LIÇÕES DE COMPORTAMENTO FEMININO NO JORNAL FOLHA DO

May 25, 2017 | Autor: Tatiane Souza | Categoria: Gênero, Comportamento, Feira de Santana
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25 a 27 de maio de 2010 – Facom-UFBa – Salvador-Bahia-Brasil

LIÇÕES DE COMPORTAMENTO FEMININO NO JORNAL FOLHA DO NORTE ENTRE 1950 E 1951

Tatiane de Santana Souza1 RESUMO: O presente trabalho discute as lições de comportamento feminino difundidas no Jornal Folha do Norte aos leitores e leitoras feirenses no período de 1950 e 1951. Trata da apresentação de textos que essencializam a diferença entre características masculinas e femininas e apresentavam as normas e modelos de gênero feminino considerado ideal na moderna Feira de Santana dos anos 50. Procura mostrar que aquelas que se enquadravam em tais padrões eram bem vistas pela sociedade, outras eram alvos de preconceitos por não seguirem esses modelos. Palavras-chave: Jornal; Comportamento feminino. O crescimento acelerado ocorrido na Feira de Santana dos anos 50 acentua a necessidade da mudança de comportamentos da sociedade para acompanhar o progresso da cidade. Os moradores de uma cidade civilizada devem deixar os complexos, demonstrar personalidade e principalmente as mulheres devem exibir-se em público com distinção e porte demonstrando singularidade.2 O Jornal Folha do Norte, apresentava em suas páginas notícias da política local, do país, do mundo, conselhos para a saúde das crianças, crônicas além de colunas sociais. Como formador de opinião, lançou aos leitores e leitoras inúmeras lições para um apropriado comportamento das moças da cidade. Intelectuais, artistas e profissionais liberais publicavam artigos, textos, colunas, crônicas e poesias no JFN, ajudando a construir as imagens da cidade, compondo desejos e sonhos do ser moderno e críticos da modernidade na medida que tentavam definir modelos e normas a serem seguidas.3 Consultando os periódicos de 1950, percebe-se a inexistência de seções com assuntos específicos para o público feminino, entretanto em 1951 surgem as seções Como cuidar de um bebê e Conselhos de beleza

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Graduanda do 7º semestre do curso de História da Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS. E-mail: [email protected] 2 OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana nos tempos de modernidade: olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). Tese (Doutorado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, 2008. 3

Ibidem. p.31.

demonstrando que a mulher deve ser uma mãe exemplar sem deixar de lado o trato com a aparência. Divertimentos e comportamentos de uma mulher feirense O Feira Tênis Clube, espaço de sociabilidade da elite feirense e freqüentado por “famílias honestas e incautas” era local de diversão garantida para as garotas modernas. Porém as senhoritas deveriam ter muito cuidado, pois existem “anormais” e “viciados” que freqüentam o Tênis diariamente para “tocar ao correr da dança as damas incautas” 4. Toda a sociedade deve ter cuidado, pois a “honra das donzelas que freqüentam o Tênis é a honra da Feira representada por todas as suas classes. É a mais pura e é a mais santa das preocupações na sua intangibilidade!” 5 Para fazer sucesso com o público masculino as mocinhas deveriam “se render ao encanto dos novos óculos femininos, pois certos modelos emprestam ao rosto das mulheres uma expressão há um tempo interessante e elegante.”

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Se não estivesse

satisfeita com as suas madeixas, poderia se render a “nova moda dos cabelos curtos e ondular os fios com o permanente TONI, permitindo a criação de uma infinidade de penteados próprios para combinar com os diferentes modelos de óculos.” 7 Ondulando e cortando os seus cabelos como os de Grace Kelly ou Brigitte Bardot – dois grandes símbolos de beleza da década de 50 – a moça poderia passar a ser mais admirada, pois “o moderno corte realçaria os ombros, destacando o pescoço firme e jovem e o cabelo com ondulações laterais.” 8 Segundo SOUZA (2005) os meios midiáticos dos anos 40 e 50 procuravam produzir um modelo de gênero feminino. As propagandas demonstravam os cuidados que a mulher deveria ter e esses produtos eram apresentados ao público como objetos que transformariam as pessoas, dando-lhes mais encantos. Imitar as estrelas de Hollywood significava diferenciar-se das pessoas comuns, adotando novos gestos, comportamentos, posturas e auto-imagens. As mulheres que saiam as ruas trajando roupas inadequadas estariam infringindo as regras do comportamento civilizado, sendo este ato incompatível com os tempos modernos. De acordo com SEVCENKO (2001, p.64) os indivíduos são reconhecidos 4

Jornal Folha do Norte – 21.01.50 – Edição 2115, p.01. Ibidem. 6 Jornal Folha do Norte – 14.01.50 – Edição 2114, p. 01. 7 Ibidem. 8 Ibidem. 5

“[...] pela maneira como se vestem, pelos objetos simbólicos que exibem, pelo modo e pelo tom com que falam, pelo seu jeito de comportar.” Caso a mocinha tenha a necessidade de diversões para recrear o espírito das lutas diárias pode se deliciar com os doces e sorvetes da “Sorveteria e Confeitaria Marabá – ponto de elegância e distinção da sociedade feirense”

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– ou assistir um filme no Cine

Teatro Irís. Mas precisa ir bem vestida, de preferência com os modelos da loja “A ” 10

Majestosa – a casa que veste a Feira elegante

. Uma moça bem comportada não deve

se sentar na geral pois existem aqueles que “fazem algazarras, dizem piadas inconvenientes e perturbam os espectadores.” 11 O estudo de NONATO (2002) ajuda-nos a refletir os ideais de civilidade nos espaços de lazer da cidade de Feira de Santana. O autor aborda a integração do cinema à vida cultural, social e ao imaginário popular, em Salvador de 1897 até a exibição do primeiro filme sonoro, revelando as interações entre o advento do cinema e a modernização da cidade. O cinema enquanto um espaço cultural era considerado um sinal de civilização, exigindo um comportamento adequado, a começar pelo estilo de roupa a ser usado pelos freqüentadores do ambiente, em especial, as senhoras e senhorinhas da elite, que se deveriam distinguir pela elegância, expressando o progresso da cidade. Tornava-se indispensável afinar-se com o tempo, seguir os ditames da moda e exibir-se em público com distinção de porte, a fim de tornar evidente o pertencimento a determinado grupo social, identificando por meio dos trajes e comportamentos que os distinguia dos demais, individualizando-os, demonstrando singularidade. Na Micareta, festa não religiosa mais popular da cidade, os clubes realizavam bailes ao som das filarmônicas e as ruas eram tomadas por diferentes grupos que desfilavam suas fantasias. Não faltavam divertimentos para as senhorinhas de todas as classes sociais “e quanta gente olhando tantas garotas bonitas, cantará baixinho: A mulher deve casar meu irmão, mas o homem não!”

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Aqueles que gostam de provocar

desordem já estão avisados, pois de acordo com a portaria policial “é proibido dirigir palavras obscenas especialmente as pessoas do sexo feminino, praticar atos e dizer pilhérias ofensivas a moral.” 13

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Jornal Folha do Norte – 25.04.51 – Edição 2181, p. 02 Jornal Folha do Norte – 14.10.50 – Edição 2153, p.03 11 Jornal Folha do Norte – 06.01.50 – Edição 2153, p.01. 12 Jornal Folha do Norte – 08.04.50 – Edição 2126, p.03. 13 Jornal Folha do Norte – 01.04.50 – Edição 2125, p.01. 10

Os textos encontrados no JFN participam da construção da percepção acerca do que é ser mulher e não só refletem o papel feminino na sociedade, mas o define culturalmente e socializam as leitoras neste papel. Segundo MIRANDA (2003) essas mensagens possuem elementos que guiam o comportamento sexual dos indivíduos e perpetuam a desigualdade de gênero. Sempre que se refere às mulheres mais velhas o Jornal Folha do Norte o faz de forma pejorativa e comparativa com as mais jovens. A velhice trazia as marcas da experiência, levando a beleza e a esperança de conquistar um amor. Para FIGUEIREDO (2007) a mulher tem sido objeto de preconceitos, cristalizados em papéis, mais ou menos estereotipadas, que as colocam em posição de desvantagem em várias instâncias da sociedade. O envelhecimento tornou-se uma questão particularmente “feminina”, a baixa auto-estima e a perda da liberdade vivenciada pelo homem/mulher nesse processo têm determinantes sociais e culturais que se estabeleceram historicamente. “São elas (as rugas) o sinal de que a velhice está se aproximando e por essa razão, constituem o mais temível dos inimigos da beleza, sobretudo quando se vêem nos rostos femininos. A ruga é a prova visível de que se vai perdendo a mocidade e o fato indiscutível que a formosura, o encanto, enfim, a própria vida já se vai passando. O tempo, inexorável, vai deixando vestígios de sua passagem que constitui torturante inquietação. Não só para a sociedade como, também, para trabalhar, o indivíduo precisa de um rosto agradável, sabido que uma pessoa velha ou feia, em todos os lugares que estiver, será preferida por outra mais jovem, em quaisquer condições.” 14

Segundo SERPA (2003) a revista O Cruzeiro classificou as mulheres como imaturas para o exercício cívico. A concepção mostrada pela revista era que as mulheres não tinham maturidade suficiente para entender a complexidade política nem discernimento para escolher candidatos. Entretanto o Jornal Folha do Norte apresenta outra realidade na cidade quando em 1950 “convoca a mulher feirense para o serviço da coletividade, no sentido de renovação, elevação e saneamento da vida pública e nobreza e decência das atividades partidárias.”

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E pela primeira vez uma mulher é indicada

para um cargo no legislativo municipal: a União Democrática Nacional indica a

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Jornal Folha do Norte – 03.03.51 – Edição 2173, p.03. Jornal Folha do Norte – 26.08.50 – Edição 2146, p. 01.

professora Helena de Sena Assis para vereadora deste município em “expressiva homenagem a inteligência, à cultura e ao civismo da Mulher Feirense.” 16 No periódico de 25 de fevereiro de 1950 encontramos um texto que define o motivo da grande diferença entre viúvos e viúvas no país e no qual aparecem delimitados os papéis de gênero que de acordo com MIRANDA (2003) são comportamentos e atitudes socialmente esperados dos membros da sociedade, diferenciados por sexo. “O recenseamento de 1940 apurou que havia no país mais viúvas do que viúvos. Mas, qual seria o motivo da grande diferença do número de viúvas e viúvos – 437.098 homens e 1. 284. 922. Existem as razões biológicas: sendo o ciclo sexual do homem maior do que o da mulher é natural que este perdida a companheira procure constituir um novo lar, enquanto que aquela ache melhor ficar dentro de um mundo da saudade, com o retrato do falecido à mesa da cabeceira. Ah, mas existem os probleminhas com os afazeres domésticos: como conseguir pregar o botão de uma camisa se a linha que faz nó é a linha que rebenta. E o dedo que se espeta. E separar as roupas para a lavadeira apanhar... aborrecido e irritado pensa nos tempos em que não era obrigado a tais trabalhos. ”17

SERPA (2003) aponta que a diferenciação entre os sexos atribui a homens e mulheres diferentes papéis, limitando as funções e atribuições, ou seja, lugar dos homens é trabalhando e se envolvendo com a vida política, econômica e social do país; o das mulheres é no lar, cuidando dos filhos, da casa, preocupando-se com a estética e com a aparência. “[...] as mulheres devem cuidar da cútis: por refletir o espelho da alma representa uma das condições essenciais para a conservação dos seus atrativos. Com os valiosos conselhos encontrados no Jornal Folha do Norte as senhoras apresentarão uma pele em boas condições de saúde e beleza. “Pela manhã ao levantar lave o rosto com água fria e enxugue-o delicadamente com uma toalha fina. Faça uma ligeira massagem com um creme neutro por todo o rosto com movimentos circulares, depois aplique o rouge e o pó de arroz de maneira delicada, sem esfregar a bola de algodão na pele. Ao deitar lave o rosto com água e sabão e aplique uma loção adstringente para a limpeza da pele. ”18

Nos anos 50 as mulheres que cometessem atos considerados escandalosos apareciam nas primeiras páginas dos jornais. 16

Jornal Folha do Norte – 09.09.50 – Edição 2148, p.01 Jornal Folha do Norte – 25.02.50 – Edição 2120, p.01. 18 Jornal Folha do Norte – 19.08.50 – Edição 2145, p.02. 17

“Chegam-nos queixas de várias pessoas, contra o mulheril que reside á travessa Leonardo Pereira Borges [...] que vem praticando naquele local, desordens e atos contra a sociedade e reboliços durante toda a noite, prejudicando-lhes o sono. A antiga travessa do sossego foi transformada em local de barulho e rebuliço. Tais reclamações devem ser enviadas ao Senhor Delegado de polícia, que, talvez, tome as devidas providências.” 19

No campo da representação, CHARTIER (1990) aponta que as percepções do social não são neutras, elas produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa dos outros, por elas menosprezadas, a legitimar um projeto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas escolhas e condutas. Essas representações são sempre determinadas pelos interesses do grupo que as forjam. A beleza e os valores morais das mulheres, como juventude, saúde e inteligência, eram realçados através de outros atrativos e identificados com o “fluxo renovador do progresso mundial”. Assim, no mundo dos anos 40 e 50, as mulheres que estavam saindo de casa para trabalhar fora eram consideradas mulheres modernas, mas, ao mesmo tempo, eram vistas como uma fraude, uma competidora em potencial do homem e uma mãe desnaturada que largava os filhos para se aventurar “no mundo masculino”. 20 Em virtude do descaso das “criadeiras” – mulheres pagas para tomar conta dos filhos das mulheres que trabalham fora - e o “horroroso” índice de mortalidade infantil as “mães são aconselhadas procurar o serviço de creches que oferecem a mãe e a criança os cuidados necessários.21 Considerações finais Modelos hierarquizados do que é feminino e masculino são transmitidos de uma geração a outra no interior de relações sociais.

De tão repetidos esses modelos

hierarquizados quase que são vistos como sendo “naturais”. Trata-se de uma naturalização de posições e de determinações que não são da natureza, mas, sim, frutos de construção social, cultural e histórica. Segundo BOCCHINI E REIMÃO uma pessoa

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Jornal Folha do Norte – 13.01.51 – Edição 2166, p. 01. SOUZA, Antonio Clarindo Barbosa de. Como se produz uma mulher! Festa, aparição pública, publicidade e preconceito na produção do gênero feminino durante os anos 40 e 50 em Campina Grande – PB. Disponível em: http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/pdf/mneme15/149.pdf. Acesso em 06.01.2010. 20

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Jornal Folha do Norte – 14.01.50 – Edição 2153, p.01.

pode participar da mídia em diferentes funções – como produtora de mensagens midiáticas, como assunto, tema, cenário - ou ainda como receptora de mensagens. Em cada um desses grandes âmbitos a participação pode adquirir diferentes faces. O jornal tem como função informar as diferentes modalidades de apreensão do real, operando por meio dos signos lingüísticos, das figuras mitológicas e da religião, ou dos conceitos do conhecimento científico (CHARTIER, 1990). A leitura dos textos sobre comportamento dirigidos às mulheres feirenses durante os anos de 1950 e 1951 publicados no Jornal Folha do Norte revelam que o ideal feminino proposto é de uma moça que deve se manter afastada dos maus modos, conservar a jovialidade e arrumar-se sempre de maneira impecável para atrair os olhares dos possíveis pretendentes, estar atenta – mesmo que de maneira superficial – ao panorama político da cidade e sobretudo cumprir o dever de uma “mulher de bem” que é o de propiciar o bem estar dos filhos. Contudo, não é possível afirmar que todas essas lições e modelos foram eficazes no seu intento de normatizar o comportamento das senhoras e senhoritas feirenses, pois de acordo com CHARTIER (2004) existe uma distância entre a norma e a vivência, entre a injunção e a prática, entre o sentido pretendido e o sentido produzido: uma distância em que podem se imprimir reformulações e desvios. Referências BOCCHINI, Maria Otília; REIMÃO, Sandra. Participação da mulher na mídia. Disponível em: http://www2.metodista.br/unesco/agora/pmc_agora_entender_eixos_otilia_sandra.pdf. CHARTIER, Roger. A história cultural entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, Lisboa, Portugal: Difel, 1990. CHARTIER, Roger. Leitura e leitores na França do Antigo Regime. São Paulo: Unesp, 2004. FIGUEIREDO, Maria do Livramento Fortes. As diferenças de gênero na velhice. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003471672007000400012&lng=en&nrm=iso&tlng=pt FONSECA, Raimundo Nonato da Silva. “Fazendo fita”: cinematógrafos, cotidiano e imaginário em Salvador, 1897-1930. Salvador: Edufba. 2002. MIRANDA, Ribeiro Paula. Papéis de gênero e gênero no papel: uma análise de conteúdo da revista Capricho, 2001-2002. Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar, 2003. Disponível em: http://www.cedeplar.ufmg.br/pesquisas/td/TD%20216.pdf.

OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos. Feira de Santana tempos de modernidade: olhares, imagens e práticas do cotidiano. (1950-1960). Tese (Doutorado em História) – Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, 2008. SERPA, Leoní. A máscara da modernidade: a mulher na revista O Cruzeiro (1928 1945). Passo Fundo: UPF, 2003. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp000097.pdf. SEVCENKO, Nicolau. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo. Companhia das Letras. 2001. SOUZA, Antonio Clarindo Barbosa de. Como se produz uma mulher! Festa, aparição pública, publicidade e preconceito na produção do gênero feminino durante os anos 40 e 50 em Campina Grande – PB. Disponível em: http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/pdf/mneme15/149.pdf.

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