LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E TRABALHO: INTERAÇÕES DA ATIVIDADE REPRESENTADAS EM EDITORIAIS DE JORNAL DA EMPRESA

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Congresso Internacional Linguagem e Interação 3

São Leopoldo, 2015

LINGUAGEM, COMUNICAÇÃO E TRABALHO: INTERAÇÕES DA ATIVIDADE REPRESENTADAS EM EDITORIAIS DE JORNAL DA EMPRESA Gislene Feiten Haubrich1 [email protected] Ernani Cesar de Freitas2 [email protected]

Resumo: O propósito do estudo é compreender como os editoriais de jornal de empresa podem implicar os processos interacionais da atividade no ambiente laboral. A interface entre três categorias fundamenta o estudo: aspectos teóricos relacionados à interação (BALDISSERA, 2009; OLIVEIRA; PAULA, 2008), conceitos ergológicos que permeiam a atividade, a linguagem e o trabalho (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007; TRINQUET, 2010) e o método de análise semiolinguístico do discurso (CHARAUDEAU, 2010, 2012). Trata-se de um estudo de caso realizado na empresa de automação industrial Trente, localizada no Parque Tecnológico São Leopoldo. O corpus é composto por oito editoriais do jornal da empresa, divulgados no período de janeiro de 2012 a junho de 2014. Como resultado principal, acredita-se que os editoriais se refiram a uma consistente materialidade para ampliação da investigação das interações no trabalho, visto que no caso estudado puderam ser identificadas implicações como a neutralidade atribuída ao fazer dos sujeitos na atividade, bem como a definição dos padrões de produção, cuja tendência é o enquadramento das práticas às definições do mercado internacional, o que se opõe a demanda por inovação na cadeia produtiva. Palavras-chave: Trabalho. Linguagem. Interação. Comunicação. Editoriais.

1.

Considerações Iniciais A leitura de algumas obras de pensadores contemporâneos como Sennett (2009) e

Bauman (1999), por exemplo, estimulam o raciocínio acerca das práticas que instituem as relações entre os sujeitos e as organizações. Sennett (2009), em especial, apresenta o que para 1

Bolsista Capes. Doutoranda e Mestra em Processos e Manifestações Culturais. Universidade Feevale. Professor Permanente do PPG em Processos e Manifestações Culturais. Doutor em Letras, área de concentração Linguística Aplicada (PUCRS), com pós-doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC-SP/ LAEL). Universidade Feevale.

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ele representa um conjunto de mudanças profundas no caráter humano, visto as transformações na forma como o trabalho é percebido e vivenciado por cada um em sua atividade. Sujeitos de origens diversas são postos em um mesmo espaço, a fim de que produzam riqueza, à sua fonte pagadora, a si mesmo e à sociedade. A comunicação, por meio da linguagem, mobiliza a imersão na qual os sujeitos são imbricados, pois permite a compreensão dos discursos que movimentam as relações dos trabalhadores entre si e com seu trabalho. Em face deste contexto, propõe-se a temática para o estudo: a relação linguagem, comunicação e trabalho, com base na interação sujeito/atividade e diante do que é manifesto nos discursos organizacionais, em específico, nos editoriais de jornal de empresa. Investiga-se o trabalho com um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento da sociedade e nessa conjuntura, a comunicação, enquanto prática linguageira, é a energia que sustenta suas transformações. Desse modo, acredita-se que além de justificar-se academicamente, perante a inter-relação proposta, contempla-se a relevância social da pesquisa. Diante do objeto empírico selecionado, evidencia-se o potencial de atualização do cotidiano com base nos possíveis interpretativos acerca da ação dos sujeitos. Defende-se, então, que por meio da linguagem são promovidas alterações nas práticas culturais, bem como a construção de saberes de uma comunidade. A problemática desta pesquisa se estabelece: como os editoriais do jornal da empresa Trente implicam os processos interacionais da atividade no ambiente laboral? Acredita-se que a organização em estudo norteia os processos interacionais da atividade mediante um fazer linguageiro-comunicativo estruturado por meio de estratégias de informação (fazer-saber) e captação (fazer-sentir); enfatiza relações de força entre organização e trabalhador, as quais têm como finalidade neutralizar a ação renormalizadora dos sujeitos no trabalho. O objetivo dos autores neste trabalho é analisar como os processos interacionais da atividade laboral podem ser impactados pelos discursos divulgados em editoriais dos jornais da empresa. O corpus da pesquisa é composto por oito editoriais do jornal da empresa Trente, localizada na região do Vale dos Sinos (RS/BR). A divulgação dos discursos em análise compreende o período de janeiro de 2012 a junho de 2014, totalizando sete edições do periódico. O estudo de caso é construído com base na análise teórico-ergo-discursiva, perante a interface entre concepções teóricas e o objeto empírico. A estrutura do artigo é dividida em três partes, a começar pela fundamentação teórica sobre o trabalho e os processos interacionais. Na sequência, delineia-se brevemente a construção metodológica que estrutura a análise, cuja etapa encaminha às considerações finais. 2

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2. Atividade de Trabalho: normas e transgressões que renormalizam no ambiente organizacional O olhar que a sociedade investe ao trabalho é determinante às condições que os sujeitos têm em suas relações. “A atividade de trabalho é, de imediato, social. Ela permite a cada um se produzir como ser social”. (DURAFFOURG, DUC, DURRIVE, 2007, p. 68). Esse aspecto conduz a reflexão acerca da problemática da representação do trabalho, predominantemente negativa. A noção de trabalho se desenvolve, há muito tempo, por um percurso que salienta seus aspectos contraproducentes: punição, sofrimento e alienação são sentidos que constroem a teia da atividade laboral desde os gregos. As representações da realidade organizacional, das instituições, se assentam sob uma perspectiva economicista que reduz os vínculos sociais entre indivíduos a relações entre “coisas”. A leitura das práticas laborais se dá com enfoque na situação em que a atividade se inscreve, ou seja, da prescrição, do contexto, à realização. Porém, a análise da atividade humana do trabalho preocupa-se com a tensão da dialética entre os usos de si do sujeito. Um movimento contrário, que descentraliza o poder homogeneizador de um discurso dominante, da organização prescritiva, para aquele que faz uso de suas características pessoais para realizar algo solicitado por outro, pelo meio externo (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007). Nesse sentido, entende-se que o trabalho pode ser realizado dentro ou fora dos parâmetros regimentais da dimensão socioeconômica. Porém, as condições de trabalho estão imbricadas às essas condições sociais de produção, que transformam o resultado concreto da atividade em valor econômico, o que gera as categorizações e as escalas de valoração entre as profissões. Atenta-se a esse aspecto para a compreensão do trabalho sob outro enfoque: a partir do sujeito, que se vale da sua singularidade para interpretar o prescrito na produção de bens e serviços para outros e para si. Conforme Schwartz (2004, p. 37), a atividade humana do trabalho está na “esfera das múltiplas microgestões inteligentes da situação”. Para Trinquet (2010, p. 96), a atividade é o “debate de normas e de transgressões, o que, frequentemente, resulta em renormalizações”. A fim de discutir esses conceitos, prossegue-se a reflexão.

2.1

Usos de Si na Atividade e a Dialética dos Saberes As considerações tomadas neste estudo tem como base o diálogo interdisciplinar

proposto pela disciplina da ergologia que, emergente da ergonomia, tem como embasamento a distância entre o prescrito e o real. Nesse caso, o normalizado é constantemente transgredido,

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visto que a subjetividade da interpretação da norma garante unicidade na resposta ao posto. Assim, o trabalho, entendido como atividade, é percebido como um processo de apropriação comunicacional e de articulação de sentidos que culminam com as manifestações linguageiras ou discursivas que interconectam os sujeitos e as situações. Assim, o enfoque material do trabalho, com base na coisa produzida, concede espaço à posição ativa da atividade laboral, do trabalhador, na construção da realidade, na articulação dos sentidos e saberes. Esse movimento transgressor é denominado por Schwartz (2000) como dramáticas dos usos de si. Defende-se que o sujeito, em sua atividade laboral, faz uso “de suas próprias capacidades, de seus próprios recursos e de suas próprias escolhas” (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 192). Fazer uso de si representa trazer a vida, as experiências, sejam do ambiente laboral ou outros cotidianos, para as escolhas do trabalho, que permitem ao sujeito (re)criar-se e (re)criar a realidade. Schwartz (2000) utiliza o termo dramática, pois na sua concepção as problemáticas cotidianas da atividade se articulam umas às outras em situações não previstas. “Drama quer dizer que alguma coisa acontece. É isso, sempre acontece alguma coisa no trabalho”. (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007). Duas são as dramáticas envolvidas no fazer laboral: o uso de si pelo outro, expresso por normas e prescrições postas pela organização e o uso de si por si, que implica a autogestão das variáveis da situação e as escolhas manifestas. Os usos de si remetem as duas faces da moeda do trabalho: as normas, o uso de si pelo outro, a prescrição, a ação planejada da comunicação e as renormalizações, o uso de si por si, a interação do sujeito com seus saberes, suas experiências e com o outro. Trata-se do trânsito de saberes que orientam os olhares e sentidos construídos a cada situação. Em toda atividade laboral, “coloca-se em prática um saber pessoal, para preencher e gerir a distância prescrito/real.” (TRINQUET, 2010, p. 100). Esse investimento feito pelo trabalhador, para lograr êxito em seu fazer, complementa os saberes acadêmicos que são constituídos e formalizados em documentos. Não é possível realizar a atividade sem os saberes constituídos, que servem como guias para que se alcance um fim específico, do contrário, não se saberia para onde se quer ir, ou quais possibilidades já foram testadas ou não, por exemplo. “[...] é preciso manipular conceitos. Se não, a pessoa permanece em seu horizonte que, sem dúvida, é permanentemente microcriador, mas não atua para transformar um certo número de dimensões desse horizonte.” (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 140). A apreensão desses saberes normalizadores é singular, pois o sujeito o é; e nesse caso, não se pode desconsiderar os saberes investidos, advindos das experiências, que culminam uma gestão do uso de si em situações específicas. “Os saberes produzidos antecipam a 4

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atividade e, ao mesmo tempo, a atividade antecipa saberes que ainda não foram produzidos. E essa dialética, de certo modo não tem fim [...] renova o estoque de saberes existentes.” (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007, p. 149). Saberes e normas possuem uma estreita relação, que deixa opaca a identificação de semelhanças e diferenças. A subjetividade humana é a base criadora de ambos perante as decisões tomadas pelos sujeitos em situação. Souza-e-Silva (2002) salienta que a produção de saberes emerge das experiências compartilhadas coletivamente às quais se estruturam na e pela linguagem. A atividade de linguagem e a atividade de trabalho estão estreitamente ligadas, ambas transformam o meio social e permitem as trocas e negociação entre os seres humanos [...] É por meio do alicerce da vertente dos estudos ergonômicos que elegeram a análise da atividade como fonte e método de construção de saberes sobre o trabalho, abrindo assim, campo para os estudos da linguagem. (SOUZA-E-SILVA, 2002, p. 61).

Por meio da linguagem, a atividade é enquadrada e pode-se construir sentidos. O centro da linguagem está na relação com o outro. Dizer algo é dirigir-se ao outro e utilizar o que foi anteriormente verbalizado nos diversos coletivos frequentados pelos sujeitos. Trata-se de (re)criar em novas situações. A produção de enunciados é sempre (re)construção das relações. Como se pode supor, não é uma simples dimensão humana, mas o oposto, complexo elemento que constitui o ser. A linguagem envolve tanto a ação de manipulação simbólica do outro, quanto à multiplicidade de sentidos que se pode construir com o uso das palavras (FAÏTA; NOËL; DURRIVE, 2007).

2.2 Normas, Trangressões e Renormalizações: a cultura organizacional revelada pela atividade laboral A compreensão do trabalho como atividade convida a repensar como se estruturam as organizações e como seu espaço é transformado pelas práticas cotidianas dos sujeitos, que ao escolherem quais saberes serão investidos ao uso proposto pelo outro, implicam os resultados que serão manifestos pela organização aos seus públicos. Essa reflexão acarreta densas mudanças no olhar conferido às diversas dimensões que se entrecruzam na constituição do ambiente organizacional. Uma das expressões impactadas por essa perspectiva ressignificada é a cultura. Nesse sentido, estudar e estruturar a cultura de uma organização contempla tanto aspectos como o vínculo entre sociedade e organização, quanto à ação humana nesse processo, o que inclui a tentativa da determinação de significados e interpretações, bem como a produção indefinível e infindável de sentidos consecutiva das interações.

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Meyerson e Martin (1987, p. 623) auxiliam nessa (re)construção do pensamento ao defenderem que as “organizações são culturas”. Carrieri e Silva (2014, p. 51) são também inscritos a essa perspectiva: “partindo do princípio de que não existe uma só cultura, mas várias.” Para esses autores o processo interativo entre os atores organizacionais é base para o estudo das culturas. Martin (2004, p. 2) afirma que a “cultura é constituída por padrões de significados que se conectam com suas manifestações, algumas vezes em harmonia, outras referindo alguns conflitos entre os grupos e às vezes em teias de ambiguidade, paradoxos e contradições”. Com essa conceituação, a autora engloba três diferentes paradigmas oriundos das tradições teóricas que pesquisam a temática da cultura no contexto das organizações. O primeiro paradigma apresentado por Martin (2004) refere-se àquele que tem dominado as pesquisas sobre cultura, a perspectiva de Integração, que caracteriza a cultura como consistente, consensual e clara. Há hegemonia discursiva e das práticas laborais que são assimiladas e compartilhadas pela maioria dos membros. O segundo paradigma, o da Diferenciação, salienta a existência de subculturas dentro da organização, as quais são motivadas por consensos entre os membros dentro dos limites de seu grupo. Porém, aceita-se que divergências podem se dar diante do choque de interesses nas intersecções das subculturas. Fragmentação é a denominação do terceiro paradigma. Nessa perspectiva, a ambiguidade das situações assume evidência no contexto organizacional, o que inclui múltiplos sentidos, paradoxos, ironia e contradições. “O olhar para a cultura não é como um bloco unitário ou como uma coleção de ilhas de subculturas, mas como uma sala repleta de teias, constantemente construídas e reconstruídas.” (MARTIN, 2004, p. 11). Martin (2004) defende ainda que o entendimento de um contexto cultural pode ser alcançado com o uso conjunto das três perspectivas, já que a aplicação de um paradigma isoladamente não dá conta dos múltiplos contextos inseridos na realidade de uma organização. Daft e Weick (1984, p. 293) na direção do desenvolvimento de um modelo organizacional como sistema de interpretação defendem que “para sobreviver, as organizações necessitam de mecanismos para interpretar eventos ambíguos e para prover sentidos e orientações aos seus participantes. As organizações são sistemas de significados.” A elaboração de mecanismos que conduzem a interpretação dos sujeitos às interações realizadas é atribuída às lideranças e os demais sujeitos do ambiente organizacional são eximidos desse processo. Ao passo que se aceita a produção de sentidos como evento importante à cultura organizacional, tenta-se modalizá-los em categorias que possam ser controladas e geridas. Mesmo que essas perspectivas apresentem algumas falhas para inclusão plena do trabalho na constituição da cultura, considera-se que elas representam possibilidades de avanços nesse repensar, visto que 6

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reconhecem a produção de sentidos como parte da realidade da organização. No entanto, por se tratar de um olhar que integra o contexto socioeconômico contemporâneo, mantém algumas prerrogativas reducionistas da ação do trabalhador perante as modulações postas por sujeitos situados em uma posição de liderança. Agregar os processos interacionais a essa construção é a proposta que segue a investigação.

3. Processos organizacional

Interacionais:

a

ponte

entre

cultura

trabalho

no

contexto

A perspectiva interpretativista da cultura, conforme apresentado por Martin (2004), Daft e Weick (1984), aceita que a produção de sentidos decorre da relação entre indivíduos e organização, mas sugere que os conceitos promulgados pela organização, perante o uso de estratégias discursivas em apoio aos seus objetivos, são suficientes para que haja identificação do trabalhador com a prescrição, logo, sua adesão. Porém, no cenário proposto pela ergologia, em função da atividade laboral, atribui-se maior participação aos sujeitos no processo de interpretação, pois se aceita que, além da organização, há outros espaços sociais que determinam as experiências e o aprendizado a partir delas. Esses saberes “desconhecidos” da organização são também investidos no exercício da atividade. Saraiva e Carrieri (2010, p. 213) contribuem com esse argumento e, com o enfoque no simbólico, afirmam: “[...] ainda que haja uma intencionalidade por parte da administração de uma organização ao implementar uma dada ação gerencial [...] isso não significa que os empregados se acomodarão, submissos e apáticos ao que lhes for apresentado”. De encontro a essas ponderações destaca-se o que comenta Baldissera: (2009, p. 154) “a interpretação tenderá a ser um exercício de aproximação (negociação e disputa) entre os sentidos que são propostos (postos em circulação) pelos sujeitos em comunicação e a significação que é por eles individualizada, internalizada”. A posição defendida por esse autor apresenta sua concepção da comunicação organizacional: “um processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações organizacionais”. (BALDISSERA, 2009, p. 153). Construção, pois se constitui diante da (re)articulação dos signos a partir das experiências dos sujeitos. Disputa, já que a construção dos sentidos que serão compartilhados depende da constante tensão decorrente do diálogo estabelecido entre os sujeitos. Oliveira e Paula (2008, p. 101) argumentam que “[...] o sentido existe na interação estabelecida e as organizações são concebidas como agentes discursivos e comunicativos, nos processos interativos que se dão dentro e fora do seu ambiente”. Essas autoras consideram que 7

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o sentido está relacionado com o contexto no qual é produzido. Charaudeau (2010, 2012) esclarece que o contexto contempla tanto a situação da comunicação, como as circunstâncias que conduzem a ela e o contrato que orienta a produção discursiva dos sujeitos do ato de linguagem. Esse autor defende que a intencionalidade é também aspecto relevante para compreender como se constroem os sentidos, visto que a interação pressupõe uma relação de alteridade, na qual se objetiva envolver o outro diante de seus interesses. Considera-se, então, fundamental compreender algumas concepções basilares para incluir as práticas discursivas nesse contexto ressignificado das interações no contexto organizacional. 3.1

O Discurso e suas Faces: produção de sentidos no contexto linguageiro do trabalho Por tratar especificamente da produção de sentidos a partir dos discursos, acredita-se

que a perspectiva semiolinguística de Charaudeau (2010, 2012) ofereça reflexões pertinentes para repensar as práticas interacionais nas organizações. Importa salientar o que Charaudeau (2010, p. 63, grifo do autor) resolve acerca do sujeito analisante: “deve, sim, dar conta dos possíveis interpretativos [...] já que está em uma posição de coletor de pontos de vista interpretativos e, por meio da comparação, deve extrair constantes e variáveis do processo analisado”. Essa premissa orienta a atuação dos pesquisadores nesta proposta reflexiva. O aparato teórico-metodológico elaborado por Charaudeau (2010, 2012) considera que o discurso está sempre em relação: imbricação do linguístico ao situacional, do macro ao microssocial, do implícito ao explícito. A ênfase está na ação dos sujeitos no ato de linguagem, ou produção discursiva. Estabelece-se um jogo enunciativo em que o objetivo do EU é envolver o TU por meio de estratégias linguageiras. Essa interação se configura como uma encenação (mise-en-scène) e é denominada como ato de linguagem. Quatro são os sujeitos implicados no ato de linguagem: dois seres sociais, o sujeito comunicante (EUc) e o sujeito interpretante (TUi), e dois seres de fala, o sujeito enunciador (EUe) e o sujeito destinatário (TUd). A encenação discursiva se dá na relação entre EUe e TUd, sendo o enunciador, responsável por articular interesses às implicações contextuais e situacionais que envolvem a seleção de quais sentidos serão postos em ação por meio do discurso. O TUi é assume a posição de destinatário ideal (TUd), aquele que pode ser persuadido à intencionalidade do EUc, projetada e configurada pelo EUe. A Figura 1 representa o processo comunicativo ancorado nesse olhar.

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Figura 1 – A Compreensão Semiolinguística de Charaudeau ao Processo Comunicativo

Fonte: adaptado de Haubrich (2014)

A circulação de informações e sentidos que compõem o ato de linguagem, conforme a Figura 1, tem como centro a ação dos atores num processo de semiotização do mundo, ou seja, de transformação dos acontecimentos em eventos inteligíveis, passíveis de transação ou difusão. Ao descrever uma situação, por exemplo, o sujeito busca em seu repertório signos que possam representá-la. Essa busca não é ingênua, mas depende diretamente da finalidade do enunciador, que filtra os aspectos a incluir ou excluir de seu discurso. Charaudeau (2012) denomina essas escolhas discursivas como visadas comunicativas e classifica-as ante a relação que o EU visa estabelecer com o TU. Quatro são as principais visadas: a) prescrição e a relação entre Fazer-Saber e Dever-Saber; b) incitação, cuja relação se dá entre MandarFazer e Dever-acreditar; c) informação, na qual ao EU cabe Fazer-Saber e ao TU Dever-Saber; d) captação que transita entre o Fazer-Sentir e Dever-Sentir. As visadas estão relacionadas com as ações tomadas pelo EU e pelo TU. O EUc toma a palavra e propaga a mensagem elaborada pelo EUe e, nesse sentido, a visada passa a ser uma síntese entre a intencionalidade do EU e a atitude esperada do TUd. Não há, porém, controle algum, por parte do EUc, de que esse envolvimento ocorra quando o TUi interagir com os enunciados proferidos. Percebe-se, assim, que a construção de um discurso é um ato estratégico, que se ancora em quatro diferentes modos de organização dos enunciados, a fim de que as expectativas do EU persuadam o TU. Enunciativo, descritivo, narrativo e argumentativo são os quatro modos delineados por Charaudeau (2010) para compreender a concretização de enunciados e a produção de sentidos. O modo de organização enunciativo “aponta a maneira pela qual o sujeito falante age na encenação”. (CHARAUDEAU, 2010, p. 81). Seja por meio de uma relação de influência ou de força (função alocutiva), da expressão de um ponto de vista (função elocutiva) ou do

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uso de uma terceira pessoa para subsidiar seus argumentos (função delocutiva), o EUe define bem qual sua posição em relação ao seu interlocutor. O modo de organização descritivo se constitui da nomeação, localização e qualificação do objeto de fala, cujo foco está na produção de efeitos de verdade. Já o modo narrativo subsidia o encadeamento de ações, enquanto o modo argumentativo tem como função “construir explicações sobre asserções feitas do mundo” (CHARAUDEAU, 2010, p. 207). Desse modo, após a discussão acerca da noção de trabalho e as decorrências daí emergentes no contexto organizacional com base na cultura e nas práticas interacionais da atividade, pode-se lançar luz na inter-relação teoria e objeto empírico. A fim de compreender como os editoriais de jornal de empresa podem implicar os processos interacionais da atividade no ambiente laboral, prossegue-se a reflexão com a delimitação dos procedimentos metodológicos e de análise, a descrição do corpus e a indicação de possíveis interpretativos emergentes do ato de linguagem em específico.

4.

Corpus e Procedimentos de Análise O objeto de estudo tem uma dupla dimensão: teórica, perante a relação linguagem,

comunicação e trabalho, e empírica, com base nos discursos institucionais da empresa Trente. A natureza da pesquisa é aplicada, tem enfoque descritivo e abordagem qualitativa. A seleção de uma unidade de análise orienta a realização do estudo de caso simples. Os procedimentos técnicos utilizados neste trabalho são as pesquisas bibliográfica e documental. A primeira origina-se perante o acesso aos dados de segunda mão, como livros e artigos científicos. A natureza dos dados que compõem a pesquisa documental os define como fontes de primeira mão, visto que inda não receberam tratamento analítico. Com base nesses procedimentos, define-se como técnica de coleta de dados a documentação indireta. Conforme a delimitação do objeto, em termos documentais, o acesso aos dados provenientes dos jornais da empresa em questão, assim como seu site. O corpus é composto por oito editoriais do jornal da empresa, publicados no período de janeiro de 2012 a julho de 2014, no total de sete edições (77 a 83). A escolha dos editoriais se pauta por dois aspectos: 1) a avaliação do periódico como um todo, composto por matérias de cunho técnico, tornaria a análise dispersa; 2) a gênese da noção de editoriais como representação da opinião da empresa, o que evidencia aspectos interacionais do cotidiano laboral. Desse modo, mostra-se como uma fonte eficaz para compreender as possíveis

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implicações produzidas aos processos interacionais da atividade, pois manifesta a intencionalidade do EUe, além de evidenciar a projeção que faz do interlocutor, TUd. A lente para análise é denominada teórico-ergo-discursiva, visto que pretende a articulação noções teóricas que se relacionam às práticas interacionais no trabalho, as concepções ergológicas relacionadas à atividade e a teoria semiolinguística de análise do discurso. Após a organização dos dados em estado bruto3, orientada pela técnica Mapa de Associação de Ideias (SPINK, 2010), parte-se das evidências discursivas, que compreendem: situação e contrato de comunicação, circunstâncias de discurso e os modos de organização discursiva (CHARAUDEAU, 2010, 2012). Entrecruzam-se às categorias discursivas, a categoria teórica de cultura (DAFT; WEICK, 1984; MARTIN, 2004) e de processos interacionais (BALDISSERA, 2009; OLIVEIRA; PAULA, 2008) com base nos discursos e as categorias ergológicas vinculadas à atividade, aos saberes e aos usos de si (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007; TRINQUET, 2010). As considerações oriundas dessa proposta metodológica são apresentadas na sequência.

5.

Análise Delineado o corpus e delimitados os procedimentos de análise com base nas categorias

teórico-ergo-discursivas, conduz-se a reflexão acerca das possíveis implicações dos enunciados que compõem os editoriais do jornal da empresa Trente aos processos interacionais da atividade. A teoria semiolinguística de análise discursiva (CHARAUDEAU, 2010, 2012) sustenta a investigação. A caracterização da situação de comunicação selecionada e das circunstâncias que a cercam é o ponto de partida dessa etapa do artigo. Assim, dentre as múltiplas possibilidades para se estudar a atividade laboral, seleciona-se o jornal da empresa. Trata-se de um periódico com divulgação quadrimestral, cuja distribuição é destinada a funcionários, fornecedores e clientes. A opção por manter uma ferramenta, a ser difundida entre os públicos diversos, manifesta a perspectiva linear outorgada ao processo comunicacional, visto que a força das informações é detida por uma das partes e as demais são consideradas passivas ao que recebem. O acesso ao jornal, pelos funcionários, se dá diante do interesse do trabalhador, pois os jornais são dispostos junto aos acessos principais da empresa, próximos à recepção.

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As tabelas com a qualificação dos enunciados, bem como os editoriais na íntegra, podem ser consultados no estudo de mestrado defendido junto ao PPG em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale, disponível em: . 11

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Quanto aos locais de fala dos atores do ato de linguagem, elucida-se: EUc = organização Hera e TUi = classe trabalhadora. Assume-se a perspectiva do sujeito analisante, cujo enfoque está na produção de possíveis interpretativos, oriundos da relação entre EUe e TUd. A Hera é uma empresa de automação industrial com matriz localizada na região metropolitana de Porto Alegre (RS). Sua classe trabalhadora é composta por 440 funcionários 4 , 319 homens e 121 mulheres, cuja alocação é distribuída em seis diferentes estados brasileiros 5 . A estrutura organizacional é dividida em três grandes áreas: P&D, Engenharia e Fábrica. Pode-se afirmar que a condição de enunciação oportuniza apenas à organização apresentar seus saberes e orientações, sem abertura para o diálogo ou mesmo a proposta de escuta dos demais sujeitos que compartilham o ambiente laboral. A instância de produção é múltipla, visto que o jornal é um canal produzido por uma equipe composta por cerca de sete pessoas, que revisam e determinam quais são os temas e as formas de abordagem para cada edição. Embora os editoriais sejam assinados, algumas nuances na forma de construção dos enunciados conduzem à percepção de que não são escritos por uma pessoa, o presidente, mas são textos revisados e reenquadrados aos parâmetros comerciais definidos como mais adequados para a interação que se pretende com o público leitor. A construção discursiva do editorial da Edição 77 ancora-se nos modos enunciativo e descritivo (CHARAUDEAU, 2010), perante a identificação dos assuntos abordados naquela situação assentada na função elocutiva, que expressa um ponto de vista sem envolver o interlocutor diretamente. Em contrapartida, a partir da Edição 80, os editoriais fundamentam-se: 1) na função alocutiva do modo enunciativo, para apresentar as prescrições ao ambiente laboral; e, principalmente, 2) no modo argumentativo, pois cada asserção é justificada a fim de persuadir o interlocutor às normas postas. Salienta-se que os dizeres expressos nos editoriais 1 e 2, da Edição 79, ancoram-se nos modos enunciativo-alocutivo e narrativo, pois são construídos perante o encadeamento de enunciados que retomam as histórias de vida de ambos os sujeitos, com a função de implicar e impor comportamentos aos trabalhadores em sua atividade, propondo o engajamento para o sucesso da organização. A leitura dos editoriais evidencia o interesse no estabelecimento de uma hegemonia de valores e perspectivas, visto que são apresentados argumentos que constantemente reforçam quais comportamentos são, ou devem, ser seguidos diante da atividade. Como exemplo, no

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Dados de 04 de setembro de 2014. Sede em São Leopoldo (RS), a fábrica de painéis em Sapucaia do Sul (RS) e as filiais em São Paulo (SP), Campinas (SP), Macaé (RJ), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS).

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editorial 2 da Edição 79, o enunciado “Por outro lado nós mesmos devemos nos comportar de forma a demonstrar nosso estado de espírito mais importante: estar de bem com a vida”, prescreve uma ação: estar de bem com a vida. Na sequência, afirma: “[...] estar de bem com a vida que significa o sorriso fácil, o elogio frequente, o alerta jocoso e um espírito otimista.” É, então, esclarecido o que se entende por pessoas felizes e o que se espera das atitudes dos trabalhadores no cotidiano, o que é expresso por meio de mais prescrições recusando a atuação do sujeito enquanto interpretante de uma prescrição vaga, mesmo que determinada perante a explicação, como “estar de bem com a vida”. Ante os editoriais é possível identificar a verticalização de posições entre líderes (para usar o termo presente nos editoriais dos jornais de empresa) e liderados. Associada às práticas comunicativas informacionais, está à perspectiva da integração (MARTIN, 2004), que pode ser identificada no ato de linguagem da Trente. O volume de prescrições expressa a clareza com a qual a organização pensa tratar seus processos, enquanto as lideranças têm como função a disseminação e fiscalização das normas bem como seu cumprimento, o que garante o consenso entre os sujeitos, visto que os diferentes sentidos relacionados à atividade são desconsiderados em prol daquilo que a organização divulga como adequado. Pode-se também identificar a perspectiva da diferenciação (MARTIN, 2004) frente o ato de linguagem da Trente, dada a exaltação de algumas áreas em relação a outras. Entre os trabalhadores do P&D, por exemplo, atribui-se uniformização de comportamentos: trabalhar duro, estudar e renovar os produtos, etc. Aos trabalhadores da fábrica são incentivadas outras condutas, não expressas pelos editoriais, o que leva a crer que são diferentes das declaradas. Foram-se duas subculturas: o P&D e os trabalhadores da fábrica. Uns percebem a atividade dos outros como inferiores ou superiores. Nesse ponto, o foco na atividade é perdido em função das diferenças, quando ambas as áreas são fundamentais para que um dos objetivos principais da empresa possa ser atendido: “vencer e satisfazer o cliente”. Contrária a esse entendimento, a organização cria também uma hierarquia entre elas, sendo a relevância aos negócios posta em uma balança, como forças iguais. A diferença é negada e conflitos negativos tendem a ser instaurados, visto que, pautados por questões particulares entre fulano e beltrano, que refletem as escalas de importância expressas pela organização. As prescrições estão em acordo com o proposto por Daft e Weick (1984) acerca da criação de mecanismos para orientar a interpretar os sentidos. Uma vez que os significados que se deseja comunicar são claramente expostos e registrados nos jornais, a organização determina o que cobrará de seus trabalhadores que, em contrapartida, sabem quais padrões devem seguir se pretendem pertencer àquele ambiente. Oliveira e Paula (2008) podem 13

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colaborar com essa perspectiva, pois para as autoras, por vezes as organizações são ordenadoras de sentidos e expressam as ordens por meio de manuais ou, no caso deste estudo, em jornais da empresa. “Quando colocado em ação, o código de ética [ou os jornais, com sua vasta normalização] não só regula e ordena as relações, como também prevê a possibilidade de surgirem outras versões e novos sentidos”. (OLIVEIRA; PAULA, 2008, p. 104). As propostas de Daft e Weick (1984) diferem de Oliveira e Paula (2008) em função de não considerarem essas “outras versões e novos sentidos”, mas prezarem pelo papel das lideranças na propagação e vigilância do cumprimento das questões postas. Aproxima-se, assim, da realidade do caso em análise. Aspectos como esses levam a sugestão da determinação de perfis adequados ou inadequados à atividade e à organização, ponto de vista considerado na definição da identidade projetada (EUe>TUd) do trabalhador, enquanto destinatário ideal desse ato de comunicação (CHARAUDEAU, 2010). O destinatário é percebido como imerso aos objetivos de negócio da Trente, seja por seu prévio interesse, seja por imposição da empresa. Só permanece quem se adéqua e busca produzir dentro dos parâmetros determinados. Pode-se supor que a classe trabalhadora é classificada em dois grupos: aqueles que pensam para a organização e aqueles que executam aquilo que fora pensado pela organização. Uma parte do público interno é percebido como essencial, enquanto a outra parte não é referenciada como tal. É provável o julgamento de que os trabalhadores da fábrica não tenham interesse no conteúdo produzido para o jornal, logo, não é necessário comunicar-se com eles por esse meio. Essa percepção se ancora na indicação de que o fazer de uns é reconhecido, enquanto a menção ao trabalho dos outros se relaciona à máquina produzida. Em ambos os casos, interessa apenas o resultado da ação, não a atividade em si.

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Considerações Finais A escolha pelo confronto teórico e empírico, acredita-se, tenha contribuído para lançar

luz à reflexão da problemática dos processos interacionais nas organizações. A perspectiva da atividade garante autonomia e autoria aos trabalhadores, o que conforme pode ser percebido no caso estudado, nem sempre corresponde ao desejo daquele que comunica institucionalmente. Por vezes, a centralidade dos sujeitos é enfatizada em discursos prescritivos, como a missão, os valores e os princípios. Porém, as práticas comunicativas cotidianas podem não refletir essa intenção e, ainda, enfatizar o interesse em uma homogeneização da subjetividade, como se isso fosse possível. Faz-se uso, então, da 14

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linguagem e das ferramentas de comunicação, como os jornais de empresa, para produzir esse efeito balizador comportamental. A proposta central deste estudo é propor uma reflexão do trabalho enquanto processo comunicacional e de articulação de sentidos, reconhecendo, assim, que é por meio das interações da atividade que se institui a realidade organizacional e se estrutura a cultura. Defende-se que tal qual sentidos negativos, atribuídos ao longo do tempo, tenham implicado modos de gestão e organização do fazer laboral, a restituição da autonomia e consciência ao sujeito tenda a produzir efeitos positivos ao trabalhador, à organização e à sociedade. Referese a uma tarefa complexa, não só pelo argumento de tornar a linguagem artifício central ao desenvolvimento socioeconômico, tampouco pela utopia que parece cercar a proposição, mas principalmente pelo desafio de congregar múltiplas ciências em prol da possibilidade de interações qualificadas no trabalho, as quais enfatizam a tensão entre as forças dos sujeitos do ato de linguagem e os sentidos daí emergentes. Quanto ao caso analisado, percebe-se que os enunciados são ancorados nas visadas de prescrição e informação e no modo enunciativo elocutivo, com a apresentação do ponto de vista da organização, justificado com base em asserções argumentativas e descritivas. As lacunas emergentes da leitura dos editoriais pelos trabalhadores e a interação oriunda da interpretação das normas ali postas são neutralizadas. Os saberes investidos pelos sujeitos em sua atividade laboral são reconhecidos devido a classificação dos produtos, o que tem como referência o mercado internacional. Uma intenção de valoração do conhecimento advindo da experiência dos sujeitos para a execução das tarefas não é percebida. Desse modo, acredita-se que os editoriais se refiram a uma consistente materialidade para ampliação da investigação das interações no trabalho. Refere-se a uma importante estratégia para diagnósticos organizacionais, bem como para aferir as imagens produzidas pela organização em seu ato de linguagem. Além disso, pode-se perceber as densas implicações que podem habitar o ambiente laboral. Diferenças entre os sujeitos deixam de ser potencialidades de inovação e transgressão às práticas usuais e passam a gerar conflitos. Aspectos da cultura organizacional também ficam evidentes e exaltam as diferenças existentes entre os discursos prescritivos e a realidade cotidiana. Nesse sentido, sugere-se o desenvolvimento de novas pesquisas que inter-relacionam as práticas linguageiras que normalizam a atividade e as renormalizações decorrentes do investimento de saberes dos trabalhadores.

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