Lisboa O que o Turista Deve Ver de Fernando Pessoa

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Lisboa: O que o Turista Deve Ver, de Fernando Pessoa: O contexto e as imagens Danielle Alves Lopes Pontifícia Universidade Católica da Minas Gerais [email protected] Rita Baleiro ESGHT – Universidade do Algarve [email protected] Sílvia Quinteiro Centro de Estudos Comparatistas (FLUL) / ESGHT Universidade do Algarve [email protected] 1. Introdução Em A Poética do Espaço (1958), um dos textos de referência de Gaston Bachelard, o fenomenologista francês analisa as imagens do “espaço feliz”, ou seja, as imagens dos espaços íntimos (da casa, do sótão, do armário…); espaços que, pelo facto de serem vividos, são aqueles em que os sentimentos, as experiências e as recordações mais pessoais se situam. Na opinião do filósofo, todos os espaços vividos, mesmo aqueles exteriores à casa, transportam, ainda assim, essa noção de “casa”, enquanto espaço primordial e universo inicial. Por esta razão, é possível analisar um determinado espaço vivido (interior ou exterior) e conhecer a sua essência, construindo um significado para esse espaço; um significado que, naturalmente, será distinto de sujeito para sujeito. Na verdade, Bachelard refere que, mais do que analisar o espaço, o sujeito analisa as imagens que dele constrói. Estes pressupostos da poética de Bachelard permitem-nos ler o texto Lisboa: O que o Turista Deve Ver (1925), de Fernando Pessoa, como um conjunto de imagens da cidade (do espaço vivido) que viabiliza o acesso do leitor à essência da “casa” de Pessoa, isto é, a essência da capital portuguesa. Há de facto uma familiaridade na relação de Pessoa com este espaço que se manifesta no modo como conduz o turista/leitor pela cidade de Lisboa, uma vez que o faz do mesmo modo como normalmente conduzimos uma visita pelos corredores e divisões da nossa casa, mostrando o espaço que habitamos e que, por essa razão, é revelador do mais íntimo de nós. Esta utilização das imagens da cidade como veículo para a essência da capital portuguesa e da portugalidade ganha mais relevância quando sabemos, pela leitura do prefácio de Teresa Rita Lopes, que Pessoa terá produzido este texto com a intenção de “dignificar Portugal aos olhos do estrangeiro” (Lopes, [1992] 2014: 14), de “destruir os erros e colmatar as lacunas da informação estrangeira a respeito de Portugal” de modo a eliminar a nossa

Literatura e Turismo: Turistas, viajantes e lugares literários

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“descategorização europeia” (idem: 11, 15). Para isso, Pessoa vai destacando paisagens e lugares que, tendo sido registados no início do século XX, ainda hoje, são centrais na generalidade dos inúmeros roteiros turísticos traçados para a capital. De modo a concretizar o seu propósito de elevar cultural e simbolicamente o país junto dos leitores-cidadãos estrangeiros, Fernando Pessoa escreveu o texto em inglês – Lisboa: What the Tourist Should See. No entanto, esta edição bilingue só foi publicada em 1992(36) . Neste nosso trabalho apresentamos, pois, uma leitura deste guia turístico de Pessoa; um texto, na nossa opinião, peculiar no conjunto do espólio pessoano, uma vez que não se caracteriza pela construção poética permeada por ornamentos de estilo e retórica nem caráter filosófico e lírico próprios da escrita pessoana, mas sim pelo facto de nos proporcionar uma descrição ponderada e, por vezes bastante técnica da arquitetura, da história, da geografia e, até mesmo, da população da cidade de Lisboa. Características próprias, como veremos, dos guias turísticos. Posto isto, neste trabalho começamos por apresentar, de forma necessariamente breve, o percurso da institucionalização do turismo em Portugal, fazendo referência à associação que se estabeleceu entre promoção turística e promoção política, bem como a um dos principais instrumentos de divulgação turística: os guias de viagem. No momento seguinte, dedicamonos, então, à análise do guia de viagem de Fernando Pessoa, contextualizando aquelas que julgamos terem sido as suas intenções ao escrever este texto. 2. A institucionalização do turismo, a exaltação nacionalista e os guias turísticos Em 1925, quando Fernando Pessoa escreveu o guia Lisboa: O que o Turista Deve Ver davam-se, ainda, os primeiros passos na institucionalização do turismo em Portugal. Na realidade, nesta data tinham decorrido menos de duas décadas desde a criação, em Lisboa, da organização que lançou “a primeira pedra, simultaneamente no charco e no grandioso edifício que hoje constitui a indústria [do turismo]” (Pina, 1988: 11): a Sociedade Propaganda de Portugal (SPP), fundada em 1906. Também designada como Touring Club de Portugal, a SPP apresentava-se como independente de qualquer filiação política (ver Matos e Santos, 2004). No entanto, o seu objetivo era claramente político, uma vez que pretendia “congregar patriotismos em torno “duma Associação Promotora do Bem do País”, utilizando como veículo propagandístico precisamente o turismo” (idem: 14. Maiúsculas no original). Nos seus estatutos podemos ler que o intuito central desta Sociedade era contribuir para o desenvolvimento do país e para sua promoção nacional e internacional:

(36) Traduzido para português por Maria Amélia Santos Gomes, membro do grupo de investigadores dos espólios pessoanos.

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