade Federal do Pará.
O que escreve ?
Texto em prosa, que fala poeticamente de aspectos científicos relacionados à estética da Amazônia, suas encantarias e a relação do caboclo com tais elementos do imaginário.

Quando escreve ?


Texto original foi criado, em outubro de 2013.
Por que escreve ?
O texto é o resumo estendido de um trabalho produzido para apresentação em evento científico: o IV Congresso Internacional em Estudos Culturais – Colonialismos, Pós-colonialismos e Lusofonias em Aveiro – Portugal.
Para quem escreve ?
Os receptores do texto são especialistas inseridos em dada comunidade científica, neste caso, estudiosos envolvidos com Línguas, Cultura e História da Língua Portuguesa.
Como escreve ?
O autor utiliza-se de um estilo poético, descrições, adjetivações, e criação de imagens da cultura e ambiência local, vocábulos típicos; empréstimos, metáforas; ênfase nas expressões imagéticas.




Excertos

Excerto 1
[A cultura amazônica talvez represente, neste início de século, uma das mais raras permanências dessa atmosfera espiritual em que o estético, resultante de[a] uma singular relação entre o homem e a natureza se reflete e ilumina miticamente [n]a cultura. Cultura que continuará a ser uma luz aurática brilhando, e que persistirá enquanto as chamas das queimadas nas florestas, a poluição dos rios e a mudança das relações dos homens entre si, não destruírem, irremediavelmente o "locus" que possibilita essa atitude poético-estetizante ainda presente nas vastidões das terras-do-sem-fim amazônico.]

Excerto 2
[Revelando afetividade cósmica, o homem promove a conversão estetizante da realidade em signos, através dos labores do dia-a-dia, do diálogo com as marés, do companheirismo com as estrelas, da solidariedade dos ventos que impulsionam as velas, da paciente amizade dos rios. É como se aquele mundo fosse uma só cosmogonia, uma imensa e verde cosmo-alegoria. Um mundo único real-imaginário. Nele foi sendo constituído uma poética do imaginário, cujo alcance intervém na complexidade das relações sociais.]

Excerto 3
[Mergulho na profundidade das coisas por via das aparências, esse é o modo da percepção, do reconhecimento e da criação pelo veio do imaginário estético-poetizante da cultura amazônica. Modo singular de criação e recriação da vida cultural que se foi desenvolvendo emoldurado por essa espécie de sfumato que se instaura como uma zona indistinta entre o real e o surreal. "Sfumato", que na pintura e na teoria de Leonardo Da Vinci, é o contorno esfumado e difuso da figura para poetizar sua relação com o todo. Como elemento que estabelece uma divisão imprecisa e sem delimitações, à semelhança do que ocorre no encontro das águas de cores diferentes, de certos rios amazônicos, como as águas cremes do Amazonas com as águas negras do rio Negro]

Excerto 4
[Entre o rio e a floresta é preciso saber ver para efetivamente ver. Um olhar sustentado pela pertença à emoção da terra, com a sensibilidade disponível ao raro, com a alma posta no olhar. A transfiguração do olhar acontece no momento em que se percebe a diversidade verde do verde; o corpo de baile dos açaizeiros; a volúpia dos pássaros revoando; a vaga ela perdida no olhar do canoeiro; a moça na janela como a solitária imagem de uma espera; a igarité balançando nas ondas entre as estrelas; a dupla realidade da beira do rio refletida nas águas, como cartas de um baralho de sortilégios.]

Análise (1): Um olhar sobre gênero e contexto de cultura

A caracterização geral do corpus fornece indícios de uma situação de produção que tem impactos nos sentidos do texto.
Marcuschi (2003) afirma a impossibilidade da comunicação verbal sem o uso de um gênero textual, pois o texto se materializa sob um gênero específico, entretanto, as múltiplas características do texto em questão remetem à reflexão a respeito de uma adequada categorização de seu gênero, já que percebem-se nele: um propósito comunicativo científico, que é denotado a partir do título 'Cultura Amazônica produtora de conhecimento(...)' e de momentos nítidos de argumentação científica ao longo de seu desenvolvimento. Encontram-se também, outras características do discurso científico como: o enunciador que utiliza a forma temporal no presente e o sujeito-enunciador do discurso que assume, em geral, a posição de observador distanciado que analisa o objeto observado, conforme caracterização feita por Coracini (1991).
No entanto, no nível intralinguístico, as escolhas léxico-gramaticais que funcionam como recursos de identificação das mais diversas dimensões do texto, apontam para uma natureza poética – com a valorização do sentimento e da subjetividade. Não obstante, sua materialização – estrutura composicional – nos indica a prosa.
Ressalte-se, que estas observações não trazem implícita nossa afirmação de que o discurso científico não contem, em certo grau, a subjetividade inerente à condição humana e à experiência intersubjetiva que o texto proporciona. A retórica de um texto científico pode dar ênfase ao que convém ao pesquisador, trazer ou desviar a atenção do seu leitor para aspectos de sua pesquisa de forma intencional, por razões diversas. Tampouco asseveramos que as características do texto em prosa ou poesia sejam absolutamente rígidas. Entretanto, o que se observa no corpus de análise é um acentuado relevo à percepção do autor sobre o objeto imaterial em que se centra, por meio de suas escolhas lexicais e sintáticas.
Os recortes acima, constatam peculiaridades que tornam este, um texto híbrido sob a perspectiva do gênero. No excerto 1, podem ser percebidas algumas características do gênero discursivo, como o caso da relação 'causa – efeito' do discurso de natureza científica expressa no enunciado [Cultura que continuará a ser uma luz aurática brilhando, e que persistirá enquanto as chamas das queimadas nas florestas, a poluição dos rios e a mudança das relações dos homens entre si, não destruírem, irremediavelmente o 'locus'].
Os grifos (de minha autoria) nos excertos 1, 2 e 3 pretendem evidenciar o propósito comunicativo do discurso científico e exercitar a compreensão sobre as possibilidades existentes entre as formas de se expressar e os objetivos da comunicação que nem sempre são compatíveis com o gênero em questão. São observados os empregos de imagens que mais comummente evidenciam-se no discurso poético, como observaremos.
Coracini (1991), afirma que o discurso científico materializa-se a partir das condições prévias de produção, definidas pelas imagens pressupostas pelo autor do texto em relação ao seu interlocutor e vice-versa e pela intenção do ato que ele, autor, visa praticar para a obtenção de um certo resultado. Coracini (ibden) entende o discurso científico como altamente argumentativo, na medida em que procura envolver e engajar o seu receptor, demonstrando a validade de sua pesquisa. Diz a autora que "o discurso científico é produzido para um leitor situável no tempo e no espaço, um grupo de especialistas da área, conhecedor dos métodos de pesquisa normalmente utilizados na área, além de interessados na pesquisa a ser relatada" (Coracini, 1991:42).
Apesar do claro propósito desta ação social comunicativa, não se verifica uma generic structure potential – GSP (HASAN, 1978, 1984b, 1985b) compatível ao texto científico que nos permita, por exemplo, a localização de informações a partir das subdivisões peculiares. Não obstante, os elementos característicos do gênero poético se fazem presente em imagens, hiperbólicas como: [uma luz aurática brilhando]; [nas vastidões das terras-do-sem-fim amazônico] no excerto 1; e nos efeitos de personificação e humanização de elementos da natureza observados nos trechos dos excertos 2 e 4: [da solidariedade dos ventos] ; [paciente amizade dos rios] ; [corpo de baile dos açaizeiros] ou ainda em expressões sensoriais, sinestésicas e antitéticas como: [com a alma posta no olhar] o [diversidade verde do verde] no excerto 4. Apesar das evidências dos recursos léxico-gramaticais escolhidos pelo autor e que colocam em relevo a estética da poesia e a profunda sensibilidade nas descrições, não são observadas rimas, versos ou estrofes.

Análise: Um olhar sobre registo e o contexto de situação

As ideias do autor são expostas de forma lógica e organizada (metafunção ideacional) com o objetivo de apresentar o rema que, neste caso, corresponde à visão de mundo do caboclo, nativo da floresta. Este caboclo, através de seu imaginário, cria e interage de forma realística com o fruto de sua própria elaboração fantasiosa e nesta relação que envolve homem – natureza – imaginário, florescem as questões estéticas e os processos de transfigurações. Embora não o texto, e sim a oração, seja a unidade de descrição da gramática (GOUVEIA, 2009), ao elegermos a LSF como modelo teórico de análise, atribuímos este mesmo olhar, ao texto como unidade. Assim, tema e rema são as mensagens deste sistema sincronizado de orações que se revelam no texto, por meio da metafunção textual.
A consciência do autor quanto ao seu objetivo comunicativo é clara, visível e a linguagem é institucionalizada (HASAN, 1996). A ação social é qualificada e situada em tempo e espaço.


Segundo as dimensões delineadas por (Eggins e Martin) percebemos que em relação à dimensão campo (field), o assunto do texto é matéria científica. A estética do cenário amazônico. Este é o tema proposto pelo autor, a "informação conhecida ou recuperável pelo contexto"(VENTURA,C.S.M; LIMA-LOPES, R.E., 2002, p.1)
A informação desconhecida – rema – é a visão de mundo do caboclo, nativo da floresta. Este caboclo, através de seu imaginário, cria e interage de forma realística com o fruto de sua própria elaboração fantasiosa) - tema e rema são as mensagens deste sistema sincronizado de orações que se revelam no texto, por meio da metafunção textual da FSF (XXXX)
A consciência do autor quanto ao seu objetivo comunicativo é clara, visível e a linguagem é institucionalizada (HASAN, 1996). A ação social é qualificada e situada em tempo e espaço
Em relação à dimensão relações (tenor). Observa-se que a interação entre os
interlocutores é identificada por um especialista que escreve para outros especialistas que partilham de interesses investigativos semelhantes. Neste ambiente de partilha, observa-se a relação de simetria e proximidade (acadêmica), e concomitantemente, um distanciamento entre interlocutores justificado pelo espaço simbólico e repertórios culturais além do afastamento de noções pré enunciativas relacionadas à memoria e identidade cultural do enunciador. Em relação à constância e estabilidade das relações, não é possível afirmar que possa ter um caráter permanente dada a natureza do contato.
Considerando-se a dimensão modo (mode), observa-se que a linguagem escrita utilizada pelo autor do texto se reveste de beleza estética para realizar o seu papel de comunicar sobre a realidade do caboclo da Amazônia. Ele, o nativo da floresta, cria em seu imaginário as "encantarias" e as transfigura para tornarem-se parte de sua realidade. Isto é, a função do texto é transmitir informação sobre como a cultura de um lugar pode produzir conhecimento estético a partir do olhar investigativo. Ele, texto, inscreve-se estatutariamente nos territórios do literário e do científico, de natureza "permanente" posto que é objeto de publicação em anais do evento para o qual foi criado, avaliado e aprovado.
Há que se considerar que, nesta ação comunicativa a linguagem se manifesta pelo canal da escrita, no momento da origem do texto, mas que em dado momento futuro será utilizado o canal oral em apresentação pública no referido evento, o que certamente acarretará diferenças significativas tanto na sua estrutura como até no próprio conteúdo em função de factores como o grau de familiaridade, emocionalidade, dependência ou não entre os interlocutores, conforme diz Franco (2003).
A componente verbal manifesta-se como único recurso semiótico já que não são apresentadas imagens, gráficos ou outra forma de expressão e organiza-se retoricamente de forma a descrever, envolver, expor e validar os conhecimentos do autor. A utilização de termos peculiares do universo amazônico sugere a necessidade de uma busca por compartilhamento da realidade cultural do TP por parte do receptor, através da pesquisa. Esta parece ser uma intenção do autor, marcada em sua produção.









nalisar um texto sobre uma realidade partilhada específica:
Revelar como a palavra escrita [tanto quanto a falada] reflete aspectos da identidade cultural, do tempo e espaço de sua produção.
Objetivos
Utilizar o modelo teórico metodológico da Linguística Sistêmico Funcional, privilegiando os contextos de cultura e de situação, para refletir sobre um texto em língua Portuguesa e a partir dele, analisar aspectos extra e intralinguísticos de sua constituição e os aspectos identitários relacionados.
Dar relevo à dimensão do registo [contexto de situação] nos substratos: campo (field), relações (tenor), modo (mode) conforme proposição de Eggins e Martin (1997) baseada em Halliday (1994).
Demonstrar como as escolhas léxico-gramaticais de um autor estão relacionadas à sua identidade sociocultural e condicionadas à situação concreta de produção – o contexto de situação.


__________________________________

O processo de constituição do sujeito ocorre a partir de relações sociais, semioticamente mediadas. Assim, é via

produção de sentidos que o ser humano produz cultura e, simultaneamente, constitui-se enquanto singularidade, o que

caracteriza esse processo como criador. Ao reconhecer a linguagem como constitutiva do sujeito e entender o processo de

criação como característico do ser humano, o presente trabalho apresenta reflexões, à luz da Psicologia Histórico-Cultural,

sobre os processos de criação na/com a linguagem escrita. Situações de uma pesquisa anteriormente desenvolvida são

apresentadas para ilustrar as dicotomias existentes no processo de produção escrita, mais especificamente no que se refere às

relações forma/conteúdo e técnica/sentido

___________________

A imagologia literária, considerada como um domínio interdisciplinar relevante, no âmbito das ciências sociais e humanas, propõe-se a estudar "our mental images of the Other and of ourselves" (Beller and Leerssen, 2007), tal como são apresentadas na literatura e em outras formas de representação cultural. Os estudos imagológicos incluem sempre: imagem de um referente estrangeiro, imagem proveniente de uma nação (sociedade e cultura), e imagem criada pela sensibilidade particular de um autor, de acordo com Moura (1999, apud A.P. Mendes, 2000). Entendemos que uma imagem construída pelo Outro sobre um povo, um país, uma comunidade que seja, pode gerar distorções e criar estereótipos (chamados imagotipos).

______________________________

Vázquez (1999, p. 47) define estética como "a

ciência de um modo específico de apropriação da

realidade, vinculado a outros modos de apropriação

humano do mundo e com as condições históricas,

sociais e culturais em que ocorre." Esta definição

abrange o estético não-artístico, isto é, o que se

encontra presente em outras criações elaboradas pelo

homem, que não se restringem às especificamente

artísticas.
LINGUAGEM ESCRITA E RELAÇÕES ESTÉTICAS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES - http://www.scielo.br/pdf/pe/v13n2/a11v13n2

Silmara Carina Dornelas Munhoz*

Andréa Vieira Zanella#

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http://www.mackenzie.com.br/fileadmin/Pos_Graduacao/Doutorado/Letras/Publicacoes/Artigo_MariaHelenaMouraNeves_AlinguaPortuguesaemQuestao.pdf










Referenciais Teóricos
Todo ato de fala é um ato de identidade. A linguagem é o seu índice por excelência. As escolhas linguísticas são processos inconscientes que o falante [enunciador, autor] realiza e estão associados as múltiplas dimensões constitutivas da identidade e dos múltiplos papeis sociais que o usuário assume (…). O que determina a escolha de uma ou outra variedade é a situação concreta de comunicação (LE PAGE,1980).
A identidade está em contínuo estado de fluxo e sua construção não se efetiva por processos de aprendizagem, mas por processos de memória afetados pelo inconsciente, ideologias e interesses. A identidade linguística não é apenas o domínio que se tem da língua Portuguesa, mas também o modo como o sujeito se relaciona com a ordem dos símbolos que lhe dizem respeito (SIGNORINI, 1998).
Referenciais Teóricos
"o exercício da escrita põe em marcha operações que sustentam e desdobram a própria constituição do sujeito" (RICKES, 2002, p. 66).
"uma língua é interpretada como um sistema de significados acompanhados por formas através das quais os significados podem ser percebidos" (HALLIDAY,1994, p.16) .
o texto é parte essencial do processamento do discurso, o qual envolve o leitor na reconstrução do contexto através de uma análise do que aconteceu 'field', de quem participou 'tenor', e de qual meio foi utilizado para a transmissão da mensagem 'mode' (HATIM e MASON, 1990).
FUNÇÕES HALLIDAY
Contexto de Cultura: Gênero
"Cultura Amazônica, produtora de conhecimento, em uma ressonhada lusofonia: Meditação devaneante entre o rio e a floresta". (PAES LOUREIRO, 2013)
Referindo Marcuschi (2002)
Intertextualidade Intergênero Um gênero com a função de outro (LITERÁRIO – CIENTÍFICO)
Os gêneros não são entidades naturais, mas artefatos culturais construídos historicamente pelo homem
Condições de Produção Contextos de Situação e Cultura
Caracterização do corpus
Excerto (1) – base do corpus
[Revelando afetividade cósmica, o homem promove a conversão estetizante da realidade em signos, através dos labores do dia-a-dia, do diálogo com as marés, do companheirismo com as estrelas, da solidariedade dos ventos que impulsionam as velas, da paciente amizade dos rios. É como se aquele mundo fosse uma só cosmogonia, uma imensa e verde cosmo-alegoria. Um mundo único real-imaginário. Nele foi sendo constituído uma poética do imaginário, cujo alcance intervém na complexidade das relações sociais].

Excerto (2) – base do corpus
[Entre o rio e a floresta é preciso saber ver para efetivamente ver. Um olhar sustentado pela pertença à emoção da terra, com a sensibilidade disponível ao raro, com a alma posta no olhar. A transfiguração do olhar acontece no momento em que se percebe a diversidade verde do verde; o corpo de baile dos açaizeiros; a volúpia dos pássaros revoando; a vaga ela perdida no olhar do canoeiro; a moça na janela como a solitária imagem de uma espera; a igarité balançando nas ondas entre as estrelas; a dupla realidade da beira do rio refletida nas águas, como cartas de um baralho de sortilégios].
Excerto (3) – base do corpus
[A encantaria é a quebra dessa regularidade do olhar pela diversidade da imaginação. Além da aparente "monotonia do sublime" provocada pela natureza magnifica da geografia, há um mundo de encantarias numa etnodramaturgia imaginária de boiúnas, botos, mães-d'água, yaras, curupiras, porominas, caruanas, tupãs, anhangas, matintas, etc. Enquanto o olhar contempla em repouso, o espírito trabalha incansável nas minas subjacentes da imaginação].
Análise do registo

Conclusão
A identidade é fluida e está em constante construção. Este processo dinâmico de construção e desconstrução não se dá por aprendizagem, mas por ação de suas memórias, vivências culturais e ideológicas. E este sujeito que se constitui, transparece nas suas ações comunicativas, sendo a escrita um destes canais semióticos da linguagem. Ao significar, o sujeito se significa e se localiza no tempo e no espaço. Desta forma, uma mesma língua [Portuguesa] pode revestir- se de sentidos ricamente diversos nos contextos onde se instancia.

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