Lisboa e a sua arqueologia: uma realidade em mudança

July 21, 2017 | Autor: Jacinta Bugalhão | Categoria: Cidade de Lisboa, Gestão do Património, Arqueologia Urbana
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JACINTA BUGALHÃO

O interesse pelas cidades antigas soterradas sob as actuais é uma atitude antiga que se prende com a procura de identidade, ou seja, de características ou sinais passados, distintivos ou peculiares que conferem a determinada comunidade urbana um património de memória comum.

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Esta actividade, nos anos setenta do nosso século, transforma-se, no meio arqueológico europeu, na subdisciplina “Arqueologia Urbana”. Em Lisboa, onde a ocupação do núcleo histórico urbano é contínua ao longo de mais de 2500 anos, a Arqueologia Urbana reúne condições ideais para contribuir, de forma determinante, para o conhecimento do passado. Remontam ao século XVI as primeiras e esporádicas notícias que referem o interesse de alguns humanistas, pelos vestígios clássicos que o subsolo da cidade escondia, sendo, essencialmente, os elementos fragmentários da arquitectura, arte e engenharia romanas que suscitavam a sua atenção. Este interesse pelas ruínas de Olisipo veio a revelar-se de forma mais premente durante os trabalhos de reconstrução pombalinos, na sequência do Terramoto de 1755. Alguns eruditos e historiadores da época legaram-nos descrições da identificação de alguns dos principais edifícios públicos da cidade romana: o teatro, as termas dos Cássios e o criptopórtico da Rua da Prata (hoje assim designado, inicialmente classificado como termas). Já no nosso século, a olisipografia (movimento que agrupa um conjunto de historiadores-descritores que, baseando-se principalmente no documento escrito, se dedicam ao estudo da cidade) reproduz, com alguma frequência, observações coevas e passadas, sobre achados fortuitos durante obras de escavação na cidade, que reme-

Lisboa e a sua Arqueologia: uma realidade em mudança tiam para as suas ocupações passadas, não apenas no período romano, mas também medieval ou mesmo pré-histórico. Em 1960, realiza-se a primeira intervenção arqueológica moderna, no perímetro urbano, na sequência da identificação, nas obras de construção do Metropolitano na Praça da Figueira, das ruínas quinhentistas do Hospital Real de Todos os Santos. Com o prosseguimento da obra em profundidade, foi reconhecido, a cerca de 6 m abaixo da superfície actual, um grande cemitério romano. Ainda na década de 60, decorre uma intervenção arqueológica no teatro romano, visando a sua reabilitação, à custa da demolição dos edifícios que se lhe sobrepunham. Nos anos setenta e oitenta, seguindo a corrente europeia, surgem, em diversas cidades portuguesas, equipas de arqueologia que, com origem em acções de salvamento (originadas pelo crescimento e reabilitação urbanos) ou investigação, iniciam um trabalho arqueológico mais sistemático e abrangente, valorizando a importância da Arqueologia para o conhecimento da história urbana e para a compreensão e valorização do seu Património. Tal foi o caso de Braga, Mértola, Setúbal e Silves. Lisboa registou algum atraso neste desenvolvimento, tento sido, essencialmente, nos anos 901, que a actividade arqueológica na cidade perdeu o seu carácter pontual. Assim, e num registo sempre crescente, multiplicaram-se as intervenções de emergência ou salvamento (na sequência de destruições), as intervenções preventivas (no âmbito de obras, mas com intervenção planeada) e mesmo de investigação. 1 Apesar de alguns autores considerarem a intervenção na Praça da Figueira (nos anos sessenta) ou a intervenção na Casa dos Bicos (no início do anos 80) como marcos do arranque da “Arqueologia Urbana de Lisboa”, de facto, só a partir do final dos anos 80/início dos anos 90 as intervenções arqueológicas em meio urbano de vão implantando de forma crescente e tendencialmente sistemática.

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Destacam-se, pela dimensão e resultados obtidos, as seguintes intervenções: Casa dos Bicos (1981-1982), Centro Cultural de Belém (1988-1989), Teatro Romano (19891995), Claustro da Sé de Lisboa (1990-2000), Termas dos Cássios (1991-1993), Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros (1991-5), Rossio (1994-7), Largo do Corpo Santo (1996), Castelo de São Jorge (1996-2002), Largo Luís de Camões (1999), Praça da Figueira (2000-2001), Encosta de Santana (2002-2006), Largo Vitorino Damásio (2003-2004) e Casa do Governador (2003-2006). Salientam-se também, já nos primeiros anos do século XXI, as intervenções de acompanhamento arqueológico de implantação ou recuperação de infra-estruturas básicas, tão frequentes numa cidade e de consequências tão lesivas, se realizadas sem os devidos cuidados patrimoniais. Também é nesta fase que a intervenção arqueológica mais sistemática extravasa o perímetro do “casco histórico” da cidade, multiplicando-se as intervenções na cidade moderna (Bairro Alto, Madragoa, Lapa, etc.) e na importante frente ribeirinha (desde Santa Apolónia, até Belém). Esta actividade arqueológica, de carácter mais contínuo, contribuiu para alterar, de forma significativa, o conhecimento sobre as “cidades” que se estratificam sob a actual. Em primeiro lugar, foi arredado, em grande parte das situações, o mito da capacidade destrutiva da história sísmica da cidade: os diversos e violentos terramotos da cidade destruíram, mas não eliminaram os vestígios urbanísticos das várias épocas. Reforçou-se a imagem de Lisboa como cidade marítima, em que os contactos com as civilizações mediterrânicas (nomeadamente, a fenícia, a púnica, a romana e a islâmica) são antigos, contínuos e estruturantes na natureza da cidade. Os estudos arqueológicos permitiram recuar a existência do aglomerado urbano pré-romano, a cerca do século VII a.C., revelando, desde aí, uma cidade com dois pólos de desenvolvimento: um núcleo original, na colina do Castelo (correspondendo basicamente à área da chamada cerca moura), e uma área portuária, artesanal e comercial, na actual Baixa Pombalina. A este arrabalde, outras áreas de expansão da cidade muralhada se lhe vão acrescentando, a Este e a Norte, durante o período medieval. A área ocidental (Bairro Alto, Santa Catarina, etc.) é urbanizada a partir de quinhentos. A transformação da cidade, associada às viagens e descobertas transoceânicas, é também sentida de uma forma muito sensível no registo arqueológico urbano. Bom exemplo deste aspecto são os trabalhos já desenvolvidos no âmbito da Arqueologia Náutica e Portuária, através da identificação de restos de embarcações afundadas e restos de estruturas portuárias, em intervenções na zona ribeirinha da cidade. Nos últimos dez anos (grosso modo, desde 1995), muito em particular, verificou-se uma alteração profunda na prática arqueológica e na gestão da Arqueologia Urbana de Lisboa. Grande parte das análises críticas sobre a Arqueologia Urbana de Lisboa refere-se a uma realidade anterior. Esta evolui em muitos aspectos, embora nos aspectos mais estruturais se mantenham os grandes problemas da Arqueologia da cidade. Por esta razão, parece perfeitamente justificado o exercício de análise global desta realidade, baseado numa reflexão sobre alguns dados numéricos, que espelham, de forma bastante expressiva, a sua evolução2 . A avaliação crítica que urge desenvolver sobre os caminhos trilhados deve partir da análise cuidadosa de dados reais, uma vez que, pelo menos a nível nacional, a Arqueologia Urbana de Lisboa apresenta diferenças significativas que advêm da importância ao longo dos tempos, da dimensão do perímetro urbano e da antiguidade e continuidade da sua estratificação arqueológica. 220

1. A ACTIVIDADE ARQUEOLÓGICA Entre 1995 e 2005, foram autorizadas, no concelho de Lisboa, 385 intervenções arqueológicas (Gráfico 1), com valores anuais relativamente estáveis até ao ano 2000 e uma tendência crescente a partir do ano 2001. Analisando os dados numa perspectiva evolutiva, verifica-se uma estabilidade nos valores referentes às intervenções de 2 Uma primeira síntese com objectivos idênticos foi publicada em 2000, relativa ao período entre 1980 e 1999 (Gaspar, Gomes, Sequeira, e Silva, 2000).

emergência e salvamento e um crescimento (que acompanha a tendência dos valores absolutos) das intervenções preventivas planeadas. Os trabalhos de investigação e valorização apresentam, sistematicamente, valores muito modestos.

Gráfico 1

Analisado o período na sua globalidade, verifica-se uma predominância acentuada das intervenções preventivas. A actividade arqueológica da cidade, nestes 11 anos, foi motivada por objectivos quase totalmente externos à Arqueologia propriamente dita. As intervenções de motivação científica e de valorização patrimonial referem-se apenas a 9% dos trabalhos realizados. Verificou-se, contudo, um reforço das intervenções planeadas, em detrimento das situações de emergência e “caso consumado”.

Gráfico 2

A tipologia da intervenção na cidade também se alterou (Gráfico 3), primeiramente no sentido da diversidade: à escavação (sondagens e escavações em área) junta-se, crescentemente, o acompanhamento arqueológico3, mas, também, embora em números mais reduzidos, a prospecção, levantamento, avaliação de potencial/impacto arqueológico e estudo de espólio.

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Gráfico 3

Os acompanhamentos arqueológicos, embora, por vezes, “mal amados”, têm-se revelado extraordinariamente eficazes e frutuosos, em grande parte do perímetro urbano de Lisboa.

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No que se refere ao tipo de projectos que enquadra e motiva a actividade arqueológica (Gráfico 4), mais uma vez se verifica uma estabilidade na proporção entre os diversos tipos de projectos, até 2000, com uma ligeira predominância para os projectos de construção/remodelação de imóveis. A partir de 2001, os projectos de construção/remodelação de imóveis e de implantação ou renovação de infra-estruturas de subsolo descolam-se dos restantes, passando a apresentar-se como predominantes. Relativamente aos projectos de transportes e estacionamento, embora relativamente estáveis, denunciam oscilações relacionadas com a evolução da construção da rede do Metropolitano de Lisboa e com as políticas de estacionamento promovidas pela Câmara Municipal de Lisboa (principalmente, no que se refere ao estacionamento subterrâneo). O calendário eleitoral do poder autárquico explica algumas diferenças nos valores anuais.

Gráfico 4

Globalmente, na última década, destaca-se, a implantação da Arqueologia Urbana nos projectos de implantação e renovação de infra-estruturas (quase sempre em regime de acompanhamento arqueológico), sector que oferecia maior resistência e sofria do preconceito de “não destrutivo” (Gráfico 5). Os resultados dos trabalhos de acompanhamento arqueológico deste tipo de obras não só se têm revelado plenamente justificados pelas ocorrências que têm permitido identificar e salvaguardar, como têm o grande benefício de funcionarem como método de sondagem e prospecção em áreas urbanas muito extensas e alargadas.

Gráfico 5

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Como foi referido, até 1999, um número maioritário de intervenções arqueológicas decorriam na Área de Potencial Arqueológico de Nível 1 (PDM de Lisboa), correspondente à cidade antiga e medieval. A partir dessa data, o número de intervenções na Área 2 (cidade moderna e núcleos monumentais e periurbanos antigos), mais extensa, aumenta consideravelmente, permanecendo maioritário. Na Área 3, as intervenções arqueológicas de prospecção e acompanhamento também revelam uma

tendência crescente, decorrendo principalmente no âmbito de processos de Avaliação de Impacte Ambiental. Assim, neste período de forma muito evidente, em Lisboa a Arqueologia da Cidade, suplantou a Arqueologia do Monumento.

Gráfico 6

2. ENQUADRAMENTO E ARQUEÓLOGOS A questão de quem intervém, quem deve intervir na cidade e em que situações encontra-se em aberto, em Lisboa. Desde 1995, verificaram-se alterações profundas ao nível dos “protagonistas” da Arqueologia da cidade (Gráfico 7). Até aí, existia uma forte tradição de intervenção directa de serviços da Administração Pública Central, tanto no que se refere a monumentos classificados e outros edifícios públicos, como em relação a projectos de iniciativa privada. A partir de 1995, o papel dos serviços da Administração Pública Central diminui significativamente, em paralelo com um crescimento, seguido de estabilização, do número de intervenções desenvolvidas pelos serviços municipais de Arqueologia. No mesmo período, o número de intervenções realizadas por Empresas de Arqueologia evolui de valores nulos ou residuais, para uma situação de total predominância, a partir de 2001. Saliente-se que, neste período, trabalharam em Lisboa 15 empresas de Arqueologia, embora algumas desenvolvam, nos últimos anos, trabalho na cidade de forma mais sistemática. Desde 2003, verifica-se, igualmente, uma implantação crescente das equipas constituídas por profissionais liberais. As equipas de investigação (nomeadamente, de âmbito universitário) têm desempenhado um papel pouco significativo na Arqueologia da cidade.

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Gráfico 7

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Outra questão que importa analisar é quantos arqueólogos trabalham na cidade (Gráfico 8) e com que regime de continuidade (Gráfico 9). Em primeiro lugar, deve referir-se que, no período em análise, dirigiram trabalhos na cidade de Lisboa 144 arqueólogos. Entre 1995 e 2000, dirigiram trabalhos em Lisboa, por ano, no máximo, 20 arqueólogos. Este valor foi sofrendo um crescimento considerável, situando-se, em 2005, acima das seis dezenas. Por outro lado, verifica-se que existem mais de 50 arqueólogos que, neste período, realizaram apenas 1 intervenção na cidade, bem como mais de 30 realizaram apenas 2 intervenções e cerca de 30 realizaram 3, 4 e 5 intervenções. Neste período, dirigir mais de 6 intervenções pode considerar-se um número muito elevado, pois apenas 28 arqueólogos registam estes valores, num máximo de 23 direcções de trabalhos arqueológicos por um arqueólogo.

Gráfico 8

Gráfico 9

3. FINANCIAMENTO Relativamente ao financiamento, deve ressalvar-se que não foram analisados investimentos absolutos por inexistência de dados recolhidos e sistematizados. Analisa-se apenas a “titularidade” do financiamento4 (Gráfico 10), ressalvando que existem diferenças consideráveis de custo, nos projectos arqueológicos realizados nestes 11 anos.

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Neste parâmetro, o panorama observado espelha a realidade já anteriormente abordada. O investimento público de Lisboa em Arqueologia mantém-se razoavelmente estável, embora com uma tendência crescente. Até 1998, persiste um razoável número de situações em que o investimento público incide sobre projectos privados,

Consideraram-se de investimento privado os projectos promovidos por empresas de capitais públicos, como o Metropolitano de Lisboa e EPAL, por exemplo.

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em regime de co-financiamento. A partir do ano de 2000, o financiamento privado assume preponderância crescente, resultante de uma aplicação cada mais abrangente do princípio do “poluidor-pagador”.

Gráfico 10

As formas de financiamento acompanham a realidade exposta (Gráfico 11). O financiamento directo, estável durante o período em análise, reporta-se às intervenções de natureza institucional, nomeadamente, aos projectos desenvolvidos pela Administração Pública Central e Local. Nos casos em que o investimento público incide sobre projectos privados, em regime de co-financiamento, verifica-se, normalmente, uma forma conjugada de financiamento, directa e contratada. O financiamento mediante contrato, referente aos promotores privados, executados por empresas de Arqueologia e profissionais liberais, implanta-se crescentemente, desde 2000.

Gráfico 11

4. PUBLICAÇÃO A investigação arqueológica e respectiva publicação de contextos urbanos revela-se sempre mais problemática relativamente a outros “tipos” de Arqueologia, pela extraordinária complexidade e volume da informação recolhida. O caso de Lisboa não é excepção, sendo um dos seus problemas estruturais amplamente diagnosticado e debatido. Analisado o ritmo de publicações5 de forma muito básica (Gráfico 12), verifica-se que, neste período, vieram a público 165 referências (que aqui não se reproduzem, por razões de espaço). O número de referências bibliográficas não acompanha o volume de intervenções arqueológicas realizadas por ano, parecendo até estar a sofrer um ligeiro decréscimo. Deve, contudo, ressalvar-se que grande parte das intervenções, nos anos mais recentes, nomeadamente, os acompanhamentos arqueológicos, pelo tipo de contextos que identifica, poderá considerar-se “publicada”, com a entrega dos relatórios e a consequente inserção dos resultados nos sistemas de informação municipal e nacional (Endovélico).

5 Não foram consideradas as referências “no prelo”, considerando-se apenas as conferências apresentadas no âmbito de reuniões científicas ainda não editadas. Não foram consideradas referências relativas a resumos de comunicações.

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Gráfico 12

Relativamente ao tipo de publicação (Gráfico 13), verifica-se que os meios mais utilizados para divulgação dos resultados arqueológicos são influenciados por factores conjunturais, como sejam o funcionamento regular de algumas publicações periódicas e a realização de reuniões científicas de âmbito local, regional e temático (por vezes, trazidas a público em publicações periódicas). Desde 2002 que a edição de artigos em revistas da especialidade suplanta as demais formas de publicação.

Gráfico 13

De uma forma genérica, no período em análise (Gráfico 14), prepondera a publicação de comunicações em reuniões científicas de carácter local e regional (por exemplo: Colóquios “Estudos de Lisboa” da Associação dos Arqueólogos Portugueses; Colóquio Lisboa, encruzilhada de Muçulmanos, Judeus e Cristãos, em 1998; Colóquios Temáticos Lisboa Ribeirinha) e temático (por exemplo: Encontros de Arqueologia Urbana, Congressos de Arqueologia Peninsular, Jornadas de Cerâmica Medieval e Pós-Medieval). Seguem-se, em número, os artigos em publicações periódicas, destacando-se o papel da Revista Portuguesa de Arqueologia, desde 1997 (14 referências), da Revista Olisipo (13 referências), da Revista Arqueologia e História (11 referências) e da Revista Al-Madan (9 referências). As monografias apresentam valores substancialmente inferiores.

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Gráfico 14

Relativamente aos temas abordados, não pode dizer-se que se verifica uma tendência temporal, sendo a distribuição temática muito variável e aparentemente aleatória, no período em análise. De uma forma global (Gráfico 15), parece revelar-se alguma preponderância dos estudos de espólio e de publicações sobre intervenções arqueológicas concretas. O estudo de contextos específicos e parciais apresenta valores médios e as sínteses e as publicações destinadas ao grande público são mais escassas.

Gráfico 15

Analisando quem e quantos são os autores que se dedicam à publicação de contextos arqueológicos urbanos, em Lisboa, verifica-se que, à semelhança do número de arqueólogos a trabalhar em Lisboa, existe uma tendência de crescimento desde 1999 (num máximo de 37 autores, em 2003) (Gráfico 16). Contudo, há que salientar que, no período em análise, se contabilizam apenas 106 autores, sendo que alguns deles são investigadores que nunca dirigiram trabalhos arqueológicos, em Lisboa.

Gráfico 16

No que respeita à regularidade de publicação (Gráfico 17), observa-se que mais de 60 autores publicaram apenas uma referência bibliográfica. Existem 26 autores com mais do que 5 referências bibliográficas publicadas.

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Gráfico 17

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5. NOTA FINAL Não era objectivo deste trabalho avaliar de forma crítica o(s) modelo(s) de gestão arqueológica em prática na cidade de Lisboa. Considera-se, aliás, que a última década, por se ter revestido de um carácter de mudança muito acentuado, não seria o momento adequado para propor seriamente um modelo de gestão e angariar sinergias para a sua implementação, ao nível das entidades públicas com competência na área. Por outro lado, não foram aqui analisados diversos aspectos essenciais, nomeadamente, a situação das colecções resultantes dos trabalhos arqueológicos, a forma de preservação e salvaguarda dos contextos arqueológicos identificados e as acções de exposição, valorização e divulgação de património arqueológico. As cidades actuais têm muitos aspectos em comum, mas, normalmente, também se revestem de alguma especificidade. Não existem soluções universais perfeitas, no que à Arqueologia Urbana diz respeito. Relativamente a Lisboa e à sua Arqueologia, partilha com as cidades litorais mediterrânicas grande parte das suas características. A nível nacional, distingue-se pela dimensão. Nenhuma cidade portuguesa tem o tamanho e o volume da actividade arqueológica verificadas em Lisboa, nos últimos anos, apesar de ainda não se poder considerar que tudo o que deve ser feito é, de facto, feito. Neste sentido, verificam-se falhas consideráveis, relativamente ao cumprimento do PDM (que, aliás, se tem vindo a afirmar como principal instrumento de gestão arqueológica, encontrando-se em fase de revisão, o que implicará o aumento das áreas urbanas condicionadas arqueologicamente) e à salvaguarda de património classificado. Verifica-se, também, que os meios de gestão, intervenção e acompanhamento à disposição do serviço municipal de Arqueologia (que funciona informalmente no Museu da Cidade, mas que urgia autonomizar e dotar de recursos mais adequados à hercúlea tarefa que carrega) são excessivamente escassos. Serão os serviços municipais a assumir, obrigatoriamente, um papel mais interventivo, nomeadamente no que se refere à gestão da informação arqueológica da cidade (através de sistemas de informação alfanuméricos e geográficos avançados e de uma gestão mais sustentada e financiada da reserva arqueológica de espólios) e no apoio aos arqueólogos e investigadores que trabalham na cidade. Numa perspectiva mais exigente, o serviço urbano de Arqueologia deveria trabalhar igualmente no plano mais elevado das problemáticas arqueológicas da cidade, nas suas diversas áreas, nos diferentes períodos, apoiando as equipas na definição científica de objectivos para cada intervenção. A Administração Pública Central deverá centrar a sua actuação a dois níveis: na vertente reguladora, normativa, licenciadora e, principalmente, fiscalizadora; e na promoção de projectos modelares de intervenção, investigação e valorização patrimonial.

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Relativamente ao processo evolutivo, desde 1995, considera-se que o saldo é positivo. Neste período, a Arqueologia entrou definitivamente no quotidiano da cidade, estendendo a sua actuação para áreas de intervenção que anteriormente lhe eram vedadas. As alterações legislativas relativas à prática e gestão da Arqueologia, a eclosão, a nível nacional, da “Arqueologia Empresarial”, o crescimento e rejuvenescimento da classe arqueológica e, principalmente, a conjugação de esforços entre o serviço municipal de Arqueologia (numa fase de implantação crescente) e a Extensão do IPA em Lisboa (a funcionar desde 2001) contribuíram, de forma decisiva, para a alteração da Arqueologia da Cidade. Um dos aspectos mais positivos foi o facto de a perspectiva preventiva ter ganhado terreno relativamente às intervenções de emergência (que, mesmo assim, persistem em valores excessivamente altos). Outro aspecto positivo foi a clarificação das esferas de actuação nos diversos intervenientes na Arqueologia da cidade, reduzindo-se, de forma muito evidente, a promiscuidade entre o público e o privado, assumindo as instituições papéis mais definidos e transparentes (de licenciamento, fiscalização e execução).

Como aspecto negativo, continuam a verificar-se os problemas crónicos relativos à investigação, valorização e divulgação do Património Arqueológico e publicação científica. Ao contrário da maioria dos “analistas”, considera-se que a falha está não propriamente no “crescimento desenfreado” da Arqueologia por contrato, mas, sim, no papel inexistente ou ainda não suficientemente dotado de meios e recursos dos organismos públicos, nas suas áreas de actuação. Impõe-se o estabelecimento e implementação de critérios mais exigentes no licenciamento/autorização de trabalhos arqueológicos (nomeadamente, o critério curricular do arqueólogo, no que se refere ao seu conhecimento e trabalho na cidade, deveria ser promovido como “mecanismo de controle de qualidade”) e na sua fiscalização. A gestão da informação arqueológica, que, todos os dias, é recolhida na cidade de Lisboa, não é tarefa fácil! Caberia aos serviços municipais (devidamente dotados dos meios necessários) definir e uniformizar procedimentos, formatos, boas práticas, de forma a permitir a gestão informatizada dos dados e a sua permanente disponibilização à restante comunidade arqueológica. A dispersão (tão evidente, se considerarmos o número elevado de arqueólogos que trabalham em Lisboa) e inacessibilidade da informação é muito nefasta ou até fatal, se pretende ver a cidade como objecto de investigação. O proverbial conservadorismo, com o qual, em Portugal, se encaram as normas e prazos da “prioridade científica”, deveria ser severamente sacudido, em Lisboa.

Uma cidade como Lisboa não pode ser pensada como um projecto de investigação, tradicionalmente considerado. Lisboa (e a sua Arqueologia) deveria constituir-se objecto de múltiplos projectos de investigação, de diversos e críticos olhares. A separação das esferas de intervenção e investigação em Arqueologia é arriscada e pouco defensável. Mas a realidade impele-nos para uma possível e desejável coexistência dos dois níveis de actuação, com os mesmos sujeitos ou sujeitos diferenciados. A promoção e financiamento da investigação científica competem, em primeiro lugar, ao Estado (através das Universidades e Instituições de Investigação) e aos investigadores e académicos. É destes que a Arqueologia de Lisboa sente falta. A outro nível, Lisboa necessita de mais e melhores projectos modelares de iniciativa puramente arqueológica. Também aqui são a Autarquia e a Administração Pública Central que deverão direccionar, de forma menos periclitante, as suas opções estratégicas. A Arqueologia de Lisboa deveria ter mais do que o Teatro Romano e o Núcleo Arqueológico da Rua dos Correeiros para oferecer aos seus cidadãos e visitantes. A sociedade civil e as entidades privadas poderão colaborar e apoiar iniciativas, mas cabe aos organismos públicos tomar a dianteira e concentrar-se em projectos de qualidade e futuro, em que o investimento seja rentabilizado de forma adequada. Lisboa, Junho de 2006

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