Linguagem audiovisual e publicidade social

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LINGUAGEM AUDIOVISUAL E PUBLICIDADE SOCIAL Yadir González Hernández328 Resumo O trabalho se insere numa linha de análise que nos últimos tempos vem se desenvolvendo com maior frequência e força na área de Letras. A mesma resulta da existência de objetos de estudo comuns – no caso, as linguagens – a disciplinas afins. Desse modo, ela visa o exame de linguagens da área da comunicação verbal, sonora e imagética de uma perspectiva interdisciplinar que reúne, logicamente, Comunicação e Letras, mas também Educação, devido a sua inserção “nos contextos de pesquisa acadêmica e de reflexão sobre práticas pedagógicas do exercício docente da área de Letras.” (Guimarães: s/d, s/p). Sob essa perspectiva, o trabalho tem por escopo a análise dos elementos basilares de composição da sintaxe audiovisual e os efeitos de sentido criados em três propagandas que abordam o tema da criança como fumante passiva. Estas publicidades sociais partilham o mesmo objetivo – fazer com que os pais percebam que fumar perto dos filhos torna a criança fumante passiva, com graves consequências para sua saúde – e público alvo – pais fumantes com crianças. Com base na análise realizada, concluímos que os elementos basilares de composição da sintaxe audiovisual contribuem para a construção do sentido tanto quanto a própria mensagem subjacente, tornando as propagandas mais persuasivas. As peças não apenas possuem um fim comunicativo e público alvo em comum, mas também uma estratégia persuasiva baseada no uso da emoção. 328

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo/SP. E-mail: [email protected] O presente trabalho foi realizado com apoio do Programa Estudantes-Convênio de Pós-Graduação – PECPG, da CAPES/CNPq – Brasil.

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    Porém, procuram efeitos de sentido diferenciados: remorso, empatia ou nojo, segundo o caso. Apesar da força da imagem, elemento predominante na linguagem audiovisual, observa-se a importância da linguagem sonora que, às vezes, pode assumir o protagonismo na geração dos efeitos de sentido procurados. Levando em consideração a função educativa da publicidade social, estas propagandas podem, e devem, ser usadas em sala de aula. Lá elas passariam de objetos de comunicação a objetos de análise, discussão e reflexão por parte dos alunos. Inúmeras atividades podem resultar da experiência, dentre elas a geração de variações para suportes diferentes – com o propósito de se familiarizarem com outras linguagens – ou mesmo de novas propostas que, mantendo o objetivo de comunicação e público alvo originais, sigam estratégias persuasivas diferenciadas. Considerações iniciais O presente trabalho se insere numa linha de análise que nos últimos tempos vem se desenvolvendo com maior frequência e força na área de Letras. A mesma resulta da existência de objetos de estudo comuns - no caso, as linguagens - a disciplinas afins. Desse modo, ela visa o exame de linguagens da área da comunicação verbal, sonora e imagética de uma perspectiva interdisciplinar que reúne, logicamente, Comunicação e Letras, mas também Educação, devido a sua inserção “nos contextos de pesquisa acadêmica e de reflexão sobre práticas pedagógicas do exercício docente da área de Letras.” (Guimarães: s/d, s/p). Sob essa perspectiva, as páginas que seguem têm por escopo a análise dos elementos basilares de composição da sintaxe audiovisual e os efeitos de sentido criados em três propagandas que abordam o tema da criança como fumante passiva. Indo além, tal objetivo coloca-nos na confluência da linguagem audiovisual e a publicidade social e, mais especificamente, na discussão entre

 

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    determinismo tecnológico (McLuhan: s/d) versus condicionamento expressivo, questão que, embora superada teoricamente há tempo, ainda é possível observar em muitos anúncios. A publicidade social (Alvarado: 2003) ou propaganda de ideias e ideais (Muraro: 2009) é um tipo de comunicação publicitária de conteúdo e objetivos sociais. Enquanto publicidade, se utiliza das mesmas técnicas da propaganda convencional com propósitos, porém, de benefício coletivo. Seu aparecimento foi resultado da gradual diversificação de propósitos encomendados à propaganda convencional. Com efeito, na sua evolução como agente social, a publicidade vem desenvolvendo um papel associado tradicionalmente à família e à escola, mostrando problemas sociais e fazendo com que as pessoas reflitam e ajam em consequência. Trata-se, resumindo, de um rol educativo, de formação. O potencial pedagógico desse tipo de publicidade faz com que ela se torne um objeto de estudo de interesse e total pertinência para a área de Educação. Porém, levando em conta a natureza multidisciplinar do objeto, qualquer abordagem que envolva apenas uma área resultaria parcial. Portanto, a publicidade social, sob a perspectiva da linha de análise que ampara nossa reflexão, pode ser considerada um objeto de análise privilegiado. O sucesso dessa publicidade, está associado, dentre outros fatores, tanto à mensagem que se pretende passar, quanto à sua execução (Kotler; Roberto: 2003), isto é, a concretização da mensagem nas formas expressivas que são próprias à linguagem da mídia escolhida para veicular a propaganda. Como assinala Luis Bassat, No pienso discutir ahora si el medio es el mensaje. Pero tampoco he admitido nunca un texto que ignore las reglas del medio al que va

 

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    destinado. El medio es el medio, y el mensaje debe respetar las reglas 329 del juego. (2001, 127) [g. n.]

O domínio da linguagem fotográfica, radiofónica, audiovisual, etc. e seu uso apropriado, ou mesmo inovador, podem criar efeitos de sentido que contribuem para a eficácia da propaganda. Entende-se por efeito de sentido “a impressão de ‘realidade’ produzida pelos nossos sentidos, quando entram em contato com o sentido, isto é, com uma semiótica subjacente” (GREIMÁS; COURTÉS: 1994, 136). Assim, no casso em estudo, a manipulação dos elementos basilares de composição da sintaxe audiovisual, isto é, o enquadramento, a angulação, os movimentos de câmera, a trilha sonora, etc. pode gerar certos efeitos de sentido que contribuem ao aumento do poder persuasivo da propaganda, no intuito de convencer a audiência. Conforme os fins comunicativos e o público alvo, tal objetivo pode ser atingido mediante duas estratégias: o uso da razão ou o uso da emoção. Os efeitos de sentido conseguidos através da manipulação dos elementos de composição da sintaxe audiovisual podem ser agrupados segundo essas estratégias. Geralmente, quando a publicidade social visa apenas passar uma informação ou fazer com que o público alvo adote uma atitude no longo prazo, usa a estratégia da razão. Já quando busca resultados no curto prazo e, portanto, procura efeitos mais efêmeros como o humor ou o temor, se utiliza da emoção. É essa última estratégia que vem caracterizando cada vez mais a publicidade social atual, perante a demanda negativa que enfrenta: as pessoas que fumam, por exemplo, ligam cada vez menos para as propagandas que trazem dados, tabelas ou opiniões de cientistas. Em consequência a razão vem sendo substituída pelo temor, no intuito de conseguir, através de imagens assustadoras, a renúncia ao mau hábito.                                                                                                             329

Não vou discutir agora se o meio é a mensagem. Mas também não tenho admitido nunca um texto que ignore as regras do meio ao que vai destinado. O meio é o meio, e a mensagem deve respeitar as regras do jogo. (Tradução nossa).

 

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    Resultaria muito difícil fazer um inventário completo de que usos dos elementos de composição da sintaxe audiovisual se correspondem com que efeito de sentido, inclusive porque aqueles podem assumir novos sentidos conforme propostas expressivas que buscam inovar, alterando os sentidos convencionalmente estabelecidos para um dado elemento de composição. Quiçá seja por isso que manuais de Publicidade tão importantes quanto o Kleppner (1994) ou o Wells (1996) considerem o comercial de televisão como o rei dos formatos publicitários. Precisamente, a análise a seguir ancora-se no estudo de três propagandas televisivas que abordam o tema da criança como fumante passiva. Estas publicidades sociais partilham o mesmo objetivo – fazer com que os pais percebam que fumar perto dos filhos torna a criança fumante passiva, com graves consequências para sua saúde – e público alvo – pais fumantes com crianças.

 

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    Análise a.

b.

c.

d.

e.

f.

Mejor no empezar330 (Cuba) Fig. 1 Nessa propaganda de origem cubana, um homem é engajado numa conversa sobre seu hábito de fumar. À medida que o diálogo evolui a situação fica tensa. A entrevistadora leva o homem a questionar-se se o fato de ele ser fumante não faz com que as filhas pequenas dele também sejam. O enquadramento inicial (Fig. 1, imagem a.) serve a apresentar o cenário. A postura relaxada do homem na poltrona enquanto fuma e a luz tênue do lustre passam ao espectador a impressão de intimidade e sossego próprios da conversa. Por sua vez, tanto o fundo preto, quanto o fato de não termos a presença da entrevistadora, mas apenas sua voz, fazem com que nossa atenção se foque no personagem. É para ele que o realizador quer direcionar nosso olhar.

                                                                                                            330

 

Melhor não começar. (Tradução nossa).

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    As transições por fade-in, ou seja, desvanecimento a preto, marcam as perguntas e enquadram as reações. Vemos como a montagem, bem como a trilha sonora in crescendo, determina um ritmo para a peça. Nesse sentido o encurtamento dos planos é que constitui a grande sacada do clipe. As passagens do plano próximo (Fig. 1, imagem a.), até o superclose (Fig. 1, imagem f.), plano que revela “as características da personagem com mais força é intensidade dramática.” (GAGE; MEYER: 1991, 80), dão, a nível visual, o trânsito da conversa para o interrogatório que vem se desenrolando verbalmente. A perda de espaço, que acompanha o encurtamento dos planos, cria tensão. Resumindo: tanto o visual quanto o verbal passam a sensação de colocar o personagem “contra a parede”. A reação final da personagem é de extrema importância dramática: ela reflete o advento da conclusão por parte do homem de que, com efeito, suas pequenas filhas também “fumam”. Tal reação é enfatizada através de um zoom in e de um plano longo. O mesmo plano quando mantido por mais de dez segundos possui um sentido de dramatização (Martin: 2005). Do ponto de vista verbal, a reação é acentuada através do silêncio do personagem: vem à tona a reflexão e o remorso. Por lo que más quieras331 (Espanha) Este vídeo, produzido pelo Ministerio de Sanidad y Consumo espanhol, é composto por duas cenas. A primeira (Fig. 2) cria incerteza no espectador ao falar de crianças que fumam. Já na segunda (Fig. 3) o enigma fica resolvido: na verdade, trata-se de crianças que se encontram em locais cheios de fumaça de cigarro alheio.

                                                                                                            331

 

Pelo que você mais ama. (Tradução nossa).

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    a.

b.

c.

d.

Fig. 2

Na Fig. 2 pode se observar como o plano próximo é utilizado para apresentar as crianças. No caso, esse plano tem uma função apenas descritiva. Resulta significativo, no entanto, que o fundo esteja desfocado. Essa estratégia valoriza a figura humana, tirando importância do resto. O aspecto mais interessante que apresenta esta propaganda para a análise se encontra na transição entre cenas. Nesse sentido, cabe a trilha sonora o papel de destaque. Na primeira cena não temos trilha, apenas a voz do narrador em off, falando quantos maços de cigarro cada criança fuma por dia. Esse depoimento junto às imagens dos pequenos é que cria incerteza no espectador. A irrupção da trilha sonora ameniza a incógnita e sugere que há uma explicação que será fornecida a seguir. Resumindo: introduz a solução do enigma e marca a passagem de uma cena para a outra.

 

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    a.

b.

c.

d.

Fig. 3

Na segunda cena (Fig. 3) por meio de movimentos panorâmicos (Fig. 3, imagens a. & c.) e travelling para frente (Fig. 3, imagem b.) mostra-se o cenário − os locais cheios de fumaça de cigarro –, terminando no ponto de maior interesse, a saber, a criança fumante passiva. Quit harming others332 (Estados Unidos) Esta propaganda estadunidense, com base no uso da hipérbole, torna muito perceptível as graves consequências para a saúde das crianças de terem um fumante por perto. A ação se desenvolve em dois cenários: o exterior de uma moradia e a sala de jantar. Esses cenários criam uma oposição perigo/segurança que será desestimada logo depois, ao verificar-se que, embora o ato de fumar seja efetivado fora, o interior do lar é tão perigoso quanto o exterior.

                                                                                                            332

 

Não prejudique os outros. (Tradução nossa).

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    A trilha sonora contribui significativamente para o anterior. Além de indicar a transição de cena – a primeira sem trilha –, a música escolhida, que remete aos filmes de terror, reforça o sinal de perigo do interior (Fig. 4, imagem c.). Na primeira cena (Fig. 4, imagens a. & b.), o close na expressão impassível da mãe enquanto fuma, sublinha sua atitude irreflexiva. Já o plano detalhe no cinzeiro cheio de pontas de cigarro dá uma pista para o espectador sobre a dimensão do assunto. a.

b.

c.

d.

e.

f.

g.

h.

i.

Fig. 4

Nas tomadas subsequentes se alternam plano médio, para acompanhar as ações das personagens, e plano detalhe (Fig. 4, imagens d., g. & h.) para dar ênfase no prato, o copo, ou mesmo na reação da menina. O efeito dos últimos é sinestésico, provocando nojo, revolta no espectador. O grande angular do copo (Fig. 4, imagem f.) distorce o objeto, magnificando-o em relação ao menino.

 

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    A propósito do menino, vemos como a câmera acompanha seu olhar do copo para a mãe (Fig. 4, imagem e.). O que ainda é mais relevante, na mesma figura, imagem i., o pequeno olha para a câmera: o fato de o ator se dirigir diretamente ao espectador, através da câmera, faz com que o espectador se sinta chamado a intervir (Martin: 2005). Considerações finais Nas propagandas analisadas, os elementos basilares de composição da sintaxe audiovisual contribuem para a construção do sentido tanto quanto a própria mensagem subjacente, tornando as peças mais persuasivas. As propagandas não apenas partilham seu fim comunicativo e público alvo, mas também uma estratégia persuasiva baseada no uso da emoção. Porém, procuram efeitos de sentido diferenciados: remorso, empatia ou nojo, segundo o caso. Apesar da força da imagem, elemento predominante na linguagem audiovisual, observa-se a importância da linguagem sonora que, às vezes, pode assumir o protagonismo na geração dos efeitos de sentido procurados. Levando em consideração a função educativa da publicidade social, estas propagandas podem, e devem, ser usadas em sala de aula. Lá elas passariam de objetos de comunicação a objetos de análise, discussão e reflexão por parte dos alunos. Inúmeras atividades podem resultar da experiência, dentre elas a geração de variações para suportes diferentes – com o propósito de se familiarizarem com outras linguagens – ou mesmo de novas propostas que, mantendo o objetivo de comunicação e público alvo originais, sigam estratégias persuasivas diferenciadas.

 

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    Referências bibliográficas ALVARADO, María Cruz. La publicidad social: una modalidad emergente de comunicación. 2003. 721 p. Tese (Doutorado em Comunicação Audiovisual, Publicidade e Relações Públicas) – Universidade Complutense de Madri, Madri, 2003. BASSAT, Luis. El libro rojo de la publicidad (ideas que mueven montañas). Décima edição. Barcelona: Random House Mondadori, 2001. GAGE, Leighton. D.; MEYER, Claudio. O filme publicitário. Primeira edição. São Paulo: Atlas, 1991. GREIMAS, Algirdas J.; COURTÉS, Joseph. Dicionário de semiótica. Terceira edição. São Paulo: Cultrix, 1989. GUIMARÃES, Alexandre H. T. Ementa da disciplina Linguagens: comunicação e educação do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo: UPM, s/d. MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Primeira edição. Lisboa: Dinalivro, 2005. MURARO, Marlon Luiz Clasen. Propaganda de ideias e força do anúncio: confluência de linguagens no discurso publicitário. 2009. 179 p. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2009. RUSSELL, J. T.; LANE, W. R. Otto Kleppner. Publicidad. Décimo segunda edição. México: Prentice-Hall Hispanoamérica, 1994. WELLS, W.; BURNETT, J.; MORIARTY, S. Publicidad, principios y prácticas. Terceira edição. México: Prentice-Hall Hispanoamérica, 1996.    

 

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