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UNIVERSIDADE FEDERAL DA INTEGRAÇÃO LATINO AMERICANA – UNILA Culturas Digitais Docente: Fabio Ramalho Acadêmico: Rafael Maier Foz do Iguaçu, 08 de julho 2016.

Linguagens Cíbridas: Apontamentos sobre o fenômeno da linguagem nas redes sociais

A assimilação dos meios de comunicação digitais conjunta à vida cotidiana real se desencadeou rapidamente nos últimos anos, como resultado temos um paralelo do que existe fora e dentro da rede, as nuances que separam estes dois mundos são cada vez mais amenas e as influências de uma sobre a outra, mais densas. Sendo a linguagem um processo vivo e intrínseco ao ser humano, a plasticidade em que os processos de adaptação da linguagem oral e escrita se alinham pela interface homemdigitalismo é rápida e constante. Tal como um indivíduo pode dominar uma linguagem técnica referente à sua profissão ou dialeto referente a um regionalismo, temos aqueles que deslizam pelas águas correntes da linguagem das redes sociais com a mesma facilidade de crianças que superam adultos na assimilação de novos aparatos tecnológicos. Raquel Recuero, em citação a Bourdieu e Putnam (2005, pg. 3), discute o sentido da denominação de Capital Social, quando se fala do caráter tanto individualista de se utilizar um recurso coletivo a seu favor, quanto de um grupo, enquanto tal, trabalhar reciprocamente em função de um mesmo fenômeno. Em função da permeabilidade da tecnologia tal como ocorre com as plataformas digitais e os sistemas de comunicação que daí emergem, podemos perceber um processo de construção cada vez mais híbrido, “o mundo humano é, ao mesmo tempo, técnico.” (LEVY, 1999. Pag. 22).

Podemos considerar a dinâmica das linguagens nas redes sociais como oriundas do fenômenos das relações sociais na internet. _________________ Em seu Curso de Lingûistica Geral, Saussure nos traz à luz a noção de Signo, a composição pelo significante e significado. Um objeto que por si só não representaria nada, mas que para o falante de determinado código de linguagem se reconhece um

sentido simbólico, ao que Saussuse denomina como arbitrariedade do signo (2006, pag.81). Teixeira Coelho Netto, inclinado aos estudos semiológicos de Peirce, também discorre sobre a conceituação do signo, ao que denomina “aquilo que, sob certo aspecto, representa alguma coisa para alguém”, processo que resulta da tríade Signo – Objeto e Interpretante (ou Referência) (2010, pg. 56). Considerando este sistema arbitrário dos códigos significantes dentro da comunicação, a formação de uma linguagem específica oriunda das redes sociais passa a permear diversas esferas dentro da própria rede ou mesmo fora, quando a linguagem da vida cotidiana real, fora dos meios digitais, é permeada e adaptada pela linguagem utilizada no meio digital, então podemos constatar o fenômeno do virtual se sobrepondo ao real, ou melhor, as duas linguagens caminham paralelamente e se entrecruzam, conformando um processo cada vez mais híbrido, ao que podemos também analisar por uma nova ótica que sintetiza este fenômeno, Cesar Baio (2016, pag. 26) chama de Imaginários Cíbridos (cibernético + híbrido) ao discorrer sobre a utilização pela Arte de aparatos tecnológicos para interfacear a mediação de experiência entre ser humano e o mundo. O mesmo ocorre com as adaptações de imagens nas redes sociais online. Imediatamente compreendido o referente de uma dada imagem, o usuário pode interpretar e resignificar esses códigos e passá-lo adiante, um código como um meme passa a ser identificado por outros sujeitos que partilham dessa mesma linguagem. Como recorrente exemplo de meme que emerge das redes, podemos citar o termo “Perigótica”, uma associação de “Periguete” com “Gótica”. É possível encontrar os mais variados resultados com texto e imagens referentes em uma simples busca no Twitter. A associação do termo “periguete” em alusão à uma liberdade sexual, porém, ornamentada pela estética do estilo “gótico”, sustentado por ícones musicais e visuais contemporâneos. Tal termo é amplamente utilizado nas redes sociais e pode ser observado como exemplo de código que submergiu da inteligência coletiva. Mais além, existem playlists de músicas disponíveis na platarforma de streaming Spotify sob o mesmo título, tais como Mulheres Perigóticas ou Só as Perigóticas, são listas com hits encabeçados por vocais femininos. A virtualidade das significâncias se desenvolve rapidamente nas redes digitais e por um processo de construção colaborativa, usuários que consomem, leem, entendem e partilham de interesses em comum, ao identificar-se com tais códigos (como memes de personagens, seriados, mundo pop, sobretudo temas atuais)

alavancam um processo que cada vez mais desempenha um papel influente sobre a comunicação na era digital, em que essa linguagem passa a ser utilizada até mesmo pelo mercado (midia, publicidade, etc). Para exemplificar, temos a inclusão da imagem subversiva de Inês Brasil na estratégia publicitária da Netflix, onde a cantora e “rainha dos memes” atua em um teaser de chamada para a nova temporada de um dos seriados de maior audiência da plataforma, Orange is the new Black. Dominar uma linguagem como a arbitrariamente - gerida por memes nas redes sociais, cujo se desenvolve e viraliza com base em termos aleatórios provenientes de situações de humor ou crítica, com algum destaque Figura 1. Primeiros resultados de uma busca pelo termo “seje” no Twitter. Realizada em 08 de agosto de 2016.

social,

implica

em um

“modos operandi”. Uma vez que uma

linguagem de

nicho se

estabeleça, aquele que a domina passa a estar contido dentro deste imaginário simbólico nascido das redes sociais. Um poderoso e controverso exemplo se dá pela utilização errônea e proposital do verbo “ser” no presente do subjuntivo, “seje”. A ação foi adotada pelos internautas em piada para a gafe – entre tantas – cometida pelo excandidato à presidência do Brasil Pastor Everaldo,

durante um

debate televisionado em Agosto de 2014. Embora muitos os erros de concordância cometidos pelos candidatos, o uso do verbo “seje” recebeu

maior

atenção

pelo

público e principalmente pelos

Figura 2. Publicação do perfil no Facebook do blog de humor em referência ao escorrego do candidato.

usuários de redes sociais (1) e páginas de humor, como o Sensacionalista (2); ironizaram o ocorrido, e rapidamente o termo foi adotado pela linguagem nas redes sociais, sendo utilizado até hoje.

Em um primeiro momento, temos a subversão de um fato, por um olhar crítico e irônico, intrínseco do internauta brasileiro, com a fala do candidato. O humor contido na memetização do termo o alavanca até meados de 2016 – quase dois anos desde sua alcunha – e participa de uma “gestão arbitrária” pela linguagem memética das redes sociais. Suely Fragoso, em pesquisa sobre a Huezagem – o hábito sarcástico e irônico do perfil de brasileiros em jogos em rede - analisa como o comportamento dos usuários se assemelha ao que se pode comparar ao Bufão, o conhecido bobo da corte da idade média, que exprimia deboches e verdades inconvenientes mascarado pela faceta da loucura e humor: Os HUEs se representam feios e fingem ignorância e incompetência. Com isso, tomam posse dos insultos com que os outros jogadores poderiam atingi-los e criam eles mesmos um estereótipo que passa a lhes servir de proteção. Sob esse ponto de vista, os HUEs parecem exercitar uma forma extremamente refinada de trollagem, afirmando com maestria que "nada na internet é tão sério que não possa virar motivo de riso e nada é mais risível do que as pessoas que pensam o contrário" (Fragoso apud Dibbel, 2008)

Em um segundo momento, podemos analisar alguns efeitos dessa dinâmica que, primariamente, exerce efeito viral e de concordância de nicho, uma vez que aqueles que a utilizam reconhecem-se como dominadores de um mesmo código – usurários do twitter e outras redes, jovens, atentos às constantes das redes sociais. Para Neto & Lima (2010 pg. 93) em apontamentos dos estudos de psicologia de Juracy Almeida, a identidade de um indivíduo deve ser buscada quando em contraste com outros indivíduos, por suas relações em grupos maiores. Ao mesmo tempo em que a singularidade individual é revelada, pode-se perceber em quais grupos um indivíduo está presente. Não poderíamos desconsiderar, pois, o grande grupo gerado pelas redes digitais. Caberia a um especialista dizer até que ponto uma piada podese tornar vetor de novos erros dentro de uma dinâmica linguística, em suma, como mensurar o efeito negativo possível que o enraizamento do uso errôneo “seje” poderia causar nos falantes da Língua Portuguesa. Sabe-se que a repetição é uma prática aliada ao aprendizado, um desavisado que não domine a norma culta de sua língua pode assimilar o que provém de uma sacada de humor como parte legítima da Português. E para contra atacar este efeito, a dinâmica que se retro alimenta das

redes sociais também contra reage, carregada do mesmo humor subversivo, como em vídeos da youtuber Marcela Tavares. Em uma de suas “aulas de português”, a vlogueira ironiza a utilização incorreta do termo “seje” quando aplica em seu vídeo a conjugação correta do verbo, obviamente, ali presente dada a influência de seu uso desenfreado nas redes sociais. Podemos perceber os antagonismos que emergem das redes. De um lado, a utilização indiscriminada, embora dotada de alguma coesão, de termos vulgares, e por outro, o apelo por uma normativa dentro deste meio, que em parte se propõe livre de restrições, de linguagem livre e despreocupada. Estes poderiam também ser amparados pelos estudos da Sociolingúistica. ______________ Na interface entre sujeitos que utilizam as tecnologias e a capacidade da tecnologia de modular sujeitos, é perceptível a função viva da linguagem e como esta se adapta aos meios em que se desenvolve – o digital. Críticos como McLuhan (1979) e Pinker (2010) discutem a dualidade deste processo (STRAY, PAILL, DIAS, 2012). À medida que o sujeito é submetido à novos processos tecnológicos, a organicidade cerebral trata de se adaptar para seu uso, não se poderia então dizer que uma linguagem que nasce com o uso de redes digitais é por esta subordinada, tampouco que a linguagem pre-cibercultura pudesse formatar a comunicação nas redes. As dinâmicas dessas interações são tão vivas quanto a própria língua, mecanismo instintivo do ser humano - como afirma Noam Chomsky (apud Paiva, 2011 p. 24). O que estes fenômenos nos revelam é a organicidade linguística capaz de se associar aos mecanismos tecnológicos, provocando mediações cada vez mais cíbridas.

Referências

Anais de Congressos FRAGOSO, Suely; HUEHUEHUE eu sou BR: spam, trollagem e griefing nos jogos online. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXVII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Foz do Iguaçu, PR – 2 a 5/9/2014. Disponível em: https://www.academia.edu/8230145/HUEHUEHUE_eu_sou_BR_spam_trollagem_e_ griefing_nos_jogos_online RECUERO, Raquel. Um estudo do capital social gerado a partir das Redes Sociais no Orkut e nos Weblogs. Trabalho apresentado no GT de Tecnologias da Comunicação e da Informação da COMPÓS 2005, Niterói/RJ. Disponível em: http://www.raquelrecuero.com/arquivos/composraquelrecuero.pdf Publicações Impressas BAIO, Cesar. Máquinas de Imagem. Arte, Tecnologia e Pós-Virtualidade.São Paulo: Annablumme, 2015. p. 26. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 24, 1999. p. 22. NETTO, J. T. C. Semiótica, Informação e Comunicação. São Paulo: Perspectiva, 2010, 7ª Ed. p. 56. SAUSSURE, Ferdinand. Curso de Linguística Geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Pas e Izidoro Blikstein. São Paulo. Editora Cultrix, 2006. p. 81. Revista Eletrônica NETO, José U. G.; LIMA, Aluísio F. Reconhecimento Social, Identidade e Linguagem: Primeiros Fragmentos de uma Pesquisa Sobre Perspectivas Teóricas Atuais no Contexto da Psicologia Social. Revista Psicologia e Saúde, VOL 2, NO 1, (2010), pp. 90-97. Disponível em: http://www.gpec.ucdb.br/pssa/index.php/pssa/article/viewFile/40/77 Livro Digital PAIVA, Marcelo W. Introdução à Linguística. Curso de Pós-Graduação na área de língua portuguesa. AVM Faculdade Integrada. Brasília, 2011. P. 24. Disponível em: http://lms.ead1.com.br/webfolio/Mod1779/mod_introducao_a_linguistica_wd_v2.pdf Pesquisa de Pós-Graduação

STRAY, P; PAIL, D. B.; DIAS, S. R. Leituras em meios digitais. Uma perspectiva linguística. Programa de Pós Graduação em Letras. Pesquisa em Lógica e Linguagem Natural. PUCRS, 2012. Disponível em: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/anais/IIICILLIJ/Trabalhos/Trabalhos/S1/claudiastrey.p df

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