Literatura sem Gramática e Gramática sem Literatura: Porque não?

Share Embed


Descrição do Produto

Sandra Duarte Tavares e Sara de Almeida Leite [email protected], [email protected] Instituto Superior de Educação e Ciências, Lisboa

► Literatura sem gramática e gramática sem literatura: porque não?

Resumo No ensino básico, a literatura e a gramática costumam ser conciliadas num “diálogo” aparentemente profícuo, uma vez que assim se promove, em simultâneo, o contacto direto dos alunos com os textos literários e o desenvolvimento das suas competências no que respeita ao conhecimento explícito da língua. Contudo, é possível sustentar que nem a literatura nem a gramática saem beneficiadas deste compromisso. É isto que nos propomos explicar numa comunicação apresentada em duas partes: uma, em que se argumenta a favor do tratamento da literatura enquanto tal, isto é, respeitando a transação individual de cada leitor com o texto e centrando as atividades na experiência estética da leitura; e outra, em que se apresentam argumentos para sustentar que o ensino da gramática a partir de frases – e não de textos – é adequado e eficaz. Desta forma, defendemos que a gramática e a literatura podem ser tratadas pedagogicamente de forma apropriada e enriquecedora sem comunicarem entre si. Palavras-chave: aprendizagem, ensino, gramática, leitura estética, literatura Área temática: II – Literatura e gramática: práticas letivas e linhas de articulação

Introdução No ensino básico, a literatura e a gramática costumam ser conciliadas num “diálogo” aparentemente profícuo, uma vez que assim se promove, em simultâneo, o contacto direto dos alunos com os textos literários e o desenvolvimento das suas competências no que respeita ao conhecimento explícito da língua. Contudo, é possível sustentar que nem a literatura nem a gramática saem beneficiadas deste compromisso. Por um lado, o ensino da gramática a partir de frases – e não de textos – revela-se adequado e eficaz; por outro, a literatura, mesmo em contextos escolares, merece ser tratada enquanto tal, isto é, respeitando a transação individual de cada leitor com o texto e centrando as atividades na experiência estética da leitura. Na primeira parte desta comunicação, apresentamos os motivos que, no nosso entender, justificam que as leituras literárias não sejam promovidas na Escola enquanto pretexto para o ensino da gramática, sugerindo formas alternativas de abordar a literatura, com vista a favorecer o verdadeiro convívio dos leitores com os textos e a criar condições para que os alunos desenvolvam o gosto pelas leituras de lazer. Na segunda parte, apresentamos argumentos no sentido de a gramática ser ensinada sem recurso ao texto literário e mostramos, através de algumas propostas de atividades, como esse ensino feito com base em unidades e frases descontextualizadas pode ser profícuo e eficaz.

1

Parte I – Literatura sem Gramática

A subjugação do ensino da literatura à finalidade de desenvolver competências linguísticas, como se sabe, adquiriu grande importância a partir da década de 1980, quando se redesenharam os programas de língua materna em função da sentida necessidade de aumentar os níveis de literacia e a eficácia comunicativa dos estudantes. Todavia, considerar a literatura fundamentalmente como “uma possibilidade da língua” e um meio de a compreender dominar melhor o idioma parece convidar ao esquecimento de outras formas de a encarar e de promover a experimentação literária, porventura mais pertinentes na sociedade em que vivemos hoje, mais favorecedoras do seu potencial formativo e mais ajustadas ao objetivo de fundo da Escola, no que respeita à leitura literária, que continua a ser “formar leitores para a vida”. A submissão da literatura ao ensino da gramática implica quase necessariamente a desvalorização das transações individuais dos leitores com os textos, no sentido em que Louise Rosenblatt concebia a leitura estética (ROSENBLATT, 1978) – aquela que, precisamente, importa fazer da literatura. Em vez disso, as metodologias utilizadas no tratamento dos textos literários em contextos escolares implicam a sua leitura eferente (idem), já que estes são utilizados como meio para atingir dois objetivos diretamente relacionados com o desenvolvimento de competências linguísticas nos alunos: a) apurar (quando não apenas verificar) a sua capacidade de compreensão e b) proceder ao ensino explícito da gramática. As inevitáveis perguntas sobre o texto, que abundam nos manuais escolares e não só, ilustram essas intenções até à exaustão, sendo por vezes exasperantes na sua previsibilidade. O exemplo mais paradigmático é “Como se chama a personagem principal do texto?”, questão que, na maior parte das vezes, é levantada a propósito de textos em que o nome do protagonista pode ser lido diversas vezes. Como consequência, é desvalorizada a intenção de criar condições de convívio genuíno e espontâneo com os textos, que no entanto favorece aquisições e aprendizagens relevantes a longo prazo, por exemplo a nível emocional, cognitivo, cultural, moral e relacional, que tantos autores têm salientado (BRUNS, 2011; HOUDART-MEROT, 2011; NUSSBAUM, 2010; PRADL, 1996; SUMARA, 2002; WILHELM & NOVAK, 2011). A finalidade de formar leitores para a vida, patente em esforços como a criação do PNL, parece, assim, esvaziar-se de sentido, mesmo quando a literatura ressurge em força no currículo, como sucedeu em 2013, quando foi divulgado o novo programa de Português para o Ensino Secundário. Surpreendentemente, alguns professores insurgiram-se contra aquilo que diziam ser uma “dose excessiva” de literatura para os jovens de hoje. Porém, decerto esses professores não impediriam os seus filhos de ler obras literárias em casa, por acharem a dado momento que seria “literatura a mais”... O problema não se põe quando a relação entre o leitor e o texto literário é genuína e estética, mas põe-se, precisamente, quando a literatura é

2

tratada enquanto conteúdo escolar. No Ensino Básico a questão não se colocará nos mesmos termos, porque não é tão vasta a quantidade de informação literária a reter sobre o autor e a obra. Desde que seja para ensinar gramática, a literatura é bem tolerada pelos professores. Todavia, os alunos, provavelmente, diriam o contrário, se pudessem: “desde que não seja para aprender gramática, ler é algo que fazemos com gosto” – porque ler textos de ficção poética, dramática ou narrativa lhes permite imaginar, sonhar, descobrir o mundo e (re)conhecer-se. Talvez seja fundamental começar por admitir que não é com o propósito consciente de aperfeiçoar o seu conhecimento explícito da língua que um leitor, jovem ou adulto, pega num romance, numa peça de teatro, ou num livro de poesia. Tão-pouco abre uma obra literária com a intenção de se tornar num cidadão melhor, ou com o objetivo de aprender seja o que for. Abre-a, e lê-a, para mergulhar num mundo desconhecido, para viver aventuras sem sair do lugar, para conhecer os outros, para sair de si, para se reencontrar. As aprendizagens acontecem, e são muitas, mas não é na perspetiva dos “ganhos” que alguém se vira para a literatura. Os leitores de textos literários são-no pelas horas de lazer que a leitura proporciona, enquanto experiência pessoal e emocional. Ora, enquanto a Escola não integrar a possibilidade dessa vivência da leitura literária na forma como a impõe aos alunos, tratará sempre a literatura como outra coisa, e não como literatura. O necessário equilíbrio entre o lazer e a aprendizagem, entre a evasão e o desenvolvimento de competências, subjacente à questão da (in)utilidade da leitura literária, passa por respeitar o caráter livre, privado e pessoal de cada experiência de leitura. É fundamental que os alunos tenham a oportunidade de ler por gosto e com gosto, assim como é essencial dar-lhes a oportunidade de questionar o texto e de dizer sobre ele o que lhes parece adequado, tendo em conta a sua forma única de o interpretar, de acordo com a sua experiência de vida. Quem estuda muito e sabe muito sobre literatura sabe que os critérios “certo e errado” não se aplicam à leitura literária. No entanto, quando os textos são tratados com base na formulação de perguntas para as quais existe uma resposta correta que os alunos devem ser capazes de providenciar, subverte-se este princípio e eles são levados a acreditar que a informação contida nas respostas às perguntas é mais importante do que a sua experiência de ler o texto. As obras literárias devem ser trabalhadas de forma dinâmica e interativa, em respeito pelo princípio de que a literatura se escreve para ser lida e não para sobre ela se dizer a última palavra. Dito de outro modo, o texto literário não pode ser reduzido a um significado fixo e permanente, porque por natureza se destina a assumir os significados que os leitores lhes atribuam ao lê-lo. Assim, e mesmo nos contextos de ensino, o sentido do texto não deve estar predeterminado, devendo antes ser construído pelo professor e pelos alunos, até porque é assim que os segundos aprendem verdadeiramente com o primeiro a lidar com a literatura de forma autónoma e consequente. É importante que se amadureçam conclusões coletivamente, que as interpretações de cada um sejam reconhecidas e possam integrar a

3

construção de uma leitura comunitária, sendo nesta que, na maior parte dos casos (ou talvez em todos), cada leitor tem a oportunidade de tirar maior partido do que leu, de chegar mais longe na compreensão dos textos. Porque o caráter transacional da experiência literária implica não só que o leitor e o texto interagem e se influenciam mutuamente, mas também que cada leitor se sinta integrado numa comunidade no seio da qual a obra é aceite, difundida, valorizada e continuamente (re)interpretada. Não se corre, portanto, o risco da anarquia interpretativa, de ter de aceitar todas as interpretações, sob a justificação de que a leitura do texto nunca está feita. Porque, no seio de cada comunidade leitora, o significado do texto pode e deve ser construído num esforço conjunto de organização, que responde à necessidade universal de dar sentido ao mundo e à experiência que dele vamos tendo, juntamente com os outros. A sala de aula deve, portanto, reforçar, e não escamotear, as implicações sociais do ato de ler, mostrando a cada aluno como a sua interpretação do texto se vê desafiada e enriquecida pelas leituras dos outros, e como uma comunidade de leitores funciona, com base no diálogo fecundo e criativo. Nesta perspetiva, apresentamos algumas sugestões de princípios e práticas que os professores podem considerar, caso pretendam abordar a literatura enquanto tal com os seus alunos, isto é, dando lugar à leitura estética dos textos: 

Professores e alunos devem ter (e querer!) mais liberdade na escolha dos textos literários a ler (o que implica reduzir a autoridade de programas e manuais);



Os professores devem assumir-se como modelo de leitor estético e dar bons exemplos aos alunos;



Os textos literários devem ser alvo de uma interpretação genuína e democrática;



Deve ser favorecida a leitura expressiva (sem cronómetro!), para a fruição do texto;



Os alunos devem poder verbalizar as suas reações aos textos, integrando-os na sua experiência pessoal;



Os alunos devem poder, também eles, fazer perguntas sobre os textos;



Os alunos devem ter oportunidade de perceber como interpretações distintas de certos textos podem ser igualmente legítimas (isto implica admitir respostas diferentes para a mesma pergunta, sempre que a ambiguidade e a plurissignificação do texto o permitam);



O professor deve ler com os alunos textos desconhecidos e desafiantes, mostrando-lhes como é que um leitor competente lida com esse desafio;



Os alunos devem ser incentivados a verbalizar as suas dificuldades de leitura e ser apoiados na sua resolução;



Devem ser estimuladas as atividades de reflexão crítica e elaboração literária a partir da leitura;

4



Quando se justifica, o professor deve sujeitar-se às mesmas tarefas que propõe aos alunos e partilhar com eles os resultados do seu trabalho.

Como conclusão, gostaríamos de sublinhar que, se o aproveitamento escolar da literatura para ensinar gramática pode desenvolver competências e revelar-se ajustado para cumprir metas e finalidades educativas, é pouco provável que forme leitores compulsivos, que leiam por gosto, ao longo da vida. A leitura estética dificilmente pode ser “ensinada”, mas as crianças, sobretudo aquelas em cujos ambientes familiares a leitura não é valorizada, podem e devem ser incentivadas a ler esteticamente, através do exemplo e da criação de condições propícias ao convívio desapressado e enriquecedor com os textos literários. Assim, a Escola tem o dever de conceder aos textos e aos alunos o espaço e o tempo necessários para que os primeiros sejam lidos enquanto tal, cabendo aos professores fornecer exemplos autênticos nesse sentido. A literatura é uma experiência cultural e emocional demasiado preciosa para ser tratada como veículo para ensinar gramática!

Parte II – Gramática sem literatura Há, do nosso ponto de vista, dois fortes argumentos em favor de a gramática e a literatura serem estudadas individualmente de forma adequada e rigorosa sem se interrelacionarem. O primeiro diz respeito às áreas específicas do cérebro onde ambas poderão estar localizadas; o segundo prende-se com a nossa convicção de que o ensino da gramática com recurso a frases descontextualizadas pode ser profícuo e eficaz.

(a) A gramática e a literatura poderão estar localizadas em hemisférios cerebrais distintos Na patinagem artística, existem duas modalidades principais distintas: uma modalidade mais artística – as provas livres – e uma modalidade menos criativa – as figuras obrigatórias. Na primeira, o patinador revela a sua habilidade e talento executando saltos através de uma coreografia musicada; na segunda, o patinador realiza exercícios rigorosos sobre círculos traçados no solo, com vista ao equilíbrio, concentração e controlo do próprio corpo sobre os patins. Ambas as modalidades se complementam, mas cada uma, individualmente, pressupõe aptidões e competências distintas: um patinador pode executar as figuras obrigatórias de forma exímia e não revelar bom desempenho artístico nos saltos livres e vice-versa. À semelhança do que sucede neste desporto, a gramática e a literatura são disciplinas cuja aprendizagem requer, do nosso ponto de vista, aptidões e competências diferentes. Ainda que ambas se centrem na palavra, poderão estar localizadas em zonas distintas do cérebro. Provavelmente não é por acaso que tantas pessoas têm preferência por uma dessas áreas, sendo muito raros os casos em que ambas suscitem o mesmo nível de aptidão e agrado. Essa

5

preferência estará, possivelmente, relacionada com o conceito de dominância cerebral, que postula que os hemisférios cerebrais desempenham funções distintas: o hemisfério esquerdo está associado ao raciocínio analítico, às relações lógicas, à memória verbal, à produção e compreensão da linguagem; trabalha com segmentos e analisa a informação ao detalhe. O hemisfério direito, por sua vez, está associado à perceção e memória visuais, à inteligência emocional e social, às aptidões artísticas. Não trabalha com o detalhe, mas sim com unidades globais. Onde poderá estar, então, localizada a atividade cerebral relacionada com a literatura? O termo literatura tem origem no latim litteratura e designava a arte de escrever e ler bem. A literatura tem o poder de fazer o leitor sonhar, transportando-o para um universo imaginário, onde é capaz de vivenciar e experienciar outras realidades. Sendo a literatura, inequivocamente, uma arte, as atividades relacionadas com a sua conceção e apreciação poderão estr localizadas no hemisfério direito – o hemisfério relacionado com as áreas criativas e intuitivas. E onde poderá estar localizada a capacidade para compreender a gramática? O termo gramática provém do grego grammatiké e denominava a arte relativa às letras. Adquiriu, desde muito cedo, um sentido mais lato, abrangendo o estudo da língua em geral. A partir do século XIX, passou a ser utilizado num sentido mais restrito, limitando-se à análise da língua do ponto de vista da morfologia e da sintaxe: a morfologia, relacionada com a estrutura interna das palavras; a sintaxe, associada à combinação das palavras para formar frases. O século XX operou uma mudança crucial na abordagem da gramática, passando esta a ter um caráter científico por se centrar na observação de dados linguísticos. Ora, envolvendo o estudo da gramática a análise de dados e o raciocínio lógico, as competências a ela associadas poderão estar localizadasno hemisfério esquerdo – hemisfério relacionado com a lógica e com o racional. Em suma, a assunção de que a gramática e a literatura se localizam em zonas distintas do cérebro poderá ser um forte argumento em favor do não diálogo entre estas duas disciplinas.

(b) O ensino da gramática com recurso a palavras e frases descontextualizadas pode ser profícuo e eficaz É nossa plena convicção de que os conteúdos gramaticais definidos pelas Metas Curriculares de Português serão mais bem compreendidos e interiorizados a partir de frases descontextualizadas do que tendo por base textos literários. Antes de comprovarmos esta afirmação através de sugestões de algumas atividades, debrucemo-nos sobre o conceito de gramática. Quando as crianças entram para a escola, aos seis, sete anos, são já falantes fluentes da sua língua materna, dominando a gramática dessa língua: conhecem os sons de que dela

6

fazem parte e a forma como esses sons se combinam, conhecem as regras de formação do feminino e do plural, sabem combinar as palavras de modo a produzir frases bem formadas, conhecem os diferentes significados que uma mesma palavra pode assumir, etc., etc. A este conhecimento inconsciente corresponde o conceito de gramática implícita, a qual representa a nossa competência linguística a nível fonológico, lexical, sintático, semântico e pragmático. A escola será o lugar privilegiado onde as crianças irão desenvolver essa competência linguística através do estudo formal da língua. A este estudo formal corresponde o conceito de gramática explícita, que diz respeito à “consciencialização e sistematização do conhecimento implícito da língua” (DUARTE, 1998). Assim, se a gramática explícita é um dos domínios mais importantes do estudo da língua materna, como ensiná-la de forma eficaz? Que estratégias e métodos poderá o professor utilizar para que a sua aprendizagem surta os efeitos desejados? Em nosso entender, deverá ser ele a criar estratégias para que o ensino/aprendizagem da gramática seja bem sucedido e não resulte num tormento para os alunos. DELGADO-MARTINS & DUARTE (1993) sugerem o ensino da gramática a partir de atividades muito práticas: “Partir do jogo para reconhecer padrões regulares, explorar as várias formas diferentes de dizer coisas semelhantes para concluir do valor semântico de cada uma delas, usar o erro para alargar o conhecimento da língua”. Como referimos anteriormente, consideramos que os conteúdos gramaticais serão mais bem apreendidos a partir de frases do que a partir de textos literários. A literatura pode, de resto, dificultar a compreensão da sintaxe, nomeadamente a identificação das funções sintáticas nucleares de uma frase: sujeito, predicado, complementos. Sendo o texto literário caracterizado pela abundância de recursos estilísticos, há muitas frases cujos constituintes não se encontram na sua ordem básica. A título de exemplo, observe-se a seguinte frase, que constitui parte do hino nacional brasileiro: (1) Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante. A frase (1) não se encontra na sua ordem básica. Tentar explicar aos alunos qual o constituinte que desempenha a função sintática de sujeito seria certamente um “quebra-cabeças”. Seria bastante mais fácil, a nosso ver, identificar essa função, colocando os constituintes na sua ordem direta: (2) As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico. Este exemplo serve para mostrar, por um lado, como o recurso ao texto literário pode dificultar a aprendizagem de um determinado tópico gramatical e, por outro, como criando ou adaptando frases pode ser um método adequado para ensinar conteúdos gramaticais. Tratase, no fundo, de descomplicar aquilo que parece a priori complicado. Nesta perspetiva de clareza e simplicidade, apresentamos seguidamente algumas propostas de atividades que os professores podem realizar, de modo a tornar o ensino da gramática mais interessante e proveitoso.

7

Um dos domínios gramaticais estabelecidos nas Metas Curriculares de Português para o 5.º ano do Ensino Básico é a morfologia. Neste domínio, o aluno deverá ser capaz de: (i) “deduzir o significado de palavras complexas a partir dos elementos constituintes (radical e afixos); (ii) “detetar processos de derivação de palavras por afixação (prefixação e sufixação). Para a concretização destes objetivos, sugerimos a seguinte atividade:

ATIVIDADE «PARTE A PALAVRA» Tendo em conta o que aprendeste sobre os processos de formação de novas palavras, preenche o quadro seguinte, seguindo os exemplos:

Elementos constituintes reconstruir infelizmente juizinho desarrumação carinhoso espanhol anormal desobedecer

re + construir in + feliz + mente

Palavra derivada por prefixação X

Palavra derivada por sufixação

Palavra derivada por prefixação e sufixação X

No âmbito da sintaxe, o aluno deverá “Identificar numa frase as seguintes funções sintáticas: sujeito (simples e composto), vocativo, predicado, complemento direto, complemento indireto”. Sugerimos a seguinte atividade para a concretização desse objetivo:

ATIVIDADE «CAÇA ÀS FUNÇÕES SINTÁTICAS» Recorda o que aprendeste sobre funções sintáticas e responde às perguntas que se seguem: - O sujeito é a expressão nominal que desencadeia a concordância verbal e que pode ser substituída pela forma nominativa do pronome pessoal (eu, tu, ele, nós, vós, eles): O professor elogiou os trabalhos dos alunos. Ele elogiou os trabalhos dos alunos. - O vocativo representa a pessoa a quem nos dirigimos. Isola-se sempre por vírgula: Marta, vem cá depressa! - O complemento direto é a expressão nominal que pode ser substituída pela forma acusativa do pronome pessoal (-me, -te, -o, -nos, -vos, -os): O professor entregou os testes aos alunos. O professor entregou-os aos alunos. - O complemento indireto é a expressão preposicional que pode ser substituída pela forma dativa do pronome pessoal (-me, -te, -lhe, -nos, -vos, -lhes): O professor entregou os testes aos alunos. O professor entregou-lhes os testes.

8

1. Sublinha o sujeito das frases que se seguem, conforme o exemplo, e indica se se trata de um sujeito simples ou composto: Ex.: O pai do Afonso comprou um carro novo. (a) A Joana e a irmã saíram da sala sem ninguém ver. (b) Naquela noite, as estrelas brilhavam cintilantes. (c) Tu sabes falar inglês? 2. Indica a função sintática das expressões sublinhadas nas frases seguintes: (a) O professor corrigiu os testes. (b) O professor entregou os testes aos alunos. (c) Era muito bonito o vestido da Beatriz. (d) Meninos, façam pouco barulho!

Consideramos que é muito mais profícuo ensinar conteúdos gramaticais sem recurso a textos literários, porque acreditamos que, estando os alunos concentrados e envolvidos no conteúdo de um texto, dificilmente ganharão o gosto pela gramática, pelas suas regras e especificidades. Em suma, procurámos mostrar como a gramática e a literatura podem ser estudadas em contexto de sala de aula de forma adequada e eficaz sem se inter-relacionarem.

REFERÊNCIAS BRUNS, Cristina Vischer (2011). Why Literature? The Value of Literary Reading and What it Means for Teaching. New York: The Continuum International Publishing Group. CHOMSKY, Noam (1994). O Conhecimento da Língua, Sua Natureza, Origem e Uso. Lisboa: Caminho. DAMÁSIO, António & Hanna Damásio (2004). “O Cérebro e a Linguagem”. In Viver Mente & Cérebro Scientific American, Ano XIII N.º143. DELGADO-MARTINS, Raquel & Inês Duarte (1993). «Brincar com a linguagem, conhecer a língua, fazer gramática», em Fátima Sequeira (org.), Linguagem e Desenvolvimento, Instituto da Educação, Universidade do Minho. DUARTE, Inês (1998). “Algumas Boas Razões para Ensinar Gramática”. In 2.º Encontro de Professores de Português. A Língua Mãe e a Paixão de Aprender. Actas. Porto: Areal. FROMKIN, Vitoria & Robert Rodman (1993). Introdução à Linguagem. Coimbra: Livraria Almedina.

9

HOUDART-MEROT, Violaine (2011). “Por um humanismo contemporâneo: Algumas propostas para ensinar hoje a literatura”, Palavras, 39/40. Lisboa: APP, Primavera-Outono, 2011, pp. 103114. LEITE, Sara de Almeida & Sandra Duarte Tavares (2015). Gramática Descomplicada. Lisboa: Planeta. MATEUS, Maria Helena (2000). Que gramática saber? Que gramática ensinar? In “Diacrítica”, nº 3-4. Braga: Universidade do Minho. NUSSBAUM, Martha (2010). Not for Profit: Why Democracy Needs the Humanities. Princeton: Princeton University Press. PANIZON, Paola (1992). Como Funciona o Nosso Cérebro, Janelas para Ver As Coisas Por Dentro. Edições Asa. PRADL, Gordon M. (1996). Literature for Democracy: Reading as a Social Act. Portsmouth: Boynton/Cook. SUMARA, Dennis J. (2002). Why Reading Literature in School Still Matters: Imagination, Interpretation, Insight. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates. RESTAK Richard (1989). O Cérebro Humano. Lisboa: Editorial Presença. ROSENBLATT, Louise (1978). The Reader, the Text, the Poem: The Transactional Theory of the Literary Work. Carbondale and Edwardsville: Southern Illinois University Press, 1994. SIM-SIM, Inês (1998). Desenvolvimento da Linguagem. Lisboa: Universidade Aberta. WILHELM, Jeffrey D. & Bruce Novak (2011). Teaching Literacy for Love and Wisdom: Being the Book and Being the Change. New York: Teachers College.

10

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.