Livro ENAPEGS (2011) - Descentralizando a Incubação de Empreendimentos de Economia Solidária: A Experiência de Incubação do Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação da Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE

June 1, 2017 | Autor: Maria Laís Leite | Categoria: Nordeste Brasileiro, Economia Social y Solidaria, Incubação
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Descrição do Produto

Gestão Social e Gestão Pública: Interfaces e Delimitações

Lavras – Minas Gerais, Brasil 2011

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REALIZAÇÃO: www.ufla.com.br www.incubacoopufla.com.br

Gestão Social e Gestão Pública: interface e delimitações / José Roberto Pereira, Airton Cardoso Cançado, Jeová Torres Silva Júnior, Ariádne Scalfoni Rigo (orgs.)._ Lavras -MG : Editora Ufla, 2011. 446 p. : il.; 21cm.

ISBN – Solicitar e colocar número do ISBN

1. Gestão Social – Gestão Pública – Educação - Metodologia de ensino 2. Responsabilidade sócio-ambiental 3. Economia solidária 4. Empreendedorismo social 5. Desenvolvimento territorial I. Pereira, José Roberto II. Cançado, Airton Cardoso III. Silva Júnior, Jeová Torres IV. Rigo, Ariádne Scalfoni CDU

Ficha Catalográfica elaborada pela Editora da UFLA

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Gestão Social e Gestão Pública: Interfaces e Delimitações

1ª Edição

Organizadores: José Roberto Pereira Airton Cardoso Cançado Jeová Torres Silva Jr Ariádne Scalfoni Rigo

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SOBRE OS ORGANIZADORES

José Roberto Pereira Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília, mestre e graduado em Administração pela Universidade Federal de Lavras. Coordenador da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da UFLA (INCUBACOOP-UFLA) e do Núcleo de Estudos em Administração Pública e Gestão Social (NEAPEGS), líder do Grupo de Pesquisa em Administração Pública e Gestão Social registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Atualmente é professor Associado da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Pesquisador Mineiro pela FAPEMIG e Bolsista Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora (DT) pelo CNPq. Endereço eletrônico: [email protected]

Airton Cardoso Cançado Doutorando em Administração pela Universidade Federal de Lavras, Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia e Graduado em Administração: Habilitação em Cooperativas pela Universidade Federal de Viçosa. Atualmente é professor assistente da Fundação Universidade Federal do Tocantins. Endereço eletrônico: [email protected]

Jeová Torres Silva Jr Graduado em Administração pela Universidade Estadual do Ceará e Mestre em Administração (ênfase em Gestão Social) pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é Professor Efetivo do Curso de Administração da Universidade Federal do Ceará - Campus Cariri e Coordenador do grupo de pesquisa Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social - LIEGS/UFC Cariri. Em suas atividades profissionais e acadêmicas na área de Administração, atua com as temáticas: gestão social, desenvolvimento territorial, economia solidária, finanças solidárias, associativismo e cooperativismo. Endereço eletrônico: [email protected]

Ariádne Scalfoni Rigo Doutoranda em Administração pela Universidade Federal da Bahia, Mestre em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco e Graduada em Administração de Cooperativas pela Universidade Federal de Viçosa. Atualmente é professora efetiva da Universidade Federal do Vale do São Francisco e Coordenadora do Núcleo Interdisciplinar em Tecnologias e Gestão Social (NIGS). Endereço eletrônico: [email protected]

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Sumário

Prefácio Apresentação INTRODUÇÃO José Roberto Pereira PARTE I GESTÃO SOCIAL E GESTÃO PÚBLICA NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES ENTRE ESTADO E SOCIEDADE

Uma abordagem Normativa para a Gestão Social no Espaço Público Eloisa Helena de Souza Cabral A Relação Entre a Sociedade Civil e o Estado na Formulação de Políticas Públicas na Microrregião de Garanhuns Fernando Guilherme Tenório Lamounier Erthal Villela Anderson Felisberto Dias William dos Santos Melo Jonathan Felix Ribeiro Lopes Fundos Rotativos Solidários: Dilemas na Gestão Social de Recursos Públicos por Comunidades Rurais no Nordeste do Brasil Claricio dos Santos Filho Análise de Eficiência na Alocação de Recursos Públicos Destinados à Educação em Minas Gerais Ambrozina de Abreu Pereira Silva Marco Aurélio Marques Ferreira Luiz Antônio Abrantes Doraliza Auxiliadora Abranches Monteiro Governança Pública: Transparência, Controle e Accountability sob a Ótica da Teoria do Agente Roberto do Nascimento Ferreira Elaine Aparecida Araújo Patrícia Almeida Ashley Luiz Gustavo Camarano Nazareh Antônio Carlos dos Santos

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PARTE II INTERFACES ENTRE GESTÃO SOCIAL, ECONOMIA SOLIDÁRIA E COOPERATIVISMO Implicações sobre o Comércio Justo em duas Cooperativas Agroindustriais: Possibilidades e Limites Luciano Mendes Fabiano Santana dos Santos Prática dos Princípios Cooperativistas: um Estudo de Caso na Cooperativa Adalzisa Moniz em Cabo Verde Élida Suzete Ramos Barbosa Monteiro Airton Cardoso Cançado Vânia Aparecida Rezende de Oliveira Ariádne Scalfoni Rigo Sociograma da Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares André Siqueira Rennó José Roberto Pereira Luiza Michetti Mendes Santos Desenvolvimento Territorial, Geração de Renda e Fortalecimento da Autogestão: Uma Análise da Ação de Incubadoras Universitárias de Cooperativas Populares do Brasil Ives Romero Tavares do Nascimento Jeová Torres Silva Jr A Formação de Formadores na ITCP/UFV: Um Estudo a Partir das Diversas Concepções e das Transformações Simbólicas Pertinentes à Economia Solidária Ayana Zanúncio Araujo Adriano Pereira Santos Gustavo Melo Silva PARTE III RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E MEIO AMBIENTE

Responsabilidade Social nas Empresas de Pequeno Porte - Limitações e Perspectivas: uma Análise em Minas Gerais Simão Pereira da Silva Pereira Kely Cristina Paradelo Gomes Natália Mesquita Desenvolvimento Sustentável ou Modernização Ecológica? Uma Análise Exploratória Luciano Munck 6

Rafael Borim de Souza PARTE IV TECNOLOGIAS SOCIAIS E METODOLOGIAS DE FORMAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL Tão Longe, Tão Perto: Reflexões sobre a Relação entre Gestão Social e Serviço Social como Possibilidade da Inovação e Aprendizagem Edgilson Tavares de Araújo Rosana de Freitas Boullosa Ana Caroline Menezes da Glória Oficina Paulo Freire: Discutindo Metodologias de Incubação Ósia Alexandrina V. D. Passos Ana Georgina Peixoto Rocha Alessandra Bandeira Antunes de Azevedo Aelson Silva de Almeida Um Olhar Sobre a Metatécnica do Devir Educativo do Laboratório Troca de Afetos – LATA Naira Michelle Alves Pereira Maria Vanderleia de Sousa Tatiane Pereira Jorge João Bosco Dumont do Nascimento Gisele de Lima Teixeira Descentralizando a Incubação de Empreendimentos de Economia Solidária: A Experiência de Incubação do Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação da Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE Silvia Roberta Oliveira e Silva Maria Laís dos Santos Leite Raimundo Gomes da Silva Neto Danilo Ivo Feitosa

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Apresentação Este livro é resultado dos trabalhos selecionados no IV Encontro Nacional dos Pesquisadores em Gestão Social (ENAPEGS), e recebeu o mesmo nome do tema dado a este evento pela Rede de Pesquisadores em Gestão Social (RGS) Gestão Social e Gestão Pública: Interfaces e Delimitações. Este tema envolve a discussão a respeito das possíveis imbricações teóricas e práticas destes dois campos de conhecimento, bem como sua delimitação de estudo e de praticas sociais. Nesse sentido, emergem questões de relevância científica que merecem reflexões entre os pesquisadores, como por exemplo, pensar a “gestão social como gestão pública não estatal”. A diversidade de trabalhos apresentados nos três eventos anteriores demonstra que o contexto atual pode ser caracterizado pela profunda rearticulação e redefinição de papéis entre organizações do Estado, do mercado e da sociedade civil. Amplia-se a consciência de que os desafios da atualidade somente podem ser enfrentados por meio da cooperação e da articulação entre agentes governamentais, empresariais e dos mais diversos setores da sociedade civil. Esse cenário mostra a dinâmica interação entre Sociedade, Estado e Mercado, sinalizando para um crescimento das instituições públicas estatais e não estatais como forma de consolidação de nossa democracia. Nesse contexto, os limites entre público e privado, entre público estatal e não estatal adquire cada vez mais importância para definição de políticas públicas coerentes com a realidade de nossas instituições sociais. Neste caso, o “terceiro setor” é exemplar, pois tem-se observado a proliferação de organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos, com gestão privada, mas com fins públicos. É a base para o que tem sido rotulado como uma "revolução associativa global". Sobre o terceiro setor são lançadas grandes expectativas frente ao crescimento das demandas sociais, à redução de funções do Estado e ao crescente desemprego. Atualmente, fundações, associações, setores e programas são criados e voltam-se, principalmente, para a reflexão e ação das empresas na área social. Nesse sentido, a gestão das organizações deve ser orientada pelo e para o social e isto envolve inúmeros desafios. Um dos requisitos fundamentais para atender aos desafios que hoje se colocam no campo da gestão social é a qualificação dos profissionais que atuam nas organizações envolvidas com esses processos, especialmente seus gestores que, além das capacidades básicas para a gestão, devem ter competências específicas e uma reflexão abrangente sobre desenvolvimento e questões sociais. É nesse contexto que o ENAPEGS surgiu e procura, a cada edição, oferecer meios teóricos, práticos e metodológicos para que pesquisadores, professores, estudantes e representantes institucionais conheçam, apresentem e se apropriem do conhecimento gerado na área de gestão social. Por estes motivos, a realização do IV Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social na Universidade Federal de Lavras (UFLA) foi de imensa relevância tanto para a comunidade acadêmica, quanto para a própria sociedade, uma vez que as demandas por profissionais da área de Gestão Social têm aumentado sensivelmente nos últimos anos e, ainda, tendo em vista que tais profissionais e as organizações da sociedade civil desempenham relevante papel de promotores do desenvolvimento institucional de forma sustentável no Brasil. O primeiro diferencial que se pode notar na gênese do Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social - ENAPEGS é o caráter descentralizador do evento, pois a primeira edição, em 2007, aconteceu em uma cidade do interior do estado do Ceará, Juazeiro do Norte, na região Nordeste do país, organizado pelo Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social (LIEGS), da Universidade Federal do Ceará (UFC), campi Cariri. A segunda, em 2008, aconteceu na capital mais jovem do país, a cidade de Palmas, com apenas 18 anos de existência, organizado pelo Núcleo de Economia Solidária (NESOL) da Universidade Federal de Tocantins (UFT). A terceira edição, em 2009, aconteceu, simultaneamente, em duas cidades do interior de Pernambuco e Bahia, Petrolina e Juazeiro, respectivamente, organizado pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos e 1

Tecnologias em Gestão Social (NIGS), da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). A quarta edição ocorreu em Minas Gerais, na cidade de Lavras, organizado pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (INCUBACOOP) e pelo Núcleo de Estudos em Administração Pública e Gestão Social (NEAPEGS) da Universidade Federal de Lavras (UFLA), instituição de ensino que tem longa tradição em pesquisa e desenvolvimento sustentável. Em 2011, a quinta edição ocorrerá na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, sediado pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) e pelo Centro de Ciências da Administração e Sócio-Econômicas (ESAG). Essa descentralização se torna possível pela expressiva diversidade, coesão e intensa participação de pesquisadores ligados à Rede de Pesquisadores em Gestão Social. O IV ENAPEGS foi organizado pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (INCUBACOOP-UFLA), que abriga projetos de extensão e de pesquisas com foco na gestão social e pelo Núcleo de Estudos em Administração Pública e Gestão Social (NEAPEGS-UFLA), criado em 2009 no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA-UFLA) e registrado no diretório de grupos do CNPq. Contamos, ainda, com a imprescindível parceria da Rede de Pesquisadores (RGS) e do LIEGS-UFC/Cariri na organização do evento. A realização deste evento no âmbito da UFLA significou a consolidação da gestão social neste espaço institucional e o reconhecimento de sua importância estratégica para o desenvolvimento institucional de nosso país, especialmente para a gestão dos municípios mineiros e para as instituições sociais de caráter público não estatal, como ONGs, OSCIPs, associações, fundações, cooperativas, empreendimentos econômicos solidários, dentre outros. O IV ENAPEGS foi organizado em sete áreas temáticas, quais sejam: Gestão Social e Políticas Públicas; Redes, Arranjos Institucionais e Desenvolvimento Territorial Sustentável; Sustentabilidade e Gestão Socioambiental; Inovação e Tecnologias Sociais; Economia Solidária e Cooperativismo; Ensino e Pesquisa em Gestão Social; Diversidade, Movimentos Sociais e Ações Afirmativas. Além disso, foram apresentadas várias oficinas, seções temáticas e três painéis com temas diferenciados. A realização do IV ENAPEGS na UFLA foi um sucesso em termos de inscrições, de participantes de vários estados da federação, de diversificação de temáticas e da qualidade dos trabalhos submetidos. Foram submetidos na quarta edição 306 trabalhos, avaliados e selecionados pelo sistema blind review, o que garantiu a idoneidade do processo de seleção dos trabalhos. É importante salientar que o conteúdo de cada artigo é de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es). O IV ENAPEGS é resultado dos esforços de uma organização, a Rede de Pesquisadores em Gestão Social – RGS, que tem o compromisso de contribuir para a formulação de estratégias de superação dos problemas sociais, seja no contexto local, regional ou da nação como um todo. Os avanços científicos que o encontro proporciona, pela interação científica, técnica e profissional, podem ser observados por meio das estatísticas da produção científica na área e pelos resultados proporcionados às instituições e empresas que cumprem sua responsabilidade social e ambiental. Agradecemos à FAPEMIG (OET 00043/10) pelo financiamento do evento realizado em Lavras e pelo apoio financeiro para publicação deste livro com recursos oriundos do projeto “SHA PPM 00256-09”. Agradecemos o apoio da Universidade Federal de Lavras (UFLA), por meio da Pró-Reitoria de Pós-Graduação (PRPG), da Fundação de Desenvolvimento Científico e Cultural (FUNDECC), da Prefeitura Municipal de Lavras e das seguintes instituições parceiras: UFC Universidade Federal do Ceará; UFBA – Universidade Federal da Bahia; UFT - Universidade Federal de Tocantins; UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul; UFV – Universidade Federal de Viçosa; UFPI – Universidade Federal do Piauí; UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte; UECE – Universidade Estadual do Ceará; FGV-RJ/EBAPE – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas; USP – Universidade de São Paulo; UNESA-RJ – 2

Universidade Estácio de Sá; Instituto Fonte para o Desenvolvimento Social. Agradecemos, ainda, pela realização do evento aos patrocinadores: CEMIL, COPASA e Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG, Machado). Lavras, março de 2011. José Roberto Pereira

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Prefácio José Roberto Pereira

Ao pensar em um texto para prefaciar este livro, que trata das interfaces e delimitações entre gestão social e gestão pública, lembrei-me de que alguns subsídios sociológicos sobre a emancipação do homem seriam de grande valia para se refletir a respeito dos significados e do papel da gestão social no contexto das relações entre Estado e Sociedade. Assim, o texto a seguir mostra o esforço intelectual de vários autores de diferentes abordagens teórico-conceituais para explicar as possibilidades de emancipação do homem, tratando de questões relacionadas aos valores da sociedade moderna e de uma possível variante socialista do individualismo moderno. Na vertente marxista, a sociedade socialista seria aquela a caminho de um modo de produção integralmente comunista. Nesse sentido, aquela sociedade se configuraria como uma sociedade transitória, na qual os diversos setores da produção e do consumo seriam coletivizados. Assim, a sociedade passaria por várias etapas1 até chegar à sociedade comunista, na qual não haveria subordinação entre os homens, tendo como princípio fundante a abolição da propriedade privada. Segundo Marx e Engels (1996, p. 111), tal abolição "é, de fato, a síntese mais concisa e mais característica da transformação da ordem social em seu conjunto, transformação essa que deriva do desenvolvimento da indústria; é por isso que os comunistas fazem dela sua principal reivindicação". O sentido último dessas transformações sociais seria a “emancipação do homem”, o que, para Marx (1991, p. 52), só se processará quando “o homem individual real recupera em si o cidadão abstrato e se converte, como homem individual, em ser genérico, em seu trabalho individual e em suas relações individuais; somente quando o homem tenha reconhecido e organizado suas 'próprias forças' como forças sociais e quando, portanto, já não separa de si a força social sob a forma de força política, somente então se processa a emancipação humana” (grifos meus). Marx elaborou sua crítica ao “triunfo do indivíduo”, quando escreveu sobre “A questão judaica”. Ao analisar a Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão, Marx (1991, p. 42) conceituou e criticou os direitos a que se refere tal Declaração, quais sejam, a igualdade, a liberdade, a segurança e a propriedade. Para ele, o conceito de liberdade, enquanto "o direito de fazer e empreender tudo aquilo que não prejudique os outros", não é nada mais que a "liberdade do homem como de uma mônada isolada, dobrada sobre si mesma". Trata-se, na verdade, de liberdade religiosa, de liberdade de propriedade, de liberdade industrial. Portanto, para Marx (1991, p. 42), "o direito do homem à liberdade não se baseia na união do homem com o homem, mas, pelo contrário, na separação do homem em relação a seu semelhante. A liberdade é o direito a esta dissociação, o direito do indivíduo delimitado, limitado a si mesmo. A

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Para Marx, a sociedade como um todo apresenta uma trajetória histórica constituída, basicamente, por três etapas: a primeira, em que o homem era escravo da natureza; a segunda, em que a sociedade vai se impondo sobre a natureza, mas se manifesta a subordinação entre os homens; a terceira, que está por vir, deverá abolir a subordinação entre os homens. Assim, “em um caráter amplo, os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno podem ser qualificados como épocas progressivas da formação econômica da sociedade. As relações de produção burguesas são a última forma contraditória do processo de produção social (...). Com esta organização social termina, assim, a Pré-história da sociedade humana.” (Marx, 1977, p. 25).

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aplicação prática do direito humano da liberdade é o direito humano à propriedade privada2". O direito à propriedade privada, para Marx (1991), "é o direito do interesse pessoal" e a igualdade é a igualdade dos homens enquanto mônadas presas a si mesmas perante a lei. Com relação ao conceito de segurança, Marx (1991, p. 44) o considerou como conceito de polícia, em que o policiamento é feito pela sociedade "para garantir a cada um de seus membros a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua propriedade". Enfim, a segurança é a preservação das mônadas, do "egoísmo". Com relação a esses conceitos, Marx (1991, p. 45) concluiu que "o único nexo que os mantém em coesão é a necessidade natural, a necessidade e o interesse particular, a conservação de suas propriedades e de suas individualidades egoístas". Para ele, a conseqüência da aplicação prática desses direitos é a degradação da comunidade, porque o homem passa a atuar como ser parcial. Nesse sentido, têm-se, de um lado, o indivíduo egoísta independente e, de outro, o cidadão do Estado, a pessoa moral. No entanto, Marx e Engels viam nesse processo de individualização da sociedade, com a formação da burguesia moderna, as bases para as transformações sociais rumo à sociedade comunista. Nesse sentido, consideraram que a burguesia cumpre, na história, um papel revolucionário, porque “fez da dignidade pessoal [Honra] um simples valor de troca e no lugar das inúmeras liberdades já reconhecidas e duramente conquistadas colocou unicamente a liberdade de comércio sem escrúpulos. Numa palavra, no lugar da exploração mascarada por ilusões políticas e religiosas colocou a exploração aberta, despudorada, direta e árida. (...) A burguesia rasgou o véu de comovente sentimentalismo que envolvia as relações familiares e as reduziu a meras relações monetárias” (Marx e Engels, 1996, p. 68-69). Entretanto, ao revolucionar os meios de produção, a burguesia produziu armas contra si mesma, as quais, segundo Marx e Engels, encontram-se na própria classe trabalhadora. Contudo, nesse processo, esses autores colocam as camadas médias da população numa situação intermediária, como é o caso dos camponeses. Para Marx e Engels (1996, p. 76), “as camadas médias, o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês, combatem a burguesia para salvar da ruína sua própria existência como camadas médias. Não são portanto revolucionárias, mas conservadoras. Mais ainda, são reacionárias, pois procuram fazer retroceder a roda da história. Quando se tornam revolucionárias, é em conseqüência de sua iminente passagem para o proletariado; defendem então seus interesses futuros, não seus interesses presentes, abandonando seu próprio ponto de vista pelo do proletariado” (grifos meus). Portanto, afirmaram que a burguesia "produz seus próprios coveiros" e que "seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis", o que abriria caminho para a construção do 2

Para Marx, a propriedade privada burguesa só se estabelece a partir da fragmentação do trabalho e contrapondo-se a ele, tendo como fim a acumulação. Para Marx e Engels (1984): "a propriedade privada, na medida em que no seio do trabalho se contrapõe ao trabalho, desenvolve-se a partir da necessidade da acumulação, e a princípio ainda tem sempre a forma da comunidade, mas no seu desenvolvimento posterior aproxima-se cada vez mais da forma moderna da propriedade privada. Pela divisão do trabalho está dada, logo de início, a divisão também das condições de trabalho, das ferramentas e dos materiais, e com ela a fragmentação do capital acumulado entre diferentes proprietários, e com ela a fragmentação entre o capital e o trabalho, e as diferentes formas da própria propriedade. Quanto mais se desenvolve a divisão do trabalho, e quanto mais cresce a acumulação, tanto mais agudamente se desenvolve também esta fragmentação. O próprio trabalho só pode existir sob a premissa desta fragmentação" (Marx e Engels, 1984, p. 95).

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comunismo. Segundo Marx e Engels (1996, p. 80), uma das características do comunismo "não é a abolição da propriedade em geral, mas a abolição da propriedade burguesa". Nesse sentido, para eles, as funções dos proletários e comunistas são: "O proletariado utilizará seu domínio político para arrancar pouco a pouco todo o capital à burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, ou seja, do proletariado organizado como classe dominante, e para aumentar o mais rapidamente possível a massa das forças produtivas" (Marx e Engels, 1996, p.86). Entretanto, Marx e Engels não concordavam com os ideais e com as ações do Partido Operário Alemão, para construção da sociedade socialista a partir de seu programa, o que os levou a criticar, dentre outros aspectos, o seguinte enunciado: "A emancipação do trabalho exige que os meios de trabalho elevem-se a patrimônio comum da sociedade e que todo o trabalho seja regulado coletivamente, com uma repartição eqüitativa do fruto do trabalho" (Marx, 1975, p. 229). Marx e Engels criticaram, em primeiro lugar, a repartição eqüitativa, explorando as facetas do direito igual na repartição do produto do trabalho. Nesse sentido, afirmaram que "o direito dos produtores é proporcional ao trabalho que prestou; a igualdade, aqui, consiste em que é medida pelo mesmo critério pelo trabalho" (Marx e Engels, 1975, p. 232). Contudo, essa proporcionalidade é relativizada por eles, ao considerarem que "alguns indivíduos são superiores física e intelectualmente, a outros", o que lhes permite afirmar que o direito igual, nesse caso, "é um direito desigual para trabalho desigual". A igualdade a que se referem é a não-distinção de classe entre os indivíduos, mas que, no fundo, para Marx, "é como todo direito, o direito da desigualdade". Para Marx e Engels, esses defeitos (direito igual mas desigual em condições individuais) são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, o que os leva a considerar que "o direito não pode ser nunca superior à estrutura econômica nem ao desenvolvimento cultural da sociedade por ela condicionado" (Marx e Engels, 1975, p. 232), e que somente quando houver desaparecido o contraste entre trabalho intelectual e trabalho manual, ou seja, na fase superior da sociedade comunista, é que a sociedade poderá inscrever em suas bandeiras: de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades. Portanto, a ideologia de uma sociedade socialista, na vertente marxista, implica o englobamento dos indivíduos pela coletividade, tendo como Valor Englobante a “Igualdade” em todas as suas dimensões, desde os direitos até as condições materiais, o que exige deles mudança radical de seus valores. Para Berman (1986), ao afirmar que as revoluções burguesas arrancaram os véus da “ilusão religiosa e política”, Marx recuperou o que Shakespere havia expresso há dois séculos: os símbolos da nudez e do desvelamento. Nesse sentido, Berman (1986) analisa que a esperança de Marx é que os homens da classe operária, forçados a enfrentar suas condições de vida, despidos de tudo e, portanto, iguais em tudo, se uniriam para combater “o frio que congela a todos”. Assim, Berman (1986, p. 107) considerou que, “um dos objetivos primordiais do Manifesto é apontar o caminho para escapar do frio, para nutrir e manter unida a aspiração de todos pelo calor comum. Como só podem superar a aflição e o medo pelo contato com os mais íntimos recursos individuais, os trabalhadores lutarão pelo reconhecimento coletivo da beleza e o valor do indivíduo. O comunismo, quando chegar, será uma espécie de manto transparente, que ao mesmo tempo manterá aquecidos os que o vestem e deixará à mostra sua beleza desnuda, de modo que eles possam reconhecer-se e aos demais em seu pleno esplendor”.

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Portanto, para esse autor, o Manifesto Comunista é a primeira grande obra de arte moderna e sua riqueza está em seu “poder imaginativo, sua captação e expressão das possibilidades luminosas e ameaçadoras que impregnam a vida moderna” (Berman, 1986, p. 100-101). Para ele, Marx vislumbrou o comunismo como o coroamento da modernidade, embora tenha dúvidas quanto ao caminho apontado por ele. O objetivo de Berman (1986, p. 87) era “captar e reconstruir a visão da vida moderna como um todo, segundo Marx”. Para esse autor, Marx e os modernistas aproximam-se quando se analisa o Manifesto Comunista e a imagem extraída da frase: “Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e os homens são finalmente forçados a enfrentar com sentidos mais sóbrios suas reais condições de vida e sua relação com outros homens” (Berman, 1986, p. 88). É no Manifesto Comunista que Berman (1986) vê as mais profundas percepções da cultura modernista e suas contradições internas. Esse autor procurou interpretar o conflito de idéias entre a consciência de Marx e o que a luta de classes significa, ou melhor, sua visão “sólida” e sua visão “diluidora” sobre a vida moderna. Para ele, Marx percebeu que o autodesenvolvimento do indivíduo emergente da realidade burguesa era a base para atingir o comunismo, assim como Goethe também percebeu, na segunda parte do Fausto. Na análise de Berman (1986, p. 95), Marx exaltou a burguesia porque ela tem o papel de destruir a sociedade tradicional e a si própria, por ter criado a classe trabalhadora, para que “a experiência do autodesenvolvimento, livre das pressões e distorções do mercado, poderá prosseguir livre e espontaneamente”. Berman (1986, p. 96) prossegue sua análise afirmando que essa visão do comunismo “é inquestionavelmente moderna, antes de mais nada em seu individualismo, porém mais ainda em seu ideal de desenvolvimento como forma de vida boa”. Portanto, o indivíduo é a chave de todas as transformações sociais pressupostas por Marx. Todavia, não um indivíduo qualquer, mas aquele que o individualismo moderno estava gerando, fruto de uma evolução histórica. Nesse caso, pode-se afirmar que o socialismo, na vertente marxista, é uma variante do individualismo moderno. Dumont (1982) confirma essa afirmativa ao interpretar as reflexões de Marx, em torno da “Emancipação do Homem”, como ponto de encontro entre individualismo e holismo na sociedade comunista3, o que permitiria ao homem realizar-se como ser social. Por isso, Dumont (1985) considerou o socialismo como uma forma híbrida de sociedade, porque combina um elemento do individualismo com um do holismo. Nesse sentido, a igualdade, no socialismo, deixa de ser um atributo do indivíduo para ser da justiça social. Entretanto, ele faz a seguinte ressalva: “está claro que en esta dialéctica el individuo priva sobre el ser social, y que el proyecto revolucionario reemplaza y prohíbe el pleno reconocimiento del hombre como ser social” (Dumont, 1982, p. 195). Seguindo essa linha de raciocínio, Dumont (1982) analisou o esquema evolucionista e dialético de Marx e chegou à conclusão que, a partir da "Ideologia Alemã", Marx não duvidou em apoiar-se no aspecto individualista e sacrificar os enfoques comunitários contidos nos "Manuscritos". Nesse sentido, Dumont faz o seguinte recorte de Marx: "los hombres serán iguales únicamente cuando la subordinación se ejerza sólo sobre las cosas, y serán libres únicamente cuando su riqueza sea común a todos" (Dumont, 1982, p. 221). 3

Para Marx e Engels (1984, p. 39), na sociedade comunista, a divisão do trabalho não segue um círculo exclusivo de atividade, o que significa que cada pessoa pode ser capacitada em qualquer atividade que preferir, porque, segundo eles, a sociedade comunista "regula a produção geral e, precisamente desse modo, torna possível que eu faça uma coisa e amanhã outra, que cace de manhã, pesque de tarde, crie gado à tardinha, critique depois da ceia, tal como me aprouver, sem ter de me tornar caçador, pescador, pastor ou crítico".

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Esse autor deixou claro, nesta passagem, que o Valor Englobante da sociedade socialista, na vertente marxista, é a igualdade de direitos e de condições materiais, o que poderá ser atingido somente por meio do projeto revolucionário, que, por sua vez, pressupõe, ainda, o fim da burguesia e da "pré-história humana em geral". Essa conclusão levou Dumont (1982) a considerar Marx como "sociocêntrico". Na verdade, o que se pode concluir, parcialmente aqui, é que Marx não apresentou, completamente, o caminho para se chegar ao Socialismo. Dumont (1982, p. 152) explorou os textos de Marx para explicitar sua idéia sobre a "emancipação do homem", argumentando que o homem a que se refere Marx é um indivíduo, na acepção moderna do termo, ou seja, "(...) el Individuo, el Hombre liberado de sus cadenas, purgado de toda dependencia". Dumont afirmou que Marx não reconheceu a distinção entre individualismo e holismo, mas que pretendia identificá-la no plano da diferença entre a sociedade de hoje e a sociedade ideal (comunista): "en la sociedad ideal, por hipótesis, los individuos libres constituirán una comunidad, y se convertirán al mismo tiempo en seres sociales completos o perfectos" (Dumont, 1982, p. 167). Estaria aí um indicativo da forma de Sociabilidade na sociedade socialista? A formação de uma comunidade, a partir da transformação dos indivíduos em seres sociais, implicaria que forma de Sociabilidade? O que faria com que esses “seres sociais” se ligassem uns aos outros? Ao explorar o texto da "Ideologia Alemã", Dumont (1982) analisa que a produtividade é a pré-condição da sociedade comunista idealizada por Marx. Acrescente-se, aí, que outra pré-condição é o desaparecimento da especialização, o que levaria o indivíduo a atingir sua apoteose, convertendose em uma sociedade própria4. No entanto, Dumont (1982, p. 174) chamou atenção para o fato de que "a abolição total da divisão social do trabalho é tão pouco plausível que sentimos inclinados a ver nisso a expressão imediata de um individualismo absoluto". Todavia, Marx, na "Ideologia Alemã", considerava que a natureza social do homem encontrava-se em toda parte, de forma imperfeita, e que só na sociedade comunista é que atingiria seu ponto máximo. Por um lado, Dumont (1982, p. 181) procurou explicar a concepção de Marx sobre a sociedade global e o Estado, na "Ideologia Alemã", analisando que a sociedade ideal "não é mais que uma justaposição de indivíduos livres", o que, na verdade, "(...) se trata en suma de la teoria individualista de la Revolución francesa, realizada esta vez gracias a la supresión de las clases y de toda instancia que transcienda al individuo (el Estado)". O resultado, segundo Dumont, é que, ao isolar o interesse comum em instituições ilusórias ou insuficientes, tais como "o Estado" ou "a classe", criou-se um divórcio que se aprofundou com a divisão do trabalho. Por outro lado, esse autor analisou os "Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844", no intuito de evidenciar a mudança de concepção ou reforma de Marx quanto ao processo de emancipação do homem por meio da sociedade ideal. Segundo Dumont (1982, p. 187), o encontro de Marx com a economia política deixou-o encantado (enfeitiçado) por todo o resto de sua vida intelectual. Assim, para fazer da economia política uma ciência independente, Marx, segundo Dumont, "devia não só omitir as questões morais, senão proclamar que não eram pertinentes no interior de seus limites, onde os fatos por si só levariam às normas". Para Dumont (1982), Marx não chegou a distinguir, sistematicamente, o indivíduo empírico do indivíduo como valor ou como sujeito pensante auto-suficiente, ou seja, o indivíduo biológico, empírico, do indivíduo moral, normativo. No entanto, generalizou uma categoria moderna - o indivíduo. Segundo Dumont (1982), Marx chegou a pensar em "indivíduos sociais", mas não em 4

Os indicativos da “apoteose do indivíduo” ficam mais evidentes quando Dumont (1994) analisou a identidade cultural na ideologia alemã, ao considerar que o homem alemão “pensa a si próprio como um indivíduo e devota toda sua atenção para o desenvolvimento de sua personalidade, o que se traduz no famoso ideal de auto-desenvolvimento (Bildung ou selfcultivation)” (Dumont, 1994, p. 19).

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"indivíduos morais", porque seu objetivo último, a emancipação do homem pela revolução proletária, se baseava na pressuposição do "homem como indivíduo", ou seja, "el hombre tal como se piensa a si mesmo únicamente en la era burguesa según las proprias declaraciones de Marx" (Dumont, 1982, p. 207). Nesse ponto, Dumont observou que, em Marx, "o indivíduo moral está latente no indivíduo biológico das formações sociais não burguesas, inclusive das primitivas" (Dumont, 1982, p. 219). No entanto, Arendt (1999) analisou o sentido de “indivíduos sociais”, de Marx, como sendo “a invasão da privacidade pela sociedade”, que, segundo ela, era considerada por Marx como a forma de “socialização do homem”, realizada não só por meio da expropriação. “Neste, como em outros aspectos, as medidas revolucionárias do socialismo ou do comunismo podem muito bem ser substituídas por uma - mais lenta, porém não menos certa – da esfera privada em geral e da propriedade privada em particular.” (Arendt, 1999, p. 82). Nesse sentido, Berman (1986, p. 124) avaliou que “Arendt compreende a extensão do individualismo que subjaz ao comunismo de Marx e compreende também os rumos niilistas que esse individualismo poderá tomar. Em uma sociedade comunista, onde o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos, o que poderá manter reunidos esses indivíduos livremente desenvolvidos?”. A questão que Hannah Arendt levantou é muito importante para pensar a Sociabilidade na sociedade socialista. Essa Sociabilidade poderia ser traduzida pelos ideais de Solidariedade? Essa questão fica muito vaga nas considerações teóricas de Marx, por “omitir” as transformações ao nível dos valores culturais. As questões apresentadas neste pequeno texto mostram que não há respostas prontas ou acabadas para explicar os processos sociais em torno da autonomia do indivíduo em relação à Sociedade e ao Estado. Fala-se muito em cidadania, em direitos sociais, em muitos casos sem a devida compreensão e profundidade que a envolvem. Portanto, é imprescindível as reflexões em tono desses temas para se compreender a complexidade que envolve a gestão social, tendo em vista que seu principal objetivo é a emancipação do homem. Referências Bibliográficas Arendt, Hannah (1999) A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Berman, Marshall (1986) Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Campanhia das Letras. Dumont, Louis (1982) Homo aequales: Génesis y apogeo de la ideología económica. Madrid: Taurus. (1985) O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro: Rocco. (1992) Homo hierarchicus: o sistema de castas e suas implicações. São Paulo: EDUSP. (1994) German ideology: from France to Germany and back. Chicago: University of Chicago Press. Marx, Karl (1977) Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Martins fontes. 9

(1991) A questão judaica. São Paulo: Editora Moraes Marx, Karl & Engels, Friedrich (1975) A crítica ao programa de Gotha. In.: Textos, vol. I. São Paulo: Edições Sociais. (1984) A ideologia Alemã: teses sobre Feuerbach. São Paulo: Editora Moraes. (1996) Manifesto do Partido Comunista. Petrópolis: Vozes.

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INTRODUÇÃO José Roberto Pereira Este livro está organizado em quatro grandes partes que tratam da gestão social no âmbito das relações entre Estado e Sociedade, da economia solidária e do cooperativismo, da responsabilidade social empresarial e meio ambiente, bem como das tecnologias sociais e metodologias de formação em gestão social. A primeira parte Gestão Social e Gestão Pública no Âmbito das Relações entre Estado e Sociedade foi organizada com cinco artigos de caráter teórico e teóricoempírico, em uma sequência conceitual que proporciona a possibilidade de uma leitura do geral para o específico, cujo fio teórico condutor é o espaço público, onde se encontram e interagem os sujeitos sociais, especialmente, por meio das políticas públicas. No espaço público todos esses cinco artigos exploram aspectos ou temas relacionados à participação social, inclusão social, cidadania, desenvolvimento local, educação, saberes locais, transparência pública e solidariedade, dentre outros, os quais constituem elementos estruturadores da gestão social em interface com a gestão pública. Por outro lado, transversalmente, esses artigos mostram as possibilidades de delimitação do campo da gestão social ao tratarem do público não estatal e do público estatal. O texto de Eloísa Helena de Souza Cabral “Uma Abordagem Normativa para a Gestão Social no Espaço Público” é um ensaio teórico de natureza analítica, cujo objetivo é propor uma abordagem normativa para o campo da gestão social, caracterizado como um lugar intermediário relacional entre o Estado, o mercado e a comunidade. A autora localiza o conceito de “mistura de proteção social” sistematizado por Evers (1995), o qual ocorre por meio da combinação entre os elementos que compõem o Estado, o mercado e a comunidade. Segunda a autora, o terceiro setor constitui uma realização dessa “área intermediária” como resultado de uma conjugação de espaços no tratamento da questão social, o que permite diferenciar e superar conceitualmente o terceiro setor como apenas um conjunto de organizações que se assemelham por uma tipologia estabelecida. Para essa autora o Terceiro Setor constitui, assim, em um espaço relacional que deriva do entrelaçamento de lógicas, discursos e racionalidades entre os três setores (Estado, Mercado e Comunidade), voltado para a proteção e desenvolvimento social. Desta forma, a autora considera espaço público como aquele próprio para o desenvolvimento da abordagem normativa do Terceiro Setor, o qual é responsável pela produção de bens públicos, dando a ele um caráter singular de “público”. E é neste “espaço público” que se desenvolve o processo de gestão social, como um campo intermediário de sociabilidades, analisa a autora. Assim, na gestão das atividades sociais entrecruzam-se as habilidades dos gestores no âmbito da gestão pública estatal, da gestão dos negócios mercantis e das práticas comunitárias, reforçando a noção de “mistura”. Neste contexto teórico-conceitual, a autora identifica várias dualidades da 11

gestão social das Organizações do Terceiro Setor (OTS) e que a “missão” é a função mais importante dessas organizações, apontando alguns desafios para a gestão social. Por fim, a autora apresenta sugestões de pesquisa para o desenvolvimento da gestão social a partir da abordagem normativa, considerando a reprodução dos valores, o conjunto de Expectativas, Necessidades, Capacidades, Interesses e Representações Sociais designado pelo acrônimo ENCIR e o caráter híbrido do Terceiro Setor. Neste sentido, a expressão do conceito de “público” torna-se prioridade para os estudos de gestão social. O texto “A Relação entre a Sociedade Civil e o Estado na Formulação de Políticas Públicas na Microrregião de Garanhuns” escrito por Fernando Tenório, Lamounier Villela, Anderson Dias, Willian Melo e Jonathan Lopes é o resultado de uma pesquisa realizada no estado de Pernambuco em que envolveu 40 representantes do poder público e da sociedade em seis municípios da microrregião de Garanhuns, com o propósito de analisar os processos participativos da sociedade civil local na formulação de políticas públicas. Os processos participativos foram analisados com base nas seguintes categorias: processo de discussão, pluralismo, inclusão, igualdade participativa, autonomia e bem comum. Os autores argumentam que a partir da Constituição Federal de 1988 a relação entre Sociedade Civil e Estado mudou no sentido de colocar o cidadão frente às questões sociais e ao próprio Estado, focalizando-se o papel do cidadão nesse contexto, especialmente, no que diz respeito à sua participação na formulação de políticas públicas. Para isso se fundamentam no conceito de democracia de Habermas estruturado com base na cidadania deliberativa, nos direitos humanos, na soberania popular e nos processos de comunicação dialógica. Os autores partem do pressuposto de que é por meio da dialogicidade dos atores sociais (sociedade civil e poder público local) que se pode chegar às possíveis soluções para as questões pertinentes ao “mundo da vida”, conceito desenvolvido por Habermas para tratar das interrelações entre cultura, sociedade e personalidade. Os resultados da pesquisa mostram que a sociedade civil local espera, passivamente, soluções rápidas e pragmáticas para seus problemas sociais. Segundo os autores, os entrevistados não percebem os fóruns, conselhos e sindicatos como espaços de participação de diálogo que possa mudar a qualidade de suas vidas ou da comunidade em que vivem. Verificaram que o único espaço de participação que desperta interesse coletivo são as reuniões para discutir os programas federais assistenciais. Entretanto, ressaltam que, mesmo assim, os atores sociais daquela região dificilmente conseguiriam desenvolver seu espírito crítico. Por outro lado, os autores mostram alguns pontos positivos dos programas federais na região, tais como: a possibilidade de reflexão sobre a realidade local e como transformá-la; esperança de melhoria nas condições de vida dos indivíduos beneficiados; valorização cidadã. Além disso, os autores constataram que os seis municípios são dependentes financeiramente dos recursos oriundos do Estado ou da União, o que reforça a fraca autonomia dos municípios em relação ao futuro das comunidades. Por fim, os autores 12

consideram que a região em estudo apresenta potencialidade de desenvolvimento via processos dialógicos, tendo em vista a presença de instituições socialmente organizadas. O trabalho de Clarício dos Santos Filho “Fundos Rotativos Solidários: dilemas na gestão social de recursos públicos por comunidades rurais no Nordeste do Brasil” trata da análise da gestão compartilhada dos Fundos Rotativos Solidários, seus limites, avanços e perspectivas em projetos implementados na região Nordeste, denominadas de PAPPS – Programa de Apoio aos Projetos Solidários. O autor contextualiza, sinteticamente, a trajetória dos programas de crédito às comunidades rurais no Nordeste do Brasil, as práticas tradicionais de geração do crédito e a formação das redes sociais de crédito. Segundo o autor, a racionalidade que serviu de referência para a elaboração da política pública dos Fundos Rotativos, em 2005, repousa sobre o princípio da dádiva (dar – receber – retribuir), presente nas formas associativas tradicionais no Nordeste brasileiro. É formado um “conselho” pelos chefes de família para gerir os fundos de recursos solidários e todos os participantes assinam um termo de adesão se responsabilizando, solidariamente, pelo uso dos recursos. Dessa forma, a gestão da política pública passa pelo controle da própria comunidade para a realização dos empréstimos. Além das comunidades, estão envolvidas no PAPPS várias instituições públicas, ONGs, Estado e movimentos sociais. O autor apresenta suas observações em relação à gestão comunitária dos projetos, as principais dificuldades internas e externas no que diz respeito às relações entre o Comitê Gestor Nacional, o comitê local e as entidades convenentes. Contudo, considera que as perspectivas do PAPPS são “estimulantes’. Em suas considerações finais o autor apresenta quatro eixos de análise que podem ser explorados em futuras pesquisas a respeito dos Fundos Rotativos Solidários, quais sejam: fortalecimento da organização produtiva; tecnologias e demais saberes tradicionais; autonomia política em relação às práticas clientelísticas locais; desenvolvimento de novas relações homem – natureza condizentes com a proposta de convivência com o semi-árido; ressignificações em suas identidades tradicionais. O trabalho de Ambrozina Silva, Marco Aurélio Ferreira, Luiz Abrantes e Doraliza Monteiro “Análise da Eficiência na Alocação de Recursos Públicos Destinados à Educação em Minas Gerais” tem como objetivo avaliar a eficiência na alocação dos recursos destinados à educação em 404 municípios mineiros, com base em dados demográficos do ano de 2004, obtidos em fontes oficiais de informação como IBGE e a Fundação João Pinheiro (FJP). Os autores argumentam que a alocação eficiente de recursos públicos para atender às demandas sociais é um dos principais desafios às administrações municipais, estaduais e federais. A educação é uma das demandas sociais que deve ser provida pelo Estado, de acordo com a Constituição Federal de 1988. Assim é estabelecido pela constituição os percentuais que os entes federais devem destinar à educação em relação às receitas com impostos e transferências: 25% para estados e municípios; 18% para o governo federal. Dessa forma, o Estado assume uma 13

função alocativa de recursos para atender às demandas por Educação da sociedade brasileira. Segundo os autores, ao alocar recursos públicos com maior eficiência o Estado corrige falhas de mercado e possíveis distorções distributivas, mantendo a estabilidade econômica e social. As variáveis utilizadas para medir a eficiência de alocação de recursos públicos em educação foram: gastos per capita com educação e cultura (STN); Produto Interno Bruto (PIB) per capita; taxa de atendimento escolar às crianças de 4 a 6 anos; taxa de atendimento escolar às crianças de 7 a 14 anos; taxa de atendimento escolar à adolescentes de 15 a 17 anos. Os resultados encontrados pelos autores mostraram que as taxas de atendimento escolar nas faixas de 7 a 14 anos e de 15 a 17 anos são altas, 95,62% e 78,59% respectivamente. No entanto, constataram baixa taxa de atendimento para a faixa de 4 a 6 anos. A média dos escores de eficiência encontrada pelos autores foi de 0,615, o que expressa maior número de municípios com baixo desempenho na alocação de recursos à educação, dentro do universo dos 404 municípios analisados. Os autores verificaram em seu estudo que os municípios das regiões como Jequitinhonha e Norte de Minas obtiveram bons resultados, ou seja, estão alocando recursos em educação com eficiência. Por outro lado, os resultados mostram a maior concentração dos municípios com baixo escore de eficiência na região do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. No ensaio teórico “Governança Pública: transparência, controle e accountability sob a ótica da teoria do agente”, os autores Roberto Ferreira, Elaine Araújo, Patrícia Ashley, Luiz Gustavo Nazareh e Antônio Carlos dos Santos propõem apresentar as condições institucionais recomendáveis para a construção de um modelo de governança pública que possa atender aos municípios brasileiros em sua capacidade gerencial de desenvolvimento territorial de forma justa, democrática e sustentável. Os autores argumentam que o Brasil enfrenta um problema de governança e não de governabilidade, pois o Estado apresenta capacidade limitada de governar em função da rigidez e ineficiência de seu aparelho burocrático. Segundo os autores, a governança pública envolve, dentre outros meios, transparência, accountability e controle, favorecendo, assim, a participação popular. É nesse sentido que os autores consideram os conselhos gestores de políticas públicas instâncias municipais deliberativas próprias da governança pública. Sendo assim, se fundamentam em um conceito de governança como ampla estratégia de reforma das instituições da sociedade civil e de democratização do Estado, tornando os governos abertos à participação popular, responsáveis e transparentes. No intuito de propor elementos para a construção de um modelo de governança pública, os autores buscaram na “Teoria da Agência” fundamentos teóricos e mecanismos de controle que passam ser utilizados. Consideraram os contratos de gestão um mecanismo de controle de governança pública, assim como a prestação de contas nas relações entre Sociedade e Estado. 14

Os autores chegaram à conclusão que a governança pública quanto privada está alicerçada nos princípios da transparência, controle, equidade e prestação de contas. Portanto, consideram que as condições institucionais recomendáveis para a construção de um modelo de governança pública estejam alicerçadas com os referidos princípios mencionados acima. Além disso, os autores consideram importantes na composição de um modelo de governança pública que tem por objetivo a maximização do bem-estar da sociedade os seguintes aspectos: liderança, integridade, compromisso, responsabilidade, integração, transparência. A segunda parte Interfaces entre Gestão Social, Economia Solidária e Cooperativismo está estruturada em cinco artigos de pesquisa, dois a respeito de cooperativas e três a respeito de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs). O espaço social construído pela atuação da economia solidária e do cooperativismo popular constitui a base para o desenvolvimento da gestão social, à medida que as organizações envolvidas nesse espaço estabelecem redes de relacionamento, de confiança, de solidariedade e passam a tratar os problemas sociais como problemas públicos. Nesse sentido, as ações das cooperativas e das incubadoras são caracterizadas como ações públicas, pois o interesse público norteia suas ações. O interesse público aqui compreendido como aquele voltado para o bem comum e para a produção de bens públicos. Nesse contexto de análise, os dois primeiros artigos abordam as cooperativas na perspectiva social-reformista, em que a cooperativa constitui um meio de mudanças sociais e econômicas da sociedade, fundamentando-se nos princípios universais do cooperativismo. Nessa perspectiva, os associados da cooperativa se reúnem em torno de problemas, necessidades e objetivos comuns por meio da ajuda mútua, baseando-se na solidariedade, na liberdade, na igualdade e na justiça social. Procura-se, neste caso, combinar a racionalidade econômica com equidade, seja pela busca de maior produção dentro do menor tempo possível e com dispêndio mínimo de recursos, seja pelos benefícios sociais obtidos por meio do trabalho realizado nas operações dos associados com a cooperativa. Por outro lado, os três artigos que tratam das incubadoras mostram o papel que estas cumprem na sociedade e no mercado, bem como suas relações com o Estado, ao ressaltarem o desenvolvimento local, a geração de renda, a autogestão e as transformações de valores. Esses artigos mostram, também, como as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs) se estruturam em uma rede social para enfrentarem, sobretudo, os desafios de superar o problema social e público do desemprego e do trabalho precarizado. Ao explorarem esses aspectos os artigos sinalizam para a necessária interface da economia solidária e do cooperativismo com a gestão social, pois apresentam características comuns, dentre as quais, destaca-se o caráter público de suas ações. As reflexões teóricas nessa direção podem contribuir muito com a delimitação do campo científico da gestão social e potencializar as ações das incubadoras, das cooperativas populares e dos empreendimentos econômicos solidários em geral. 15

O primeiro artigo apresentado nesta segunda parte é o trabalho de pesquisa de Luciano Mendes e Fabiano dos Santos “Implicações sobre o Comércio Justo em duas Cooperativas Agroindustriais: possibilidades e limites”, cujo objetivo é identificar e analisar os limites e as possibilidades da certificação em comércio justo no Brasil por meio de cooperativas. Os autores contextualizam, sinteticamente, a origem e desenvolvimento do cooperativismo como uma das abordagens econômicas alternativas. Contextualizam, também, a trajetória do comércio justo no Brasil, entendido pelos autores como uma forma de comércio baseada na transparência das relações, no diálogo, no respeito entre as partes e na solidariedade, com vistas ao fortalecimento dos empreendimentos econômicos solidárias. Segundo os autores, no Brasil há cerca de 40 operadores (produtores e comerciantes) certificados pela FLO (Fairtrade Labeling Organization), dentre os quais as duas cooperativas em análise. Os autores relatam as dificuldades burocráticas do processo de certificação no Brasil, mas são otimistas quanto ao crescimento do número de operadores, podendo chegar a 248 licenciados em 2011, de acordo com os dados do Instituto Fairtrade Brasil. Para os autores, quando o comércio justo se realiza por meio de cooperativas consegue-se atingir um número de produtores muito maior, além de conciliar os princípios éticos comuns. Neste sentindo, as duas cooperativas estudadas chegam as mais de 200 produtores associados. Os autores analisam que os produtores associados às cooperativas em estudo percebem vantagens comparativas, tais como: agregação de valor do produto; ampliação da renda; participação efetiva na cooperativa. Por outro lado, as dificuldades ou limitações identificadas pelos autores foram: a comunicação, na língua inglesa, entre as cooperativas e a certificadora; os prazos estabelecidos e o tempo de resposta da certificadora; a burocracia do processo de certificação; dificuldade de acesso às informações e aos novos mercados; custos diretos e indiretos envolvidos com a certificação. Os autores concluem que o comércio justo no Brasil ainda é pouco conhecido pelo público em geral e menos ainda no âmbito empresarial. Assim, consideram que há um grande espaço de crescimento desse mercado no Brasil. O estudo Élida Monteiro, Airton Cançado, Vânia de Oliveira e Ariádne Rigo “Práticas dos Princípios Cooperativistas: um estudo de caso na Cooperativa Adalzisa Moniz em Cabo Verde” procura mostrar o distanciamento entre os princípios cooperativistas emanados pela Aliança Cooperativa Internacional (ACI) e a prática dos práticos na cooperativa em estudo. A cooperativa em estudo localiza-se em Cabo Verde, país situado na costa oeste da África, na cidade de Prado, capital. Os autores argumentam que o cooperativismo é uma opção viável no contexto da sociedade globalizada, tendo em vista que constitui uma forma de organização que valoriza o trabalho, as pessoas e o capital como um meio, não como um fim em si mesmo. Além disso, consideram de grande relevância estudos de caso em outro país à 16

luz das interpretações já realizadas em casos semelhantes no Brasil. Os autores ressaltam que a cooperativa em estudo é filiada à Federação Nacional das Cooperativas de Consumo de cabo Verde (FENACOOP), e que ambas são associadas à ACI e, portanto, são orientadas pelos princípios universais do cooperativismo. Os autores descrevem cada um dos sete princípios cooperativistas com base em diferentes autores, mas tomando-se como referência principal as definições da ACI. Os sete princípios que vigoram desde 1995 são os seguintes: Adesão Voluntária e Livre; Gestão Democrática; Participação Econômica dos Sócios; Autonomia e Independência; Educação, Treinamento e Informação; Intercooperação; Preocupação com a Comunidade. Na sequência, os autores contextualizam o cooperativismo em Cabo Verde, ressaltando que o Estado escolheu o cooperativismo como meio de desenvolvimento do país desde a independência de Portugal, em 1975. Entretanto, relatam dificuldades no desenvolvimento do cooperativismo naquele país devido a questões culturais, como a hierarquia e a centralização, deixadas pela colonização portuguesa, apesar de permanecerem práticas de ajuda mútua como a Tabanca, Djuda e o Djunta-mon. Nesse contexto localizam a cooperativa Adalzira Moniz voltada para o consumo e educação, caracterizada como cooperativa mista, fundada em 1985. Essa cooperativa conta, atualmente, com 120 associados ativos e possui três funcionários, uma das poucas cooperativas que sobreviveram em Cabo Verde, relata os autores. Os resultados foram apresentados em um quadro, onde os autores identificam e analisam os pontos fortes e pontos fracos das práticas de cada princípio cooperativista, obtidos por meio de entrevistas com os associados à cooperativa. Nesse quadro um ponto forte é destacado pelos autores, a origem comunitária da cooperativa, o que contempla o princípio da “preocupação com a comunidade”. No entanto, constatam que há mais pontos fracos do que pontos fortes em relação às práticas cooperativistas universais. Por fim, os autores recomendam que a cooperativa seja (re)construída com os cooperados e não para eles, além de recomendarem a estruturação de um intenso programa de educação cooperativista. O trabalho “Sociograma da Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares” é o resultado de uma pesquisa realizada por André Rennó, José Roberto Pereira e Luiza Mendes Santos. Foram pesquisadas 41 incubadoras de cooperativas, tendo como objetivo identificar o grau de interação entre elas por meio da frequência de comunicação no ambiente da internet (Yahoo! Grupos”). Segundo os autores, as ITCPs constituem uma forma de organização do conhecimento estruturado pelas instituições de ensino superior para assessorar grupos de trabalhadores, que se encontram desempregados ou que exercem trabalho precarizado, a constituírem cooperativas baseados em princípios da economia solidária. As ITCPs formam uma Rede Nacional voltada para a troca de conhecimentos, informações e experiências em relação ao processo metodológico de incubação de cooperativas populares. Segundo os autores, boa parte dessa troca ou relacionamentos 17

ocorre por meio da internet, no site do “Yahoo! Grupos”, onde as ITCPs se comunicam formalmente. Há outros espaços de troca e de relacionamento, como os encontros regionais e nacionais, fóruns e reuniões, mas é no ambiente da internet é que ocorre a maior intensidade de relacionamento. Neste sentido, os autores identificam 2.178 mensagens entre ITCPs, no período de 20/09/2006 a 28/04/2009, classificadas em mensagens de Relação e de Divulgação. Foram consideradas as mensagens de Relação, pois estas informam o relacionamento formal entre as ITCPs. Para gerar o Sociograma foi utilizado o software PAJEK. Os autores consideram que a Rede de ITCPs é bastante ativa, pois identificaram uma forma intensiva de trocas de mensagens virtuais entre elas, o que a caracteriza como uma rede social de fortes vínculos sociais e de alto grau de relacionamento. Dessa forma, consideram que ocorre um processo de aprendizagem intenso em torno do conhecimento metodológico de incubação de cooperativas. O resultado final da pesquisa foi o sociograma da rede de ITCPs, apresentado por meio de uma figura que mostra as ITCPs representadas por pontos vermelhos e ligadas entre si por meio de linhas finas e grossas que expressam maior intensidade e menos intensidade, respectivamente. Segundo os autores as cinco ITCPs centrais no sociograma foram: UFSJ, UFRPE, USP, UNEB e FURB. Essas incubadoras, com base nos critérios adotados pela pesquisa, são as que mais contribuem para o fortalecimento dos vínculos sociais e da interação social entre as ITCPs. Os resultados mostram, também, que a centralidade da ITCP-UFLA é o valor da mediana, o que significa que 50% das ITCPs possuem centralidade superior ou igual à da UFLA e a outra metade possui valores inferiores ou iguais à mesma. O trabalho de Ives Nascimento e Jeová Torres Silva Junior “Desenvolvimento Territorial, Geração de Renda e Fortalecimento da Autogestão: uma análise da ação de incubadoras universitárias de cooperativas populares do Brasil” trata de uma análise de atuação de cinco Incubadoras Tecnológicas de cooperativas Populares (ITCPs) vinculadas às seguintes universidades: UFRJ, UFT, UNISINOS, UFLA e USP. O objetivo da análise é mostrar como essas incubadoras tem contribuído com o desenvolvimento territorial, com a geração de renda e com a autogestão. Os autores contextualizam, historicamente, o cooperativismo, diferenciando o cooperativismo popular do tradicional nos aspectos econômicos, administrativos e políticos. Uma das diferenças é o referencial teórico e ideológico da economia solidária que sustenta o cooperativismo popular. Segundo os autores cada incubadora desenvolve o seu próprio processo metodológico de incubação. As incubadoras foram escolhidas, segundo os autores, por representarem casos exitosos e por estarem consolidadas em seus territórios de abrangência. Os autores mostram, sinteticamente, os resultados parciais de incubação, destacando as cooperativas que se emanciparam e estão atuando no mercado. Consideram, ainda, que os resultados de incubação representam “uma ação localizada, delimitada, mas ao mesmo tempo transformadora no território no qual atuam”. 18

O trabalho de Ayana Araújo, Adriano Santos e Gustavo Melo Silva “A Formação de Formadores na ITCP/UFV: um estudo a partir das diversas concepções e das transformações simbólicas pertinentes à economia solidária” diz respeito ao processo de formação de estudantes vinculados à ITCP da Universidade Federal de Viçosa (UFV), no sentido de mostrar os resultados alcançados em um duplo desafio: formar e qualificar estudantes em economia solidária e, ao mesmo tempo, atuar no processo de incubação de empreendimentos econômicos solidários, orientando trabalhadores desempregados ou em situação de trabalho precarizado. Os autores contextualizam a origem e o papel das ITCPs e , especificamente, em relação a ITCP-UFV, seus propósitos, sua estrutura de funcionamento em equipes de assessorias, de estudos e de coordenação. Segundo os autores, os estudantes vinculados à ITCP são denominados de formadores, em seu regimento interno, passam por um processo de aprendizado de formação profissional voltado para a emancipação dos grupos incubados e para o próprio desenvolvimento pessoal, principalmente, por meio dos “seminários de formação”, que são oferecidos no início de cada semestre. Na sequência os autores apresentam uma discussão conceitual de economia solidária fundamentada em vários autores, dentre os quais destaca-se o conceito de Paul Singer que considera economia solidária como um modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo. Assim, os autores consideram como desafios, na formação dos estudantes e na geração de trabalho e renda por meio da economia solidária, as transformações das crenças e dos valores da cultura capitalista. Por outro lado, os autores consideram os seguintes problemas que a economia solidária deve superar: valores individualistas versus solidários; problemas políticos; naturalização da opressão; seqüestro do imaginário. Segundo os autores, tais problemas ou temas são discutidos nos “Seminários de Formação” e serviram de base para a elaboração das questões para as entrevistas com estudantes da ITCP-UFV. Os autores concluem que a ITCP-UFV prioriza o debate a respeito do associativismo e do cooperativismo popular, valores e princípios da Economia Solidária, o Mundo do Trabalho, mas deixam ausentes os problemas políticos. A terceira parte Responsabilidade Social Empresarial e Meio Ambiente está estruturada em dois artigos, um resultado de pesquisa e outro ensaio teórico. Contudo, os dois artigos mostram que as organizações privadas, mesmo visando lucro, possuem responsabilidade social e ambiental que as colocam no campo do interesse público, o que respalda o conceito de modernização ecológica tratado pelos autores. Isto demonstra que buscar o equilíbrio entre as ações de exploração econômica do meio natural pelas empresas e as ações de preservação do meio ambiente constitui, em essência, uma ação pública que envolve a Sociedade, o Mercado e o Estado e, como tal, um espaço de atuação da gestão social. Ambos os artigos chamam a atenção para a necessidade de mudança de concepção e de prática quando se trata de responsabilidade para com a sociedade e com o meio natural, pois não basta apenas boa vontade ou assistencialismo, é necessária a 19

mudança efetiva. Assim, na perspectiva da modernização ecológica, deve-se estruturar meios para se conseguir, na concepção e na prática, um equilíbrio entre crescimento econômico e qualidade adequada do meio ambiente, o que atribui ainda mais importância à responsabilidade socioambiental das empresas. O estudo de Simão Pereira da Silva, Kely Gomes e Natália Mesquita “Responsabilidade Social nas Empresas de Pequeno Porte – Limitações e Perspectivas: uma análise em Minas Gerais” trata da Responsabilidade Social das empresas de pequeno porte dos ramos industrial, comercial e de prestação de serviços no vale do Rio Doce, Minas Gerais. Foram pesquisadas 15 empresas de pequeno porte a respeito da concepção, das iniciativas e das perspectivas que apresentam sobre responsabilidade social. Os autores consideram como responsabilidade social o comprometimento que a empresa tem para com a sociedade e com o meio ambiente ao prestar contas, publicamente, de suas ações. Para medir esse comportamento os autores utilizam de três indicadores: certificação de responsabilidade social corporativa; balanço social; demonstração do valor adicionado. A certificação é um tipo de atestado fornecido por uma instituição certificadora de que a empresa cumpre sua responsabilidade social por meio de critérios adotados e reconhecidos. O Balanço Social é uma forma de apresentar os resultados da empresa no que diz respeito à sua responsabilidade social, de forma quantitativa e qualitativa, tanto interna quanto externamente à empresa. A Demonstração do Valor Adicionado é uma demonstração obrigatória para todas as empresas abertas no que diz respeito ao quantitativo de riqueza que uma empresa produziu, bem como quanto e como essa riqueza foi distribuída ou retirada. Os resultados da pesquisa mostram que em termos de concepção de responsabilidade social a maioria dos empresários entrevistados argumenta conhecer e entender, mas as iniciativas da maioria estão relacionadas a atividades passageiras e limitadas ao assistencialismo e ao filantropismo. Foram encontradas apenas quatro empresas de pequeno porte que possuem concepção adequada de responsabilidade social, mas praticam assistencialismo e filantropia como sendo responsabilidade social empresarial. O ensaio teórico de Luciano Munk e Rafael Borim de Souza “Desenvolvimento Sustentável ou Modernização Ecológica? Uma análise Exploratória” trata da analisa de dois conceitos a respeito do meio ambiente: desenvolvimento sustentável e modernização ecológica. O objetivo do ensaio, segundo os autores, é analisar qual dos dois conceitos possui maior densidade teórica para explicar a realidade e ser capaz de indicar meios para a operacionalização do desenvolvimento sustentável. Embora os autores apresentem uma questão que resultaria em uma escolha entre duas alternativas, “Desenvolvimento Sustentável ou Modernização Ecológica?”, o conteúdo do texto trata especificamente da modernização ecológica como conceito e paradigma superior e adequado para explicar a realidade atual da sociedade e meio ambiente. Os autores exploram o histórico, diferentes abordagens e a estrutura conceitual de modernização ecológica em diferentes autores, argumentando que este é “mais viável 20

teoricamente” por conciliar os problemas ambientais com os interesses dos indivíduos capitalistas, oferecendo alternativas às conotações pessimistas em relação a tais problemas. Para os autores deste ensaio teórico a modernização ecológica é um fenômeno social que se fundamenta em valores ambientais, em valores capitalistas e em valores institucionais voltados para o desenvolvimento. Portanto, os autores consideram que a modernização ecológica compreende o meio ambiente como espaço autônomo e ilimitado para a tomada de decisão, bem como constitui uma resposta crítica ao “ambientalismo radical”. Nesse sentido, consideram que o Estado deve dar a mesma importância à economia e ao meio ambiente, de modo que haja desenvolvimento tecnológico e financeiro. A quarta e última parte deste livro Tecnologias Sociais e Metodologias de Formação em Gestão Social está estruturada em quatro trabalhos. O trabalho de Edgilson Araújo, Rosana Boullosa e Ana Glória “Tão Longe, Tão Perto: reflexões sobre a relação entre Gestão Social e Serviço Social como possibilidade da inovação e aprendizagem” trata da possibilidade de inovação e aprendizagem que o campo de conhecimento em Serviço Social poderá trazer para a Gestão Social e viceversa. Os autores constatam que esses campos ou áreas de conhecimento não se aproximam ao longo de suas trajetórias, apesar de apresentarem semelhanças ou proximidades em vários aspectos como o objeto e aos instrumentos de trabalho e de pesquisa. Os autores tecem algumas considerações a respeito de experiências, de abordagens e de formação profissional que estão distantes na prática entre as duas áreas, mas que poderiam se aproximar e promover ganhos para ambas. Neste sentido os autores levantam várias questões, dentre as quais: a gestão social institui uma nova profissão ou carreira? Assim, o objetivo da oficina conduzida pelos autores no âmbito do IV ENAPEGS foi de promover a reflexão dos participantes a respeito das possíveis interações entre Gestão Social e Serviço Social à luz da perspectiva da inovação e da aprendizagem no trabalho social. Outra oficina proposta e realizada por Ósia Passos, Ana Rocha, Alessandra Azevedo e Aelson Almeida “Oficina Paulo Freire: discutindo metodologias de incubação” trata de discutir princípios e metodologias de incubação de empreendimentos solidários com base nos escritos de Paulo Freire. Os autores consideram que na literatura recente sobre Economia Solidária e, especificamente, sobre o processo de incubação de empreendimentos solidários há uma distância entre o discurso de transformação e as práticas metodológicas no âmbito das incubadoras. Chamam a atenção para o potencial transformador da metodologia educativa de Paulo Freira e da própria economia solidária em sua essência.

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De acordo com os autores, a realização da oficina no âmbito do IV ENAPEGS visa contribuir para a construção de uma metodologia de referência em processo de incubação de empreendimentos solidários, fundamentada na obra de Paulo Freire. Os autores buscaram refletir com os participantes até que ponto os escritos de Paulo Freire respondem aos desafios do processo de incubação. A terceira oficina, proposta e realizada por Naira Pereira, Maria de Sousa, Tatiane Jorge, João do Nascimento e Gisele Teixeira “Um Olhar sobre a Matatécnica do Devir Educativo do Laboratório Troca de Afetos – LATA” diz respeito a uma experiência dialógica entre professor, aluno e comunidade denominada pelos autores de “Metatécnica do Devir”. O objetivo da oficina foi promover a reflexão dos saberes tradicionais e as práticas humanas em um processo de interação totalmente horizontal. De acordo com os autores a metodologia utilizada compreende dois procedimentos para a apreensão dos saberes, quais sejam: repetição e simulação. O procedimento de repetição é usado como exercício rítmico para (des)condicionar o corpo e o organismo. A simulação envolve um ensaio fotográfico para ser incluído no blog de projeto-acontecimento. Segundo os autores, “a intenção é criar nas pessoas envolvidas no processo (Educativo e Afetivo) uma reflexão dos seus atos, para criar espaços de ação e indignação”. Por último, o trabalho de Silvia Oliveira e Silva, Maria Laís Leite, Raimundo Neto e Danilo Feitosa “Descentralizando a Incubação de Empreendimentos de Economia Solidária: a experiência de incubação do projeto de educação ambiental e reestruturação da associação de catadores do município de Barbalha/CE” trata de um relato de experiência a respeito da incubação de empreendimentos no Ceará, realizado por duas incubadoras: a Incubadora de Cooperativas Populares de Autogestão (ICPA/UFC) e a Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Cooperativos e Solidários (ITEPS/LIEGS/UFC-Cariri). Os autores se fundamentam em uma revisão teórica sobre o conceito de economia solidária para tratar dos relatos de experiência do processo de incubação. Contextualizam, historicamente, a incubação de empreendimentos no Ceará, incluindo as duas incubadoras referenciadas acima. Nesse contexto, os autores informam que a ICPA/UFC incubou cerca de 37 empreendimentos ao longo de 10 anos de funcionamento, enquanto que a ITEPS, criada em 2009 por iniciativa do Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social (LIEGS), assumiu a incubação de quatro empreendimentos, os quais são descritos pormenorizadamente no relato. Por último, os autores apresentam as expectativas geradas pelo desenvolvimento do projeto socioambiental, quais sejam: implantação de uma usina de triagem de resíduos sólidos no município; elevação da dignidade e cidadania dos coletores; aumento da consciência ecológica que envolve a coleta seletiva e a reciclagem em casa; minimização de proliferação de doenças e de problemas de enchentes; geração de trabalho e renda.

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PARTE I GESTÃO SOCIAL E GESTÃO PÚBLICA NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES ENTRE ESTADO E SOCIEDADE

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Uma Abordagem Normativa Para a Gestão Social no Espaço Público

Eloisa Helena de Souza Cabral Resumo: As iniciativas sociais apresentam peculiaridades e desafios para a gestão social. É nosso objetivo neste artigo de natureza analítica, sugerir uma abordagem normativa para o campo de atuação destas iniciativas, que obedece a designação de Terceiro Setor, e para a gestão social das organizações que nele atuam, tratando-o como campo intermediário, que se expressa como lugar relacional entre o Estado, o mercado e a comunidade. Esta concepção do espaço de atuação organizacional como um ambiente híbrido e não como um setor delimitado, permite dotar o campo da sua ação social de atributos valorativos, e sugere um referencial normativo para a gestão social. Identificamos as exigências que esse lugar relacional comunica à gestão na forma de dualidades que reproduzem aquele ambiente híbrido e comunica os anseios dos atores sociais que se articulam nesse campo. A aplicação desta abordagem ao processo de gestão permite considerar evidências empíricas de que a avaliação dos valores, do impacto e da economicidade das iniciativas sociais apresenta-se como um dos principais desafios à gestão social. O referencial de valores do espaço público apresentado sugere elementos práticos para a identificação do objeto da avaliação na figura dos valores reproduzidos e dos bens públicos disponibilizados pelas iniciativas sociais nesta área.

Introdução Durante os anos 1980, desenvolveu-se, no European Centre for Social Welfare Policy and Research, em sua sede em Viena, uma série de estudos inicialmente ligados à sociologia política, que sistematizaram a ideia de uma disposição institucional de mistura (mista ou plural) para as questões afetas à proteção social. Esta visão procurava abranger a diversidade dos atores e a pluralidade das iniciativas que exerciam sua presença e interesses nas ações afetas àquele tema. O conceito de mistura de proteção social – welfare mix – foi sistematizado e tronou-se o ponto basilar das ideias desenvolvidas por Evers (1995), como processo de interações concorrentes e complementares que ocorrem entre os três setores angulares da sociedade: o Estado, o setor mercantil e a comunidade na área do bem-estar. Da combinação destes setores que interagem segundo lógicas e racionalidades distintas e específicas e do contrato social que os orienta, deriva um conjunto de ações, pressões e políticas que compõe as garantias sociais materializadas na proteção social escolhida e desenvolvida por determinada sociedade. Este conceito de mistura alude aos esforços sinérgicos dessa combinação e pode ser interpretado como a coexistência de racionalidades e interesses plurais, que se projetam no exame da questão social, e, especificamente para o nosso tema, projetam-se como ações concernentes à proteção social. 24

Também o exame do conceito de questão social se beneficia da consideração do intercâmbio e do diálogo destas lógicas e tensões. As manifestações políticas, jurídicas e culturais, de um lado, e o conjunto das condições materiais e de infraestrutura – saúde, educação, trabalho, produção, tecnologia – de outro, apresentam modos de desenvolvimento assimétricos e insatisfatórios, no que concerne aos requisitos sociais admitidos e aos resultados pretendidos pelos indivíduos. A esse estado de reprodução desigual de bens, para o qual confluem os problemas da dimensão estrutural da sociedade, denominamos de questão social. Porém, essa projeção de multiplicidades sobre o foco da proteção enriquece o conceito, trazendo ao debate a questão social vista pelo ângulo complementar do desenvolvimento humano pretendido, na medida em que os arranjos de proteção social visam e podem permitir alcançar estados de desenvolvimento humano e social nos quais as assimetrias apontadas já estejam explicitadas e tendentes a serem superadas. A concepção teórica de Evers nos possibilita examinar o Terceiro Setor como uma realização dessa área intermediária do sistema de mistura de proteção social, no qual esforços, lógicas e racionalidades típicos do Estado, do mercado e das comunidades envolvem-se no tratamento da questão social. Sua aplicação permite superar a conceituação exclusivamente classificatória do Terceiro Setor, que o trata apenas como um conjunto de organizações que se assemelham de acordo com uma tipologia estabelecida. Essa abordagem classificatória, ou tipológica, faz com que o Terceiro Setor receba denominações diversas, que envolvem tão somente as características das organizações que nele atuam como, por exemplo, sociedade civil organizada, organizações não lucrativas, setor não governamental, setor não lucrativo, conjunto de organizações sem finalidade econômica, entre outras. Essas nomenclaturas, na sua maioria controversas e discutíveis, na medida em que rotulam as organizações, fazem com que esse espaço seja frequentemente tratado apenas como um conjunto de organizações similares (não lucrativas, não governamentais, voluntárias, com investimento social privado, de responsabilidade social, sem fim econômico e inúmeras outras). De maneira mais grave, estes termos desprezam a natureza abstrata do campo de atuação, enquanto intermediária das racionalidades do Estado, do mercado e da comunidade e, ao mesmo tempo, marcada pela concretude da intervenção social, seja ela formal ou informal. Ela despreza, mais ainda, a natureza substantiva dos atores dotados de representações, interesses, capacidades e que se manifestam nas ações de proteção. Esse tratamento classificatório revelou-se importante para estudos comparativos das dimensões econômicas (HEINRICH e FIORAMONTI, 2008), mas não nos apoia para o exame sociológico da gestão, por exemplo, para dar conta da multifacetada intervenção social que ocorre nessa área. Assim é que, para classificar as organizações, temos que recorrer a determinadas características que se expressam pela negatividade. É o caso das qualificações de não lucrativo, não estatal, não governamental, não econômico e outras, que insistem em uma explicação excludente que esconde a generosidade própria do setor e pouco acrescentam às suas capacidades sociais. Tratando-as tipologicamente como grupo, o que nos parece limitado, substitui-se a concepção sociológica de sua natureza inter-relacional e normativa por uma simplificação classificatória que inibe a expressão dos valores como 25

construções sociais e transfere a representação desses valores para as suas decorrências em termos de meras características organizacionais, sujeitas a adequações circunstanciais. Consideramos de acordo com Cabral (2007) o Terceiro Setor (TS) como o espaço relacional no qual lógicas diversas, discursos e racionalidades que emergem do Estado, do setor mercantil e da comunidade, são interconectados por um propósito comum de proteção e desenvolvimento sociais. Nesse campo intermediário de relações sociais, as organizações sociais (OTS) apresentam-se como empreendimentos privados, que atuam formal ou informalmente movidas por propósitos solidários originados na expressão pública de cidadãos que interpretam a questão social e a representam por meio das suas missões organizacionais, com o objetivo de participar da produção de bens públicos de proteção e desenvolvimento sociais. O TS manifesta-se, nesse sentido, como área intermediária de realização de esforços privados projetados sobre a questão social e as organizações sociais surgem como formas privadas e circunscritas de atuação voltadas para suas missões. Essa abordagem demanda a consideração do conceito de espaço público para indicar que o TS deve ser a representação desse espaço na sociedade, uma vez que engloba as relações entre o econômico e o político, o público e o privado, e se apresenta como substancial à democracia, que, enquanto princípio organizativo, justifica o interesse público pela questão social. Nesse modelo de espaço público, reconhece-se o campo de tensões estruturais no qual se debatem as relações, os interesses e as necessidades, as expectativas dos indivíduos que atuam publicamente. Essas tensões manifestam-se principalmente nas relações entre o mercantil e a esfera pública; entre o mundo uniforme das organizações com discursos e finalidades dirigidas e o mundo plural e inespecífico abordado pela comunidade; entre o mundo formal das organizações estruturadas e a informalidade comunicada pela comunidade e seus valores. Esse posicionamento supera as características econômicas, as idiossincrasias organizacionais, as conotações temáticas ou corporativas, para valorizar os papéis públicos e sociais de que as organizações são investidas no processo de sua conformação. É este processo, rico de significados sociais, políticos e de inter-relação entre os entes maiores, que se manifesta no atributo de intermediação. Essa abordagem procura superar também a identificação do TS como expressão da sociedade civil, conceito este muito mais amplo e decisivo da análise sociológica. Ao TS cabe a parcela de representação dos esforços colimados na proteção social e no desenvolvimento, com o empenho organizado dos indivíduos na sua forma relacional com aqueles entes maiores. As organizações, formais ou informais, podem ser identificadas substantivamente como elementos criadores, fiadores, e acreditadores de novas sociabilidades a partir da coesão proposta em suas missões. Assim, as organizações que abordam problemas oriundos da questão social a terão sempre como acervo de sua identidade. Defini-las por sua funcionalidade, ou eventuais características organizacionais, ou características temáticas, ou limites de atuação, impede o reconhecimento desse campo amplo e dialógico, mascarando o reconhecimento da tensão como elemento constitutivo e freando sua condição natural de 26

intermediação, que não é senão a exteriorização e representação da diversidade e pluralidade dos fatos sociais ainda no seu nascedouro. Espaço Público: Uma Abordagem Normativa do TS e da Gestão Social O espaço público é, portanto, o referencial para uma abordagem normativa do TS que o vincula à produção dos bens públicos, de proteção e desenvolvimento, naquele espaço relacional. Tratando o bem público como produto social do encontro entre o Estado, o mercado e a comunidade, necessária e indistintamente usufruído pelos cidadãos, podese dizer que esses bens, em sua qualidade e forma, respondem ao confronto entre a representação da vontade dos cidadãos, o exercício do poder do Estado e a capacidade produtiva do mercado. A reprodução desses bens públicos é desigual no desenvolvimento do capitalismo e nos resultados dessa dimensão estrutural é que identificamos a questão social a qual outrora identificamos inicialmente. Ao se considerar, como Sousa Santos (1998), o contrato social como a metáfora desse encontro, compreende-se o TS como produtor dos bens públicos característicos que decorrem de uma parcela da dinâmica desse contrato, aquela vinculada à proteção. Essa dinâmica é orientada e mobiliza os atores sociais a partir dos valores sociais e dos bens públicos que são compartilhados por esses atores, emanando da natureza pública e intersetorial desse campo. Assim, o TS, enquanto manifestação desse espaço público pode ser identificado por sua estrutura de atributos normativos que se explicitam em novas sociabilidades para gerir formas de produção de bens públicos e reprodução dos valores sociais estimados. Identificamos o espaço no qual se realizam essas sociabilidades como um local público equipado de atributos identificados nos valores: representação de interesses coletivos; democratização; qualidade; efetividade: visibilidade; cultura pública; universalidade; autonomia; controle e defesa social; e sustentabilidade, que foram abordados por Wanderley (1998) em seu estudo das instituições educacionais comunitárias e tratados por Cabral (2007) no âmbito do TS. Essa estrutura de valores impõe que a gestão social seja tratada como a instância que reproduz os valores sociais e produz os bens públicos que permitem o florescimento do espaço articulado pelo TS. Esta é a concepção normativa que comunica o campo das atividades sociais e o modo de realiza-las, como representação do espaço público que exige uma gestão social para desenvolver-se. Com a gestão social nesse espaço intersetorial, as OTS acessam diversas fontes de recursos sociais (fundos públicos, trabalho voluntário, doações privadas de pessoas e empresas, entre outras) enquanto articulam diferentes grupos sociais, dotados de visões acerca da questão social essenciais à sua formação, os quais designamos pelo conceito de públicos constituintes. Esses públicos seguem cinco frações diferenciadas de atores sociais: instituidores, correspondendo ao grupo original que instalou a organização, manifestou sua missão e propiciou os recursos materiais e ideológicos iniciais; funcionários, correspondendo ao grupo de indivíduos que se vincularam legalmente como trabalhadores da organização e assumiram ao longo do tempo um determinado grau de identidade com os pressupostos da organização; voluntários, como um grupo relativamente transitório que se articula à 27

organização de modo autônomo e realiza parcelas das tarefas, ou contribui com trabalho, participação ideológica ou empenho pessoal, não remunerado, com intensidade e características diversas; doadores, correspondente ao conjunto, nem sempre internamente articulado de indivíduos, que contribui financeiramente para a manutenção da organização; e, finalmente, o público-alvo, que constitui o grupo de beneficiários dos serviços prestados pela organização, ou seja, o cidadão portador de direitos, com capacidade de autonomia e liberdade para decidir sobre sua vida individual e coletiva – para quem se destinam as ações das OTS. Esses públicos constituintes são identificados por diferentes valores que determinam expectativas, necessidades, capacidades, interesses e representações sociais da missão. Designamos, sumariamente, pelo acrônimo ENCIR a esse conjunto de expectativas, necessidades, capacidades, interesses e representações sociais. Aqueles recursos diversos e as frações dos públicos associadas ao empreendimento social que os acessam é que indicam a capilaridade através da qual a missão da organização representa o conjunto das ENCIR. Desse ponto de vista, o TS está contribuindo para a ampliação do conceito de público, diferentemente da função pública do Estado, entendido este último enquanto fiador do contrato social e da sua universalidade. Esse caráter público do TS reflete as singularidades das interpretações coletivas dos públicos constituintes sobre a questão social e a universalidade nele diz respeito à inclusão das ENCIR desses públicos. Os atributos que dotam o espaço público de uma estrutura valorativa podem assim ser definidos: Representatividade de interesses coletivos: proveniente da natureza participativa da ação pública, a constituição de uma OTS é a expressão representativa de interesses coletivos quando comunica uma missão a partir do entendimento da questão social. Democratização: refere-se à ampliação de espaços relativos às decisões coletivas, oriundas da agregação dos públicos constituintes. Qualidade e Efetividade: atributo que sugere padrões de melhoria para direcionar a superação das assimetrias sociais. Visibilidade Social: procedente da natureza de disponibilidade da ação pública, a visibilidade social diz respeito à publicidade e fidedignidade da exposição pública das ENCIR. Universalidade: decorrente da natureza não discriminatória da ação pública que visa ao desenvolvimento e à proteção coletivos. Cultura Pública: conectada com a natureza da disponibilidade da ação pública, a cultura pública refere-se à possibilidade, que o TS persegue, de construir um paradigma de diálogo. A autonomia caracteriza-se pela independência em relação à representatividade pública do governo e de outras instituições. Sua representatividade emana do interesse privado do exercício da cidadania sobre a questão social, de outras fontes e de outros pactos sociais que não o Estado, o mercado ou as relações de proximidade das comunidades. É à missão e à contratualidade, renovadas no processo dialógico entre os públicos constituintes e a sociedade, que deve se referir a autonomia. 28

O controle e a defesa social apresentam-se no valor de garantia da segurança, da superação do risco social e da expressão livre dos cidadãos. Este conjunto de atributos, manifestado na natureza pública deste campo intermediário de sociabilidades, se constitui em um referencial a partir do qual podemos tratar, normativamente, o processo de gestão que o contemple como um processo de gestão social que garanta a reprodução destes valores e a produção dos bens públicos na perspectiva das ENCIR dos públicos constituintes. As Dualidades da Gestão Social das OTS A consideração desse espaço intermediário equipado dos atributos e a vinculação entre valores sociais e bens públicos que permeia sua expressão social, dotam a gestão social, que articula praticamente estes valores e bens, de peculiaridades cujas manifestações às vezes são usadas para exemplificá-la. Esta é uma manifestação da intersetorialidade expressa pela noção de mistura. Na gestão das atividades sociais entrecruzam-se habilidades dos gestores, requisitos das situações e necessidades dos públicos constituintes que guardam similaridades com a gestão pública estatal, com a gestão dos negócios mercantis e com as práticas comunitárias. É mais uma vez noção de mistura que permite tratar estas expressões setoriais de práticas da gestão guardando a identidade da gestão social sem confundi-la, profissional e praticamente, com quaisquer de suas manifestações particulares. Assim é que a conexão estabelecida com o setor mercantil apresenta arranjos institucionais variados, que permitem a uma organização assumir variações na sua gestão econômica, entre uma posição não lucrativa e o desenvolvimento de atividades geradoras de excedentes, ou distributiva de benefícios de acordo com os seus propósitos. Nem por isso a gestão da atividade social deve ser confundida com a gestão da atividade mercantil. Deve dialogar com seus instrumentos, mas aplica-los na perspectiva do referencial valorativo que garante a natureza pública que lhe é substantiva. Essa conexão se apresenta mais marcante com o desenvolvimento das atividades e o crescimento da demanda e a diversificação das operações, quando as organizações enfrentam os dilemas da sustentabilidade em escalas crescente. A economia solidária é uma expressão dessa vinculação. A responsabilidade social empresarial também reflete esse compartilhamento possível de valores que se situam na fronteira entre o TS e o mercado. A conexão pública é estabelecida em duas instâncias. Primeiro, como a representatividade própria que as OTS manifestam enquanto articuladoras de seus públicos constituintes. Em segundo lugar, como institucionalidade que dialoga com o Estado durante uma cooperação conflituosa, entre os interesses da maioria nas democracias modernas e dos diferentes grupos que se mesclam e se representam pelo TS. De um lado, apresentam-se as características universalistas próprias das instituições de Estado que, como resultado do processo hegemônico que as legitimam, se expressam e agem formalmente perante o universo das relações sociais que de modo plural 29

representam. De outro, as OTS apresentam-se manifestando posições e entendimentos particulares, de grupos com expectativas e missões que interpretam parcelas das mesmas questões sobre as quais o Estado se debruça universalmente. Reside na conexão do TS com o Estado o balanço entre a autonomia de gestão das organizações e a integração regulatória, que persiste necessariamente nas manifestações de Estado. Essa intermediação, que caracteriza o lugar do TS e o posiciona constantemente perante a comunidade, o setor mercantil e o Estado, introjeta uma tensão interna nas próprias organizações, fazendo-as dotadas de regras e procedimentos formais e profissionais, porque se apresentam como instituições, ao mesmo tempo em que articulam mundos informais de comunidades, relações, ideologias, crenças e valores sociais. É importante anotar as diferenças do processo de produção e fruição dos bens que se manifestam no Estado, no mercado e nas comunidades, para identificar as peculiaridades dos bens públicos acessados e disponibilizados pelas OTS. Diferentemente dos bens públicos associados às garantias legais e ao exercício do poder; dos bens comerciais, com valor expresso em moeda; e dos bens comuns fruídos pelas famílias e comunidades em suas relações de proximidade, as OTS produzem bens dotados de valores compartilhados pelos públicos constituintes como valiosos para o alcance de determinados padrões de desenvolvimento e proteção, acordados na missão. Sua fruição depende da efetivação desses valores e a comunicação dos benefícios de sua fruição depende da identificação desses valores, de acordo com as ENCIR dos públicos constituintes. Na garantia desta fruição reside o caráter social que identifica a gestão. Essa constatação empírica reforça a compreensão do TS como parte de um arranjo, ou mistura, de institucionalidades, voltadas à provisão de desenvolvimento e proteção sociais, polivalentes e híbridas no sentido de gestar racionalidades, papéis, funções e reflexões próprias, diversas e intersticiais ao Estado, ao mercado e à comunidade. O reconhecimento permite identificar a interpenetração substancial entre o mundo público das organizações do TS e o mundo de manifestações e iniciativas da esfera privada e da comunidade. Aí residem as relações de confiança e solidariedade, os valores e o altruísmo, que, ao lado da publicização, representatividade, sustentabilidade e efetividade social, compõem as formas simbólicas exigidas no processo de gestão social. A tarefa pública de legitimação desse processo tem desafiado investigadores e os gestores das OTS (DEKKER e EVERS, 2008) (ENJOLRAS, 2009). Evers (1995) chamou essa situação de polivalente e híbrida, caracterizando-a por manifestar concomitantemente racionalidades aparentemente contraditórias. A partir da abordagem do TS como área intermediária, identificamos entre as peculiaridades das OTS, a dependência de recursos do mercado, do Estado e da comunidade; o balanço de modalidades econômicas geradoras e não geradoras de excedentes; e a integração de trabalho remunerado e voluntário. Nesta mesma direção podemos identificar analiticamente um conjunto de fatores determinantes da gestão, que designamos como dualidades da gestão social das OTS, que provem da condição simultânea dessas organizações: • Equilibrarem apelos solidários e defesas corporativas dos públicos individuais que as constituem; 30

• Proverem bens e serviços para um público-alvo determinado pela missão e atingirem um benefício público que extravasa esse público localizado; • Interpretarem em sua missão uma questão social ampla e estrutural, porém, focalizada nos objetivos determinados; • Estabelecerem critérios de exclusão e seletividade necessários e suficientes perante a demanda de recursos para executarem políticas de inclusão sob a ótica da universalidade e amplitude; • Adequarem medidas de avaliação solicitadas pelos financiadores e pelo Estado (que refletem expectativas de realização comparáveis com bens usualmente disponíveis de outras fontes), a uma postura inovadora, alternativa e direcionada, para suprirem deficiências e alterar limites, que esses mesmos agentes foram incapazes de atingir; • Serem fidedignas (accountable) perante a sociedade civil e perante os beneficiários de seus bens em particular; • Equilibrarem o requisito de controle social sobre o processo de seu desempenho e desenvolverem uma missão autonomamente estabelecida. Essas peculiaridades da gestão social das OTS decorrem do ambiente dinâmico e rico de determinações sociais dos seus públicos constituintes, enquanto atores sociais geradores de ENCIR, e da transiência na natureza híbrida e fronteiriça do seu espaço de atuação. Elas não devem ser tomadas como instrumento da definição do TS como setor estanque, ou das organizações que nele atuam como organizações que delimitam, por sua atuação ou atividade, esse determinado setor, pois justamente refletem os vínculos que as ações sociais determinam entre os atores e as sociabilidades desenvolvidas na expansão do conceito de público. A partir do conceito do espaço público é que se pode refletir sobre as iniciativas que nele ocorrem. Nesse sentido, os atributos normativos desse espaço, que tende a se configurar como público, na medida em que se desenvolve de modo convergente e coordenado, devem ser observados no processo de gestão, como garantia da reprodução compartilhada dos valores sociais e efetiva dos bens públicos produzidos. O Desafio para a Gestão Social das OTS Assumindo essa abordagem normativa e as dualidades da gestão social, Cabral (2004 e 2007) investigou o processo de gestão das OTS de acordo com as peculiaridades e os desafios que se apresentam aos seus gestores. O estudo mostrou que a gestão das OTS relega a função de controle a um plano subalterno comparativamente às outras funções da gestão (direção, planejamento e organização), e a apontou como a menos desenvolvida e menos importante delas. Identificou, também, que a satisfação dos públicos constituintes com os resultados das OTS investigadas decorre de um processo de interpretação que se baseia na percepção do cumprimento da missão e guarda fidelidade à visão do público constituinte que a expressa. Como os resultados das atividades desenvolvidas no TS visam prover a superação de condições sociais insatisfatórias, existe uma demanda por melhorias, sujeita à ótica de cada público, e que aponta para a insuficiência da satisfação como indicador de sucesso. Por assumir significados subjetivos e controversos, o conceito de satisfação não se 31

mostra objeto de medida considerada pelos gestores, apresentando-se mais como reconhecimento da importância dos esforços empreendidos. A missão é que desempenha a função mais relevante. Nela se agregam as expectativas dos públicos constituintes como intérpretes privados da questão social e é por meio de suas potencialidades e da perspectiva de sua realização e comunicação que se afere a permanência dos valores institucionais nos resultados alcançados. Neste sentido a missão representa a motivação de acesso aos valores e aos bens e se manifesta como um exercício de expressão de anseios e perspectivas sociais arregimentados pelas ENCIR. O que está determinado é que a missão permeia a organização e sua gestão, mas dada a insuficiência do controle, não estão construídos elementos que permitam avaliá-la como atividade autônoma. Em resumo, a aplicação do referencial do espaço público ao processo de gestão esclarece que a missão, enquanto expressão dos valores, é reconhecidamente importante, porém, o controle da gestão não está suficientemente implantado, embora os públicos constituintes solicitem dos gestores o cumprimento da missão. Essa situação, que pode ser denominada de um paradoxo do controle, contrapõe a expectativa de cumprimento da missão à insuficiência dos instrumentos para sua verificação. O fato é que se reconhece, intuitivamente, como fundamental a relação entre controle, missão e os públicos constituintes e que o controle deve permitir a apreensão dos valores intangíveis e informais, da originalidade das ações e do conteúdo dos processos, não se limitando a uma mera construção de escalas quantitativas sobre resultados finais, ou de compilação de expressões opinativas sobre escalas de satisfação. Por consistência com o conceito de públicos constituintes e com o tratamento do TS como área intermediária, essas reflexões apontam alguns desafios para a gestão social das OTS. São eles: • Reconhecer a natureza pública e intermediária do espaço de sua atuação; • Reconhecer o conjunto de atributos da abordagem normativa do espaço público que se constitui em um referencial do cumprimento da missão institucional neste espaço; • Identificar os públicos constituintes por meio da investigação de suas ENCIR, como parâmetros valorativos que impactam a comunicação dos resultados e benefícios alcançados; • Tratar a sua natureza dual da gestão, como reprodutora de valores e produtora de bens públicos, para diferenciar-se da gestão das instituições públicas e das empresas privadas, guardando sua identidade como processo. • Beneficiar-se do diálogo com técnicas e métodos oriundos das áreas pública e privada, considerando, porém, as suas especificidades e diferenças; • Desenvolver uma cultura de avaliação específica para o TS, considerando a mensuração do impacto dos benefícios, da economicidade dos projetos e da reprodução dos valores sociais no espaço público intermediário em que se realiza a produção dos seus bens e a reprodução dos seus valores.

Conclusão

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Esses aspectos da gestão social sugerem que se investigue o desenvolvimento de uma metodologia específica de avaliação das organizações do TS que, a partir do exame dos valores sociais realize o exame dos benefícios, do impacto e da economicidade dos bens públicos. A abordagem normativa do TS e da gestão social pode contribuir para este tema, pois, se constitui no referencial conceitual que permite contemplar a reprodução dos valores, as ENCIR e a multiplicidade de determinações oriundas da natureza híbrida e intermediária do TS. A consideração dos atributos do espaço público inclui na abordagem a centralidade dos valores compartilhados pelos públicos constituintes. Esta linha de pesquisa para a elaboração de um mapeamento de bens públicos que vincule valores e resultados aos benefícios mensurados por indicadores e índices compostos para monitorar o cumprimento da missão. A partir da conexão de valores e fatos, estabelecida por Hilary Putnam (2002), esta metodologia pode contribuir para avaliar os projetos sociais a partir de um referencial de avaliação semelhante ao evaluative space proposto por Amartya Sen (1997) em sua teoria das capabilities, de modo a permitir a especificação dos bens que devem ser tomados como objetos dotados de valor. A aplicação deste referencial ao problema central da avaliação, qual seja, o estabelecimento dos objetos valorizados pelos públicos interessados, dos que devem se constituir no objeto de avaliação, pode se evidenciar como um instrumento relevante para o sucesso do processo de gestão social. Referências EVERS, Adalbert. Part of the welfare mix: the third sector as an intermediate area. Voluntas, 6(2),159-182, New York, 1995. ______________ . Hybrid organizations, background, concepts, challenges, in Stephen Osborne (org), The third sector in Europe: prospects and challenges. Abingdon: Routledge, 279-292, 2008. CABRAL, Eloisa Helena de Souza. Gestão social no terceiro setor: avaliação de processos e missão institucional. Oficina do Ces, 190, Coimbra, 2003. ______. Reptos para o terceiro setor: pertinência ao espaço público não estatal na perspectiva da gestão social. Tese (Doutorado)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004. ______. Une double perspective du controle sur la gestion sociale. In: Concepts of the third sector: the european debate ISTR-Crida, Paris, 2005. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2009. ______. Espaço público e controle para a gestão social no Terceiro Setor. Serviço Social e Sociedade, 86, 30-55, 2006. ______. Terceiro setor: gestão e controle social. São Paulo: Saraiva, 2007. CABRAL, Eloisa Helena de Souza e MUZY, Paulo de Tarso. Improving public culture through the evaluation of outcomes and values in social enterprises. Selected Papers of 2ND EMES INTERNATIONAL CONFERENCE ON SOCIAL ENTERPRISE, Trento, Itália, 2009. Disponível em: http://www.emes.net/index.php?id=499, acessado em 20 de fevereiro de 2010. 33

DEKKER, Paul e EVERS, Adalbert, Civicness and the third sector, Voluntas, 20, 217219, 2009. ENJOLRAS, Bernard, A governance-structure approach to voluntary organizations, EMES Working Papers WP no. 09/01, 2009. Disponível em http://www.emes.net/index.php?id=49, acessado em 20 de fevereiro de 2010. HEINRICH, V. Finn, FIORAMONTI, Lorenzo (Edit.). Civicus: global survey of the sate of civil society. Bloonfield, Kumarian, 2008. PUTNAM, Hilary. The collapse of the fact/Value dichotomy, Cambridge: Harvard University Press, 2002. SEN, Amartya. Quality of life and economic evaluation. Academia Sinica Economic Papers, 25, (3), 1997. SOUSA SANTOS, Boaventura. Reiventar a democracia. Lisboa: Gradiva, 1998. WANDERLEY, Luiz Eduardo. O ensino público não estatal: uma inovação? Ciência e cultura. São Paulo: SBPC, 40-4, , 1998. p. 365-370.

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A Relação Entre a Sociedade Civil e o Estado na Formulação de Políticas Públicas na Microrregião de Garanhuns Fernando Guilherme Tenório Lamounier Erthal Villela Anderson Felisberto Dias William dos Santos Melo Jonathan Felix Ribeiro Lopes Resumo: O presente estudo buscou analisar os processos participativos da sociedade civil local na formulação de políticas públicas na microrregião de Garanhuns no estado de Pernambuco. Fizeram parte do estudo seis municípios: Angelim, Brejão, Palmeirinha, Paranatama, Saloá e São João. A pesquisa se caracterizou por uma abordagem qualitativa, descritivo-interpretativa, tendo a análise de discurso como método de tratamento dos dados. Foram entrevistados quarenta representantes do poder público municipal e da sociedade civil organizada. Os processos decisórios participativos foram analisados a partir das categorias: processo de discussão, inclusão, pluralismo, igualdade participativa, autonomia e bem comum. Os resultados das categorizações evidenciam uma fragilidade na relação entre o Estado e a sociedade civil. A relação entre Estado e a população local só se torna mais frutífera na região, com a presença de políticas sociais oriundas do governo federal, o que dificulta o fortalecimento de uma cidadania ativa e comprometida com o bem comum. Introdução Com o processo de democratização que iniciou na década de 80 e ampliou-se com a promulgação da constituição de 1988, a sociedade brasileira passa a ter que exercer outro papel perante o Estado. “Com a constituição cidadã surge, de maneira enfática, o papel do cidadão junto aos poderes públicos” (TENÓRIO, 2008: 97). Sendo assim, as novas regras do jogo democrático permitem/proporcionam aos cidadãos a elaboração, execução e principalmente o controle sobre as políticas públicas que de alguma maneira afetam diretamente suas vidas. Há “com a supressão dos regimes autoritários que prevaleciam na região, um processo de descentralização que impulsiona mudanças na dinâmica de participação, notadamente em nível local” (JACOBI, 2002: 12). Na sociedade complexa e recém amadurecida democraticamente, a participação social, deixa de ser um privilégio para transformar-se em uma ação importante e de certa maneira, necessária. Esse cenário contribui para o estabelecimento de condições que propiciam o envolvimento da sociedade no sentido de partilhar com o Estado a tarefa de formular e executar políticas públicas. Entretanto, por mais que o Estado brasileiro tenha proporcionado a abertura de espaços democráticos e participativos, se faz necessário ultrapassarmos essa fase histórica e darmos continuidade no processo evolutivo de nossa jovial democracia. Pois como bem recomenda Bobbio (2004), o regime democrático é um constante “estar” em transformação na busca de melhoria e igualdade de direitos ao maior número de cidadãos possíveis. 35

Sendo assim, o que se verifica é a importância da continuidade do investimento da participação para fortalecimento de um Estado democrático que de fato possa propiciar a sua sociedade a tão prometida igualdade de condições e direitos. Essa postura precisa se tornar uma prática para enfraquecer de vez quaisquer tentativas de posturas patrimonialistas e clientelístas que ainda permanecem muito enraizadas em nossa identidade sociopolítica e principalmente na ação de muitos gestores públicos. O engajamento individual torna-se então uma boa saída para fortalecer de vez a democracia e propiciar uma efetiva participação da sociedade civil em prol do bem comum, sendo atendidas as demandas coletivas a partir de ações/respostas também coletivas. A fraqueza do exercício da cidadania ou do engajamento individual permite que a pouca participação popular, resulte na aceitação, por parte da classe que não detém o poder de decisão, na aceitação da concentração de poder pelo Estado ou por determinados grupos empenhados em defender seus próprios interesses (TOCQUEVILLE, 2005). Nesse contexto, o presente trabalho busca investigar uma região geográfica específica (microrregião de Garanhuns) para contribuir com a discussão da relação entre Estado e sociedade civil na formulação de políticas públicas, no sentido de encontrar mecanismos capazes de institucionalizar os processos participativos entre esses dois entes. Pretende-se, portanto, analisar a relação entre a sociedade civil e o Estado na formulação de políticas públicas na microrregião de Garanhuns. Cidadania deliberativa, participação e mundo da vida5 Na proposta defendida nesta obra, a cidadania deliberativa se legitima a partir “[...] das decisões políticas que devem ter origem em processos de discussão, orientados pelo princípio da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum”. (TENÓRIO, 2007: 12). Esse trabalho segue o modelo de democracia habermasiano, que se baseia na correlação entre direitos humanos e soberania popular e conseqüente reinterpretação da autonomia nos moldes da teoria do diálogo. Como nos diz Tenório (2007), o marco que possibilita essas formas de diálogo é a justiça, entendida como garantia processual da participação em igualdade de condições. A idéia que será analisada com vigor neste trabalho terá como direção, a ação da sociedade local na formulação de políticas públicas para suas próprias necessidades, possibilitando assim que o indivíduo evite alguns males provenientes de sua ação passiva. A falta de participação cidadã no processo de construção de respostas para suas demandas pessoais traz consigo inúmeras conseqüências: 1) diminui as chances de melhoria da condição de vida para uma maioria desassistida; 2) aumenta a possibilidade de grupos de interesses que tenderão a beneficiar-se mutuamente para adquirirem a manutenção do poder e do status quo; 3) fortalece o padrão patrimonialista brasileiro, onde os interesses privados invadem e atropelam o 5

O conceito habermasiano de mundo da vida tem três componentes estruturais distintos: a cultura, a sociedade e a personalidade. Na medida em que esses três atores se entendem mutuamente e concordam quanto a sua condição, eles partilham uma tradição cultural, de modo que, por meio das regras e normas estabelecidas pelos atores, internalizam-se orientações valorativas, adquirem-se novas competências para o agir cotidiano e desenvolvem-se identidades individuais e sociais. A reprodução de ambas as dimensões do mundo da vida envolve processos comunicativos de transmissão da cultura, de integração social e de socialização. A diferenciação estrutural do mundo da vida se dá pelo surgimento de instituições especializadas na reprodução de tradições, solidariedades e identidades. (ARATO & COHEN, 1994: 153).

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interesse coletivo e; 4) gera inúmeras ações negativas que debilitam a res-pública através do enfraquecimento da ação do indivíduo e de uma possível representação civil organizada. Os municípios analisados, pertencentes a microrregião de Garanhuns, foram analisados a partir de uma visão dialógica, que prioriza ações participativas entre os gestores locais que representam o poder municipal e a sociedade civil local, evitando assim as conseqüências negativas expostas acima. Entendesse a partir de nosso eixo metodológico que só através da dialogicidade dos atores sociais (sociedade civil e poder público local) é que se poderá maximizar um agir comunicacional, onde esses mesmos atores interagem com a finalidade de chegarem a um consenso que favoreça a formação de uma rede de interações sociais que elaborem possíveis soluções para diversas questões pertinentes no mundo da vida. Habermas assim define: Essa racionalidade comunicativa exprime-se na força unificadora da fala orientada ao entendimento mútuo, discurso que assegura aos falantes envolvidos um mundo da vida intersubjetivamente partilhado e, ao mesmo tempo, o horizonte no interior do qual todos podem se referir a um único e mesmo mundo objetivo. (HABERMAS, 2004: 107). Procedimentos Metodológicos A pesquisa se caracterizou como predominantemente qualitativa, a partir de uma abordagem descritiva-interpretativa. Os dados analisados compõem um conjunto de quarenta entrevistas, realizadas pelo núcleo de pesquisa. Dos quarenta entrevistados, vinte eram representantes dos poderes públicos municipais, doze eram representantes da sociedade civil organizada e oito eram representantes da sociedade civil sem nenhum tipo de vinculação com qualquer entidade de classe ou organização. O conjunto de entrevistas foi categorizado a partir da concepção da análise de discurso. O motivo da escolha deste método se dá pelo fato de que “é o estudo de palavras e expressões, incluindo a forma ou estrutura destas palavras, o uso da linguagem no contexto e os significados ou interpretações de práticas discursivas” (VERGARA, 2008: 25), ou seja, possibilita ao pesquisador interpretar as contradições nas falas e desvendar “no contexto da sociedade, o confronto de forças, as relações de poder, os domínios do saber” (CABRAL, 1999: 4). Ao servir-se da análise do discurso, o presente trabalho, tem a intenção de demonstrar o não-dito, revelando a essência por trás da aparência, característica manifesta na epistemologia dialética presente na teoria crítica ou frankfurtiana, a qual esta pesquisa está fortemente vinculada. As transcrições foram analisadas pelos integrantes da equipe no intuito de categorizá-las a partir de critérios para a avaliação de processos decisórios participativos deliberativos na implementação de políticas públicas (TENÓRIO et al., 2008), demonstrados no quadro abaixo:

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1 Categorias 2 Processo de discussão: discussão de problemas através da autoridade negociada na esfera pública. Pressupõe igualdade de direitos e é entendido como um espaço intersubjetivo e comunicativo que possibilita o entendimento dos atores sociais envolvidos. 3 Inclusão: incorporação de atores individuais e coletivos anteriormente excluídos dos espaços decisórios de políticas públicas. Pluralismo: multiplicidade de atores (poder público, mercado e sociedade civil) que, a partir de seus diferentes pontos de vista, estão envolvidos no processo de tomada de decisão nas políticas públicas. Igualdade participativa: isonomia efetiva de atuação nos processos de tomada de decisão nas políticas públicas. Autonomia: apropriação indistinta do poder decisório pelos diferentes atores nas políticas públicas. Bem comum: bem-estar social alcançado através da prática republicana

1.1 Critérios • Canais de difusão • Qualidade da informação • Espaços de transversalidade. • Pluralidade do grupo promotor • Órgãos existentes • Órgãos de acompanhamento • Relação com outros processos participativos • Abertura dos espaços de decisão • Aceitação social, política e técnica • Valorização cidadã

• •

Participação de diferentes atores Perfil dos atores

Forma de escolha de representantes • Discursos dos representantes • Avaliação participativa • Origem das proposições • Alçada dos atores • Perfil da liderança • Possibilidade de exercer a própria vontade •

• •

Objetivos alcançados Aprovação cidadã dos resultados

Fonte: adaptado de Tenório et al. (2008).

A Região e os Municípios Estudados Os municípios estudados estão situados na microrregião de Garanhuns que se localiza ao sul do estado de Pernambuco (fig.1), na mesorregião do Agreste Pernambucano. O estado é composto por 185 municípios, possui uma área de 98.311,616 Km² e população total estimada de 8.485.386 habitantes (IBGE, 2007). O IDH6 do estado é de 0,718 (PNUD, 2000) e o índice de gini é de 0,50 (IBGE, 2003).

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O índice de desenvolvimento humano (IDH) é uma medida comparativa que engloba três dimensões: riqueza, educação e esperança média de vida. É uma avaliação padronizada para medir o bem-estar de uma população. O índice foi desenvolvido em 1990 pelo economista paquistanês Mahbub ul Haq, e vem sendo importante parâmetro avaliativo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) desde 1993. O índice varia de zero (nenhum desenvolvimento humano) até 1 (desenvolvimento humano total.

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Figura 1 – MICRORREGIÕES DO ESTADO DE PERNAMBUCO

A microrregião de Garanhuns é composta por 19 municípios: Angelim, Bom Conselho, Brejão, Caetés, Calçado, Canhotinho, Correntes, Garanhuns, Iati, Jucati, Jupi, Jurema, Lagoa do Ouro, Lajedo, Palmeirina, Paranatama, Saloá, São João e Terezinha. Totalizando uma área de 5.185 Km² correspondentes a pouco mais de 5% do território pernambucano. A população total é de 432.426 habitantes (IBGE, 2007) e o índice de desenvolvimento humano é 0,580 (PNUD, 2000). A produção econômica é marcada pela criação de gado de leite e de corte que constitui a principal atividade da microrregião e é nessa que se encontra a chamada bacia leiteira do Estado. Ao lado da atividade pecuária, as culturas de subsistência de feijão, milho e mandioca compõem o quadro agrário que se completa com a cultura de café, frutas, flores e o cultivo de hortaliças nas áreas de “brejos”. O comércio é significativo, principalmente nos municípios de Garanhuns e Lajedo. A baixa temperatura garantida pela localização a 850m de altitude no Planalto da Borborema faz com que a microrregião desenvolva também atividades ligadas ao turismo e ao lazer. O enfoque dado neste capítulo se deu a partir das políticas públicas nos municípios de Angelim, Brejão, Palmeirina, Paranatama, Saloá e São João (fig. 2). A população total desses é de 75.371 habitantes em uma área que soma 1.163,2 Km² o que corresponde à densidade demográfica de 64,79 hab/Km² (IBGE, 2007). Dentre os municípios estudados Angelim é aquele que apresentou maior IDH-M, 0,602 (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2000), ver tabela 1. Figura 2 – MICRORREGIÃO DE GARANHUNS

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Tabela 1 – IDH, ÁREA E DADOS POPULACIONAIS POR MUNICÍPIO ESTUDADO Índice de População Área Densidade Desenvolvimento Município total, 2007 (Km²), demográfica, Humano (1) 2007 (2) 2007 (1/2) Municipal, 2000 Angelim (PE) 0,602 9.836 118,0 83,33 Brejão (PE) 0,569 9.341 159,8 58,46 Palmeirina (PE) 0,596 8.487 158,0 53,71 Paranatama (PE) 0,561 11.669 230,9 50,54 Saloá (PE) 0,561 15.027 252,1 59,61 São João (PE) 0,593 21.011 244,4 85,96 Total 75.371 1163,2 64,79 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil e IBGE, 2007 Descrição e análise dos dados A análise foi realizada tendo como material de trabalho os comportamentos atuais que as cidades apresentam em suas gestões rotineiramente. No entanto, não se está trabalhando com cidades com um padrão muito diferenciado de norma e de gestão, ao contrário, as cidades analisadas apresentam índices baixos de desenvolvimento humano (IDH), com uma economia local fraca e muitas vezes dependentes financeiramente de recursos oriundos do Estado e da União7. Ou seja, nossa análise atual, pode ser um reflexo da grande maioria dos municípios que fazem parte de nossa federação brasileira. As análises são realizadas a partir do conjunto de municípios da microrregião de Garanhuns, sendo representado pelos 6 municípios anteriormente citados, logicamente que em alguns municípios se verifica relatos que não foram encontrados em outras cidades. No entanto, sabe-se que em tese, todos os municípios são muito parecidos em seu comportamento sociopolítico, por isso não será feita uma análise separada por cidade. Se por processo de discussão entende-se que se refere à presença da ação negociada com a finalidade de estabelecer pontes comunicacionais com a autoridade pública e com os demais atores que integram essas sociedades locais, constata-se que a dependência dos municípios por ações e respostas aos seus problemas locais por parte de outros entes da federação, extrapola o caráter administrativo e acaba por contaminar também a ação individual, enfraquecendo a possibilidade de criação de um espaço intersubjetivo que possibilitaria o entendimento dos atores sociais envolvidos. Ou seja, se verifica a inércia social por parte da população em promover ou reivindicar um espaço para discussões e atendimento as suas demandas, e a indolência por parte dos representantes do poder local em mudar a situação vigente. Eu acho que deveria ser feito é [...] alguma coisa mais assim [...] do povo, principalmente [...] das lideranças políticas, que houvesse mais interesse, que participassem de reunião, que tem

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Disponível em:, http://www.tesouro.fazenda.gov.br/estados_municipios/index.asp - SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL, acessado nos dias: 20/11/2009 e 21/11/2009.

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muita ausência dos próprios políticos [...]. (Representante da sociedade civil – Paranatama). Não dá para pensar em um espaço onde a informação e o debate flua de maneira espontânea, livre e sem amarras, se não há de início um estímulo para o desenvolvimento da ação conjunta, dialógica, entre a comunidade e o poder local. Mesmo com evidências de fóruns, conselhos, sindicatos e outras formas de instituições/organizações que têm o intuito de promover a ampliação de ações participativas, demonstrando a presença de órgãos existentes com uma função do fortalecimento da relação entre sociedade civil e o poder público de acordo com o que é defendido em um dos critérios dessa categoria, pode-se evidenciar a sensação de incompletude por parte da sociedade, que não entende a relação entre participar desses fóruns, conselhos e sindicatos na mudança de qualidade para suas vidas, para o desenvolvimento de sua região e de sua comunidade como um todo. Os atores da sociedade civil não conseguem compreender o desenvolvimento lento e gradual de políticas participativas como positiva para suas vidas, querem soluções rápidas para seus problemas, esses atores, estão impregnados por um pragmatismo míope, aonde o senso colaborativo dá lugar à questão: o que posso ganhar com isso? Olha, o interesse delas [sobre a população] é pouco. É pouco porque eu coordeno o programa [...] o conselho de desenvolvimento municipal que temos 30 conselheiros que fazem parte desse programa e pra eu reuni-los é um sacrifício, porque o povo não são muito interessados e eles só querem trabalhar quando já sabem o que estão ganhando, entendeu como é. O trabalho comunitário, o trabalho social que seja voluntário, ainda tão com essa tendência de não estarem muito aberto para se reunirem e discutir as coisas pro município. (Gestor – Paranatama). O que é complicado aqui é a mentalidade das pessoas, as pessoas estão habituadas a que... a querer que você faça tudo por elas [...]. (Representante da sociedade civil – Brejão). Pode-se esclarecer essa postura da sociedade civil relatada acima, que perpassa também o poder local das cidades, como um comportamento individualista, sempre apelando aos interesses particularistas, com a filosofia utilitarista dando ênfase aos aspectos práticos, desdenhando qualquer ação que tenha um caráter via soluções verbais, considerando-as inúteis e metafísicas. Verifica-se na pele dos cidadãos desses municípios a filosofia pragmática defendida por James (2005), onde: “[...] O pragmatismo está disposto a tomar tudo, a seguir a lógica ou os sentidos e a contar com as experiências mais pessoais e mais humildes” (JAMES, 2005: 60). Como evidencia Dutra (2007), “[a população] entende que o fator motivacional para a participação em alguma política pública ou mesmo em algum movimento social está relacionado a aspectos pragmáticos, de haver algum ganho em troca”. (DUTRA, 2007: 193). Percebe-se a falta de participação da sociedade civil via uma relação direta entre passividade e interesses imediatistas, ligadas a uma visão pragmática do mundo. Com isso temos como conseqüência, o enfraquecimento da presença de lideranças comunitárias de expressão para a defesa dos interesses da população marginalizada 41

socialmente, o que dificulta ainda mais o processo de estabelecer uma ruptura com programas assistenciais8 provenientes de recursos federais, que se tornam a única saída para soluções encontradas nestas cidades, já que o poder local não se mobiliza para mudança de atitude da sociedade e esta mesma, não se encontra preparada ideologicamente e socialmente para caminhar rumo a um desenvolvimento gerado a partir de suas próprias ações. Os municípios analisados não apresentam programas ou instituições que possibilitem maximizar a participação da comunidade com o poder público, onde se encontra maior participação e discussão sobre interesses coletivos se dá nas reuniões oriundas dos programas federais assistenciais. Nessas regiões os programas federais são a única maneira de se constatar uma fecunda ação deliberativa, onde se verifica órgãos de acompanhamento com a função de propiciar um pequeno movimento de discussão entre sociedade civil e poder público constituído. Com isso nota-se que os programas assistenciais elaborados e financiados pelo poder federal exercem uma importância muito grande nessas cidades. Esses programas se tornam quase que a única maneira de se evidenciar a presença de inclusão, de setores da sociedade marginalizados e que dificilmente conseguiriam emergir socialmente e desenvolverem seu espírito crítico. As cidades da microrregião de Garanhuns que apresentam programas assistenciais ganham assim um fôlego extra para a incorporação de atores individuais e coletivos que anteriormente não se faziam representar nos espaços decisórios das políticas públicas (são os processos, mecanismos instituições que favorecem a articulação dos interesses dos cidadãos ou dos grupos, dando uma chance igual a todos de participação na tomada de decisão), e com isso possibilita que gestores locais e a população readquiram esperança no desenvolvimento da região e na solução de antigos problemas. Embora haja a consciência por parte de membros da sociedade local, de que determinados programas devem ser casados com iniciativas na área da educação e, principalmente na criação de postos de trabalho. Sendo assim, a presença desses programas já apresenta como ponto positivo, a possibilidade de reflexão sobre a realidade local e como transformá-la, além de alimentar o desejo para melhoria nas condições de vida dos indivíduos beneficiados. Tem-se como característica principal na reflexão acima, a valorização cidadã, que possibilita que o indivíduo observe como relevante sua contribuição na construção de uma ação em prol de um coletivo. Um dos programas que acompanho mais por perto é o PET. Que é de erradicação de trabalho infantil [...]. Um outro programa importante é o Programa Bolsa Escola que ele tem contribuído bastante para o desenvolvimento, por isso tem tido menos evasão escolar. (Representante da sociedade civil – São João).

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Os programas presentes nas regiões analisadas são: o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) ligado ao Ministério de Desenvolvimento Agrário; o Programa Fome Zero, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e o Programa Bolsa Família todos ligados ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Esses programas assistenciais e de desenvolvimento serão analisados no presente capítulo, pois apresentam como conseqüência de sua implementação: 1) o aumento da participação da sociedade em ações que interferem diretamente em suas vidas e; 2) o estabelecimento de uma fecunda relação dialógica entre sociedade civil e poder público. A abordagem de vantagens e desvantagens desses programas, servirão apenas para possibilitar a análise em relação a participação da comunidade com o poder público, não há intenção ideológica de defender ou atacar as ações do governo federal nestas análises.

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Acho que essa é uma grande oportunidade para gente. Na verdade a gente já vem de forma desarticulada de avaliar também todo esse processo, onde a gente procura que as ações sejam discutidas, mas agente ainda não tem articulação suficiente que a gente alcance resultados. A própria forma muitas vezes egoísta a gente trata as questões. Então acho que esse momento do Fome Zero, é o momento que a gente terá oportunidade [...]. O que a gente pode perceber que ele propõe a integração de ações, para poder atender o objetivo de solucionar o problema da fome. Na Secretaria a gente já desenvolve o programa de alimentação escolar. Outras ações desenvolvidas no município a exemplo do Bolsa Escola, que o município aderiu. A bolsa alimentação, que é um programa da Secretaria de Saúde, o Programa de Reeducação do Trabalho infantil. E agora com a expectativa do Fome Zero atraia mais recursos, mas principalmente que oportunize essa junção. A discussão de como fazer melhor. É um programa desafiador, pois dizer que existe fome e São João tem fome. A gente tem bolsões de pobreza, que por mais ações que tenhamos desenvolvido, não fomos capazes e competentes suficientemente para resolver essa questão. Com o Fome Zero temos uma grande oportunidade para resolver esse problema. (Gestor – São João). Verifica-se que por mais que os programas assistenciais tragam um novo impulso em relação ao desenvolvimento da participação e da cidadania plena como um direito de todos, a sociedade ainda fica moldada por uma postura passiva em relação à busca de melhoria de sua condição de vida. Esse fato enfraquece o processo de inclusão da sociedade civil, que acaba sendo incluída apenas enquanto os programas sociais estiverem em vigência. Inclusão significa fazer parte, figurar junto com outros, sendo igual em direitos e obrigações. Os programas oriundos do governo federal tentam semear tais práticas, é necessário que os poderes locais alimentem esse caminho. Incluir, não significa apenas informar ou comunicar, como parece considerar um relato de uma gestora quando perguntada sobre alguns processos de estímulo a participação e a inclusão da sociedade civil nas políticas públicas adotadas no município: Sim, existe. Nós mandamos convite, nós temos aqui um carro de som, né, e sempre tudo que tem está aí na rua convidando, né. Isso é uma forma de inclusão né, a gente sempre divulga tudo que se faz, se você for inaugurar uma escola, uma praça, então divulga antes, entendeu, nós temos um carro de som e se disser que a comunidade está presente. O difícil acesso da zona rural, mas sempre, sempre que tem alguma coisa aqui na cidade ele chama os rapazes do caminhão dos estudantes, da educação e vão buscar essas pessoas para participarem junto conosco dos eventos que ocorrem na cidade. (Gestora – Palmeirina). Torna-se necessário que se encontrem respostas para o desestímulo da sociedade civil, modificando sua compreensão sobre a relação pragmática estabelecida com o mundo da vida, entretanto, faz-se premente que seja incutido nos atores públicos a 43

verdadeira compreensão sobre conceitos chaves para estímulo da participação e da cidadania. Caso contrário, fica evidente a distância que a sociedade civil, especialmente os indivíduos marginalizados, de alguma forma se encontram em relação aos que deveriam representá-los9. Há de especial também nas cidades analisadas, o fato de existir diferentes tipos de organizações da sociedade civil, que se configuram de maneira ordenada e conseguem assim ter mais influência e atenção do poder público para suas demandas. Nesse ponto verifica-se a presença de uma multiplicidade de atores que a partir de seus diferentes interesses conseguem influenciar nas decisões e exercer algum tipo de equilíbrio de forças com o poder local. Esse comportamento possibilita o fortalecimento do pluralismo, envolvendo diferentes atores no processo de decisão das políticas públicas adotadas nas cidades. Com a presença de instituições socialmente organizadas, se consegue constatar uma relação mais coerente entre a sociedade civil e o poder público constituído. Ressalta-se o comportamento de parceria que é criado entre o poder executivo local e algumas instituições da sociedade civil na gestão de certos programas municipais. Há dessa forma um desenvolvimento de gestão de políticas públicas por redes, reafirmando assim a parceria entre o poder público e a sociedade civil. Nós temos um privilégio de ter uma boa parceria com todos os segmentos da sociedade e também com todos os segmentos dos sindicatos e do poder público local. (Representante do sindicato de trabalhadores rurais do município de São João). Temos uma relação muito boa, porque temos até um prefeito aberto para o diálogo, que tem um a visão de futuro, que está aberto para sugestões. (Representante do sindicato de trabalhadores rurais do município de São João). Observa-se com as declarações acima, que além da sociedade civil, do poder local e das cidades (em especial de acordo com o exemplo: a cidade de São João) estabelecerem uma relação mais simétrica, há a possibilidade também, de uma maior compreensão de todos os atores envolvidos das limitações de cada ente e de como se pode chegar a soluções mais eficientes para todos. A atuação conjunta entre poder local e sociedade civil propicia também o controle do poder exercido pelos representantes por parte da sociedade, como bem afirma Giddens (1999): “[...] Estado e sociedade civil deveriam agir em parceria, cada um para facilitar a ação do outro, mas também para controlá-la” (GIDDENS, 1999: 89). Esta postura fica exposta nas declarações até de alguns gestores locais, que entendem a importância do diálogo com a comunidade e refletem sobre o continuo processo de negociação e de check and balance que suas gestões ficam submetidas quando há a presença da sociedade cobrando, fiscalizando, ou seja, exercendo sua cidadania. Sindicato, Igreja Católica, Igreja Protestante, associação e os secretários. Todos eles a gente convida porque em conjunto a gente trabalha melhor, porque pode ter uma coisa que a gente tá esquecendo um pouco, e indo uma pessoa que esteja com outras 9

Sobre o tema ver: SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Horizontes do desejo: instabilidade, fracasso coletivo e inércia social. Rio de Janeiro: FGV, 2007. FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 1996.

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[...], dá um alô pra gente que a gente já vamos analisar o que ele falou. Se tá certo, a gente coloca, vamos botar em prática e continuar pra frente. (Presidente da Câmara dos vereadores – Paranatama). Olhe, a gente tem um conselho, aqui em Paranatama, que é o CDM, Conselho de Desenvolvimento Municipal, que é ligado ao projeto Renascer, certo, ao projeto Renascer e FUMAC, que é ligado ao PRORURAL. Aí esse conselho funciona, como fiscalizador das políticas públicas do município, inclusive como órgão acompanhador de recursos do PCPR, Programa de Combate a Pobreza Rural, através do projeto Renascer. (Gestor – Paranatama). Com a presença de instituições socialmente organizadas, comprova-se também a existência, mesmo que diminuta, da igualdade participativa. Pois no momento que gestores públicos se abrem para a presença dos atores da sociedade civil organizada pautarem suas reivindicações, estabelecerem suas prioridades e participarem do processo de como será executada determinada ação pública, de certa maneira, possibilitam que haja uma isonomia efetiva de atuação nos processos de tomada de decisão. No município nós temos um privilégio de ter um gestor democrático de fato e que nos apóia muito nas ações sociais do município [...]. Sempre que a gente necessita dessa parceria do poder público e do poder local a gente sempre tem tido um bom resultado. (Representante do sindicato dos trabalhadores do município de São João). A partir do depoimento acima, se constata que as cidades que se utilizam de instituições formais e socialmente organizadas, conseguem de maneira eficiente uma circulação de informações, que propicia reais condições para o fortalecimento de redes sociais entre o poder público e a sociedade, aumentando a participação do indivíduo na esfera pública, como bem nos orienta a realizar os ditames estabelecidos em nossa constituição: “Artigo 1º - Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. (BRASIL, 1988). Dito de outro modo, conforme Tenório (2008, p. 98), “a democracia participativa nos termos da Constituição Federal de 1988 é, portanto, entendida como elemento intrínseco do Estado Democrático de Direito”, por isso pode-se dizer que no momento que há igualdade de participação estamos automaticamente, atuando no processo de amadurecimento dessas cidades e da sociedade brasileira como um todo. Há como certo, que a presença de instituições socialmente organizadas fortalecem a participação da sociedade, controla o poder público e possibilita que a pluralidade de opiniões e interesses sejam ao menos escutadas, dando a possibilidade de igualdade de voz a todos. Por outro lado não garante o aumento da autonomia dessas regiões com os demais poderes executivos (órgãos estaduais e federais). Em outras análises feitas nesta obra, já foi constatada a presença de um Estado paternal, que exerce suas exigências de maneira verticalizada e que impossibilita que a sociedade se liberte dessa postura dependente. As cidades analisadas neste trabalho não 45

serão exceções à regra. Todas as seis cidades são dependentes10 financeiramente dos recursos oriundos do Estado ou da União o que as tornam meras executoras dos programas oriundos de outras esferas do poder, não criando ações próprias e sendo pouco ativa perante as ações do Estado e da União em seus territórios, gerando como conseqüência uma fraca autonomia dos municípios em relação ao futuro de sua comunidade. O pouco que vier é bem vindo, o recurso da prefeitura praticamente se baseia quase só no FPM. Se não vier recursos as coisas aqui, cada dia vai ficar pior. E não é só em Palmeirina não, nas pequenas cidades, a única fonte aqui, não tem ICMS, a arrecadação é mínimo, vem mais é do FPM [...]. (Presidente da Câmara dos vereadores – Palmeirina). De acordo com a necessidade que o município tem, os recursos Federais são muito poucos. (Vereador – Saloá). A partir dessa característica de dependência financeira que essas cidades vivenciam perante as outras esferas de governo, fica penoso estabelecer apropriação indistinta do poder decisório pelos diferentes atores nas políticas públicas, pois se a verba não está sendo administrada ou gerida pelos poderes locais, como fortalecer a autonomia perante sua comunidade, se o próprio governo local não a tem. Logicamente, que essa reflexão não é o pano de fundo de nossa análise, mas há de se entender que há uma incoerência intrínseca dos programas sociais advindos de outras esferas de poder em propiciar inclusão aos indivíduos marginalizados retirando em contrapartida a autonomia dos municípios. Como solucionar esse nó górdio? De outra feita, a solução para a retomada da autonomia por parte de cidades dependentes da União ou do Estado pode estar novamente nas ações da sociedade civil organizada, que através de suas ações poderiam pressionar as instâncias federais e estaduais para o atendimento de suas demandas locais, corroborando assim para uma sociedade mais plural, participativa e engajada politicamente. Como nos diz Bobbio (2004), são os grupos e não mais apenas os indivíduos a lutarem por autonomia, direitos e voz; é através deles que as respostas para antigos anseios poderão se efetivar: Os grupos e não os indivíduos são os protagonistas da vida política numa sociedade democrática, na qual não existe mais um soberano, o povo ou a nação, composto por indivíduos que adquiriram o direito de participar direta ou indiretamente do governo, na qual não existe mais o povo como unidade ideal (ou mística), mas apenas o povo dividido de fato em grupos contrapostos e concorrentes11, com a sua relativa autonomia diante do governo central (autonomia que os indivíduos singulares perderam ou só tiveram num modelo ideal de governo 10

Para evidência da afirmação feita pelos autores, as fontes são: Secretaria do Tesouro Nacional (2008), Finanças do Brasil (Finbra), Dados contábeis dos municípios – 2008. 11 Quando o cientista político italiano Norberto Bobbio, fala de grupos contrapostos e concorrentes ele está afirmando que cada grupo terá suas próprias reivindicações. Não estabelece com essa afirmação, o fato de serem concorrentes negativamente, ou seja, competitivamente, estabelece os grupos dentro de um modelo poliárquico, onde vários interesses estarão em disputa, e que por isso terá sempre que ser dialogado, exercido de maneira democrática para atendimento dos anseios de todos.

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democrático sempre desmentido pelos fatos). (BOBBIO, 2004: 35). É fato que uma sociedade ordenada e organizada fortalece a cidadania e possibilita que se tenha uma evolução local através da solução para as demandas vindas da população, entretanto, é necessário que seja ofertada à comunidade também a chance de melhorais dos níveis educacionais e profissionais por meio de capacitações, palestras, seminários e de todas as ações que promovam o desenvolvimento intelectual. Tal incentivo será o meio pelo qual o poder público local e os membros da sociedade civil organizada conseguirão manter suas conquistas e adquirir novas vitórias no futuro. Pra estimular a participação da população devia haver encontros com órgãos públicos pra estimular mais o pessoal a ter conhecimento das coisas da cidade, os benefícios que podem ser feitos. Todo mundo participando. (Representante da sociedade civil – Brejão). Eu acho que neste caso deve mesmo se participar, fazer reuniões, esclarecer melhor, eu acho que muita gente não está bem esclarecida nesses municípios pequenos. (Representante da sociedade civil – Palmeirina). Como eu falei no início, divulgação do que a gente participa e mostrar fatos concretos mesmo pra que eles acreditem no que a gente ta propondo a eles, porque muitas vezes fica só na conversa [...] vários treinamentos, capacitação, mas a gente não vê nada disso acontecer, então o povo fica desacreditado. Quando a gente chama pra uma reunião pra se envolver com associação, alguma coisa, eles não acreditam, e por isso, a distância que o povo tem desse movimento. (Representante da sociedade civil – Brejão). Os relatos acima demonstram, que o incentivo a atividades educacionais e de capacitação são vistas de maneira positiva e refletem o interesse da população, tal prática fortaleceria então a consciência dos então excluídos do processo de empoderamento e dinamizaria as ações dialógicas, deixando mais ágeis e interessantes. Já que possibilitaria que os indivíduos não fossem apenas aos conselhos para debater, mais para aprenderem e ensinarem através de suas vivências, maximizando ainda mais o processo de autonomia da sociedade civil. Todos os apontamentos feitos entre as relações entre sociedade civil e o poder público local nas cidades oriundas da microrregião de Garanhuns têm como objetivo final à busca do bem comum. É notório que nem todos os caminhos para o alcance da cidadania deliberativa ainda estão delineados, alguns ainda estão longe de se efetivarem. De qualquer forma, se fizéssemos uma enquete entre a população para saber sua opinião sobre se estão satisfeitos com a gestão do poder local, teríamos uma miríade de opiniões, muitas delas negativas. Mas se retomássemos a questão adicionando a pergunta: o que você está fazendo para melhorar sua cidade e trabalhar em prol de sua comunidade? Talvez tivéssemos um espanto, quanto ao grau de desculpas e explicações para a falta de presença e engajamento na coisa pública. 47

Tal exercício mental possibilita que se entenda o que significa: “exercer a cidadania”. Entendendo que para haver direitos é preciso ter obrigações, que para consumir é necessário plantar e que como nos diz Demo (1993), a participação é algo que se conquista dia a dia, não é dado, não é esmolado. O alcance do que foi analisado é a busca incessante pelo bem comum, consistindo no conjunto de todas as condições da vida social que favoreça o desenvolvimento integral de todos os indivíduos sem ferir os interesses da coletividade, é o cidadão que participa em prol da comunidade e que exerce sua ação “muito mais do que meramente orientado por seus interesses privados” (HABERMAS apud TENÓRIO, 2008: 29), infelizmente ainda não se consegue visualizar o que recomenda Habermas e o que seria decisivo para evidenciar características da categoria bem comum na microrregião de Garanhuns. Considerações Finais Acima de tudo, é necessário compreender que a cidadania deliberativa é algo que se constrói e adquire formato a partir das interações entre o poder público e a sociedade civil, não é possível se ter um modelo de cidadania deliberativa a partir de objetivos e metas a serem cumpridas, só se alcança a cidadania deliberativa defendida neste trabalho no momento que se amplia a participação da sociedade e se flexibiliza a relação com o poder público constituído. Como se verifica em nossa análise, a cidadania deliberativa ainda se encontra em fase de maturação na microrregião de Garanhuns. Por isso mesmo, na análise se verifica tão pouca presença de critérios que fortalecem suas respectivas categorias e que tornem a região mais promissora a ações deliberativas. Todavia, alguns apontamentos positivos podem ajudar na construção da participação e, por conseguinte, no desenvolvimento da cidadania deliberativa na região. O fato de se ter uma boa presença de instituições socialmente organizadas denota a potencialidade que a região tem em querer construir um desenvolvimento local via processos de diálogo, mesmo, que em um primeiro momento, tenham-se como motivação os interesses de grupos. A idéia de que a união de pessoas para defesas de seus interesses poderia denotar um comportamento exclusivamente interessado, ou particular, pode surtir efeito adverso, pois no momento que inúmeros grupos de interesses sentam para dialogar e apontam suas propostas e reclamam suas demandas ao poder local, acabam desenvolvendo processos de discussão onde cada grupo terá que ceder aos apelos do outro, proporcionando que as ações do poder local sejam pautadas pelo consenso e pela intervenção dos indivíduos em busca dos interesses que atendam a uma maioria, possibilitando assim, melhorias no processo de discussão, na inclusão de diferentes atores, na pluralidade de instituições e pessoas envolvidas, na igualdade de participação dos diferentes atores, na autonomia que essas regiões irão obter em relação com outros entes federativos e principalmente na busca de melhorias que tenham como base o bem comum. Essa postura relatada acima de indivíduos se reunindo para atendimento de suas demandas possibilita também que aqueles indivíduos não participativos sejam de certa forma, relegados pelo poder público local, já que não reivindicam melhorias através de ações ou diálogo com grupos sociais organizados. Ou seja, o aumento de grupos organizados, impossibilita o crescimento de indivíduos acomodados, que não participam e que fortalecem a ascensão de um Estado paternal. O desafio colocado é a de examinar os impactos e a presença de práticas participativas que apontem para o incremento da cidadania deliberativa e para novos 48

espaços de participação sociopolítica, mas também analisar as barreiras a serem superadas para se multiplicar as iniciativas de gestão que combinem eficazmente diálogo e atendimento as questões sociais da população. Como nos observa Jacobi (2002): O desafio maior é romper com a lógica clientelista que prevalece na relação Estado/sociedade. Para tanto cabe ao Estado criar espaços democráticos e plurais de articulação e participação – onde as diferenças e os conflitos se tornem visíveis enquanto base constitutiva da legitimidade dos diversos interesses em questão –, dando acesso ao processo decisório e garantindo uma interação entre esses grupos e o poder público, embora isso possa colidir com a dinâmica que freqüentemente preside a gestão dos serviços e sua pretensa racionalidade. Cabe enfatizar que, no debate sobre as políticas públicas e as estratégias de participação, há sempre o risco de se estabelecerem relações mecânicas e utilitaristas entre discurso e ação”. (JACOBI, 2002: 33). O debate em torno de se fortalecer a cidadania deliberativa, passa pela percepção de que o indivíduo não é um ser autômato, condicionado por relações de um mundo mecânico, é ao contrário, o construtor e o único que tem a possibilidade de ser o formador de seu mundo. E que para isso precisa ter enraizado em seu âmago, a importância da participação e da cidadania como alavancas de sucesso para si e seus pares. Referências ARATO, Andrew & COHEN, Jean. Sociedade civil e teoria social. In: AVRITZER, Leonardo. Sociedade civil e democratização. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 13 de fev. 2010. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. São Paulo: Paz e Terra, 2004. CABRAL, Augusto Cezar de Aquino. A análise do discurso como estratégia de pesquisa no campo da administração: um olhar inicial. In: Encontro Nacional da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, 23, 1999, Foz do Iguaçu. Anais...Foz do Iguaçu: Anpad, 1999. DEMO, Pedro. Participação é uma conquista: noções da política participativa. São Paulo: Cortez, 1993. DUTRA, José Luis Abreu. Agreste Meridional do Estado de Pernambuco. In: TENÓRIO, Fernando G. (Org.). Cidadania e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Unijuí, 2007. GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da social democracia. Rio de Janeiro: Record, 1999. 49

HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004. JACOBI, Pedro. Políticas sociais e ampliação da cidadania. Rio de Janeiro: FGV, 2002. JAMES, William. Pragmatismo. São Paulo: Martin Claret, 2005. TOCQUEVILLE, Aléxis de. A democracia na América: leis e costumes. São Paulo: Martins Fontes, 2005. TENÓRIO, Fernando Guilherme. et. al. Critérios para a avaliação de processos decisórios participativos deliberativos na implementação de políticas públicas. In: Encontro de Administração Pública e Governança, 3, 2008, Salvador. Anais... Curitiba: ANPAD, 2008. ___________________. Um espectro ronda o terceiro setor, o espectro do mercado: ensaios de gestão social. Ijuí: Editora Unijuí, 2008. ___________________. Gestão social: metodologias e casos. Rio de Janeiro: FGV, 2007. VERGARA, Sylvia C. Métodos de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2008.

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Fundos Rotativos Solidários: Dilemas na Gestão Social de Recursos Públicos por Comunidades Rurais no Nordeste do Brasil Claricio dos Santos Filho Introdução Esta comunicação debate a experiência de gestão compartilhada de uma política pública de crédito em construção no âmbito de uma rede de finanças solidárias, envolvendo atores de diferentes matrizes sociais e institucionais: comunidades de trabalhadores e trabalhadoras urbanos e rurais, que demandam recursos para seus grupos produtivos solidários; organizações não governamentais, que são mediadoras convenentes do apoio financeiro; e bancos públicos e órgãos governamentais, enquanto fontes de recursos financeiros da política creditícia. Trata-se do Programa de Apoio aos Projetos Produtivos Solidários, iniciado em 2005 com um módulo experimental de 50 projetos implementados na Região Nordeste e Norte de Minas Gerais. Os recursos são oriundos do Banco do Nordeste do Brasil S/A (BNB) 12 e da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), órgão do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Após o processo de avaliação e discussão dos resultados deste módulo experimental, pretende-se que o Programa tome amplitude nacional. Na matriz institucional do PAPPS, as decisões são compartilhadas por um Comitê Gestor Nacional composto por representantes governamentais, como BNB e SENAES, e das grandes redes sociais, como Cáritas, Articulação do Semi Árido (ASA), Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES), Mutirão contra a Fome e Miséria, da CNBB, entre outras. A metodologia do Programa é conhecida como Fundos Rotativos Solidários, onde a própria comunidade é responsável pela gestão local dos recursos, resgatando a prática de finanças alternativas enraizadas nas organizações populares, onde os interesses e a solidariedade tecidos nas relações sociais internas e externas aos grupos produtivos na forma de capital social, transformam-se em poderosos instrumentos de geração de renda. Neste sentido, à nível local, as comunidades organizam Comitês Gestores locais, que decidem coletivamente a alocação dos recursos. Este status quo é confrontado pela ação de desenvolvimento do Estado, que, por natureza, é baseada no individualismo e na propriedade privada capitalista. Portanto, a questão central é compreender no âmbito do capitalismo contemporâneo brasileiro ainda em disputa entre o neoliberalismo e políticas desenvolvimentista, os dilemas postos pelas diferentes\ trajetórias institucionais e fontes 12

O BNB é um banco de desenvolvimento criado pela Lei Federal nº 1.649, de 19.07.1952, é uma instituição financeira múltipla, organizada sob forma de sociedade de economia mista, de capital aberto, tendo mais de 94% de seu capital sob o controle do Governo Federal. A missão do Banco é atuar, na capacidade de instituição financeira pública, como agente catalisador do desenvolvimento sustentável do Nordeste, integrando-o na dinâmica da economia nacional.

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de autoridades de um modelo de ação forjado pela tradição camponesa apropriado e submetido à ritualística de uma política pública governamental, em especial um banco público, como no caso o BNB. Assim sendo, quais os limites, avanços e esperanças do aprendizado da gestão compartilhada envolvendo diferentes matrizes institucionais, e diferentes estilos de organização e tomadas de decisão, que podem ser apreendidos da experiência de gestão social dos Fundos Rotativos Solidários no Nordeste brasileiro? Aspectos teóricos metodológicos A expectativa é que o acompanhamento, a avaliação e o debate sobre a experiência do PAPPS serão tanto mais profícuos, quanto mais forem capazes de apontar e qualificar as possibilidades do Programa em aportar inovações permanentes nas formas de financiamento das redes de economia solidária. Neste sentido, são três os lugares da fala sobre o PAPPS: um deles, é a perspectiva dos porta-vozes das fontes de financiamento BNB e SENAES/MTE e do Comitê Gestor Nacional, com base nas atas de suas reuniões e nos relatórios de visitas técnicas às comunidades contempladas. A outra fonte de reflexões é uma pesquisa acadêmica de cunho sócioantropológico em andamento na UFPB sobre os impactos dos FRS em comunidades camponesas paraibanas: Acauã, em Aparecida; Santa Cruz, ambas no Alto Sertão; Sítio Lagoa do Jogo, em Remígio, e Assentamento Santa Paula, em Casserengue, ambas no Agreste, e Conde, no Litoral Paraíba. A coordenação é da Profa. Alicia Gonçalves, do Departamento de Ciências Sociais. E, a outra fonte de informações é a escassa literatura sobre os fundos rotativos solidários, onde destacamos Duque (2002, 2003 a, b; 2007, 2008, 2009); Gonçalves (2009, 2010 a e b); Heck (2006); Ibase/Cordel (2007); Mota (2009b); Santos Filho (2010) e Schmidt-Rahmer (2010 a e b), em meio à uma diversidade maior de trabalhos sobre finanças solidárias e, ainda mais ampla, sobre economia solidária, conforme listamos ao final de nossa comunicação. Menos do que uma avaliação, mais do que uma resenha, este texto é uma primeira aproximação de uma reflexão sistematizada sobre a experiência ainda recente de uma política pública – os Fundos Rotativos Solidários, que resgata uma prática tradicional de finanças das comunidades no Nordeste.

Antecedentes Ao longo do processo de desenvolvimento brasileiro entre as décadas de 60 e 90, o acesso ao crédito das camadas populares urbanas e rurais foi obstaculizado, seja pelos altos custos financeiros, principalmente após o advento da correção monetária, o excludente Sistema Nacional de Crédito Rural, a escassez de inventivos para os sem capital e propriedades, seja pelos altos custos de transação oriundos das exigências burocráticas, das garantias e tempo de tramitação das propostas de crédito. Apontando em sentido contrário, lentamente, os movimentos sociais foram acumulando experiências, conhecimentos e força política para, no mínimo, 52

influenciarem a formulação de políticas públicas de crédito. Ou seja, no sentido da construção de programas e políticas adequados à economia da cultura dos mais pobres de trabalhar, produzir e sobreviver comunitariamente. Na década de 80, ensaios de participação e mudanças ocorreram com o Programa de Apoio ao Pequeno Produtor (PAPP), as experiências de apoio às cooperativas de crédito, e na aprovação, regulamentação e formulação dos Fundos Constitucionais regionais, em especial o FNE, dirigido para o Nordeste. No inicio dos anos 90, tivemos as experiências das Comissões da Terra do Programa de Apoio aos Assentados da Reforma Agrária (Programa da Terra), compostas por técnicos e gestores do INCRA, bancos públicos, Sindicatos e Federações de trabalhadores rurais, e Movimento Sem Terra. Na segunda metade da década de 90, houve a emergência do Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar (Pronaf), com forte protagonismo dos movimento sindical dos trabalhadores rurais, e a implementação de programas governamentais e não governamentais de microfinanças solidárias, tais como microcrédito, bancos comunitários e moedas sociais, cujos exemplos emblemáticos são o CrediAmigo, do BNB, e o Banco Palmas, atuantes no Nordeste. Esta nascente indústria de finanças solidárias vem ao lume com a marca ainda incipiente da responsabilidade do coletivo, através do instrumento aval solidário, já apontando para uma gestão social do crédito produtivo. Cultura tradicional do crédito x redes sociais de crédito Até então, tradicionalmente, a tecnologia creditícia era baseada, por um lado, na racionalidade microeconômica empresarial devotada ao bom desempenho na geração de receitas do empreendimento visto individualmente; e, por outro, na maximização da confiança entre tomador e emprestador do recurso financeiro. Estas tecnologias tinham como substrato minimizar os efeitos negativos da informação imperfeita sobre as condições econômicas e conduta moral e ética, isto é, o risco moral - moral hazard - de postulantes ao crédito. Figura 1 Racionalidade Micro Empresarial Segurança da Operação com Base na Análise de Risco

Cadastramento

Situação Patrimonial

Confiança Emprestador Tomador

Enquadramento Normativo

Garantias

Confiança Empreendedor Empreendimento Condições de Mercado

Capacidade de Pagamento

Por conseguinte, para se ter acesso aos programas e políticas de crédito seus pleiteantes eram submetidos a rituais de passagem que os qualificassem como clientes de confiança. Para tal, teriam que comprovar, além de toda uma documentação pessoal e sobre a propriedade de seus bens, também a capacidade de seus empreendimentos obterem lucratividade que assegurassem o retorno dos capitais investidos. 53

Entretanto, seja por conta da inadimplência, seja como alternativa ao moral hazard, ou à necessidade de ampliar a base social do crédito, e mitigar a pobreza, emergem nas políticas públicas a partir da metade dos anos 90, as tecnologias baseadas na gestão social do crédito, onde as relações de proximidade próprias das comunidades, o associativismo e a cooperação entre atores locais, compõem o capital social mobilizado para auferir o grau de confiança moral e econômica em relação ao pleiteante do crédito.13 Esta abordagem pós-moderna centrada nas capacidades sistêmicas do empreendimento, incorpora uma visão territorial do financiamento do desenvolvimento, buscando alinhar a alocação dos recursos com elementos estruturadores do crédito, na perspectiva que a dinâmica de interação social entre os atores, eliminem o risco moral e a informação imperfeita. Conforme ilustração adiante, a capacitação gerencial e tecnológica passou a ser parte integrante do processo de crédito, possibilitando a pesquisa e difusão de novos conhecimentos, e, portanto, o desenvolvimento das capacidades competitivas dos empreendimentos e empreendedores. Por outro lado, a articulação político-institucional inseridas em redes, possibilitam o acesso aos mercados de bens, produtos e serviços, enquanto construções sociais. E, coordenando estes processos interativos, valoriza as formas de coordenação e governança territoriais, que pode ser tanto uma associação ou cooperativa de agricultores familiares, uma ONG, ou agência de desenvolvimento local. Figura 2 - Inovações na tecnologia creditícia e as dimensões cultural e territorial do desenvolvimento

13

A propósito, nunca é demais lembrar que, na década de 70, o Grameen Bank fundou esta estratégia em Bangladesh nas ações com o microcrédito. Conforme sintetizou Alcides Gussi “as ações do Grameen compreendem os seguintes pressupostos: 1) Aval solidário: refere-se à garantia oferecida do empréstimo em nome do grupo, de maneira que o empréstimo não é fornecido individualmente, mas sim a grupos de pessoas que s responsabilizam solidariamente pelo pagamento do empréstimo; 2) Enfoque na idéia de pertencimento: os participantes do banco devem fazer parte das decisões das ações do próprio banco em que seus membros possam participar de conselhos e reuniões em que se planificam os empréstimos; 3) Desburocratização, com pequenas parcelas de pagamentos e juros baixos; 4) Enfoque na solidariedade, lealdade familiar, ajuda mútua e possibilidade de emancipação política”. – v. Gussi (2010:13-14).

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Mercados Socialmente Conheci mentos novas tecnolo gias

Construídos

Coordenação

Capacid ades Compet itivas

Articulação Político Institucional

Portanto, esta inflexão nas estratégias de políticas, embora tenha se desenrolado na segunda metade dos anos 90 no Brasil, ela não abandona ainda a racionalidade microeconômica do empreendimento individual, mas agora, já visto num contexto do desenvolvimento local. Desta forma, para o século XXI, foram incorporadas e articuladas seis dimensões na concepção e na execução das políticas públicas e dos programas sociais (Gonçalves, 2008): 1ª.) economia (cadeias produtivas e arranjos produtivos locais); 2ª.) relações de poder (nas dimensões institucional e local), 3ª.) cultura (valores, tradições, identidades sociais); 4ª.) geografia (condições físicas e climáticas); 5ª.) redes de proteção social (desigualdades sociais, políticas de inclusão social e cultural, saúde, educação, projetos de melhoria das condições de vida, fortalecimento da cidadania); 6ª.) responsabilidade ambiental (marcos legais; posturas governamentais, empresariais, acadêmicas e da sociedade civil). Fundos Rotativos Solidários: uma breve arqueologia No caso específico dos Fundos Rotativos, que serviram de base para política pública a partir de 2005, a sua racionalidade repousa na dimensão comunitária da reciprocidade, da dádiva e da moralidade, que estão presentes nos movimentos associativos. Ou seja, referem-se à práticas econômicas tradicionais presentes há muitos anos nessas comunidades, e que têm assumido historicamente um papel crucial para a sua sobrevivência, tal como demonstra pesquisa de campo realizada por Eric Sabourin (1999, p.41), entre outros: “ nas comunidades rurais do Sertão Nordestino, paralelamente às relações de câmbio mercantil, encontram-se prestações econômicas não mercantis que correspondem às permanências de práticas de reciprocidade camponesa, ancestrais ou readaptadas em contexto novo”. 14 E, conforme chama atenção Gonçalves (2010b): “a permanência das práticas de reciprocidade pode ser observada mediante mecanismos de dádiva, de ajuda mútua e convites essenciais à organização social e produtiva dessas comunidades situadas em ambientes rurais de clima semi-árido, onde as condições de vida são marcadas 14

Cf. Lanna (1995); Sabourin (1999); Oliveira (2006); Duque (2008); Duque & Oliveira (2007) e Mota (2009), para o caso de comunidades rurais no semi-árido cearense dentre outros.

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historicamente pela ausência de infra-estrutura tecnológica e produtiva, serviços de saúde, de educação, sem a propriedade da terra e longos períodos de seca.” Quando políticas públicas de desenvolvimento local formuladas pelo governo federal incorporam e (re) significam tais práticas baseadas em laços de reciprocidade, simultaneamente, atualizam uma espécie de economia da dádiva que tem o potencial de fortalecer a organização social e produtiva das comunidades e, paradoxalmente, promover sua inserção à economia mercantil. 15 Segundo a pesquisa coordenada por Alicia Gonçalves (2010 a), na Paraíba os Fundos Solidários são praticados há mais de 30 anos. Desde então, pequenos agricultores organizados em Comunidades Eclesiais de Base se associavam para disponibilizar e gerir recursos financeiros visando atender as necessidades imediatas da comunidade que ressarciam tais recursos trocando produtos entre si (como porcos, cabras, galinhas e sementes) configurando, a partir das relações de troca, o circuito da dádiva. Importante lembrar que na origem do movimento das Ligas Camponesas nas décadas de 50 e 60, ali estava um fundo rotativo criado no Sítio Gameleira, na Zona da Mata de Pernambuco, para possibilitar que os sitiantes pudessem ter funeral digno, que foi confundido pelos usineiros como movimento comunista. No caso dos FRS na Paraíba, a mobilização iniciou-se em 1993 na comunidade de Caiçara, no município de Soledade, em torno da construção de cisternas de placa, para enfrentar a intensa seca. As primeiras cisternas foram construídas pelo PATAC e em sistema de mutirão tomando por base as cisternas de placa projetadas na Bahia: O caso das cisternas é o mais generalizado : um grupo de cinco vizinhos ou parentes recebe o dinheiro correspondendo ao material de uma cisterna. Escolhe-se a família do grupo que receberá a primeira cisterna : aquela que está mais afastada de uma fonte de água, ou que tem mais crianças pequenas, etc. Quando nenhum critério distingue uma família, uma é sorteada. O grupo combina também as condições de construção e de pagamento. Por exemplo, cada família cavará ela mesma o buraco onde a cisterna será construída, ou todos farão esse trabalho em conjunto. Geralmente os cinco chefes de família (ou membros dessas famílias) constroem juntos a primeira cisterna, em regime de « mutirão » (prática tradicional de realização de trabalhos em comum). A construção daquela primeira cisterna vai servir de aprendizagem sob a direção de um instrutor, que depois será dispensado. Após um prazo determinado pelo grupo – por exemplo de seis em seis meses, na oportunidade de uma safra ou da venda de um animal – cada família paga, por exemplo, 20% da dívida, o que permite iniciar a construção de uma segunda cisterna em benefício de uma segunda família do grupo. Em outros casos, o grupo decide de pagar uma quantia menor, porém cada mês. Quando o prazo de pagamento é comprido – vários anos – a comunidade prefere adotar um fator de correção, por exemplo o preço atualizado do saco de cimento (Duque e Oliveira, 2007, p.3)

15

Segundo Klaas Woortmann (1990) O espírito da reciprocidade, enquanto princípio moral, presente nas sociedades camponesas, nega e se contrapõe ao espírito do lucro.

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A gestão dos Fundos nas comunidades a partir da lógica da reciprocidade e de sua respectiva organização social, é baseada no “conselho” formado pelos chefes de família e na unidade básica que é a família do pequeno agricultor composta por pessoas ligadas por laços de sangue, afinidade e compadrio. Ao aderirem aos FRS, as pessoas assinam um termo de adesão, elaboram um regimento, convocam reuniões, elaboram a sua ata e fazem o controle contábil. Trata-se de um processo pedagógico, porquê pequenos agricultores com baixo nível de escolaridade formal aprendem a elaborar uma ata, por exemplo, ou a fazer um controle contábil básico dos recursos que entram e circulam. No final de 2000, no Estado da Paraíba, foi lançado pela ASA/Brasil, o Programa de construção de um milhão de cisternas (P1MC) viabilizado pela política dos Fundos. Contudo, se as ações iniciais da ASA/PB e das comunidades foram mobilizadas para a construção das cisternas, a partir de então, os FRS foram utilizados para viabilizar outros empreendimentos como a criação de animais, cercado para aves, a criação de um banco de sementes comunitário, beneficiamento e comercialização de frutas nativas, tanque de pedra e barragens subterrâneas, dentre outros16. Avalia então Gonçalves (2010b), que FRS são empreendimentos que viabilizam a convivência com o semi-árido a partir de uma nova concepção e também dos saberes tradicionais da comunidade. Para além da lógica financeira tradicional é importante ressaltar que os FRS segundo seu desenho, objetivos e sua metodologia têm o papel de fortalecer experiências já existentes, ou seja, fortalecer a organização produtiva e social de pequenos agricultores organizados em associações ou cooperativas e possibilitar a sua autonomia em relação às práticas clientelistas dos poderes locais constituídos.

PAPPS, política pública de Fundos Rotativos Solidários – breve etnografia Como demonstrado até agora, a emergência do PAPPS ocorre no âmbito de um processo histórico de luta e acúmulo de força política das redes e movimentos sociais pelo acesso ao crédito para apoiar seus empreendimentos produtivos solidários. E, por outro lado, o Programa também resulta da estreita interação de técnicos formuladores e gestores de políticas públicas com as demandas históricas destas redes e movimentos sociais, criando uma ambiência favorável para experimentar o PAPPS como unidade de demonstração de inovações na tecnologia creditícia, com base nas experiências de tecnologias sociais desenvolvidas nessas redes tecidas no meio popular. Neste sentido, a economia solidária foi mais uma das boa idéias que, a partir de 2003, o BNB incorporou no seu portfólio de políticas públicas de crédito para fomentar o desenvolvimento regional – v. Santos Filho (2009). Desde então, o BNB adotou institucionalmente, o apoio à Política Nacional de Economia Solidária, fato que influenciou a implantação da linha “Crediamigo Comunidade”, dentro do Programa de Microcrédito CrediAmigo, gerido pelo BNB.

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A construção do banco de sementes comunitário revelou a biodiversidade do semi-árido, onde foram identificadas 18 variedades de feijão no Agreste, 20 no Brejo e 26 no Curimataú (DUQUE, 2008, p.10).

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Portanto, o BNB abriu canais de interação e articulação com os movimentos sociais, de certa forma represados ou não reconhecidos pelas administrações anteriores, cujo perfil era marcado pela centralização e inexistência de diálogos com os setores populares e seus representantes 17. Ainda em 2003, o Banco apoiou, em parceria com a Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão e Participação Acionária (ANTEAG), a autogestão pelos canavieiros da Usina Catende, localizada em Pernambuco, um emblemático empreendimento da Economia Solidária no Nordeste. Paralelamente, o Banco, através do ETENE, passou a apoiar a realização de Feiras de Comercialização Solidária na Região, bem como outras iniciativas, a exemplo do I Encontro Internacional de Economia Solidária, realizado em Fortaleza de 08 a 12 de novembro de 2005, com a presença do Secretário Nacional da SENAES, Professor Paul Singer. Antes, em abril de 2005, foi lançada pelo BNB e SENAES através de Carta Convites, a primeira chamada pública de apoio a projetos do Programa de Apoio a Projetos Produtivos Solidários. Depois desta, foram lançados um Aviso em janeiro/2008, e outro mais recente, em julho/2010. Nas duas primeiras Carta Convite, o Comitê Gestor Nacional ingressou no Programa 17 entidades, e depois mais 33 projetos, num montante de R$ 4,8 milhões aplicados, sendo R$ 2,5 milhões da SENAES e R$ 2,3 milhões alocados pelo BNB/FDR. Programa de Apoio aos Projetos Produtivos Solidários - PAPPS Distribuição de Crédito / Periodo de 2005 a 2008

UF

Quant.

PE CE BA MG PB MA SE PI AL RN TOTAL

10 10 6 6 6 4 3 2 2 1 50

Valor (R$) 1.012.395 989.003 589.850 572.195 477.913 393.228 335.000 200.000 170.000 70.000 4.809.585

Famílias Beneficiárias 1.136 112 360 180 359 382 10 90 218 20 2.757

Fonte: BNB/ETENE

17

Conforme apontou Mota (2009), “embora se saiba que gestões anteriores tenham implantado programas como o BNB/PNUD, o “Farol do Desenvolvimento” e o CREDIAMIGO, orientados por articulações com os movimentos sociais, deve-se reconhecer que isto ocorreu muito mais por conta de posições isoladas do que institucionais”. Explica o autor que o PNUD atua para revigorar as parcerias regionais, e age como mediador e promotor de alternativas de desenvolvimento, como por exemplo, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Local (PADL). A experiência piloto do PADL em parceria com o BNB foi desenvolvida no ano de 1996 em Tejuçuoca-Ce e, em seguida, em dois municípios pernambucanos: Catende e Timbaúba-Pe.

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Dessa forma, foram apoiados 50 projetos, distribuídos por toda área de atuação do BNB, especialmente Ceará e Pernambuco, que concentraram 20 % da demanda do Programa. Estima-se que o número de famílias participantes seja bem maior que o apresentado na tabela abaixo – 2.757, pois são os Comitês locais que decidem as entradas e saídas das famílias nos FRS. Nesta nova concepção de tecnologia creditícia, o princípio norteador é a participação e o controle social incorporados numa política pública de crédito de âmbito federal, lado a lado com os gestores do setor público, valorizando a organização de redes de cooperação social ligadas aos movimento populares. Desta forma, se agrega valor ao desenvolvimento das comunidades através da geração de ocupações, rendas e poupanças coletivas. Por conseguinte, também é valorizada e apreciada a identidade cultural urbano/camponesa enquanto elemento crucial do desenvolvimento local. São estas as orientações: Desenvolvimento comunitário, geração de ocupação e renda e de poupanças coletivas; Organização de redes de cooperação social ligadas aos movimento populares; Valorização da identidade cultural destacando a diversidade da cultura urbano/camponesa como elemento de desenvolvimento local. Além disso, o PAPPS foca benefícios e, portanto, quer funcionar como porta de saída para pessoas ingressas no Programa Bolsa Família, incentivando o sentimento de pertença ao lugar onde nasceram, descobrindo as potencialidades locais. Neste sentido, um outro princípio norteador no meio rural, é o fortalecimento e desenvolvimento das tecnologias sociais apropriadas à convivência com o Semiárido, como as cisternas de placas, que contrapõe-se aos programas convencionais de combate à seca. O Programa se propõe a disponibilizar, de forma democrática, recursos financeiros para organizações da sociedade civil, com o objetivo de estimular a criação e o fortalecimento de ambientes territoriais inovadores a partir de formas de convivência solidária e autogestão. A matriz institucional e operacional do PAPPS repousa na metodologia dos Fundo Rotativos Solidários, que são formas de poupança coletivas no meio popular, na forma dinheiro e/ou produtos, geridos por entidades da sociedade civil ou organizações comunitárias, e destinados ao apoio de projetos associativos e comunitários de produção e comercialização de bens e serviços. Portanto, a própria comunidade é responsável pela gestão local dos recursos, resgatando a prática de finanças alternativas enraizadas nas organizações populares, onde os interesses e a solidariedade tecidos nas relações sociais internas e externas aos grupos produtivos na forma de capital social, transformam-se em poderosos instrumentos de geração de renda. Por meio dos fundos rotativos solidários, investem-se recursos na comunidade, através de empréstimos com prazos e reembolsos mais flexíveis e mais adaptados às condições socioeconômicas das famílias empobrecidas beneficiadas nos projetos. Com isso, o financiamento é mais barato e mais acessível para os projetos apoiados, favorecendo o acesso mais democrático e solidário ao crédito, e estimulando o desenvolvimento local. Desta forma, o PAPPS disponibiliza recursos financeiros não 59

reembolsáveis para apoiar instituições que desenvolvam projetos associativos e comunitários de produção de bens e serviços, situados na área de atuação do BNB. Portanto, a responsabilidade pela condução e sucesso do Programa é tanto da própria comunidade e suas entidades que vão gerir os recursos, quanto do Comitê Gestor Nacional, que seleciona os projetos a serem apoiados. Compõem este Comitê as seguintes representações: Banco do Nordeste do Brasil S/A; Secretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES; Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS; Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA; Cáritas Nacional; Articulação do Semiárido – ASA; Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES; Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional – FBSAN; Mutirão para Superação da Miséria e da Fome – CNBB Em nível local, os Comitês Gestores são formados por representantes de associações de moradores, redes de produção, sindicatos, grupos religiosos, enfim, um enorme leque de instituições, dependendo das condições locais. Via de regra, é construído democraticamente um Regimento Interno, onde se define as forma de acesso aos Fundos, as condições de retiradas, e as formas de devolução voluntária, seja em dinheiro ou em produto. Ali ficam definidas a periodicidade das reuniões do Comitê Gestor local – v. CEPAC (2009). Mediações e estilos de agenciamentos Como já mencionado, o processo decisório e as instâncias decisórias são cruciais para o programa e possibilidades de sucesso dos Fundos Rotativos Solidários. Isto porquê existe uma gestão restrita dos recursos, que fica a cargo das entidades que compõem o Comitê Gestor Nacional. Nesta instância é decidida a institucionalidade do programa, pois é deste Comitê que saem as diretrizes de acesso para se fazer parte do PAPPS. Até então, são habilitadas através de projetos de intervenções, entidades sem fins lucrativos - ONG’s – para canalizarem os recursos até às famílias que formam as comunidades locais. Via de regra, estas famílias formam grupos produtivos, alguns até institucionalizados, ou seja, são associações formais. No local de atuação dos grupos produtivos solidários, estes se juntam e formam os Comitês Gestor Local. Conforme mencionamos anteriormente, ao aderirem aos FRS, as pessoas assinam um termo de adesão, elaboram um regimento, convocam reuniões, elaboram ata e fazem o controle contábil. Via de regra, estes comitês são formados por representantes dos grupos de produção solidária, a ONG que estabeleceu o convênio com o BNB, e entidades locais, como associações de moradores, paróquias e pastorais, sindicatos e, em alguns casos, representantes do poder político local, como Prefeitura. Obviamente, cada local tem sua conformação e sua dinâmica particular. O desafio é compreender de um modo sistematizado, as mutações do programa provocadas pelas diferentes trajetórias institucionais, através da análise do grau de coerência e dispersão do programa ao longo do seu trânsito pelas vias institucionais, e quando confrontadas com as especificidades culturais dos territórios percorridos.

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Para esta análise, o que se sugere são dois procedimentos etnográficos, que permitirá a apreensão das representações, a visão de mundo e a perspectiva dos atores envolvidos na gestão dos Fundos Rotativos. Ou seja, realizar uma “descrição densa” na qual se consideram os diferentes significados que os atores acionam publicamente por meio de uma interpretação da estrutura desses significados, que torna compreensível a ação social nos seus distintos contextos, ressaltando que a “descrição densa” articula-se ao conceito hermenêutico de cultura de Geertz (1978). Complementarmente, é necessário que esta “descrição densa”, seja capaz de estabelecer a “resiliência” do PAPPS e sua metodologia de Fundos Rotativos Solidários, ao percorrer as diferentes “trajetórias institucionais” ao longo de suas gestões por estes diferentes Comitês Nacional e Local, além das instituições específicas, que são o BNB, detentor dos recursos de crédito, a ONG que estabelece o Convênio com o Banco, e o próprio grupo produtivo. Todos emanam normas e regras, não raramente contraditórias e conflitantes sobre o mesmo objeto de procedimento. À guisa de esclarecimento, a noção de “resiliência, emprestamos da física, e refere-se à capacidade de alguns materiais de acumular energia quando submetidos a estresse, sem ocorrer rupturas. E, “trajetórias institucionais” nos valemos da sugestão do Prof. Alcides Gussi (2010), que vai se inspirar em Bourdieu para cunhar esta noção de trajetórias. Diz-nos o ilustre pesquisador (2010:22-23): “Bourdieu (1986) em seu ensaio “A ilusão biográfica”, este autor abandona o pressuposto de que uma vida é “como um conjunto coerente e orientado que pode ser apreendido como expressão unitária de uma intenção subjetiva e objetiva, de um projeto” (p. 184). Entendendo que uma vida não é um fim em si mesmo e, portanto, não tem um sentido único, Bourdieu faz uma analogia entre a vida e o nome próprio. Diz o autor que este último é o que carregamos ao longo da vida, o que lhe dá sentido, para, logo em seguida, rejeitar a idéia de que uma vida possa ser explicada apenas pela associação ao nome, considerando-a “tão absurda quanto tentar explicar a razão de um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações” (idem, op. cit. 1986, pp. 179-180). Assim, Bourdieu constrói sua noção de trajetória “como uma série de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço ele próprio um devir submetido a incessantes transformações” (idem, op. cit., p. 189). As trajetórias definem-se como colocações e deslocamentos no espaço social, mais precisamente “nos estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão colocados em jogo no campo considerado” (p. 190). Essa noção de trajetória faz com que se abandone a idéia de que uma vida possa ser compreendida como uma cadeia de acontecimentos “sem outros vínculos que não a associação a um sujeito” (idem, op. cit., p. 189). ..... Deste modo, parto da idéia de que o programa não tem um sentido único e está circunscrito a ressignificações, segundo seus distintos posicionamentos nos vários espaços institucionais e junto aos beneficiários diretos do programa.” 61

Fundos Rotativos Solidários: dilemas na gestão social de recursos públicos O projetos FRS vêm sendo acompanhados pelo Comitê Gestor e por técnicos do Banco do Nordeste/ETENE, além dos 06 projetos que estão sendo acompanhados pela equipe de pesquisadores na Paraíba, coordenados pela Prof. Alicia Gonçalves. Foram vistoriados in loco até agora, mais de 50 % dos projetos, sendo que a meta é que todos sejam visitados até meados de 2010. Algumas constatações servem para animar o debate: Observações sobre a gestão comunitária dos projetos Dos 33 projetos acompanhados “in locum”, nenhum deles apresentou até o momento sinais de irregularidade ou mesmo anormalidade.18 No aspecto financeiro, os fundos rotativos solidários vêm funcionando satisfatoriamente, pois as devoluções voluntárias dos recursos vem sendo depositadas. Importa esclarecer que alguns grupos optaram pela devolução em espécie, outros pela devolução em dinheiro, outros optaram por carência. Ainda não foram feitas estimativas seguras, mas tudo indica que exista um percentual de inadimplência, e/ou desistência, bem abaixo da média, quando comparada, por exemplo, com a média do microcrédito; Ainda no aspecto financeiro, os investimentos previstos nos projetos tem acontecidos com normalidade. Em casos raros, foram feitas aquisições com procedimentos burocráticos incorretos, mas que já estão sendo corrigidas. Em todos os projetos, cresceu o saldo líquido das ocupações, até mesmo porquê o nível de abandono e desistência tem se mostrado irrelevante; Os participantes têm declarado que a renda familiar vem aumentando consideravelmente após ingresso nos grupos produtivos solidários. Em alguns casos, a renda familiar do projeto tornou-se a renda principal da família; Cresceu e diversificou-se a mobilização de recursos pelos grupos, principalmente, do ponto de vista de novos parceiros para ações complementares ao projeto, tipo assistência técnica, transportes, design de produtos, etc. Ou seja, o desafio da autogestão tem tido como resposta, a freqüente iniciativa de mobilização de recursos pelo próprios participantes; Foram criados e continuam em funcionamento os Comitês Gestores Locais do Programa, formados tendo em vista a gestão do Fundo Rotativo. Esta gestão ocorrem de maneiras diversas, desde a intensidade das reuniões, a composição do Comitê, mas o que importa é que os Comitês funcionam e são representativos; As experiências de autogestão do projeto e do Fundo Rotativo, tem incidido no reforço dos laços de companheirismo e solidariedade nas comunidades onde atua o PAPPS. Estes resultados são bem visíveis principalmente nas atividades onde prevalece o coletivo, como por exemplo a exploração de pastagens comuns, a agroflorestação, ou nas atividades de artesanato; Observações sobre as dificuldades da gestão comunitária:

18

Considera-se irregularidade na gestão do projeto, as falhas insanáveis, tipo desvio de recursos, que afeta a credibilidade dos proponentes. Anormalidades referem-se, por exemplo, a atraso na prestação de contas, o que pode ser sanável num instante seguinte.

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Nota-se a fraca integração com o mercado, seja pela inconstância do volume de produção, seja baixa agregação de valor ao produto. A articulação institucional ainda é insuficiente, na medida que recursos requeridos ainda são insuficiente, exigindo maiores esforços dos participantes. Isto fica muito claro na organização e participação em feiras de intercâmbio de produtos, que para funcionar exige a participação de muitos parceiros; Consequentemente, ocorrem descontinuidade das ações, que é o lado sombrio da falta de parceiros tradicionais, pois as redes mais densas ainda estão por se construir; Observações sobre as relações entre o Comitê Gestor Nacional, Comitê Local e entidades convenentes Planejamento insuficiente das ações programadas, incorrendo em frequentes mudanças no orçamento e cronograma do projeto, o que implica em onerar os custos de transação; Desconhecimento das exigências da legislação e normativos, especialmente as leis que regem convênios, a exemplo da Lei 8.666 e I N 01/97, que exigem concorrências e licitações para gastos acima de certos valores; O desconhecimento das exigências legais afeta as prestações de contas principalmente em termos de comprovação de despesas, a saber: notas fiscais, carimbos, movimentação bancária, procedimentos licitatórios, formulários, etc.); Apontamentos sobre as perspectivas do PAPPS Afora estes obstáculos de praxe, as perspectivas do PAPPS são estimulantes, senão vejamos: Consolidar os empreendimentos já atendidos: embora este seja um tema que ainda não está na agenda do Comitê Gestor, mas urge que sejam estabelecidas prioridades no apoio aos projetos que tem apresentado bons desempenhos, ou seja, que possam funcionar como unidade de demonstração do Programa e suas técnicas e metodologias; Ampliar as ações em execução o que implica em ampliar a disponibilidade de recursos, seja para atender um maior número de projetos, seja para ampliar os territórios de experimentação do PAPPS; Estabelecer novo marco regulatório para as finanças solidárias, que institucionalize a prática de autogestão da poupança coletiva com ato fundador oriundo de recursos públicos. O tema tem sido polêmico entre as assessorias jurídicas de Ministérios, o que está a exigir uma orientação tempestiva da Advocacia Geral da União (AGU). Considerações finais: possibilidades analíticas Este elenco de observações empíricas inspira ilações no campo analítico que se espera relevantes para a correta compreensão do que se passa nas experiências locais, de maneira a replicá-las com maior previsibilidade. Os Fundos Rotativos Solidários são instrumentos de finanças solidárias direcionadas às comunidades que, em tese, praticam a auto-gestão dos referidos fundos, formando uma poupança voluntária e que decidem (re) investir parte desta, em prol da própria comunidade. Estes Fundos podem ser caracterizados como uma forma de associação de crédito rotativo. Os recursos circulam na própria comunidade e a reposição desses fundos obedece a uma lógica da solidariedade baseada nas regras tradicionais de reciprocidade, 63

seja na cidade, seja no campo, onde o agricultor compartilha água de beber porque “no sertão, água não se nega” ou ainda cria seus animais em áreas de pastagens comuns, os fundos de pasto. Para além do crédito não reembolsável ao banco destinado à essas comunidades, o foco central dos Fundos são os interesses dos grupos ou das comunidades e a solidariedade tecida em suas relações sociais como poderoso instrumento na geração da renda. Em seu desenho e metodologia o papel atribuído aos Fundos não é de apenas prover o crédito segundo uma lógica financeira tradicional e/ou segundo uma lógica clientelista presente em comunidades rurais, mas sim, exercitar um diálogo políticopedagógico onde a comunidade se aproprie dos circuitos financeiros, apontando para a emancipação das comunidades beneficiárias a partir da lógica da solidariedade. Desta forma, os resultados e impactos do Programa de Apoio aos Projetos Produtivos Solidários deverão ser examinados não só na melhoria das condições de vida das pessoas nas comunidades, mas principalmente deverão ser examinadas as incidências das ações do Programa sobre as relações de solidariedades e a própria sociabilidade na comunidade. Portanto, algumas questões são centrais numa investigação: De que forma os FRS vêm permitindo ressignificações nas relações entre as pessoas e entre estas e a natureza nas suas comunidades? Em busca de pistas, pelo menos quatro eixos fundamentais deverão ser analisados, seja para experiências na cidade ou no campo: Fortalecimento da organização produtiva, tradicionais;

tecnologias e demais saberes

Autonomia política em relação às práticas clientelistas locais; Desenvolvimento de novas relações homem-natureza condizentes com a proposta de convivência com o semi-árido, e ressignificações em suas identidades tradicionais. Finalizando, trata-se de um conjunto de indagações que nos remetem à problemática central que são as ligações complexas entre tradição e mudança social e entre estrutura e ação social, a partir da mercantilização e monetarização da vida social. Certamente, esta investigação contribuirá para apontar caminhos para a continuidade (ou não !) do Programa de Apoio aos Projetos Produtivos Solidários e a adequação da metodologia dos Fundos Rotativos Solidários, enquanto modelos de política pública nacional de finanças para a economia solidária. Referências AS-PTA/PATAC (2008). Cordel do Fundo Solidário: gerando riquezas e saberes. AS-PTA/PATAC/BNB: Campina Grande-PB; BOURDIEU, Pierre (1996). A ilusão biográfica. In. AMADO, J. e FERREIRA, M. M. Usos e abusos da História oral. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. BRAGA, E. M. (2004). Sócioeconomia solidária e a questão democrática. Desvendando caminhos e utopias. Revista de Ciências Sociais, UFC, vol. 35, número 1, 2004, p. 57-67. CEPAC (2009). Fundo Rotativo Solidário de Macaíba. CEPAC: Macaíba/RN; 64

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nas

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rurais

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Análise de Eficiência na Alocação de Recursos Públicos Destinados à Educação em Minas Gerais19 Ambrozina de Abreu Pereira Silva Marco Aurélio Marques Ferreira Luiz Antônio Abrantes Doraliza Auxiliadora Abranches Monteiro Resumo: A política de desenvolvimento urbano, competência do Poder Público Municipal, tem também como objetivo a utilização das receitas municipais para investimentos em educação. Assim, devido à importância do provimento desse serviço nos níveis de bem estar social da população, surgem cada vez mais, debates acerca da ação local. Logo, o presente estudo tem como objetivo avaliar a eficiência na alocação dos recursos destinados à educação, tomando como universo de análise um conjunto expressivo de municípios mineiros, através da aplicação da técnica Análise Envoltória de Dados. As análises foram realizadas com base em dados demográficos secundários, obtidos junto ao IBGE, INEP, IMRS, STN no período de 2004. O estudo expõe o lapso de eficiência na alocação de recursos, indicando a necessidade de revisão das práticas de gestão nos municípios mineiros, no intuito de aperfeiçoar os métodos adotados, para que haja melhor aproveitamento dos recursos, podendo propiciar à população o melhor provimento da educação e uma ação mais efetiva por parte do poder executivo.

1. Introdução A educação, a saúde e a moradia, de acordo com a Constituição Federal de 1988, são direitos sociais da população. A manutenção dos programas de educação infantil e de ensino fundamental e a prestação de serviços de atendimento à saúde da população, de acordo com a referida Constituição, são de competência dos municípios com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado. A promoção de programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais são de competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Assim, devido à importância da educação para formação e construção das características de um indivíduo e sua qualificação para o trabalho, da saúde para a garantia de redução do risco de doenças e outros agravos e do atendimento ao direito da moradia e melhoria das condições habitacionais da população, surgem cada vez mais debates acerca dos métodos, das políticas e dos indicadores relacionados a essas ações. Além disso, o processo de descentralização da gestão pública pós Constituição de 1988, possibilitou maior proximidade e conhecimento dos beneficiários dos direitos a programas de ações sociais. Este fato possibilitou maior participação e envolvimento da 19

Os autores agradecem o apoio financeiro concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG.

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população, que passou a ser parceira e agente fiscalizador da administração pública no provimento desses direitos (REZENDE, SLOMSKI E CORRAR, 2005). A Organização das Nações Unidas (ONU), com atuação voltada para a promoção do progresso social e melhores padrões de vida e direitos humanos, para estudo e avaliação da evolução de indicadores sociais, tem projetado e divulgado indicadores socioeconômicos que apontam a necessidade de estabelecimento de metodologias capazes de mensurar o estágio do desenvolvimento social e humano e melhor quantificar os indicadores. Ressalta-se, que indicadores de forma isolada são insuficientes para avaliar o desempenho de gestores bem como para avaliar o impacto dos investimentos sociais e a participação dos programas e ações no desenvolvimento social dos municípios. O princípio constitucional da publicidade e da transparência, a divulgação de informação pela mídia e a facilidade de acesso a informação, permitem ao cidadão acompanhar a execução financeira dos programas de governo e o nível de transferência de recursos aos municípios, ampliando também as ações de controle dos gastos públicos. Entretanto as informações são tratadas de forma isolada e a dificuldade de estabelecer análise comparativa entre as variáveis dificulta a avaliação efetiva da eficiência da provisão de serviços públicos. A alocação eficiente dos recursos nos sistemas públicos é um dos principais desafios que instiga a sociedade a buscar resultados que promovam a maximização de resultados sociais. A alocação dos recursos por parte do governo tem como objetivo principal a oferta de bens e serviços necessários à população e que não são providos pelo sistema privado, devido a sua inviabilidade econômica. As funções econômicas do Estado, quais sejam, a função distributiva, estabilizadora e alocativa destinam a corrigir ou minimizar essas divergências no âmbito da sociedade e de seus segmentos. Nesta direção, é notório destacar que parte significativa das políticas públicas tem como gargalo a otimização dos recursos, uma vez que os critérios de sua distribuição para demandas, via de regra, superior à oferta, determinam a efetividade da ação do Estado. Em síntese a existência de desigualdades em relação ao setor educacional, de saúde e habitacional, sobretudo nos componentes da oferta desses serviços e na ineficiência da aplicação dos recursos público reflete nas disparidades e desenvolvimento socioeconômico das regiões e consequentemente na qualidade de vida da população. O estado de Minas Gerais, quarto maior do País e o segundo mais populoso, apresenta expressiva desigualdade social com reflexos nos níveis intra e inter-regionais de qualidade de vida (IBGE, 2008). Neste aspecto, estudos voltados para este tema de referência, não apenas aplicados as mesorregiões e microrregiões, mas também aos municípios são de extrema relevância para determinação de políticas públicas.

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Segundo Figueiredo e Figueiredo (1986), a avaliação de eficiência tem como propósito confrontar a adequação dos meios e recursos utilizados aos resultados obtidos, tendo em vista os objetivos e metas propostos pela política. Para Arretche (2001), a importância da avaliação de eficiência para o planejamento e gestão das políticas reside na possibilidade de dar ao gasto público melhor alocação e uso mais racional. A autora ressalta que, com o estreitamento dos recursos é de fundamental importância ser eficiente. De acordo com Rezende (2001), os gastos com saúde, educação e habitação são uma das formas mais efetivas de atuação do governo, visando reduzir as desigualdades sociais existentes e melhorar o padrão de vida da população através de um maior acesso aos bens e serviços públicos. Estudos têm sido direcionados à análise de eficiência da alocação de recursos públicos, a exemplo Marinho (2001); Herrera e Pang (2005); Rezende, Slomski e Corrar (2005); Souza Jr. e Gasparini (2006); Faria, Jannuzzi e Silva (2008); Ferreira e Pitta (2008); dentre outros. Avaliar os princípios de alocação eficiente, distribuição e efetiva aplicação dos recursos públicos é extremamente necessário no sentido de desenvolver políticas que ampliem a utilização destes serviços pela sociedade bem como na avaliação da gestão social do poder público municipal e possibilitar a população ao acesso a informações. Neste sentido, o presente trabalho objetivou avaliar a eficiência na alocação dos recursos destinados à educação nos municípios mineiros. O artigo está organizado em quatro seções, além desta introdução. A próxima seção apresenta o referencial teórico, seguido pelas seções de metodologia, análise dos resultados e finalmente, conclui-se o trabalho. 2. Referencial teórico 2.1. Provimento da Educação A educação, de acordo com a Constituição Federal de 1988, é direito fundamentail do ser humano e deve ser provido pelo Estado. Entretanto, observa-se grande desigualdade social no acesso a este serviço. Segundo Teixeira (1999), para que o direito a educação seja atendido, torna-se indispensável a manutenção de um sistema de escolas públicas e gratuitas, para toda a população, que ofereça o mínimo de educação necessária. Esta manutenção de um sistema de escolas públicas torna-se possível através do financiamento da educação pelos entes federativos. De acordo com Areralo (2004), quando a pauta for o financiamento da educação no Brasil, a situação socioeconômica e algumas formas específicas da arrecadação tributária realizada devem ser levadas em conta, pois, as principais fontes de recursos 71

para o financiamento da educação nacional são originadas da efetiva arrecadação de impostos. O artigo 212 da Constituição Federal determina a competência de cada ente federativo perante a educação e estabelece o percentual dos gastos com este serviço. Assim, os Estados e municípios são obrigados a aplicar em educação, 25% de suas receitas de impostos e transferências, contra 18% do governo federal . Através da Emenda Constitucional no 14/96 e, posteriormente, regulamentado pela Lei no 9.424/96 o financiamento da educação pública no Brasil passou a ser realizado através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF. Segundo Souza Júnior et al. (2006) uma política nacional de eqüidade, teria de passar, necessariamente, por uma atuação mais incisiva da União, com a constituição de um fundo verdadeiramente nacional e maior aporte de recursos, de modo que pudesse ser enfrentado, o problema das desigualdades regionais na educação. Neste aspecto, substituindo o FUNDEF, foi sancionada a Lei no 11.494/07, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB. Esse fundo ampliou o investimento da União no provimento da educação básica pública, alcançando, além do ensino fundamental, a educação infantil e o ensino médio. De acordo com Pinto e Adrião (2006) os recursos do FUNDEB são distribuídos em cada unidade da federação na proporção da matrícula dos alunos em todas as etapas e modalidades da educação básica, encontradas nas respectivas redes de ensino. Assim, para aplicação desses recursos deve-se observar os respectivos âmbitos de atuação prioritária dos Estados e Municípios, conforme estabelecido nos §§ 2º e 3º do artigo 211 da CF/88. Neste caso os Municípios devem utilizar recursos na educação infantil e no ensino fundamental e os Estados no ensino fundamental e médio. No entanto, segundo Melchior (1993), o financiamento da educação continua sendo muito centralizado, sendo os principais impostos e contribuições recolhidos pela União. 2.2. Funções do Estado O Estado tem assumido diversas funções ao longo de sua história. No período recente são mais visíveis as denominadas funções econômicas do estado, quais sejam, a função distributiva, a estabilizadora e a alocativa (MUSGRAVE e MUSGRAVE, 1980). A função distributiva está associada a ajustes na distribuição de renda, que permitam que a distribuição prevalecente seja aquela considerada justa pela sociedade. A estabilizadora tem como objetivo o uso da política econômica, visando a um alto nível de emprego, à estabilidade dos preços e à obtenção de uma taxa apropriada de crescimento econômico. E a alocativa diz respeito, sobretudo, ao fornecimento de bens públicos e meritórios, como saúde, educação, habitação e outros.

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Estas três funções orientam a atuação do Estado e as políticas públicas para que possa haver o desenvolvimento de determinados setores da economia com intuito de maximizar o bem-estar da população. A função alocativa do Estado decorre da necessidade de corrigir as falhas de mercado, que impedem a maximização da eficiência na alocação de recursos. Carvalho (2001) considera, como falhas de mercado, o conjunto de condições sob as quais uma economia é incapaz de distribuir recursos de maneira eficiente. A referida autora identifica como falhas de mercado a existência de bens públicos, cujo consumo por um usuário não reduz o estoque disponível para outros; mercados imperfeitos que podem levar à formação de monopólios ou atividades, que exijam grande escala de produção; as externalidades que podem ser positivas ou negativas; e informação imperfeita. A ocorrência dessas falhas é o argumento básico para a função alocativa do governo, situação em que o poder público intervém diretamente no processo produtivo, ofertando o bem em questão, ou direcionando a iniciativa privada através de estímulos ou penalidades. Segundo Cavalcanti (2006), na função alocativa, o Estado é responsável pela coordenação ou mesmo pela ação direta entre produtores e consumidores dos bens públicos e dos meritórios. O autor ressalta a importância dos recursos advindos de tributos, para o financiamento deste mecanismo. O governo utiliza instrumentos, como tributos e renúncias fiscais, para promover a oferta de serviços de consumo coletivo como educação, segurança, saúde, lazer, saneamento, habitação, transporte ou tudo aquilo que pode contribuir para o bem-estar social. Portanto, a função alocativa pode ser sintetizada como sendo aquela que trata do modo como o Estado promove e influencia o direcionamento dos fatores produtivos, que podem ser capital, mão-de-obra ou recursos naturais, entre as várias possibilidades de uso, visando produzir um conjunto de bens e serviços, que constituem certa parcela da renda nacional. De acordo com Cavalcanti (2006), para que esta cesta de bens e serviços possa ser ofertada em preços e quantidades compatíveis com os padrões de renda e desenvolvimento nacional, é necessário que muitas vezes ocorra a interferência do Estado, através do provimento de incentivos especiais. A função distributiva do Estado pode ser considerada um dos principais pontos de discussão na determinação da política do setor público, como a determinação da política fiscal, estudando como formular medidas fiscais tendo em vista ajustes na distribuição de renda. O presente estudo visou analisar a função alocativa do estado, como os bens públicos meritórios tem sido ofertados a população. 73

Os tributos e a renúncia fiscal constituem uma ferramenta constantemente utilizada pelo governo para distribuir a renda da economia. Segundo Pyndick e Rubinfeld (2002), os tributos captam recursos da camada da sociedade que possui maior renda, através dos tributos constantes nos bens superiores ou de luxo. Por outro lado, muitas vezes o governo subsidia os bens básicos, pois, nestes há elevada participação no consumo da população de baixa renda. Assim, o governo permite um maior ajuste na distribuição da renda, possibilitando à população de baixa renda ter acesso a serviços básicos como a educação, a saúde e a habitação, cumprindo, assim, seu objetivo primordial que é corrigir as falhas de mercado e as distorções distributivas, a fim de manter a estabilidade, melhorar a distribuição de renda e alocar os recursos com maior eficiência. Segundo Musgrave e Musgrave (1980), cada uma destas funções é atribuída a uma ou mais esferas de governo. A função distributiva seria função das esferas estadual e federal, a estabilizadora cabe exclusivamente a esfera federal e a alocativa fica sobre responsabilidade das três esferas. 3. Metodologia A metodologia encontra-se dividida em três seções, sendo elas, área de estudo, coleta de dados e procedimentos analíticos onde é descrita a escolha do método e variáveis. 3.1. Área de estudo Minas Gerais é o segundo estado brasileiro mais populoso, o maior estado da região sudeste, quarto do País em área territorial e possui a terceira economia do País, ficando abaixo de São Paulo e Rio de Janeiro. Possui uma área de 586.528 Km2, 19 milhões de habitantes que se distribuem em 853 municípios, sobretudo nas regiões urbanas em que a parcela populacional é de 74,86%, em contraposição à população que vive na zona rural e representa 25,14%. (IBGE, 2008) Embora tamanha dimensão e importância, Minas Gerais apresenta expressiva desigualdade social. A desigualdade de renda mineira é acentuada. O índice de Gini, que mede a desigualdade de renda, embora tenha sofrido redução ao longo dos anos, apresentou valor de 0,52 para o ano 2009, valor este que ainda se mostra expressivo. Além disso, em 2006, 14% da população do estado se apresentava em situação de pobreza (IBGE, 2008). 3.2. Fonte de dados Para a operacionalização da pesquisa, foram utilizados dados secundários e informações de organismos oficiais extraídos da base de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP); Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda (STN); e o Índice Mineiro de Responsabilidade Social (IMRS) da Fundação João Pinheiro (FJP). Foram utilizados os dados correspondentes ao período de 2004 para os municípios de Minas Gerais. 74

A amostra do estudo foi composta de 404 municípios, representando 47,4% dos 853 municípios existentes, considerando que os municípios restantes foram eliminados por não possuíam parte dos dados necessários à pesquisa. 3.3. Procedimentos analíticos 3.3.1. Método e variáveis utilizadas Para a construção do índice de eficiência foi utilizado a abordagem Data Envelopment Analysis (DEA) por ser apropriado a análise de eficiência em organizações, que atuam em uma mesma área. A Análise Envoltória de Dados (DEA) se apresenta como metodologia indicada, para avaliar a eficiência do emprego dos recursos dos municípios em seus diversos serviços prestados, uma vez que identifica o desempenho das unidades de análises e a comparação entre elas, possibilitando identificar as melhores práticas de políticas públicas, bem como identificar as melhorias na qualidade de bens e serviços prestados. A DEA é amplamente empregada em diversas áreas do conhecimento, com enfoque nas ciências sociais aplicadas, a exemplo dos trabalhos de Kassai (2002), Ferreira (2005), Souza Jr. e Gasparini (2006) em Administração; e Marinho (2001), Bezerra e Diwan (2001), Wilson (2004), Herrera e Pang (2005), Souza (2007), Faria, Jannuzzi e Silva (2008), Lopes e Toyoshima (2008) e Fonseca e Ferreira (2009) em Administração Pública. As variáveis utilizadas para o cálculo da eficiência relativa foram escolhidas com base na função alocativa do estado, pautando-se nas dimensões necessárias ao atendimento as necessidades educacionais dos cidadãos. Para tanto, tomou como referência alguns quesitos já validados por outros estudos, a exemplo os de Wilson (2004), Tanzi (2004), Miranda e Gasparine (2007), Faria, Jannuzzi e Silva (2008) e, Lopes e Toyoshima (2008), em alinhamento com o referencial teórico proposto. As variáveis foram dividas em inputs (insumos ou entradas do sistema) e outputs (produtos ou saídas do sistema). Como inputs em Educação e Cultura, além do PIB per capita, foi utilizada uma variável que sintetiza os gastos per capita nos municípios. Foram utilizadas como produto, três variáveis representativas de desempenho do setor de Educação e Cultura. Os inputs e outputs, utilizados no estudo, encontram-se discriminados por áreas analisadas, conforme Quadros 1.

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Quadro 1 – Variáveis utilizadas para o cálculo da eficiência em Educação e Cultura Inputs

Outputs TaxAt4-6 - Taxa de atendimento das crianças de 4 a 6 anos (INEP)

TaxAt7-14 - Taxa de atendimento das GEduC - Gastos per capita com educação crianças de 7 a 14 anos (INEP) e cultura (STN) TaxAt15-17- Taxa de atendimento de PIBper - PIB per capita (IBGE) adolescentes de 15 a 17 anos (INEP) Fonte: Elaborado pela autora.

A inclusão de uma variável representativa da atividade econômica, o PIB per capta, se deu com o objetivo de relativizar os efeitos que uma riqueza municipal mais elevada pode gerar sobre os outputs, independentemente do nível de gasto público alocado, outros estudos já fizeram uso de variável semelhante com este mesmo objetivo, como o de Faria , Jannuzzi e Silva (2008). A utilização de um indicador de renda pode possibilitar um julgamento mais consistente da situação, pois, municípios com nível de gasto social per capita muito próximos podem obter resultados de eficiência diferentes, em função das riquezas por eles produzidas. 3.3.2. Análise Envoltória de Dados (DEA) O estudo das medidas de eficiência com base em técnicas não-paramétricas teve início com os trabalhos de Koopmans, Debreu e Farrel na primeira metade da década de 1950. Debreu (1951) inovou ao utilizar uma medida radial para eficiência técnica, denominada coeficiente de utilização de recursos. O intuito era construir uma medida que possibilitasse demonstrar a máxima redução equiproporcional de todos os outputs. O grande diferencial está no fato de que essa medida independe da unidade de medida da variável. Farrel (1957) aprimorou esses trabalhos e incluiu um componente capaz de refletir a habilidade de produtores em selecionar o vetor input-output eficiente, considerando os respectivos preços, dando origem ao termo eficiência alocativa. As avaliações das medidas de eficiência podem ser precedidas de duas orientações, uma fundamentada na redução de insumos dado um nível de produção, denominada “orientação-insumo”; e outra com ênfase no aumento do produto, dado um nível de recursos disponíveis, denominada “orientação-produto”. Neste trabalho a análise se baseia na orientação-produto. Com base nas análises de eficiência, proposta por Farrel (1957), os autores Charnes et al. (1978) deram início ao estudo da abordagem não-paramétrica para a análise de eficiência relativa de firmas, com múltiplos insumos e produtos, cunhando o termo Data Envelopment Analysis (DEA). 76

Marinho (2001), citando algumas das características deste tipo de análise, destaca que cada unidade é eficiente ou ineficiente segundo uma única medida-resumo de eficiência; não faz julgamentos a priori sobre os valores das ponderações de insumos e produtos, que levariam as unidades ao melhor nível de eficiência possível; pode prescindir (mas não rejeita) de sistema de preços; dispensa (mas pode acatar) pré-especificações de funções de produção subjacentes; permite a observação de unidades eficientes de referência para aquelas que forem assinaladas como ineficientes; produz resultados alocativos eficientes no sentido de Pareto. Os modelos DEA baseiam-se em uma amostra de dados observados para diferentes unidades produtoras, também conhecidas como DMUs (Decision Making Unit). O objetivo é construir, a partir dos dados utilizados para as DMUs, um conjunto de referências e, assim, classificá-las em eficientes ou ineficientes, tendo como base a superfície formada. A idéia central desta técnica é encontrar a melhor DMU virtual para cada DMU real. Se a DMU virtual, que pode ser uma combinação convexa de outras DMUs reais, conseguir produzir mais utilizando a mesma ou menor quantidades de insumos, então, a DMU real será ineficiente. As unidades eficientes que, quando combinadas, fornecem a DMU virtual para a unidade ineficiente são conhecidas como pares ou benchmarks daquela DMU. Os modelos básicos DEA podem ser divididos em quatro grupos. Os dois primeiros, CCR e BCC, são considerados modelos clássicos. O CCR é o modelo clássico com retornos constantes à escala, enquanto o BCC é o modelo clássico com retornos variáveis à escala. Existem ainda, dentro das ramificações da metodologia DEA, o modelo aditivo e o modelo multiplicativo. Banker et al. (1984), Coelli (1995), Charnes et al. (1994) e Estellita Lins e Meza (2000) apresentaram discussões mais aprofundadas sobre esses modelos. O modelo DEA com orientação-produto procura maximizar o aumento proporcional nos níveis de produto, mantendo fixa a quantidade de insumos e, de acordo com Charnes et al. (1994) e Estellita Lins e Meza (2000), pode ser representado, algebricamente, pelo seguinte Problema de Programação Linear – PPL: maxφ,λ φ, s.a. φyi - Yλ ≤ 0, (1) - xi + Xλ ≤ 0, -λ ≤ 0, em que yi é um vetor (m x 1) de quantidades de produto da i-ésima DMU; xi é um vetor (k x 1) de quantidades de insumo da i-ésima DMU; Y é uma matriz (n x m) de produtos das n DMUs; X é uma matriz (n x k) de insumos das n DMUs; λ é um vetor (n x 1) de pesos; e φ é uma escalar que tem valores iguais ou maiores do que 1 e indica o escore de eficiência das DMUs, em que um valor igual a 1 indica eficiência técnica relativa da iésima DMU, em relação às demais, enquanto um valor maior do que 1 evidencia a presença de ineficiência técnica relativa. O (φ -1) indica o aumento proporcional nos 77

produtos que a i-ésima DMU pode alcançar, mantendo constante a quantidade de insumo. É oportuno ressaltar que o escore de eficiência técnica da i-ésima DMU, variando de 0 a 1, pode ser obtido por intermédio de 1/φ. O problema apresentado em (1) é resolvido n vezes, sendo uma vez para cada DMU e, como resultado, apresenta os valores de φ e λ, sendo φ o escore de eficiência da DMU sob análise, e λ fornece as DMUs eficientes que servem de referência ou benchmark para a i-ésima DMU ineficiente. Conforme ressaltado por Belloni (2000), os modelos CCR e BCC apresentam regiões de viabilidade distintas. A região viável do modelo BCC é restrita às combinações convexas dos planos de produção observados, o que é caracterizado pelos retornos variáveis à escala. Como consequência, considerando orientação ao produto, o indicador de eficiência do modelo BCC é menor ou igual ao indicador de eficiência do modelo CCR. Assim, optou-se por aplicar o modelo CCR da DEA por ser mais restritivo, diminuindo o número de unidades consideradas eficientes. Considerando que o objetivo deste estudo não é discriminar as unidades em eficiente e ineficiente, mas classificá-las em faixas de acordo com os escores obtidos, o modelo escolhido não prejudicará a análise, apenas a tornará mais conservadora. A eficiência calculada pela DEA é relativa apesar de baseada em observações reais. As unidades tomadoras de decisão (DMUs) têm seu desempenho medidos por meio da comparação de seus resultados e dos seus insumos com os resultados e insumos das outras DMUs da amostra. As DMUs consideradas eficientes determinam uma fronteira de eficiência (Pareto-Eficiente) e possuem eficiência igual a 1 ou 100%. A única restrição imposta neste método é que a DMU esteja dentro ou na fronteira de eficiência. Na DEA, o termo análise envoltória deriva do fato de, nessa abordagem, a análise tomar por referência, justamente, as DMUs outliers, buscando detectar as DMUs eficientes e construir um plano geométrico de apreciação dessas unidades. Para a manipulação quantitativa dos dados, foram utilizados os softwares Statistical Package for the Social Sciences - SPSS v. 15.0® e Data Envelopment Analysis - SAED v.1.0.

4. Resultados e discussões 4.1. Análise descritiva das variáveis utilizadas no estudo Foram realizadas análises descritivas dos dados, com o propósito de apresentar as variáveis do estudo. Ressalta-se que esta análise torna-se dispensável quando adotados métodos não paramétricos como é o caso da DEA.

78

Observa-se, pela tabela 1, que a média populacional dos municípios analisados em Minas Gerais em 2004 foi de 25.193 habitantes, apresentando conformidade com o Estado, onde 80% dos municípios possuem população de até 20.000 habitantes e 97% até 100.000 habitantes (IBGE, 2008). Esta diferença de magnitude entre os municípios, que compõem a amostra, refletem a realidade nacional bem como a grande assimetria e disparidade observada entre os municípios mineiros, comum em um estado com as dimensões de Minas Gerais. O gasto com educação e cultura per capita, foi de R$ 519,32, e o PIB per capita de R$ 10.029,19. Estas variáveis, assim como a população, apresentaram alto desvio-padrão e amplitude (valores mínimo e máximo), demonstrando heterogeneidade entre os municípios analisados. Nesta perspectiva, assim como ocorre discrepância populacional, há também diferenças nos investimentos em educação e cultura e no desenvolvimento econômico dos municípios, este último medido pelo PIB. Estes fatores apontam diferenças entre os municípios e as regiões, gerando disparidades e a necessidade de melhorar a alocação e a gestão de recursos no estado. Estudos demonstram que a despesa com educação, voltada sobremaneira para o ensino fundamental, pré-escola, creche e alfabetização aumentou no Brasil. No ano de 2006, houve aumento de 0,9% no número total de estudantes em relação ao ano de 2005, principalmente na faixa etária de 7 a 14 anos, cuja presença na escola foi maior (PNUD, 2007). Este fator torna-se relevante, pois, o incentivo do Estado por meio do aumento dos gastos sociais nesta função e na cultura pode proporcionar também outros mecanismos de inclusão, como melhoria na infraestrutura das escolas e, ou qualidade do docente. Há de se ressaltar que o Estado exerce um papel primordial, uma vez que deve proporcionar uma educação de qualidade a fim de garantir tanto o acesso quanto a permanência das crianças na escola. As taxas de atendimento escolar, baseadas no atendimento de crianças, adolescentes e jovens, demonstram, em média, baixo atendimento nas faixas de 4 a 6 anos (0,55) e melhor atendimento nas faixas de 7 a 14 anos (95,62) e 15 a 17 anos (78,59). A dispersão apontada pela amplitude e o desvio-padrão, novamente demonstra a variação na taxa de atendimento, principalmente, na menor faixa. Apesar das duas últimas taxas apresentarem médias de atendimento altas, as assimetrias negativas apontam a existência de municípios com taxas de atendimento abaixo da média. Os altos valores médios encontrados para as taxas de atendimento de 7 a 14 e 15 a 17, podem ser aspectos positivos, pois a educação é fundamental para a inclusão de um indivíduo à sociedade e, por meio dela também as pessoas podem participar do âmbito econômico, social e político, exercendo seu papel de cidadão.

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Tabela 1 – Estatística descritiva das variáveis empregadas no estudo para Educação Educação POP(hab.)

Mín.

Max.

Média

Desv. Pad.

Ass.

Curt.

1.242

573.870

25.193

58.047

6,43

49,61

GEduC (R$)

156,96

3.061,94

519,32

282,42

3,41

21,56

PIBper (R$)

2.325,30

254.606,07

10.029,19

16.400,73

9,79

129,83

TaxAt4-6 (%)

12,30

100,00

55,60

18,02

0,31

-0,12

TaxAt7-14 (%)

71,09

100,00

95,62

5,55

-1,54

2,41

TaxAt15-17 (%)

33,00

100,00

78,59

12,90

-0,61

0,74

Fonte: Resultados de pesquisa.

4.2. Analise da eficiência da alocação de recursos em Minas Gerais Na Tabela 2, são apresentadas as estatísticas descritivas para os escores de eficiência técnica dos municípios de Minas Gerais, para a área de educação e cultura, para o ano 2004.

Tabela 2 - Análise descritiva dos escores de eficiência técnica dos municípios mineiros 2004 Variável

Mín.

Max.

Médi a

Eficiência em Educação e Cultura

0,103 1,000 0,615

Desv. Pad. 0,203

Ass.

Curt.

0,0256

0,618 9

Fonte: Resultados da pesquisa Percebe-se, grande amplitude de variação dos escores de eficiência, sendo que o município que apresentou menor escore para área de educação e cultura, foi o município de Tapira. Os valores mínimos de escores de eficiência demonstram a existência de municípios com escores de eficiência baixíssimos, o que tonifica a questão da existência de falhas na gestão e alocação dos recursos, demonstrando a necessidade de revisão, por parte da administração pública, dos meios de alocação dos recursos visando à oferta de serviços públicos de qualidade e atendimento da população o que levaria à superação das

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desigualdades, ampliação de oportunidades e melhoria na qualidade de vida nos municípios, conforme Rezende (2001). A média dos escores de eficiência em Educação e Cultura, foi 0,615, o que demonstra possibilidade e a necessidade de revisão na alocação de recursos para um melhor atendimento às necessidades populacionais. O alto intervalo entre os valores extremos influenciou o desvio-padrão, que foi elevado, evidenciando a grande disparidade entre os municípios. O coeficiente de curtose negativo, vem a confirmar a dispersão dos dados em torno da média, indicando uma distribuição platicúrtica, mais plana. Com base nos valores obtidos, pode-se afirmar que a área de Educação e Cultura possui uma distribuição assimétrica à esquerda, ou seja, há presença de municípios com valores baixos de índices de eficiência. Para melhor visualização e entendimento dos resultados, foram construídos critérios de categorização das DMUs em razão dos escores de eficiência, tomando-se como referência a média e o desvio-padrão, enquanto principais estatísticas descritivas apuradas. Desse modo, os municípios foram classificados de acordo com os quadro 2.

Quadro 2 - Classificação de desempenho dos municípios para Educação e Cultura, conforme escore de eficiência da abordagem DEA Critério Escores Desempenho na otimização dos Inferior a Média menos 1 DesvioE < 0,412 Baixo Padrão Média mais ou menos 1 DesvioPadrão

0,412 < E < 0,818

Médio

Superior a Média mais 1 DesvioFonte: Resultados da pesquisa.

E > 0,818

Alto

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Fonte: Elaborada pela autora. Figura 1 – Escores de eficiência em Educação e Cultura para os municípios mineiros. Para a área de Educação e Cultura, com base nos critérios estabelecidos, 17,33% dos municípios analisados apresentaram baixos escores de eficiência, 65,34% escores médios e 17,33% escores altos. Observa-se concentração dos municípios com alto escore de eficiência nas mesorregiões Norte e Jequitinhona, o que demonstra a melhor otimização dos recursos públicos e possibilita inferir sobre a melhor gestão do poder executivo local para os municípios destas mesorregiões. Portanto, mesmo as regiões com alta vulnerabilidade socioeconômica têm apresentado bom desempenho, evidenciando que os governos têm agido de forma efetiva e conforme ressaltam Musgrave e Musgrave (1980), a utilização eficiente dos recursos em locais em desenvolvimento, que geralmente possuem recursos escassos, assume importância crítica. Vale ressaltar que, embora estas mesorregiões tenham apresentado maior concentração de municípios com altos escores de eficiência, ainda apresentam necessidade de esforço da gestão visando à redução das desigualdades socioeconômicas existentes, por meio da busca da excelência da alocação de recursos. Em contrapartida, os municípios com baixo escore de eficiência estão concentrados na mesorregião Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba, consideradas mais desenvolvidas economicamente. Esta constatação indica que os administradores não têm cumprido seu papel de forma eficiente na alocação dos recursos, não proporcionando a população de baixa renda acesso a serviços básicos como educação. Este fato demonstra que o governo não vem, cumprindo, o seu objetivo primordial que é corrigir as falhas de mercado e as distorções distributivas, a fim de manter a estabilidade, melhorar a distribuição de renda e alocar os recursos com maior eficiência. 82

5. Conclusões Os resultados expõem as limitações na ação do poder local no Estado de Minas Gerais, no que se refere ao provimento do serviço de educação e cultura. Um fato positivo, apontado no estudo, refere-se à concentração de altos escores de eficiência em regiões pobres como Jequitinhonha e Norte de Minas, por obterem bons resultados. Pode-se concluir que os municípios destas regiões, embora se encontrem em pior situação socioeconômica, têm buscado a superação deste problema. Entretanto, a maior parte dos municípios apresentou escores médio e baixo de eficiência, mostrando a necessidade de melhoras na alocação dos recursos. Fato demonstrado pela pequena parcela de municípios que apresentou, escores altos de eficiência. Devido à baixa média nos escores de eficiência, principalmente, nas regiões Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba, fica evidenciada a ampla possibilidade de melhoria no desempenho alocativo por parte do Governo Local, na busca por indicadores positivos de qualidade de vida. Portanto, torna-se necessária uma revisão das práticas de gestão nos municípios mineiros, no intuito de aperfeiçoar os métodos adotados, para que haja melhor aproveitamento dos recursos, podendo propiciar à população o melhor provimento de suas necessidades essenciais e uma ação mais efetiva por parte do poder executivo. Cabe ressaltar que análises em nível municipal podem sofrer vieses, devido ao fato de desconsiderar aspectos, como o atendimento dos serviços essenciais em municípios pólos de referência, sobrecarregando assim este espaço de análise podendo influenciar no nível de eficiência de alguns municípios. Espera-se que o presente trabalho desperte atenção para alocação dos recursos públicos, podendo contribuir como uma ferramenta de reflexão sobre a qualidade da gestão pública, visando à melhoria no bem-estar social.

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Governança Pública: Transparência, Controle e Accountability Sob a Ótica da Teoria do Agente Roberto do Nascimento Ferreira Elaine Aparecida Araújo Patrícia Almeida Ashley Luiz Gustavo Camarano Nazareh Antônio Carlos dos Santos Resumo: A governança está relacionada ao ato de governar, a uma estrutura de governo, à forma de exercício do poder. Na última década do século passado, surgiu a expressão governança corporativa – GC. Ao adotar a GC, a empresa deve seguir os princípios de eqüidade, transparência, responsabilidade por prestar contas, obediência às leis do país e definição de responsabilidades. Princípios para implantação da GC no setor público são evidenciados no estudo da Federação Internacional de Contadores (IFAC, 2001) e também em trabalhos publicados por órgãos governamentais de alguns países. A governança corporativa tem relação com a busca pela minimização dos problemas de agência. Nos municípios a existência dos conselhos municipais representa uma estrutura de controle social que pode contribuir positivamente para o desenvolvimento de um modelo de governança, para os quais há a necessidade de se estabelecer sistemas de gestão e de normatização, fundamentados em um modelo de governança que permita a participação informada, capacitada e efetiva da sociedade na gestão das cidades dentro de um conceito de sustentabilidade. É o se que poderia chamar de governança pública que se aproximaria, guardadas as proporções, à governança corporativa aplicada às empresas. 1 Introdução O conceito de governança existe desde o surgimento dos Estados modernos no século XIX. A partir da década de 1960 é que passou a aparecer com mais freqüência nos trabalhos da área acadêmica. A governança está relacionada ao ato de governar, a uma estrutura de governo, à forma de exercício do poder. Recentemente, na última década do século passado, surgiu a expressão governança corporativa – GC –, aplicada às empresas privadas. A GC é relacionada à necessidade de a empresa ser transparente, disponibilizando ao mercado um conjunto de informações além do previsto na legislação. Ao adotar a GC, a empresa deve seguir os princípios de eqüidade, transparência, responsabilidade por prestar contas – accountability, obediência às leis do país – compliance – e definição de responsabilidades. Princípios para implantação da GC no setor público são evidenciados no estudo da Federação Internacional de Contadores (IFAC, 2001) e também em trabalhos publicados por órgãos governamentais de alguns países; por exemplo, a Inglaterra (INSTITUTO BRITÂNICO DE FINANÇAS E CONTABILIDADE PÚBLICA – CIFPA, 1995), a Holanda (TIMMERS, 2000) e a Austrália (BARRET, 2002). Segundo Slomski et al (2008) as reformas no setor público da Nova Zelândia são vistas como as que mais se aproximam do caminho empresarial. Destaca-se que a reforma radical teve início em 1986, com forte influência na teoria da escolha pública, na teoria da agência e na análise dos custos de transação. 88

A governança corporativa tem relação com a busca pela minimização dos problemas de agência, nas relações contratuais entre o principal – quem delega; no caso, o cidadão – e o agente – quem executa; no caso, o governo. Nos municípios, encontramos uma estrutura de controle social que pode contribuir positivamente para o desenvolvimento de um modelo de governança, representado pela existência dos conselhos municipais, como: de saúde, de educação e de segurança pública, entre outros, ainda que a composição desses conselhos e a forma de indicação dos conselheiros possam assumir, apenas, um caráter político, no seu sentido mais limitado e de influência pessoal. Isso representa, dessa forma, um entrave à constituição de conselhos efetivos que possam contribuir para a elaboração, acompanhamento e avaliação de políticas públicas e o exercício do planejamento participativo e do controle social. Há, portanto, a necessidade de se estabelecer sistemas de gestão e de normatização para a constituição e operação dos conselhos municipais, fundamentados em um modelo de governança que permita a participação informada, capacitada e efetiva da sociedade na gestão das cidades dentro de um conceito de sustentabilidade. Esse modelo seria o que poderíamos chamar de governança local de políticas públicas para cidades sustentáveis, que se aproximaria, guardadas as proporções, à governança corporativa aplicada às empresas. Nesse contexto, propõe-se discutir a partir da contribuição teórica em desenvolvimento no campo da governança corporativa e da governança pública, quais as condições institucionais recomendáveis para um modelo de governança local de políticas públicas para cidades sustentáveis que possam atender à capacidade dos municípios brasileiros em gerenciar o desenvolvimento territorial local de forma justa, democrática e sustentável. Considerando que a governança contribui na formulação e implementação de políticas públicas, na participação e no controle do Estado por parte dos cidadãos, torna-se importante a sua adequada formulação e aplicação, que considere a eqüidade, a transparência e a prestação de contas. Pode-se, assim, estudar uma relação que permita a aplicação desses princípios à gestão pública. Este ensaio, portanto, propõe colaborar nesta discussão apresentando elementos que possam contribuir na elaboração de modelos de governança local, visando à gestão integrada e democrática de políticas públicas e planos setoriais para o desenvolvimento sustentável em território municipal. Assim, é apresentada a seguir uma breve contextualização, para em seguida ser apresentada uma discussão teórica e por fim as considerações finais.

2 Contextualização Na gestão pública, encontramos diferentes paradigmas de modelos de gestão. Esses paradigmas influenciaram, cada um a seu tempo, a forma como a administração era e é conduzida. Um desses paradigmas é o movimento denominado Nova Gestão Pública – NGP -, surgido no Reino Unido e adotado posteriormente pelos Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, Chile e Brasil. O movimento representa a iniciativa em nível internacional de se buscarem novas formas de gestão pública. A discussão sobre esse movimento é encontrada em trabalhos de autores como 89

Barzelay (2000), Ferlie (1999) e Bresser Pereira (2001, 2002 e 2005). A experiência brasileira iniciou-se no Governo FHC por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, cuja proposta básica era transformar a administração pública brasileira de burocrática em gerencial (BRESSER PEREIRA, 2005). A característica básica do modelo de administração proposto – o gerencialismo – seria a inovação, resultado de uma reforma do Estado envolvendo aspectos políticos, econômicos e administrativos, sendo que os dois últimos visariam ao aumento da governança. Essa reforma administrativa seria capaz de criar, portanto, os meios de se obter uma boa governança (BRESSER PEREIRA, 2005). Em trabalhos de autores como Bresser Pereira (1996, 2005a), Araújo (2002), Marini (2003a, 2003b), Medeiros e Guimarães (2005) e Mello (2006), entre outros, são apresentadas discussões de que o Brasil enfrenta um problema de governança, e não de governabilidade, já que esta é entendida como a capacidade conferida pela sociedade civil para governar. Desse modo, a governança é representada pela limitação da capacidade de formular/implementar políticas públicas em função da rigidez e ineficiência do aparelho burocrático do Estado. Com o Governo Lula foi lançado o plano “Gestão Pública para um Brasil de Todos”, tendo como um de seus focos a ampliação da governança, alcançando-se mais eficiência, transparência, participação e um alto nível ético. Aumentando a governança promove-se a capacidade do governo em formular e implementar políticas públicas e em decidir as mais adequadas, incluindo a adoção de novas práticas de participação (MELLO, 2006). A busca por uma gestão pública que contemple uma estrutura de governança adequada, leva ao surgimento de modelos que considerem novas formas de gestão. Algumas estruturas que têm sido propostas e, em alguns casos aplicadas, destacaram aspectos como transparência, accountability e controle, com um padrão que privilegia a simetria de informação e favorece a participação popular. Kissler e Heidemann (2006), fazendo um balanço da experiência de “modernização do setor público alemão” inspirada na administração pública gerencial, constataram que as administrações públicas se tornaram mais empresariais, menos onerosas e, em geral, mais eficientes; raramente, porém, mais simpáticas aos cidadãos. Assim, a insatisfação com a modernização praticada levou ao surgimento e atratividade de um novo modelo: a governança pública. A governança pública é uma nova geração de reformas administrativas e de Estado, cujo objeto é a ação conjunta, levada a efeito de forma eficaz, transparente e compartilhada, visando a uma solução inovadora dos problemas sociais e criando possibilidade e chances de um desenvolvimento futuro sustentável para todos (LÖFFER, 2001, citado por KISSLER E HEIDEMANN, 2006). De acordo com Kissler e Heidemann (2006), a governança pública está associada a uma mudança na gestão política, em que se recorre cada vez mais à autogestão nos campos social, econômico e político. Em relação à esfera local, ela significa que as cidades fortalecem cada vez mais a cooperação com os cidadãos, as empresas e as entidades sem fins lucrativos na condução de suas ações. A governança local, como configuração regional de governança pública, é, assim, uma forma autônoma (self-organizing) de coordenação e cooperação, por meio de redes 90

interorganizacionais, formadas por representantes do poder público, associações, empresas e sociedade civil (JANN, 2003 citado por KISSLER E HEIDEMANN, 2006). Porém, Kissler e Heidemann (2006) citam que o entendimento que se tem sobre o modelo não é muito claro. Avaliações científicas sólidas sobre os resultados da governança pública ainda são raros. Aqueles que optarem pela governança pública terão pela frente um caminho longo e árduo. Resta saber se o objetivo maior, a democracia cooperativa, poderá ser atingido ou não. Tenório (1998) apresenta o termo gestão social, que evoca a importância das questões sociais para os sistemas-governo na implementação de políticas públicas. A gestão social deve atender, por meio da esfera pública, ao bem comum da sociedade, não podendo pautar-se pela lógica do mercado. Segundo Tenório (1998) a gestão social busca instituir processos administrativos, por meio da participação e do diálogo, que privilegiem o exercício da cidadania, com as decisões expressando o entendimento de diferentes membros da sociedade. Dessa forma, o indivíduo pode participar de procedimentos democráticos, decidindo nas diferentes instâncias sociais seu destino como eleitor, trabalhador ou consumidor. A participação do indivíduo é, portanto, fundamental. Abordagem semelhante é apresentada por Paes de Paula (2005, citada por Oliveira, 2007): a administração pública societal. Esse modelo enfatiza a participação social e é inspirado nas experiências alternativas de gestão pública realizadas no âmbito do poder local no Brasil, como os conselhos gestores e o orçamento participativo. Iniciativas de implementação de práticas de governança corporativa no setor público podem ser encontradas em países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Reino Unido (MELLO, 2006). Marques (2006, p. 13) afirma que “os cidadãos esperam uma boa governança corporativa de suas autoridades governamentais”, com o objetivo de se ter uma prestação de contas com transparência dos atos de gestão. Dentre os estudos relacionados destacam-se os seguintes: Corporate Governance – A Framework for Public Service Bodies, que representa a primeira estrutura de governança corporativa para o setor público, esboçada fortemente no Cadbury Report e elaborada pelo Instituto Britânico de Finanças e Contabilidade Pública - CIFPA (1995); Study 13 – Governance in the Public Sector: A Governning Body Perspective, elaborado pelo Public Sector Committee, órgão da Federação Internacional de Contadores – IFAC (2001); Publicações do Austalian National Audit Office – ANAO: Applying principles and practice of corporate governance in budget funded agencies (1997) e Achieving Better Practice Corporate Governance in the Public Sector (2002) Government Governance: corporate governance in the public sector, why and how?, trabalho publicado pelo The Netherlands Ministry of Finance(TIMMERS, 2000). No Brasil, a Constituição Federal de 1988 trouxe avanços, produzindo um movimento de descentralização focado no fortalecimento do poder local e instrumentos que institucionalizaram a participação e controle social na elaboração, implementação e avaliação das políticas públicas. O processo de conferências e conselhos vem se transformando no instrumento de consolidação desse movimento em âmbito nacional. Sinaliza-se que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 91

busquem estabelecer esses parâmetros na construção dos seus sistemas locais (MINISTÉRIO DAS CIDADES – MCIDADES, 2007). O Estatuto das Cidades, promulgado em 2001, regulamentando os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, as deliberações das 1ª, 2ª e 3ª Conferência Nacional das Cidades indicam que deve haver uma gestão democrática das cidades, que, dentre outros objetivos, deve proporcionar a instituição de fóruns de controle social como elementos norteadores de qualquer política urbana. Deve-se avançar na implantação dos sistemas de conferências e conselhos, reforçar o controle social na política urbana como meio de garantia do direito à cidade e ampliar o controle social e a transparência da atuação dos prestadores de serviços públicos. A 1ª Conferência Nacional das Cidades estabeleceu parâmetros para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, destacando-se a “gestão descentralizada e democrática, acesso à informação, participação social na formulação, decisão, implementação e avaliação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano” (MCIDADES, 2007, p. 4). Na 2ª Conferência, “o princípio da gestão democrática, da participação e do controle social foi aprovado como uma das diretrizes da política de desenvolvimento urbano” (MCIDADES, 2007, p. 4). Na 3ª Conferência definiu-se pela instituição, através de lei, do sistema de conferências e dos Conselhos das Cidades, com caráter deliberativo, e a adoção da mesma iniciativa por parte dos governos estaduais, municipais e do Distrito Federal. Esses conselhos devem ter entre suas atribuições desenvolver política de investimento na participação popular na gestão pública e promover o seu efetivo funcionamento e instalação, disponibilizar recursos para garantir a infraestrutura necessária, assegurando espaço, equipamentos, estrutura física, técnica e logística, recursos financeiros garantidos no orçamento e independência financeira e administrativa (MCIDADES, 2008, p. 13). A Agenda 21 se destaca como o mais importante compromisso socioambiental em prol da sustentabilidade firmado na RIO-92. A partir das diretrizes desse documento, foi elaborada a Agenda 21 Brasileira, que por sua vez deu origem ao Programa Agenda 21 Local, incluído no Plano Plurianual – PPA 2004/07 – do Governo Federal. Diversas questões estratégicas foram elencadas no Programa, sendo que governança e ética para a promoção da sustentabilidade só poderão ser tratadas a partir de responsabilidades efetivas e compartilhadas entre governo e sociedade (MMA, 2007). No documento Agenda 21 e a Sustentabilidade das Cidades, coloca-se que a produção de cidades sustentáveis deve ser apoiada em estruturas deliberativas e democráticas, devidamente institucionalizadas, atemporais, suprapartidárias e paritárias entre sociedade civil e instituições governamentais (MMA, 2007). Os conselhos gestores municipais, como instâncias deliberativas que têm entre suas atribuições propor estratégias, decidir sobre a destinação dos recursos, realizar a fiscalização da aplicação dos recursos e também apurar irregulares, representam uma peça-chave na determinação de uma estrutura de governança pública (OLIVEIRA, 2007). A sua constituição não deveria ter influência política, bem como deveria agir com independência. Porém, Gohn (2000, citado por OLIVEIRA, 2007) comenta que se tem verificado que os conselhos não vêm atuando com seu caráter deliberativo, mas apenas consultivo, sem poder de decisão. Muitas vezes, os conselhos servem como instrumentos nas mãos de prefeitos e elites, fugindo do seu propósito principal. 92

3 Governança Ao consultarmos os dicionários da língua portuguesa, temos que governança significa “administração”, “governo”. Por governo, entende-se o ato ou efeito de governar. Já governar, do latim “gubernare”, entre diversas colocações, temos “administrar”, “autoridade ou poder sobre” e “exercer o governo”. Campos (2002) afirma que tradicionalmente governança foi utilizada no mundo anglosaxão para se referir ao ato de governar, ou seja, ao exercício de autoridade dentro de uma determinada esfera. Diferente, porém, da forma como se vê atualmente. Maynst (1998 citado por CAMPOS, 2002, p. 40) coloca que governança “é um novo estilo de governo, distinto do antigo modelo de controle hierárquico, caracterizado por um maior grau de cooperação e pela interação do Estado com os atores não estatais no interior de redes decisionais mistas.” O conceito de governança, embora tenha existido de forma embrionária desde o surgimento dos Estados Modernos no século XIX, apenas em período mais recente começou a integrar o debate nos meios acadêmico e político. Considera-se que a primeira citação do termo ocorreu nos anos 196020. Porém, somente após a crise do Estado nos anos 1970 é que passou a constar com maior freqüência nos papers da área e a ser encarado como um instrumental analítico importante para a compreensão deste período de transformação que tem ocorrido nos últimos anos e, sobretudo, da reforma do Estado e de seu aparelho (ARAÚJO, 2002; STREIT e KLERING, 2004). A literatura da área não apresenta uma definição clara e precisa para o termo governança. Medeiros e Guimarães (2005) citam que organismos internacionais, como o Ministério do Desenvolvimento Internacional do Reino Unido – Department for International Development – DFID –, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD – e o Banco Mundial, que difundiram o conceito e despertaram o interesse acadêmico em torno do tema, o caracterizaram de maneiras diferentes. Para esses autores (p.453), a definição mais abrangente “indicaria algo como uma ampla estratégia de reforma para reforçar as instituições da sociedade civil e tornar os governos mais abertos, responsáveis, transparentes e democráticos”. Em linhas gerais, o Banco Mundial estabeleceu que a administração do setor público, o quadro legal, a participação e accountability e a informação e transparência são as dimensões-chave para a boa governança. Araújo (2002) destaca que o conceito de governança varia de autor para autor, de acordo com a sua nacionalidade, a orientação ideológica e a ênfase que é dada a um ou outro elemento. Em geral, cita que se entende a governança como a capacidade que um determinado governo tem para formular e implementar as suas políticas. Na área pública, conforme Streit e Klering (2004), o termo governança pode assumir diferentes dimensões, em função dos objetivos dos órgãos públicos e do seu papel na sociedade e na estrutura do aparelho governamental. Além da diferenciação dos conceitos de governança nos

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Atribuída a Samuel Huntington, cientista político norte-americano, radicado nas Universidades de Harvard e Yale (ARAÚJO, 2002).

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setores público e privado, é importante, também, identificar diferenças de conceituações do termo governança no contexto das teorias e dos modelos econômicos, geralmente baseados em enfoques ou abordagens de racionalidade. Os modelos teoria do agente, teoria dos custos de transação, contratos incompletos, teoria dos jogos e teoria da ação coletiva são alguns dos exemplos das teorias empregadas para a análise da lógica de governança no contexto econômico (STREIT e KLERING, 2004). Dorset e Baker (1979) citados em Slomski et al (2008) apresentam uma definição geral de governança como “sendo o exercício da autoridade, controle, administração e poder de governar, ou seja, é maneira como o poder é exercido na administração dos recursos econômicos e sociais de uma país com o objetivo de seu desenvolvimento.”

4. Governança Corporativa Analisando a governança a partir da ótica do setor privado, encontramos o termo governança corporativa – GC –, cujo surgimento e adoção são recentes. Segundo Andrade e Rossetti (2004), a expressão foi empregada pela primeira vez em 1991. A GC é o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger os stakeholders, facilitando o acesso ao capital. A análise das práticas de governança corporativa envolve, principalmente, transparência, eqüidade de tratamento dos acionistas e prestação de contas. De maneira bastante genérica, Carvalho (2002) afirma que GC pode ser descrita como os mecanismos ou princípios que governam o processo decisório dentro de uma empresa, representando um conjunto de regras que visam a minimizar os problemas de agência21. Ou seja, mecanismos instituídos para fazer com que o agente atue de fato, em benefício das partes com direitos legais sobre a empresa, minimizando o oportunismo. Em seu conceito amplo, o problema de agência está relacionado na separação entre propriedade e controle nas organizações, onde quem decide não é propriamente o proprietário (ZYLBERZTAJN, 2003). No setor público, de acordo com Timmers (2000), a GC é definida como a proteção ao inter-relacionamento entre a administração, o controle e a supervisão feita pela organização governamental, pela situação organizacional e pelas autoridades do governo. Visa, desse modo, a relacionar os objetivos políticos eficiente e eficazmente, como também comunicar publicamente e providenciar uma prestação de contas para o benefício da sociedade. Porém, não há um sistema de governança, da mesma forma que não há um modelo de administração pública. O setor público é complexo e as suas entidades não operam com uma estrutura legislativa comum ou têm uma forma ou tamanho organizacional padrão. É importante, portanto, reconhecer a diversidade do setor público e os diferentes modelos de governança que são aplicados nos diferentes países e nos diferentes setores, cada qual com uma característica única que requer especial atenção e impõe diferentes formas de responsabilidade na prestação de contas (MARQUES, 2006; IFAC, 2001). Assim, segundo Mello (2006), o desafio para o setor público é o 21

A Teoria da Agência – ou Teoria do Agente-Principal – parte do pressuposto de relações contratuais na vida social: há um Principal – contratante que delega trabalho para outra parte, o Agente – o contratado que executa esse trabalho (JENSEN e MECKLING, 1976; FAMA, 1980).

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de articular um conjunto de princípios e elementos comuns que são relevantes em cada contexto e que podem ser considerados em uma estrutura de governança. Considerando que a GC é um conjunto de regras que visam a minimizar os problemas de agência, é possível fazer a aplicação da Teoria da Agência nas transações envolvendo o Estado e a sociedade. Pressupõe-se, portanto, a existência de contratos que regulem essa relação, que pode ser implícita ou explícita, cujo objetivo principal é a satisfação das partes, sempre dificultada pela assimetria de informações – normalmente em favor do Agente, que tem informações privilegiadas. Marini (2003a) identifica alguns exemplos de relações contratuais: O Estado – Principal – “contrata” empresas privadas – Agente – quando da concessão de serviços públicos. Isso significa relações do tipo “regulação”: contratos, quase sempre explícitos, em que o Principal regula o Agente. Os cidadãos – Principal – “contratam” políticos – Agente – para representar seus interesses. Isto pressupõe a necessidade de adoção de mecanismos de supervisão para assegurar que os contratos, quase sempre implícitos, sejam cumpridos. Os políticos – Principal “contratam” burocratas - Agente para realizar as políticas públicas. Pressupõe-se, igualmente, a adoção de mecanismos de supervisão; por exemplo, via contratos de gestão. Marini (2003a) complementa que se, porém, olharmos as relações na perspectiva inversa, do Agente em relação ao Principal, infere-se a idéia de accountability, isto é, o Agente tem o dever de prestar contas ao Principal; por exemplo: políticos em relação aos cidadãos, burocratas em relação aos políticos e também em relação aos cidadãos. Colocado nessa perspectiva, o objetivo da reforma do Estado é o de produzir “bons” contratos e aperfeiçoar as relações contratuais entre as partes. Dado o risco de aumento dos custos de transação, porque aumenta a possibilidade de ocorrência de processos de seleção adversa (baixo padrão produtivo, risco moral e auto-orientação), prescreve, para os diferentes atores, o estabelecimento de mecanismos de incentivos (normalmente econômicos), visando ao aumento da eficiência dos agentes estatais, que precisam ser enquadrados em uma estrutura de incentivos e, destarte, de prestação de contas e verificação de resultados. Adotar os princípios de GC pressupõe compromisso com a transparência, com a prestação de contas, com a eqüidade e com a participação – evidenciada nas empresas privadas pela assembléia de acionistas e pelo conselho de administração. Pode-se, assim, estabelecer uma relação com o modelo de gestão denominado “governança pública” (KISSLER e HEIDEMANN, 2006). Esse novo modelo, segundo esses autores, é conseqüência da insatisfação com a modernização do setor público alemão, inspirada na administração pública gerencial.22 O objeto desse novo modelo pressupõe uma ação conjunta, eficaz, transparente e compartilhada na solução dos problemas sociais. Em nível municipal, deve proporcionar maior ação das redes sociais, que incluem associações comunitárias e cidadãos individuais. Assim, a concepção de governança pública e o modelo de modernização da “comunidade de cidadãos”

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A administração pública gerencial propõe medidas de reestruturação do setor público. É um movimento, que apresentou os primeiros sinais de vida no Reino Unido, nos anos 70; mais precisamente em 1979, com a ascensão de Margareth Thatcher; foi adotado nos Estados Unidos, sob Ronald Reagan, nos anos 80, e logo se expandiu pelo mundo anglo-saxão: Austrália, Nova Zelândia, atingindo, em seguida, praticamente todos os países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. Chegou, nos anos 90, à América Latina; primeiro ao Chile e, a partir de 1995, ao Brasil (MARINI, 2003a).

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caminham lado a lado. A governança pública faz, da orientação para o bem comum, o diferencial entre simples governança e a boa governança (KISSLER e HEIDEMANN, 2006). Segundo Marques (2006), o conceito de GC é indissoluvelmente unido com accountability. Os cidadãos esperam uma boa GC de suas autoridades governamentais. Por isso, a sociedade reclama cada vez mais que as autoridades governamentais prestem contas. O termo accountability, segundo Santos (1999), ainda não possui um similar nacional. É um termo abrangente que vai além da prestação de contas, pura e simples, pelos gestores da coisa pública. É mais do que a prestação de contas no sentido contábil. Está mais relacionado com a idéia presente na Lei de Responsabilidade Fiscal, em que ocupantes de cargos têm de prestar contas tanto contábil quanto moral e legalmente por seus atos. Para Lamounier (1997, citado por Santos, 1999), accountability diz respeito à sensibilidade das autoridades públicas em relação àquilo que os cidadãos pensam, à existência de mecanismos institucionais efetivos, que permitam chamá-los à fala quando não cumprirem suas responsabilidades básicas. De acordo com Mawad (2001), o desafio é buscar formas de minimizar a assimetria da informação e as conseqüentes perdas no processo de prestar contas. Daí, a importância da função de controle, o controle externo à administração pública e o controle dos cidadãos. Assim, transparência e acesso à informação são condicionantes de primeira ordem nesse processo, ainda que não suficientes. Há outras questões a serem discutidas para o efetivo controle democrático, tais como o tipo de controle capaz de prestar contas ao cidadão, quem seria o responsável e, ainda, como funcionaria a prestação de contas. Essa prática pode contribuir, inclusive, para a boa governança, na medida em que amplia a confiança mútua entre instituições e sociedade. Kissler e Heidemann (2006) citam que no modelo de governança pública há também a necessidade de um controle do bom desempenho, isto é, uma avaliação, que permita a detecção de falhas e sua correção. Em uma estrutura de GC, torna-se necessário o estabelecimento de códigos de conduta, os códigos de melhores práticas de governança corporativa. No setor privado, o primeiro código publicado foi o Relatório Cadbury, em dezembro de 1992, na Inglaterra. Porém, o marco histórico foram os Principles of corporate governance desenvolvidos pela Organisation for Economic Cooperation and Development – OECD –, que representam o ponto de referência para que as empresas e países desenvolvam os seus próprios princípios, estabelecendo diretrizes que abranjam os seguintes objetivos: os direitos dos acionistas, o tratamento eqüitativo dos acionistas, o papel dos terceiros fornecedores de recursos; acesso e transparência da informação e a responsabilidade da diretoria e do conselho de administração (ANDRADE e ROSSETTI, 2004). Nos arranjos de governança pública, conforme citado por Kissler e Heidemann (2006), existe um código de conduta entre os parceiros, que não se aplica tão-somente à estrutura de governança como tal, mas deve impregnar as próprias organizações participantes. No Brasil, o primeiro Código das Melhores Práticas de Governança foi divulgado em maio de 1999 pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC. Em 2004, foi apresentada a terceira e atual versão do Código (IBGC, 2007). Os princípios básicos que inspiram esse Código são: Transparência: a boa comunicação interna e externa resulta um clima de confiança, tanto internamente quanto nas relações da empresa com terceiros. 96

Eqüidade: tratamento justo e igualitário de todos os grupos minoritários, seja do capital ou das demais "partes interessadas" – stakeholders. Prestação de contas – accountability: os agentes da governança corporativa devem prestar contas de sua atuação a quem os elegeu e respondem integralmente por todos os atos que praticarem no exercício de seus mandatos. Responsabilidade Corporativa: conselheiros e executivos devem zelar pela perenidade das organizações – visão de longo prazo e sustentabilidade; portanto, devem incorporar considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações. A governança corporativa denota a maneira pela qual as corporações são governadas e administradas. No setor público a governança faz referência, principalmente, à administração das agências do setor público através dos princípios de governança corporativa do setor privado, que são totalmente aplicáveis no setor geral do Estado (BHATTA, 2003, citado por SLOMSKI ET AL, 2008). No setor público, a International Federation of Accountants (IFAC), por meio de seu Public Sector Committe – PSC – desenvolveu um guia denominado Estudo 132324 que estabelece um conjunto de normas relativo à aplicação da GC no setor público. O IFAC (2001) considera que cada município, estado ou país são afetados por fatores particulares que influenciam a governança. Porém, acredita que o guia incluído no estudo pode ser utilizado para desenvolver a governança em termos regionais ou nacionais. Assim, encoraja os órgãos públicos a considerar o estudo para desenvolver guias de governança apropriados às suas realidades. O foco do estudo são formas de governança corporativa para o setor público, definindo princípios comuns e recomendações sobre a governança das entidades do setor público, com o objetivo de promover a orientação para auxiliar os governantes a desenvolver ou rever as práticas de governança, capacitando-os a agir de maneira mais responsável, efetiva, eficiente e transparente (IFAC, 2001). De acordo com o Estudo 13 do IFAC (2001, p. 12), os princípios fundamentais da governança corporativa para o setor público incluem a transparência - exigência das partes interessadas; a integridade - honestidade, probidade administrativa e efetividade das estruturas de controle; e a responsabilidade em prestar contas – accountability - refere-se ao ato de dar respostas à sociedade em função da responsabilidade recebida. Esses princípios fundamentais são refletidos em cada uma das dimensões de governança recomendadas para as entidades do setor público: padrões de comportamento: como a administração da organização exercita a liderança, determinando os valores e padrões e definindo a cultura e o comportamento de todos os envolvidos (liderança, códigos de conduta, objetividade, integridade e honestidade); estruturas e processos organizacionais: como a administração é designada e como as responsabilidades estão definidas (estatutária, responsabilidade pelos recursos públicos, comunicação com a sociedade, papéis e responsabilidade); controle: controles estabelecidos pela administração no apoio para alcançar os objetivos da entidade, efetividade e eficiência de operações, a confiança nos relatórios internos e externos e 23

O estudo do PSC/IFAC foi baseado em alguns pontos na publicação do Chartered Institute of Public Finance and Accountancy – CIPFA – Instituto Britânico de Finanças e Contabilidade Pública, denominado Corporate Governance – A Framework for Public Service Bodies, que representa a primeira estrutura de GC para o setor público. Essa estrutura foi esboçada fortemente no Cadbury Report (é um comitê criado na década de 1990 para dirigir os aspectos financeiros da governança corporativa do setor privado do Reino Unido) e mantém os três princípios básicos: transparência, integridade e a responsabilidade em prestar contas, reconhecendo, porém, as características distintas dos setores público e privado (IFAC, 2001; MELLO, 2006). 24 O Cadbury Report é o relatório do Cadbury Committee, que foi um comitê criado na década de 1990 para dirigir os aspectos financeiros da governança corporativa do setor privado do Reino Unido.

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a complacência com as leis aplicáveis e regulamentos e políticas internas (gestão de risco, auditoria interna, comitês de auditoria, controle interno, orçamento e administração financeira, treinamento de pessoal); relatórios externos: como a administração demonstra a prestação de contas dos recursos públicos e seu desempenho no uso desses recursos (relatório anual, padrões contábeis, medidas de desempenho, auditoria externa). Slomski et al (2008) destacam que a prestação de contas é um aspecto importante, pois é através da prestação de contas que os agentes da governança corporativa devem demonstrar a sua atuação a quem os elegeu, respondendo, integralmente, por todos os atos que praticarem no exercício de seus mandatos. Mello (2006) utilizou o Estudo 13 do PSC/IFAC com o objetivo de avaliar a aplicação prática no setor público federal brasileiro. Concluiu que a maioria das recomendações mínimas sugeridas no Estudo são atendidas, sendo os princípios perfeitamente aplicáveis. Afirma também que a governança corporativa pode contribuir positivamente para a melhoria do setor público federal no Brasil, pois é baseada nos princípios de transparência, integridade e responsabilidade. O autor, porém, faz algumas considerações. A primeira é que os procedimentos checados estão a um nível mínimo de governança, considerando as recomendações de governança no setor público, de acordo com o PSC/IFAC. A segunda é que algumas recomendações precisam ser mais bem adaptadas ao setor público, pois estão com um enfoque muito privado. Continuando, cita que os resultados alcançados, aliados à escassez de estudos sobre a governança no setor público, sugerem a necessidade de um número maior de pesquisas na área. Assim, recomenda aos estudiosos e pesquisadores do setor público o aprofundamento dos achados de seu estudo, pesquisando questões como: estudos sobre um modelo de governança apropriado para todo o setor público brasileiro, sobre como checar o nível de governança no setor público e sobre um modelo de governança apropriado para o terceiro setor. Para Timmers (2000) a governança corporativa na gestão pública deve ser chamada como governança governamental. A definição para essa governança governamental é a proteção ao relacionamento entre a administração, o controle e a supervisão, realizada pelo governo, com o objetivo de relacionar os objetivos políticos de forma eficiente e eficaz e prestar contas à sociedade. Segundo Marques (2006) destaca que há maneiras de tratar a governança corporativa no setor público, principalmente em função da complexidade da estrutura de governança e à diversidade de compreender a abordagem pelas entidades do setor. De qualquer forma a boa governança corporativa, seja no setor público ou privado, requer clara identificação e articulação das definições de responsabilidade; verdadeira compreensão do relacionamento entre as partes interessadas da organização e sua estrutura de administrar os recursos e entregar os resultados e; suporte para a administração, particularmente de alto nível. 6 Considerações Finais Seja no setor público ou no privado uma estrutura de governança corporativa está alicerçada nos princípios da transparência, controle, equidade e prestão de contas. A governança aplicada ao setor público – “governança pública” -, deve ter por objetivo estabelecer integração entre administração, controle e supervisão, de forma que os objetivos políticos direcionados ao bem estar da sociedade sejam atingidos. Entre esses objetivos um dos principais é o de prestar contas para a sociedade. 98

A partir da concepção teórica dos aspectos apresentados, consideramos que é possível fazer uma análise conjunta que, permita que se avance mais com a finalidade de se estabelecer um padrão de governança pública em nível local. Tem-se assim que cabe à governança pública oferecer um conjunto de princípios e elementos comuns, adaptado à realidade de cada país, estados ou municípios, que considere aspectos relacionados a liderança, integridade, compromisso, reponsabilidade, integração e transparência, com o objetivo de maximizar o bem-estar da sociedade. A governança pública contribuirá desta forma para a capacidade de os governos implementarem suas políticas. Representando, assim, um modelo que facilita a gestão democrática de municípios e visa a minimizar a existência dos problemas de agência na gestão municipal. Espera-se que este ensaio possa contribuir, dentro de suas limitações, para o aprofundamento das discussões que permeiam a administração pública no Brasil. Podendo, assim, contribuir efetivamente para a implantação de sistemas de governança nos municípios, servindo também de subsídio para a realização de futuras pesquisas, considerando que há poucas referências sobre o tema no Brasil.

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PARTE II INTERFACES ENTRE GESTÃO SOCIAL, ECONOMIA SOLIDÁRIA E COOPERATIVISMO

102

Implicações sobre o Comércio Justo em Duas Cooperativas Agroindustriais: Possibilidades e Limites Luciano Mendes Fabiano Santana dos Santos

Resumo: O objetivo neste artigo foi identificar as implicações existentes na busca pela certificação em comércio justo, com a intenção de verificar os limites e possibilidades dessas ações no Brasil. Para tanto, foi realizada uma pesquisa com pequenos produtores e diretores vinculados à duas cooperativas: a Cooperativa dos Citricultores Ecológicos do Vale do Caí (ECOCITRUS), localizada no Estado do Rio Grande do Sul, e a Cooperativa dos Agropecuaristas Solidários de Itápolis (COAGROSOL), situada no Estado de São Paulo. Nesta linha, houve a necessidade de elucidar algumas implicações sobre o comércio justo no Brasil, além das possibilidades abertas pelas Cooperativas para a consolidação da certificação Fairtrade. Como resultados, as possibilidades são amplas, como a venda no mercado internacional dos produtos gerados na pequena propriedade, além do fortalecimento das iniciativas cooperadas. Como limitações estão: a língua, pois não existe um escritório da agência certificadora no Brasil, o prazo para certificação e a burocracia, onde os formulários são todos escritos na língua inglesa. Por fim, refletir sobre as possibilidades e limites do Comércio Justo no Brasil é um passo importante para a melhoria na situação de muitos pequenos produtores rurais.

Introdução O trabalho nem sempre teve o grau de importância que é atribuído na sociedade nos dias de hoje. Para que ele assumisse a forma tal qual nós o conhecemos atualmente, foram observadas diversas transformações na sua estrutura, deixando de ser algo desprezado para assumir uma centralidade na vida das pessoas (OFFE, 1989). Esse processo de transformação não ocorreu em um curto espaço de tempo. Progressivamente, a partir do século XVIII, ocorre a substituição do trabalho manual pelo trabalho realizado por máquinas, tornando obsoleto o sistema de produção artesanal realizado em pequenas propriedades familiares, fazendo aumentar significativamente a população nos centros urbanos. Tal mudança de ambiente acabou por segmentar a sociedade em duas classes: os capitalistas-proprietários dos meios de produção e o proletariado que vende sua força de trabalho. Para essa segunda categoria, as condições de trabalho à época eram cercadas de exploração e opressão, uma vez que as riquezas eram concentradas nas mãos de uma pequena fração da população, enquanto a grande maioria era obrigada a viver em condições degradantes para continuar trabalhando e tendo o mínimo para sua subsistência (SCHNEIDER, 1999). Dessa forma, com o passar do tempo a humanidade tem esboçado diversas tentativas de se criar uma economia pautada na reciprocidade e solidariedade, agindo em contraponto à economia tradicional. Abordagens econômicas alternativas, como o cooperativismo, associativismo, o comércio justo, o crédito solidário e as redes de trocas solidárias, foram surgindo e se desenvolvendo na economia capitalista sem a pretensão de pôr fim a esse sistema, mas criando 103

novas maneiras de se relacionar com ele (SABOURIN, 2006). O cooperativismo, sistema nascido na Inglaterra e Alemanha entre os séculos XVIII e XIX e que inicialmente baseava-se na formação de grupos de consumo e crédito, teve sua doutrina vinculada à renovação social através da cooperação e união formal ou informal para o alcance de um objetivo em comum (ETGETO et. al., 2005). Pinho (1982) contribui com essa conceituação relatando que os grupos sociais são originados quando há uma cooperação organizada, da qual as cooperativas fazem parte, pois representam aqueles que se unem, principalmente, com objetivos financeiros e educativos.

A doutrina cooperativista foi ganhando maiores dimensões na Europa e muitos grupos organizados foram surgindo com variadas abordagens, destacando-se a cooperativa de Rochdale que, apesar de fundada em 1844, é considerada por vários estudiosos a precursora do cooperativismo, pela sua significativa importância na formação dos preceitos que são adotados até hoje em todo o mundo. O sistema como um todo passou por diversas modificações e adaptações com a inserção em diferentes culturas e com o surgimento de outros mecanismos de promoção de igualdade, como o comércio justo.

A iniciativa do comércio justo, também nascida na Europa, surge inicialmente com a proposta de promover a valorização dos produtores dos países pobres que eram excluídos do mercado internacional. Com as primeiras ações datadas entre as décadas de 1950 e 1960, o movimento foi se desenvolvendo rapidamente e tinha como principais incentivadores: Organizações Nãogovernamentais (ONGs), agências de cooperação e instituições filantrópicas; onde a intenção era ajudar os produtores a vencer as dificuldades, criando condições favoráveis para o seu desenvolvimento (GRÜNINGER e URIARTE, 2002). Atualmente o comércio justo é definido como: [...] uma parceria comercial baseda em diálogo, transparência e respeito, que busca maior equidade no comércio internacional. É uma modalidade de comércio que contribui para o desenvolvimento sustentável por meio de melhores condições de troca e de garantia dos direitos para produtores e trabalhadores marginalizados – principalmente do Sul (SEBRAE, 2007, p. 30).

Dessa maneira, muitos grupos de produtores nos países em desenvolvimento vêm utilizando o cooperativismo atrelado ao comércio justo como uma escapatória para não se tornarem reféns das oscilações dos preços no mercado e dos “atravessadores” que, muitas vezes, são os únicos beneficiados na comercialização. Assim, torna-se de vital importância – e esse se constitui o principal objetivo neste artigo – identificar as implicações existentes na busca pela certificação em comércio justo, com a intenção de verificar os limites e possibilidades dessas ações no Brasil. Para tanto, foi realizada uma pesquisa com pequenos produtores e diretores vinculados à duas cooperativas: a Cooperativa dos Citricultores Ecológicos do Vale do Caí (ECOCITRUS), localizada no Estado do Rio Grande do Sul, e a Cooperativa dos Agropecuaristas Solidários de Itápolis (COAGROSOL), situada no Estado de São Paulo. Antes de aprofundar no caso dessas 104

cooperativas é necessária uma discussão sobre os pressupostos vinculados ao comércio justo e ao cooperativismo.

O Comércio Justo no Brasil No Brasil, o comércio justo é um pouco mais recente que na Europa, surgindo na década de 1970 através do trabalho de Organizações não Governamentais (ONGs) européias – em sua maioria ligadas aos trabalhos de igrejas – que promoviam a organização de grupos de trabalhadores do campo e venda informal de artesanato. Um dos primeiros produtos a receber a certificação da Fairtrade Labeling Organization (FLO)25 no Brasil foi o suco de laranja. O “suco justo”, como passou a ser conhecido, era produzido no Paraná e logo a qualidade do produto passou a ser referência no mercado internacional (ÉTICA COMÉRCIO SOLIDÁRIO, 2009). O Sistema Nacional de Comércio Justo e Solidário vê o comércio justo hoje no país como um “[...] fluxo comercial diferenciado, baseado no cumprimento de critérios de justiça, solidariedade e transparência, que resulta no fortalecimento dos empreendimentos econômicos solidários no território nacional” (BRASIL, 2009).

O Programa de Comércio Solidário da Organização Nacional “Visão Mundial” foi um dos pioneiros dessa modalidade no país. Desde 1999 o sistema apóia os pequenos produtores agrícolas e de artesanato na exportação de seus produtos. Além de orientar o pequeno produtor para a comercialização no mercado externo, a organização, através de seus programas, promove o desenvolvimento do mercado interno. Parcerias com grandes redes de supermercados ampliaram os canais de vendas, levando a proposta do comércio justo para mais perto do consumidor. Com isso, a Visão Mundial, atualmente, concentra suas atividades em três princípios básicos: “[...] o apoio às bases produtivas, o desenvolvimento do mercado do ponto de vista comercial, a criação de um mercado ético e consciente em busca da justiça” (ÉTICA COMÉRCIO SOLIDÁRIO, 2009).

Mesmo com os esforços de organizações como a Visão Mundial, a participação dos produtos nacionais no mercado internacional atual é mínima, em relação a outros países de América Latina. Segundo dados da ONG Faces do Brasil (2009), atualmente existem no país aproximadamente 40 operadores (produtores e comerciantes) certificados pela FLO, número bem abaixo de outros países do continente. A Colômbia, por exemplo, país com uma população quatro vezes menor que o Brasil, possui 89 grupos certificados e é o principal exportador da América Latina (FLO-Cert, 2009). A variedade de produtos no país ainda é bem pequena, limitando-se apenas ao café, sucos, algumas frutas frescas e dois produtores de castanhas (FACES DO BRASIL, 2009).

Dados recentes mostram que há uma grande expansão do comércio justo no mundo, porém, ainda 25

Organização com sede na Alemanha cuja função é desenvolver e revisar os critérios de comércio justo e auxiliar os produtores certificados no fechamento de negócios e na negociação com novos mercados (FLO, 2009)

105

é pequena a participação do Brasil nesse setor. Mesmo com a crise financeira mundial, o último trimestre de 2008 apresentou um crescimento significativo nas vendas de produtos Fairtrade26 em diversos países. Pesquisas sugerem que os produtos do comércio justo estão entre as últimas coisas que os consumidores deixam de usar em momentos de recessão, confirmando o quanto os hábitos de consumo da população têm mudado (PORTAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA, 2009). Corroborando com essa informação, outro estudo mostra que 68% dos consumidores demonstram lealdade a uma marca quando essa está relacionada a uma boa causa (EDELMANIN, 2009). Outras pesquisas revelam que esses mesmos consumidores conscientes podem estar dispostos a pagar um valor maior por mercadorias produzidas de forma social e ambientalmente responsáveis. Eles também não hesitariam em boicotar empresas consideradas irresponsáveis e injustas nas relações com seus fornecedores, trabalhadores ou o meio ambiente (LAFORGA; EID, 2005).

Atualmente o comércio justo é responsável por um faturamento de aproximadamente US$ 3 bilhões em todo o mundo, dos quais 80% são provenientes da Europa. Esse continente – onde nasceu o Fairtrade e onde ele mais se desenvolve – abriga mais de 3 mil lojas e 70 mil pontos comerciais para venda de produtos certificados (BRITO, 2009). Conforme já exposto, o número de grupos certificados no Brasil ainda é pouco, porém, apesar de pequeno, ele significa um crescimento de quase 50% em um período de 4 anos, demonstrando uma promissora perspectiva para o futuro (FLO, 2007; GRÜNINGER, 2004). Um dos fatores responsáveis pelo aumento na circulação de produtos comercializados pelo Fairtrade pode estar associado à iniciativas públicas de estímulo à economia solidária. Um passo importante nesse sentido foi a criação em 2003 da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), entidade responsável pelo mapeamento do setor no país. De acordo com dados da Secretaria, a economia solidária brasileira movimenta R$ 8 bilhões por ano, representando uma significativa parcela dentro da economia nacional (BRITO, 2009). Entretanto, apesar das iniciativas nacionais de promoção da economia solidária, as principais certificadoras de comércio justo estão localizadas na Europa e não existem escritórios de representação da FLO no Brasil.

O caminho para se obter a certificação é um pouco exaustivo e demorado. Limitações estruturais da FLO ainda fazem com que a obtenção da certificação se torne uma missão difícil para muitos produtores ao redor do mundo. De acordo com a própria organização, anualmente lhe são enviados entre 300 a 500 pedidos de certificação, mas ela é obrigada a negar até 90% por falta de demanda (FACES DO BRASIL, 2009). O primeiro passo para conseguir a certificação é entrar em contato com a FLO-Cert através do seu site (www.flo-cert.net). Há um formulário que o produtor deverá preencher, fornecendo dados sobre o seu produto, a região onde vive e outras informações que serão examinadas pelo Comitê, com a finalidade de verificar se ele – ou sua organização – se enquadra no sistema de certificação da FLO (FLO-Cert, 2009). Após a aprovação inicial do Comitê, é feita uma auditoria por membros da FLO que se deslocam até a propriedade do produtor a fim de comprovar as informações fornecidas no formulário. A auditoria é realizada através de parceirias com empresas de consultoria especializadas em gestão social, onde os profissionais que fazem as visitas aos produtores certificados recebem um treinamento específico para o comércio 26

Como é conhecido o comércio justo ao redor do mundo. Também é o nome de um dos selos certificados para comercialização no mercado europeu.

106

justo. O passo seguinte é fazer uma avaliação do produto a ser certificado e, finalmente, é concedido ao produtor o selo Fairtrade que o habilitará a comercializar utilizando a rede de contatos da FLO (FLO-Cert, 2009).

Apesar de todas as dificuldades, algumas propostas relacionadas ao futuro do comércio justo no país são bem otimistas. Segundo o Instituto Fairtrade-Brasil (2009), espera-se que somente no ano de 2009 sejam certificados no país mais 104 operadores e que esse número dobre em dois anos, chegando a 248 licenciados em 2011 (Tabela 1). Tabela 1 – Previsão de licenças do selo Fairtrade no Brasil – 2009 a 2011 Previsão 2009

Previsão 2010

Previsão 2011

Crescimento médio (%)

Café

24

32

44

42

Fruta fresca

10

15

21

139

Quinua

2

2

2

100

Mel

10

15

21

139

Cacau

4

8

16

100

Nozes

10

15

21

139

Açúcar

4

8

16

120

Açaí

6

12

24

100

Acerola

3

6

12

100

Cosméticos

6

9

12

96

Produtos compostos

15

24

38

60

Total

104

161

248

106

Produto

Fonte: Instituto Fairtrade-Brasil (2009)

Uma forma encontrada no Brasil para promover a certificação e ampliar a quantidade de pequenos produtores atendidos pela certificação foi realizar esse processo através de Cooperativas. Nesta linha, tendo a cooperativa a certificação e os pequenos produtores destinando sua produção para a cooperativa, a quantidade de produtores que se ingressam no comércio justo é bem superior daquelas iniciativas individuais que, como visto, em sua maioria, não atendem às exigências da FLO. Apesar disso, a situação atual do comércio justo nas regiões Sul e Sudeste não são muito diferentes do restante do Brasil. Poucas cooperativas adotam esse modelo e as poucas que trabalham com os seus princípios ainda tem limitado acesso às informações necessárias para o 107

credenciamento que impulsiona a exportação dos seus produtos.

Cooperativismo e Possibilidades ao Comércio Justo Observando a história do cooperativismo, o primeiro registo de surgimento das cooperativas teve como berço a sociedade inglesa, num época em que houve várias transformações decorrentes do processo de revolução industrial. Apesar do progresso técnico e econômico, não houve como desarticular os graves problemas sociais enfrentados pela então classe trabalhadora, como extensas horas de trabalho, baixa remuneração, utilização do trabalho infantil e de mulheres etc. (OCB, 2008).

Neste contexto, o cooperativismo surge como estratégia de sobrevivência do proletariado frente ao liberalismo econômico e as novas relações técnico-sociais. O processo de cooperação – que de certa forma é marginalizado no sistema capitalista – foi e ainda é uma maneira alternativa de reparar a injustiça social decorrente do ambiente competitivo, através da união de pessoas com o objetivo de ajuda mútua (BERNARDO-ROCHA,1999; SCHNEIDER, 1999).

Por esse motivo, a primeira cooperativa que se tem registro – surgida em Rochdale-Inglaterra – com o empenho de vinte e oito operarios da indústria textil, foi uma cooperativa de consumo, dado a precariedade no atentimento das necessidades básicas na época. A cooperativa dos pioneiros foi registrada em 24 de outubro de 1844, como Rochdale Society Of Equitable Pioneers Ltd. (Sociedade dos povos pioneiros de Rochdale). O objetivo inicial foi a constituição de um armazém cooperativo que iniciou suas atividades comprando somente uma pequena quantidade de manteiga, farinha de trigo, aveia, açúcar e velas. Esse modelo de cooperação torneou-se conhecido no mundo todo e passou a ser uma forma de sobrevivência e luta da população marginalizada para enfrentar os problemas advindos do capitalismo (SILVA, 2004).

Nos dias atuais o cooperativismo é reconhecido e aceito em muitos países do mundo. Assim, surgem os mais variados ramos de atividades cooperativas, tendo destaque aquelas vinculadas aos setores: agropecuários, consumo, educacionais, créditos, infra-estrutura, habitacional, produção, trabalho etc. No Brasil, as cooperativas mais comuns são: agrárias, agrícolas ou agropecuárias; e elas poosuem como objetivo organizar as atividades econômicas e sociais dos seus cooperados. A cooperativa agrícola surgiu no Brasil nas primeiras décadas do século XX, fruto da iniciativa de pequenos produtores, que se reuniram para proceder a comercialização em comum de seus produtos, objetivando ampliar sua margem de lucro através da eliminação dos intermediários (OCB, 2008; FLEURY, 1983).

Neste sentido, as cooperativas agropecuárias, formadas por produtores rurais, procuram melhorar o processo de produção, assim como possibilitar preços melhores para seus produtos, através da 108

concentração na venda e aquisição de insumos. Esse se torna um papel importante no que tange o processo de inclusão de pequenos produtores no contexto econômico, dado o fato de que a competitividade dessa modalidade de produção é bem limitada, quando o processo decorre de forma individual (SAPOVICIS; SOUZA, 2004).

Com isso, Rech (2000) salienta que as cooperativas agrárias ou agropecuárias realizam os seguintes papeis: a) Vender em comum a produção realizada pelos cooperados; b) distribuir aos cooperados bens de produção e utensílios necessários à atividade; c) oferecer serviços na área de produção, pesquisa, tecnologia, assistência técnica, administrativa, social e educacional; e d) promover a integração entre os cooperados, suas familias e a sociedade como um todo. Esses propósitos transitam pelo que ficou conhecido como os princípios do cooperativismo, que são: 1º Princípio da adesão voluntária e livvre; 2º - Princípio da gestão democrática pelos membros; 3º Princípio da participação econômica dos membros; 4º - Princípio da autonomia e independência; 5º - Princípio da educação, treinamento e formação; 6º - Princípio da cooperação entre cooperativas; 7º - Princípio da preocupação com a comunidade (VEIGA; FONSECA, 2001; PINHO, 2004; IRION, 1997).

Observando essa temática a partir dos pressupostos envolvidos nas discussões sobre o comércio justo é possível detectar evidentes relações, como, por exemplo, a possibilidade de diminuir a injustiça social. Neste ínterim, tendo em vista problemas inerentes ao processo de certificação de produtores brasileiros – como língua, processos burocráticos, aceitação dos produtos no mercado externo etc. – as cooperativas se tornam uma das principais formas de ampliação de obtenção da certificação entre esses produtores.

Percurso Metodológico Com o objetivo de apresentar como se deu a coleta e análise das informações necessárias para a elucidação do problema lançado, faz-se necessário expôr aqui o método utilizado na pesquisa. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que teve como principal ferramenta de coleta da dados a entrevista semi-estruturada. Como pesquisa qualitativa, Minayo (1996) diz que é uma modalidade de pesquisa onde se busca a profundidade nas informações, pois quando se quer apreender os processos simbólicos e modos de vida, a pesquisa quantitativa se torna limitada. Por esse motivo, salienta May (2004), as questões que surgem no contexto da pesquisa qualitativa procuram respostas para o “como” e o “porquê” determinados tipos de coisas acontecem. Como a intenção é entender o que levou os pequenos produtores e diretores vinculados a essas Cooperativas adotarem a certificação do Fairtrade, a pesquisa quantitativa se torna limitada no que tange as possibilidades de contrapontos e pontos de vista surgidos nessas ações compartilhadas.

Como entrevista semi-estruturada, Fontana e Frey (2000) salientam que é uma modalidade de entrevista onde o pesquisador possui apenas perguntas pré-elaboradas, deixando a cargo do sujeito 109

de pesquisa responder da forma que achar mais adequado. Os participantes da pesquisa são pequenos produtores rurais ligados à duas cooperativas brasileiras: ECOCITRUS, localizada no Estado do Rio Grande do Sul, e a COAGRSOL, situada no Estado de São Paulo.

A Ecocitrus foi fundada no ano de 1994 por 15 produtores rurais que já faziam parte de outra associação, porém, com a ideologia de trabalhar com a produção ecológica, resolveram abandonar a produção convencional e constituir outro grupo na mesma região. A cooperativa tem a sua sede na cidade de Montenegro e atualmente conta com 111 sócios, sendo a principal fonte de renda de uma relativa parcela da população local. Ela exporta suco concentrado para os mercados da Itália, Alemanha, Japão e França, movimentando aproximadamente R$ 1,5 milhão por ano, que somados ao seu faturamento total chega a aproximadamente R$ 5 milhões (PREFEITURA DE MONTENEGRO, 2009). A certificação da Ecocitrus pela FLO ocorreu no ano de 2006, dando o aval para que a cooperativa iniciasse sua comercialização com o mercado europeu. A conquista da certificação demandou bastante recursos e tempo dos dirigentes, já que todas as despesas ocasionadas pelas visitas da comissão da FLO-Cert são de responsabilidade da cooperativa.

A Coagrosol foi fundada em 2001 por 30 produtores rurais da cidade de Itápolis, interior do Estado de São Produtor 3. Em 2003 a Coagrosol obteve a certificação da FLO-Cert, onde passou a integralizar outros cooperados. Nos dias atuais a cooperativa possui mais de 100 produtores vinculados, dos quais 30 trabalham com a produção de laranja orgânica. A maioria dos produtores vinculados a Coagrosol realizam o cultivo de laranja, principal produto exportado por conta de certificação. Nos últimos anos, com a queda acentuada do preço da laranja no Brasil e da várias crises no mercado internacional, a atuação da Coagrosol tem sido restringida, o que vem demandando formas diversas de sustentação da renda dos cooperados.

As visitas às cooperativas foram realizadas entre os meses de julho de 2008 e dezembro de 2009. Ao todo foram entrevistados 10 produtores, indicados pelos integrantes da Cooperativa, pela disponibilidade e possíveis contribuições na profundidade da pesquisa. Todas as entrevistas foram gravadas em formato digital com o consentimento dos inquiridos e transcritas para posterior análise. A escolha desse instrumento proporcionou diversas vantagens para os pesquisadores, dentre elas a eficiência na obtenção de dados em profundidade sobre o comportamento humano e a possibilidade de classificação e quantificação dos dados obtidos (GIL, 1994).

A análise das entrevistas foi realizada através da técnica de análise de conteúdo, numa temática mais qualitativa do que a apresentada por Bardin (1991). Essa análise de conteúdo se aproxima das contribuições de Minayo (1996), que segue os processos iniciais da análise de conteúdo tradicional, mas não chega a veficar a contagem e a repetição de falas nas entrevistas. A intenção da análise de conteúdo na visão de Minayo (1996) é vereficar possíveis similaridades entre os conteúdos enunciados pelos entrevistas. Para tanto, como forma de organização desses conteúdos, foi utilizado, como ferramenta de auxílio na categorização e análise das informações, o software 110

NVivo, tendo como principais etapas a ordenação dos dados, classificação e análise final. Tal forma de organização tornou mais completa e ágil a caracterização dos pequenos produtores pesquisados.

Comércio Justo e a visão dos Pequenos Produtores Cooperados No contexto de análise das entrevistas chega a ser inegável a contribuição da certificação para os produtores vinculados às cooperativas em estudo. Apesar da dificuldade e dos problemas enfrentados no processo de certificação, os produtores entrevistados salientaram aspectos como: agregação de valor ao produto e ampliação da renda, assim como a participação mais efetiva dos cooperados nos assuntos da Cooperativa. Alguns dos benefícios podem ser constados nos relatos abaixo: A certificação é pra agregar valor ao nosso produto. Nós poderíamos ser produtores ecológicos sem certificação nenhuma [...] Seria muito mais cômodo nós montarmos uma cooperativa com um monte de funcionários de carteira assinada e pronto. Mas isso é mercado justo? Isso é economia solidária? Não é! Tem essa coisa de envolver as pessoas, de atuar junto, agregar, de somar, por isso que a gente foi buscar a certificação também, porque isso nos agregou valor ao produto, abriu o mercado pro nosso suco (Produtor 2). A partir do momento que eu quero estabelecer uma relação comercial com a uma cooperativa italiana, eles lá exigem a certificação em comércio justo e a partir daí veio a necessidade e a demanda. Então hoje a gente nem fala mais em certificação individual, hoje a gente fala em certificação em grupo [...] A busca do selo Fairtrade foi uma questão comercial, foi em função de uma demanda do consumidor europeu [...] Então tem toda a questão ideológica, eu não vou trazer pra cá uma coisa que eu vou enxergar como negativa, mas quando eu ver que a coisa é positiva tem que assumir (Produtor 3). A intenção de montar a cooperativa foi para ajudar os produtores da região. Quando montamos a cooperativa, foi bem numa época em que o preço da laranja tinha caído e muitos produtores estavam em dificuldade. A ideia era juntar todo mundo para vender, para ver se a gente conseguia um valor maior. Mas não foi só isso. Já tínhamos pesquisado sobre a certificação e ficamos de 2001 até 2004 para conseguir essa certificação. Durante muito tempo esteve bom, por que o preço da laranja lá fora estava mais alto, mas do ano passado para cá...[risos]....estamos passando dificuldades com o baixo preço (Produtor 5).

Nesses três relatos é possível detectar algumas contribuições e dificuldades que emergem em contextos diferenciados. Enquanto os dois primeiros produtores estão vinculados a Ecocitrus, o 111

terceiro faz parte da Coagrosol. No caso do Produtor 2, vale salientar que a Ecocitrus trabalha com a perspectiva de agregação de valor ao produto, como forma de atuação no mercado. Neste sentido, a certificação contribuiu para essa agregação, pois os valores da Cooperativa estão envoltos à comercialização, mas também relações sociais, que privilegiem a temática do ecologicamente correto. Nesta linha, ter a certificação do Fairtrade se tornou um fator importante para impulsionar e constituir essa cultura dentro da Cooperativa e fora dela.

O Produtor 3 informa que a necessidade da certificação também ocorreu por exigência do mercado consumidor europeus, uma vez que, para estabelecer relações comerciais com entidades como a Cooperativa de Consumidores (Coop), uma das exigências burocráticas é a obtenção do selo do comércio justo. O produtor finaliza o seu relato comunicando que acredita ter sido positiva a aquisição da certificação, pois se encarasse de maneira contrária não teria se empenhado na sua concretização.

Por outro lado, no caso do Produtor 5, os propósitos da Coagrosol estão sob um prisma um pouco diverso, mas também não distante dos pregados pela Ecocitrus. O caso é que a certificação, mais do que agregação de valor aos produtos e à cooperativa, impulsionou possibilidades de melhorar a renda, dado o fato de que, quando houve a busca pela certificação, o preço da laranja no mercado interno estava em queda. Disso decorrem também duas formas diversas de atuação. O da Ecocitrus, focada na possibilidade de agregar valor aos produtos, e o da Coagrosol, empenhada – de início – na possibilidade de melhores mercados. Não que em determinados momentos os propósitos não se relacionam, mas de que a maneira de lidar com esses fatores tomam a certificação em perspectivas e temática privilegiadas, o que enriquece e mostra o potencial da certificação no Brasil.

Apesar das contribuições geradas, as dificuldades são evidentes. Ainda tomando as entrevistas com os produtores – em destaque a fala dos Produtores 2 e 5 – fica evidente a submissão da certificação aos ditames do mercado em geral. É inegável que a certificação pode promover benefícios diversos em situações econômicas favoráveis, mas em momentos onde há certa instabilidade econômica, os pequenos produtores sofrem os percalços de forma acentuada. Esse fato mostra que a certificação ainda não é uma forma da garantia de somente benefícios, o que permite dizer que o fortalecimento dessas melhorias pode estar mais articulado no contexto do cooperativismo, onde há a união entre dois pressupostos fundamentais: o comércio justo e a ajuda mútua, do que no contexto de individualização da pequena propriedade.

Mas os problemas não são provenientes apenas quando a certificação está constituída na cooperativa. O próprio processo de certificação produz dificuldades extremas, o que reduz o potencial de certificação entre os produtores brasileiros. Dentre essas dificuldades é possível destacar: a língua, o prazo e a burocracia. Além de todas as carências enfrentadas pelos produtores dos países do Sul quanto ao acesso às informações e, consequentemente, acesso também a novos 112

mercados, esses produtores (trabalhadores), ao descobrirem os benefícios do selo Fairtrade, têm de enfrentar um exaustivo processo para ingressar nessa rede. Os depoimentos a seguir atestam que não se trata de um processo simples e rápido. Foram alguns percalços no caminho, a língua atrapalha, o prazo que eles levam para responder as solicitações também atrapalha. Então, tudo durou entre um ano e um ano e pouco (Produtor 1). Gera muita burocracia, você tem que ter documentação, papelada, você tem que estar organizado. É claro que isso te faz ser cada vez mais organizado, mas dá trabalho também, tem que ter envolvimento, tem que ter pessoas pra isso e pessoas gera custos. Outro problema aqui é o pagamento da certificação. Nós temos que fazer um DOC lá pra Alemanha, eles não têm algo no Brasil. Então isso vai me dar custos de mandar esse dinheiro para fora do Brasil, tem que fazer a transformação do Real em Euro, isso é outro problema [...] A própria língua atrapalha, eles ainda não traduzem pro português porque tem custo [...] A gente entra em contato com o pessoal daqui pra ajudar num e-mail que a gente recebe da Alemanha, porque você manda um e-mail pra lá e eles respondem em castelhano porque eles não sabem falar em português, então eu tenho que entender castelhano, aí tem coisas que eu posso não entender (Produtor 2). Demorou um tempo grande para recebermos a certificação. Tivemos uma série de ajudas, principalmente com a língua. Mas não foi só isso. O problema maior é prazo. Não só para ter a certificação, mas para o recebimento do dinheiro da venda do suco. Os prazos são sempre grandes. [...] Coisa de 1 ano para receber a resposta com da certificação e nos últimos anos coisa de 5 meses para receber o dinheiro da venda do suco (Produtor 8).

De acordo com os relatos apresentados, exige-se muita dedicação e organização por parte do solicitante. Uma das queixas mais comuns está relacionada à comunicação entre certificadora e produtores. Atualmente o site da FLO conta apenas com duas opções de línguas: o inglês e o espanhol. Apesar da ampla disseminação dessas duas línguas em todo o mundo, os agricultores que não tiveram a oportunidade de concluir os estudos ou ingressar em um curso de línguas terão sérias dificuldades em compreender outra comunicação que não seja a do seu país de origem. Em países como o Brasil, onde aproximadamente 1/4 da população rural é analfabeta (IPEA, 2008), ter conhecimentos, mesmo que básicos, de uma segunda língua é um privilégio para poucos. Assim, muitas vezes os produtores se vêem obrigados a solicitar a ajuda de um tradutor para o preenchimento de formulários e outros documentos antes, durante e depois de obter o selo.

Outro ponto de destaque no discurso do primeiro produtor é o tempo que se leva para a concretização da certificação. Conforme já mencionado, devido a problemas estruturais, a FLO nega a maioria dos pedidos de certificação que lhes são enviados. Isso significa que há um 113

trabalho muito grande em se analisar todos os formulários cadastrados, e por se tratar de uma análise cuidadosa, é compreensível que haja uma demora no retorno. De acordo com o produtor, levou-se mais de um ano do envio dos primeiros documentos até a confirmação da certificação. Nesse período foram feitas diversas adaptações e enviados vários documentos informando quais os produtos a serem certificados, a produção mensal e anual da cooperativa, a quantidade de pessoas envolvidas, dentre outras. Por fim, o Produtor 2 informa também que há dificuldade em se arcar com os custos diretos e indiretos envolvidos para a certificação. Além da taxa paga para a FLO, muitas organizações, como a Ecocitrus, se vêem obrigadas a pagarem profissionais como contadores e administradores para organizar e providenciar os documentos exigidos. Dessa forma, entende-se que grupos organizados, porém com estruturas limitadas, encontram dificuldades em fazer o desembolso necessário para cobrir tais custos.

Com relação ao prazo, essas não são as únicas dificuldades, pois o repasse do dinheiro gerado pela venda dos produtos é um problema fundamental. Isso fica evidente na fala do Produtor 8, que chega a citar quase cinco meses para o recebimento. Nesta linha, para salvaguardar os custos iniciais da produção, a Cooperativa exerce um papel central, porque ela possui uma linha de crédito junto ao banco que, até o recebimento, permite subsidiar os custos iniciais para os produtores.

Apesar de crescente o número de organizações certificadas no país, nos últimos anos, o mercado brasileiro ainda é pouco explorado, principalmente se comparado a outras nações da América Latina. Os produtores entrevistados acreditam que o mercado nacional ainda não despertou o devido interesse das certificadoras internacionais e que ainda há muito o quê ser explorado no país. Bom, não tem nenhuma iniciativa nacional de comércio justo, não se vê nada voltado pra isso aqui ainda. Os dados no exterior são fantásticos. [...] Aqui no Brasil está bem devagar, as pessoas ainda não sabem (Produtor 3). Olha, eu não posso dar muitos elogios. Como no Brasil não tem muita atuação da certificação em comércio justo eles não estão direcionando ou valorizando tanto o Brasil como potencial. Eu acho que isso deveria se considerar um pouco mais, tentar melhorar [...] Eles não tem uma sede no Brasil, eles não têm um escritório, eles têm uma ou duas pessoas no Brasil [...] Existe muito, por exemplo, a América Central onde tem muita produção de café e aquela região ali tem muita certificação FLO, só que no Brasil não tem muito, é a Ecocitrus e não tem muito (Produtor 5). Bom, a nossa região é uma das maiores produtores de laranja do país. Não existe nenhuma preocupação das grandes indústrias e dos grandes produtores para a participação nessa temática do comércio justo. A gente vê alguma iniciativa para o preço mínimo, mas nada efetivado ainda. [...] Tudo que destinamos para a Cooperativa é para exportação. Vai tudo para Europa. Poderíamos ter alguma coisa desse tipo por aqui (Produtor 7). 114

Não, não fica nada aqui no Brasil. Tudo que é feito no comércio justo é exportado. Não conheço nenhuma iniciativa dessas aqui (Produtor 10).

A falta de informação, não somente dos produtores, mas da população de maneira geral, faz com que o comércio justo seja algo totalmente desconhecido para muitos. Ao comparar a situação do comércio justo no Brasil com a de outros países, os produtores (Produtor 3 e Produtor 5) reconhecem que existe ainda muito a ser conquistado. O fato de não existir uma sede contribui ainda mais para o Fairtrade continuar em uma situação que se aproxima muito da informalidade. Com isso, apesar de todas as dificuldades para adquirir a certificação, a Ecocitrus demonstra estar satisfeita com os resultados obtidos e por ter suas expectativas alcançadas. Com perspectivas de ampliação do mercado, a cooperativa comemora o bom momento e reconhece que “a FLO nos abriu um mercado [...] Então isso pra nós é bom, isso hoje viabiliza a produção de suco” (Diretor 2).

Um pouco diferente da perspectiva dos produtores da Ecocitrus, aqueles vinculados à Coagrosol (Produtor 7 e Produtor 10) salientam que, além de interessante e importante as iniciativas do comércio justo, ainda são incipientes sua consolidação, principalmente no Brasil, onde o Fairtrade é bem desconhecido. Isso mostra que há a necessidade de potencializar essas ações no Brasil, o que poderia contribuir para dirimir uma série de problemas que os produtores ainda passam para a obtenção do certificado da FLO, como: prazo e língua.

Considerações finais No que tange as perspectivas do comércio justo no Brasil, o que se observa – e por isso a necessidade da pesquisa – é a baixa divulgação e iniciativas no país, tendo em vista o grande potencial de contribuição aos pequenos produtores que o certificado da FLO pode proporcionar. Primeiro no que tange a possibilidade de uma renda compatível com as necessidades e produções da pequena propriedade, que dispõem de um custo maior de produção e, consequentemente, um preço maior na comercialização, limitando a competitividade com os grandes produtores. Ainda nesta linha, uma segunda contribuição é a potencialidade de surgimento de um comércio justo, onde problemas como dumping (prática comercial de venda dos produtos a um preço abaixo do custo), economia de escala etc., que privilegiam a atuação de grandes produtores, podem ser dirimidos. Terceiro é a abertura de um mercado externo para os produtores, que passam a diversificar o mercado de atuação, diminuindo a dependência do mercado interno. Além desses benefícios gerados pela certificação, ainda é possível detectar que a potencialidade da certificação no Brasil, através da constituição de Cooperativas, o que permite um contato mais eficiente e a união de vários produtores que são beneficiados por uma única certificação.

Quanto às limitações, um dos primeiros problemas é o processo de obtenção da certificação, pela burocracia, o tempo e, principalmente, para os pequenos produtores rurais entrevistados, a língua. Isso porque no site da FLO, as únicas possibilidades de idiomas são o inglês e o espanhol, além de 115

todos os formulários estarem escritos no idioma inglês. Como gravame a esse processo, ainda no Brasil, devido ao baixo empenho para a consolidação da certificação, ainda não há um escritório da FLO no país, o que poderia sanar muitos dos problemas descritos anteriormente (prazo, burocracia e língua). Apesar das possibilidades de comércio internacional, ainda uma das limitações encontradas é o prazo para o repasse das verbas geradas pelos produtos vendidos, que chega a demorar cerca de cinco meses. É neste contexto que a Cooperativa exerce uma função importante, pois parte dos custos gerados aos pequenos produtores é financiada pela Cooperativa, através de empréstimos tomados junto ao Banco do Brasil.

Além desses fatores, ainda esse tipo de iniciativa não tem conquistado a devida importância entre as empresas brasileiras, com iniciativas incipientes, além do baixo conhecimento da população em geral sobre esse tipo de comércio. Se essas ações do comércio justo conquistassem importância e centralidade que possuem, por exemplo, em vários países da Europa, os pequenos produtores brasileiros poderiam estar em situações melhores das que encontramos hoje, assim como uma preocupação maior sobre o lado social do Comércio Justo do que somente o lado econômico. Refletir sobre as possibilidades e limites do Comércio Justo no Brasil é um passo importante para a melhoria na situação de muitos pequenos produtores rurais.

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Prática dos Princípios Cooperativistas: um Estudo de Caso na Cooperativa Adalzisa Moniz em Cabo Verde Élida Suzete Ramos Barbosa Monteiro Airton Cardoso Cançado Vânia Aparecida Rezende de Oliveira Ariádne Scalfoni Rigo Resumo: Este trabalho trata da verificação da prática dos princípios cooperativistas da International Co-operative Alliance – ICA na Cooperativa Adalzisa Moniz, situada na cidade da Praia, capital de Cabo Verde. Em um primeiro momento é realizado o resgate da origem dos princípios cooperativistas desde sua base na Cooperativa de Rochdale, 1844, até sua atual configuração definida em Manchester em 1895 em reunião da ICA Num segundo momento, o caso foi contextualizado com foco n0 cooperativismo naquele país em alguns costumes e valores relacionados. A estratégia metodológica traçada, de natureza exploratório-descritiva, foi baseada em entrevistas com dirigente e associados. Percebeu-se que a cooperativa tem um forte viés comunitário, o que contempla o princípio da Preocupação com a Comunidade. No entanto, apresenta problemas na prática de outros princípios cooperativistas principalmente os relativos à comunicação, inadimplência e a participação. Verificaram-se ainda algumas evidências de semelhanças entre o cooperativismo em Cabo Verde e no Brasil.

1 Introdução A contemporaneidade sinaliza uma situação de crise do capitalismo mundial. Dentre as discussões que cerceiam os possíveis rumos deste momento, as formas alternativas de organização do trabalho, produção e consumo se apresentam como um debate rico de possibilidades de um método de organização diferente. Em meio a diversas alternativas que a literatura e a própria prática apresentam, o cooperativismo é delineado como uma opção viável neste contexto. Dentro dessa ótica, defende-se que o cooperativismo valoriza, primordialmente, as pessoas e o seu trabalho. O capital, também importante, é visto como um meio e não um fim em si mesmo. Por serem organizações diferentes das organizacionais tradicionais mercantis, as cooperativas apresentam a necessidade de uma forma de gestão também distinta baseada em princípios cooperativistas. Porém, o contexto hegemônico da sociedade ocidental ainda é o capitalismo. Dessa forma, organizações sociais como as cooperativas que se propõem a atuar de forma diferente tem encontrado, geralmente, dificuldades em se constituir e se desenvolver. A tensão entre a hegemonia do capitalismo que prioriza primordialmente o lucro, e a existência de organizações sociais, as quais não possuem fins lucrativos e priorizam as pessoas, como as cooperativas, nos aponta, em um primeiro momento, a existência de dificuldades práticas e conceituais que circundam o efetivo cumprimento dos princípios cooperativistas. Estes princípios orientam (ou deveriam orientar) a criação e o desenvolvimento das cooperativas e as ações dos seus associados. Existe uma lacuna nos trabalhos em administração para se interpretar a gestão de empreendimentos cooperativos. A maioria dos trabalhos acadêmicos relacionados a cooperativas 119

tem como foco os resultados do empreendimento em seu aspecto financeiro, como Souza (1993) e Bressan e outros (2004). Por outro lado, alguns trabalhos já se preocupam com as causas da dissolução das organizações cooperativas como Crúzio (1999) e Rigo (2009). Nestes últimos casos os trabalhos mostram alguns indícios da importância da prática dos princípios cooperativistas para a sustentabilidade destas organizações. Em um estudo realizado na Zona da Mata de Minas Gerais, Braga e outros (2002) encontraram diversos problemas na aplicação prática dos princípios cooperativistas, dentre eles a falta de participação dos cooperados, a perpetuação no poder de alguns grupos e o próprio desconhecimento dos princípios. Perante o contexto acima discutido pretende-se com este trabalho observar a prática dos princípios cooperativistas na Cooperativa Adalzisa Moniz em Cabo Verde, país formado por ilhas na costa ocidental da África. O cenário do país conta com sérios problemas de desenvolvimento econômico e social, onde o cooperativismo se apresenta como uma alternativa para o seu desenvolvimento sustentável. A importância deste trabalho baseia-se na consideração de que há contribuição com os estudos relacionados e com o cooperativismo brasileiro de modo geral, na medida em se utiliza de outro contexto fora do país e possibilita comparações e análises com outros casos no Brasil. Além desta introdução o artigo apresenta uma revisão sobre o conceito de cooperativa, o cooperativismo – sua origem e evolução – e os princípios cooperativistas. Posteriormente será apresentada a metodologia utilizada, uma contextualização sobre o âmbito de estudo, ou seja, o país de Cabo Verde, um histórico sobre a cooperativa Adalzisa Moniz. Finalizando serão apresentados os resultados do trabalho seguido das considerações finais.

2 Cooperativa, Cooperativismo e Princípios Cooperativistas Antes de introduzir a temática dos princípios cooperativistas é importante esclarecer as finalidades de uma cooperativa, bem como a contribuição que esta forma de organização do trabalho pode proporcionar aos indivíduos e a sociedade como um todo, na luta pelo bem comum. A cooperativa é uma associação autônoma de pessoas que se unem de forma voluntária para satisfazer as necessidades e aspirações econômicas, sociais e culturais em comum, mediante uma empresa de propriedade conjunta e de gestão democrática, tendo como objetivo principal a prestação de serviço aos seus cooperados valorizando acima do capital, a pessoa (ICA, 2009a). Desta maneira, a cooperativa é uma organização que tem características e princípios diferentes de outras organizações mercantis. O cooperativismo surge como resposta aos desmandos da Revolução Industrial em meio a um contexto de exploração da mão de obra. Após diversas experiências pré-cooperativistas com variados níveis de sucesso, em 1844 foi fundada a Cooperativa de Rochdale (Manchester, Inglaterra), que ficou conhecida como a primeira cooperativa do mundo. A Cooperativa de Rochdale pode ser considerada como a primeira cooperativa moderna, apesar de outras experiências terem acontecido antes dela, suas principais diferenças em relação às demais foram: um amadurecimento maior a respeito das falhas e acertos das experiências anteriores e a elaboração formal das suas regras de funcionamento (SCHNEIDER, 1999; SILVA FILHO, 2001; HOLOYOAKE, 2005, CRÚZIO, 2007; CANÇADO e GONTIJO, 2009). 120

Esse pioneirismo da cooperativa de Rochdale teve amplo desenvolvimento e inspirou diversas experiências semelhantes. A formalização das regras de funcionamento fez com que as novas cooperativas criadas fossem bem semelhantes a este modelo inicial, o que possibilitou a constituição posterior de um movimento: o cooperativismo (SCHNEIDER, 1999; HOLOYOAKE, 2005; CANÇADO e GONTIJO, 2009) Dentro desse viés histórico, em 1895 foi constituída a International Co-operative Alliance - ICA, congregando organizações cooperativas de diversos países. Ao se criar um movimento em âmbito mundial foi necessário encontrar uma identidade para este movimento e as regras da Cooperativa de Rochdale foram com ele (o movimento) retomadas. Esta escolha se deu porque a grande maioria das cooperativas funcionava neste formato ou semelhante a ele. Desta forma, a primeira elaboração dos princípios cooperativistas foi inspirada na experiência de Rochdale (SCHNEIDER, 1999; CANÇADO e GONTIJO, 2009). Neste sentido, os princípios cooperativistas podem ser considerados como a forma de gestão da organização cooperativa. São as diretrizes para a tomada de decisão e ao mesmo tempo são regras para atuação operacional da cooperativa. O Século XX foi marcado por muitas mudanças que impactaram diretamente nas cooperativas, como: as duas grandes guerras, o Crash da bolsa de 1929, a Guerra Fria, a aceleração da globalização, dentre outras. Com o passar do tempo, o movimento cooperativismo sentiu a necessidade de rever os princípios. Diante disso, a International Co-operative Alliance – ICA, aprovou, em 1995, em suas reuniões, mudanças nos princípios cooperativistas. O Quadro 1 que segue demonstra essas mudanças. Evolução dos Princípios Cooperativistas Estatuto de 1844 (Rochdale)

Congressos da International Co-operative Alliance 1937 (Paris)*

1966 (Viena)

1. Adesão Livre

a) Princípios Essenciais 1. Adesão Livre de Fidelidade aos (inclusive neutralidade 2. Gestão Democrática Pioneiros política, religiosa, 3. Retorno Pro Rata das racial e social) 1. Adesão aberta Operações 2. Gestão Democrática 2. Controle ou Gestão 4. Juro Limitado ao Democrática 3. Distribuição das Capital investido Sobras: 3. Retorno Pro-rata das 5. Vendas a Dinheiro Operações a) ao desenvolvimento 6. Educação dos da cooperativa; 4. Juros Limitados ao Membros Capital b) aos serviços 7. Cooperativização comuns; Global c) aos associados prob) Métodos Essenciais rata das operações de Ação e Organização 4. Taxa Limitada de 5. Compras e Vendas à Juros ao Capital Social Vista 5. Constituição de um 6. Promoção da fundo para a educação Educação dos associados e do 7. Neutralidade Política público em geral e Religiosa. 6. Ativa cooperação entre as cooperativas 121

1995 (Manchester) 1. Adesão Voluntária e Livre 2. Gestão Democrática 3. Participação Econômica dos Sócios 4. Autonomia e Independência 5. Educação, Formação e Informação 6. Intercooperação 7. Preocupação com a Comunidade

em âmbito local, nacional e internacional * Os Princípios Essenciais de Fidelidade aos Pioneiros eram obrigatórios para a adesão à ACI, enquanto os Métodos Essenciais de Ação e Organização tinham apenas caráter de orientação.

Fonte: adaptado de Braga e outros (2002) e Cançado e Gontijo (2009). Quadro 1 – Evolução dos Princípios Cooperativistas segundo a Aliança Cooperativa Internacional A realização dos congressos onde foram discutidas e aprovadas as mudanças nos princípios cooperativistas foi precedida de consultas às cooperativas, especialistas e estudiosos sobre cooperativismo. Em todos os casos, foram realizados debates que duraram alguns anos antes dos congressos, de forma que as alterações ocorridas foram longamente debatidas (SCHNEIDER, 1999; CANÇADO e GONTIJO, 2009). Pode-se notar que alguns princípios se mantêm durante todo o período, enquanto outros surgem ou são excluídos. De acordo com a análise de Cançado e Gontijo (2009), a evolução dos princípios cooperativistas se deu no sentido de atualizar estes princípios de acordo com as novas realidades que foram se apresentando. O congresso de Paris, em 1937, aconteceu no período entre guerras e após o Crash de 1929; o de Viena (1966) em plena Guerra Fria depois da segunda grande guerra; e o de Manchester (1995) ocorreu após a queda do Muro de Berlim. Desta forma, o cooperativismo se atualizou, mas procurando não perder sua identidade. Uma análise detalhada sobre a evolução dos princípios cooperativistas pode ser encontrada em Schneider (1999). 2.1 Os princípios cooperativistas da International Co-operative Alliance Baseando-se na reunião de Manchester em 1995, na qual os princípios cooperativistas foram alterados pela última vez, faz necessário detalhá-los para posterior análise. Vale ressaltar, ainda, que o estudod e caso em questão - Cooperativa Adalzisa Moniz em Cabo Verde – e a Federação Nacional das Cooperativas de Consumo de Cabo Verde (FENACOOP) são associada à ICA e portanto, são orientadas por estes princípios. A – Adesão voluntária e Livre Segundo a ICA (2009b) “Cooperativas são organizações voluntárias, abertas para todas as pessoas capazes de usar seus serviços e aceitarem as responsabilidades de ser um membro, sem discriminação de gênero. social, racial, política ou religiosa”. [tradução nossa] A cooperativa é um empreendimento coletivo com as “portas abetas”, tanto para a entrada quanto para a saída. A participação do cooperado é livre e deve ser voluntária. Nenhum indivíduo pode ser forçado a se associar ou permanecer associado a uma cooperativa, destacando que não deve haver qualquer tipo de discriminação (racial, social, política, de gênero e política). Alguns exemplos brasileiros mostram a importância deste princípio para a sobrevivência e desenvolvimento do cooperativismo, apontando que nos casos em que as cooperativas foram criadas de “cima para baixo” como política pública ou mesmo como condição para recebimento de recursos, o cooperativismo não prosperou (MOURA, 1968; RIGO, 2009; CANÇADO e outros, 2009). Este princípio também enfatiza que o cooperado deve estar apto a usar os serviços e compartilhar as responsabilidades na cooperativa. Esta “aptidão” se relaciona com o ramo de atuação da 122

organização de modo que, por exemplo, uma cooperativa de taxistas somente pode admitir em seu quadro social taxistas ou alguma função relacionada com os seus propósitos. Este aspecto leva ao estabelecimento de normas que regulem a entrada/permanência de cooperados. Pelo Quadro 1, podemos perceber que este princípio sempre esteve presente nos Estatutos de Rochdale, desde 1844. B – Gestão Democrática Este princípio também permanece desde 1844 e é considerado como um marco de diferenciação entre cooperativas e empresas mercantis, pois a centralidade é a democracia direta, onde cada pessoa corresponde a um voto. Cooperativas são organizações democráticas controladas pelos seus membros quem ativamente participam do conjunto de suas políticas e tomadas de decisões. Homens e mulheres na qualidade de associados são responsáveis e eleitos como representantes. Nas cooperativas singulares os membros têm direito a voto equitativo (um membro, um voto) e as cooperativas de outros níveis são também organizadas de maneira democrática (ICA, 2009b) [tradução nossa]. Ser associado de uma cooperativa demanda participação ativa na condução do empreendimento. Este tipo de gestão coletiva acontece por meio de assembléias. Nestas assembléias, periodicamente, são escolhidos alguns cooperados para representar a cooperativa no dia-a-dia e todos os cooperados podem votar e serem votados para estes cargos, que pressupõem apenas a representação e não hierarquia. O órgão supremo na cooperativa é a assembléia formada por todos os cooperados, essa postura acontece desde Rochdale. Carneiro (1981) aponta o tamanho da cooperativa como um problema, seu ponto de vista defende que quanto maior a quantidade de cooperados, mais difícil é a aplicação da democracia direta. O autor sugere a criação de um sistema de delegados assim como prevê, por exemplo, a legislação brasileira (Lei 5764/71). Por outro lado, um pequeno número de cooperados pode inviabilizar a existência da cooperativa, comprometendo um possível aumento do poder de barganha junto a fornecedores e clientes e ganhos de escala. Porém, cada cooperativa é um caso diferente que deve ser analisado pelos próprios cooperados. Este princípio traz ainda outros problemas na sua aplicação prática: a baixa participação. No Brasil, existe uma rica literatura que aponta que as assembléias estão quase sempre vazias e apenas um pequeno grupo se perpetua no poder (BRAGA e outros, 2002; SINGER, 2002; CANÇADO e outros, 2009; RIGO, 2009). Se o principal instrumento de participação do cooperado é a assembléia e ele não comparece, a prática do princípio fica comprometida. Porém, deve-se ressaltar que a assembléia não é a única maneira de exercer a participação. Singer (2002) aponta a inércia participativa do cooperado como causa do insucesso de alguns empreendimentos. Outros estudos, como Cançado e outros (2009) e Rigo (2009), apontam causas mais estruturais para esta ausência de participação, como a criação da cooperativa como condição para receber recursos públicos. Outra explicação com base na Teoria da Escolha Racional, onde os cooperados assumiriam a perspectiva do Free Rider (OLSON, 1999), que esperam colher os bônus sem ter de arcar com os ônus da própria participação. Porém, esta discussão não é central neste trabalho, ficando aqui a sugestão para novos estudos.

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C – Participação Econômica dos Membros As cooperativas têm duas dimensões: a econômica e social. Este princípio trata da primeira dimensão. Pode-se dizer que este princípio passou por diversas adaptações. Em sua primeira formulação estava subdividido em três princípios: Retorno Pro Rata das Operações, Juro Limitado ao Capital investido e Vendas a Dinheiro. O Retorno Pro Rata das Operações é uma característica que também distingue a organização cooperativa das organizações mercantis, pois valoriza o trabalho. O cooperado recebe da cooperativa proporcionalmente às suas transações com a organização (entrega de produtos para a comercialização pela cooperativa, compras na cooperativa, trabalho realizado por meio da cooperativa). O juro limitado ao capital investido tem dois objetivos, o primeiro é justamente remunerar o capital investido pelos cooperados na cooperativa por meio de suas quota-partes e o segundo é limitar esta própria remuneração de modo a não torná-la o negócio central do cooperado (SCHNEIDER, 1999; CANÇADO e GONTIJO, 2009). O princípio das Vendas a Dinheiro era uma condição de sobrevivência para a Cooperativa de Rochdale na época, conforme descrito por Holyoake (2005). A mudança de 1937 excluiu o princípio da Vendas a Dinheiro que já não fazia sentido à época. Em 1966 enfatizou-se a distribuição das sobras: a) ao desenvolvimento da cooperativa; b) aos serviços comuns; e c) aos associados pro rata das operações. Esta ênfase institucionalizou fundos para atender aos cooperados e desenvolver a cooperativa, mantendo ainda o retorno pro rata. Cabe destacar que esta prática já era adotada por muitas cooperativas. Manteve-se também a Taxa Limitada de Juros ao Capital Social, apesar da mudança de nomenclatura, não houve mudanças no objetivo do princípio. (SCHNEIDER, 1999; CANÇADO e GONTIJO, 2009) A última mudança, de 1995 trouxe o seguinte texto: Os membros contribuem para, e controlam democraticamente, o capital da sua cooperativa. A maior parte do capital é geralmente de propriedade comum da cooperativa. Os membros geralmente recebem compensação limitada, se houver, sobre o capital subescrito como uma condição de membro. Os membros alocam os excedentes para uma ou todos os seguintes propósitos: desenvolver sua cooperativa, possivelmente pela criação de reservas, em que pelo menos em parte deve ser indivisível; beneficiando os membros na proporção das suas transações com a cooperativa; e dando suporte a outras atividades aprovas pelos membros (ICA, 2009b) [tradução nossa] Cabe destacar que as práticas de distribuição das sobras enfatizadas na alteração anterior permaneceram como estavam. Na verdade houve uma simplificação da nomenclatura do princípio (SCHNEIDER, 1999; CANÇADO e GONTIJO, 2009). Ao entrar na cooperativa, o cooperado subscreve e integraliza um capital social, definido pelos próprios cooperados. Este capital pode ser remunerado por uma taxa de juros limitada e ao sair do empreendimento o cooperado tem direito de reaver seus recursos acrescidos dos juros. Esta prática acontece desde Rochdale. (HOLOYAKE, 2005) D – Autonomia e Independência O princípio da Autonomia e Independência aparece explicitamente em 1995, conforme o Quadro 1. Porém, já haviam referências implícitas ao princípio. O princípio da Gestão Democrática, por exemplo, se torna inexeqüível sem a autonomia e independência das cooperativas. Outro 124

princípio, o da Educação, Formação e Informação, que será tratado mais adiante, também enfrenta sérias dificuldades na sua aplicação, caso estas condições não estejam presentes. Um dos problemas para a explicitação do princípio anteriormente era a dependência, em diversos países (como os da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS), do Estado pelas cooperativas e praticamente não tinham autonomia. Tanto é que na primeira alteração dos princípios após a criação da URSS em 1937 o princípio da Neutralidade Política e Religiosa era uma sugestão e não uma exigência para a afiliação à ICA. Com a queda do muro de Berlim, sentiu-se a necessidade de reforçar esta característica das cooperativas, explicitando-a em forma de princípio. Segundo a ICA (2009b), As cooperativas são organizações autônomas, que se sustentam e que são controladas pelos seus membros. Se eles firmarem acordos com outras organizações, incluindo os governos, ou levantar capital de fontes externas, fazem isso de modo a assegurar o controle democrático pelos seus membros e a autonomia e da cooperativa. [tradução nossa]

O movimento cooperativista, desta maneira, passa, de forma explícita, a orientar as organizações cooperativas no sentido de que elas próprias garantam condições para direcionar seu desenvolvimento. E – Educação, Formação e Informação As cooperativas, desde Rochdale, têm entre seus princípios a questão da educação. Na cooperativa de Rochdale já havia uma biblioteca e a educação dos membros já era valorizada (HOLYOAKE, 2005). No Estatuto de Rochdale, o princípio estava expresso como Educação dos Membros e, na revisão de 1937 o princípio passa a ser não obrigatório. Observou-se, depois de diversas pesquisas e debates que levaram à alteração dos princípios em 1937, que este princípio havia sido “esquecido” pela grande maioria das cooperativas no mundo. Em 1966 o princípio indica para a composição de um fundo para a educação dos membros, que existia em Rochdale, conforme Holyoake (2005), como possibilidade da efetivação do princípio. Em 1995, o princípio passa a contemplar, obrigatoriamente, também a formação e a informação dos cooperados. As cooperativas promovem a educação e a formação dos seus membros, dos representantes eleitos, gerentes e empregados para que eles possam contribuir efetivamente para o desenvolvimento das suas cooperativas. Eles deverão informar ao público em geral - particularmente os jovens e líderes de opinião - sobre a natureza e os benefícios da cooperação. (ICA, 2009b) [tradução nossa]

Desta forma, a cooperativa, agora já com fundos para tanto, passa a ser responsável pela Educação (cívica e cooperativista), Formação (profissional) e Informação do público em geral sobre os benefícios do cooperativismo. A ampliação do princípio traz a perspectiva do desenvolvimento sustentável das cooperativas, pois em um ambiente onde a cooperação é a exceção, faz-se 125

necessário que os cooperados conheçam bem o empreendimento do qual participam. A inclusão da formação dos cooperados enquanto função das cooperativas acompanha uma tendência mundial adequada ao desenvolvimento de novas técnicas de produção. Desta forma, o cooperado precisa estar atualizado em relação às mudanças nos processos produtivos. A perspectiva da informação complementa o princípio, difundindo o cooperativismo a outros públicos e, consequentemente, reforçando o movimento. Nos estudos de Crúzio (1999), Rigo (2009), Cançado e outros (2009), realizados no âmbito brasileiro, fica claro que a Educação Cooperativista (educação para o cooperativismo) é uma das principais causas do desenvolvimento das cooperativas.

F – Intercooperação (ou Cooperação entre Cooperativas) O princípio da Intercooperação (ou cooperação entre cooperativas) está presente desde Rochdale como Cooperativização Global, numa perspectiva próxima às idéias de Robert Owen, um dos principais inspiradores do cooperativismo (SCHNEIDER, 1999, HOLYOAKE, 2005). A própria criação de diversas federações e confederações nos diferentes países mostra esta perspectiva do cooperativismo. Além disso, a constituição da ICA em 1895 reforça esta necessidade de intercooperação entre os empreendimentos cooperativos. De acordo com o Quadro 1, este princípio esteve ausente das preocupações na reunião de 1937. Porém foi retomado em 1966 por meio do princípio da Ativa Cooperação Entre as Cooperativas em Âmbito Local, Nacional e Internacional, mostrando que esta questão deve estar presente nas ações das cooperativas. Em 1995 sua nomenclatura passou a ser a Intercooperação, sem alterações de conteúdo. Segundo a ICA (2009b), “Cooperativas servem mais efetivamente a seus associados e fortalecem o movimento ao trabalharem juntas por meio de estruturas locais, nacionais, regionais e internacionais”. Dessa maneira, quando a cooperativa atua em conjunto com outras organizações de mesma natureza ela consegue atingir seu objetivo central “prestar serviço ao cooperado” de maneira mais efetiva. A Intercooperação é a expressão a nível macro da própria cooperativa. Os cooperados constituem cooperativas em torno de interesses comuns no nível micro. As cooperativas, por sua vez, constituem estruturas (federações, confederações, etc) a nível meso e macro com os mesmos objetivos. Esta integração é importante e pode se tornar crucial para a sobrevivência destas organizações em mercados cada vez mais complexos, competitivos e excludentes.

G – Preocupação com a Comunidade O princípio da Preocupação com a Comunidade passa a integrar o rol dos Princípios Cooperativistas em 1995. Porém, seria errôneo dizer que esta preocupação nunca esteve presente no cooperativismo. Pode-se iniciar esta análise com a questão das “portas abertas”, ou seja, a cooperativa sempre esteve de portas abertas para a comunidade. Os princípios relacionados à gestão democrática e à educação também estimulam a formação de cidadãos e, portanto, o desenvolvimento da comunidade. 126

Segundo a ICA (2009b) “As cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentável de suas comunidades através de políticas aprovadas pelos seus membros” [tradução nossa]. Aqui podemos notar que este princípio é aplicado em conjunto com o da Gestão Democrática, pois as políticas de desenvolvimento devem ser aprovadas pelos membros (cooperados). Outro aspecto refere-se ao próprio local de aplicação do princípio, ou seja, a comunidade onde os cooperados residem. A cooperativa é composta de pessoas que ocupam um espaço geográfico e, portanto, deve estar atenta ao desenvolvimento deste espaço, procurando alcançar seu fim maior: prestar serviço aos cooperados. A discussão sobre os princípios cooperativistas supracitada contextualiza e teoriza o objeto de estudo deste trabalho. Porém, a contextualização e a apresentação do caso em si, se fazem necessárias. O item seguinte apresenta um breve panorama de Cabo Verde e de suas formas tradicionais de cooperação que subsidiam o trabalho no país. 3 Cabo Verde e Suas Formas Tradicionais de Cooperação Cabo Verde é um arquipélago composto por 10 ilhas, localizado a 400 km da costa ocidental da África. Foi descoberto em 1406 pelos portugueses e conseguiu sua independência em 1975. Sua economia é baseada na agricultura e na pesca (CABO VERDE, 2009). Atualmente a população residente no país é estimada em 434.263 habitantes, sendo uma população jovem com média de idade de 23 anos. Uma peculiaridade da população caboverdiana é que, devido a falta de recursos naturais e as escassas chuvas no arquipélago, muitos partem para o estrangeiro. Segundo o site oficial do governo de Cabo Verde (2009), atualmente a população caboverdiana emigrada é maior do que a que vive no arquipélago. Segundo Évora (2001, p.10), após a independência em 1975, o governo escolheu o cooperativismo como um modelo de desenvolvimento para o país. O Estado forneceu as condições materiais e o apoio para a constituição das cooperativas que seriam “importantes no processo de transição para uma nova sociedade que se propunha privilegiar a participação popular”. As cooperativas teriam o papel de integrar grande parte da população até então mantida à margem do desenvolvimento. A criação de cooperativas de consumo seria importante para quebrar o monopólio de comerciantes que ameaçam parar o abastecimento, bem como para distribuir a ajuda internacional à população carente (ÉVORA, 2001). Segundo Antônio Souza (2010), Qualquer pessoa de bom senso e minimamente atento não pode ignorar os benefícios que o cooperativismo teve, principalmente nos primórdios da nossa independência [Cabo Verde], no combate à especulação e ao açambarcamento, na distribuição dos bens de primeira necessidade, no emprego e na economia local. Quem no passado instituiu, regulamentou, incentivou o movimento cooperativo, não tem razões para envergonhar-se. Pelo contrário, deve-se orgulhar dos resultados conseguidos se atendermos ao nível de formação académico, profissional e democrática das populações de então. Hoje, com a expêriencia que possui pode evitar que os erros do passado se repitam mas não deve é abdicar dos seus princípios ideológicos fundamentais e negar aos cidadãos o exercício de um direito liberdade e garantia e, deste modo, hipotecar o desenvolvimento económico e social sustentável do país a médio e longo prazo.

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Porém, já nos primeiros anos foi identificada a fraca participação da população e surgiram questionamentos quanto à efetividade das cooperativas em Cabo Verde. Os críticos da proposta oficial apontam as limitações do modelo de reforma social adotado, o qual se distanciava do cooperativismo, pois estava baseado na hierarquia e na centralização, como no período colonial anterior. Além disso, houve desconsideração das experiências associativistas anteriores do país, que ainda tinham importante significado simbólico para a população (LOPES apud ÉVORA, 2001) Em Cabo Verde existem algumas formas de ajuda mútua, as mais conhecidas são: a Tabanca, o Djuda e o Djunta-mon27. A Tabanca tem um caráter religioso e de socorro mútuo, que mantém o seu caráter de manifestação cultural. É baseada em uma cotização mensal que será utilizada em casos de doença ou morte, podendo também ser empregada para garantir trabalhos agrícolas e para a construção de casas. O Djuda refere-se ao apoio em atividades que exijam força/destreza que não podem ser realizadas por pessoas muito novas/velhas ou doentes e envolvem laços de parentesco. A Djunta-mon tem semelhança com o mutirão brasileiro, porém, existe uma contabilidade estrita e todo trabalho realizado deve ser pago com trabalho, havendo uma reciprocidade inerente e obrigatória no processo. Estas são normalmente formas associativas utilizadas pelas famílias que possuem um núcleo familiar mais restrito ou mais vulnerável. Segundo Évora (2001, p.14) a partir de 1990 há uma virada no discurso oficial e o Estado “insiste na tomada de responsabilidades dos cooperados em relação aos destinos das suas cooperativas”. Este movimento coincide com a reformulação das Bases Gerais do Cooperativismo (Decreto-Lei nº101-H/90, a lei caboverdeana do cooperativismo), segundo a qual as cooperativas [...] são agrupamentos de pessoas, de livre constituição, de composição e capital variáveis, e que, na base da cooperação e entre-ajuda dos seus membros e na observância dos princípios cooperativos, prosseguem, sem fins lucrativos, objectivos económicos, sociais e culturais comuns, através de uma empresa. (p.15)

Pode-se notar, então, a observância dos princípios cooperativistas já discutidos. Nota-se que o Estado pretende que o cooperativismo seja independente, ou pelo menos auto-sustentável. Porém, no trabalho de Évora (2001) podemos notar que a influência do Estado sobre as cooperativas de consumo é mais forte, pois elas não conseguiram fazer frente aos comerciantes e não costumam ter sobras. Segundo o Sr. José Barbosa, Presidente da Federação Nacional das Cooperativas de Consumo, filiada à ICA, depois da Independência de Cabo Verde o cooperativismo teve certa força, mas veio a enfraquecer depois da abertura política em 1991. Atualmente, detectada a sua importância para uma sociedade frágil como a de Cabo Verde, voltou-se a dar ao cooperativismo a sua importância.

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Palavras do crioulo, língua falada em Cabo Verde. Djuda, em português, significa “ajuda” e djunta-mon pode ser traduzido literalmente como “juntar as mãos”.

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4 A Cooperativa Adalzisa Moniz A Cooperativa Adalzisa Moniz é uma cooperativa mista (ramos de consumo e educação). Está localizada no Paiol do Coqueiro, Cidade da Praia, capital de Cabo Verde, e foi fundada em 1985. A cooperativa foi constituída com mais de 200 sócios, atualmente conta com cerca de 120 cooperados ativos e 3 funcionários. Adalzisa Moniz é uma das poucas cooperativas que foi fundada nos anos 80 e que permaneceu ativa até hoje, mesmo com tantas dificuldades, afirma o Sr. Cardoso presidente da cooperativa (Entrevista 2, 2009). O presidente da cooperativa não possui nenhum nível de escolaridade. Na opinião de um entrevistado, o fato da maioria dos sócios ter baixa escolaridade, intimida e/ou limita alguns deles a participar ativamente na cooperativa (Entrevista 1, 2009). A cooperativa é administrada quase na sua totalidade pelo vice–presidente, que possui um nível de escolaridade mais alto em relação aos outros sócios. As atividades da cooperativa são a comercialização de produtos para consumo e o ensino préescolar para os filhos dos cooperados e da comunidade onde se encontra inserida. A cooperativa foi fundada graças à solidariedade e ajuda mútua dos sócios. Todos os sócios antigos contribuíram com mão de obra para a construção do estabelecimento comercial. Na ocasião, homens e mulheres buscaram pedras, areia, água entre outros materiais de construção para a concretização do espaço físico. Alguns cooperados entendiam de construção e foram importantes nesta fase. As mulheres, na maioria das vezes, faziam as refeições para os trabalhadores. Pode-se dizer que a construção da cooperativa Adalzisa Moniz aconteceu com base no Djunta-mon. A cooperativa opera com venda à vista para toda a comunidade, apenas aos sócios é facultada a compra a crédito, que consiste na principal modalidade de venda a este público. De acordo com o presidente da cooperativa, atualmente existe uma inadimplência muito alta, que prejudica o desenvolvimento da organização. No início de 2009 a cooperativa teve que fechar as portas para se reestruturar e tomar algumas decisões em relação a seu futuro. A grande crise enfrentada por ela foi causada, segundo seu presidente, pela baixa participação dos sócios e pela falta de recursos (Entrevista 1, 2009).

5 Procedimentos Metodológicos Dentro deste contexto esta pesquisa de cunho qualitativo foi realizada junto aos cooperados da cooperativa Adalzisa Moniz. Para Triviños (1992), a pesquisa qualitativa é uma oportunidade de analisar os aspectos implícitos ao desenvolvimento das práticas organizacionais. Trata-se de um estudo de caso realizado mediante pesquisa exploratória e descritiva, por meio dados primários e secundários. Os dados primários compreenderam a observação não participante, entrevistas e aplicação de questionário. As fontes secundárias consistiram em levantamento bibliográfico e consultas à internet. Para Yin (2001) o estudo de caso é um caminho para compreensão de fenômenos individuais, organizacionais, sociais e políticos. É um método utilizado quando se trata de um objeto de estudo específico em busca de uma investigação única. Ainda, o estudo de caso se caracteriza como um tipo de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa profundamente (GODOY, 1995; YIN, 2001). Foram realizadas entrevistas iniciais exploratórias com o Sr. José Barbosa, presidente da Federação Nacional das Cooperativas de Consumo, além do presidente e o vice-presidente da 129

cooperativa. Para Alencar e Gomes (1998), as entrevistas consistem na técnica mais utilizada em pesquisas sociais, podendo ser combinada com outras técnicas. Apesar da língua oficial de Cabo Verde ser o português, o questionário aplicado foi adaptado ao Crioulo (idioma local, falado pela maioria dos cooperados), com o objetivo de facilitar o entendimento das questões. No questionário, adaptado de Braga e outros (2002), a prática dos princípios cooperativistas foi abordada de maneira indireta. Foram realizados 10 questionários com cooperados ativos, o que corresponde a 7,5%. A amostragem foi por conveniência, dado reduzido tempo de permanência em Cabo Verde e a extensão do questionário. Outro fator limitante foi o fato da cooperativa estar fechada neste período. A análise de dados foi feita a partir do referencial teórico adotado para este trabalho, especificamente através do resgate dos princípios cooperativistas em sua atual configuração definida pela International Co-operative Alliance- ICA. Os dados coletados no campo permitiram a interpretação e a análise da situação da cooperativa Adalzisa Moniz. 6 Análise dos Resultados Apesar da interdependência e complementaridade entre os princípios cooperativistas, os resultados foram organizados por cada um deles, por uma questão de facilidade de sistematização.

A- Adesão Livre e Voluntária Segundo o vice-presidente da cooperativa, apenas quando um cooperado sai da organização com dívidas não tem sua entrada aceita, caso tenha interesse em retornar. Com exceção desta situação, não há restrições à entrada de cooperados. Na pesquisa com os cooperados, foram citados os seguintes critérios para a adesão à cooperativa: renda mínima, objetivos comuns, experiência de trabalho, não ser afiliado a partido político e não possuir descendência ou etnia específica. 40% dos entrevistados disseram não haver critérios, ou seja, todos podem se associar à cooperativa. Desta forma, entende-se que a cooperativa segue o princípio cooperativista da Adesão Livre e Voluntária, sendo que a exceção citada pelo vice-presidente, parece ter um motivo que justifica a proibição. No entanto, dentre os associados, a maioria dos que responderam ao questionário (60%) não conhece bem os critérios de acesso à organização.

B- Gestão Democrática Pelas respostas dos questionários pode-se constatar que os cooperados que responderam desconhecem este princípio. A cooperativa é gerida quase na totalidade pela diretoria, 80% dos cooperados que responderam ao questionário apontaram que a gestão da cooperativa fica a cargo da diretoria e que, cabe a ela elaborar as pautas discutidas e tratadas nas assembléias. A metade dos associados apontou que o perfil ideal para ser associado à cooperativa é ser atuante e participativo, no entanto, foi percebido o baixo percentual de participação nas assembléias. Outra 130

característica do perfil ideal do cooperado, apontada por 40% dos respondentes, é a execução de um grande volume de operações com a cooperativa. Em relação à presença na última assembléia da cooperativa, dentre os respondentes, 40% apontaram que houve menos de 10% de presença na assembléia da cooperativa. Outros respondentes discordaram: 30% deles acreditam que houve entre 10% e 30% e 20% alegam uma presença entre 30% a 50%. A presença em assembléia é um dos principais instrumentos de participação dos cooperados na organização, apesar de não ser o único. No entanto, na assembléia observada durante esta pesquisa, notou-se que essa participação não aconteceu. Outra questão importante é o destino das sobras da cooperativa. Segundo 90% dos cooperados que responderam ao questionário, o destino das sobras é decidido pela diretoria. Esta situação não corresponde a existência do princípio da Gestão Democrática na cooperativa em foco.

C- Participação econômica dos membros A cooperativa Adalzisa Moniz define no estatuto que o número máximo de quota-partes que o cooperado pode ter é de 5.000$00 (cinco mil escudos caboverdianos). Dos cooperados que responderam ao questionário, 50% acreditam que ao sair da cooperativa não irão receber as suas quotas-partes de volta e 30% não souberam responder a esta questão. Segundo o vice-presidente, normalmente as sobras da cooperativa são destinadas para melhoria/ampliação dos serviços disponíveis aos cooperados. O mesmo salientou que já houve, por duas vezes, distribuição de sobras aos associados, mas não de forma proporcional, como estabelece o princípio. Outro problema latente é a inadimplência, que levou a cooperativa a parar suas atividades para se reestruturar. Percebe-se a partir destas informações que há a necessidade de repensar o modelo de crédito adotado, juntamente com a participação dos cooperados,.

D- Autonomia e Independência Dos princípios cooperativistas analisados este talvez seja o de mais difícil observação, dada a sua subjetividade. Braga e outros (2002) apontaram a mesma dificuldade em seu estudo. Foi perguntado aos cooperados se existia algum acordo ou contrato com outra instituição que limitasse as decisões da cooperativa. A metade dos entrevistados não soube informar, porém, um cooperado disse que existe esta situação na cooperativa, fato que fere o princípio em análise. Outra pergunta tratou da concentração da movimentação da cooperativa por um cooperado, foi questionado se havia algum cooperado responsável por mais de 10% desta movimentação, o que caracterizaria esta concentração. Segundo a opinião de 30% dos cooperados que responderam ao questionário, esta situação se apresenta na cooperativa; 40% não souberam responder e 30% responderam que não há nenhum cooperado nesta situação. Quanto à concentração, caso realmente exista, ela não indica necessariamente que o princípio não esteja sendo observado, mas dá indícios de aumento do poder individual de um cooperado que pode ou não restringir a autonomia e independência da cooperativa. 131

E- Educação, formação e Informação O principal meio de comunicação da cooperativa, segundo os cooperados que responderam ao questionário, é o boca a boca, indicado por 80% dos entrevistados. Foram citados também: as reuniões (50%), as circulares/boletins/correspondência (40%), o rádio (30%) e o mural (10%). Nota-se que o boca a boca é reconhecido pelos cooperados como uma importante ferramenta de comunicação, porém, justamente por ser informal e descontinuado, este tipo de informação pode ser prejudicial à cooperativa, pois as informações podem chegar truncadas e sem o sentido original. O boca a boca é importante e mostra uma característica dos cooperados da Adalzisa Moniz, ou seja, contato direto e pessoal. Porém, quando caracterizado como principal meio de comunicação pode representar problemas para a cooperativa. A metade dos cooperados que participou da pesquisa já esteve presente em congressos/seminários sobre cooperativismo. A cooperativa realiza palestras e cursos para os cooperados, funcionários e comunidade em geral, porém, apenas 30% deles indicaram que existe um curso sobre cooperativismo para os que ingressam na organização. Não existe um departamento ou comitê que desenvolva educação cooperativista, o que pode ser uma das explicações para a baixa presença em assembléia. Pelas respostas analisadas pode-se notar que a cooperativa realiza cursos e treinamentos que abrangem inclusive a comunidade, porém, seria interessante a criação de um comitê ou departamento que sistematizasse e planejasse esta atuação. Outro aspecto a ser destacado é a fragilidade do processo de comunicação, baseado no boca a boca, é preciso o desenvolvimento de uma estratégia que privilegie outros meios mais formais.

F- Intercooperação Segundo o Sr. José Barbosa, presidente da FENACOOP, esta instituição é responsável pela importação e fornecimentos de produtos para todas as cooperativas de consumo em Cabo Verde, relembrando que o país depende da produção externa de alimentos. A FENACOOP foi criada com o intuito de fortalecer as cooperativas de consumo. A idéia da federação nacional de consumo é o resultado da União de Cooperativas de diversas ilhas, pois as cooperativas tinham dificuldade na importação dos produtos para a comercialização. A metade dos cooperados não soube precisar a relação entre a FENACOOP e a Adalzisa Moniz. Existem parcerias entre a Adalzisa Moniz e outras cooperativas para a troca de informações, tecnologia, compras ou outra atividade, segundo metade dos cooperados que responderam ao questionário. A outra metade soube informar. Segundo 40% destes cooperados existem encontros entre cooperativas para discussão de interesses e eventuais comemorações.

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G- Interesse pela comunidade A grande maioria (80%) dos cooperados respondentes aponta diversos programas sociais realizados pela cooperativa na comunidade, como: aulas para adultos e crianças, campanha de limpezas nas ruas, escolas, formação superior para os filhos de associados mais carentes, dentre outros. Perante os programas apresentados percebe-se que a cooperativa tem especial atenção com este princípio, fato que representa uma importante contribuição para a comunidade. Porém, estes programas, por não serem decididos pela maioria dos cooperados, tem dificuldades diante da baixa presença em assembléia e pela concentração das decisões na diretoria. De acordo com o apresentado, o Quadro 2 demonstra a síntese dos resultados da pesquisa. Princípio Cooperativista Adesão Livre e Voluntária

Pontos Fortes

Pontos Fracos

- Praticamente não há restrições à entrada

Gestão Democrática

- Desinformação de parte dos cooperados sobre os critérios de adesão à cooperativa - Baixa participação em assembléias - Parte dos cooperados delega a gestão à diretoria (decisão sobre o destino das sobras, por exemplo)

Participação Econômica dos Membros

- A cooperativa já obteve sobras

- Desinformação por parte dos cooperados quanto ao funcionamento da cooperativa - Altos índices de inadimplência

Autonomia e Independência

Não foi possível identificar a prática do princípio, houve um indício isolado de limitação nas decisões

Educação, Formação e Informação

- Existem cursos de cooperativismo para cooperados, funcionários e comunidade - Cooperados participam de congressos/seminários sobre cooperativismo

Intercooperação

- A cooperativa faz parte da FENACOOP

- O principal meio de comunicação da cooperativa é informal (boca a boca) - Não existe departamento ou comitê que trate de educação cooperativista - Desinformação dos cooperados sobre os cursos - Desinformação dos cooperados sobre a relação com a FENACOOP e as parcerias da cooperativa

- A cooperativa tem parcerias com outras cooperativas Preocupação com a Comunidade

- A cooperativa realiza diversos programas para desenvolvimento da comunidade

133

- Os programas devem ser discutidos e aprovados pelos cooperados, o que é dificultado pela baixa presença em assembléia

Fonte: Dados da Pesquisa, 2009. Quadro 2 – Síntese dos Pontos fortes e Fracos da Cooperativa Adalzisa Moniz na prática dos Princípios Cooperativistas Pelo Quadro 2 pode-se notar que a cooperativa Adalzisa Moniz ainda tem um caminho a percorrer para a efetivação da prática dos princípios cooperativistas. Nota-se que a cooperativa é importante para a comunidade, foi construída pela e para a comunidade, apesar dos atuais problemas.

7 Considerações finais As formas tradicionais de cooperação em Cabo Verde Djuda e Djunta-mon são arranjos interessantes de auto-ajuda da população. A própria construção da cooperativa partiu do Djuntamon, o que nos aponta para um potencial de cooperação já sedimentado no povo caboverdiano. Porém, a construção do cooperativismo de cima para baixo, como relata Évora (2001), tem apresentado problemas. Situação próxima ao caso brasileiro onde esta ação do Estado também ocorreu com frequência, trazendo problemas para a sustentabilidade das cooperativas. O cooperativismo pode e deve ser estimulado pelo Estado, mas não controlado por ele. Quem constitui as cooperativas são os cooperados, esta ação não cabe aos órgãos de fomento, cabe a eles apresentar o cooperativismo, por meio de cursos, palestras, enfim, informação. No caso brasileiro temos as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, vinculadas a Instituições de Ensino Superior, que acompanham os empreendimentos até que consigam continuar por si próprios, talvez este modelo seja interessante para Cabo Verde. No caso da cooperativa Adalzisa Moniz, sugerem-se estudos mais aprofundados sobre a visão que os cooperados têm da cooperativa, bem como um intenso programa de educação cooperativista com duplo objetivo, levar mais informação aos cooperados e (re)despertar o seu espírito comunitário. A cooperativa deve ser (re)construída com os cooperados e não para eles, pois assim terá alicerces firmes para o futuro.

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136

Sociograma da Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares28

André Siqueira Rennó José Roberto Pereira Luiza Michetti Mendes Santos

Resumo: O objetivo deste artigo é identificar e analisar a rede de relacionamento entre incubadoras que formam a Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, visualizando o grau de interação, ou seja, sua intensidade medida pela freqüência do relacionamento. Compreende-se rede social como um conjunto de participantes autônomos, unindo idéias e recursos em tornos de valores e interesses compartilhados (MARTELETO, 2001). A abordagem empregada utiliza procedimentos de natureza quantitativa. Para obtenção dos dados analisou-se um instrumento de comunicação e relacionamento formal e de livre acesso a todos os participantes das 41 ITCPs - o grupo da Rede de ITCPs no site “Yahoo! Grupos”. O resultado final foi um sociograma que representa, graficamente, os vínculos sociais existentes entre as incubadoras vinculadas às 41 ITCP no meio virtual do “Yahoo! Grupos”.

1. INTRODUÇÃO Desde meados da década de 1990 essa forma de organização do trabalho vem ganhando força no Brasil. As cooperativas populares são empreendimentos democráticos que se baseiam na solidariedade entre seus membros. Tais empreendimentos vêem sendo fomentados pelas universidades desde 1995, por meio das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), que compõem a Rede Nacional de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, que constitui objeto de análise deste estudo. O objetivo principal da Rede de ITCPs é constituir um espaço de troca de conhecimentos de caráter metodológico, teórico e prático entre as incubadoras filiadas, bem como disseminar conhecimentos sobre cooperativismo, autogestão, economia solidária e gestão social. Essa Rede surge para integrar de forma dinâmica as incubadoras e favorecer a transferência de tecnologias e conhecimentos. Portanto, a Rede de ITCPs constitui uma rede social. Compreende-se por rede social como um conjunto de participantes autônomos, unindo idéias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados, como se refere o estudo de Marteleto (2001). O objetivo deste estudo é identificar e analisar a rede de relacionamento entre as incubadoras da Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares visualizando o grau de interação, ou seja, sua intensidade medida pela freqüência do relacionamento. Para isso foi necessário elaborar um sociograma das referidas relações demonstrando seus vínculos sociais. Espera-se que o resultado da analise possa vir a ser útil para o 28

Este artigo é um dos resultados da pesquisa financiada pela FAPEMIG “Gestão Social da Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares na Geração de Trabalho e Renda”. Os autores agradecem o apoio financeiro da FAPEMIG.

137

meio acadêmico e principalmente para as pessoas interessadas tanto na área de redes sociais de relacionamento quanto na área de gestão social, economia solidária e cooperativismo.

2. INCUBADORAS TECNOLOGICAS DE COOPERATIVAS POPULARES (ITCPs), ECONOMIA SOLIDÁRIA E COOPERATIVISMO POPULAR De acordo com o Estatuto da Rede de ITCPs, os princípios que a norteiam são os seguintes: “Reafirmar o papel da universidade como um lócus de produção e socialização de conhecimento, com autonomia crítica e produtiva; Desenvolver e disseminar conhecimentos sobre cooperativismo e autogestão, contribuindo para o desenvolvimento da economia solidária; Estimular a intercooperação promovendo a produção e a socialização dos conhecimentos entre as incubadoras, e destas com o meio universitário, outras redes afins e a sociedade; Trabalhar na constituição, consolidação e integração das cooperativas populares, fortalecendo, subsidiando e respeitando a autonomia dos fóruns e redes que estão integradas.” O sentido de rede social envolvendo diferentes tipos de organizações está presente no Estatuto da Rede de ITCPs, Art. 2º, As Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares são agentes de um processo educativo para a cooperação e a auto-gestão, constituindo-se como projetos, programas ou órgãos das Universidades com a finalidade de dar suporte à formação e ao desenvolvimento de Cooperativas Populares e da Economia Solidária. As Incubadoras buscam articular multidisciplinarmente áreas de conhecimento de universidades brasileiras com grupos populares, no intuito de gerar trabalho e renda. Portanto, a Rede de ITCPs está intimamente relacionada com economia solidária e com o cooperativismo. A economia solidária, de acordo com Singer (2000, p.13), é uma criação em processo contínuo de trabalhadores em luta contra o capitalismo. Alcântara (2003, p. 33) considera que a economia solidária é formada por empreendimentos que se caracterizam como solidários e autogestionários: São solidários porque dividem os custos do investimento e repartem os lucros e são autogestionários porque os próprios trabalhadores administram o empreendimento. De acordo com Singer (2000, p.14), essa economia deve ser compreendida a partir da contraposição ao capitalismo, pois o capitalista possui os meios de produção e poderes para submeter os trabalhadores, enquanto que na economia solidária os meios de produção são dos trabalhadores e não há relações de subordinação, todos se relacionam em igualdade de direitos e de condições. Neste sentido, França Filho (2002) considera que a economia solidária, enquanto modo de regulação, e não como modo de produção, apresenta características que envolvem a hibridação de economias (ou de recursos), pois articulam as economias de natureza não-mercantil, mercantil e não-monetária, bem como a construção conjunta da oferta e da demanda, onde os serviços são concebidos e propostos em função de necessidades sociais reais expressas localmente (França Filho, 2002, p.125). Este autor declara que é preciso ultrapassar a concepção de que 138

somente a economia de mercado capitalista gera riquezas. Dessa forma, esse autor considera que convivem, simultaneamente, na sociedade o que chama de economia plural. Por outro lado, Singer (2000) analisa que a economia solidária é praticada por muitos trabalhadores em vários países nos últimos dois séculos, obtendo resultados importantes para vencer a luta contra a exploração capitalista, como sintetiza abaixo: Homens e mulheres vitimados pelo capital organizam-se como produtos associados tendo em vista não só ganhar a vida, mas reintegrar-se à divisão social do trabalho em condições de competir com as empresas capitalistas; Pequenos produtores de mercadorias, do campo e da cidade, se associam para comprar e vender em conjunto, visando economias de escala, e passam eventualmente a criar empresas de produção socializadas, de propriedades deles; Assalariados se associam para adquirir em conjunto bens e serviços de consumo, visando ganhos de escala e melhor qualidade de vida; Pequenos produtores e assalariados se associam para reunir suas poupanças em fundos rotativos que lhes permitem obter empréstimos a juros baixos e eventualmente financiar empreendimentos solidários; Os mesmos criam também associações mútuas de seguros cooperativos de habitação, etc. (Singer, 2000, p.14).

Alcântara (2003) argumenta que enquanto para Singer o indivíduo excluído do mercado de trabalho formal se sente propenso a investir em um empreendimento cooperativo, para ela o que acontece é que na ausência de outras possibilidades “o indivíduo se vê impelido a agir e a buscar resultados rápidos, por isso se dispõe a cooperar”. Segundo Alcântara (2003, p. 44) “cooperação, pressão econômica e exclusão são itens cruciais para o debate da Economia Solidária”. Em se tratando de cooperativas, Schneider (1999, p. 420) apresenta os principais aspectos da história do cooperativismo no Brasil. Esse autor se refere à Constituição de 1988 como um marco de grande mobilização e organização popular no país, que possibilitou a conquista da autonomia do cooperativismo frente ao Estado. Schneider (1999) reafirma que o papel do governo é continuar colaborando com o cooperativismo, mas quando for do interesse das cooperativas com vistas ao desenvolvimento.

3. ANÁLISE DE REDES SOCIAIS Para iniciar a discussão a respeito da analise de redes é importante destacar alguns conceitos e características que nortearão o estudo. Marteleto (2001) define a rede social como uma representante de participantes autônomos, unindo idéias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados. A autora salienta que o “trabalho pessoal em redes de conexões é tão antigo quanto a historia da humanidade”. Segundo ela as redes sociais mesmo nascendo de uma esfera informal de relações sociais elas influenciam fora de seu espaço (a própria rede) nas interações com o Estado, com a sociedade e com outras instituições representativas. Marteleto (2001) afirma que decisões no nível micro são influenciadas pelo nível macro, sendo a rede a intermediária. Já segundo Tomael, Alcará e Di Chiara (2005, p.94) afirmaram que: “A rede, que é uma estrutura não-linear, descentralizada, flexível, dinâmica, sem 139

limites definidos e auto-organizável, estabelece-se por relações horizontais de cooperação. (...) Redes sempre pressupõem agrupamentos, são fenômenos coletivos, sua dinâmica implica relacionamento de grupos, pessoas, organizações ou comunidades, denominados atores.” Tomael, Alcará e Di Chiara (2005) ainda ressaltam que como a vida em sociedade do ser humano é repleta de relações essas, por sua vez, estruturam a sociedade em rede que vivemos. Tendo em vista que as redes sociais são largamente utilizadas pela sociedade para compartilhamento de informações e de conhecimento, elas constituem um meio de interação e troca entre atores. Na analise de rede a unidade de analise não são os atributos individuais (classe, sexo, idade, gênero), mas sim as interações estabelecidas entre os indivíduos. Marteleto (2001) afirma que a analise de redes é um meio para realizar a analise estrutural, seu objetivo é mostrar que o formato da rede explica os fenômenos analisados. Pode-se dizer que uma rede não possui uma hierarquia, pois suas relações são horizontalizadas orientadas por uma lógica associativa. Abordando Redes de Movimentos Sociais Marteleto (2001) ressalta a mudança na estratégia dos movimentos sociais, esses que são definidos como um tipo de ação coletiva orientada para a mudança, em que uma coletividade é dirigida de modo não hierárquico por um ator social. Marteleto (2001, p.73) afirma que: “Esses indivíduos se unem por serem submetidos às mesmas pressões sociais ou porque enfrentam os mesmo obstáculos e dificuldades. Anteriormente as reivindicações de políticas sociais eram sua principal estratégia, porem agora se pensa em um caminho complementar, de solução autônoma dos problemas por parte da sociedade.” Marteleto (2001) identifica um ponto importante no enfoque das redes de movimentos, observando que essa deixa transparecer a evidencia de que as redes de movimentos sociais possuem dinâmicas sociais de duas maneiras. Sua lógica de existência e funcionalidade mostra essa dinâmica social esta entre o comunitário e o associativo. Se tratando de analise de redes o sociograma é um grafo que representa o relacionamento existente dentro de uma rede. Uma forma de analise do sociograma é analisar a centralidade. Marteleto (2001) define três tipos de centralidade, são elas: centralidade da informação, centralidade de proximidade e centralidade de intermediação. A centralidade de informação condiz com o individuo sendo central em relação a informação, ou seja, quando esse individuo recebe informações de grande parte da rede tornando-se assim uma fonte estratégica Na centralidade de proximidade quão central é o ator menor o caminho que ele precisa percorrer para alcançar os outros elos da rede. Em ultima analise isso mede a independência desse ator em relação ao controle de outros atores. Já a centralidade de intermediação mede o potencial de o ator servir de intermediário, ou seja, servir como “ponte” para facilitar o fluxo de informação dentro da rede Para Granovetter (1983) os laços sociais existentes nas redes interpessoais podem ser classificados com fortes e fracos, e são os laços fracos que ampliam os limites das redes. Dessa maneira, se temos uma relação forte entre AB e AC, conseqüentemente, poderá existir uma 140

relação fraca entre BC. Assim, A funcionaria como ponte, e o relacionamento entre B e C representaria a expansão dessa rede social. Além disso, a velocidade da informação e sua confiabilidade se dão através das figuras centrais (nós) e marginais na rede, o que enfatiza a importância dos laços fracos para que as figuras centrais atinjam mais pessoas sem que haja perda de confiança. Na definição de Tomael (2005) as redes sociais se constituem como espaços para proliferação de informação e de conhecimento. O processo de conhecimento surge a partir da informação com valor agregado. Para o autor o conhecimento “precisa ser transformado, desenvolvido e trabalhado dentro das organizações, caso contrário ele será apenas um aglomerado de informações sem importância”. Assim, ele deve ser assimilado pelos indivíduos ou pelas organizações, e incorporados a saberes e experiências anteriores para que leve à uma ação. Dentro das redes sociais há constante troca de informação e conhecimento. Para Tomael (2005, p.95) existem dois tipos de interações, as que ocorrem por contato direto (face a face) e as que ocorrem pelo contato indireto, utilizando-se um veículo mediador, como a Internet, o telefone e outros. Um exemplo de rede social por contato indireto pode ocorrer através de softwares sociais, como o Yahoo! Grupos e o orkut, que possibilitam a interação de grupos com interesses em comum. Independente do contato direto ou indireto entre os atores da rede social, o fato é que troca de informação e conhecimento é o que movimenta as redes. Dessa forma o autor conclui que as interações entre os atores das redes sociais são responsáveis pelo compartilhamento de informações e experiências e essas tem como o objetivo atingir o aprendizado organizacional e conseqüentemente contribuir para a construção de novos conhecimentos, ou seja, as redes são responsáveis para ajudar na existência da inovação.

4. METODOLOGIA O objeto dessa pesquisa foram as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares pertencentes à Rede Universitária de ITCPs, totalizando 41 incubadoras que estão espalhadas pelas cinco regiões do Brasil. Esse objeto de pesquisa foi escolhido tendo em vista que até hoje não exista nenhuma pesquisa que demonstre o relacionamento de todas as ITCPs pertencentes à essa rede. As ITCPs pertencentes à essa rede estão vinculadas as seguintes instituições de ensino superior: FSA, UCPEL, USP, UNEB, UFJF, UFSCAR, UFSJ, UFPR, UFRJ, UFRPE, FURB, UFV, UFLA, UEMS/ DOURADOS, UNICAMP, UNOCHAPECO, CEFET/BA, UFMS, UNISINOS, CEFET/RJ, UNICERP, FEEVALE, UFES, UNILASALLE, FAFIRE, FGV, FURG, UCASL, UNOESC, UNIVALI, UNIMONTES, UEPG, UNESP FRANCA, UNESP ASSIS, UFBA, UFGD, UNIFEI, UFRGS, UFT, UNIFACS e UNIJUI. A Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares foi iniciada em 1999. A proposta da rede é vincular de forma interativa e dinâmica as Incubadoras, favorecendo a transferência de tecnologias e conhecimento. O nosso estudo nessa pesquisa é justamente as interações existentes entre as ITCPs dentro do âmbito da Rede Universitária. As principais ferramentas utilizadas para obtenção dos dados dessa pesquisa foram computadores com acesso a Internet, acesso ao Yahoo! Grupos da Rede Universitária de ITCPs e 141

conhecimento sobre o software PAJEK para criação do sociograma final da rede. A abordagem empregada utiliza procedimentos de natureza quantitativa. Primeiramente para obtenção dos dados analisou-se um instrumento de comunicação e relacionamento formal e de livre acesso a todos os participantes das 41 ITCPs - o grupo da Rede de ITCPs no site “Yahoo! Grupos”. Instrumento esse disponível na Internet no site do “Yahoo!” Este procedimento teve por objetivo identificar os relacionamentos formais na Rede de ITCPs, podendo categorizar assim, entre outros fatores, a relação e a centralidade de atores neste instrumento de comunicação. Foram analisados os e-mails postados desde a data 20/09/2006 à data 28/04/2009, obtendo assim, uma amostra de 2.178 mensagens. Os e-mails foram classificados em dois grupos: RELAÇÃO e DIVULGAÇÃO. Classificamos os emails como sendo de RELAÇAO quando a mensagem era direcionada a uma pessoa ou mais pessoas de forma pessoal e exclusiva, caracterizando assim uma relação entre o remetente e o destinatário. Já os emails classificados como DIVULGAÇÃO foram assim nomeados, pois consistiam em emails que eram direcionados a todos os membros da rede, como por exemplo: divulgação de informações de interesses de todos, divulgação de eventos, tais como congressos e encontros, editais/financiamento e notificações de arquivos carregados no site. Apenas o primeiro grupo RELAÇÃO foi utilizado para a elaboração do sociograma final. Após a análise das informações fornecidas pelo “Yahoo! Grupos”, os dados foram tratados no software denominado PAJEK que forneceu um sociograma com laços não orientados e valorados possibilitando a visualização da rede de relacionamento entre os membros da Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares.

5. SOCIOGRAMA DA REDE UNIVERSITARIA DE INCUBADORAS TECNOLOGICAS DE COOPERATIVAS POPULARES 5.1 SOCIOGRAMA Essa pesquisa obteve como resultado um sociograma da Rede Universitária de ITCPs demonstrando a interação entre as incubadoras envolvidas (Figura 1).

142

FIGURA 1. SOCIOGRAMA DA REDE UNIVERSITÁRIA DE ITCPs Na analise do sociograma encontrado na pesquisa podemos discutir alguns aspectos importantes demonstrados através da centralidade, do grau de interação e dos laços existentes na Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares.

143

5.2. CENTRALIDADE NA ANALISE DE REDES A centralidade é definida como a quantidade de relações que se coloca entre um ator e outros atores. Isso quer dizer que os atores que são mais centrais são os que possuem maior quantidade de relações com outros atores e, por isso, desenvolvem um papel mais importante dentro de determinada rede. O quadro a seguir nos permite visualizar melhor os resultados obtidos com relação a centralidade das ITCPs dentro da rede (Quadro 1): ITCPs

CENTRALIDADE

1

UFSJ

0.6768293

2

UFRPE

0.6768293

3

USP

0.6630164

4

UNEB

0.6497561

5

FURB

0.6247655

6

UCPEL

0.6016260

7

UNISINOS

0.5699615

8

UFRGS

0.5699615

9

UNIFEI

0.5601346

10

UFRJ

0.5506408

11

UFV

0.5414634

12

UNICAMP

0.5414634

13

UFT

0.5414634

14

UNILASALLE

0.5325870

15

UFJF

0.5325870

16

FGV

0.5076220

17

UFSCAR

0.5076220

18

CEFET/BA

0.5076220

19

UNIFACS

0.4998124

20

UFPR

0.4998124

21

UFLA

0.4922395 144

22

FURG

0.4848926

23

UNOCHAPECO

0.4848926

24

CEFET/RJ

0.4777618

25

FSA

0.4708378

26

UNIMONTES

0.4575747

27

UNESP ASSIS

0.4575747

28

UEMS

0.4450384

29

UNIJUI

0.4274711

30

UNIVALI

0.4219195

31

FEEVALE

0.4165103

32

UNOESC

0.4112380

33

UFBA

0.4060976

34

UNESP FRANCA

0.4010840

35

UFMS

0.3822095

36

FAFIRE

0.3531283

37

UEPG

0.3531283

38

UNICERP

0.0000000

39

UFES

0.0000000

40

UCSAL

0.0000000

41

UFGD

0.0000000

Quadro 1 – Centralidade das ITCPs Pode-se identificar a existência de relações entre a maioria das incubadoras que compõe a Rede, através do meio virtual do “Yahoo! Grupos”, sendo que apenas quatro ITCPs mantiveramse inativas durante a análise dos dados, são elas: UNICERP, UFES, UCSAL e UFGD. Porém esse fato não exclui a relação dessas ITCPs com a Rede através de outros meios de comunicação, uma vez que, nessa pesquisa foi analisada apenas a plataforma virtual de interação entre os membros que compõem a rede. Os dados estatísticos indicaram uma Média Aritmética equivalente à 0.4560774, e uma Mediana no valor de 0.4922395. O desvio padrão foi de 0.1705135 indicando a medida de dispersão dos dados em relação a média. Podemos, assim, calcular uma variância de 0,029074853 145

que nos revelará quão longe em geral os valores das centralidades das ITCP’s se encontram do valor esperado. A centralidade da ITCP-UFLA é o valor da mediana, ou seja, é a tendência central dos dados. Assim 50% das ITCPs possuem uma centralidade superior ou igual à UFLA, e as outras 50% possuem valores inferiores ou iguais a mesma. As cinco ITCPs mais centrais no sociograma final dessa pesquisa foram UFSJ, UFRPE, USP, UNEB e FURB. Isso quer dizer que essas incubadoras desempenham papel importante dentro da rede, pois são as que mais interagem e se relacionam dentro do ambiente virtual do “Yahoo! Grupos”, contribuindo assim para o fortalecimento da Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares. Para ser mais central não basta apenas enviar grande numero de mensagens via “Yahoo! Grupos” é preciso também recebê-las de outras ITCPs. Fazendo um paralelo entre a quantidade de mensagem enviada e a centralidade da ITCP, temos os resultados apresentados no Quadro 2. ITCPs

CENTRALIDADE MENSAGENS

1

UFSJ

0.6768293

79

2

UFRPE

0.6768293

97

3

USP

0.6630164

97

4

UNEB

0.6497561

104

5

FURB

0.6247655

64

Quadro 2 - Quadro Comparativo entre Centralidade e Número de Mensagens Ao analisarmos o quadro acima podemos perceber que a ITCP da UFSJ apesar de possuir a maior centralidade, não foi a que mais enviou mensagens, uma vez que a ITCP da UNEB enviou um total de 25 mensagens a mais que esta. Dessa maneira sua centralidade se justifica pelo fato de ter recebido muitas mensagens de outras incubadoras, desempenhando assim um papel de fonte de informação dentro da rede. Não se pode fazer, a partir desses dados, uma correlação entre essas duas variáveis (centralidade e quantidade de mensagens enviadas), para isto, faz-se necessário um estudo mais aprofundado. A partir do momento que analisamos o sociograma final da pesquisa podemos dizer que existe um alto nível de interação entre as ITCPs. Os traços que ligam uma ITCP a outra demonstram que quanto maior a troca de mensagens (relacionamento) entre determinadas ITCPs mais forte será esse laço de relacionamento e vice-versa. Podemos observar que a existência de traços graficamente “mais grossos” demonstra maior intensidade de relacionamento entre aquelas ITCPs. Como é o caso, por exemplo, da ITCP da UFSJ com a ITCP da FURB. A rede social pesquisada é uma rede bastante ativa. Isso porque as ITCPs se correspondem por mensagens virtuais diariamente de forma intensiva. As trocas de informações e de conhecimento movimentam a rede através dessas mensagens. Esse meio de comunicação, através do contato indireto via um software social, aumenta a interação entre os atores da rede e 146

consequentemente a fortalece. Porém, tal fortalecimento só ocorrerá de fato, se implicar em aprendizagem, ou seja, implicar em conhecimento agregado para os atores da rede, pois é a partir dessa aprendizagem que as ITCPs poderam criar novas metodologias de incubação, assim como fomentar novas políticas públicas.

6. CONSIDERAÇOES FINAIS Marteleto (2001) afirma que a analise de redes é um meio para realizar a analise estrutural, ou seja, é um meio para a compreensão do real relacionamento existente em determinada rede. Dessa maneira a pesquisa contribui para os estudos da Rede de ITCPs. As redes sociais são ambientes propícios a inovações a partir do momento que a troca de informação e conhecimento gera conhecimento agregados aos seus membros. E esse é o principal objetivo dessa rede virtual, manter seus membros informados sobre os acontecimentos relacionados às ITCPs e tratar de assuntos relacionados ao conhecimento metodológico de incubação de cooperativas, aos conteúdos da economia solidária e ao cooperativismo. O sociograma final obtido nessa pesquisa retrata os relacionamentos da Rede Universitária de ITCPs dentro de um instrumento de comunicação aberto a todos os membros da rede, o grupo da rede no “Yahoo! Grupos”. Porém como essa pesquisa observa somente uma das interfaces de relacionamento (a comunicação virtual) pode haver uma discrepância entre a real rede de relacionamento existente e a rede encontrada na pesquisa. Isso porque existem outros meios de comunicação e relacionamento entre os membros como, por exemplo: Encontros Nacionais de Rede de ITCPs, Encontros Regionais, Congressos e Fóruns. Sendo assim, esse é um fator limitante da pesquisa. Os resultados obtidos reforçam um dos princípios da Rede de ITCPs, qual seja: “socialização dos avanços metodológicos, dos conhecimentos e das informações obtidas com as demais Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, no meio acadêmico, em instituições afins e na sociedade em geral” (Pereira, 2008, p. 43). O resultado final dessa pesquisa foi o sociograma da Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares. Espera-se que esse possa servir como objeto de estudo de outras pesquisas e incentive outras pesquisas na área de Análise de Redes Sociais, Rede Universitária de ITCPs, Cooperativismo e Economia Solidária.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALCÂNTARA, Fernanda Henrique Cupertino. “Rede de economia solidária: estrutura do modelo organizacional e sua relação com as instituições sociais.”. In: HECKERT, Sônia Maria Rocha (org.). Cooperativismo Popular: reflexões e perspectivas. Juiz de Fora, Editora UFJF, 2003. COSTA, Larissa et al. (Coord.). Redes: uma introdução às dinâmicas da conectividade e da autoorganização. Brasília: WWF-Brasil, 2003.

147

FRANÇA FILHO, Genauto Carvalho de. “A Perspectiva da Economia Solidária”. In: FISCHER, Tânia (org.). Gestão do Desenvolvimento e Poderes Locais: marcos teóricos e avaliação. Casa da Qualidade: Salvador, 2002. GRANOVETTER, M. The Strength of Weak Ties: A network theory revisited. Sociological Theory, Volume 1, 201-233. 1983. MARTELETO, R. M. Análise de redes sociais - aplicação nos estudos de transferência da informação. Ci. Inf., Brasília, v. 30, n. 1, 2001. MARTELETO, R. M. Redes e capital social: o enfoque da informação para o desenvolvimento local. Ci. Inf., Brasília, v. 33, n. 3, p.41-49, set./dez. 2004. PAJEK versão 1.24. Program for Analysis and Visualization of Large Networks. Reference Manual List of commands with short explanation version 1.24. TOMAÉL, M. I; ALCARÁ, A. R; DI CHIARA, I. G. Das Redes Sociais a Inovação. Ci. Inf., Brasília, v. 34, n. 2, p. 93-104, maio/ago. 2005 TOMAÉL, M. I.; MARTELETO, R. M. Redes sociais: posições dos atores no fluxo da informação. R. Eletr. Bibliotecon. Ci. Inf., n.esp, p. 75-91, 2006. Disponível em: . Acesso em: 13 dez. 2008. VIEIRA, F. M. Coerência e aderência da economia solidária: um estudo de caso dos coletivos de produção do MST em Mato Grosso do Sul. 2005. 456p. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo. PEREIRA, J. R. Constituição de Cooperativas. Lavras: UFLA, 2008. Notas de Aula. PEREIRA, J. R. (Coord.). Gestão Social da Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares na Geração de Trabalho e Renda. Lavras: UFLA, 2007. Projeto de Pesquisa. SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. 128p. SINGER, Paul. “Economia solidária: um modo de produção e distribuição”. In SINGER, Paul & SOUZA, André Ricardo de. A economia solidária no Brasil: autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000. 360p.

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Desenvolvimento Territorial, Geração de Renda e Fortalecimento da Autogestão: Uma Análise da Ação de Incubadoras Universitárias de Cooperativas Populares do Brasil Ives Romero Tavares do Nascimento Jeová Torres Silva Jr

Resumo: O surgimento do cooperativismo como uma alternativa às crises socioeconômicas provocadas pelo capitalismo é um fenômeno importante no processo de desenvolvimento humano e de gestão das organizações ao longo dos últimos 150 anos. Contudo, tem-se observado que muitas cooperativas, por falta de suporte gerencial-teórico-metodológico em sua constituição e nos seus processos cotidianos, acabam sendo liquidadas em pouco tempo. Diante disso, universidades brasileiras apontaram um instrumento que buscasse minimizar este problema: as incubadoras universitárias de cooperativas (ITCPs). As ITCP`s passaram a “incubar” esse tipo de empreendimento, destacando-se como pioneiras nesse processo. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar as experiências de algumas ITCPs (UFRJ, UFT, UNISINOS, UFLA e USP) consolidadas em âmbito nacional. Para a verificação da importância destas incubadoras enquanto agentes da realidade destas cooperativas, buscou-se na pesquisa documental, revisão de literatura e em informações obtidos junto àquelas incubadoras. Com a análise dos dados, observou-se que o impacto da atuação das I.E.S. na constituição de cooperativas é positivo, configurando-se como fator de sucesso destas na busca do desenvolvimento territorial atrelado à geração de renda e da autogestão. 1. Introdução O cooperativismo, em linhas gerais, é a união de várias pessoas para atingir um objetivo que abrange benefícios para todos os envolvidos no processo. Seu surgimento remonta ao século XIX, caracterizando-se como uma alternativa a problemas socioeconômicos provocados pela Revolução Industrial. A primeira experiência desse movimento foi a Cooperativa dos Probos Pioneiros Equitativos de Rochdale, surgida em 1844, em Manchester (Inglaterra), como resposta à exploração da força de trabalho na época (CANÇADO, 2007a, p.37). A partir daí, os princípios cooperativistas se espalham pela Europa e Ásia e chegam ao Brasil no século XX. Ao mesmo tempo em que a idéia da cooperação se expandia, os avanços tecnológicos e científicos atrelados à falsa idéia de universalidade do acesso à renda, por meio do capitalismo, formularam uma “falácia” na qual as práticas de mercado acabariam por diminuir as desigualdades sociais. O que pode ser observado é que o consumismo se tornava muito mais enraizado na cultura das sociedades ditas evoluídas ao passo em que muitos outros déficits sociais se agravavam, em áreas como saúde, educação e segurança. Em tempos hodiernos, segundo Suely Chacon (2007, p. 108), O homem é apenas mais um elemento, assim como também é a natureza, que deve ser preservado, úteis que são para a definição e reprodução de um modelo de exploração que se sustenta há séculos, desde que o homem passou a se julgar acima da natureza, desde que achou que a dominava e ela estava a seu dispor. Nessa lógica, ele incluiu também a dominância de seus semelhantes, achando-se também acima deles e, assim, perdendo aos poucos a noção do que é ser humano. Assim, o cooperativismo surge para a parcela da população menos abastada como uma alternativa a problemas comuns em suas realidades socioeconômicas, como a dificuldade de produzir, consumir e acessar crédito. Por sua vez, as constantes crises sociais, econômicas, ambientais e 149

políticas provocadas pelo capitalismo e pela “ineficiência” estatal provocaram o fortalecimento deste modelo produtivo, baseado nos princípios da cooperação, justiça e igualdade, entre outros. Dentro deste modelo, está inserido um outro cooperativismo, usualmente, conhecido como cooperativismos popular. Para Cançado (2007a, p.57), as cooperativas populares podem ser definidas como “organizações autogestionárias de grupos populares, onde a propriedade dos meios de produção é coletiva, integrando três dimensões: econômica, social e política”. Estas cooperativas populares se distinguem das cooperativas tradicionais pelos aspectos econômicos (maioria das vezes são empreendimentos informais e os seus membros estão nas classes sociais de maior vulnerabilidade), administrativos (os empreendimentos não usam qualquer ferramenta, técnica ou processo de gestão sistematizado) e políticos (os membros atuam e usam o empreendimento como forma de emancipação e transformação política). (SINGER, 2003; SILVA JR, 2004; CANÇADO, 2007a). Todavia, as cooperativas populares apresentam firmes dificuldades de manterem-se ativas, em função dos poucos recursos financeiros disponíveis dos seus membros, da quase nula utilização de processos sistematizados de gestão e do problema de acesso à informação. Como estas pessoas necessitam se organizarem em busca da melhoria da renda, o fracasso das cooperativas populares acabam limitando as possibilidades de resolução dos seus problemas socioeconômicos. Assim se inserem as universidades como propulsoras do processo de incubação dessas cooperativas, utilizando-se de todo seu aparato humano e tecnológico em ações de formação, capacitação e acompanhamento desses empreendimentos até o processo denominado de desincubação, quando a cooperativa popular está pronta para caminhar sem a assessoria permanente da incubadora. Estas incubadoras estão em várias IES do país, somando-se no total de 44 incubadoras pertencentes a universidades de todas as regiões do Brasil. Destas incubadoras, selecionamos cinco para o estudo que trata este artigo: as incubadoras da Universidade Federal do Tocantins UFT, Universidade Federal de Lavras – UFLA, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, Universidade de São Paulo – USP e Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Tais incubadores foram selecionadas em virtude de possuírem comprovada experiência no processo de incubação de cooperativas populares. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é analisar as experiências consolidadas das incubadoras de cooperativas populares em âmbito nacional, tomando como base a pesquisa documental, revisão de literatura e análise de informações obtidas junto às incubadoras da UFRJ, UFT, UNISINOS, UFLA e USP. A pesquisa está estruturada da seguinte maneira: o capítulo seguinte trata do marco teórico da análise, onde serão discorridos conceitos chaves para a compreensão deste trabalho. Depois, é apresentado o histórico do processo de incubação de cooperativas populares para, em seguida, serem relatados os casos de incubadoras de sucesso. Ao final, seguem-se as conclusões e logo depois as referências utilizadas em todo o texto. 2. Marco Teórico de Análise Um dos conceitos – chaves que se apresenta para o entendimento das cooperativas populares e conseqüentemente, o processo de incubação por incubadoras universitárias (ITCPs – Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares) é o da economia solidária, que nos últimos anos, tem servido como referencial para dar significado a um conjunto de entidades não pertencentes à iniciativa privada nem à pública, embora mantenha relação com estas, e se caracterizam por um processo produtivo que se apóiam sobre o desenvolvimento de atividades econômicas para a realização de objetivos sociais, concorrendo para a afirmação de ideais de cidadania, voltando-se à geração de trabalho e renda em territórios com populações fragilizadas. Dentre os vários empreendimentos que compõem o fenômeno da Economia Solidária no Brasil, estão as organizações associativas comunitárias, os grupos setoriais produtivos informais e as cooperativas populares. Todas estas organizações passaram, ao longo dos últimos 30 anos, a contemplar um triplo plano de atuação (social, econômico e político). França Filho e Laville 150

(2004, p. 166), apontam em quais características se apóiam os empreendimentos da economia solidária, dentre eles as cooperativas populares: i. A existência da pluralidade de princípios econômicos (reciprocidade, domesticidade, redistribuição e economia de mercado) enfoca que empreendimentos que se utilizam dos princípios da economia de mercado para atingir o bem-estar comum se enquadram como promotores da economia solidária. ii. Os empreendimentos (associações, cooperativas, entre outros) reconhecidos como exemplos de independência frente a outras instituições caracterizam o critério da autonomia institucional. Contudo, ressaltam os autores, nada impede que essas iniciativas estabeleçam acordos, convênios ou relações com outras instituições, preservando sempre sua autonomia. iii. Se o empreendimento é gerido pelos ditames da autogestão, opondo-se à heterogestão, pode ser satisfeito o critério da democratização dos processos decisórios. Aqui, a participação dos integrantes da iniciativa de forma democrática, coletiva. iv. O quarto critério utilizado na identificação da economia solidária em iniciativas é o da sociabilidade comunitário-pública, no qual “sugere o fato de essas formas de organização desenvolverem um modo de sociabilidade singular, ao misturarem padrões comunitários de organização e relações sociais com práticas profissionais” (op. cit.). v. O último critério enfoca a finalidade multidimensional que esses empreendimentos devem ter: o econômico aparece não como objetivo único, mas também como um simples meio pelo qual serão atendidas outras necessidades dos associados, como as culturais, ecológicas, políticas, chegando a considerar que as mudanças devem transcender as barreiras físicas dessas iniciativas, transformando também o meio onde estão inseridas. A economia solidária encontra fulcro nos preceitos da gestão social, a qual também se caracteriza como um novo modelo frente à onda neoliberal capitalista. Apesar de ser – e ter – um conceito ainda em construção, no ateremos, para fins deste trabalho, à gestão social entendida como um modelo de gestão oriundo das perspectivas expostas por França Filho (2008). Este modelo é o “de gestão particular das organizações que atuam em uma esfera que não é a do Estado e do mercado, mas em um espaço público próprio da sociedade civil” (GONÇALVES; SILVA JR, 2009). Como integrante do eixo gestão social/economia solidária, a incubação de cooperativas populares encontra-se como uma forma de promover a melhoria da qualidade de vida daqueles considerados coadjuvantes pelo Mercado. Essa melhoria se dá não com a simples alocação desses indivíduos em um determinado nicho de mercado, mas sim com sua adequação ao mundo consumidor sob uma associação ou cooperativa regrada aos preceitos da economia solidária, tendo a perspectiva da economia solidária (colaboração) como guia dos trabalhos. É com esse entendimento que Singer (2000, p. 13) menciona: A unidade típica da economia solidária é a cooperativa de produção, cujos princípios organizativos são: posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática da empresa ou por participação direta (quando o número de cooperados não é demasiado) ou por representação; repartição da receita líquida entre os cooperadores por critérios aprovados após discussões ou negociações entre todos; destinação do excedente anual (denominado “sobras”) também por critérios acertados entre todos os cooperados. A cota básica do capital de cada cooperador não é remunerada, somas adicionais emprestadas à cooperativa proporcionam a menor taxa de juros do mercado.

151

Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é demonstrar como o processo de incubação de cooperativas é vital para o crescimento da geração de trabalho e aumento da renda da população pouco beneficiada pelas ações estatais e do mercado, impactando na elevação da sua qualidade de vida. Destacamos assim a participação das instituições de ensino superior nesse processo, enfatizando as ações consolidadas por incubadoras de empreendimentos populares e solidários de diversos estados do país. A proposta de incubação de empreendimentos foi iniciada em 1937, quando a Universidade de Standford (Estados Unidos) apoiou tecnologicamente e financeiramente recém-graduados. Na década de 1950, a mesma universidade cria um parque tecnológico fomentando o desenvolvimento tecnológico por meio de ações voltadas à incubação de novas empresas. Aqui no Brasil, o processo de incubação de empreendimentos é bem mais recente, somente em 1984. No caso dos empreendimentos populares e solidários nacionais, compreendidas aí as cooperativas populares, a iniciativa se dá por meio das universidades, configurando-se atualmente como as precursoras deste tipo de ação. A primeira Instituição de Ensino Superior a desenvolver um processo de incubação foi a Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, em parceria com a Gerência de Negócios do Sistema de Cooperativas de Trabalho, por meio de um projeto piloto integrante do Programa Nacional de Cooperativas de Trabalho, elaborado pelo Comitê de Entidades Públicas (COEP), no ano de 1997. O sucesso da incubação das cooperativas atendidas pelo projeto inicial propiciou a outras universidades do país criarem suas ITCPs, iniciaram seus processos de incubação, onde instituições representantes de variados estados brasileiros adotaram metodologias mais adequadas às suas realidades. 3. A Incubação de Cooperativas Populares: Casos de Sucesso O processo de incubação de cooperativas e demais empreendimentos populares baseados na economia solidária não obedece a um padrão universal, cabendo a cada incubadora determinar como conduzirá seu trabalho. No Brasil, várias experiências com diferentes eixos e metodologias conseguiram alcançar suas metas e hoje são referências no processo de incubação de cooperativas. As incubadoras neste trabalho eleitas como exemplos de casos de sucesso assim se configuram por suas consideráveis atuações dentro de seus territórios de abrangência: a incubadora da Universidade Federal do Tocantins (UFT) por esta ser uma instituição notadamente jovem e ser referência em todo o país; a incubadora da Universidade Federal de Lavras (UFLA) por se destacar entre as demais do seu estado no processo de incubação de cooperativas; a incubadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) por ser a pioneira da incubação no país; a incubadora da Universidade de São Paulo – USP e a incubadora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. 3.1. A Incubadora Tecnológica de Cooperativas da Universidade Federal do Tocantins – ITCP/NESol/UFT Apesar de a Universidade Federal do Tocantins ser uma instituição de ensino superior notadamente jovem (06 anos), seus núcleos de pesquisa e extensão já podem ser vistos como centros de referência em todo o país. O Núcleo de Economia Solidária (NESol/UFT), criado em 2006, faz parte desse rol de núcleos de sucesso. O NESol/UFT, tem uma proposta de ação interdisciplinar, procurando integrar os docentes, discentes e funcionários técnicos-administrativos da instituição, além de colaboradores externos. O Núcleo é destinado a planejar, coordenar e executar atividades de estudo, pesquisa e extensão na área de Economia Solidária, visando o desenvolvimento de tecnologias e ações a fim de atender às demandas do Estado do Tocantins e região, melhorando a qualidade de vida e as condições sócio-econômicas, culturais e ambientais da sociedade em geral (CANÇADO; CANÇADO, 2009, p. 45). 152

O referido núcleo, como dito anteriormente, possui vários eixos de atuação, que variam de estudos sobre a temática na qual se insere como também na incubação de cooperativas, a qual, segundo Cançado (2007b, p. 15-16) “é inerentemente temporário”. A incubadora do núcleo trabalha baseando-se em quatro premissas: i) A primeira delas é a de não diminuir a autonomia do grupo, ou seja, as ações são decididas pelo grupo, da forma mais democrática possível, alinhando-se com um dos critérios mencionados em França Filho e Laville (2004); ii) Cada grupo possui sua velocidade, cabendo ao técnico que for fazer a devida intervenção trabalhar de acordo com o ritmo de cada cooperativa; iii) A terceira premissa baseia-se na veracidade dos diagnósticos realizados, atrelando o técnico à não possibilidade de interferência nos indicadores; iv) Por fim, o feedback se configura como premissa fundamental, pois não é viável a implantação de uma nova ação para a cooperativa ou mesmo a criação de novos métodos de funcionamento sem que se possa medir, com o retorno das informações, como os empreendimentos estão respondendo às interferências feitas. Um dos exemplos de cooperativas populares incubadas pela ITCP/NESol/UFT é a Cooperativa dos Produtores Rurais de Araguatins – CPRAR, criada no ano de 1998 na cidade de Araguatins, Estado do Tocantins, tendo como objetivos a agregação de valor ao leite produzido pelos cooperados, consultoria para atividades agrícolas e pecuárias, além de obter recursos para a capacitação dos seus associados (CANÇADO et al, 2009, p. 5). Uma das constatações iniciais realizada ITCP/NESol/UFT foi que os cooperados eram explorados economicamente por atravessadores do leite produzido, reduzindo sua percepção de renda. Sendo assim, em 2007, uma das primeiras ações da incubadora foi a conscientização dos produtores de leite no sentido de despertá-los para os benefícios da interferência da incubadora na cooperativa e a revitalização dos propósitos iniciais. 3.2. A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares - INCUBACOOP/UFLA A Universidade Federal de Lavras – MG também é exemplo de como as Instituições de Ensino Superior (IES) podem agir diretamente no desenvolvimento do territorio onde estão inseridas. No caso da UFLA, a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – INCUBACOOP É um Projeto de Extensão da Universidade Federal de Lavras – MG que, desde de 2005 visa auxiliar grupos de trabalhadores populares que se encontram em situação de trabalho precarizado, desempregados que buscam uma recolocação no mercado formal de trabalho, ou pessoas que já realizam alguma atividade econômica e desejam organizar-se em cooperativas (INCUBACOOP, 2009). A incubadora tem como guia o desenvolvimento de ações que proporcionem aos integrantes dos grupos incubados o acesso à renda, por meio da geração de empregos. Essa meta é alcançada com cursos de capacitação e reuniões até que o empreendimento esteja pronto para se autogerir. Segundo a INCUBACOOP/UFLA (op.cit.), as linhas de atuação são as seguintes: a) Formar novas cooperativas e associações populares e fortalecer as já existentes em Lavras e região; b) Promover a educação cooperativista para estudantes e pessoas/grupos interessados em construir cooperativas e associações; c) Desenvolver e aplicar metodologias que contribuam para a solução nos desafios que surgem na implantação de empreendimentos fundados na cultura do cooperativismo popular; d) Estabelecer parcerias com entidades e governos que busquem promover o cooperativismo popular, a economia solidária e empreendimentos autogestionários; e) Apoiar e promover a construção de redes e outras formas organizativas das cooperativas populares; e f) Contribuir na elaboração e implementação de políticas públicas que promovam o desenvolvimento social e econômico das camadas populares. Como exemplos da incubação de cooperativas populares na INCUBACOOP/UFLA, podem ser destacados o grupo produtivo Art Luz e a Cooperativa de Tecnologia e Soluções Livres – TecnoLivre. No município de Luminárias, Minas Gerais, existe um pequeno grupo formado por apenas 11 integrantes que buscaram através da INCUBACOOP/UFLA todo o aparato necessário 153

para a criação de uma cooperativa, a Art Luz. A mobilização e a sensibilização foram as primeiras ações da incubadora, sendo que a primeira ação concreta, em 2008, deu-se com o treinamento sobre a formulação de preços que, segundo a incubadora, era uma demanda do grupo. Hoje, já são produzidas velas de citronela e sabonetes artesanais, destacando a busca por parcerias dentro e fora do município de Luminárias-MG. Apesar de o processo de incubação ser recente, é possível afirmar que mudanças positivas na interação entre as pessoas são o grande destaque atual. Já a incubação da cooperativa TecnoLivre teve seu início de uma forma bastante singular: a idéia da criação da cooperativa partiu de dentro da UFLA, ou seja, a concretização da criação desse empreendimento obedeceu uma demanda interna da universidade, e não uma externa, como é o que costumeiramente acontece. A referida universidade atuou decisivamente na formação e implementação da cooperativa, fornecendo tanto o corpo docente quanto os espaços físicos e equipamentos no desenvolvimento dos sistemas utilizados pela TecnoLivre, além do auxílio de outros empreendimentos cooperativos como a Solis-RS e Colivre-BA. 3.3. A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP/UFRJ A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal do Rio de Janeiro foi a pioneira na incubação dos empreendimentos populares no país. Atualmente, a metodologia empregada pela ITCP/UFRJ baseia-se em dois pilares: estudo da viabilidade econômica do empreendimento analisado e estudo da viabilidade como cooperativa. O segundo se diferencia do primeiro por aquele considerar somente os fatores econômicos propriamente ditos, como a sustentabilidade do empreendimento, enquanto este analisa a viabilidade da cooperativa com uma visão holística. A ITCP/UFRJ trabalha com a incubação de cooperativas em duas atividades básicas, capacitação e assessoria, subdivididas, segundo a própria incubadora, em: Aulas de Formação: a maior parte do conhecimento, por sua complexidade, é exposto pelo técnico de incubação, deixando lugar a dúvidas e questionamentos do membro da cooperativa. Aulas de Construção Conjunta: o conhecimento é trabalhado a partir de exercícios com os cooperados durante a aula, motivando sua participação e até modificando o conteúdo original elaborado pelo técnico. Oficinas: Visa tratar questões pontuais através de práticas e discussões entre incubadora e cooperativa. Seu objetivo é ensaiar ações bem específicas ou corrigir problemas. Acompanhamento continuado: o técnico analisa criticamente as atividades concretas do grupo durante seu desenvolvimento e colabora oferecendo conhecimentos e articulando apoios com outras instâncias (ITCP/UFRJ, 2009) (grifo nosso). Dentre os casos de cooperativas populares incubadas, pela ITCP/UFRJ, com sucesso está Cooperativa dos Trabalhadores do Complexo de Bonsucesso Ltda – COOTRABOM. No ano de 2002, a COOTRABOM contava apenas com 21 cooperados os quais se detinham em coletar resíduos sólidos do bairro do Bonsucesso e do Complexo da Maré, ambos no Rio de Janeiro. Esses resíduos sólidos comercializáveis fazem parte do rol dos produtos recicláveis, como garrafas PET e latas de alumínio. Com a incubação na ITCP/UFRJ, uma parceria entre a COOTRABOM e a LAMSA-Linha Amarela S.A possibilitou aos catadores associados desenvolver projetos de educação ambiental em áreas circunvizinhas, além do trabalho de coleta dos resíduos. Atualmente, a COOTRABOM trabalha com três atividades: a coleta seletiva dos resíduos sólidos, serviços de jardinagem e recuperação de áreas de mangue. 3.4. A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP/USP A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade de São Paulo – ITCP/USP é um projeto de extensão criado em 1998, no qual estudantes, professores e profissionais se articulam o objetivo de promover o desenvolvimento de cooperativas populares. Segundo 154

ITCP/USP (2009), toda a ação da incubadora se baseia no alcance da autogestão, aliada aos princípios da “interdisciplinaridade, aprendizado mútuo e indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão”. A interdisciplinaridade é uma ferramenta bastante utilizada no processo de incubação das cooperativas. Trabalhadores, estudantes, profissionais e professores se encontram em constante formação, fazendo parte de um processo de aprendizado mútuo. Nessa relação, os formadores aprendem e ensinam sobre autogestão, aplicam, refletem e (re)elaboram conceitos científicos de um modo dialético, indo da prática à teoria e aliando assim pesquisa à extensão, o que modifica a forma como o ensino é realizado na Universidade. A incubação de empreendimentos é o processo de fomento e acompanhamento de empreendimentos econômicos, coletivos e autogestionários, por meio da formação dos trabalhadores e apoio à estruturação do empreendimento, até que este tenha condições para se sustentar de forma autônoma (ITCP/USP, 2009). Um dos grupos incubados que merecem destaque teve a incubação iniciada em 2003: o grupo E.A. - Produtos Ecológicos. A incubação proporcionou ao empreendimento a possibilidade de se manter no mercado autogerindo-se. O grupo E.A. - Produtos Ecológicos produz mercadorias destinadas à limpeza, como sabão e sabonetes. Cabe assinalar que o óleo de cozinha utilizado na fabricação dos produtos é proveniente da comunidade Jardim Clarice, Zona Sul da cidade de São Paulo. Os moradores trocam o óleo residual por produtos, garantindo assim que o óleo de cozinha seja descartado de maneira incorreta no meio ambiente. Outro caso de incubação de sucesso pela ITCP/USP é o da Cooperativa Alpha.com iniciou seus trabalhos em informática no ano de 2003, por conta das ações desenvolvidas pela Prefeitura de São Paulo por meio do programa Sampa.org, responsável pela inclusão digital da população que não tem acesso à informática. No ano seguinte, a cooperativa foi integrada ao grupo dos empreendimentos incubados pela ITCP/USP, sendo que, em 2005, foi feito o processo de desincubação da mesma. Hoje, a Alpha.com trabalha com treinamento em informática básica, redes, elaboração de projetos e softwares livres, por exemplo. Atualmente, a ITCP/USP atua em cinco projetos (Agroalimentares, Mãos Dadas, Mãos e Mentes, Moradias e Projeto Zona Sul) pelos quais são desenvolvidas a incubação de empreendimentos populares e outras atividades voltadas ao desenvolvimento local. Com o Projeto Agroalimentares, a incubação do grupo Mãos na Massa proporcionou acomercialização de alimentos. No Projeto Zona Sul, a incubação de empreendimentos nas localidades do Campo Limpo, Capão Redondo e Jardim Ângela também integrou as atividades das ITCP/USP. Já com o Projeto Mãos Dadas são incubados empreendimentos nas localidades de Campo Limpo e M´Boi Mirim. 3.5. A Incubadora Projeto Tecnologias Sociais para Empreendimentos Solidários – TECNOSOCIAIS/UNISINOS A Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS atua na incubação de cooperativas populares por meio do Projeto Tecnologias Sociais para Empreendimentos Solidários – TECNOSOCIAIS desde 2004. Esta incubadora opera “no acompanhamento sistemático de cooperativas e grupos solidários de geração de trabalho e renda” (UNISINOS, 2009). Atualmente, a TECNOSOCIAIS acompanha seis empreendimentos em suas atividades de incubação e já assessorou mais oito, com destaque para a Cooperativa de Produção Cristo Rei Ltda – COOPEREI e a Cooperativa Habitacional Bom Fim Ltda - COOPER BOM FIM. Oriunda da falência da organização Carlos Augusto Meier S.A. - Alumínio Econômico em 2001, a COOPEREI reuniu ex-funcionários da empresa e, após a ajuda da incubadora do Projeto Tecnosociais, o empreendimento encontra-se bem organizado e com espaço de mercado garantido pela qualidade de seus serviços. 155

Por sua vez, a COOPER BOM FIM passou a ser incubada em 2005, a Cooperativa Habitacional Bom Fim Ltda é formada por moradores do loteamento Bom Fim, bairro Rio dos Sinos, cidade de São Leopoldo – RS. Essa cooperativa, como o próprio nome diz, atua na conquista de unidades habitacionais e infraestrutura básica para os moradores da localidade. Com a incubação do empreendimento, a cooperativa hoje possui um perfil de seus associados, permitindo a possibilidade de a mesma e atuar de maneira mais intensiva. 4. Considerações Finais A guisa de considerações finais, convém comentar que por muito tempo o Estado e o mercado ficaram a cargo de trazer – sozinhos – mudanças positivas para a sociedade. Todavia, as necessidades humanas, sejam elas primárias ou secundárias, tornaram-se mais urgentes à medida que a ineficiência das políticas públicas e a falsa idéia de distribuição de renda (feita pelo mercado) se tornavam mais claras provaram-se ineficazes. Nesse sentido, as universidades brasileiras se mostraram pioneiras e revolucionárias na incubação de empreendimentos populares capazes de alcançar parcelas da sociedade em situação de risco. O processo de incubação de cooperativas populares se mostra útil na captação de renda por parte da população menos abastada que integra essas cooperativas incubadas por projetos das universidades do Brasil. Os dados obtidos junto às incubadoras objeto deste trabalho mostram duas constatações: a primeira de que não há restrição para o tipo de cooperativa a ser incubada, pois o que se objetiva é dar sustentabilidade a esses empreendimentos, e que indiscutivelmente bons resultados são alcançados quando há convergência entre os esforços das duas forças atuantes: incubadora e cooperativa incubada. Ao mesmo tempo em que as incubadoras fornecem todo o apoio teórico e prático para os empreendimentos assessorados, as comunidades onde essas iniciativas estão inseridas acabam por experimentar um processo de desenvolvimento territorial, com a participação de boa parcela da população local, além do fortalecimento da autogestão e da geração de renda. Assim, o que se tentou mostrar neste trabalho foi unicamente como a iniciativa das incubadoras universitárias (ITCPs) pode representar uma ação localizada, delimitada, mas ao tempo transformadora no território no qual atuam. Tornou-se claro que as instituições de ensino superior têm um papel que vai muito além do ambiente das salas de aula, abrangendo a sociedade em muitos outros aspectos. As ITCPs são instrumentos que permitem as IES alcançarem este papel. As experiências de ITCPs exemplificadas aqui demonstram que há uma alternativa para toda a exclusão provocada pela consolidação do capitalismo e ineficiência estatal, provando que a transformação social tão buscada como conseqüência do desenvolvimento territorial pode ser conquistada em um movimento de “baixo para cima”, impulsionada pelos princípios da economia solidária. Por fim, entende-se a limitação deste trabalho por ser um tema ainda pouco abordado. Para consolidar os dados já atingidos aqui, percebe-se que mais pesquisas deve ser feitas no tocante à avaliação do impacto da atuação das incubadoras de cooperativas populares (ITCPs) no território em que estão inseridas..

5. Referências CANÇADO, Airton Cardoso. Autogestão em cooperativas populares: os desafio da prática. Salvador: IES, 2007a. ______. Incubação de Cooperativas Populares: Metodologia dos Indicadores de Desempenho. Palmas: NESol; UFT, 2007b. 156

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Os autores agradecem o apoio financeiro concedido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais – FAPEMIG.

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A Formação de Formadores na ITCP/UFV: um estudo a partir das diversas concepções e das transformações simbólicas pertinentes à economia solidária

Ayana Zanúncio Araujo Adriano Pereira Santos Gustavo Melo Silva

Resumo: As Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares possuem o objetivo de desenvolver conhecimentos em Economia Solidária (ES) por meio do assessoramento a empreendimentos populares. Diante da importância de um projeto desenvolvido no âmbito universitário que visa à formação profissional de estudantes e ao atendimento de interesses econômicos e sociais dos setores mais afetados pelo desemprego e pela pobreza no país, o presente artigo tem como objetivo investigar e qualificar a formação que os estagiários da Incubadora Tecnológicas de Cooperativas Populares da Universidade Federal de Viçosa (ITCP/UFV) vem obtendo. Para tanto, realizou-se uma revisão sobre as diversas concepções de ES e sobre as mudanças culturais que esta requer para consolidar-se como uma ferramenta de emancipação social. A metodologia empregada envolveu a realização de entrevistas aos estagiários, e também a análise das principais temáticas abordadas na formação destes estudantes. Concluímos que os estagiários e as estagiárias da ITCP/UFV estão recebendo uma formação diferenciada que os instiga a contestar valores individualistas, a naturalização da opressão e o seqüestro do imaginário, ao mesmo tempo em que articulam formas de organização econômica, política e social baseadas nessa formação.

1. Introdução A primeira Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP) foi criada em 1995 sob a iniciativa do Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ). Após a realização de experiências de cooperativismo num conjunto de favelas do Rio de Janeiro, com a parceria da Fundação Oswaldo Cruz, Finep e Fundação Banco do Brasil, foi criada a Cooperativa de Manguinhos. Com isso, ao concretizar essa alternativa de trabalho e renda aos moradores daquele local, e dada a experiência obtida no processo, a coordenação da Coppe decidiu criar a ITCP/UFRJ (CASTRO, 2008). Com a criação de outras ITCPs universitárias, emerge, em 1998, a Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares. Hoje, tal rede é constituída por ITCPs de 44 Universidades distribuídas em todas as cinco regiões do Brasil (CASTRO, 2008). A Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal de Viçosa – ITCP/UFV foi criada em novembro de 2003, com o objetivo de fornecer apoio institucional à população excluída do mercado formal de trabalho na região da Zona da Mata Mineira. Os estudantes que estagiam na ITCP/UFV passam por um processo de aprendizado que visa uma formação profissional diferenciada, comprometida com o atendimento de interesses econômicos e sociais dos setores mais afetados pelo desemprego e pela pobreza no país. 159

Devido à relevância de um projeto que visa uma formação profissional comprometida com a emancipação social, e ao esforço empreendido para tanto, o presente trabalho possui como principal objetivo a investigação e a qualificação da formação que os estagiários e estagiárias da ITCP/UFV vêm obtendo. Também constitui objetivo identificar se tais estagiários estão sendo formados de modo a contribuir apenas para a geração de trabalho e renda, ou de modo a contribuir para uma nova dinâmica econômica. Relacionado aos objetivos citados, também é interesse identificar se há mudanças nos valores e na cultura dos estagiários que dêem suporte à mudança estrutural proposta pela ES. Para analisar tais questões, o presente trabalho buscou fundamentação teórica nas diversas concepções sobre Economia Solidária (ES) e em trabalhos que discutem os valores, a cultura, enfim, os aspectos simbólicos que permeam a transformação sócio-político-econômica proposta pela ES. A seção 4 é uma síntese desta busca. Entretanto, primeiro passaremos, na seção 3, à caracterização da ITCP/UFV a partir de levantamento realizado no Regimento Interno, nas atas e em outras fontes cedidas pela Incubadora para consulta.

2. Caracterização da ITCP/UFV A ITCP/UFV busca mecanismos de emancipação econômica, social e política dos empreendimentos incubados por meio de uma organização do trabalho em cooperativas, associações, clubes de trocas e feiras solidárias, Inicialmente, a forma de organização interna adotada foi inspirada nas metodologias das ITCPs da UFJF e da USP, e, desde então, passou por diversas mudanças aportadas na adequação às particularidades da ITCP/UFV, e no acúmulo de experiências e conhecimentos que a mesma vem obtendo. Atualmente, as seguintes instâncias organizativas integram o organograma: equipes de incubação, núcleos de estudo, setores de articulação, formação e seleção, e a coordenação geral. As equipes de incubação possuem, em média, quatro estagiários que atuam na assessoria aos Empreendimentos Econômicos Solidários (EES). Tais estagiários buscam os princípios e diretrizes da Educação Popular no preparo, na execução e na avaliação de intervenções, são, portanto, educadores populares e, por isso, são denominados no Regimento Interno da ITCP/UFV, formadores e formadoras. Os núcleos de estudo constituem-se em grupos formados para o aprofundamento, por meio do estudo, acerca de questões teóricas e técnicas que perpassam as demandas gerais da ITCP/UFV. Os setores estão relacionados às atividades práticas de articulação política e institucional da Incubadora, assim como as atividades ligadas à formação dos formadores e a seleção de novos estagiários. A coordenação geral é composta por três discentes e um docente e tem como principais funções a representação externa da incubadora e a resolução de questões institucionais e burocráticas relacionadas à gestão da ITCP/UFV. 160

O número de estagiários integrantes da ITCP/UFV pode variar em função das demandas apresentadas pelos empreendimentos, atualmente, integram o quadro dezesseis estagiários. Os estagiários podem fazer parte de várias instâncias organizativas simultaneamente. Os estudantes cumprem carga horária semanal de 15 horas e os três membros da coordenação, 25 horas. Cada estagiário ou estagiária que entra na ITCP/UFV se compromete com o Regimento Interno, que estabelece a permanência mínima por um ano e meio, como solução encontrada pelo coletivo da Incubadora para amenizar os efeitos negativos da rotatividade dos estudantes. Essa rotatividade é um dos grandes problemas enfrentado pela ITCP/UFV porque dificulta o acúmulo de experiências e conhecimentos, além de implicar em grande esforço com um contínuo processo formativo. As funções são estabelecidas pelo Regimento Interno e pelos instrumentos de planejamento, e envolvem, entre outras coisas, a elaboração de propostas e projetos de incubação e assessoramento aos EES, planejamento e organização de atividades de capacitação, elaboração de estudos referidos aos temas de intervenção e participação em reuniões, oficinas e eventos promovidos por parceiros da ITCP/UFV, especificamente as relacionadas às atividades de articulação política. Todavia, além de atuarem na perspectiva da Educação Popular e na viabilização econômica de EES, os formadores e formadoras também passam por um processo de aprendizado que visa uma formação profissional diferenciada, comprometida com o atendimento de interesses econômicos e sociais dos setores mais afetados pelo desemprego e pela pobreza no país. Esse processo formativo ocorre principalmente por meio dos Seminários de Formação que acontecem no início de cada semestre, e dos quais participam tanto os novos quanto os antigos formadores. No seminário de formação são apresentados e debatidos temas que perpassam o cotidiano de trabalho da incubadora, e também é realizada a avaliação do trabalho empreendido no semestre anterior, buscando-se assim, o aprimoramento da organização da ITCP/UFV para os trabalhos futuros.

3 Economia Solidária: mudança estrutural e cultural Entre as diversas correntes teóricas acerca da Economia Solidária, nota-se discussões e divergências em relação à origem, ou seja, à natureza das experiências, bem como quanto às possibilidades de transformações econômicas e sociais observadas em tais experiências. No que tange as concepções sobre a Economia Solidária destacam-se três segmentos distintos, a Economia do Amor, a Economia Mista, e a Economia Solidária como modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo. O primeiro segmento, defendido pelo economista Marcos Arruda, trata da idéia da ES tida como a Economia do Amor, na qual todas as relações humanas podem ser transformadas em relações amorosas. Nesse sentido, o desenvolvimento é visto como um processo de transformações espirituais e culturais que visem a construção de uma economia da reciprocidade, da gratuidade, da partilha e do afeto e que já não seja mais só economia, mas socioeconomia (ARRUDA 2000). Já Corragio (2008) parte da existência de uma economia mista ou híbrida na qual coexistem três setores principais: o da economia empresarial capitalista, orientada pela acumulação ilimitada; o 161

setor da economia pública orientada por uma combinação variável de sentidos de diferentes políticas de governos; e o setor da economia popular, cujo sentido é a reprodução ampliada da vida de indivíduos, grupos e comunidades. Dessa forma, Corragio (2005) argumenta que a transição para uma outra economia, social e solidária não deve limitar-se a incluir os excluídos na mesma economia que os excluem, mas promover outras relações econômicas, nas quais o imperativo do mercado competitivo e auto-regulado não seja o determinante. Por fim, o terceiro segmento é defendido por Singer (2004), que conceitua a Economia Solidária como um modo de produção e distribuição alternativo ao capitalismo. O autor argumenta que a socialização dos meios de produção, a gestão democrática da unidade produtiva e a repartição das receitas líquidas entre os atores sociais envolvidos caracterizam o modo solidário de produção como uma síntese que supera a produção da empresa capitalista e o modo simples de produção de mercadorias, por meio da organização da classe trabalhadora, a qual passa a romper com a ditadura do capital imposta pela economia capitalista. Segundo de Paula et alli (2009), os conceitos de ES convergem quanto à busca de valores solidários, à autogestão, à divisão eqüitativa da renda e do capital, e à estratégia de produção voltada para as necessidades. Entretanto, surgem divergências relacionadas à discussão sobre a perspectiva de ser ou não uma proposta de ruptura com os valores capitalistas e também quanto à operacionalização do processo, via estado, ou via formação de redes. Discussões similares também ocorreram acerca do cooperativismo de trabalho e produção no século XIX. Essas discussões dividiam o movimento operário e sindical entre aqueles que acreditavam nas possibilidades revolucionárias e aqueles que acreditavam em seu caráter reformista (LIMA, 2004). Para Lima (2004), ainda hoje (...) permanece a polêmica sobre a possibilidade efetiva de as cooperativas se constituírem em avanço na direção da maior democratização do trabalho, pela autogestão e posse coletiva dos meios de produção, superando assim a subordinação ao capital. As cooperativas são percebidas também como uma forma alternativa de empresa capitalista, na qual o trabalho autogestionário termina por ser funcional pela flexibilidade que possibilita no uso da força de trabalho, permitindo a redução de custos e aumentando a competitividade das empresas.(p. 46)

A Economia Solidária se aproxima do cooperativismo quanto aos fatores que ensejaram seu surgimento: O empobrecimento dos trabalhadores e a necessidade de uma nova forma de organização social (DE PAULA et alli, 2009). Além disso, considerando que a ES tem a organização cooperativa como o tipo ideal de empreendimento econômico solidário (SINGER, 2002), pergunta-se, tal como o fez de Paula et alli (2009), como esta poderá se afirmar como uma plataforma político-ideológica para uma sociedade mais solidária, menos competitiva e individualista?

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Como afirma Singer (2002) para se estabelecer como uma proposta de organização da sociedade e da economia, a Economia Solidária precisa oferecer oportunidade de auto-sustento para a população. Não obstante, como fazer com que os empreendimentos solidários sejam, efetivamente, uma proposta de contraponto aos valores capitalistas, evitando que se tornem empreendimentos apenas focados na geração de trabalho e renda? (DE PAULA et alli, 2009). Com relação a esta pergunta, de Paula et alli (2009) afirmam que Uma mudança estrutural com a dimensão da proposta pela Economia Solidária na sua concepção mais radical perpassa todo o conjunto de crenças, valores expectativas e utopias que são construídos e mantidos pelos sujeitos. Deve se dar no bojo dos significados que são tecidos e colados aos fenômenos vivenciados pelo homem, de modo a torná-los sincrônicos e codependentes. Ou seja, a mudança, além de estrutural, precisa ser também cultural. (p.10)

Em um trabalho sobre as dificuldades de inserção das pessoas na lógica cooperativista, Barreto e de Paula (2007, p.5) ressaltam a importância da mudança cultural em questão. (...) o caminho para se alcançar sucesso neste tipo de empreendimento envolve a conscientização acerca desses fatores, tornando essa questão muito mais complexa do que simplesmente posicionar-se como espectador, ou seja, exige mudanças significantes dos indivíduos.

A afirmação de Singer (2002) corrobora com o argumento anterior, dizendo que o desenvolvimento da ES depende, em grande parte, de uma mudança de valores dos sujeitos e da aplicação desses valores na prática. Para França Filho e Laville (2004, apud BARRETO E DE PAULA, 2007) os valores do sistema capitalista estão profundamente enraizados nas pessoas e extrapolam a dimensão econômica, atingindo áreas substantivas do ser humano. Barreto e de Paula (2007, p.2) afirmam que “O resultado dessa invasão [dos valores capitalistas nas diversas dimensões do ser humano] é tão significante, que os indivíduos não concebem outra imagem de si mesmos senão aquela de agentes desse sistema.” Novamente, de Paula et alli (2009) contribuem para a discussão sobre Economia Solidária, ao associarem à mesma o conceito de imaginário social, que está relacionado à uma capacidade humana de recriar a sua própria realidade. O imaginário abarca tanto a racionalidade quanto a imaginação, tanto a determinação histórica quanto a capacidade criadora (DE PAULA et alli, 2009). Concebendo a realidade como uma construção coletiva das pessoas, é possível pensar em transformação. Para de Paula et alli (2009, p.8) 163

Pelas instituições simbólicas as relações sociais são instituídas transparecendo assim como universais, simbolizadas e sancionadas. Dessa forma, para se conceber a mudança social pautada na práxis, esta tem de ocorrer não apenas na transformação estrutural, mas nas bases do simbólico, do imaginário. É o imaginário que impele sentido ao sóciohistórico, à realidade. É no imaginário que as instituições sociais se encarnam, se autonomizam.

Assim sendo, podemos afirmar que uma mudança como a proposta pela Economia Solidária exige, além da transformação estrutural, que é a geração de trabalho e renda conforme um novo modo de produção, a transformação das crenças, valores e a própria cultura das pessoas que ratificam o modo de vida capitalista. Para de Paula et alli (2003, p.12), libertar o imaginário do jugo capitalista envolve um extenso processo pedagógico que “[...] promova a desnaturalização das formas de opressão, suscite o questionamento e a crítica diante da realidade posta e estimule a expressão da subjetividade em todo o seu potencial, sem conformá-la às estruturas sociais vigentes”.

4 Definições Metodológicas As diversas concepções sobre ES e o debate sobre as mudanças simbólicas que devem permear uma mudança estrutural como a proposta pela Economia Solidária, levam a inquietações relacionadas ao caráter da formação que a ITCP/UFV vem oferecendo aos seus estagiários. Partindo dessas inquietações, o presente trabalho se propõe a investigar a formação que os estagiários e as estagiárias da ITCP/UFV recebem, ou seja, eles são formados apenas para contribuir na geração de trabalho e renda por meio dos EES, ou são formados de modo a contribuir para a construção de relações solidárias numa nova economia? E, neste caso, os mesmos assimilam uma nova base simbólica que dê suporte à mudança estrutural proposta pela ES? Para responder às perguntas foram realizadas entrevistas estruturadas com os estagiários e análise das grades dos Seminários de Formação de 2008 (segundo semestre apenas), 2009 e 2010 (primeiro semestre apenas). As entrevistas foram o método escolhido por permitirem, através das questões-guia, induzir os estagiários à falarem sobre as problemáticas levantadas neste estudo. Desta forma, as questõesguia tiveram como objetivo identificar e analisar a(s) visão(ões) de Economia Solidária compartilhadas pelo grupo e, além disso, identificar se há no imaginário, dos formadores e do grupo, ruptura com os valores que orientam o modo de vida capitalista. Dos dezesseis estagiários que integram a ITCP/UFV, foram entrevistados os dez estudantes que estão há, pelo menos, seis meses no estágio.

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O estudo não está isento de limitações e cabe questionar se o roteiro elaborado para as entrevistas realmente teve alcance para explicar a mudança cultural vivenciada pelos estudantes estagiários da ITCP/UFV. Foram tomados alguns dos principais problemas existentes na Economia Solidária mencionados por de Paula et alli (2009), quais sejam, os problemas relacionados aos valores, os problemas políticos, a naturalização da opressão, e o seqüestro do imaginário, como balizadores da investigação. Tais problemas podem ser definidos da seguinte forma: (...) b) Problemas de valores individualistas x solidários: a permanência do individualismo nas atitudes, nas distribuições de sobras e de tarefas; o desinteresse por participar das decisões; (...) d) Problemas políticos: ausência de fomento ou debate sobre valores da Economia Solidária, cooperativismo, associativismo, alienação, relações de poder no trabalho, bem como propostas de articulação de contraponto ao capitalismo; e) Naturalização da opressão: a permanência e reprodução do discurso de que a sociedade sempre se estruturou de maneira hierárquica, e que o fato de haver desigualdade na distribuição de rendas e tomadas de decisão é pela falta de capacitação e conhecimento do indivíduo; f) Seqüestro do Imaginário: a impossibilidade de se pensar em algo que transcenda o sistema capitalista, visto que se acredita que ele é “dominante” e o sujeito não tem voz, nem vez. Nega-se com isto a possibilidade de se criar utopias. (DE PAULA et alli, 2009, p.9) A análise das grades dos Seminários de Formação da ITCP/UFV visa traçar um paralelo entre a visão dos formadores e formadoras sobre a ES e a formação que lhes vem sendo oferecida. A próxima seção discute, na subseção 6.1, os resultados alcançados na análise das grades dos Seminários de formação e, nas subseções 6.2, 6.3, e 6.4, os resultados alcançados na análise e interpretação das entrevistas.

5. Análise e discussão 5.1 Problemas políticos O Seminário de Formação e Avaliação da ITCP/UFV é realizado semestralmente e tem como principais objetivos promover a apresentação e o debate em relação aos assuntos que perpassam o cotidiano de trabalho da ITCP, bem como avaliar o trabalho realizado no semestre anterior buscando assim o aprimoramento da organização da Incubadora para os trabalhos futuros. O quadro 1 contém os temas debatidos nos seminários de formação de 2008 (segundo semestre), 2009 (primeiro e segundo semestre) e 2010 (primeiro semestre). A observação das grades dos seminários de formação ao longo deste período permite a identificação de alguns temas recorrentes em todos os seminários, quais sejam, cooperativismo e associativismo popular, valores e princípios da Economia Solidária, e mundo do trabalho, isso significa que a Incubadora em questão vem priorizando e fomentando o debate sobre tais temas.

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Quadro 1. Temas dos Seminários de Formação da ITCP/UFV. Seminários de formação Formação 2008-II

Temas

Formação 2009-I

Formação 2009- II

Formação 2010 - I

Incubação

Promoção de Desenvolvimento Local

Agroecologia

Mundo do Trabalho e Economia Solidária

Desenvolvimento local e Redes

Comercialização e Redes de Economia Solidária

Movimentos sociais e terceiro setor

Economia Popular Solidária e Conjuntura

Economia Solidária e ITCPs

Associativismo e Cooperativismo Popular

Autogestão

Experiências e Conjuntura da Economia Solidária na Zona da Mata

Educação Popular e metodologias participativas

Associativismo e Desenvolvimento Local

Economia Popular Solidária

Associativismo e Cooperativismo Popular

Mundo do Trabalho na realidade da Zona da Mata

Metodologia de Incubação

Associativismo e Cooperativismo

Autogestão

Cooperativismo e Associativismo Popular

Intervenção Social e metodologias de pesquisa

Metodologia de Incubação

Plano de Negócios

Planejamento Participativo

Economia Solidária e Políticas Publicas

Elaboração e análise de projetos

Relatoria e Sistematização

Relacionamento Interpessoal e Cooperação

Indicadores monitoramento processo incubação

Tecnologias Sociais

de do de

Extensão

Agricultura e Economia Popular Solidária

Fonte: Documentos cedidos pela ITCP/UFV

Quanto ao primeiro tema referido, nota-se que a discussão sobre Cooperativismo e Associativismo Popular aconteceu em todos os seminários analisados, demonstrando a demanda quanto à compreensão de formas alternativas de organização econômica e social que os formadores necessitam desenvolver para o trabalho de assessoria aos grupos populares. 166

Os debates acerca dos valores e princípios da Economia Solidária, o segundo tema apontado, também são recorrentes nos seminários de formação. Nesses debates são discutidas as distintas concepções sobre essa nova economia bem como o cenário político no qual a ES está inserida. Por fim, o terceiro tema diz respeitos às discussões sobre o mundo do trabalho. Tais discussões visam ampliar a compreensão quanto às formas de precarização e opressão sofrida pelos trabalhadores nas relações hierarquizadas de trabalho existentes no seio da organização econômica capitalista. Além disso, observa-se no quadro 1 a ocorrência de diversos temas, como “Incubação” e “Desenvolvimento Local e Redes”, que envolvem técnicas ou métodos de trabalho que capacitam os formadores para a construção e execução das intervenções.

5.2 Valores individualistas x valores solidários A partir desta subseção, serão analisadas as respostas dadas pelos formadores às questões feitas nas entrevistas. Com o intuito de investigar se há ruptura com valores individualistas, foi perguntado aos estagiários sobre os principais empecilhos para a autogestão da ITCP/UFV. Isto porque a organização autogestionária demanda participação efetiva e incorporação de valores solidários por parte de seus membros. Os estagiários demonstraram possuir o entendimento de que o individualismo é diferente de individualidade. Enquanto o primeiro é um valor capitalista que dificulta a consolidação de processos coletivos, a individualidade deve ser respeitada pelo grupo, inclusive, como forma de promover a autogestão. “Acho que o primeiro gargalo é um gargalo não só para a autogestão na ITCP, mas para a autogestão em qualquer lugar, que é o fato de a gente viver numa sociedade capitalista que embute na gente valores individualistas, e aí dentro disso, você tentar trabalhar numa perspectiva de individualidade, que é diferente de individualismo, a individualidade é você respeitar o indivíduo, que por mais que ele esteja dentro de um grupo, ele tem suas características que não podem ser anuladas, isso é diferente de individualismo. E esse indivíduo a partir do momento em que ele vai tendo consciência dessa realidade, de que ele tem a individualidade dele, mas que ele está num coletivo também, ele passa a se tornar um indivíduo social. Eu acho que o maior avanço que a gente tem é esse avanço no nível de consciência, saca? (sic) Que é uma coisa para qualquer empreendimento, ou para qualquer organização que se propõe a ser autogestionária.” (trecho da entrevista com Davi, estudante de gestão de cooperativas e formador da ITCP/UFV há dois anos)

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5.3 Naturalização da opressão Com relação à naturalização da opressão, foi perguntado aos estagiários qual a função da ITCP/UFV, o objetivo era investigar se há ruptura com os valores que naturalizam a hierarquização e a heterogestão. De modo geral, a coordenação é tida, não como um grupo de estagiários mais capacitados do que os demais, mas sim como uma liderança cujo papel é representar externamente e observar o cumprimento do planejamento, através do acompanhamento dos resultados alcançados pelas diversas células organizativas em que o coletivo está inserido, como demonstra o trecho a baixo: “(...) a coordenação, ela tem a função de trazer à tona certos debates nos momentos adequados, a gente... chamar a responsabilidade pra si de fazer o planejamento acontecer assim de lembrar a galera constantemente disso e de pensar a articulação externa da Incubadora também e de ter diálogo constante com o coletivo também, sabe, pra não perder de vista o que as pessoas estão pensando, como as pessoas estão compreendendo o processo que a gente ta vivendo e, mais nesse sentido assim.” (trecho da entrevista com Rogério, estudante de história, formador da ITCP/UFV há seis meses)

Para os formadores e formadoras da ITCP/UFV a atuação da coordenação deve ser sancionada pelo grupo, o trecho abaixo representa esse pensamento: “Eu acho que o papel da coordenação (...) você tem problemas que você não consegue reunir todo mundo pra resolver, que são imediatos, a coordenação é mais um instância que dentro da ITCP (...) é balizada pelo grupo para assumir, pra resolver determinados problemas, para tomar determinadas decisões, em determinados momentos em que não dá pra você chamar o grupo todo pra ficar resolvendo.” (trecho da entrevista com Davi, estudante de gestão de cooperativas e formador da ITCP/UFV há dois anos)

5.4 Seqüestro do imaginário Com relação ao seqüestro do imaginário, foi perguntado aos estagiários se eles visualizam a ES como uma alternativa ao capitalismo, que visa a ruptura, a transformação, ou como uma alternativa de dentro do sistema capitalista apenas para inserção dos trabalhadores no mercado. O objetivo era investigar se os mesmos visualizam utopias que transcendam ao capitalismo e, portanto, se há relativa libertação do imaginário do jugo capitalista. Os estagiários da ITCP/UFV percebem muitas limitações e problemas na ES, entretanto, como demonstra o trecho abaixo transcrito, eles a visualizam como uma ferramenta de transformação social, que promove valores distintos dos valores capitalistas.

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“Eu acredito que ela [Economia Solidária] é sim uma alternativa que prega valores completamente diferentes do capital, a resignificação do homem frente ao trabalho, novos valores sobre o trabalho, mas ela é limitada, seu poder de ação é limitado (...) Ela contribui, é uma ferramenta que a classe trabalhadora tem que utilizar para conseguir mudar esse problema estrutural maior que é o do capital.” (trecho da entrevista com Lucas, estudante de história, formador da ITCP/UFV há seis meses)

6. Considerações Finais A análise das grades dos Seminários de Formação da ITCP/UFV permitiu concluir que essa organização vem priorizando o debate sobre os temas Associativismo e cooperativismo popular, valores e princípios da ES, e Mundo do Trabalho, o que caracteriza a ausência dos problemas políticos citados por de Paula et alli (2009). A interpretação das entrevistas possibilitou a conclusão de que os formadores e as formadoras da ITCP/UFV, no que tange os problemas de valores individualistas x valores solidários, naturalização da opressão e seqüestro do imaginário, adotam uma postura questionadora com relação aos valores individualistas, acreditam no trabalho autogestionário e na ES como uma ferramenta de emancipação social. Concluímos, portanto, que os estudantes que estagiam na ITCP/UFV estão recebendo uma formação diferenciada que os instiga a contestar os valores do sistema capitalista vigente ao mesmo tempo em que articulam uma nova forma de organização econômica, política e social, a Economia Solidária. O presente artigo possui um recorte específico, tratou da formação dos estagiários da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal de Viçosa. Outros estudos poderão se somar a esse esforço teórico ao explorar a mudança simbólica em outras ITCPs e, ainda, no imaginário de trabalhadores e trabalhadoras que integram os EES incubados.

7. Bibliografia ARRUDA, Marcos, “Um novo humanismo para uma nova economia” In: KRAYCHETTE, G. Et alli (Org.) Economia dos Setores Populares: entre a realidade e a utopia. Petrópolis: Vozes/Capina/Cese, 2000 BARRETO, Raquel de Oliveira; DE PAULA, Ana Paula Paes. Teoria Crítica e Economia Solidária: um estudo acerca da dificuldade de inserção dos indivíduos na lógica cooperativista. VI Conferencia Regional de ISTR para América Latina y el Caribe. 8 a 11 novembro de 2007, Salvador, Bahía, Brasil. Organizan: ISTR y CIAGS/UFBA CASTRO, Mariana Pereira de. Outra face do desenvolvimento: Uma análise do trabalho da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP/UFV. Monografia apresentada ao Departamento de Economia da Universidade Federal de Viçosa. Viçosa, 2008. 169

CORAGGIO, José Luis. La Economía social y solidaria como estrategia de desarrollo en el contexto de La integración regional latinoamericana, 2008. Disponível em: http://www.fbes.org.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=396&Itemid=216 Acessado em 04 mar 2010. DE PAULA, Ana Paula Paes; PINHEIRO, Daniel Calbino; TOLEDO, Dimitri; LOPES, Fernanda Tarabal; MASCARENHAS, Leonardo. Nova economia, novos valores, velhos hábitos: que futuro podemos imaginar para a economia solidária? XI Colóquio Internacional sobre Poder Local: Desenvolvimento e gestão social de territórios. Salvados, Bahia, 14 a 16 de dezembro de 2009. Organização: CIAGS/UFBA/Escola de Administração UFBA. LIMA, Jacob Carlos. O trabalho autogestionário em cooperativas e produção: o paradigma revisitado. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 19 nº. 56 outubro/2004 REGIMENTO INTERNO ITCP/UFV. Viçosa. Regimento Interno aprovado na Assembélia Geral realizada em 24 de maio de 2008. SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002. SINGER, Paul e SOUZA, André Ricardo de Souza. A Economia solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2004.

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PARTE III RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL E MEIO AMBIENTE

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Responsabilidade Social nas Empresas de Pequeno Porte - Limitações e Perspectivas: uma análise em Minas Gerais. Simão Pereira da Silva Kely Cristina Paradelo Gomes Natália Mesquita Resumo: O debate sobre a importância da Responsabilidade Social das empresas em relação ao entorno Socioambiental em que atuam, é uma das discussões mais prementes nos meios acadêmico, empresarial e intersetorial. Este artigo objetiva discutir o tratamento dedicado ao assunto, como suporte para análise do tema em EPP’s - Empresas de Pequeno Porte. Entrevistas com empresas dos ramos industrial, comercial e de prestação de serviços do Vale do Rio Doce em Minas Gerais revelaram: a concepção, iniciativas e os obstáculos em relação ao tema. A pesquisa demonstrou que há uma confusão no conceito de Responsabilidade Social com ação social e com função social, limitando as práticas a assistencialismos e filantropismos. Entretanto, há perspectivas para desenvolvimento do tema à medida que ele for mais explorado na agenda dos órgãos de apoio às EPP’s e através de parcerias.

Introdução Atualmente falar em Responsabilidade Social é uma tarefa ao mesmo tempo complexa e desafiadora. No âmbito das organizações do setor privado este tema vem ocupando cada vez mais a agenda de dirigentes e colaboradores. O papel da iniciativa privada no desenvolvimento social vem sendo cada vez mais discutido na academia, em fóruns empresariais e em grupos intersetoriais (Fedato, 2005). Até a década de 1950, a responsabilidade social empresarial assumiu uma dimensão estritamente econômica e foi entendida como a capacidade empresarial de geração de lucros, criação de empregos, pagamentos de impostos e cumprimento das obrigações legais, resumindo-se a sua função social (Fischer, 2003). O foco era voltado aos empresários. Entretanto, a partir da década de 70 os trabalhos desenvolvidos a respeito do tema ganharam destaque. (Tenório 2007). Nos anos das décadas de 70 e 80, surgiram importantes mecanismos como a Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social (FIDES), criada com base no ADCE de caráter educativo e o IBASE do qual participou o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Na década de 80, o conceito de responsabilidade social empresarial sofre transformações, revestindo-se de argumentos a favor do mercado. Contudo, na década de 90, o tema fazia parte do desenvolvimento sustentável. (Tenório 2007). Outra iniciativa importante que fortaleceu ainda mais as discussões foi a criação do GIFE (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), fundado em 1995, primeira associação da América do Sul a discutir o interesse empresarial na perspectiva do ISP - investimento social privado. (Duarte e Torres, 2004).

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Todos esses fatos foram importantíssimos para o crescimento do movimento da Responsabilidade Social Empresarial no Brasil. Mas foi em 1988 com a criação do Instituto Ethos de Responsabilidade Social que o movimento ganhou outro perfil, semelhante ao já existente no exterior, baseado na ética, na cidadania, na transparência e na qualidade das relações da empresa com o meio ambiente e a sociedade. (Duarte e Torres, 2004). A Responsabilidade Social se insere neste contexto como forma de discutir a função social da empresa, cujo objetivo principal é promover o desenvolvimento humano sustentável, que atualmente, transcende o aspecto empresarial e se estende por outras áreas, como social, cultural, econômica e política. No cenário atual, a concepção que se tem é de que a Responsabilidade Social está muito além da manutenção do lucro de acionistas e dirigentes. Machado Filho (2006) comenta que a questão ambiental, por exemplo, deixou de ser apenas uma cobrança da sociedade, ela é um ponto fundamental para a geração de capital reputacional . As empresas devem estar preparadas para atender, de forma eficiente, o que seus clientes e usuários, como cidadãos, esperam delas como organizações responsáveis, que não forneçam apenas produtos de qualidade a preços baixos, mas que suas atividades possam trazer benefícios à comunidade como um todo e que não agridam o ambiente no qual estão instaladas. Machado Filho (2006) argumenta ainda que atualmente para ser competitiva e lucrar bem, as empresas precisam relacionar sua marca, conceitos e valores éticos. Precisam adotar uma postura correta, tanto no que diz respeito às leis, direitos humanos e meio ambiente, quanto na relação com funcionários, consumidores, fornecedores e clientes, investidores, comunidade e governo, seus stakeholders. Diante do desenvolvimento dos conceitos de Responsabilidade Social Empresarial e sua importância para a sociedade e meio ambiente, o presente artigo discute e analisa a concepção, as iniciativas e perspectivas para a prática de Responsabilidade Social no Vale do Rio Doce em Minas Gerais. A pesquisa foi desenvolvida através de um instrumento de coleta de dados baseado na literatura sobre o tema, que foi aplicado em 15 EPP’s – Empresas de Pequeno Porte, que constitui a classificação predominante na região. O que permitiu diagnosticar a precariedade em que se encontra o tema em sua concepção e ações. Entretanto, as práticas existentes, o apoio dos órgãos de fomento às EPP’s e parcerias institucionais podem contribuir para desenvolvimento da Responsabilidade Social no entorno dessas empresas.

Responsabilidade Social nas Empresas A Responsabilidade Social das empresas é a integração voluntária de preocupações sociais e ambientais nas suas operações, e na sua interação com todas as partes interessadas. Assim, as empresas contribuem para a satisfação das necessidades de seus clientes gerindo ao mesmo tempo as expectativas dos trabalhadores, dos fornecedores e da comunidade onde está inserida. 173

A responsabilidade Social empresarial é uma tendência mundial, cuja discussão nos meios empresarial e acadêmico nos Estados Unidos e Europa, remonta a meados do século passado, no Brasil a partir da década de 60. Este movimento das empresas não deve ser confundido com mecanismo de ação caridosa, que utiliza a filantropia como forma de consolação dos seus sentimentos por obterem lucros fáceis, à custa da exploração do trabalho das pessoas e dos recursos naturais abundantes. Motivado por dilemas éticos, o assunto se apresenta cada vez mais forte concomitante à elevação dos níveis de consciência popular. Entende-se por responsabilidade social empresarial o comprometimento da empresa com a sociedade e com o meio ambiente, a partir de todas as ações que afetam os indivíduos e organizações, envolvendo também, e principalmente, a prestação de contas para essa mesma sociedade. Ela pode ser medida através das atitudes empresariais que afetem toda a sociedade ou alguma comunidade em particular. Ou seja, refere-se ao efeito que as decisões das empresas podem causar na sociedade. A organização envolvida com o bem-estar social apóia-se na teoria dos stakeholders ou teoria da maximização do valor para o acionista, em que o objetivo de uma empresa é com todos que a cercam (Machado Pinto, 2006). As características de uma organização que segue esse ponto de vista, são uma melhor imagem perante o público, menor regulamentação para os negócios, maiores obrigações. Dessa forma, a responsabilidade social sugere que a empresa deva inserir-se nas ações da comunidade, investir no bem-estar de seus funcionários, estabelecer relações transparentes com seus fornecedores e seus clientes, atender às expectativas de retorno de seus proprietários (acionistas) e cumprir as obrigações legais perante o governo. Trata-se de um tema cuja divulgação e discussão crescem cada vez mais no Brasil, impulsionadas pelo lançamento de premiações importantes como: Prêmio Balanço Social (Fides, Ibase, Instituto Ethos, Serasa e Bolsa de Valores de São Paulo) e Selo Empresa Amiga da Criança (Fundação Abrinq, originada na Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos), entre outras. A responsabilidade social destina-se à questão da filantropia estratégica, que é o ato de juntar as doações de natureza filantrópica à estratégica e aos objetivos gerais da empresa. Essa definição propõe aliar contribuições financeiras, às questões de interesse dos stakeholders, tornando o caráter das contribuições financeiras algo mais dinâmico, contínuo, eficiente e participativo. Proteger a reputação e reforçar a imagem da marca, está presente nas grandes discussões, onde a função econômica da empresa é argumento para a responsabilidade social, eliminando a filantropia ou a solidariedade isolada. Trata-se de adotar um comportamento na organização que, sendo responsável, toma decisões orientadas por uma conduta ética e estratégica, porque tem consciência de que seus atos não poderão gerar conseqüências sociais negativas, seja a um dos stakeholders, seja à sociedade em geral, cujo reflexo será sentido em sua reputação. (Reis e Medeiros 2007)

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A Importância de Responsabilidade Social para a sociedade Reis e Medeiros analisam Friedman (2007), argumentando que “a missão básica da empresa é produzir bens e serviços com lucro, e, ao fazer isso, ela dá sua contribuição máxima à sociedade e, na verdade, esta sendo socialmente responsável”. Ele mostra-se a favor da visão econômica, na qual a empresa socialmente responsável deve gerar lucros através de uma boa administração, e ao fazer isso ela dá sua contribuição para a sociedade. Mas, empresas socialmente responsáveis devem considerar todas as partes interessadas que sofrem os efeitos de suas ações, são influenciadas por suas decisões, assim como também beneficiam-se e devem ser beneficiadas, contribuindo para sustentação da empresa e da sociedade (Tenório, 2006). Fischer (2003) incrementa e esclarece essa discussão ao afirmar que há uma parte da responsabilidade social das empresas que é inerente à sua operação, e a denomina de função social das empresas. São inerentes ao exercício de suas funções negociais, tais como geração de empregos, remuneração do capital e cumprimento das leis. Essa função social pode ser entendida como parte da responsabilidade social Em uma pesquisa realizada pela Environics Internacional em 1999, em mais de 23 países, revelou-se que, ao formar uma impressão sobre uma empresa, as pessoas se baseiam-se mais em sua contribuição para causas sociais e sua relação com o meio ambiente do que na reputação da marca ou questões financeiras. A pesquisa revelou ainda que um em cada cinco consumidores voltou a comprar ou deixou de comprar de empresas por causa de sua atuação social, além de dois terços dos americanos confiarem mais em empresas que seguem uma causa social (Reis e Medeiros, 2007). O relatório Fleishman-Hillard/Ipsos, que descreve as atitudes dos europeus em relação ao investimento da comunidade empresarial, revela que: 88% acham que as grandes companhias devem usar alguns de seus recursos para ajudar a solucionar problemas sociais; 84% acham que as empresas devem dar recursos para vencer problemas sociais nos países onde elas vendem seus produtos; 86% comprariam de uma empresa que ampare iniciativas para melhorar a sociedade (Reis e Medeiros comentando Grayson, 2007).

Os consumidores compreendem que as empresas podem e devem contribuir em questões de âmbito social. Há ainda, outras partes interessadas no comportamento social da empresa, como os governos, as Organizações Não-Governamentais (ONG’s), que se preocupam com o impacto das ações empresariais, principalmente em questões relativas ao meio ambiente e direitos humanos. Quanto aos trabalhadores, vários fatores como boa remuneração, ascensão profissional, qualidade de vida no trabalho estimulam e mantêm pessoas talentosas na empresa, além de gerar boa impressão dela nos seus parceiros comerciais. A responsabilidade social está relacionada à reavaliação dos relacionamentos entre pessoas, empresas e sociedade” (Reis e Medeiros, 2007). Isto é, quando os vários indivíduos com 175

quem a empresa se relaciona possuem interesses em comum, a idéia é incluir e reforçar o caráter socialmente responsável, não levando em conta, apenas as necessidades da empresa, relatadas em seus demonstrativos financeiros Nesse debate é importante discutir um modelo de avaliação da responsabilidade social pela sociedade, que classifica e revela a maneira como os negócios estão sendo guiados. Os negócios são amorais (quando o principal objetivo da empresa é o lucro), morais (quando conciliam o lucro com ações de filantropia), uma comunidade (quando adquire a identidade corporativa), ou uma rede (quando interesses mútuos uns dos outros são alcançados). Carrol e Buchholtz (2000) definem a responsabilidade social corporativa sob diferentes visões e abordagens do papel da empresa na visão da sociedade, dividindo-a em quatro dimensões: econômica, a legal, a ética e discricionária.

Os níveis da Responsabilidade Social Corporativa De acordo com Carroll e Buchholtz (2000) a responsabilidade social corporativa é dividida em quatro dimensões: econômicas, legais, éticas e filantrópicas, conforme demonstra a FIG 1 a seguir. A pirâmide de Carroll

Figura 1: A pirâmide de Carrol e Buchholtz A responsabilidade econômica significa a base para todas as outras, e reflete a necessidade da empresa zelar pela sua saúde financeira e estratégica para garantir seu crescimento e sobrevivência. O segundo nível, a responsabilidade legal, significa que a empresa deve ser responsável com o cumprimento das leis perante os governos, fornecedores e consumidores. Nesses dois níveis a empresa está cumprindo sua responsabilidade com a sociedade. O terceiro nível da responsabilidade ética não é exigido, mas é esperado pela sociedade. Constitui-se em ter atitudes que atendam a princípios éticos e morais da cultura social em que a empresa atua, extrapolando o nível de atendimento às leis. No quarto nível, encontram-se as iniciativas da empresa em envolver-se voluntariamente na busca de soluções para os problemas sociais do seu entorno.

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Quando o exercício da conduta socialmente responsável das empresas vai além do seu compromisso estritamente econômico, ético, legal, por meio do engajamento em projetos sociais (responsabilidade discricionária), recursos são alocados para atividades que não estão diretamente relacionadas com os objetivos de negócios imediatos. (Machado Filho 2006). Esse tipo de ação de responsabilidade social pode ser encarado sob três aspectos: a) podem advir dos valores dos seus acionistas, que entendem que a empresa deve engajar-se em práticas sociais; b) podem ser determinadas por uma visão pragmática, podendo trazer retornos para a empresa. c) podem derivar de gestores que veem nessa prática uma forma de obter ganhos pessoais. A alternativa (a) é uma visão benigna da atuação da empresa na sociedade. A alternativa (b) parte do pressuposto que de que o capital reputacional das empresas tende a crescer com as ações sociais. Já a alternativa (c) constitui-se em um problema de governança, pois há desalinhamento de interesses entre o gestor e os principais. (Machado Filho 2006) Há ainda o modelo bidimensional da responsabilidade social, que se divide na responsabilidade ampla e na responsabilidade estreita. A responsabilidade ampla trata das atividades de negócios que vão além das responsabilidades clássicas econômicas da organização, enquanto a responsabilidade estreita visualiza que a função da empresa é a maximização do lucro para os acionistas. A responsabilidade ampla se divide em dois tipos de visões: a visão moderna, a qual seria trazer benefícios para a empresa através das ações sociais ao longo prazo. E a visão filantrópica, pela qual as ações sociais devem ser realizadas mesmo que não tragam retornos ao longo do tempo. A responsabilidade estreita também se divide em duas visões: a visão socioeconômica, em que a função da empresa é a maximização dos lucros para os acionistas, e suas ações sociais devem ser desenvolvidas por contribuir com geração de valor para a empresa. E a visão clássica, pela qual as ações sociais não trariam benefícios à empresa, não tendo portanto, capacidade de geração de valor e por esse motivo não deveriam ser desenvolvidas. Nota-se que a visão moderna e socioeconômica se convergem conceitualmente como favoráveis à responsabilidade social enquanto capacidade de geração de valor. Já a visão clássica se contrapõe à visão filantrópica na questão da prática das ações sociais, divergindo no entendimento quanto ao retorno proporcionado pelas mesmas. Essas dimensões e modelos contribuem para a geração, conhecimento e divulgação de informativos e indicadores das práticas de responsabilidade social existentes.

Indicadores da Responsabilidade Social Os indicadores da responsabilidade social são sistemas de avaliação que permitem às empresas analisarem o seu nível de envolvimento com situações sociais. Os indicadores da 177

responsabilidade social corporativa mais utilizados pelas empresas atualmente são: as certificações de responsabilidade social corporativa, o balanço social e a demonstração do valor adicionado (Tenório, 2006).

Certificação de Responsabilidade Social Corporativa Uma questão recente no Brasil e no mundo, é a certificação de responsabilidade social corporativa. No exterior, algumas normas surgiram no intuito de padronizar um conjunto de indicadores referentes aos aspectos éticos e de responsabilidade social na condução dos negócios. (Tenório 2006) No Brasil, as empresas estão à procura de soluções para mostrar seu envolvimento e preocupação com as questões sociais. A maneira mais adequada de envolvimento é por meio de ações em uma entidade que se compromete aos princípios da responsabilidade social. Um exemplo é o instituto Gife, que possui cerca de 65 fundações e institutos associados. (Tenório 2006). No entanto, existem entidades que buscam disseminar a prática da responsabilidade social corporativa, como o Instituto Ethos, que criou método próprio para avaliar as ações sociais desenvolvidas pelas corporações.

Balanço Social O balanço social é caracterizado como um documento publicado anualmente reunindo um conjunto de informações sobre as atividades de caráter social, desenvolvidas por uma empresa, em promoção humana e social dirigidas aos seus empregados e à comunidade onde está inserida. O balanço social é uma forma eficiente de medir o desempenho do exercício da responsabilidade social em seus empreendimentos. Segundo Ribeiro e Lisboa comentado por Tenório (2006), o balanço social: é um instrumento de informação da empresa para a sociedade, por meio do qual a justificativa para sua existência deve ser explicitada. Em síntese, esta justificativa deve provar que o seu custo-benefício é positivo, porque agrega valor à economia e à sociedade, porque respeita os direitos humanos de seus colaboradores e, ainda, porque desenvolve todo o seu processo operacional sem agredir o meio ambiente.

O Balanço Social pode ser considerado uma demonstração técnica-gerencial que engloba um conjunto de informações sociais da empresa, permitindo que os agentes econômicos visualizem suas ações em programas sociais para os empregados (salários e benefícios), entidades de classe (associações, sindicatos), governo (impostos) e cidadania (parques, praças, meio ambiente ). No Brasil o balanço social surgiu com a campanha do sociólogo Herbert de Souza (1997), pela publicação do balanço social das empresas. Foram promovidos grandes debates em nível 178

nacional envolvendo entidades como Abrasca (Associação Brasileira de Capital Aberto), PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais) e CVM (Comissão de Valores Mobiliários ). Em 1997, as deputadas federais Maria da Conceição Tavares, Marta Suplicy e Sandra Starling apresentaram o projeto de Lei nº. 3.116, defendendo a idéia do Balanço Social, obrigatório a todas as empresas privadas com mais de 100 empregados, bem como às empresas públicas, sociedades de economia mista, empresas permissionárias de serviços públicos em todos os níveis da administração pública, independentemente do número de empregados. Nos EUA e na Europa, o principal enfoque do balanço social é a influência das entidades no “meio externo” a elas, gerando sua contribuição para a defesa dos recursos naturais e a preservação das condições de uma vida digna normal. No Brasil, ao contrário, focaliza um “balanço social interno” às entidades, enfocando salários, o bem-estar social e a seguridade social. A idéia do balanço social é demonstrar quantitativa e qualitativamente o papel desempenhado pelas empresas no plano social, tanto internamente quanto na sua atuação na comunidade. Modelo de Balanço Social O modelo de Balanço Social mais aplicado no Brasil é o proposto pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), que se divide em informações sobre o faturamento da empresa, os indicadores laboriais (cujo conteúdo descreve obrigações trabalhistas e vantagens aos empregados), os indicadores sociais (investimentos em cidadania, meio ambiente e impostos gerados), e os indicadores do quantitativo do corpo funcional do início e final do período apurado. O Balanço Social é uma importante ferramenta de gestão que as empresas possuem, e contribui para uma melhora na sua estrutura organizacional, possibilitando maior número de informações, maior comunicação entre os setores, melhora na produtividade e no desempenho das atividades, e a geração de informações para a tomada de decisões.

Demonstração do Valor Adicionado (DVA) A demonstração do valor adicionado (DVA) é uma demonstração obrigatória para todas as companhias abertas (Lei 11.638/2007 que alterou a Lei 6.404/76 das S/A’s). Surgiu na Europa, e visa evidenciar o quanto de riqueza uma empresa produziu, e o quanto e de que forma essa riqueza foi distribuída ou retida. A DVA é uma das ferramentas centrais para divulgação de informações consideradas relevantes para a sociedade. A demonstração do valor adicionado é um relatório que permite discriminar o que a empresa agrega de riqueza e a forma como distribui tal riqueza. É um complemento ao balanço social, que deixa transparente e em linguagem simples, o quanto a empresa gerou de riquezas para a sociedade, ao conjugar seus fatores de produção. Para Ribeiro e Lisboa comentados por Tenório (2006) a DVA reflete: Quem são os beneficiados com o desempenho da empresa, como: empregados, governo, terceiros, acionistas, os quais estão representados 179

pela remuneração de pessoal e encargos sociais; impostos sobre vendas, produção de serviços, taxas e contribuições, juros sobre capital de terceiros e próprio, dividendos, aluguéis de móveis e imóveis e, por fim, retenções a titulo de reinvestimento na organização. A DVA é uma demonstração de grande interesse, para fins de análise financeira, já que evidencia como foi que a empresa produziu riqueza. A analise da DVA permite identificar a contribuição qua a empresa gera para a sociedade da seguinte forma: A análise da distribuição do valor adicionado identifica a contribuição da empresa para a sociedade e os setores por ela priorizados. Este tipo de informação serve para avaliar a perfomace da empresa no seu contexto local, sua participação no desenvolvimento regional e estimular ou não a continuidade de subsídios e incentivos governamentais. E, em um contexto maior, pode servir de paramentro para definição do comportamento de suas congêneres. A finalidade da DVA é facilitar o entendimento da informação sócio-econômica sobre a companhia e sua relação com o ambiente onde ela está localizada, portanto, a DVA seria a maneira mais simples e clara de apresentar o lucro a toda sociedade para que esta conheça sua função positiva na criação de valor para a sociedade.

Modelo da DVA O modelo da Demonstração do Valor Adicionado mais aplicado é o definido pela Fundação Instituto de pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras da Universidade de São Paulo ( Fipecafi/USP), que permite verificar a utilização do critério de cálculo do valor adicionado com base nas vendas, o que torna mais simples a elaboração da DVA e mais fácil seu entendimento, uma vez que, o valor adicionado fica relacionado com os princípios contábeis utilizados nas demonstrações contábeis tradicionais, possibilitando sua conciliação com a demonstração do resultado. Parte-se desse modo, das receitas brutas e subtrai-se o valor dos bens adquiridos de terceiros que foi incorporado ao produto final alienado ou serviço prestado, para que se conheça o valor efetivamente gerado pela companhia. Diante da importância da responsabilidade social e sua mensuração através dos indicadores discutidos, torna-se relevante conhecer e analisar as possíveis práticas de responsabilidade social e sua forma de sistematização nas empresas de pequeno porte.

O desafio da prática de responsabilidade social nas Empresas de Pequeno Porte A compreensão sobre assuntos sociais, varia nas diferentes regiões do país. Nota-se, que nas grandes empresas o empenho por questões sociais e éticas é maior por sua visibilidade,

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atualidade com assuntos da pauta empresarial internacional e por atenderem as exigências de um número maior da sociedade, o que promove novas e maiores oportunidades de negócio. Em se tratando de EPP’s - empresas de pequeno porte – assim entendidas a empresa, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, que aufira, em cada ano- calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (123/2006 no artigo 3º II da lei complementar 123/2006), a prática de responsabilidade social ainda não é notoriamente percebida, pois estes empresários priorizam outras questões que consideram mais urgentes como carga tributária, a divulgação de seus produtos e marcas, o aumento da clientela, atendimento, preços competitivos, divulgação do negócio, dentre outros. A responsabilidade social é uma prática que certifica o comprometimento da empresa com os seus públicos e sociedade em geral, e não deve ser vista com o desejo de lucro. No caso das EPP’s, há uma preocupação central e exclusiva com seus clientes, que não alcança os demais integrantes do seu contexto de negócios. As EPP’s limitam suas interações com a sociedade numa perspectiva lucrativa, de pagamentos de impostos, e geração de empregos (função social). Dessa forma, entendem que sua contribuição esteja consumada na comunidade em que atuam. Vários empresários no Brasil já perceberam a importância da prática da responsabilidade social para diferenciar-se das demais empresas que não agem de tal forma. No caso das EPP’s encontrar esse diferencial é fundamental em seus mercados, uma vez que, sua capacidade de contribuição ao desenvolvimento local é relevante e a competitividade no setor é alta. É notória a contribuição das EPP’s ao desenvolvimento econômico em diversas regiões do país. É nelas que se concentram grande número de empregos, importantes iniciativas inovadoras e aumento da competitividade no exterior. Essa contribuição pode tomar relevância ainda mais expressiva se elas absorverem em suas atuações o conceito e a prática de responsabilidade social, de forma ampla e profissional. A literatura descreve importantes práticas adotadas em outras regiões do país como: cooperação empresarial para programas de erradicação do trabalho infantil, da pobreza e da exclusão social; fazer negócios com fornecedores socialmente responsáveis; práticas éticas de marketing em relação ao concorrente, ao consumidor e sua família; envolvimento em programas de ONG’s e da Unesco para combate à exploração comercial e sexual e ao trabalho infantil; incentivo a laboratórios para recuperação do meio ambiente natural explorado; evitar o descarte de resíduos químicos em áreas naturais; reciclar dejetos e recepientes; admissão de negros, idosos e portadores de necessidades especiais; contribuir com o reflorestamento; destinação de parte dos lucros para recuperação de rios e áreas degradadas pela exploração de matéria prima, dentre outras (Ashley , 2006). Por isso, optou-se nesse artigo por conhecer a concepção, as iniciativas e obstáculos inerentes à responsabilidade social nessas empresas, visando analisar a importância atribuída ao tema nas EPP’ e suas perspectivas de desenvolvimento.

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Descrição da pesquisa realizada Para diagnosticar a concepção, as iniciativas e obstáculos inerentes à Responsabilidade Social entre as Empresas de Pequeno Porte, foi selecionada a cidade de Inhapim no Vale do Rio Doce de Minas Gerais, cuja classificação empresarial marcante é de EPP’s. Foram exploradas a literatura, artigos e dissertações sobre o tema, que muito contribuíram para a elaboração de um instrumento de coleta de dados na forma de questionário. Quanto aos fins, trata-se de uma pesquisa descritiva e explicativa; quanto aos meios: pesquisa de campo; documental e bibliográfica. (VERGARA, 2002) A pesquisa foi realizada em 15 EPP’s constantes dos arquivos dos 09 escritórios de contabilidade da cidade. O instrumento de coleta de dados foi elaborado com questões objetivas abordando a concepção, as iniciativas, obstáculos e sugestões de responsabilidade social, visando agilizar a entrevista, totalizando 09 perguntas, das quais as mais importantes seguem analisadas e comentadas. Este instrumento de coleta de dados foi respondido pelo titular ou sócio de cada empresa. A coleta de dados ocorreu entre julho e setembro de 2008, ressaltando-se que as informações colhidas foram tratadas e apresentadas de forma globalizante.

População Pelas dificuldades encontradas no acesso às informações relacionadas às EPP’s localizadas na cidade, tais como pesquisa no site do IBGE, visitas ao SEBRAE, à prefeitura local e secretaria de estado da fazenda, optou-se pelos dados fornecidos por todos os escritórios de contabilidade da cidade. Foram acessadas todas as 15 EPP’s cuja contabilidade e escrita fiscal encontram-se nos escritórios de contabilidade do município. Esse acesso foi muito importante para consecução da pesquisa. (VERGARA, 2002)

Classificação Econômica das EPP’s Entrevistadas A pesquisa foi aplicada em 15 empresas de pequeno porte, sendo que, grande parte das empresas entrevistadas (13) tem o comércio como principal ramo de atuação, uma no setor industrial e outra na atividade de prestação de serviços conforme ilustra a FIG 02 a seguir. Cla ssificação Econômica da s EPP's

7%

7%

86% Indústria

Comércio

Prestação de Serviços

Figura 02: Distribuição das empresas de pequeno porte por atividade. 182

Análise e discussão dos resultados encontrados As principais contribuições obtidas seguem descritas. Foi perguntado aos gerentes das EPP’s identificadas, se a empresa já tinha conhecimento sobre Responsabilidade Social. Conf. FIG 03 abaixo, percebe-se que a grande maioria, cerca de 93%, já ouviu falar em responsabilidade social, e as demais não ouviram falar do assunto. Você já ouviu fa la r e m Re sponsa bilida de Socia l da s e mpre sa s? 7%

93% Sim

Não

Figura 03: Conhecimento sobre responsabilidade social.

Quando perguntados sobre o que entendem sobre responsabilidade social, a maioria dos empresários (60%) responderam que se trata de desenvolver ações sociais que envolvam todos os participantes do mercado, 27% disseram que é ajudar o próximo e as instituições, essas ajudas estão relacionadas com doações em dinheiro recolhidas mensalmente; e por fim 13% acreditam que é respeitar o meio ambiente, como mostra a Figura 04 a seguir. O que você e nte nde por Re sponsa bilida de Socia l?

13%

27%

60%

Respeitar o meio ambiente A judar o próximo e as instituições Desenvolver ações sociais que envolvam todos os participantes do mercado

Figura 04: Concepção de responsabilidade social. Em relação à prática de Responsabilidade Social, 93% das empresas argumentaram os seguintes exemplos: ajudam a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), Associação do câncer, asilo, como se vê na FIG 05.

183

Sua empresa pratica algum tipo de Responsabilidade Social? 7%

93%

Sim

Não

Figura 05: A prática de responsabilidade social. Complementando a pergunta anterior, foi perguntado também sobre os obstáculos encontrados para a prática de responsabilidade social. Foi constatado que mais da metade das empresas pesquisadas (60%), veem a falta de incentivo do governo como obstáculo maior e o restante entendem que o desconhecimento do assunto é outro obstáculo determinante. Ao serem perguntados sobre quais grupos “Stakeholders” a empresa teria responsabilidades sociais, a maioria considerou-se socialmente responsável pelos funcionários e gerentes (39%), instituições filantrópicas (27%), meio ambiente e comunidade local (27%), e 7% dos respondentes responderam fornecedores e clientes. Em 60% dos entrevistados percebeu-se a disposição para a busca de aproximação às outras organizações para a prática de alguma atitude em benefício ao contexto socioambiental. Em sua opinião, a prática de Responsabilidade Social pode trazer algum desses benefícios para a empresa? 20% 33% 7%

13%

27%

Aumenta o capital reputacional Aumenta o número de clientes Gera oportunidades e f acilita as estratégias de marketing Melhora a relação com os f ornecedores e consumidores Pode gerar vantagem competitiva

Figura 06: Benefícios pela prática de Responsabilidade Social. Os empresários opinaram sobre os benefícios que a prática de responsabilidade social pode trazer para a empresa e percebeu-se que no entendimento deles, o beneficio maior é o aumento do capital reputacional, com 33% das respostas, isto é, a credibilidade da empresa junto ao mercado. Outros acham que gera oportunidades e facilita estratégias de marketing (27%); outros acreditam que pode gerar vantagem competitiva (20%); e outros afirmaram que melhora os relacionamentos com clientes e fornecedores, conf FIG 06 abaixo.

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Como a sociedade percebe a importância da Responsabilidade Social Empresarial:

7% 20%

53% 20% A A A O

sociedade não dá importância ao assunto sociedade valoriza as empresas que possuem Responsabilidade Social sociedade acha que é de responsabilidade de governos, sindicatos, igrejas, etc. tema não está madura na sociedade em que atuamos

Figura 07: Percepção da sociedade sobre responsabilidade social na visão dos empresários. A FIG 07 mostra, na visão dos empresários entrevistados, como a sociedade percebe a importância da responsabilidade social, e cerca de 53% deles afirmaram que o tema não está maduro na sociedade em que atuam e 7% afirmaram que a sociedade não dá importância ao assunto, 20% acreditam que a sociedade valoriza as empresas que possuem responsabilidade social, e outras empresas (20%) acham que é competência de outras instituições. Visando provocar nos empresários uma discussão mais ampla e adequada sobre a concepção e práticas socialmente responsáveis, a FIG 08 demonstra os principais resultados encontrados quanto ao interesse das empresas em práticas de responsabilidade social, os mais relevantes foram: admissão de negros, idosos e portadores de necessidades especiais; geração de políticas de desenvolvimento de empregados e seus dependentes; ampliação e discussão do tema e suas práticas nos órgãos de apoio às EPP’s; desenvolver estratégias de marketing éticas e respeitosas em relação aos consumidores, familiares, concorrentes e fornecedores; denunciar práticas “produtivas” de organizações que afetam a qualidade do ar, que eliminam resíduos nos rios, que exploram o trabalho infantil; dedicar parte dos lucros na recuperação do meio ambiente natural; envolver-se em programas de Ong’s e da Unesco para combate à exploração comercial sexual de crianças e adolescentes e melhorar os níveis educacionais; dentre outras.

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Quais das ações de Responsabilidade Social sua empresa está disposta a praticar? 4

8

8 3

4

9

3 5 1

6 3

2

9

1

2

Po lítica interna de desenvo lvimento de funcionário s e seus dependentes Só co mprar de fo rnecedo res que respeitem o meio ambiente e o s direito s humano s Desenvolver estratégias de M arketing de fo rma ética e respeito sa ao consumido r e sua família Co operar co m o utras empresas para diminuir a po breza e a exclusão so cial na co munidade em que atua Dedicar parte dos lucro s da empresa na recuperação de meio ambiente natural Envolver-se em programas go vernamentais de co mbate ao fumo , à bebida alcoó lica e outras dro gas Co ntribuir co m ONG's e instituiçõ es filantró picas na recuperação de to xicômanos, alcoó latras e o utro s tipo s de dep. químico s Co ntribuir co m instituiçõ es filantró picas na assistência, educação e formação de pesso as co m necessidades especiais Inserir na po lítica interna e externa de desenvolv. do conceito de Respo nsab. So cial entre to do s o s atores do mercado Levar e desenvolver o assunto: Respo nsabilidade Social das Empresas no s ó rgão s de apo io às PM E's Envolver-se em programas da UNESCO e o utros ó rgão s p/ co mbater a explo ração infantil e melhorar os níveis de educação . Estabelecer critério s para admissão de negro s(as), idosos e po rtado res de necessidade especiais nas empresas Parceria co m a mídia para divulgação de açõ es empresariais so cialmente respo nsáveis Denunciar práticas "pro dutivas" de o rganizaçõ es que afetam a qualidade do ar,a elimin. de resíduo s no s rios, a explor. do trab. Infantil Na recuperação o u na diminuição do impacto ambiental o u so cial em que a empresa o pera

Figura 08: Ações de responsabilidade social praticáveis pelas empresas Considerações Finais No contexto analisado, a pesquisa empírica descreve equívocos na concepção do tema, revela a necessidade de aprofundamento da discussão conceitual e da aplicação prática do assunto no contexto das EPP’s, apresenta iniciativas e instiga perspectivas para seu desenvolvimento. Em relação ao conceito a maioria das empresas (60%) argumenta conhecer e entender bem a conceituação de responsabilidade social, entretanto, a prática de responsabilidade social de 93% dos entrevistados resume-se a atitudes passageiras e limitadas a assistencialismos e filantropismos. O que remete a uma concepção e prática equivocadas de Responsabilidade Social. Ao ser discutido sobre possíveis obstáculos para a prática de RS, há a demonstração de contradições no entendimento, pois, 40% das empresas alegam não conhecer exatamente o assunto e os outros 60% alegam que trata-se de responsabilidade do governo. Os empresários responderam ainda que a prática de RS pode aumentar o capital reputacional da empresa (33%), facilitar as estratégias de marketing (27%), e aumentar o número de clientes (20%). Mas, por lado, revelam que o tema ainda não se encontra totalmente amadurecido na sociedade (60%), ao ponto das EPP’s assumirem uma postura mais agressiva. Para 20% dos respondentes a sociedade entende que RS é problema do governo, apesar de que outros 20% dos respondentes argumentam que a sociedade valoriza as empresas com práticas 186

socialmente responsáveis. Ou seja, reconhece-se a importância do assunto na atuação empresarial, entretanto, esperam do governo e da sociedade atitudes incisivas em relação ao tema para incorporá-lo em suas estratégias competitivas . De um modo geral, a pesquisa empírica revelou que há EPP’s com precário entendimento do conceito de Responsabilidade Social, mas não o praticam. Há EPP’s com conceitos incipientes e práticas também tímidas. Outras, nunca ouviram falar, e por isso também nem praticam. E ainda, há quatro EPP’s com concepção correta do assunto, mas com práticas limitadas diante de sua concepção, por não acharem a prática importante na estratégia competitiva da empresa. Mas, em todas em que o tema está inserido de forma precária, distorcida ou parcialmente correta, as práticas se resumem a assistencialismos e filantropismos passageiros, sem uma abordagem mais ampla que envolva todos os stakeholders do ambiente de negócios em que atuam. Na ampliação da entrevista, partindo das questões propostas no questionário para a discussão sobre o assunto, percebeu-se a disposição dos empresários para importantes iniciativas de Responsabilidade Social como: destinar parte dos lucros para recuperação do meio ambiente natural, envolver-se em programas da Unesco para combater a exploração do trabalho infantil e melhorar os níveis de educação das crianças, envolver-se em projetos de combate à exclusão social e a pobreza, estabelecer política de RH para desenvolvimento profissional, humano e social dos seus empregados e dependentes, só negociar com fornecedores que respeitem o meio ambiente e direitos humanos, entre outras. Apesar das distorções encontradas em relação ao tema e suas práticas, a pesquisa possibilitou discutir e descobrir a possibilidade de amadurecimento do assunto na comunidade, e de desenvolvimento das iniciativas de responsabilidade social encontradas no Vale do Rio Doce de Minas Gerais, desde que o tema seja mais fortalecido nas discussões sociais, explorado na agenda dos órgãos de apoio às EPP’s, e no estabelecimento de processos de cooperação entre empresas e instituições atuantes na região, conforme argumentado pela maioria dos respondentes.

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Desenvolvimento Sustentável ou Modernização Ecológica? Uma Análise Exploratória Luciano Munck Rafael Borim de Souza

Resumo: Este artigo foi desenvolvido com o intuito principal de investigar qual expressão possui maior densidade teórica para indicar caminhos para operacionalização das premissas de um desenvolvimento sustentável: o próprio desenvolvimento sustentável ou a modernização ecológica? Para tanto foi realizado um ensaio teórico, qualitativo, exploratório e bibliográfico. Inicialmente discorreu-se sobre escolas da sociologia ambiental representadas por diferentes correntes de pensamento. Em seguida a teoria da modernização ecológica foi acatada como o foco principal de análise do artigo. Percebeu-se que a teoria da modernização ecológica possui um rigor analítico superior ao participado pelo desenvolvimento sustentável e possui uma forma mais definida e um foco melhor estabelecido do que os proferidos pelo desenvolvimento sustentável quanto às necessárias posturas em relação as políticas econômicas capitalistas. Assume-se, então, que o desenvolvimento sustentável é um conceito antecessor da teoria da modernização ecológica, audacioso e abrangente, uma vez que engloba questões sociais, econômicas e ambientais em suas proposições, todavia truncado por não apresentar métodos que viabilizem soluções para os problemas ambientais, o que permite inferir sobre a superioridade da teoria da modernização ecológica nessa perspectiva.

1 Introdução Apesar da relevada importância das discussões sobre o meio ambiente e os respectivos impactos provocados pelos seres humanos sobre ele, estes ainda permanecem como áreas de preocupação. Enquanto não se observa um consenso sobre o fato de que grandes mudanças ambientais, tal como o aquecimento global, estão ocorrendo, verifica-se uma aceitação maior sobre uma realidade impregnada de mudanças em curso, e que, para estas, algumas respostas precisam ser urgentemente concedidas. Em particular existe uma consideração ambiental amplamente disseminada de que as conseqüências ambientais oriundas da industrialização são incontestavelmente negativas, logo algumas atitudes precisam ser tomadas no intuito de remediar esta realidade calamitosa. Como extensão a esta discussão propõe-se que o desenvolvimento sustentável deveria se tornar tema central na estruturação de políticas ambientais em todas as escalas de poderios governamentais e organizacionais. Em termos gerais, o conceito de desenvolvimento sustentável requer que as atividades humanas se insiram dentro de determinados limites ecológicos suportados pelo planeta. Para tanto algumas premissas precisam ser consideradas, tais como a equidade inter e intra-gerações, o envolvimento democrático para tomada de decisões relacionadas ao bem estar social e a integração de preocupações econômicas, ambientais e sociais em atos políticos e empresariais. Juntas, estas premissas representam uma modificação considerável para as atividades econômicas das organizações, bem como para a sobrevivência das mesmas. A necessidade de se discutir os problemas ambientais tem, assim, se tornado um lugar comum, ao menos em países mais desenvolvidos. Algumas divergências começam a surgir quando indagações sobre a coerência do significado da sustentabilidade e sobre os meios de implantação da mesma são postos em perspectiva. Vislumbra-se uma amplitude de opiniões em que cada uma delas conferem uma resposta mais apropriada para as mudanças ambientais. Há um espectro de opiniões que se segmentam em duas vertentes opostas: ecologia radical (que exige uma reforma estrutural da sociedade) e a econômica 189

(que acredita na capacidade dos instrumentos mercadológicos de se responsabilizarem por um equilíbrio ambiental em meio as ações advindas das bases socioeconômicas já existentes) (TORGERSON, 1995). Com o intuito de se investigar uma proposição teórica que viabilize o tratamento da crise ambiental e reformas institucionais incrementais que melhorem o sistema econômico imperante se estabeleceu o presente artigo. Este estudo tem como principal intuito colocar em diálogo escolas da sociologia ambiental e selecionar uma que proporcione a viabilidade operacional de um desenvolvimento sustentável. Daí a pergunta de pesquisa: qual expressão possui maior densidade teórica para indicar caminhos para operacionalização das premissas de um desenvolvimento sustentável: o próprio desenvolvimento sustentável ou a modernização ecológica? Após este recorte serão introduzidos o histórico, as abordagens, as proposições e as críticas relacionadas a tal escola sociológica. Em uma das seções do artigo, será realizada uma comparação entre o que é proposto pelos adeptos de um estudo somente relacionado ao desenvolvimento sustentável e por pesquisadores que privilegiam modernização ecológica. Vale mencionar que o caráter deste artigo, em relação a sua qualificação metodológica, é qualitativo, por ser esta uma forma adequada de entender a natureza de um fenômeno social, exploratório, por proporcionar maior familiaridade com o problema em investigação, e bibliográfico, por ser elaborado a partir de contribuições de materiais nacionais e internacionais com devida credibilidade científica (MARTINS; THEÓPHILO, 2007). 2 Desenvolvimento Sustentável e Sociologia Ambiental Hannigan (1995), Klandermans (1992), Spector e Kitsuse (1973) e Taylor (2000) aderem a esta perspectiva construtivista ao observarem o ambiente como uma construção social. Logo, os problemas ambientais são, na verdade, problemas sociais, uma vez que representam constructos sociais reivindicatórios definidos por ações coletivas. Por construção social, os autores supramencionados entendem que os problemas ambientais não possuem natureza estática. Eles não podem ser sempre identificados pela realidade identificável, visível e objetiva. Desta maneira, diferentes grupos inseridos em um contexto social identificam e definem os problemas ambientais pelo desenvolvimento e multiplicação de significados e interpretações comunais oriundas das discussões em evidência. Assim, uma perspectiva construtivista está diretamente relacionada a maneira pela qual diferentes pessoas assimilam diferentes conceitos em seu específico mundo social. Em face desta imprescindível tarefa recorre-se a sociologia ambiental. De ante mão ressalta-se que não consta nos objetivos deste trabalho a realização de um levantamento bibliográfico extenso sobre a sociologia ambiental. O que se deseja é analisar, brevemente, algumas de suas escolas e dentre estas extrair aquela que apresente maior coerência com os propósitos desta dissertação. Assim, não se trata de uma análise finita e esgotável, A sociologia ambiental, então, é uma escola advinda da sociologia. Para análise da mesma serão consideradas contribuições oriundas das proposições de Catton e Dunlap (apud LENZI, 2006), de Foladori (2001), de Beck (1998) e de Mol (1995, 2000). As contribuições destes autores serão unidas as contribuições de outros autores que discutiram as suas obras. Catton e Dunlap (apud LENZI, 2006) consideraram que as inúmeras perspectivas teóricas que competiam por um lugar de relevância junto a sociologia contemporânea, tais como o funcionalismo, o interacionismo simbólico, a etnometodologia, a teoria do conflito e o marxismo eram demasiadamente diferentes em suas fundamentações mas idênticas por uma caracterização antropocêntrica. Por este antropocentrismo foi estruturado o Human Exceptionalism Paradigm (HEP). Em resposta a este paradigma Catton e Dunlap (apud LENZI, 2006, p.27) “propuseram um novo conjunto de pressupostos que tornariam a sociologia mais sensível à realidade ambiental, que chamaram New Environmental Paradigm (ou NEP)”. Em publicação feita no ano de 1978 os 190

autores Catton e Dunlap, como uma conseqüência do NEP concluíram que “o estudo da interação entre o meio ambiente e sociedade é o núcleo da sociologia ambiental” (LENZI, 2006, p.27). O quadro exposto em seqüência apresenta as principais diferenças entre estes paradigmas. Pressupostos do Human Exceptionalism Paradigm – HEP 1. Seres humanos são únicos entre as criaturas da terra devido a sua cultura. 2. A cultura pode variar indefinidamente e pode mudar mais rapidamente que os traços biológicos.

Pressupostos do New Environmental Paradigm – NEP 1. Seres humanos são apenas uma espécie entre muitas outras interdependentemente envolvidas na comunidade biótica, que modela a vida. 2. Ligações intrincadas de causa e efeito e feedback na rede da natureza produzem conseqüências não intencionadas da ação humana intencional. 3. O mundo é finito, assim há limites físicos e biológicos potenciais constrangendo o crescimento econômico, o progresso social e outros fenômenos societais.

3. Muitas diferenças são socialmente induzidas antes do que congênitas, elas podem ser socialmente alteradas quando vistas como inconvenientes. 4. A acumulação cultural significa que o progresso pode continuar sem limites, tornando todos os problemas solucionáveis. Quadro 06 – Mudança paradigmática proposta por Catton e Dunlap Fonte: Catton e Dunlap (apud LENZI, 2006, p.27).

Em 1979 os mesmos autores procuraram conceder uma classificação sobre o que a sociologia discutia com relação as questões ambientais. Desta iniciativa inaugurou-se uma distinção entre a sociologia das questões ambientais e a sociologia ambiental (LENZI, 2006). A primeira [...] seria ainda tributária de uma sociologia mais tradicional, incorporando apenas marginalmente o tema ambiental, enquanto a última [...] traria a questão ecológica em seu cerne. Além disso, nesse texto ocorre uma reformulação do binômio HEP versus NEP. As siglas passam a ter novos significados: Paradigma do Excepcionalismo Humano (Human Exemptionalism Paradigm – HEP) e Novo Paradigma Ecológico (New Ecological Paradigm – NEP) (LENZI, 2006, p27).

Os estudos destes dois pesquisadores têm seqüência com outras publicações, mas em síntese não agregaram grandes inovações. Observa-se pela continuidade de suas proposições algumas situações dúbias, além do retorno ao tão questionado antropocentrismo. Apesar de identificarem como uma das fontes da crise ambiental a identidade cultural dos povos (epistemologia construtivista) eles não conseguem evoluir para um patamar de proposições alternativas para o tratamento desta crise. Eles simplesmente questionam o sistema capitalista e conferem uma responsabilidade heróica as ONGs, ou seja, falham em introduzir um quadro de análise que vislumbre o desenvolvimento de soluções sociais para os problemas ambientais. Foladori (2001) ao discorrer sobre as bases do conhecimento humano e o meio ambiente, argumenta favoravelmente aos argumentos críticos de Catton e Dunlap (apud LENZI, 2006), mas utiliza-se de um discurso marcadamente marxista e enfaticamente caracterizado por um materialismo dialético. Em suas proposições existe um compromisso com uma sociedade coletivista questionadora dos modos de operações capitalistas. Em alguns momentos, suas considerações a respeito dos sistemas institucionais existentes são tão alarmantes e catastróficas que alcançam um escopo reducionista. Sua ênfase sobre questões unicamente biológicas denunciam uma vertente da sociologia ambiental impossível de se alinhar a discussões que efetivamente possam ser operacionalizadas. Beck (1998) e Foladori (2001) se assemelham em alguns pontos. Ambos são críticos e acabam por construir uma concepção da realidade respaldada por um corpo de idéias próprias. A posição crítica dos dois autores é extremamente aguçada, e as considerações catastróficas se fazem muito presentes em suas narrativas. Beck (1998) introduz a sociologia, no entanto, alguns termos como: teoria da sociedade de risco, modernidade reflexiva e irresponsabilidade organizada. Goldblatt (1996) ao descrever a contribuição de Beck diz: 191

A obra de Beck tem uma particular importância para qualquer pessoa interessada na resposta da teoria social à degradação do meio ambiente e à política de ambiente. O aspecto característico de sua obra consiste em localizar as origens e conseqüências da degradação do ambiente precisamente no centro de uma teoria da sociedade moderna, em vez de considerá-la um elemento periférico ou uma reflexão teórica posterior. A sociologia de Beck e as sociedades que ele descreve são dominadas pela existência de ameaças ecológicas e pela forma como as entendemos e lhes reagimos. Na realidade, podemos ser levados ao ponto de afirmar que a sociedade de risco é firmada e definida pela emergência destes perigos ecológicos, caracteristicamente novos e problemáticos (GOLDBLATT, 1996, p.228).

Quando o autor discorre a respeito da modernidade reflexiva ele deseja expressar um momento em que um paradigma existente, até então fundamentado em conotações incertas, entra em colapso. Neste momento, tudo o que ocorre na sociedade, objetiva e subjetivamente passa a ser foco de análise, situação que denuncia o elevado nível de incerteza que impregna as relações sociais. Como impacto desta incerteza verifica-se que agentes sociais rompem de forma drástica com suas crenças ao se desvencilharem de qualquer comprometimento institucional (COHEN, 1997). A teoria da sociedade de risco, em parte justificada por uma modernidade reflexiva é complementada pela noção de uma irresponsabilidade organizada, por meio da qual nota-se “um encadeamento de mecanismos culturais e institucionais pelos quais as elites políticas e econômicas encobrem efetivamente as origens e conseqüências dos riscos e dos perigos catastróficos da recente industrialização” (GOLDBLATT, 2006, p.241). Apesar de introduzir uma nova teoria, a da sociedade de risco imersa em conotações construtivistas, Beck (1998) vai além das críticas realizadas por Foladori (2001). Este ainda assume uma abordagem marxista, enquanto aquele critica o sistema capitalista, ou seja, nega qualquer possibilidade de análise funcionalista, e também rompe com as premissas aliadas ao marxismo. Trata-se, portanto, de uma abordagem inovadora da sociologia ambiental, mas que também não permite a análise do desenvolvimento sustentável em termos operacionais. O que pode ser observado em comum entre Catton e Dunlap (apud LENZI, 2006), Foladori (2001) e Beck (1998) é uma adesão aos princípios revolucionários dos movimentos ambientalistas. Dentre eles, destaca-se o movimento da justiça ambiental, para muitos definidos não mais como um simples movimento mas como um paradigma de interpretação e ação para as causas ambientais mundiais (TAYLOR, 2000). Estes grupos são essencialmente radicais, e bem por isso apresentam uma atividade crítica muito aguçada. Entretanto todos eles, assim como as abordagens da sociologia ambiental defendidas pelos autores anteriormente mencionados, não propõem mudanças e metodologias de resposta, uma vez que ficam demasiadamente presos ao enfoque crítico da situação contemporânea. Não se questiona a validade de suas assertivas, ao contrário, admite-se todas como verdade, todavia, elas são utilizadas apenas como fonte de novos estudos interessados em promover melhorias em diferentes ambientes sociais, como por exemplo, as organizações. As premissas que sustentam estes movimentos e estas vertentes da sociologia ambiental são: a extinção do sistema capitalista, a reivindicação por práticas econômicas não baseadas em processos de produção, melhores condições de vida para todas as camadas sociais, e, a atuação sobre problemáticas ambientais por meio de vias radicalistas e revolucionárias (BUTTEL, 2000; MOL, 2000; TAYLOR, 2000). Esta caracterização apenas comprova as considerações anteriores sobre a impossibilidade de utilizar tais segmentações da sociologia ambiental em um estudo que se interesse por operacionalizar as premissas do desenvolvimento sustentável. Mol (2000) traz uma resposta a esta necessidade. Em seu artigo The environment movement in an era of ecological modernization, publicado em 2000, ele realiza uma brilhante explicação do processo de enfraquecimento, transformação e adaptação destes movimentos ambientais. Estes passam a aceitar o sistema capitalista por uma visão dúbia: por ele se originam os problemas causadores de uma crise ambiental, mas é por ele que se originam as soluções. 192

Mol (2000) traz a tona uma nova escola da sociologia ambiental, denominada de teoria da modernização ecológica, a qual aceita o problema ambiental por uma via construtivista e o trata por considerações funcionalistas. O exercício da crítica não está excluído nas fundamentações da teoria da modernização ecológica, ao contrário, é por este que a teoria tem se aprimorado constantemente. A ênfase desta proposição teórica está em economizar a ecologia e ecologizar a economia, por meio de uma série de transformações institucionais, as quais permitirão o funcionamento do sistema capitalista por métodos de atuação mercadológicas mais responsáveis (GIBBS, 2000; JÄNICKE, 2007). 3 A Teoria da Modernização Ecológica Entende-se por modernização ecológica uma perspectiva de conhecimentos enraizada na sociologia ambiental, uma das disciplinas estudadas pelas ciências sociais. A modernização ecológica tem adquirido influência junto a sociologia ambiental, e também, mas em menor escala de relevância, junto as ciências geográficas e políticas. Pela amplitude de abordagens da literatura internacional sobre modernização ecológica, esta tem sido continuamente pesquisada por sociólogos, e neste artigo em específico, adota-se a abordagem explorada pela sociologia ambiental. Para Buttel (2000) a ascensão da modernização ecológica como uma perspectiva teórica da ciência da sociologia ambiental é admitida como meteórica e inesperada por inúmeros autores. Esta denominação tem surgido para apresentar uma possível teoria a ser reconhecida como uma representante de discussões atuais sobre sustentabilidade, a qual deve permanecer e dialogar com corpos de conhecimentos antigos e de relevante influência junto a sociologia ambiental em temas referentes as tradições de produção do sistema capitalista (muito exploradas por Schnaiberg, 1980) e as noções sobre o paradigma do excepcionalismo humano e o novo paradigma ambiental (pesquisados por Catton e Dunlap apud LENZI, 2006). Nos anos 1980 um grande número de sociólogos e outros cientistas sociais que tinham a deterioração ambiental e a reforma ambiental como temas centrais aos seus estudos começaram a observar que algumas mudanças significantes começavam a tomar lugar junto ao discurso ambiental, as políticas ambientais e as instituições até então responsáveis por tratar as problemáticas ambientais. Começavam a ser estabelecidos debates não muito radicais, os quais se preocupavam em responder a estas transformações ocorrentes por uma nova linguagem e uma nova abordagem estrutural, ambas inseridas em um contexto de discussão alicerçado por preocupações com o meio ambiente, daí o surgimento da teoria da modernização ecológica (MOL, 2000). Jänicke (2007) complementa que o termo modernização ecológica foi introduzido com o intuito de fornecer uma fórmula que integrasse ecologia e economia. A intenção era unir, à orientação dos processos de modernização, os mercados econômicos em desenvolvimento às práticas de desenvolvimento ambiental até então caracterizadas como amenas. Por esta união entre ecologia e economia York e Rosa (2003) não hesitam em admitir que a teoria da modernização ecológica tem se desenvolvido como uma teoria neoliberal e, também, como uma das teorias mais relevantes da sociologia ambiental. A mesma modernização ecológica é aceita por Gibbs (2000) como uma abordagem que observa, investiga e propõe alternativas para a problemática ambiental. Para o autor a modernização ecológica argumenta que o desenvolvimento econômico e a crise ecológica (ou ambiental) podem coexistir e, por conseguinte, induzir a formação de um novo modelo de desenvolvimento à economia capitalista. Como uma abordagem de pesquisa a modernização ecológica é especificamente adotada para conciliar orientações teóricas e empíricas em respostas coerentes para os problemas ambientais. Em termos gerais, o objetivo da teoria da modernização ecológica está em analisar como as sociedades industriais contemporâneas se comportam em relação a crise do meio ambiente (MOL; SPAARGAREN, 2000). Esta teoria propõe que o contínuo desenvolvimento industrial, ao invés 193

de degradar o meio ambiente, oferece a melhor alternativa para se escapar de uma ruptura ecológica global. Para York e Rosa (2003) uma idéia central à teoria da modernização ecológica está em que os níveis elevados de industrialização, de desenvolvimento tecnológico e de crescimento econômico são, não somente compatíveis com a sustentabilidade ecológica, mas também orientadores de uma reforma ambiental maior. Uma vez introduzida a teoria da modernização ecológica passa-se a seguir em uma discussão que abordará o histórico e a estruturação deste corpo teórico. 4 A Teoria da Modernização Ecológica: Histórico, Abordagens e Estrutura O conceito de modernização ecológica foi primeiramente aplicado por um grupo de pesquisa gerido pelo Berlim Business Center e adotado por uma pequena comunidade de cientistas sociais alemães, algumas vezes caracterizados como a escola alemã de política ambiental (JÄNICKE, 2007). Mol (2000) e Buttel (2000) comungam sobre uma história literária da modernização ecológica segmentada em duas diferentes gerações. A primeira geração é composta por estudos realizados em toda a década de 1980 e início da década de 1990, os quais foram conduzidos principalmente por pesquisadores alemães e holandeses. Esta primeira geração se baseou nos pressupostos gerais de que uma democracia liberal capitalista possui a capacidade institucional de processar e amenizar seus impactos sobre o ambiente natural, e, também na premissa de que o desenvolvimento pleno de uma democracia liberal e capitalista resultaria na melhoria dos resultados ecológicos. Já a segunda geração, introduzida em meios da década de 1990, avessa a primeira, gira em torno de estudos que procuram identificar processos sociopolíticos específicos por meio dos quais a modernização das democracias liberais e capitalistas confluem ou bloqueiam resultados ecológicos mais benéficos. Ao longo destas duas gerações Buttel (2000) identifica quatro abordagens diferentes sobre as quais a modernização ecológica é empregada: a escola sociológica da modernização ecológica; a modernização ecológica como padrão descritivo para os discursos ambientais; a modernização ecológica como sinônimo para estratégias de gestão ambiental; e, a modernização ecológica como noção de política de inovação ambiental ou progresso ambiental. Estas abordagens são exploradas e detalhadas no quadro 07.

Abordagem Primeira

Segunda

Descrição Existe uma escola sociológica da modernização ecológica. Esta é oriunda de uma perspectiva norte americana e britânica, discutida principalmente por Arthur P.J. Mol e Gert Spaargaren (2000), dois autores admitidos como figuras centrais ao debate em questão. No entanto, na Alemanha e na Holanda e em demais países europeus que tratam sobre a modernização ecológica existe uma valorização das proposições realizadas pelos pesquisadores Joseph Huber (2000) e Martin Jänicke (2007). Representa-se por uma noção de descrição predominante dos discursos e políticas ambientais. A maior personagem acadêmica associada a esta perspectiva político-discursiva e social-construtivista é o autor Hajer. Para ele a modernização ecológica não se trata de uma predição de tendências fortes em relação as indústrias envolvidas em progressos ecológicos, mas sim de uma categoria de descrição dos discursos de políticas ambientais promovidos em países desenvolvidos. O construtivismo de Hajer (1995) está no extremo oposto do objetivismo explícito na literatura da modernização ecológica, bem por isso, ele considera que o tema deve servir como um diluente aos impulsos políticos direcionados as reformas ambientais, pela compreensão de que limites responsáveis de expansão econômica, crescimento do consumo e a intensiva capacidade de mudança tecnológica comprometem a habilidade dos estados validarem uma maior qualidade de políticas ambientais. Para muitos estudiosos (inclusive para os adeptos da visão tradicional da modernização ecológica) o caráter social e construtivista dos trabalhos de Hajer é hostilizado por ser

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Autores HUBER (2000) JÄNICKE (2007) MOL & SPAARGAREN (2000) HAJER (1995)

considerado como incompatível as premissas da modernização ecológica. Quando a modernização ecológica é freqüentemente utilizada como um ANDERSEN sinônimo para estratégias de gestão ambiental, ecologia industrial, eco(1994) reestruturação etc (HAWKEN, 1993; AYRES, 1998). De fato, a literatura AYRES (1998) predominante sobre modernização ecológica possui uma tendência de conceder uma ênfase primária aos progressos ambientais conquistados pelo setor privado, HAWKEN particularmente em relação as indústrias de manufatura e setores associados a (1993) estas atividades. Os cientistas sociais, no uso de várias abordagens teóricas SCHNAIBERG (SCHNAIBERG, 1980; ANDERSEN, 1994), utilizam esta mesma noção de (1980) modernização ecológica para referirem-se aos comportamentos dos setores privados e pesquisarem os fatores que possibilitam o aumento de eficiência e a redução de poluição e dispêndio de recursos naturais. Quarta Existem alguns autores que utilizam uma noção de modernização ecológica para MURPHY referirem-se a qualquer política de inovação ambiental ou progresso ambiental. (1997) Murphy (1997), por exemplo, se refere as políticas estadistas que fazem possíveis as internalizações das externalidades ambientais, as quais ele considera como instâncias da modernização ecológica. Quadro 07 – As abordagens da teoria da modernização ecológica Fonte: elaborado pelo autor a partir das considerações de ANDERSEN (1994); AYRES (1993); BUTTEL (2000); HAJER (1995); HAWKEN (1993); HUBER (2000); JÄNICKE (2007); SCHNAIBERG (1980); MOL, SPAARGAREN (2000); MURPHY (1997) Terceira

Estas quatro abordagens constroem a teoria da modernização ecológica. É possível perceber que estas abordagens acontecem de maneira simultânea. No entanto, a força representativa de cada uma delas se altera com o decorrer do tempo. O início das discussões sobre a teoria da modernização ecológica se deu por um enfoque mais nacional e elitista, enquanto que o desenvolvimento de seu discurso começou a observar menores escalas de análise (países em desenvolvimento, grupos sociais, organizações) por processos de avaliação de métodos sociais mais participativos (SONNENFELD; MOL, 2002). As literaturas sobre modernização ecológica mais recentes tem se preocupado em comparar estas gerações e abordagens, por metodologias que incluam em suas análises situações que tratem dos meios pelos quais o processo de globalização pode, e deve, catalisar as ações de modernização ecológica evidenciada em nações desenvolvidas, ou, em desenvolvimento. Hajer (1993) está entre estas tendências, principalmente naquela relacionada à segunda geração da modernização ecológica. Para ele a teoria da modernização ecológica alcança duas interpretações: a primeira é uma interpretação tecno-corporativista que prioriza a economização da natureza e estruturas de decisões elitistas, e, a segunda, que é uma interpretação mais próxima das visões de sustentabilidade, a qual não somente enfatiza mudanças para a produção e para o consumo, mas prioriza estas transformações por uma veia mais democrática, distributiva e amparada pelas proposições da justiça social (HAJER, 1993). Christoff, citado por Gibbs (2000), visualiza estas duas interpretações como espectros fortes e fracos da modernização ecológica, os quais são explanados por meio do quadro abaixo. Modernização ecológica fraca Soluções tecnológicas para os problemas ambientais

Estilos tecnocráticos e corporativistas de elaboração de políticas realizados pelas elites cientificas, econômicas e políticas Restrito a nações desenvolvidas que se utilizam da modernização ecológica para consolidar suas vantagens econômicas globais Impõe uma estrutura fechada, rígida e unilateral de desenvolvimento político e econômico

Modernização ecológica forte Amplas mudanças nas estruturas institucionais e econômicas da sociedade por meio da incorporação de preocupações ecológicas Tomada de decisões por processos abertos e democráticos, marcados pela participação e envolvimento da sociedade Preocupada com as dimensões internacionais do meio ambiente e desenvolvimento econômico Uma abordagem mais aberta não participada de uma visão unilateral, mas por múltiplas possibilidades orientadas por premissas da modernização ecológica.

Quadro 08 – Modernização ecológica fraca e forte

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Fonte: Christoff apud GIBBS (2000).

Hajer (1995) desenvolve esta idéia de modernização ecológica forte como uma modernização ecológica reflexiva, por meio da qual o desenvolvimento político e econômico avançam sobre bases críticas de auto-conhecimento social, ao envolver em seu discurso questões como o escrutínio público e controle democrático, enquanto que a modernização ecológica fraca envolve uma linha de debates sobre economias capitalistas já ameaçadas pela crise ecológica. Uma vez compreendido o histórico, a estrutura e as abordagens desta teoria, acredita-se ser possível caminhar com a discussão ao apresentar as relações e os propósitos da teoria da modernização ecológica, o que é feito no próximo tópico, para em seguida o conceito de desenvolvimento sustentável ser abordado. 5 Teoria da Modernização Ecológica: Proposições Ainda que consideradas algumas diferenças enfáticas como as demonstradas no tópico anterior, a teoria da modernização ecológica, de acordo com Mol (2000) encontra alguns denominadores comuns nos seguintes fatores: a deterioração ambiental é compreendida como um desafio, que para ser superado requer uma forma econômica amparada por uma força sócio-técnica, logo, a crise ambiental não é aceita como uma conseqüência inevitável advinda de estruturas institucionais existentes; uma ênfase maior é concedida para instituições modernas responsáveis por promover reformas ambientais, tais como as relacionadas aos assuntos específicos e tecnológicos, logo, as nações, as políticas globais e o mercado global são vislumbrados nos processos de modernização ecológica; e, em termos acadêmicos adota-se uma posição menos rigorosa do que a praticada pelos neo-marxistas e outras contribuições advindas de grupos pósmodernos que pregam o fim do sistema de produção capitalista. Mol e Spaargaren (1993) endossam estes denominadores comuns por admitirem que o comprometimento da modernização ecológica com o projeto da modernidade e o seu potencial em desenvolver um capitalismo sustentável provem da crença de que todas as alternativas apresentadas para a presente ordem econômica têm se mostrado inaplicáveis mediante uma série de critérios econômicos, ambientais e sociais. Buttel (2000) informa que as proposições da modernização ecológica hipotetizam que, enquanto os problemas ambientais mais desafiadores deste século (e do seguinte) têm sido causados por processos de modernização e industrialização, suas respectivas soluções estão em discussões que vão muito além do que simples considerações sobre redução dos níveis de modernização e industrialização. Em palavras diferentes, levanta-se a hipótese de que não somente o capitalismo é institucionalmente flexível para promover uma nova direção sustentável do sistema, mas a sua intrínseca competição entre capitais, pode, sobre determinadas condições políticas, realizar a constituição de uma nova estrutura orientada para a promoção de processos produtivos menos poluidores e mais eco-eficientes, além de práticas de consumos mais conscientes (MOL; SPAARGAREN, 1993). Assim, como uma teoria social, a modernização ecológica deve reconhecer e teorizar sobre como a função da eco-eficiência capitalista e a racionalização de recursos podem influenciar as reformas ambientais. Considera-se a modernização ecológica uma resposta crítica, senão decisiva, ao ambientalismo radical. A modernização ecológica compreende o ambiente como um espaço autônomo e ilimitado para tomada de decisões (a emancipação da ecologia). Por último, mas talvez a hipótese mais fundamental está em acreditar que os processos de modernização ecológica representam uma reflexão das políticas ambientais, tornadas possíveis por uma reestruturação estatal (BUTTEL, 2000; MOL, 1995). Ao invés de uma posição ecológica radical e restruturante a modernização ecológica, então, afiliase a versões de sustentabilidade que consideram um processo de modernização progressiva das instituições da sociedade moderna, ou seja, o oposto da destruição e desaparecimento das mesmas (MOL; SPAARGAREN, 1993). A modernização ecológica propõe que uma transformação 196

estrutural precisa ocorrer em um nível macroeconômico, por meio da utilização, em diferentes firmas, de tecnologias novas e limpas (GOULDSON; MURPHY, 1997). Gibbs (2000) consente a respeito desta escala macro, mas defende que a modernização ecológica também deve ser implementada para informar, teoricamente, uma relação com as escalas subnacionais. Neste modelo, as soluções para os problemas ambientais são desenvolvidas dentro de determinadas condições estruturais e dentro de determinados contextos situacionais, ao envolver atores e estratégias, juntamente com os fatores institucionais, econômicos e informativos. Em um quadro como este Jänicke (2007) admite que a consideração das possíveis vantagens econômicas e respectivos benefícios da modernização ecológica é essencial ao debate estabelecido. A mesma importância deve ser concedida a discussões sobre a capacidade governamental de manter, simultaneamente, uma economia que respeite o meio ambiente e que cresça progressivamente em termos tecnológicos e financeiros. Esta admoestação remete as assertivas de Sonnenfeld e Mol (2002), para os quais a modernização ecológica tem se concentrado em uma reforma ambiental localizada em níveis representados pelos governos, pelos movimentos ambientais, pelas empresas e, também, por diferentes formas de organizações sociais. Gibbs (2000) complementa a discussão ao mencionar que o conceito de modernização ecológica pode ser utilizado em dois níveis principais. O primeiro relaciona-se a um conceito teórico que analisa as mudanças necessárias de serem vivenciadas por instituições centrais da sociedade moderna, as quais promoverão respostas para questões da crise ecológica. O segundo remete a utilização da modernização ecológica como padrão de descrição para um programa político, ou seja, trata-se de um nível mais pragmático utilizado para redirecionar os feitos em políticas ambientais. Em relação ao primeiro significado a modernização ecológica clama por uma mudança maior ou uma transformação ecológica nos processos de industrialização, os quais levam em conta a necessidade de se manter uma base sustentável. Quanto ao segundo significado, o de um programa político pragmático, a modernização ecológica deve ser auxiliada por diferentes organizações, uma vez que envolve vantagens financeiras e responde a questões ambientais por noções de lucros empresariais. A modernização ecológica enquanto teoria social assume a responsabilidade de promover o acontecimento do desenvolvimento sustentável em um sistema capitalista, e para tanto necessita do aporte de esferas governamentais, sociais, ambientais e organizacionais (SONNENFELD; MOL, 2002). A estruturação destas proposições se dá por uma série de premissas, as quais advêm de inúmeros autores adeptos a esta teoria. De todas as considerações proferidas por estes pesquisadores, foram selecionadas aquelas que melhor exemplificam e ilustram as proposições da teoria da modernização ecológica. Apresentam-se abaixo estes sustentáculos da teoria: As forças orientadoras de uma modernização ecológica são (JÄNICKE, 2007): A lógica capitalista e a competitividade por inovações em combinação com a potencialidade do mercado em relação as necessidades ambientais globais: soluções tecnológicas para problemas ambientais oferecem relações de negociações nas quais todos os participantes ganham; As regulamentações ambientais coerentes que inicialmente implantadas por alguns países cujas pressões ambientais e a grande capacidade de inovação se tornaram aliadas para motivar o desenvolvimento de vantagens competitivas. As regulamentações ambientais são pré-requisitos para os processos de inovação e difusão; e, A insegurança sobre o crescimento econômico e os riscos para as indústrias poluidoras no contexto de aumento da complexidade da governança ambiental global. Este aumento nos riscos de negócios faz da modernização ecológica um porto seguro para empresas intensivamente ambientais. Como um programa político pragmático, a modernização ecológica concede respostas as questões ambientais por noções de lucros empresariais em cinco diferentes maneiras (DRYZEK, 1997): 197

A redução da poluição e do consumo de poluentes resulta em maior eficiência do negócio; A abolição de dívidas futuras, tais como as obrigações de tratar os ambientes contaminados pelas atividades empresariais; Por meio da venda de produtos ambientalmente amigáveis; Por meio da comercialização de tecnologias que previnem e extinguem a poluição; e, A criação de um ambiente melhor angaria benefícios na atração de uma força de trabalho melhor qualificada. A modernização ecológica provê condições para ações ambientais efetivas por meio da ascensão de uma estrutura amparada por diversos atores sociais, constituída por (GIBBS, 2000): Um sistema cognitivo e informativo. As condições estruturais, dentro de um determinado conhecimento ambiental, são produzidas, distribuídas, interpretadas e aplicadas; Um sistema político institucional que engloba as estruturas institucionais, legais, regras e normas institucionalizadas de uma sociedade; e, Um sistema tecnológico e econômico que inclui desempenho econômico, níveis tecnológicos e composições setoriais. O contexto da modernização ecológica, então, admite uma valorização do padrão econômico capitalista, reconhece a importância da atuação regulamentadora do estado em questões ambientais, admite a necessidade de movimentos ambientais para fiscalizarem tanto o governo quanto as empresas, e estas são reconhecidas como fundamentais para os processos envoltos a modernização ecológica, uma vez que são responsáveis pelo giro econômico, abastecimento de necessidades sociais básicas por meio de suas atividades produtivas e prestações de serviços, e relacionamento intensivo com o meio ambiente. Pelas empresas surgem processos alinhados com as determinações governamentais e por elas se estabelecem ações de resposta às cobranças proferidas pelos movimentos ambientais. É por meio delas, também, que a economia se desenvolve, que empregos são gerados e que resultados sociais benéficos podem ser alcançados. Suas atividades fins possibilitam o pagamento de impostos, a remuneração de seus funcionários, a distribuição de lucros entre os acionistas, mas também devem preocupar-se com a sustentabilidade de suas operações e negociações em termos ambientais, sociais e econômicos. 6 Desenvolvimento Sustentável ou Modernização Ecológica? O desenvolvimento sustentável é concebido por muitos autores como um tema inserido nas proposições da modernização ecológica. Eles compreendem a teoria da modernização ecológica como um conjunto macro dentro do qual se vislumbra as exigências por um desenvolvimento sustentável. Embora a utilização do termo ‘desenvolvimento sustentável’ tenha sido usada em tempos anteriores, ele foi popularizado na publicação do Relatório Brundtland (1987). A definição utilizada por Brundtland (1987) enfatiza o suprimento das necessidades do presente sem comprometer a habilidade de gerações futuras sanarem suas condições de sobrevivência. Apesar das definições sobre desenvolvimento sustentável variarem, muitas delas fazem alusão aos seguintes princípios fundamentais (GIBBS, 2000): Qualidade de vida (incluindo e unindo aspectos sociais, econômicos e ambientais); Cuidados com o meio ambiente; Preocupações com o futuro e princípios de precaução; Noções de justiça e equidade; e, Relações participativas e promotoras de parcerias sociais. 198

Trata-se de um tema muito discutido, contestado e até mesmo massificado. Torgerson (1995) comenta sobre a ambigüidade do termo e também considera a maneira sobre a qual é permitida aos atores políticos em procederem sem um acordo específico sobre as ações a serem tomadas em direção a reformas incrementais ao invés das reformas radicais tão defendidas pelos ecologistas radicais. Dryzek (1997) complementa esta miscelânea de contribuições ao admitir o desenvolvimento sustentável como um simples discurso ambientalista como muitos outros, mas que dentre eles exerce certa dominância. O desenvolvimento sustentável pode ser entendido como um discurso que prioriza um alcance de poder além daquele participado pelas nações. Para Luke (1995) os discursos do desenvolvimento sustentável podem ser relidos por uma nova formação que integra poder e conhecimento, que tem por objetivo a acumulação de poder para comunidades sub-nacionais e supranacionais menos representativas, por meio da mobilização de novos conhecimentos sobre o desempenho econômico de diferentes nações que realizam o seu crescimento por métodos de governo irresponsáveis. Ao invés de focar os territórios e nações soberanas, estes discursos procuram, em domínios subnacionais e transnacionais, por ecossistemas sustentáveis para reconfigurar os circuitos de geração e utilização de poderes ecológicos. Sonnenfeld e Mol (2002) comentam que apesar de haverem tendências que rumem nestas duas direções (sub-nacionais e supranacionais), percebe-se que a noção de estado-nação ainda permanece como prioridade das atividades regulatórias ao redor do planeta. Nesta escala, apesar de uma ampla aceitação do conceito de desenvolvimento sustentável como base para elaboração das políticas ambientais, observa-se uma tendência maior, dentre as nações industrializadas, de se priorizar um discurso que ampare estas mudanças por uma economia voltada pelas vontades do mercado, ou seja, por um cenário de globalização econômica alicerçado em um sistema de acordos livres, o qual se contrapõe a aceitação de um desenvolvimento sustentável efetivo. Se compreendido que o sistema econômico capitalista baseado em mercados procura por um padrão de dominação global e econômico, uma resposta tem sido o argumento de que a integração entre políticas econômicas e ambientais pode ser simultaneamente lucrativa para as organizações e contributiva para o alcance de um desenvolvimento sustentável por meio de processos de modernização ecológica (GIBBS, 2000). Hajer (1995) e Harvey (1996) conectam a modernização ecológica ao desenvolvimento sustentável por um discurso central e político baseado na teoria da modernização ecológica. No entanto, a teoria da modernização ecológica possui um rigor analítico superior ao participado pelo desenvolvimento sustentável e participa de uma forma mais definida e um foco melhor estabelecido do que os proferidos pelo desenvolvimento sustentável quanto às necessárias posturas em relação as políticas econômicas capitalistas. (DRYZEK, 1997). Buttel (2000) concorda com Dryzek (1997) ao afirmar que o conceito de desenvolvimento sustentável não poderia se estabelecer como uma contribuição que superaria uma série de interrogações por meio de um corpo de conhecimento nebuloso e, ainda mais, impreciso para construir um conjunto coerente de hipóteses que confluiria na geração de inúmeros grupos de pesquisa. Talvez, pelo reconhecimento deste fato, alguns dos pensadores mais inovadores vinculados as premissas da teoria da modernização ecológica, particularmente Mol e Spaargaren (1993), direcionaram esforços consideráveis no intuito de alavancar a modernização ecológica como um fenômeno já existente e implícito à teoria social. Buttel (2000) e Weidner (2002) confirmam as considerações de Mol e Spaargaren (1993) e ressaltam que a modernização ecológica requer um comprometimento político com preocupações de longo prazo, o que ocorre por uma abordagem mais holística direcionada ao desenvolvimento econômico e a crise ambiental. O trabalho de Jänicke (2007) sugere que a habilidade das nações em empreender estas abordagens holísticas resultam de uma interação entre seus desempenhos econômicos e as suas capacidades para inovação, pensamento estratégico e práticas de governos consensuais, muitas das quais, de acordo com o autor, dependentes das organizações contemporâneas. 199

A teoria da modernização ecológica avança sobre as proposições de um desenvolvimento sustentável por inúmeras diferenças, tais como a apresentada por Gibbs (2000) que diz que enquanto o desenvolvimento sustentável considera que o poder deve ser distribuído simultaneamente em escalas internacionais e locais, a modernização ecológica não necessariamente exige o desagrupamento da noção de estado-nação. Todavia, enquanto alguns autores reconhecem que a localização do espaço de discussão pode ser algo desejável, a intensificação da internacionalização das relações sociais e o aumento da distância temporal e espacial dentro das sociedades modernas faz com que a realização das metas da modernização ecológica se realizem em um contexto de experimentos locais, os quais não estão isentos das relações de poderes e forças de mercado muito debatidas somente em níveis de discussões internacionais (SPAARGAREN; MOL, 1992). Apesar de uma teoria neoliberal Mol e Spaargaren (1993) criticam uma visão de desenvolvimento demasiadamente técnica e desvinculada de regulamentações, uma vez que é muito difícil a realização de uma modernização ecológica sem a intervenção estatal em vários níveis. Os experimentos locais supramencionados são realizados em grande parte pelas organizações, as quais para aderirem ao contexto de uma modernização ecológica precisam obedecer algumas normatizações e exigências oriundas de órgãos e atores com poderes de regulamentação devidamente legitimados (JÄNICKE, 2007). Assume-se, então, o desenvolvimento sustentável é um conceito antecessor da teoria da modernização ecológica, audacioso e abrangente, uma vez que engloba questões sociais, econômicas e ambientais em suas proposições, todavia truncado por não apresentar métodos que viabilizem soluções para os problemas ambientais, o que permite inferir sobre a superioridade da teoria da modernização ecológica nessa perspectiva. Esta, como todas as teorias possuem falhas, críticas e limitações, as quais são exploradas em seqüência. 7 Críticas a Teoria da Modernização Ecológica Este estudo inova ao agregar as contribuições da teoria da modernização ecológica em um contexto de pesquisa brasileiro. Mas, uma vez que se observa uma movimentação de comunidades sociais e científicas rumo a uma exploração das proposições e abordagens apresentadas por este corpo teórico, é necessário fazê-lo por trabalhos que reconheçam suas forças e fraquezas. Primeiramente, de acordo com a vernácula de Buttel (2000), evidencia-se que os pensamentos envoltos às proposições da modernização ecológica não foram desenvolvidos por pontos de vistas comuns e identificáveis a um determinado conjunto de postulados, logo, não verifica-se muitos acordos quanto as suas hipóteses de pesquisa. A modernização ecológica tem sido fortemente orientada por preocupações e transformações extra-teóricas, bem como tem sido utilizada, basicamente, como um conceito misto entre a ciência ambiental e a política ambiental, o qual emerge por meio de contribuições oriundas de diversas ordens de leituras teóricas. Em relação a prática da modernização ecológica, Jänicke (2007) destaca alguns limites: O crescimento econômico tende a neutralizar as melhorias ambientais se o crescimento da eco-eficiência permanecer no caráter incremental, se as inovações ambientais continuarem restritas a determinados nichos ecológicos, e, se as soluções providas tratarem apenas de sintomas e não das causas efetivas dos problemas ambientais. A modernização ecológica reconhece a resistência de prejudicadores da modernização, geralmente dotados de poderes que permitem a limitação do escopo e efeitos de uma política ambiental efetiva. Estes agentes podem não ser fortes o suficiente para prevenir inovações ambientais políticas baseadas em conhecimento, mas, quando se fala de implementação das políticas já existentes, a resistência do poder de base permanece como um importante obstáculo. Harvey (1996) complementa estas limitações com certas noções de risco implícitas a teoria da modernização ecológica. Segundo ele, enquanto esta discussão apresenta a modernização 200

ecológica como uma possibilidade plausível de transformação das economias capitalistas, ela ainda pode ser utilizada como um discurso mentiroso e corrupto dotado de um único interesse, o de dominar os meios de poder econômico. Por esta abordagem, segundo Gibbs (2000) pode-se alcançar uma dominação global de recursos naturais por industrias transnacionais, governos nacionais e grandes movimentos científicos em nome da sustentabilidade. Por fim, admoesta-se que os autores que atualmente militam a modernização ecológica, ou aqueles que futuramente participarão deste movimento, devem reconhecer que esta perspectiva, como afirmam York e Rosa (2003), possui algumas deficiências sedentas de uma correção imparcial. Estas incluem a visão eurocêntrica predominante (o fato das raízes teóricas e empíricas desta teoria terem sido extraídas de países do norte europeu, cujos padrões de vida são muito distintos daqueles vivenciados por grande parte das nações do planeta), a excessiva ênfase sobre indústrias transformativas, a preocupação predominante com fatores de eficiência e controles de poluição ao invés de questões mais importantes como o consumo de recursos naturais e seus respectivos impactos ambientais, a abordagem não crítica sobre as potencialidades inovadoras do capitalismo moderno, e o fato de inúmeras questões fundamentais ainda não respondidas sobre os fenômenos da modernização ecológica não serem contemplados na estruturação da teoria da modernização ecológica. 8 Considerações Finais Foi observado que a sociologia ambiental, uma das escolas ramificadas da sociologia, possui uma diversidade de abordagens, das quais algumas foram brevemente comentadas. Destas concluiu-se que a teoria da modernização ecológica representou uma melhor coerência para com o presente artigo. Esta teoria é comumente utilizada em quatro abordagens: como uma escola sociológica da modernização ecológica; como um padrão descritivo para os discursos ambientais; como um sinônimo para estratégias de gestão ambiental; e, como noção de política de inovação ou progresso ambiental. Verificou-se, também, a presença de duas gerações literárias em referência a esta teoria. A primeira, localizada entre os inícios dos anos 1980 e 1990, considera que os impactos ambientais são simultaneamente gerados e amenizados por um mesmo sistema capitalista. Já a segunda, originada em meados de 1990, avessa a primeira interessa-se em investigar como a modernização de sistemas políticos e econômicos bloqueiam ou promovem melhores resultados ecológicos. Dentre estas abordagens e segmentação geracional, alguns autores identificam duas vertentes para a modernização ecológica: uma fraca e uma forte. A primeira agrega discussões com um caráter fechado, restrito e elitista, uma vez que está presa a realidades específicas de nações industrializadas desenvolvidas. A segunda possui pesquisas marcadas por uma qualificação multilateral, flexível e democrática, pois assume um âmbito de análise simultaneamente global e regional para as premissas da modernização ecológica. Após a compreensão do histórico, abordagens e estruturação desta teoria foi possível esclarecer que sua proposição principal reside em viabilizar o tratamento de problemas ambientais em um contexto institucional amparado em um sistema já existente, o capitalismo. Neste, existe uma série de atores sobre os quais reside uma fonte considerável de pressões interessadas no efetivo acontecimento do desenvolvimento sustentável. Propõe-se, portanto, que a teoria da modernização ecológica alinha a discussão da crise ambiental em um cenário capitalista livre de proposições radicais como as proferidas pelos movimentos ambientalistas revolucionárias. Neste quadro o desenvolvimento sustentável é observado como um fenômeno ocorrente por intermédio de uma cadência de ações tomadas por agentes sociais como: governos, órgãos governamentais, organizações e a própria sociedade em si (WEIDNER, 2002). Nisto a teoria da modernização ecológica toma a frente e estabelece-se como um corpo de conhecimento que engloba o desenvolvimento sustentável. A modernização ecológica, conclui Buttel (2000), é um novo e aprimorado sinônimo para o desenvolvimento sustentável. Ela é mais 201

viável teoricamente por apresentar uma estrutura conceitual maior e por conciliar em suas discussões problemas ambientais de indústrias transformativas instaladas em países desenvolvidos. Por fatores como este a modernização ecológica tem se tornado atrativa como conceito de referência, justamente por oferecer alternativas possíveis para as conotações pessimistas levantadas sobre os níveis de poluição e crescimento econômico do sistema. A teoria da modernização ecológica expressa uma esperança, e faz isso por uma via prática, uma vez que é possível identificar e apreciar a significância das histórias de sucesso ambiental para toda a sociedade, bem por isso, de acordo com Gibbs (2000) esta teoria admite que a sustentabilidade somente pode ser construída por meio de alicerces institucionais legitimados pelas sociedades. Trata-se de um fenômeno que não se baseia unicamente nos valores que precisam ser alterados em relação ao ambiente, mas também em valores e instituições que priorizam o valor do capital e a manutenção das parcerias existentes, desde que benéficas às relações sociais. Como toda teoria, existem algumas críticas, das quais a mais relevante está em sua constituição retórica, que não participou de uma estruturação comum de problemas por parte de um grupo de pesquisadores e, por esta razão, ainda existe pouco consenso quanto aos seus principais propósitos e hipóteses mais relevantes. Em relação a teoria da modernização ecológica propõe-se a realização de estudos futuros que interessem em investigar quais os alicerces epistemológicos que orientam as proposições desta escola da sociologia ambiental. Apresenta-se também a idéia de realizar um levantamento de políticas brasileiras públicas e privadas orientadas ao desenvolvimento sustentável que se aliam aos preceitos da teoria da modernização ecológica. Referências ANDERSEN, M.S. Governance by green taxes. Manchester: Manchester Un. Press, 1994. AYRES, R.U. Eco-restructuring. New York: United Nations Univerity Press, 1998. BECK, U. La sociedad del riesgo. Buenos Aires: Ediciones Paidós Ibérica, 1998. BRUNDTLAND, G.H. Our common future, World Commission on Environment and Development. Oxford: Oxford, 1987. BUTTEL, F.H. Ecological modernization as social theory. Geoforum, v.31, p.57-65, 2000. COHEN, M.J. Risk society and ecological modernisation: alternative visions for post-industrial nations. Futures, v.29, n.2, p.105-119, 1997. DRYZEK, J. The politics of the Earth: environmental discourses. Oxford: Oxford University Press, 1997. FOLADORI, G. As bases de comportamento humano e o ambiente. In: ______ . Limites do desenvolvimento sustentável. São Paulo: Editora da Unicamp, 2001, p.61-82. GIBBS, D. Ecological modernization, regional economic development and regional development agencies. Geoforum, v.31, p.9-19, 2000. GOLDBLATT, D. A sociedade de risco. In: ______ . Teoria social e ambiente. Lisboa: Instituto Piaget, 1996, p.227-267. GOULDSON, A.; MURPHY, J. Ecological modernisation: restructuring industrial economies. In: JACOBS, M. (Org.) Greening the millennium? The new politics of the environment. Oxford: Blackwell, 1997, p.74-86. HAJER, M. Discourse coalitions and the institutionalization of practice: the case of acid rain in Great Britain. In: FISCHER, F.; FORESTER, J. (Orgs.) The argumentative turn in policy analysis and planning. Durham: Duke University Press, 1993. HAJER, M. The politics of environmental discourse. New York: Oxford University Press, 1995. HANNIGAN, J.A. Environmental sociology: a social constructionist perspective. New York: Routledge, 1995. 202

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PARTE IV TECNOLOGIAS SOCIAIS E METODOLOGIAS DE FORMAÇÃO EM GESTÃO SOCIAL

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Tão Longe, Tão Perto: Reflexões sobre a Relação entre Gestão Social e Serviço Social como Possibilidade da Inovação e Aprendizagem

Edgilson Tavares de Araújo Rosana de Freitas Boullosa Ana Caroline Menezes da Glória Introdução Os processos de inovação na área social, especialmente nas políticas públicas, são quase sempre imprevisíveis e sem autoria. São processos sem fim que conseguem ativar, incorporar e materializar a inovação em novas práticas, demandas, agendas, instrumentos de regulação, sistemas de incentivo e assim por diante. Para que se dê a inovação, sobretudo quando capazes de promover e consolidar novos comportamentos coletivos e individuais, é necessário o enfrentamento de diferentes perspectivas, que proporcione resignificação sobre velhos e consolidados saberes, que estimule dúvidas, que suscite movimentos de adaptação e criação. A inovação, todavia, para que se efetive, deve enfrentar muitos desafios e vazios de diálogo. A Gestão Social, que progressivamente se consolida como campo de práticas e de conhecimentos que defende uma gestão, no mínimo, mais humanizada e de formação interdisciplinar, emerge como construto inovador no âmbito acadêmico das ciências gerenciais, em particular a partir das contribuições de estudiosos da Administração Pública e da Adminsitração Privada. Como forma de responder às complexas questões e demandas geradas pelo Estado Gerencial, à emergência do chamado terceiro setor e à responsabilidade socioambiental das empresas, a Gestão Social foi se apresentando como alternativa de ação e de compreensão que reunia preocupações e intervenções nem sempre tão próximas entre si, mas que foi sendo rapidamente reconhecida como temática de estudos e pesquisas interdisciplinares, atraindo pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento, mas de alguma forma quase sempre ligados à grande área da Administração. Uma área com o qual teoricamente poderia manter uma relação de quase contiguidade, porém, manteve-se de certa forma distante foi a do Serviço Social. Este se constitui como campo típico do trabalho social, com uma forte relação de continuidade e complementaridade com o espaço que foi sendo definido pela Gestão Social. O Serviço Social passa por mais um turbilhão de releituras de conceitos e práticas a partir da lógica instaurada pela Gestão Social, que mesmo ainda em construção, institucionaliza-se de modo acelerado. A popularização do termo e das “novidades” atreladas a este começa a extrapolar o universo acadêmico, sendo incorporado nos discursos e agendas dos assistentes sociais atuantes em governos, empresas e sociedade civil. Além disso, instituem-se novos mercados profissionais. Percebe-se que estes campos/áreas foram construídos e consolidados em diferentes tempos e por diferentes dinâmicas sem levar em consideração possíveis interações, ou até mesmo sobreposições, de objeto, objetivo, instrumentos e profissionalidades. Como resultado, assiste-se a um diálogo fraco, pontual e, sobretudo, incapaz de promover aproximações mais consistentes e necessárias que poderiam gerar processos de inovação. 205

Vários cursos, eventos e publicações legitimam o culto ao símbolo da Gestão Social enquanto etiquetagem (labeling) inovadora para a transformação societária. Criam-se novas institucionalidades e releituras de conceitos numa tentativa interdisciplinar de diálogo entre diferentes campos do conhecimento científico e práticas da sociedade civil e do Estado, buscando analisar temáticas como as políticas públicas, o desenvolvimento socioterritorial, a pobreza, a cidadania, a inclusão versus exclusão entre outros. Tais objetos tem sido, por exemplo, amplamente debatidos em encontros específicos como os Encontros Nacionais de Pesquisadores em Gestão Social (ENAPEGS), ocorridos em 2008 e 2009, reunindo pesquisadores, acadêmicos, estudantes e sociedade civil. Apesar da diversidade de públicos nestes eventos, percebe-se a prevalência de profissionais vinculados aos estudos gerenciais, e uma baixa participação de Assistentes Sociais e estudiosos desta profissão. Percebe-se, por outro lado, que a discussão da Gestão Social também tem se aprofundado e se institucionalizado no Serviço Social de modo paralelo e, talvez, um pouco mais tímido, com outros enfoques e interesses. A base do simbólico trabalho comunitário e da ênfase na formação social, moral e intelectual da família enquanto celular básica da sociedade prevalece, porém, vai incorporando espaço para que outros conceitos contemporâneos sejam incorporados no campo proxiológico do Serviço Social. O conceito de território, por exemplo, passa a incorporar o jargão do profissional, inclusive por imposição dos novos direcionamentos para a implementação das políticas públicas, bem como outras concepções sobre sustentabilidade, gestão e avaliação das políticas sociais, redes, parcerias etc. Enquanto a discussão da Gestão Social no campo da Administração traz muitos mais elementos em termos de uma nova forma de gerir as organizações e territórios, nos parece que, no Serviço Social, busca-se mais por novas formas de implementar e gerir as políticas públicas nos territórios com vistas a garantia dos direitos para a promoção da cidadania. Sendo assim, ao mesmo tempo que Gestão Social e Serviço Social estão tão perto em termos objetivos e objetos, estão tão longe em termos de diálogo mais intenso. Este afastamento não é natural, supondo que por questões de cunho ideológico, de status quo e de corporativismo profissional. Os excessos cometidos na Gestão Social sinalizam faltas no Serviço Social e vice-versa. Se de um lado há uma busca pela criação de novas configurações institucionais e instrumentalidades de gestão aplicáveis ao social, de outro prevalece o caráter da discussão ideológica e política, da definição de atores, da centralidade na garantia de direitos e nas políticas sociais, principalmente, Assistência Social e Seguridade Social. A consolidação da Gestão Social como campo de práticas e conhecimentos parece muitas vezes ser apresentada como a “evolução” do Serviço Social, “melhorada” pela assunção da multidisciplinaridade, de novas tecnologias e da necessidade de inovação para tratar a complexidade dos novos direitos sociais. As experiências de formação em Gestão Social, em nível de extensão, pós-graduação e, mais recentemente graduação tecnológica, atraem alunos com vocações e formações de diferentes áreas, principalmente assistentes sociais, sociólogos e educadores. Tais cursos se caracterizam por propor releituras e criações de conceitos tradicionalmente usados no Serviço Social, assim como pela busca de novos modelos de ensino que proporcionem ao aluno um contexto de aprendizagem prática para a desejável apropriação do ferramental de gestão oferecido e das particularidades do dia-a-dia das organizações responsáveis pelas políticas, programas e projetos sociais. É comum encontrarmos nestes processos de formação alunos já graduados em Serviço Social, que buscam 206

certo “up grade” em termos do desenvolvimento de competências gerenciais, algo que não é bem observado em seu curso de origem. O surgimento do gestor social como agente diferenciado do gestor público ou privado convencional, sendo este responsável pela execução das mudanças da sociedade, é um fenômeno que seduz e ganha espaço inclusive no campo da gestão pública governamental que abre espaço para carreiras públicas neste sentido. Diferente do Assistente Social, profissional que urge nos anos 30 da base doutrinária da Igreja Católica para um suposto reformismo e “tutela” das problemáticas sociais, o Gestor Social, nasce nos anos 90 como um protótipo de profissão e/ou carreira nos templos universitários, como ator multipreparado para enfrentar as complexidades societárias. Mas, a final, quem é e quem pode ser gestor social? A Gestão Social institui uma nova profissão ou carreira? Até que ponto realmente inclui segmentos de classe que nunca foram priorizados nos processos de gestão? Que direção é essa: criação de uma nova categoria profissional ou possibilidade de “up grade” de carreira? Considerando o gestor social responsável por inovações no campo do trabalho social é importante alertar para seu papel de agente público de transformações sociais. Esta discussão ainda incipiente nos seus processos formativos, vai além da forma de inserção deste gestor nas organizações públicas e privadas. Requer um aprofundamento em questões relacionadas ao papel central do Estado e da gestão das políticas públicas sociais e suas interações com novas formas de intervenção como, por exemplo, a Economia Solidária, os negócios sustentáveis, o desenvolvimento socioterritorial. Certos da importância de preservar a identidade profissional e que existem diferenças conceituais e focos de trabalho específicos na Administração e no Serviço Social, a interação e entendimento entre estas áreas possibilitaria desvelar novas formas para lidar com dicotomias entre razão instrumental e substantiva, entre conhecimentos práticos e teóricos, entre o social e o econômico. Abrir-se-ia caminho para a superação do braço de ferro que, por ventura, ajudou a gerar a própria Gestão Social enquanto campo de conhecimento. Objetivo Geral Discutir quais as interações possíveis entre Gestão Social e Serviço Social e os entraves para a aproximação destes campos, a partir das relações de continuidade e descontinuidade entre os mesmos à luz da perspectiva da inovação e aprendizagem no trabalho social. Objetivos Específicos 1. Caracterizar os dois campos profissionais da Gestão Social e do Seviço Social a partir da compreensão comum de agente público de transformação social. 2. Compreender quais as limitações de inovação que ambos apresentam no contexto das políticas públicas, em particualr das chamadas políticas sociais. 3. Discutir as motivações que contruibuem para reforçar a pouca interação entre a Gestão Social e o Serviço Social. 4. Discutir possíveis caminhos para a superação das atuais barreiras entre a Gestão Social e Serviço Social. Metodologia A oficina destina-se aos participantes do ENAPEGS atuantes ou com pretensões de atuar com as temáticas gestão social, especialmente estudantes e profissionais do campo do Serviço Social. O número máximo de participantes é limitado a 30 pessoas, considerando a metodologia de trabalho a ser adotada. 207

Inicialmente, será realizado uma breve explanação sobre as problemáticas que instigaram a proposição desta oficina, utilizando recursos audiovisuais. Em seguida, será proposto o trabalho em pequenos grupos para a discussão e posicionamentos sobre as aproximações e retrações entre Gestão Social e Serviço Social, apresentando pautas para uma agenda de ensino e pesquisa conjunta entre estas áreas.

Resultados Esperados - Reconhecer a necessidade de ampliação de diálogo mais intenso entre Gestão Social e Serviço Social, como ampliação da possibilidade de inovação e aprendizagem no campo do trabalho social. - Proposta de agenda de pesquisa sobre as aproximações necessárias entre Gestão Social e Serviço Social, enfatizando os pontos de simetria e assimetria entre os conceitos e práxis nestas áreas.

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Oficina Paulo Freire: Discutindo Metodologias de Incubação Ósia Alexandrina V. D. Passos Ana Georgina Peixoto Rocha Alessandra Bandeira Antunes de Azevedo Aelson Silva de Almeida Introdução A oficina proposta tem o objetivo de discutir princípios e metodologias de incubação de empreendimentos solidários a partir da obra de Paulo Freire. A literatura recente na área de economia solidária tem destacado a necessidade de reflexão sobre os processos de incubação, cuja prática muitas vezes não consegue dar conta do discurso de autonomia e de participação. Chefermi e outros (2007) discutem a busca de coerência entre o discurso e a prática na economia solidária, destacando que, em algumas práticas de incubação, “[...] embora o discurso apontasse para a transformação, querendo uma coerência com o que se teoriza sobre a economia solidária, as práticas eram de imposição da mudança sob o ponto de vista dos ‘incubadores’ universitários” (p. 8). Os autores destacam que, em muitos casos, os processos de incubação não seguem os parâmetros dos próprios sujeitos, com pouco envolvimento, o que não permite “[...] compreender suas leituras de mundo para, com eles, problematizá-las” (p. 8). É essa leitura de mundo que Paulo Freire destaca na sua “Pedagogia do Oprimido”, em busca de uma educação efetivamente libertadora. Como destaca o educador, [...] não seriam poucos os exemplos que poderiam ser citados, de planos, de natureza política ou simplesmente docente, que falharam porque os seus realizadores partiram de uma visão pessoal da realidade. Porque não levaram em conta, num mínimo instante, os homens em situação a quem se dirigia seu programa, a não ser com puras incidências de sua ação (FREIRE, 1987, p. 98). Essa educação problematizadora norteia toda a obra de Paulo Freire, no sentido da formação de sujeitos verdadeiramente ativos. Uma educação construída através da prática do diálogo, dentro de uma abordagem que problematize as questões da realidade com aqueles que dela fazem parte. [...] essa educação problematizadora significa mais do que transferir conhecimento, cria as possibilidades para a produção ou construção do saber; é um esforço de mobilização, organização e capacitação das classes populares, capacitação científica e técnica, é um processo fundamentalmente formativo e potencialmente transformador (OLIVEIRA E OUTROS, 2005, p. 2). Paulo Freire é o mais importante e expressivo educador brasileiro no século XX e suas idéias são fundamentais para a formação de profissionais mais críticos, reflexivos e comprometidos com a sociedade. Sua obra, cada vez mais atual, é direcionada para uma leitura crítica do homem na sociedade e do seu processo educativo. Suas idéias coadunam com a construção de processos de desenvolvimento que valorizem a participação ativa dos sujeitos, buscando o seu engajamento de forma crítica e reflexiva. Acredita-se que o conhecimento da obra de Paulo Freire possa contribuir para uma formação analítica e crítica. Mais especificamente, os fundamentos da abordagem freiriana servem de base para a discussão das práticas de extensão universitária e, particularmente, para a construção de metodologias de incubação de empreendimentos econômicos solidários. Gadotti (2009) sinaliza que “[...] as práticas de economia solidária envolvem uma mudança 209

cultural que só a formação pode estabelecer.” (p. 33). Para ele, a economia solidária carrega em sua essência “[...] um componente educativo extraordinário.” (p. 35). Contexto A presente oficina está sendo proposta no âmbito do Projeto Metodologia de Referência para a Incubação de Empreendimentos Solidários na Perspectiva de Paulo Freire, aprovado pelo Ministério da Educação (MEC) no edital PROEXT 2009, que visa contribuir para a construção de uma metodologia de referência para as atividades de docentes e discentes envolvidos na extensão, inspirada na obra de Paulo Freire. Dentre as práticas extensionistas, estão os processos de incubação dos empreendimentos solidários. Tomando como base a obra desse educador, busca-se a sistematização de suas idéias, a identificação de seus referenciais teóricos e a reflexão das práticas de extensão na universidade, criando um suporte metodológico para as atividades extensionistas. O projeto é desenvolvido na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e conta com o apoio da Pró-Reitoria de Extensão (PROEXT), através do seu Núcleo de Trabalho e Economia Solidária da Coordenadoria de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social. O objetivo geral do projeto é construir referenciais metodológicos para as atividades de extensão, inspirados na obra de Paulo Freire. Dentre seus objetivos específicos, estão: discutir e refletir sobre a obra de Paulo Freire, buscando a sistematização de suas idéias, a identificação de seus referenciais teóricos e a reflexão das práticas de extensão na Universidade; e criar um espaço de diálogo e de troca de saberes e conhecimentos sobre as práticas educativas nas atividades de extensão, envolvendo não apenas o público interno, mas, também, as comunidades. A metodologia do projeto prevê a realização de oficinas com equipes de incubadoras universitárias e representantes de comunidades envolvidas em processos de incubação. Os referenciais metodológicos para as atividades de extensão, e particularmente para os processos de incubação, estão sendo construídos no âmbito do Grupo de Estudos Paulo Freire, criado no início de 2009, envolvendo docentes e discentes da UFRB, com encontros mensais, focados nos objetivos do projeto. Esta oficina está sendo proposta pela equipe do referido projeto, considerando que o Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social é um espaço privilegiado para essa discussão, além de contar com a participação de representantes de diversas incubadoras do país, sendo o próprio evento organizado por uma incubadora de cooperativas populares. Metodologia Propõe-se na oficina apresentar uma sistematização das discussões do Grupo de Estudos Paulo Freire e suscitar um debate a partir de questões acerca das práticas de incubação colocadas pelos participantes; para tanto, a oficina poderá ter duração média de duas horas (este tempo estimado deverá ser ajustado à programação do evento) e será organizada em três momentos distintos. No primeiro momento, serão exibidos vídeos com entrevistas e depoimentos de Paulo Freire. No segundo momento da oficina, serão colocadas perguntas provocadoras para que os participantes exponham suas práticas de incubação. Assim, espera-se que os participantes atuem ou já tenham atuado na incubação de empreendimentos solidários. Por fim, no terceiro momento, pretende-se debater os princípios metodológicos que direcionam as práticas dos participantes, identificando que aproximações fazem da pedagogia freiriana. Em função do tempo estimado e da proposta da oficina, sugere-se que suas vagas sejam limitadas a 20 pessoas. Espera-se, com a oficina, avançar na compreensão do universo de metodologias de incubação, daquilo que as aproxima e as define como tal. Espera-se ainda ampliar a discussão acerca dessas metodologias e da obra de Paulo Freire, que se apresenta como um diálogo muito fértil, porém, pouco explorado. A oficina não é conclusiva e nem poderia ser, em virtude do seu formato num 210

evento científico. Logo, ela poderá também apontar limites e possibilidades desse diálogo. Afinal, até que ponto Paulo Freire responde aos desafios da incubação? Referências ASSUMPÇÃO, Raiane (Org.) Educação popular na perspectiva freiriana. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2009. 168 p. (Educação Popular, 3). CHEFERMI, Carolina Orquiza et al. Contribuições da perspectiva dialógica no contexto da incubação: a busca pela coerência entre discurso e prática no campo da economia solidária. In: Encontro Internacional de Economia Solidária, 5., 2007, São Paulo. Anais..., São Paulo, 2007. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. 65 p. ______. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 184 p. GADOTTI, Moacir. Economia solidária como práxis pedagógica. São Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2009. 135 p. (Educação Popular, 1). NUNES, Débora. Pedagogia da participação: trabalhando com comunidades. Salvador: UNESCO/Quarteto, 2002. 128 p. ______. Incubação de empreendimentos de economia solidária: uma aplicação da pedagogia da participação. São Paulo: Annablume, 2009. 348 p. OLIVEIRA, Ana Maria Braga de et al. A pedagogia dialógica na prática da extensão universitária. In: V Colóquio Internacional Paulo Freire. Recife, set. 2005. Disponível em: . Retirado em: 19/02/2009. ROCHA, Ana Georgina Peixoto et al. Extensão universitária: reflexões e desafios. In: Jornada de Extensão Universitária da Bahia, 2009, Feira de Santana/BA. Anais..., 2009. (CD-ROOM).

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Descentralizando a Incubação de Empreendimentos de Economia Solidária: A Experiência de Incubação do Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação da Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE Silvia Roberta Oliveira e Silva Maria Laís dos Santos Leite Raimundo Gomes da Silva Neto Danilo Ivo Feitosa INTRODUÇÃO Este relato de experiência se inicia através de revisitação ao conceito de economia solidária, de um breve resgate histórico da incubação de empreendimentos no Ceará, através da experiência da Incubadora de Cooperativas Populares de Autogestão (ICPA/UFC) e da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Cooperativos e Solidários (ITEPS/LIEGS/UFC-Cariri). Para chegar então a experiência do Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação da Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE e de suas ações até o momento. O objetivo geral é expor e discutir a experiência de Incubação realizada pela ITEPS no Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação da Associação de Catadores de Barbalha/CE e de seu embasamento teórico na Economia Solidária. A metodologia utilizada no relato, além da análise bibliográfica para a discussão dos conceitos, consiste na metodologia própria do Projeto: visitas, entrevistas e aplicação de questionários.

REVISITANDO O CONCEITO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA Para iniciar a descrição do nosso trabalho, precisamos ainda revisitar o conceito de economia solidária e a intensificação de atuações pautadas nos seus princípios no Brasil, a partir do trabalho de equipes interdisciplinares organizadas na forma de Incubadoras, entre elas a Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários – ITEPS/LIEGS/UFC-Cariri e de Redes de Incubadora que já contam com resultados positivos significativos. Definimos a Economia Solidária como práticas socioeconômicas coletivas (de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito) centradas no ser humano, em que a solidariedade e a reciprocidade se colocam como elementos definidores do agir econômico, em contraste com o individualismo e a competitividade, características do padrão de comportamento tradicional nas sociedades capitalistas. (SINGER, 2002). A economia solidária no Brasil está diretamente associada às mudanças ocorridas no mundo do trabalho principalmente as refletidas nos elevados índices de desemprego, na flexibilização da legislação trabalhista e no crescimento da economia informal. A partir da década de 80 do século passado o tema de economia solidária emerge no País e toma impulso na segunda metade da década seguinte, diretamente associado à luta contra o desemprego em massa, agravado com a

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abertura às importações (SINGER, 2002). Esta emergência esta ligada a um contexto de aprofundamento da exclusão social (FRANÇA FILHO, 2002). A economia solidária nasce, portanto de uma preocupação com a intensificação de problemas sociais como o desemprego, a exclusão social proveniente das desigualdades presentes do sistema econômico e ideológico capitalista. Mas, a economia solidária como teoria e prática ainda se encontra em constituição e nesse processo dialógico, pode-se identificar três abordagens, conforme nos expõe Cançado (2007). A primeira de acordo com Arruda (1996) defende que a economia solidária pode ser considerada como um outro modo de vida, em que os valores percebidos vão muito alem da competição característica da sociedade capitalista. Outra vertente entende o movimento da economia solidária como uma alternativa ao modo de produção vigente. Este grupo, do qual faz parte Singer (2002), acredita ser possível que outras relações entre os seres humanos são possíveis, para além da divisão internacional do trabalho. A terceira abordagem caracteriza a economia solidária como uma alternativa aos setores populares, com organização associativa dos trabalhadores sendo uma saída para “sobreviver ao neoliberalismo”. Esta última abordagem é mais evidente no Brasil, e, entre os autores que abordam esta perspectiva estão Coraggio (2000) e Gaiger (2000). Singer (2002) acredita que a economia solidária é ainda um conceito em construção. Hoje no Brasil, ela é fomentada por diversos atores, entre os quais se destacam o próprio Governo Federal que institui políticas públicas direcionadas ao apoio e ao desenvolvimento de empreendimentos econômicos e solidários através da Secretaria Nacional de Economia Solidária, as organizações não governamentais, o Bansol – agência de fomento a Economia Solidária da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, a Agência de Desenvolvimento Solidário – ADS, filiada a Central Única dos Trabalhadores – CUT, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST, a Caritas – da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, algumas prefeituras e a Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares – ITCPs que são exemplos da atuação das universidades neste cenário. Quanto às instituições que atualmente apóiam Empreendimentos de Economia Solidária e o fortalecimento da teoria no Brasil, percebe-se um crescimento de parceiros, assim como no número de Empreendimentos, porém se percebe uma dificuldade quanto ao acesso as informações acerca dos projetos e do conhecimento conceitual da economia solidária. Conforme nos apontam França Filho e Vivian (2007) a incubação no Brasil teve início em meados dos anos 80, onde foram criados em 1982 os NITs (Núcleos de Inovação Tecnológica) que objetivavam uma aproximação entre universidade e empresas privadas além de descentralizar o desenvolvimento tecnológico. Fazendo um resgate histórico acerca da criação das Incubadoras Tecnológicas no Brasil, trazemos que as primeiras se originaram em São Carlos-SP (1985) e Campina Grande-PB (1988), em 1986 no Centro de Desenvolvimento Tecnológico da Universidade de Brasília (CDT/UnB) e da Fundação de Biotecnologia (BIORIO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Incubadora Empresarial Tecnológica da Fundação Centro de Referência em Tecnologia de Informação (CERTI), em Santa Catarina (1987), posteriormente denominada Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas (CELTA) e a Incubadora Tecnológica de Curitiba (INTEC), ligada ao Instituto de Tecnologia do Paraná (TECPAR) em 1990. 213

Atualmente são mais de 300 experiências, e a sua definição, segundo a ANPROTEC (2008) apud. Vivian (2007) é de que as incubadoras são locais especialmente criados para abrigar empresas oferecendo uma estrutura configurada para estimular, agilizar ou favorecer a transferência de resultados de pesquisa para atividades produtivas. No âmbito da economia solidária começam a surgir experiências de incubação no final da década de noventa. Estas experiências ganham ma nova roupagem, uma vez que se inverte a lógica tradicional do direcionamento do investimento da pesquisa antes apenas para o mercado e agora para o trabalho ou a sociedade. França Filho (ANO) mostra que, a incubação em economia solidária (re)atualiza e (re)significa um certo número de assessoria aos movimentos sociais, fortalecendo o apoio técnico em gestão que antes era praticamente ausente nos processos de formação política. A Universidade Federal do Rio de Janeiro COOPPE/UFRJ se destacou como sendo uma das primeiras universidades do Brasil a colocar em pratica os princípios de incubação de empreendimentos econômicos e solidários apoiando a criação da Cooperativa de Manguinhos, no Rio de Janeiro. Desde então a incubação em economia solidária, principalmente como incubação de cooperativas populares, vem ganhando espaço entre as universidades brasileiras. Algumas diferenças podem ser percebidas entre a incubação voltada para o mercado e a incubação de economia solidária. França Filho e Vivian (2007) destacam que a segunda esta voltada para um público de baixa renda que se organiza na maior parte dos casos em pequenas cooperativas e que neste processo normalmente não incidem taxas como um componente importante dos subsídios sobre os empreendimentos incubados. Outra diferença é que as iniciativas incubadas também não são abrigadas pelas instalações das incubadoras, a exceção de alguns casos de incubadoras públicas. Uma diferença de fundamental importância é justamente o recorte, que faz com que a incubação em economia solidária lide principalmente com empreendimentos solidários, preferencialmente no formato de cooperativas, incitando a constituição de processos de autogestão nos empreendimentos criados. França Filho e Vivian (2007) acreditam que a incubação de cooperativas, especialmente as realizadas pelas ITCPs realizam papéis significantes no desenvolvimento da economia solidária. Entre eles está a capacitação dos empreendimentos que contribuem para sua legalização, diminuindo sua precariedade e criando condições para uma renda digna aos participantes deste, articulação de políticas públicas para geração de trabalho e renda além de estruturar a organização das próprias ITCPs através de congregamento de redes nacionais. Atualmente existem duas redes que congregam as incubadoras no Brasil. A Unitrabalho e a rede de ITCPs. Nelas estão inseridas as mais de 130 incubadoras tecnológicas de cooperativas populares espalhadas pelo Brasil.

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UM BREVE HISTÓRICO DA INCUBAÇÃO DE EMPREENDIMENTOS NO CEARÁ Através deste tópico procuraremos expor um histórico da implantação de Incubadoras de Empreendimentos de Economia Solidária no Estado do Ceará, através da experiência da Incubadora de Cooperativas Populares de Autogestão (ICPA/UFC) e da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Cooperativos e Solidários (ITEPS/LIEGS/UFC-Cariri).

A Experiência da Incubadora de Cooperativas Populares de Autogestão (ICPA/UFC) A proposta de Incubadora de Empreendimentos Populares e Solidários em Instituições de Ensino Superior inseriu-se, como projeto piloto, no Programa Nacional de Cooperativas de Trabalho desenvolvido pelo Comitê de Entidades Públicas (COEP), integrante do Programa de Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida. Esse projeto é fruto da parceria entre a COPPE/UFRJ e a Gerência de Negócios do Sistema de Cooperativas de Trabalho como forma de geração de emprego e renda. Assim, para sua efetivação, desenvolveram-se inúmeros projetos de Incubadoras Populares. Com base na experiência do referido projeto piloto, previu-se a implantação de diversos núcleos vinculados às Universidades Federais, apoiados pelas agências do Banco do Brasil e Prefeituras Municipais. No Ceará, a Incubadora de Cooperativas Populares de Autogestão (ICPA/UFC) é pioneira, se não a única, e foi constituída por meio de convênio assinado entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e Universidade Federal do Ceará - UFC no ano de 1997. A partir de uma discussão entre a UFC e a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais – FLACSO, elaborou-se um projeto de criação que objetivava implementar o modelo cooperativista de trabalho, como forma de geração de trabalho e renda, reproduzindo a experiência da COOPE/UFRJ. Após diversas reflexões e produção de propostas, foi apresentado, em agosto de 1997 à FINEP, pelo Parque de Desenvolvimento Tecnológico – CETREDE, o projeto de financiamento para um período de dois anos, tendo como meta básica a incubação de 10 cooperativas por ano. Em outubro de 97, um projeto para financiamento de aquisição de equipamentos e reformas da sede da Incubadora foi apresentado à Fundação do Banco do Brasil. Iniciou-se a composição do Núcleo Básico da ICPA/UFC, responsável pela institucionalização da Incubadora, e em fevereiro de 1998 a ICPA/UFC começou a funcionar. Nestes 10 anos de funcionamento, foram encaminhadas ações de mobilização, capacitação cooperativista, qualificação/requalificação profissional e inserção no mercado de 37 grupos selecionados - do universo social compreendido na Região Metropolitana de Fortaleza, incluindo localidades do Interior do estado do Ceará, bem como municípios do interior de outros estados do Nordeste. Portanto, quase 40 empreendimentos já vivenciaram/vivenciam o processo de incubação proposto pela Incubadora de Cooperativas Populares de Autogestão do Ceará/UFC. Todavia, a ação da ICPA/UFC não atinge todo o estado e a expansão da UFC para o Cariri nos aproximou de uma realidade que não se pode desprezar: os inúmeros pequenos e micros negócios informais solitários ou solidários que dominam a economia local. Práticas empíricas, inspiradas no “learning by doing” faz que a imensa maioria destes empreendimentos encerram suas atividades em no máximo dois anos de vida. 215

Descentralizando a Incubação de Empreendimentos: a Atuação da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Cooperativos e Solidários (ITEPS/LIEGS/UFC-Cariri) A construção de uma incubadora no Cariri que possa atuar para o amadurecimento de empreendimentos populares e solidários, de forma a oportunizar a região do Cariri os mesmos produtos, serviços e ações desempenhados na capital do Estado (por meio da ICPA), assim como as outras cidades e regiões acompanhadas pelas dezenas de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares-ITCPS e Incubadoras Tecnológicas de Empreendimentos Solidários-ITES de todo o país. Para alcançar o seu objetivo de contribuir para a organização e auto-sustentação dos grupos e indivíduos que passam a atuar como sujeitos dessas ações, além de promover e incentivar produtores à construção de uma nova realidade, visando sua inserção econômica a ITEPS/LIEGS/UFC-Cariri tem um caráter interdisciplinar em seu funcionamento e incentiva que os empreendimentos tenham formação em distintas áreas do conhecimento e tutoria profissional nos múltiplos campos relacionados ao desenvolvimento e à gestão organizacional. A Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Cooperativos e Solidários- ITEPS, criada em 2009 por iniciativa do Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social – LIEGS, um núcleo de pesquisa (Certificado como Grupo de Pesquisa no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)) e Extensão (registrado na Coordenadoria de Desenvolvimento Regional da Pró-Reitoria de Extensão/UFC sob o n° XJ00.2006.PG.0216) em Gestão Social, criado em 2006 e vinculado a Universidade Federal do Ceará (UFC-Campus Cariri). A Incubadora busca desenvolver ações estratégicas e integradas que orientem a inserção de empreendimentos produtivos populares e solidários para construir, revitalizar e ampliar oportunidades de geração de trabalho e renda, priorizando empreendimentos de pessoas ou grupos produtivos formados por indivíduos em condições socioeconômicas mais vulneráveis – com ênfase na constituição e fortalecimento de redes locais de economia solidária e apoiando-se na perspectiva do desenvolvimento sustentável. A ITEPS/LIEGS/UFC-Cariri tem atuado unida com as cooperativas e associações da Região do Cariri, na elaboração e ação de projetos junto às fontes de financiamento para o desenvolvimento e implantação de Empreendimentos Populares na perspectiva da Economia Solidária, com o objetivo de elevar a qualidade de vida da população, através da geração de trabalho e renda. Atualmente a ITEPS tem ações em quatro empreendimentos: Associação de Catadores de Recicláveis de Barbalha, através de um projeto em parceria com a Prefeitura do Município nas secretarias de meio ambiente, infraestrutura, trabalho e desenvolvimento social, através do projeto de Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação da Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE apoiado pela Funasa (Fundação Nacional de Saúde do Ministério da Saúde), a associação conta que conta com 26 associados que já se encontra em processo de incubação desde Novembro de 2009.

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Associação de Catadores de Juazeiro do Norte-CE, projeto semelhante ao primeiro, mais de maiores proporções dada ao maior número de habitantes e conseqüentemente no volume de resíduos recicláveis na cidade, o projeto foi enviado a Funasa em Novembro de 2009, em parceria com a Prefeitura Municipal, mas até o mês de março/2010 ainda não iniciou efetivamente o seu processo de incubação. Associação de Microempresários do Bairro das Timbaúbas, um grupo de 12 amigos empreendedores que estão construindo em forma de mutirão, uma estrutura que contém 12 boxes e um espaço para a formação de mão-de-obra, que objetivam a criação de um banco social e de uma cooperativa de serviços a comunidade local. Cooperativa de Agricultura Familiar de Crato-CE, grupo de agricultores da zona rural da cidade, a incubação está em fase de mapeamento e formação voltada à organização comunitária, técnicas agrícolas, entre outros.

O PROJETO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E REESTRUTURAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DE CATADORES DO MUNICÍPIO DE BARBALHA/CE O Projeto de Educação Ambiental e Reestruturação da Associação de Catadores do Município de Barbalha/CE, configura-se como um dos Empreendimentos de Economia Solidária incubados pela Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidárias (ITEPS/LIEGS/UFC-Cariri) em parceria com a Prefeitura Municipal de Barbalha-CE e da Funasa, o processo de incubação está em andamento, teve início em Novembro/2009. O Projeto busca contribuir para a conscientização da população do Município de Barbalha/CE acerca da problemática ambiental, instigando-a ao uso consciente e reutilização dos recursos, além de fomentar a reestruturação da Associação de Catadores do Município de forma sustentável, cooperada e solidária. Objetiva ainda compreender a atual conjuntura ambiental, o destino e a reciclagem dos resíduos sólidos do Município de Barbalha/CE; Investigar a situação socioeconômica dos catadores e da Associação do Município; Promover cursos de formação relacionados à política, cidadania, associativismo e cooperativismo para os catadores da Associação; Orientar a comunidade através de palestras e cursos sobre a degradação ambiental, manejo sustentável dos recursos e reaproveitamento dos resíduos sólidos; Educar, através da elaboração de material educativo e informativo, os membros da sociedade barbalhense sobre a importância e os benefícios da instalação da coleta seletiva no Município; Capacitar e assessorar tecnicamente a Associação de Catadores de Barbalha/CE; Implantar uma Usina de Triagem de resíduos sólidos no município através da Associação de Catadores. Os resultados alcançados até o momento centram-se nos dois primeiros objetivos específicos, para compreender a atual conjuntura ambiental, o destino e a reciclagem dos resíduos sólidos do Município de Barbalha/CE foram realizadas visitas as secretárias de meio ambiente e recursos hídricos da cidade, a empresa terceirizada responsável pela coleta e destino do lixo da cidade e ainda, ao lixão onde grande parte dos associados ainda se encontra, durante estas visitas foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com vistas a efetividade da coleta de dados. O segundo 217

objetivo: investigar a situação socioeconômica dos catadores e da Associação do Município foi realizado nos meses de janeiro e fevereiro de 2010 através de questionários contendo questões de identificação pessoal, condições sócio-econômicas, aspectos educacionais e culturais e questões específicas em relação à catação: volume por dia, valores, venda, entre outros. Em março/2010 foi feita a análise dos dados que serão descritos de forma breve a seguir e será iniciado o processo de formação dos participantes.

O perfil socioeconômico dos catadores da Associação de Catadores de Recicláveis de Barbalha-CE No que se refere ao perfil socioeconômico dos catadores analisaremos as questões referentes à condição de posse do domicílio e sua infra-estrutura, a origem da água e da energia elétrica, da utilização de aparelhos eletrônicos, acesso a rede geral de esgoto, da destinação do lixo domésticos, do acesso a serviços públicos e a renda de programas governamentais temos que: O indicador de habitação foi medido a partir de dois aspectos: condição de propriedade do imóvel e a qualidade da infra-estrutura das residências. No que se refere à condição de propriedade do imóvel, tivemos que a maioria dos catadores (57,9%), possuem casas próprias com registro. E 26,32%, moram em casas alugadas. O segundo aspecto a ser salientado se refere à qualidade da infra-estrutura. Quanto a este aspecto a grande maioria (94,74%) possui casas de alvenaria, e apenas 5,26% residem em casas de taipa. Na questão que buscava analisar a origem da água e da energia, consumida pelos associados e seus familiares, no município em que residem. O resultado foi que 100% dos associados entrevistados, recebem água tratada da Cagece e energia elétrica fornecida pela Coelce. O valor médio mensal das contas, de água e luz, são respectivamente de 22,75 e 20,22. A grande maioria dos catadores entrevistados possui televisão em suas residências com 78,94%, bem como de rádio, como o mesmo valor. É importante frisar que 52,63% dos associados possuem telefones celulares, um número alto, se levarmos em conta que apenas 42,1% possuem filtros em suas casas. Apenas 31,57% possuem geladeiras. Apenas 21,06% dos catadores entrevistado têm acesso à rede geral de esgoto. E ligadas à fossa séptica temos 31,57%. De forma mais rudimentar, ligadas a fossa rústica e que não possuem esgotamento sanitário, temos respectivamente, 26,31% e 21,06%. A maioria dos entrevistados (52,64%) tem o “estranho” habito de colocar o lixo para coleta sem separação, já que eles por se tratarem de uma associação de coleta seletiva, deveriam fazer a seleção. No entanto, 36,84% fazem a coleta seletiva. 78,94% dos catadores entrevistados tem acesso a rede de postos de saúde. E outros 47,36% residem próximos a creches. Além de terem acesso à saúde próximo de suas casas, os catadores podem deixar seus filhos mais novos, em creches para poderem trabalhar, 36,84% residem próximos a escolas de ensino fundamental e/ou médio. 92,85% dos catadores que tem um auxílio do governo, recebem ajuda proveniente do bolsa família e apenas 7,15% desses beneficiados tem sua renda complementada com a ajuda do PROJOVEM. 218

Questões específicas referentes ao trabalho dos Catadores Aqui foram analisados os itens acerca da quantidade de anos na profissão, da principal fonte de renda, contribuição para plano de previdência, se percebem vantagem em fazer parte da associação, se deseja participar de cursos de formação, se já participou, se acredita que seu trabalha seja importante, quais conteúdos desejam obter capacitações, sobre a quantidade diária de resíduo reciclável catado, sobre os materiais que mais são catados e sua participação na associação, sobre os valores e dificuldades na venda dos produtos os resultados revelaram que: Os entrevistados têm em média cinco anos como catadores de recicláveis. E 100% dos entrevistados têm como principal fonte de renda o trabalho como catador de recicláveis. 100% dos catadores entrevistados, não contribuem para previdência. Assim como, 100% dos participantes da entrevista vêem vantagens em fazer parte de associações e cooperativas, por diversos motivos, a maioria atribui essa vantagem à obtenção de trabalho, com 42,1%. E 36,84% observam no aumento da renda, uma vantagem em fazer parte de associações e cooperativas. Há uma unanimidade no que diz respeito à importância de participar de cursos de capacitação (100%). Mas, apenas 31,57% dos entrevistados já fizeram parte de algum curso desse tipo. E 68,43% não fizeram parte de nenhum curso. Dos 68,43% dos entrevistados não fizeram parte de nenhum curso, desse total, 84,61% desses que não participaram, foi devido à falta de oportunidades. Sobre quais conteúdos os catadores gostariam de obter capacitações, os três cursos que mais se destacaram, com suas respectivas porcentagens, foram: comercialização, associativismo/cooperativismo e reciclagem, 74,86%; 73,68% e 68,42%. 100% dos entrevistados consideram seu trabalho importante. 57,89% acreditam que seu trabalho é importante por se tratar de sua fonte de renda. É importante frisar que 26,31% acham que tem um trabalho importante por beneficiar a comunidade. Um associado cata por dia uma média de 65 Kg. de lixo por dia, dentro dessa quantidade, Há uma arrecadação maior de dois tipos de resíduos, o plástico – sacola e plástico – pet, com suas respectivas quantidades em Kg. Diárias: 17 Kg. E 22 Kg. 94,73% dos catadores acreditam que sua participação na associação é satisfatória e apenas uma minoria de 5,27% acham que essa participação não seja tão satisfatória. E 89,47% desses entrevistados, vêem interesse em participar de educação ambiental direcionada a comunidade. Já outros 10,53% não têm interesse em participar. O plástico – sacola é vendido em média por R$ 0,37 o Kg. já o plástico – pet é vendido em média por R$ 0,34. O Kg. do metal é vendido à R$ 2,64. Já o vidro, papel branco e misto, não tem tanto valor, somando o valor dos três é igual a aproximadamente R$ 0,20. 47,86% desse material é vendido para própria associação. E 52,61% é destinado para outros lugares. Como podemos observar na 52,63% dos associados acreditam que a maior dificuldade de comercialização é a dificuldade de se separar o lixo, ou seja, material muito misturado. Outros 36,84% vêem dificuldades no preço baixo oferecido pelo comprador. 219

RESULTADOS ESPERADOS COM O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO Como resultado da implantação de uma usina de triagem de resíduos sólidos no município de Barbalha/CE, espera-se melhoramentos nos níveis de eficiência em vários setores, entre os quais destacamos os sociais, ambientais e econômicos. A nível social podemos esperar uma elevação da dignidade e cidadania dos coletores, uma vez que terão seu trabalho reconhecido pela importância dos resultados e favorecimento de uma integração maior no meio social ; aumento da consciência ecológica, visto que os coletores e a própria população passarão por campanhas educativas que proporcionarão uma adesão voluntaria ao projeto de separação do lixo, visando benefícios que serão trazidos à comunidade através deste novo projeto. Alem de ressaltar a importância da separação do reciclável já em casa, provocando mudanças positivas de hábitos e comportamentos sociais favorecidas pelas campanhas. O meio ambiente terá um ganho significativo. A vida útil do material reciclável será aumentada, praças e áreas públicas permanecerão limpas por mais tempo, haverá redução do lixo de difícil degradação, prolongando desta forma o tempo de utilização do aterro sanitário e contribuindo para a preservação do solo, das águas e do ar. Alem de minimizar os fatores de proliferação de varias doenças e de problemas com enchentes, pois haverá redução de pontos de acumulo de lixo. O setor econômico ganhará com a inserção de mão de obra, ora despreparada e sem ocupação definida, na atividade produtiva. Os catadores serão os atores principais na execução deste projeto. De acordo com experiências de outras usinas de triagem de resíduos sólidos, pode-se perceber um incremento de renda superior a quarenta por cento entre os participantes do processo. A cidade passará a ser vista sobre uma nova óptica. A de uma cidade preocupada com a preservação do meio ambiente e de sua auto-sustentação. Defendendo seu desenvolvimento sem descuidar do equilíbrio ambiental.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATLAS DA ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL 2005. Brasília: MTE, SENAES, 2006. CANÇADO, A. C. Autogestão em cooperativas populares: os desafios da prática. Salvador: IES, 2007a. CORRAGIO, José Luís. Da economia dos setores populares à economia do trabalho. In: KRAYCHETE, Gabriel (Org.) Economia dos setores populares: entre a realidade e a utopia. Salvador: Vozes, 2000. p.133-141. FRANÇA FILHO, G. C. A economia popular e solidária no Brasil. In: FRANÇA FILHO, G. C.; LAVILLE, J-L.; MEDEIROS, A.; MAGNEN, J-P. Ação pública e economia solidária: uma perspectiva internacional. Porto alegre: Editora da UFRGS, 2006.

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GAIGER, Luís Inácio. Sentido e possibilidades da economia solidária hoje. In: KRAYCHETE, Gabriel (Org.) Economia dos setores populares: entre a realidade e a utopia. Salvador: Vozes, 2000. p.191-198. SINGER, P. Economia solidária: possibilidades e desafios. Revista Proposta: trabalho e desenvolvimento humano. ano 30, n. 88-89, p.15-23, mar./ago., 2003a. ________. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.

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Um Olhar Sobre a Metatécnica do Devir Educativo do Laboratório Troca de Afetos - LATA Naira Michelle Alves Pereira Maria Vanderleia de Sousa Tatiane Pereira Jorge João Bosco Dumont do Nascimento Gisele de Lima Teixeira

“Não me interessa se tenho que dar uma nota ao aluno(a) enquanto educadora. Interessa-me saber se este (ser) humano passou por uma experiência no qual ele foi instigado a se envolver, se eles(as) foram contaminados. Eu não devo determinar uma nota de zero a dez sem provocar nas pessoas envolvidas, primeiramente, um esquecimento. Aprender é esquecer. Desaprender modelos.”(Francisca Pereira dos Santos- FANKA, idealizadora do LATA e educadora da UFC Cariri). O LATA- Laboratório de Troca de Afetos, é um Grupo aberto, multidisciplinar de estudos, experimentações e pesquisa em cultura, memória, tecnologias da informação e comunicação, oralidade e gênero. É um acontecimento político, didático e pedagógico que acontece na disciplina cultura e mídia do curso de Biblioteconomia, da Universidade Federal do Ceará, Campus Cariri. É um projeto de pesquisa sobre cultura que visa proporcionar ao aluno (a) uma relação de afeto entre: • A sala de aula e o mundo externo; • O conhecimento trazido pelas escolhas do professor; • A opinião, participação e integração dos alunos na dinamização da ementa; • Uma outra pessoa que vem de fora, a testemunha da vida, da cultura do seu lugar e do mundo que vem nos trazer uma “verdade”. A TESTEMUNHA vem de fora para narrar através da sua voz o ritmo de uma trajetória de vida a ser dita. É aquele (a) que vem para nos afetar com sua teia de temas e tramas. A proposta é que no percurso, os participantes sejam ‘afetados’ para a construção de um aprendizado científico e artístico. Pretende-se de uma maneira ampla e aberta, construir um território para circulação de diferentes experimentos sócio-culturais onde, o fazer será sempre tribal. Ou seja, o fazer acontece em grupo, num coletivo humano que se expande, para receber, perceber e devolver ao próximo e a próxima pessoa-testemunha a construção coletiva desses afetos. O processo se transforma em conhecimento e pesquisa. Cujo objetivo geral é construir novas práticas pedagógicas para o ensino na Universidade Federal do Ceará, Campus Cariri, a partir de intervenções coletivas entre alunos, professores, e comunidade. Nesse sentido, a idéia central do laboratório é que o “erro” cometido em sala de aula pode vir a ser “erroneamente correto”. Enquanto erro, ele é uma imagem primordial no processo de avaliação porque é a revelação da própria vida curvada diante de uma cultura do subserviente. O “erro” será a máquina de guerra não oficial que deve ser alimentada. Os encontros (ainda em sala de aula) é um espaço de experiência e processos singulares. São aplicados a partir de procedimentos inerentes às tecnologias intelectuais do conhecimento e pensados como Pierre Lèvy, Eric Haveloc, Paul Zumthor, Ria Lemaire, Gilles Deleuze, Guatari, Maturana, Marx. A prática em processo visa destruir padrões de avaliação arcaicos, normas oficiais do ensino-aprendizagem burocratizadas, paradigmas que enclausuram o corpo e a mente humana. Pois como disse Maturana (1999), é preciso viver o nosso educar de modo que aprendamos a aceitar-se e respeitar-se, ao ser aceitos e respeitados em nosso ser, porque assim 222

aprenderemos a aceitar e respeitar os outros. “Para fazer isso, devemos reconhecer que não somos de nenhum modo transcendente, mas somos no devir, num contínuo ser variável ou estável, mas que não é absoluto nem necessariamente para sempre.”(MATURANA, 1999, p. 30). Provocar esse olhar de viés, paladares diversos, projetos inovadores, silêncios barulhentos, barulhos com silêncios, experiências transformadoras entre professor, aluno (a) e comunidade, significa: estar apaixonado (a). Através das estratégias de repetição e simulação busca-se capturar conhecimentos - rapto de intenção somente possível através do envolvimento apaixonado, química essencial da metatécnica do devir. A metatécnica do devir é uma experiência dialógica entre professor, aluno e comunidade. Promove o questionamento de saberes tradicionais e práticas humanas diversas onde quem está em jogo não é apenas o educando, posto na berlinda, mas também o professor que deve re-pensar sua prática apática e antipática. Portanto, trocar experiências/afetos; destrocar conceitos experimentar a diferença; desaprender formas de pensamentos; buscar o poético; desmobilizar a preguiça intelectual; defender direitos humanos, animais e vegetais; produzir conhecimentos através do lúdico é especificidades da prática educacional abordada. Nessa perspectiva, como disse o biólogo Humberto Maturana (1998, p. 29) “O educar se constitui no processo em que a criança ou o adulto convive com o outro e, ao conviver com o outro, se transforma espontaneamente, de maneira que seu modo de viver se faz progressivamente mais congruente com o do outro no espaço de convivência.” Ou seja, o educar se constitui em uma relação mais natural, deixando de ser atividades depositadoras de informações passando a constituir-se em exercícios de conversa, entendendo, assim, a conversa como forma inclusiva e extensiva do diálogo. A metodologia integrada para apreensão de saberes acontece através de dois procedimentos: um das comunidades orais e outros das comunidades virtuais. O primeiro é o procedimento da repetição, usado não só como forma de armazenar informações, mas, sobretudo, como exercício rítmico para (des) condicionar o corpo e o organismo. Alguém vem de fora para narrar através da sua voz o ritmo da sua experiência de vida a ser dita objetivando gerar uma experiência. Um contato. Nesse sentido, toda pessoa é potencialmente apta para o intercâmbio. Pretende-se, nesse encontro de narradores e receptores, construir possibilidades de ensino-aprendizagem a partir da história de vida do convidado (a) e seu lugar na (des) ordem do seu discurso. E assim fazer com que o educar deixe de ser entendido como um ato da fala enquanto apresentação de quem domina certas informações pronunciadas como verdades e passa a construir-se em comunicação de sistemas viventes nas ações comuns. O segundo procedimento é o da simulação. Das fotos emerge um ensaio fotográfico para serem incluídos no Blog do projeto-acontecimento. O blog é feito pelos alunos (as) e contêm as imagens, a entrevista o documentário, a emoção desses debates gestados informalmente, construindo um acervo de documentários poéticos. A poética da pessoa. Por isso fotografam-se os gestos e curvas. A educação alimentar também se integra no encontro, onde cada um traz a seu gosto frutas de casa, e no momento dessa troca de afetos também trocamos frutas, e ao final de cada encontro tirase a foto coletiva com o convidado (a). Apresenta-se algumas das fotos Coletivas: • • • • • • • • •

Foto 1: Foto coletiva com a Professora Hia Lamiere da Universidade de Poitiers, França; Foto 2: Professora Hia Lamiere; Foto 3: Foto coletiva com o gaitista Jeferson do Rio de Janeiro; Foto 4: Gaitista Jeferson; Foto 5: Foto coletiva com o diretor de teatro João Branco de Cabo Verde, África. Foto 6: Diretor de Teatro João Branco; Foto 7: Foto Coletiva com o Poeta Chacal; Foto 8: Poeta Chacal; Foto 9: Foto Coletiva com a Escritora Ana Miranda; 223

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Foto 10: Escritora Ana Miranda; Foto 11: Foto Coletiva com a Artista Plástico Leonardo do Crato, Ceará; Foto 12: Artista Plástico Leonardo do Crato.

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Através da prática do Estúdio D.I.G.I.T.A.L. (Debates Interativos Gestados Informalmente: Laboratório de Troca de Afetos) cria-se um espaço adaptado para desenvolver ações que emerge transformar aulas em debates, diálogos, intercâmbios e produção de conhecimentos a partir da sala de aula como estúdio de conexão com a sociedade, através de convidados/atores sociais para interagir com as turmas. Tendo como impacto esperado a elevação da produção científica gerada pelo Curso de Biblioteconomia, em pesquisas direcionadas aos vários assuntos abordados no Estúdio em relação à recuperação, disseminação e tecnologia da informação. Contudo, a intenção é criar nas pessoas envolvidas no processo (Educativo e afetivo), uma reflexão dos seus atos, para criar espaços de ação e indignação. Para tanto é preciso trazer à tona 226

outros sabores de saberes – questionadores, criativos, pulsantes, instigantes, embora nunca definitivos. O saber será sempre nômade. É preciso incentivar a idéia de que é possível fazer política com o próximo sem se inferiorizar. Olhar no olho do outro e construir com ele uma resistência, redes paralelas de poder. Ou seja, “é preciso aprender a olhar e escutar sem medo de deixar de ser, sem medo de deixar o outro ser em harmonia, sem submissão.” (MATURANA, 1999, p. 34). [...] a responsabilidade surge quando nos damos conta de se queremos ou não as conseqüências de nossas ações; e a liberdade surge quando nos damos conta de se queremos ou não nosso querer, ou não querer as conseqüências de nossas ações. Quer dizer, responsabilidade e liberdade surgem na reflexão que expõe nosso pensar (fazer) no âmbito de nossas ações, num processo no qual não podemos nos dar conta de outra coisa a não ser que o mundo que vivemos depende de nossos desejos. (MATURANA, 1999, p. 33-34). Portanto, o LATA é um laboratório para trocar afetos e fogos, Poemas e lírios, rimas e política, fatos, frutas e fotos, cultura e mídia!

“O educador (a) deve ser acariciado por outras estratégias de avaliação. Instigar processos que aliam – aluno e cultura -, enquanto experiência singulares. Educar é aprender com os alinhamentos e alianças. Encaminhar um processo avaliativo deve ser inventariar situações transformacionais, para e sobretudo, se emocionar. Um novo emocionear. Queremos interceder a favor da diferença e do espanto. Nada que não provoca emoções e desejos podem nos conduzir ao aprendizado. Pretendemos os meios e os ritmos. Aprender a intervir para mudar o rumo do barco e assim descobrir: continentes, territórios e palavras de ordem que nos façam maior, que nos desorganize por completo o corpo dramatizado pelo condicionamento e os medos.” (Francisca Pereira dos Santos- FANKA, idealizadora do LATA e educadora da UFC Cariri)

Referências: MATURANA, Humberto. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Tradução: José Fernando Campos Forte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.

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SOBRE OS AUTORES Adriano Pereira Santos - Graduando em Administração na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Estagiário entre fevereiro de 2007 e fevereiro de 2010 na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP/UFV). ([email protected]) Aelson Silva de Almeida - Engenheiro Agrônomo pela Universidade Federal da Bahia (1991), Mestre em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa (1996). Professor e Pró-Reitor de Extensão da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). ([email protected]) Airton Cardoso Cançado - Doutorando em Administração (UFLA), Mestre em Administração (UFBA), Graduado em Administração de Cooperativas (UFV). Atualmente é professor da Universidade Federal do Tocantins e Coordenador do Núcleo de Economia Solidária NESol/UFT. Participa da Rede de Pesquisadores em Gestão Social (RGS), da Rede de ITCPs e da Rede Brasileira de Pesquisadores em Cooperativismo. As áreas de interesse são: Gestão Social, Cooperativismo e Ecosol. ([email protected]) Alessandra Bandeira Antunes de Azevedo - Administradora pela Universidade Federal da Bahia (1998), Mestre e Doutora em Política Científica e Tecnológica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), onde coordena o Curso de Tecnólogo em Gestão de Cooperativas. ([email protected]) Ambrozina de Abreu Pereira Silva - Possui graduação em Gestão de Cooperativas e em Administração e Mestrado em Administração pela Universidade Federal de Viçosa. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração Pública e Administração de Cooperativas. Atua principalmente nos seguintes temas: Políticas Públicas, Gestão Pública, Eficiência Alocativa, Indicadores Sociais, Administração Financeira e Cooperativismo. ([email protected]) Ana Caroline Menezes da Glória - Psicóloga, trabalha atualmente na atenção básica de saúde no município de Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador. Discente do Mestrado Multidisciplinar e Profissionalizante em Desenvolvimento e Gestão Social, CIAGS/UFBA. ([email protected]) Ana Georgina Peixoto Rocha - Economista e Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Doutora em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), onde atua no Curso de Tecnólogo em Gestão de Cooperativas. Gestora do Núcleo de Extensão em Trabalho e Economia Solidária da Pró-Reitoria de Extensão da UFRB. ([email protected]) Anderson Felisberto Dias - Doutorando na Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas e integrante do Programa de Estudos em Gestão Social (PEGS). Possui mestrado pelo Curso de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal de Santa Catarina (2007). Professor conveniado da Fundação Getulio Vargas em que ministra disciplina em cursos de Pós-Graduação lato sensu e nos cursos em EaD do FGV Online. ([email protected]) André Siqueira Rennó - Graduando em Administração pela Universidade Federal de Lavras – UFLA. Bolsista de Iniciação Científica FAPEMIG. Estagiário na empresa IX Consultoria & Representações Ltda. Intercambista e bolsista pelo Programa CAPES/FIPSE, Graduação Sanduiche nos Estados Unidos. ([email protected]) 228

Antônio Carlos dos Santos - possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Lavras (1981), mestrado em Administração pela Universidade Federal de Lavras (1989) e doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo (2000). Atualmente é professor da Universidade Federal de Lavras. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração de Empresas. Atua principalmente nos seguintes temas: Cooperativismo, Estrutura organizacional, Administração. Ariádne Scalfoni Rigo - Professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), Mestre em Administração pelo PROPAD/UFPE e graduada em Administração de Cooperativas pela Universidade Federal de Viçosa. Atualmente é doutoranda do Núcleo de PósGraduação em Administração (NPGA) da UFBA e pesquisa sobre Economia Solidária, Moedas Sociais e Desenvolvimento de Territórios. ([email protected]) Ayana Zanúncio Araujo - Graduanda em Administração na Universidade Federal de Viçosa (UFV). Estagiária entre fevereiro de 2008 e agosto de 2009 na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP/UFV), bolsista de iniciação científica em 2010 do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PIC/UFV/CEF. Atualmente é estagiária do Centro de Tecnologias Alternativas da Zona da Mata (CTA/ZM). ([email protected]) Claricio dos Santos Filho - Mestre em sociologia pela UFPE, doutorado incompleto em sociologia econômica no CPDA/UFRRJ, Coordenador de Estudos e Pesquisas do Escritório Técnico de Estudos Econômicos, do Banco do Nordeste, representa o BNB no Comitê Gestor Nacional dos Fundos Rotativos Solidários, coordena a Rede de Informação e Gestão de Projetos de Desenvolvimento Solidário, e concentra suas pesquisas em economia e finanças solidárias. ([email protected]) Danilo Ivo Feitosa - Graduando do curso de Administração da Universidade Federal do Ceará Campus Cariri (UFC - Cariri), membro do Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social (LIEGS), bolsista da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários (ITEPS) e membro da coordenação do Fórum Caririense de Economia Solidária. ([email protected]) Doraliza Auxiliadora Abranches Monteiro - Mestre em Administração (UFV). Membro do grupo de pesquisa Administração Pública e Gestão Social (APGS). ([email protected]) Edgilson Tavares de Araújo - Doutorando e Mestre em Serviço Social (PUC-SP); Especialista em Comunicação, Mobilização e Marketing Social (unB/Unicef), Administrador (UFPB). Atualmente é professor, coordenador adjunto do curso de Administração e coordenador do Curso de Especialização em Inovação, Sustentabilidade e Gestão do Terceiro Setor, no Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge); colaborador do Centro Interdisciplinar em Desenvolvimento e Gestão Social (CIAGS / UFBA). Pesquisa temas ligados a Formação em Gestão Social, Políticas Sociais, Sustentabilidade e Mobilização de Recursos, Parcerias Intersetoriais. ([email protected]) Elaine Aparecida Araújo – Doutoranda em Administração, linha de pesquisa em Finanças, pela Universidade Federal de Lavras (MG). Possui mestrado em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco (2006). Tem experiência na área de Administração e atuação de pesquisa principalmente com os temas: finanças, cooperativismo, microcrédito. Atualmente é professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sudeste de Minas Gerais. 229

Élida Suzete Ramos Barbosa Monteiro – Graduada em Administração UFT. Pós-Graduação em

Gestão Pública e Sociedade UFT. Elizete Aparecida de Magalhães - Mestre em Administração pela Universidade Federal de Viçosa, Bacharel em Ciências Contábeis. Professora Assistente da UFVJM - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri na área contábil. Pesquisadora na área de Contabilidade Ambiental e Custos no Setor Público. Membro do Núcleo de Estudos em Contabilidade, Finanças e Gestão Pública Contemporânea – NEFIP. ([email protected]) Eloisa Helena de Souza Cabral – Doutora em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004) e Mestra em Serviço Social e Política Social, pela mesma instituição (1990). Possui graduação em Serviço Social pela Faculdade de Serviço Social de Araraquara (1976) e títulos de especialista em Administração pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Educação pelo Centro Universitário Faculdades Metropolitanas Unidas, e especialista em Administração para organizações não-lucrativas pela Fundação Getulio Vargas SP. Professora da pós graduação da Pontificia Universidade Católica de Sâo Paulo/COGEAE; professora titular de Sociologia da Faculdade de Administração da Fundação Armando Álvares Penteado, membro da International Society For Third Sector Research, da Universidade Jonhs Hopkins, Baltimore USA; integrante do NEATS-Núcleo de Estudos Avançados no Terceiro Setor, da PUCSP; e pesquisadora visitante da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Ministra cursos de pós graduação na Fundação Armando Alvares Penteado, na Universidade Faculdades Metropolitanas Unidas na área de Políticas Públicas, com ênfase em Economia Social, Terceiro Setor, Responsabilidade Social e Metodologia Científica. Diretora da Tempo: Avaliação e Gestão Social Ltda. Realiza atividades de pesquisa e consultoria, com publicações em revistas especializadas e livros nos seguintes temas: economia social, terceiro setor; gestão social; políticas públicas e avaliação de valores econômicos e de impacto. ([email protected]) Fabiano Santana dos Santos - Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Gestão Estratégica de Pessoas pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Graduado em Administração pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). ([email protected]) Fernando Guilherme Tenório - Pós-Doutorado em Administração Pública pelo IGOP/Universitat Autónoma de Barcelona - UAB, (2004); Doutorado em Engenharia da Produção pela COPPE/Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996). Professor Titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (EBAPE) da Fundação Getulio Vargas (FGV) onde coordena o Programa de Estudos em Gestão Social (PEGS). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Coordenador do Projeto Gestão social: ensino, pesquisa e extensão (ProAdm/CAPES). ([email protected]) Gisele de Lima Teixeira - Graduanda do Curso de Biblioteconomia pela Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri, Bolsista do Projeto de Extensão Doutores da Leitura da Universidade Federal do Ceará Campus Cariri e Bolsista do Programa de Iniciação a Docência – PID 2011/UFC Cariri do Projeto intitulado: Tecnologias de Informação e Comunicação Aplicada a Base de Dados de Unidades de Informação. ([email protected]) Gustavo Melo Silva - Doutor em Sociologia, mestre em Engenharia de Produção e bacharel em Administração. Professor da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), com áreas de interesse em Sociologia das Organizações, Sociologia Econômica, Desenvolvimento Regional e ou Administração Pública. (http://lattes.cnpq.br/3860918012578750 [email protected]) 230

Ives Romero Tavares do Nascimento - Possui graduação em Direito pela Universidade Regional do Cariri e em Administração pela Universidade Federal do Ceará - Campus Cariri. Atualmente é aluno do Curso de Mestrado em Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Curso de Especialização em Direito Constitucional da Universidade Regional do Cariri (URCA) e é pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Desenvolvimento Regional do Semiárido LEADERS, da Universidade Federal do Ceará - Campus Cariri. ([email protected]) Jeova Torres Silva Jr. - Graduado em Administração pela Universidade Estadual do Ceará e Mestre em Administração (ênfase em Gestão Social) pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é Professor Efetivo do Curso de Administração da Universidade Federal do Ceará Campus Cariri e Coordenador do grupo de pesquisa Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social - LIEGS/UFC Cariri. Em suas atividades profissionais e acadêmicas na área de Administração, atua com as temáticas: gestão social, desenvolvimento territorial, economia solidária, finanças solidárias, associativismo e cooperativismo. ([email protected]) João Bosco Dumont do Nascimento - Graduando do curso de Biblioteconomia pela Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri (UFC), membro do Centro Acadêmico do referido curso, Bolsista (Monitor) do Programa de Iniciação à Docência – PID 2009/UFC Cariri no Projeto de Graduação intitulado Laboratório de Ciência da Informação na Interface com o Centro de Referência e Memória da Cidade de Juazeiro do Norte – CE com intervenção no Estúdio D.I.G.I.T.A.L. (Debates Interativos Gestados Informalmente: Laboratório de Troca de Afetos), Estagiário da Biblioteca Universitária do Instituto Centro de Ensino Tecnológico CENTEC – FATEC Cariri (2010-2011), pesquisador e produtor cultural. ([email protected]) Jonathan Felix Ribeiro Lopes – Mestrando em Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas - RJ. Possui graduação em Ciências Sociais pela Fundação Getúlio Vargas - RJ (2009). Atualmente faz parte do Programa de estudos em Gestão Social da Escola Brasileira de Administração Pública e Empresarial FGV- RJ. José Roberto Pereira - Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília, mestre e graduado em Administração pela Universidade Federal de Lavras. Coordenador da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da UFLA (INCUBACOOP-UFLA) e do Núcleo de Estudos em Administração Pública e Gestão Social (NEAPEGS), líder do Grupo de Pesquisa em Administração Pública e Gestão Social registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Atualmente é professor Associado da Universidade Federal de Lavras (UFLA), Pesquisador Mineiro pela FAPEMIG e Bolsista Produtividade em Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora (DT) do CNPq. ([email protected]) Kely Cristina Paradelo Gomes –

Lamounier Erthal Villela - Pós-doutoramento em Administração (em andamento) na EBAPE/FGV. Doutor em Economia Aplicada pela Université Paris III (Sorbonne Nouvelle) 1999, Mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ, DEA pela Université de Grenoble II. Professor Adjunto do Departamento de Economia do Instituto de Ciências Humanas e Sociais e do Doutorado em Ciência, Tecnologia e Inovação em Agropecuária - PPGCTIA da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Pesquisador em Gestão social, desenvolvimento local territorial, APLs e Políticas Publicas. ([email protected] ou [email protected])

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Luciano Mendes - Doutorando em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Administração pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduado em Administração pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). Professor assistente na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Pesquisador vinculado ao Grupo de Estudos Organizacionais (UEM) e ao Núcleo de Estudos em Sustentabilidade, Desenvolvimento Local e Regional (NESDER/UFMS). ([email protected]) Luciano Munk - Doutorado em Administração pela Universidade de São Paulo (2005). Atualmente é professor da Universidade Estadual de Londrina. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Gestão de Pessoas, atuando principalmente nos seguintes temas: alinhamento estratégico, gestão sustentável, aprendizagem e gestão por competências. Atualmente coordena o MBA em Gestão de Pessoas e é vice-coordenador do mestrado em administração na UEL. Desenvolve pesquisas com publicações em periódicos e anais científicos como RAM, RAUSP e ENANPAD. Desenvolve consultoria na área de gestão por competências e gestão sustentável. ([email protected]) Luiza Michetti Mendes Santos – Graduação em Administração pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). ([email protected]) Luiz Antonio Abrantes Universidade Federal de Lavras Federal de Viçosa (UFV). ([email protected])

Doutor (UFLA),

em Administração pela professor da Universidade

Luiz Gustavo Camarano Nazareth - Professor Assistente da Federal de São João del-Rei. Mestre em Administração pela Federal de Lavras. Área de interesse em pesquisa: corporativa, finanças e contabilidade avançada. ([email protected]) Marco Aurélio Marques Ferreira - Pós-Doutor por Rutgers University (USA), professor da Viçosa (UFV). ([email protected])

Universidade Universidade Governança

em Administração Pública Universidade Federal de

Maria Vanderleia de Sousa - Graduanda do curso de Biblioteconomia pela Universidade Federal do Ceará, Campus Cariri (UFC). ([email protected]) Maria Laís dos Santos Leite – Atualmente é graduanda em Psicologia pela Faculdade Leão Sampaio (FALS) e monitora da disciplina de Fundamentos Sócio-Antropológicos do Curso de Psicologia (FALS). Participa como pesquisadora discente do Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social (LIEGS/UFC-Cariri) nas linhas: Fato Associativo e Economia Solidária e Metodologias Integrativas para Capacitação, Formação e Empoderamento em Gestão Social. É bolsista da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários (ITEPS/UFCCariri), atuando nos Projetos de Fomento ao Fórum Caririense de Economia Solidária e no Gestão Social nas Escolas. Participa ainda, do Padéia, Laboratório de Pesquisa Transdiciplinar sobre Metodologias Integrativas para a Educação e Gestão Social. Tem interesse em Psicologia Social e Comunitária e suas articulações com a Gestão Social, Economia Solidária, Metodologias nãoconvencionais, Participação Social e Incubação de Empreendimentos Econômicos Solidários. Maria Vanderleia de Sousa – Graduanda do curso de Biblioteconomia pela Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri (UFC). ([email protected]) Naira Michelle Alves Pereira - Graduanda do curso de Biblioteconomia pela Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri, membro do Projeto de Extensão Empresa Júnior do curso de 232

Biblioteconomia (AGIR Consultoria Jr.) da UFC Cariri e Bolsista do Programa de Iniciação à Docência – PID 2011/UFC Cariri do projeto intitulado: Metodologia da Pesquisa em Biblioteconomia e Ciência da Informação e Estudo de Comunidade e Usuários: a elaboração de trabalhos acadêmicos no enfoque dos projetos de pesquisa e de serviços. ([email protected]) Natália Mesquita –

Ósia Alexandrina Vasconcelos Duran Passos - Administradora e Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), onde atua no Curso de Tecnólogo em Gestão de Cooperativas. Gestora do Núcleo de Extensão em Tecnologia da Pró-Reitoria de Extensão da UFRB. Participa do Grupo de Estudos Paulo Freire. ([email protected]) Patricia Almeida Ashley - Professora Adjunta do Departamento de Análise Geoambiental do Instituto de Geociências da Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ. Titular da cátedra Prince Claus Chair in Development and Equity (2009/2011), no International Institute of Social Studies (Erasmus University Rotterdam, Holanda). ([email protected]) Rafael Borim de Souza - Doutorando em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Paraná (PPGADM-UFPR). Mestre em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Estadual de Maringá em consórcio com a Universidade Estadual de Londrina (PPA-UEM/UEL). ([email protected]) Raimundo Gomes da Silva Neto – Tem experiência na área de Economia, com ênfase em Desenvolvimento Territorial, está se graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri - URCA, uma IES pública do Estado do Ceará. É pesquisador do Grupo de Pesquisa em Desenvolvimento Territorial. Roberto do Nascimento Ferreira - Professor Assistente da Universidade Federal de São João del-Rei. Mestre em Administração e Doutorando em Administração pela Universidade Federal de Lavras. Área de interesse em pesquisa: governança pública, governança corporativa e finanças. ([email protected]) Rosana de Freitas Boullosa - Doutora em Políticas Públicas pela "Università IUAV di Venezia", em Veneza-Itália, é professora da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia, desde 2009, e associada do Centro Interdisciplinar em Desenvolvimento e Gestão Social (CIAGS), desde 2006. Além de ministrar aulas para os cursos de Graduação em Administração, Graduação Tecnológica em Gestão Pública e Gestão Social e Mestrado Multidisciplinar e Profissional em Desenvolvimento e Gestão Social, participa de projetos de extensão e coordena o Programa Residência Social do CIAGS/UFBA. Atua no campo da Gestão Pública e Social, com particular atenção aos aspectos da formação e ensino. ([email protected]) Silvia Roberta Oliveira e Silva - Mestranda em Desenvolvimento Regional Sustentavel pela Universidade Federal do Ceará-UFC Campus Cariri, Especialista em Desenvolvimento Regional e Economista pela Universidade Regional do Cariri - URCA. Integra o Laboratorio de Estudos em Gestao Social-LIEGS da UFC como pesquisadora voluntaria e atua em projetos de Economia Solidaria. ([email protected]) Simão Pereira da Silva - Mestre em Administração, Especialista em Auditoria, Bacharel em Ciências Contábeis. Professor Assistente II da UFVJM – Universidade Federal dos Vales do 233

Jequitinhonha e Mucuri, Pesquisador na área de Contabilidade, Gestão e Finanças Aplicadas ao Setor Público. Líder do Núcleo de Estudos em Contabilidade, Finanças e Gestão Pública Contemporânea – NEFIP. ([email protected]) Tatiane Pereira Jorge - Graduanda do curso de Biblioteconomia pela Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri (UFC), membro do Projeto de Extensão Empresa Júnior (AGIR Consultoria Jr.) do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri e Bolsista do Programa de Iniciação à Docência – PID 2011/UFC Cariri do projeto intitulado Laboratório Troca de Afetos (LATA). ([email protected]) Vânia Aparecida Rezende de Oliveira - Graduada em Administração pela Universidade Federal de São João Del Rei, Minas Gerais, mestre em Administração pela (UFLA) Universidade Federal de Lavras em Minas Gerais. Atualmente doutoranda pela (UFLA) Universidade Federal de Lavras em Minas Gerais atuando nas linhas de pesquisas referentes à administração pública com ênfase em gestão social, participação e segurança pública. Membro do NEAPEGS-UFLA. ([email protected]) Vasconcelos Reis Wakim - Mestre em Desenvolvimento Regional e Agronegócio pela Universidade Federal do Tocantins, Bacharel em Ciências Contábeis pela UFV. Professor Assistente da UFVJM - Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, pesquisador na área de Contabilidade Ambiental e de Valoração econômica de ativos e passivos ambientais. Membro do Núcleo de Estudos em Contabilidade, Finanças e Gestão Pública Contemporânea – NEFIP. ([email protected]) William dos Santos Melo - Possuo graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense com ênfase em Ciência Política (2007). Mestrando em Administração Pública pela Fundação Getulio Vargas-RJ. Tenho experiência em Políticas Públicas e Terceiro Setor, tendo trabalhado como Assistente de Projetos no Banco Mundial e atualmente como Pesquisador na Fundação Getulio Vargas (FGV/Ebape/PEGS). ([email protected])

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