LIVRO DE POESIA ILUSTRADO - Projeto feito à mão

July 11, 2017 | Autor: Júlia Contreiras | Categoria: Graphic Design, Typography, Visual Arts, Arts and Crafts, Woodcuts
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LIVRO DE POESIA ILUSTRADO PROJETO FEITO À MÃO

LIVRO DE POESIA ILUSTRADO PROJETO FEITO À MÃO

Julia Contreiras orientadora: Clice Mazzilli

Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Curso de Design Trabalho de conclusão de curso II 1º semestre de 2015

agradecimentos

Ao meu avô. Aos meus pais. A Ricardo e Márcio, técnicos do LPG. A Irene Machado e Clice Mazzili, orientadoras. A Marco Buti e Augusto Sampaio, professores.

sumário

RESUMO

P.09

INTRODUÇÃO

P.10

A POESIA DE MEU AVÔ

P.19

O PROCESSO

P.21

os tipos móveis no lpg

P.27

as xilogravuras

P.43

a encadernação

P.79

O FAZER COM AS MÃOS

P.97

o caderno de projeto

P.101

bibliografia

P.112

do livro ilustrado de uma maneira prática, feita à mão. O projeto é de leitura, releitura, interpretação, compreensão, desenho, entendimento, proposição, investigação, montagem, gravação, entalhe, entintagem, impressão, costura, refile. É um projeto de design gráfico, que une a poesia, os tipos móveis e a xilogravura em um objeto livro, feito de papel, tinta e linha. Este é um trabalho sobre o design gráfico produzido e pensado com o uso das mãos, do desenho no papel, do entalhe na madeira, da diagramação com o chumbo e da impressão por pressão.

tipos móveis do lpg

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resumo

Este projeto de conclusão de curso aborda o tema

introdução

Para introduzir o tema do livro ilustrado, sob a perspectiva em que trabalhei a teoria durante o primeiro semestre de 2014, apresento alguns trechos extraídos do meu trabalho de conclusão de curso 1, onde abordei o livro ilustrado para adultos, a relação do desenho e do artista e uma visão semiótica sobre a interpretação e geração de relações entre imagens e texto no contexto

A ilustração presente no contexto literário não exige menos competência de leitura, seja o leitor adulto ou criança, sua função não é a de facilitar ou auxiliar a compreensão do texto. Ainda assim, nota-se uma certa resistência por parte do público adulto no que tange ao livro ilustrado de literatura adulta. Essa resistência se observa, em parte, nas livrarias, onde encontramos a sessão de livros infantis ilustrados e a sessão de literatura adulta em geral. E o livro de literatura adulta ilustrado, onde se encaixa? Talvez nas edições comemorativas e especiais, em sua maioria, nas quais a ilustração agrega um caráter de obra de arte para o livro. Há uma equivocada concepção de que a ilustração empobrece a leitura, excluindo a possibilidade da imaginação por parte do leitor. Porém, o público para o livro ilustrado adulto vem crescendo, principalmente em países como a França, aonde existem editoras, como a Les Oiseaux de Passa-

poesia montada com os tipos móveis

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o livro ilustrado para adulto

literário.

ge, especificamente voltadas para a publicação

mente, maior, podendo assim interferir na sua

de livros de literatura ilustrado para leitores

interpretação pessoal de maneira lógica. Des-

fluentes.

sa forma, o leitor adulto faz com que análises

Nesse contexto, as imagens de um livro não

muito diversas e interessantes, do ponto de

devem, necessariamente, estar vinculadas ao

vista da construção intelectual e controlada do

ponto da narrativa em que se encontram fisica-

raciocínio, possam acontecer.

mente, elas são livres para tecer relações com presentes todas em um livro objeto, estão necessariamente conectadas umas às outras conceitualmente. A costura conceitual que se tece na leitura de um livro ilustrado é imprevisível e varia de acordo com o ponto de vista do leitor. Sendo assim, a ilustração pode dar ênfase a determinados aspectos do texto e ao mesmo tempo refletir a leitura criativa pessoal do ilustrador, sua compreensão dos significados, suas interpretações.

a ilustração e o artista

o contexto geral do texto verbal e ainda assim, A palavra “ilustração” pressupõe uma relação de dependência unilateral, em que a imagem estaria a serviço do contexto verbal. Porém, a ilustração estabelece relações muito mais complexas e variadas com o texto escrito, transgredindo as divisões físicas as quais cada código, o da imagem e o da escrita, são impostos. Dessa forma, tanto o elemento textual como o gráfico podem funcionar de maneira autônoma e ao mesmo tempo dialogar entre si, gerando uma relação de interdependência, em que a compreensão dos significados se dá pelo conjunto da página. René

aspectos básicos de um livro ilustrado: o texto

Magritte acreditava que o termo “ilustração” faz

verbal, a imagem e o objeto livro. Assim, cada

entender que a imagem estaria subjugada ao tex-

pequena escolha no projeto de um livro ilus-

to escrito, num nível inferior. Assim, trans-

trado afetará no interpretante final, de forma

gride o termo “ilustração”, trazendo o conceito

que ao entrar em contato com o objeto, o leitor

do encontro (rencontre heureuse), onde a imagem

preenche os vazios de significados entre texto

e o texto, quando se encontram num determinado

verbal e imagem, compreende e inventa signi-

contexto, promovem uma significação imprevisível.

ficações outras. Como disse Marcel Duchamp “a

Quando esse encontro é feliz, os laços formados

obra se completa com o público“, o adulto, en-

pela junção da imagem com o texto não podem ser

tão, participa da construção e interpretação

desfeitos. O encontro eleva os signos ao patamar

de significados de maneira mais complexa que

da imprevisibilidade de interpretantes. Rela-

a criança, pois seu repertório é, inevitavel-

ções inesperadas, tanto por parte do ilustrador

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A compreensão dos significados se dá pelos 3

quanto por parte do autor, podem se revelar na

Por fim, a ilustração deve se manifestar como

interpretação do leitor na medida em que cada

uma expressão artística livre, em que o texto

leitura é inédita e particular ao olhar de cada

literário se comporta como um impulso criativo

indivíduo.

para a composição de signos e não como receita

Magritte acreditava que o termo ilustração

ou limitante.

ilustre”, ou seja, que a ilustração transformasse o livro em algo formidável e que houvesse uma dependência equivalente entre ilustração e texto. Seus trabalhos mais importantes no contexto literário foram realizados em 1945, quando ilustrou Les Chants de Maldoror de Ducasse com 77 desenhos surrealistas, realizados em bico de pena. Juan Miró também contribui muito para os estudos teóricos e práticos do papel da ilustração no contexto literário. As-

a leitura semiótica

só poderia ser usado se quisesse dizer “tornar A leitura semiótica, como ferramenta de análise e compreensão de informações, será utilizada no ponto de vista da análise de signos e sua relação com os significados, com o objetivo de mergulhar nos múltiplos sentidos de uma obra literária ilustrada. Dessa forma, apurar o olhar para o desenvolvimento de trabalhos mais significativos na criação de imagens dentro de um projeto de livro ilustrado para adultos. Para tanto, é necessário que alguns conceitos sejam pontuados.

sim como Magritte, Miró fala sobre o encontro,

O aspecto principal da análise semiótica é

mas o encontro do ilustrador com o escritor, do

observar a movimentação dos signos codificados

interesse mútuo de cada um no trabalho do outro

dentro de suas linguagens específicas. A semiose,

e na criação em conjunto de uma obra completa.

como a ação do signo é sempre distinta à cada

Volta-se para os aspectos que envolvem a cria-

leitura de texto e apresenta, assim, um sistema

ção do livro, arquitetura e espírito do texto.

de codificação, decodificação e recodificação de informações, na medida em que nunca determina um ponto final para interpretações. Nesse sentido,

Paul Éluard, refletindo um exaustivo trabalho

podemos inferir que um texto verbal literário

de cerca de 11 anos e de grande qualidade for-

tem um potencial infinito no aspecto de inter-

mal, em que artista, autor, editor e impressor

pretações ilustrativas. Dessa forma, possibilita

trabalharam em conjunto. As ilustrações de Miró

que cada manifestação gráfica individual de um

são, sobre tudo, formas geométricas que fogem

artista, seja de diferentes indivíduos ou seja

da figuração e trabalham ludicamente com as co-

do mesmo indivíduo em momentos diferentes, é

res e o branco da página na vizinhança no texto

distinta e desencadeia uma semiose única. Essa

de Éluard.

questão fica clara quando observamos as ilus-

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Em 1958, cerca de 80 xilogravuras de Miró são publicadas no livro “À Toute Épreuve” de

trações feitas por Gustave Doré e por Salvador

configuram uma linguagem que pode ser recodifica-

Dalí do mesmo texto literário da história de Dom

da para outra linguagem e assim por diante, sem

Quixote de Miguel de Cervantes. Os contrastes

que, nesse processo de tradução intersemiótico,

gráficos, tanto do traço quanto do detalhamento,

sejam perdidos significados. Dessa maneira, en-

são tão distintos entre si que as diferenças

tende-se que o texto verbal literário é uma co-

dos contextos em que as ilustrações foram pro-

dificação de idéias que poderão ser decodificadas

duzidas ficam evidentes. Charles Sanders Peirce

a partir de uma leitura analítica por parte do

trabalhava com a relação triádica da semiótica,

ilustrador. Dessa análise, os significados se-

em que signo, objeto e interpretante atuam como

rão recodificados dentro de uma outra linguagem,

agentes da semiose. O signo está na posição de

como a da arte, completando um sistema modeli-

representar, através de códigos de uma lingua-

zante. O mesmo processo acontece na análise do

gem, um objeto específico e o interpretante seria

leitor, possibilitando uma compreensão e geração

a possibilidade de interpretação de um leitor

de sentidos dinâmica, onde os códigos são sempre

de acordo com as circunstâncias, fundamentando

transpostos de linguagem para linguagem, inter-

uma relação dinâmica. Essas circunstâncias são

calando-se com o pensamento interpretativo. A

aspectos como a cultura, a sociedade, o tempo, o

forma como o texto escrito e o texto ilustrativo

repertório pessoal de cada um, bem como as emo-

conversam dentro de uma página do livro é conhe-

ções e características específicas no momento em

cido como diagrama e a leitura dessa composição

que a leitura dos signos é realizada. Com isso,

é sempre um pensamento diagramático, em que a

podemos afirmar que as variações nas caracterís-

linearidade não existe, mas sim os processos as-

ticas e contexto de um leitor em contato com um

sociativos e relacionais.

texto é tão definitiva para o interpretante final como a interpretação pessoal do ilustrador. As imagens, assim, assumem uma autonomia no momento em que são concebidas, se tornando independentes das intenções ou objetivos do artista, já que o preenchimento de lacunas por parte do leitor é algo significativo para uma análise semiótica. A semiótica da cultura entende que o trabalho de códigos na construção de linguagens culturais se

1 MEURER, Clio. Miró, Magritte: sobre a ilustração li-

comporta como um sistema modelizante, em que um

terária como tradução intersemiótica. 2008.

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conjunto de códigos de uma situação específica

trabalho prático seria projetar um livro ilustrado de literatura para leitores fluentes. Dessa forma, passei a investigar que tipo de texto eu usaria como base: um romance já publicado, um texto inédito, prosa ou poesia. Ainda durante essa investigação, recebi a notícia de que haviam encontrado uma caixa de meu avô na antiga casa em que morava em Brasília. Fui informada de que na caixa havia dezenas de poemas de sua autoria, bem como fotografias e documentos antigos. A caixa foi enviada para a minha casa e, no final do primeiro semestre de 2014, pude ler as poesias de meu avô pela primeira vez. Descobri, então, que meu avô tinha a intenção de publicar seus 100 e tantos poemas na forma de um livro. Porém, por algum motivo desconhecido, não chegou a concluir esse projeto. Foi então que decidi voltar o meu projeto prático para a produção de um livro ilustrado dessas poesias. Carlos Fernandes era meu avô materno e faleceu em 2010 por problemas no coração. As poesias falam de suas lutas políticas pela liberdade, pela justiça e pela igualdade. Falam do amor, no nível mais mundano ao mais transcendental. Falam de esoterismo e de todas as suas crenças na busca pela consciência. Falam de seus companheiros, seus amigos, suas amadas, suas filhas. Guardo um enorme carinho pelo meu avô, um homem “místico”, como o diziam seus amigos. Dedico esse trabalho a ele e a todos que tiveram a oportunidade de conhecê-lo.

carlos fernandes, 1958

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a poesia de meu avô

Durante o desenvolvimento do TCC1, defini que meu

teve início ainda no primeiro semestre de 2014, em paralelo ao desenvolvimento da primeira parte do TCC1, em que foquei, de maneira teórica, a questão do livro ilustrado para adultos. Em 2014, entre o TCC1 e o TCC2, pude experimentar técnicas, estudar procedimentos, conhecer o trabalho de artistas, visitar exposições e produzir experimentos. Decidi que deveria trabalhar com a xilogravura quando assisti a uma palestra na FAU USP onde um artista apresentou seu trabalho de ilustração para livros em que utilizava a gravura, os carimbos, o linóleo e a madeira para produzir imagens gravadas no papel. O processo e as possibilidades envolvidas me intrigaram e foi, então, que decidi investigar esse meio. Obtive minhas primeiras goivas, tintas, rolo de entintar e experimentei a gravação no linóleo. Os primeiros testes de impressão foram decisivos para que me decidisse pela técnica, já que todas as características intrínsecas a esse processo me interessaram tanto pela sua dificuldade quanto pela possibilidade de multiplicação. No segundo s emestre de 2014 me matriculei em uma matéria optativa na ECA ministrada pelo professor Marco Buti, onde pude conhecer melhor a história e as técnicas relacionadas à xilogravura. Ao longo do semestre tive contato com a gravura na madeira, testando suas durezas, dificuldades e possibilidades de texturas e gravação.

minha mão após trabalho no lpg

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o processo

O processo do meu trabalho prático neste TCC2

Ao longo dessa disciplina ficou claro para mim

cronograma. Segundo meu rascunho inicial, preci-

o seguinte fato: Os tipos móveis e a xilogravura

saria de muito mais que 6 meses para realizar o

caminharam juntos na história das artes gráficas

trabalho da maneira que eu via como correta. As-

e obedeciam aos mesmos processos de impressão.

sim, percebi que seria impraticável, com apenas

Ambas as técnicas funcionam à partir de matrizes

5 meses de trabalho até a entrega final em junho

em que o relevo é entintado e impresso em um su-

de 2015. Adaptei o cronograma para um trabalho a

porte quando aplicado a uma determinada pressão.

ser realizado entre o mês de dezembro de 2014 e

Essa forte relação me fez optar também pelo uso

junho de 2015.

dos tipos móveis em meu trabalho de conclusão de curso.

Em dezembro, durante as férias, concluí o planejamento do livro, incluindo papéis, dimensões

Com a definição das técnicas a serem trabalha-

gerais, dimensões das xilogravuras, diagrama-

das, li e reli incessantemente mais de 100 poe-

ção básica das poesias e encadernação. Com essa

sias de meu avô, a fim de encontrar um filtro capaz

base, pude iniciar as etapas seguintes mais es-

de unir algumas poucas delas para a realização

pecíficas a cada processo. De janeiro até feve-

do livro ilustrado. Dessa forma, dentre muitas

reiro, montei as poesias com os tipos móveis e

seleções, defini que o livro conteria 20 poesias,

fiz as impressões. De março a abril, gravei as

já que as técnicas a serem utilizadas, os tipos

xilogravuras. Em maio imprimi as xilogravuras e

móveis e a xilogravura, demandariam muito traba-

fiz as encadernações. Durante todo esse processo

lho na execução e impressão.

documentei cada passo com vídeos, fotografias,

OS critérios utilizados para a seleção das

anotações e desenhos.

poesias foram: 1) As poesias que mais me lembram

Foi um processo bastante complexo e que exigiu

o meu avô; 2) As poesias que mais se aproximam

um enorme planejamento e organização para que,

aos assuntos e interesses que permeiam a minha

no fim, eu pudesse apresentar esses 30 livros

vida nesse momento. Assim, com as 20 poesias

originais feitos à mão.

selecionadas em mãos, iniciei o planejamento do livro. Considerei a futura encadernação e as infinitas alterações que poderiam vir a surgir, bem como os papéis disponíveis, a facilidade de manuseio do material e muitos outros critérios a serem detalhados mais a diante. Ainda no fim de 2014, esboçando as caracte-

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rísticas físicas do livro, decidi rascunhar um

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USP e situa-se no prédio anexo da faculdade. Nesse laboratório há um espaço reservado para a Tipografia, onde se encontram diversas famílias tipográficas nas gavetas de tipos móveis, disponíveis para o uso dos alunos. Os tipos móveis são de chumbo e foram produzidos pelas fundidoras brasileiras Funtimod e Manig. No início de janeiro, fui ao LPG conversar com os técnicos, Ricardo e Márcio, sobre o meu projeto e a possibilidade de realizá-lo no LPG. Eles me apresentaram o catálogo de tipos disponíveis e se prontificaram a me auxiliar na montagem e impressão das 20 poesias. Nessa primeira visita ao LPG, selecionei a fonte que usaria para meu projeto, a ESCRITURA À MÁQUINA. Essa fonte é baseada na máquina de escrever e só estava disponível no corpo 10. Havia 3 gavetas desses tipos móveis que correspondiam a fonte que eu usaria, porém apresentavam pequenas variações, de uma gaveta para outra, de acordo com a fundidora em que tinham sido produzidos. Meu projeto se limitou a utilizar apenas essa fonte, nesse corpo, aplicada às poesias, títulos, dedicatória e créditos do livro. A montagem das matrizes das poesias foi algo demorado e muito trabalhoso. Há uma série de regras, limitações e possibilidades nesse processo que pautam a construção de um grid a partir da justaposição de infinitas peças de chumbos de tamanhos e espessuras variados. A compreensão dos sistemas métricos envolvidos nessa montagem

gaveta de tipos - escritura à máquina

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os tipos móveis no lpg

O LPG é o Laboratório de Produção Gráfica da FAU

BARRAS DE CHUMBO

é crucial para que o trabalho seja executado de uma maneira ágil e sistemática. Os cíceros, os pontos, e os furos são elementos desse sistema com os quais tive que lidar, compreendendo suas funções e padrões, a fim de manter a diagramação projetada em todas as poesias. As etapas para a montagem e impressão de uma poesia foram as seguintes: 1) ANTES DE COMEÇAR: Preparava a mesa de trabalho, trazendo a gaveta de tipos para perto, abrindo a gaveta de espaços a serem utilizados, posicionando o meu caderno entre a gaveta e a poesia a ser montada e recolhendo os materiais necessários para a montagem, como a pinça e o componedor. As gavetas obedecem a ordem da gaveta francesa, em que cada compartimento abrigada uma letra maiúscula, letra minúscula ou sinal, dispostas de acordo com uma ordem específica. Cada compartimento tem um tamanho determinado de acordo com a reincidência daquela letra ou sinal na língua francesa. Por exemplo, a letra “e” é a mais usada na língua, então seu compartimento de caixa baixa (letra minúscula) é o maior e que contém mais peças. As gavetas são muito pesadas quando estão bem cheias, mas é preciso trazê-la para a mesa de trabalho, já que é preciso retornar a ela com muita frequência. No meu caderno de projeto, havia um esquema que me indicava em qual compartimento da caixa estava localizada determinada peça. Nesse caderno

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mesa de trabalho no lpg

plataforma de montagem, selecionando o texto da

Início da montagem da poesia

eu também anotava o dia em que estava trabalhando, o número da poesia a ser montada, bem como a gaveta específica da qual retirava as peças para compor a matriz. 2) MARGEM: Determinada as dimensões máximas da poesia, eu posicionava uma margem superior e outra lateral direita, que, vistas na matriz, aparecem em lados invertidos. O título da poesia era posicionado verticalmente, encaixado à margem lateral, na medida que ficasse perpendicular aos versos da poesia. Cada poesia obedece a um alinhamento diferente entre o título e o primeiro verso. Dessa maneira, após planejado o alinhamento, eu posicionava as peças de chumbo de uma forma a determinar a altura da posição do primeiro verso. 3) COMPONEDOR: Cada linha da poesia era, primeiramente, montada, letra a letra, espaço a espaço, no componedor. Esse instrumento auxilia na montagem, na medida em que permitia que eu me movimentasse da gaveta de tipos até a plataforma de montagem, segurando-o na mão esquerda. Com a e posicionando-a sequencialmente no componedor. Quando a linha estava pronta e exatamente na largura máxima da matriz, ela era transferida com uma peça de 1 ponto, da mesma largura, até a matriz situada na plataforma de montagem. Essa transferência era feita com muita calma e atenção, segurando com as duas mãos e exercendo uma pressão nas duas extremidades da linha, para que as peças não caíssem no meio do caminho.

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componedor

mãos direito, ia escolhendo cada peça na gaveta

gaveta de espaços

4) FINALIZAÇÃO: Após montar todas as linhas e transferi-las para a matriz na plataforma de montagem, era preciso acertar as pequenas diferenças de largura das linhas e encaixar uma margem após a última linha, para que fosse formado um retângulo fechado de peças justapostas. As peças de espaços servem para separar uma palavra da outra, mas também são usadas para completar pequenos vazios em cada linha. Dessa forma, todas as linhas deveriam estar com a mesma largura, independente da quantidade de letras que cada uma continha. Em seguida, era necessário várias voltas para que fosse feita a pressão necessária que mantivesse a matriz com sua peças unidas. 5) PROVA E IMPRESSÕES: Por fim, a matriz pronta e amarrada era transportada para uma chapa metálica até a mesa de impressão para que fosse tirada a prova. A movimentação da matriz era feita apenas arrastando-a para os lados, com calma e precisão. O barbante é responsável por manter as pecas unidas, mas não garante pressão suficiente para que a matriz seja suspendida. A prova era feita entintando a matriz com o rolo e a tinta tipográfica preta, arrastando-a para o prelo e posicionando uma folha qualquer sobre a matriz. Passando o prelo sobre a folha e a matriz entintada, eu obtinha a uma prova impressa, onde podia verificar pequenos erros ou ajustes a serem feitos. Cada ajuste a ser feito, após a matriz estar montada, devia ser realizado com o auxílio

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poesia montada

amarrar um barbante ao redor da matriz, dando

papéis

da pinça que delicadamente retirava a peça errada e a substituía pela peça certa, posicionando-a exatamente no mesmo lugar. Se o erro fosse maior, como o esquecimento de uma letra, de uma palavra ou linha, era necessário levar a matriz para a plataforma de montagem novamente, soltar o barbante e corrigir o erro acertando os espaços e todos os outros detalhes da matriz. Em uma das provas impressas, eu anotava o código da gaveta que tinha utilizado para a montaconcluídas todas as impressões, os técnicos do LPG pudessem desmontar as matrizes e guardar cada peça em seu devido lugar. Após esse processo de prova, as matrizes estavam prontas para serem impressas nos papéis definitivos dos livros. Dessa forma, todas as matrizes a serem impressas era levadas para a mesa de impressão, a tinta era preparada e o prelo era limpo para que não houvesse resíduos de outras impressões. O prelo é uma prensa manual composta por uma mesa e um rolo que se movimenta sobre dois suportes laterais e ao ser puxado na direção da matriz e do papel, exerce uma pressão capaz de transferir a tinta aplicada à matriz para o papel. Os papéis que utilizei para a impressão das poesias, e posteriormente das xilogravuras, foram selecionados de acordo com a sua disponibilidade, gramatura, textura, cor e preço. Selecionei 4 tipos de papel, de 4 gramaturas diferentes, a fim de produzir efeitos distintos na impressão

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impressões na grade de secagem

gem. Esse procedimento era feito para que, após

instrumentos para impressão

das matrizes. As gramaturas dos papéis escolhidos eram de 240g/m2, 190g/m2, 70g/m2 e 41g/m2. Cada papel se comportou de uma maneira completamente diferente no momento em que entrava em contato com a pressão do prelo sobre a matriz. Os mais rugosos, exigiam mais tinta na matriz, para que todos os detalhes fossem transferidos. Os mais finos apresentavam uma marca em baixo relevo, por conta da pressão exercida pelo prelo. Foram feitas 144 impressões do papel 120g/m2, papel 240g/m2 e também 60 impressões do papel 41g/m2. As páginas foram impressas frente e verso, de acordo com a paginação do livro, somando mais de 600 impressões no total. Essas mais de 600 impressões significam, mais de 600 vezes em que o rolo passou na tinta e depois na matriz, mais de 600 vezes que a folha virgem foi posicionada sobre a matriz, obedecendo a um registro e mais de 600 vezes que o prelo foi passado sobre a matriz e a folha de papel. Ou seja, foi um processo repetitivo e bastante metódico. Depois de alguns dias montando 3 ou 4 matrizes, em apenas um dia eu imprimia todas as páginas correspondentes à um lado das folhas. Colocava as folhas impressas para secar na grade e no dia seguinte retornava para continuar o processo. Imprimia então o verso dessas folhas já secas e novamente as colocava na grade de secagem. Esse processo foi repetido várias vezes, até que todas as matrizes fossem montadas e impressas em todas as folhas.

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matrizes no prelo

144 impressões do papel 70g/m2, 60 impressões do

41

impressões sobrepostas. folhas de proteção do prelo

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do Brasil que atinge até 30 metros de altura. É muito utilizada para recuperar ecossistemas degradados e gera uma infinidade de utilizações, entre elas, a artística. Optei pelo uso do cedro-rosa para gravar as matrizes das ilustrações, pois se mostrou ser muito versátil em termos de entalhe. Nela, percebi que conseguiria gravar retas finas, planos, curvas e detalhes sem que houvesse muita interferência dos veios, da sua dureza e dos possíveis nós. Ao mesmo tempo, como a dureza da madeira não era de alto grau, a força aplicada em sua superfície pelo entalhe, gera uma série de pequenos detalhes imprevistos no desenho prévio. Ou seja, o desenho pensado nunca se aplica exatamente na superfície da madeira e as surpresas sempre surgem no meio do processo. Nem todas as lascas de madeira estão destinadas ao desenho a que são impostas. Nesse sentido, o desenho e o redesenho de uma gravura são dinâmicos, na medida em que o gravador aceita os imprevistos ou os contorna, transformando-os e adaptando-os à imagem final. No início do projeto, eu não havia feito nenhum esboço de como seriam as ilustrações e ainda não havia planejado se o desenho obedeceria a planos geométricos, à formas orgânicas, a detalhes minuciosos ou se seriam uma mistura disso tudo. Dessa forma, optei pelo cedro-rosa, madeira da qual eu já tinha um certo conhecimento das características e comportamento.

matrizes de Xilogravuras

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as xilogravuras

A madeira cedro-rosa vem de uma árvore nativa

Antes de desenvolver qualquer imagem, o proje-

Em março, quando já havia finalizado e impresso

to exigia que eu planejasse toda a diagramação do

todo o trabalho com os textos das poesias, vol-

livro, incluindo as dimensões das ilustrações.

tei-me para o desenvolvimento das gravuras. Ao

Dessa forma, defini que as ilustrações ocupariam,

longo de todo o processo, enquanto minhas mãos

no máximo, 17 cm de altura por 9 cm de largu-

trabalhavam com os tipos, minha cabeça trabalha-

ra e que estariam presentes acompanhando todas

va com a tradução daquelas palavras. Essa tradu-

as poesias, ou seja, seriam 20. Esse método de

ção intersemiótica, da linguagem verbal para as

pensar o todo primeiramente e partir para os

tantas outras linguagens que existem em nossas

detalhes passo a passo, me ajudou a construir,

mentes é algo constante e infinito. A todo tempo,

aos poucos, a imagem do livro como um objeto

lendo os versos das poesias enquanto as montava

composto por diversos elementos e, posteriormen-

na tipografia, imagens eram construídas, descons-

te, criar essas imagens baseadas em idéias mais

truídas e reconstruídas até que algo me fixasse

maduras. Durante o desenvolvimento das poesias

em torno de alguma figura específica. As poesias

na tipografia fiz o que podia para enriquecer meu

foram se encaixando nas definições dessas imagens

repertório sobre a vida do meu avô. Recolhi, na

ao passo que, em certo momento, eu tivesse que

casa da minha avó dezenas de fotos antigas de meu

definir um desenho específico, o sentido de uma

avô, conversei muito com a minha mãe, tentando

linha, o movimento da figura. Esse momento diante

resgatar na mente dela as lembranças de seu pai,

da madeira a ser gravada, com a goiva na mão, foi

entrei em contato com seus amigos, companheiros

quando finalmente me decidi por uma imagem, a fim

de luta, colegas de trabalho, troquei e-mails e

de associá-la a uma determinada poesia. Porém,

recebi relatos.

a mente nunca descansa e as traduções continuam

Em uma madeireira perto da USP, consegui com-

a ser feitas, mesmo quando se grava a superfície

prar, já cortadas nas dimensões que eu especifi-

da madeira. Como ilustradora, eu tive que lidar

quei, os 26 blocos de cedro-rosa. Essa sobra de

com esse processo e me limitar a apenas uma ima-

6 blocos viriam a substituir alguma matriz, caso

gem para cada poesia, para que o projeto fosse

fosse danificada no meio do processo de transpor-

viável. Mas o ímpeto era de construir dezenas de

te de um local para o outro, no tratamento da

imagens e situações que complementassem a lei-

madeira ou no momento do entalhe. Guardei todos

tura de cada poesia individualmente e do livro

os blocos por alguns meses enquanto desenvolvia

como um todo. As poesias de meu avô tratam de temas bastan-

cassem em local seco e abrigado para que não so-

te variados e muitas delas dizem respeito a mo-

fressem deformações por conta da umidade.

mentos bem específicos de sua vida. Dessa forma,

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o trabalho na tipografia, certificando-me que fi-

entre os significados de cada poesia e episódios da vida pessoal de meu avô. O objetivo é de que o livro possa ser apreciado por qualquer leitor e não apenas aqueles que conhecerem meu avô intimamente. Independentemente da minha intenção, essas imagens tem vida própria e podem gerar interpretações das mais variadas, relacionadas às poesias ou não e até totalmente distantes das relações que eu fiz como tradutora. E é aí que mora a beleza de um trabalho de tradução intersemiótica. Nunca se consegue prever ou controlar o olhar do leitor. Quem lê, interpreta a sua maneira, cada dia de um jeito, tecendo relações das mais diversas. O meu trabalho, então, é o combustível para a imaginação combinado a cada repertório específico dos leitores. Primeiramente, pensei em todas as gravuras como uma só. As coloquei lado a lado, numa extensa linha de madeira e desenhei uma linha que transpassasse todas elas. Essa linha definiria o que é chão e o que é céu. Cada xilogravura é um fragmento do que, como um todo, é a linha da vida de meu avô e sua trajetória no mundo. Abaixo da linha, há um relevo que varia de altitude a cada poesia e vai levando o olhar do leitor no sentido da leitura do livro, começando do ponto mais baixo com a primeira poesia e chegando ao mais alto com a última poesia, organizadas cronologicamente. Essa decisão de projeto se deu baseada em algo que muito definia o meu avô: um homem que transitava entre o mundo concreto e o mundo das idéias, dos senti-

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LINHA do relevo nas matrizes

procurei propor imagens que fizessem uma ponte

Gravando uma xilo com a goiva em “u”

mentos, do idealismo e do misticismo. Como diziam seus companheiros “Desce prá Terra, meu amigo!”. Meu avô, então, é o personagem principal das imagens gravadas em madeira. A cada ilustração, esse personagem surge em uma cena que transita entre o relevo sólido do chão e a infinidade do espaço. No desenvolvimento dessas gravuras, utilizei goivas japonesas de aço e um suporte. Dentre os vários tipos de goiva que existem, utilizei apenas duas, a faca e a goiva em “u”. A faca é um instrumento bastante afiado que é utilizado para o desenho de contornos e linhas na madeira. Ela corta a superfície da madeira em todos os sentidos, independente dos veios e depois destaca as menos delicada, foi utilizada para retirar grandes superfícies de madeira, regiões onde a tinta não deveria ser depositada na passagem do rolo. O berço, construído pelo meu pai, é responsável por abrigar a placa de xilogravura, se mantendo firme em relação à mesa de trabalho e oferecendo uma quina onde se encaixam os cantos da placa. A sua principal função é manter a placa de madeira firmemente posicionada e imóvel enquanto o gravurista imprime a força com as ferramentas sobre a sua superfície. Sem o berço, a possibilidade das ferramentas escaparem das mãos, perfurarem a mão que não grava ou até lançarem a madeira longe é grande. A gravação das xilogravuras foi um trabalho bastante elaborado e demorado em que me debrucei intensivamente no mês de Abril, concluindo-as durante um feriado.

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berço e matrizes

lascas a serem retiradas. A goiva em “u”, por ser

53 matrizes prontas

prensa p300

Antes de imprimir as xilogravuras, foi necessário dar um acabamento nas placas de madeira, a fim de preservar o material. Esse acabamento foi feito com a goma laca, preparada em casa. A goma laca é uma resina secretada por um inseto. Esse material é tratado e refinado, até se transformar na matéria prima para a fabricação do verniz. A preparação é uma mistura obtida à partir de 100g da goma laca em forma seca, mais conhecida como “asa de barata”, com 1 litro de álcool 99%. Após 2 dias de cura, a goma está pronta para ser usada. Ela é pincelada na superfície da madeiumidade. A goma também veda os poros da madeira, impedindo que a tinta fique ali depositada e evita que farpas da madeira saiam facilmente, passando para as mãos de quem a manuseia ou se depositando no rolo de entintagem, prejudicando seu desempenho. Optei por fazer as impressões das xilogravuras em casa com uma prensa da marca Trident, modelo P300. Essa decisão foi tomada pois, após algumas contas, concluí que levaria meses para executar as mais de 600 impressões em algum atelier livre, como do Sesc Pompéia onde se encontram diversas prensas de vários tamanho, ou no LPG da FAU que atualmente não dispõem de uma prensa específica para gravura. Até então, eu não tinha utilizado uma prensa para imprimir xilogravuras, apenas o tinha feito manualmente, com o uso de uma colher de pau. A impressão com a colher é prática pois é possível realizá-la a

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berço para a matriz

ra em uma ou duas demãos, a fim de protegê-la da

57 primeiros testes de impressão

do funcionamento de um atelier ou de um técnico de impressão. Porém, no meu projeto, existiam duas questões que me fizeram optar pelo uso da prensa: 1) A impressão com a colher exige muito mais tempo do que com a prensa, além de demandar um esforço tremendo do impressor, já que esse deve pressionar com bastante intensidade a superfície da colher no papel sobre a madeira. Repetir esse processo mais de 600 vezes não seria nada prático; 2) As poesias do livro foram impressas tanto na frente quanto no verso e as xilogravuras também deveriam constar em ambos os lados. Dessa forma, a colher deveria esfregar o papel exatamente sobre a impressão de uma poesia de uma lado para que a imagem da xilo fosse gravada do outro lado. Essa ação certamente danificaria o texto e a folha de papel, amassando ou eliminando sua textura porosa, bem como criando possíveis manchas de tinta. Em apenas uma semana, me decidi pelo modelo da prensa, pesquisei fornecedores, encontrei um local no Brás onde poderia retirá-la imediatamente e adquiri essa peça tão importante para a conclusão do meu trabalho. Durante dias e com muita ajuda do meu pai (meu técnico em impressão, marceneiro particular, improvisador e solucionador de problemas gerais), montamos a prensa e conseguimos calibrar a altura do rolo para que exercesse a pressão exata sobre as xilogravuras e o papel. Desenvolvemos um outro berço em que a xilogravura fosse en-

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impressões secando

qualquer hora, em qualquer local, sem depender

caixada a cada impressão. O berço contém a mesma altura das xilogravuras e uma abertura nas dimensões das placas, onde essas são encaixadas após entintadas para impressão. Dessa forma, era possível manter o rolo sempre na pressão certa entre uma impressão e outra e assim a produção das impressões se tornava mais eficiente. O berço também exerce a função de manter a folha posicionada e estável sobre um grid, já que ela permanece apoiada sobre a sua superfície durante a impressão. Esses pequenos detalhes foram essenciais para que as folhas de papel não amassassem e ficassem com marcas indesejadas quando prensadas sobre a xilogravura. Optei por utilizar a tinta à base de água por 3 motivos: 1) A tinta à base de água confere uma textura aveludada e opaca às impressões, diferenciando-se da tinta tipográfica utilizada para impressão das poesias. 2) A tinta à base de água tem um tempo de secagem muito curto, o que facilitaria toda a logística de impressão frente e verso e manuseio das folhas. O processo foi repetido mais de 600 vezes e levou algumas semanas, apenas. Com a tinta à base de óleo, cuja secagem é muito demorada, esse tempo, no mínimo, dobraria. 3) É muito simples limpar a tinta à base de água das mãos e dos objetos. Dessa forma, apenas com um pano úmido, eu conseguia manter minhas mãos limpas para que manuseasse as folhas de papel sem manchá-las. Defini que escolheria mais duas cores, além

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do preto, para inserir nas xilogravuras. Optei

por um vermelho sangue bastante saturado, cuja vibração remete diretamente à posição política de meu avô, suas lutas e seu ímpeto por justiça. Para contrabalancear com essas duas cores muito agressivas, o preto e o vermelho, optei por um azul turquesa escuro. Essa terceira cor acompanhou as poesias mais ligadas aos sentimentos pessoais de meu avô, mais íntimos. O azul também deu origem a uma quarta cor, misturado a tinta branca, que foi utilizada em apenas 2 livros. Procurei experimentar várias formas de utilização dessas 3 cores em conjunto. Primeiramente inserindo o vermelho e o azul em algumas xilogravuras no meio de um livro todo preto. Essas xilogravuras foram entintadas por completo com as tintas azul e vermelho. Alguns livros contêm somente xilogravuras em preto, outros em preto e vermelho e outros em preto, vermelho e azul. Também experimentei entintar uma mesma matriz com duas cores diferentes, separando as curvas do relevo da cena na parte superior. Essa entintagem dupla conferiu uma complexidade ao livro, no folhear das páginas, já que as imagens muito coloridas saltam aos olhos. 
Porém, de todos esses experimentos, acredito que o livro totalmente em preto se aproxima mais da linguagem da xilogravura e dos tipos móveis, conferindo uma

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unidade profunda ao objeto como um todo.

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todas as xilogravuras impressas formando o caminho contínuo

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XiLOGRAVURAS IMPRESSAS EM DUAS CORES

livro impresso. pp. 4 a 11

livro impresso. pp. 12 a 19

livro impresso. pp. 20 a 27

livro impresso. pp. 28 a 35

livro impresso. pp. 36 a 43

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projeto realizado com as mãos. Sem nenhuma experiência com a prática da encadernação, pesquisei algumas técnicas, observei livros, estudei os papéis e suas respectivas resistências em relação à agulha e a espessura da linha. Ao produzir alguns experimentos, notei que quanto menor a gramatura do papel, menos furos eram necessários para encaderná-los.Dessa forma, defini uma quantidade de furos para cada um dos tipos de papel nos os quais os livros foram impressos. Os livros de gramatura 41g/m2 tem apenas 4 furos, os livros de gramatura 90g/m2 tem 6 furos, os de 130g/m2 tem 8 furos e, por último, os livros de 240g/m2 tem 10 furos. Primeiramente, precisei dobrar todas folhas no meio, formando as cadernos. Cada livro tem 4 cadernos de três folhas. Em seguida, marquei com um lápis os furos específicos de cada livro, respeitando a lógica das gramaturas que tinha estabelecido. Antes de costurar os cadernos, foi necessário furar as folhas com uma agulha média sobre um suporte de cortiça. Após essa preparação inicial, a costura dos cadernos pôde ser iniciada. A linha vai passando com um agulha pelos furos, saindo e entrando do caderno, a partir do furo mais baixo até o mai alto. Chegando ao mais alto, a linha adentra o próximo caderno pelo furo mais alto e caminha pelos seus furos até o mais baixo. Chegando lá, é feito um nó unindo os dois primeiros cadernos e o processo se repete no caderno

livros encadernados

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a encadernação

A encadernação dos livros foi a última etapa do

reforçar a costura. Esse processo se repete até que todos os cadernos sejam costurados um ao outro. As encadernações foram feitas em três cores de linhas, preto, vermelho e azul, de acordo com as cores das xilogravuras impressas em cada livro. Dessa forma, cada livro segue uma linguagem particular. Algumas encadernações foram feitas com linhas de duas cores, indicando que no conteúdo do livro, há xilogravuras nas duas cores também. E outras foram feitas com uma linha dupla, da mesma cor, no caso do livro de 240g/m2, para que a costura desse conta de manter os cadernos unidos, já que esse livro, especificamente, ficou bastante robusto em relação aos outros 3 tipos. No meu planejamento inicial, o livro seria encapado, encobrindo a sua encadernação e anunciando o título do livro na primeira capa com uma xilogravura. Nessa xilogravura, gravei o título “poemas gravados de meu avô”, seguindo a tipografia utilizada nas poesias do miolo, mas num corpo muito maior. Porém, ao imprimir alguns papéis com a xilogravura destinada para a capa, não fiquei insatisfeita com o resultado, que se distanciou da linguagem do livro. Dessa forma, optei por deixar a costura aparente nas lombadas dos livros e exclui a capa do projeto. Assim, o processo de construção do objeto pode ser visualizado como um todo em sua intimidade, exibindo suas dobras, seus furos e sua costura.

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as 4 encadernações: 10 furos, 8 furos, 6 furos e 4 furos

seguinte, cruzando-se as alças da linha para

O resultado final me agradou muito, na medida em que pude visualizar, em forma de papel, tinta e linha, todo o processo do trabalho de meses, concretizado nesses objetos. Como experimento, também produzi dois livros sanfonados em que uni, em um deles, todas as xilogravuras em preto e no outro, todas as 20 poesias. Costurei, seguindo a mesma lógica da costura dos livros, uma folha à outra, só que dessa vez com 20 furos, para que a junção de duas folhas ficasse mais firme. Obtive, então, um livro, que quando aberto por completo, chega a mais 3 metros de largura. Assim, pode-se visualizar todas as xilogravuras, lado a lado, bem como as poesias também. Esse formato sanfonado permite que a leitura não seja determinada, necessariamente, pela lógica linear. O livro pode adquirir vários formatos e tamanhos, conferindo

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uma experiência poética para o leitor.

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livro sanfona das 20 xilogravuras

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livro sanfona das 20 poesias

senti que era necessário retornar ao princípio dos processos para que pudesse compreendê-los e, de certa forma, dominá-los. Para tanto, precisei abdicar de todos os meus vícios digitais, truques computacionais e soluções automáticas. Assim, me voltei para meus únicos e mais valiosos instrumentos de trabalho: minhas mãos. Pensar e fazer projeto manualmente implica em um grande planejamento de ações. Ainda mais quando se lida com tipos móveis ou com a xilogravura, refazer, apagar ou reprojetar não é simples e, em alguns casos, é até impossível. Lidar com esses dois processos requer treino, e repetição de movimentos para que a habilidade seja conquistada e, então, para que o trabalho ganhe uma fluidez, um ritmo, o meu ritmo. A destreza é adquirida com a regularidade da repetição do movimento, ao passo que a ferramenta se torna uma extensão do gesto. Ao montar os textos com os tipos móveis, as mãos percorrem o mesmo caminho, saindo da gaveta e trazendo as pequenas peças de chumbo para o componedor. A repetição eterna desses movimentos faz com que as suas próprias mãos, em um determinado momento, sem que se perceba, recordem a localização de cada tipo na gaveta, sem que seja necessário olhar o gabarito pendurado na parede ou rabiscado em seu caderninho. A partir desse momento, o trabalho ganha uma fluidez enorme e passa a ser mais gestual do que mental.

minha mão após trabalho com os tipos móveis

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o fazer com as mãos

O projeto foi todo realizado manualmente, pois

O mesmo ocorre com a xilogravura. A intenção de gravar certa linha ou certa curva pode estar muito clara na sua mente mas, nas primeiras investidas, a mão não obedece, a goiva escorrega, a madeira reage inesperadamente. O treino e o contato diário com as goivas na madeira fazem com que, aos poucos, as mãos passem a reconhecer padrões no entalhe. Os calos e bolhas começam a aparecer, indicando que a repetição dos movimentos se intensifica. Nesse momento, as mãos conseguem prever, quase que com exatidão, a profundidade do entalhe produzido com determinada intensidade do gesto. É possível repetir curvas milimetricamente. Mas ainda assim, a madeira sempre guarda surpresas. As lascas estão vivas e quando menos se espera, metade da cabeça de sua figura foi para os ares. O fazer com as mãos deixa marcas no processo. O manuseio do papel, quando se lida com tinta, passa a ser algo bastante complicado. Nem sempre é possível manter as mãos perfeitamente limpas, e então, as marcas, pequenos borrões, amassadinhos e ranhuras vão surgindo, ao passo que, no final de todo o processo, pode-se identificar uma cronologia do manuseio nos próprios objetos. Cada livro segue suas próprias particularidades de impressões, variações infinitas de entintagem, furos mais abertos, mais fechados, dobras mais bem definidas, menos definidas, manchas inesperadas, defeitos de impressão dos tipos e assim por diante. Isso torna cada um deles um objeto

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único, ainda que baseados em matrizes idênticas.

para anotar todas as minhas idéias, definições e esboços. Nele, desenvolvi o grid para a montagem das poesias e desenhei a paginação e organização de cada elemento nas folhas do livro. Dessa forma, o caderno de projeto também serviu como base e referência no momento das impressões, pois continha todas as informações que eu precisava para que as poesias e xilogravuras fossem posicionadas na ordem correta da leitura do livro, respeitando a encadernação futura. Optei pelo uso desse caderno pois não utilizaria o computador em nenhum momento do desenvolvimento do trabalho, exceto na diagramação do relatório e armazenamento de fotografias e vídeos. Dessa maneira, me forcei a colocar as idéias no papel, em forma de desenhos, ao invés de armazenar links na nuvem, o que foi muito importante para toda a concepção do livro como um projeto feito à mão. A utilização de um caderno de projeto foi muito útil, na medida em que no desenvolvimento de um trabalho complexo e cheio de pequenos detalhes, as idéias que surgem não ficam perdidas. Ele funciona como um caderno de lembranças, também, onde eu pude vasculhar por antigas idéias e anotações importantes. Nas próximas páginas estão reproduzidas algumas imagens desse caderno de projeto, exemplificando as anotações de cronograma, de diagramação, de controle de impressões e de idéias.

caderno de projeto no lpg

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O CADERNO DE PROJETO

Desde o início do projeto, utilizei um caderno

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