LIVRO: ENSAIOS DE CULTURA TEATRAL (Prefácio de Marta Morais da Costa)

June 1, 2017 | Autor: W. Lima Torres Neto | Categoria: Theatre Studies, Teatro, Teatro Latinoamericano, Teatro Brasileiro
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WALTER LIMA TORRES NETO

Conselho Editorial Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antônio Carlos Giuliani Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Eraldo Leme Batista Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa

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N4699 Neto, Walter Lima Torres Ensaios de Cultura Teatral/Walter Lima Torres Neto. Jundiaí, Paco Editorial: 2016. 304 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-462-0457-1 1. Dramaturgia 2. Teatro 3. Cultura 4. Sistema teatral. I. Neto, Walter Lima Torres. CDD: 792 Índices para catálogo sistemático: Teatro Cultura e instituições IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi Feito Depósito Legal

Av. Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 | 2449-0740 [email protected]

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Para Andréa

O fato é que a civilização dita “europeia”, a civilização “ocidental”, tal como ela foi modelada ao longo de dois séculos de regime burguês, é incapaz de resolver os dois maiores problemas os quais sua própria existência fez surgir: o problema do proletariado e o problema do colonialismo. Aimé Cesaire. Discurso sobre o colonialismo, 1955 Sempre brigam comigo, me acusam e atacam quando digo essa frase, mas não posso deixar de dizer: o teatro, para o brasileiro, não é a mesma coisa que o canto para o italiano, ou a música para o próprio brasileiro. O teatro não é o forte do brasileiro e não me queiram apedrejar por causa disso. Forte do brasileiro é a música, a poesia, futebol. Zbigniew Marian Ziembinski, 1978 O teatro é uma arena de ideias e de criatividade que requer cultura e treino técnico e físico. Quem sabe quanto trabalho exige a estruturação de uma personagem, a construção de um espetáculo? Alguém sabe que quatro anos de uma excelente escola de teatro são insuficientes para criar um profissional e que somente uma vida vivida para e pelo teatro constrói, consumindo-os, seres efêmeros chamados atores, diretores, cenógrafos, figurinistas, autores e músicos? – “Où sont les neiges d’antan?” Onde está a paixão que levava multidões aos teatros? Gianni Ratto, 1996 Gente junta cria cultura e, paralelamente, cria uma economia territorializada, uma cultura territorializada. Essa cultura da vizinhança valoriza, ao mesmo tempo, a experiência da escassez e a experiência da convivência e da solidariedade. É desse modo que, gerada de dentro, essa cultura endógena impõe-se como um alimento da política dos pobres, que se dá independentemente e acima dos partidos e das organizações. Tal cultura realiza-se segundo níveis mais baixos de técnica, de capital e de organização, daí suas formas típicas de criação. Milton Santos, 2000

Sumário Prefácio – Refletores e reflexões sobre a cultura teatral

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Introdução – Teatro, sociedade e mercado

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I – Cultura e prática teatral

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II – O dever da crítica

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III – O direito ao teatro

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IV – O agente criativo

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V – O termo dramaturgia, hoje

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VI – As coleções que marcaram época

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VII – O programa de teatro

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VIII – O lugar no teatro

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IX – A turnê e o tropeirismo teatral

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X – O fracasso e o sucesso

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XI – O amor ao teatro

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Referências

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Prefácio Refletores e reflexões sobre a cultura teatral Marta Morais da Costa Se a ilusão fosse inteira, perfeita e de duração contínua, deixaria de ser agradável [...] é a secreta comparação da arte rivalizando com a natureza que faz o encanto do teatro. Louis-Sébastien Mercier, 1740–1814

O que dizer de um livro de ensaios, organizados pelo fio condutor da cultura teatral, e que se desdobra no estudo minucioso de componentes diversos do teatro? Como abranger em rápido prefácio aspectos tão intrínsecos à arte como a crítica, os agentes criativos, a dramaturgia, os livros especializados, os fracassos e sucessos, os programas das peças representadas, a espacialização do palco e dos edifícios, as peregrinações dos elencos e a relevância dos fatores materiais e econômicos da arte? O empreendimento de síntese tem um quê de ousadia e muito de destemida pretensão. Entretanto, vozes fracas e anônimas, diz a Nova História, também venceram batalhas e fizeram acontecimentos. Portanto, içando âncoras e enfunando velas, lançar-me-ei neste mar vasto e desafiador de um prefácio a um livro tão diverso e com tantas contribuições para o conhecimento do teatro, em especial o do Brasil. Em terra de uma arte sempre em crise, como o teatro brasileiro, a atividade complexa e sistêmica da cultura teatral pode contar com as contribuições da academia universitária para trazer luzes de informação e esclarecimento sobre obstáculos e sucessos, em especial no seu desenvolver histórico. Este propósito se confirma nas páginas crítico-avaliativas de Walter Lima Torres Neto em “Ensaios de Cultura Teatral”. Nesta apreciação do livro, ressalto o enredar-se do trabalho do cientista a pensar seu tempo, enlaçado pelas palavras do conheci9

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mento – atributo das lides universitárias – com a vivência próxima do teatro feito e vivido seja em busca do lucro, ou em perene explicação do mundo e da vida, ou, ainda, nas asas de um amor ora acasalado, ora em processo de separação. Enquanto dramaturgia, o teatro tem uma natureza interpretável, como defendeu Louis Jouvet. Mais do que isso, as várias linguagens de que se compõe um espetáculo teatral, polimorfo e plurilinguístico, permitem desdobráveis interpretações. Não por serem múltiplas apenas, mas por surgirem de linguagens diferentes; por proporem vias de acesso diversas entre si; por se manifestarem em objetos a requisitar repertórios de leitura acumulados em exercícios de análise apoiados em códigos de comunicação variados. Os mesmos pressupostos teóricos aplicáveis à linguagem verbal do texto dramático pedem alteração quando o leitor se depara com a visualidade do texto espetacular, ou com o grafismo dos programas, ou com a complexidade do texto gestual-cinético-verbal da interpretação do ator ou a espacialidade dos palcos. Até mesmo ao considerarmos apenas a linguagem verbal, como se fazem diferentes os enfoques para tratar dos diferentes gêneros textuais, como o drama, a tragédia, a comédia, a crítica, as listas dos programas, as informações dos periódicos e assim por diante! Não é de estranhar, portanto, que este volume de ensaios esteja ancorado em capítulos que desenham um arco tão amplo de interesses e de estudos no âmbito da arte teatral. A riqueza do livro está exatamente nesta abertura descritivo-analítica. Seu título já anuncia essa amplitude por considerar a cultura teatral como foco de interesse e de discussão de seus elementos. Para tanto, Walter Lima Torres busca estabelecer de princípio o entendimento do que seja “cultura teatral” no primeiro capítulo: “poderia englobar um conjunto de condicionamentos e procedimentos, de regras, de técnicas artísticas (trabalho intelectual e esforço criativo) e estratégias comerciais, elementos que estão em permanente atrito com tradições e inovações estéticas e que, juntos, objetivam a concepção, execução e posterior fruição de uma obra cênica, seja ela ficcional, representa10

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cional ou não.”. Posteriormente ele especifica os componentes dessa cultura, no seu entender: “agentes, valores, temas, instituições, procedimentos criativos, processo de produção e comercialização do trabalho criativo”. Tomarei como apoio alguns dos termos dessa definição para tecer rápidos comentários a respeito do que li com invulgar atenção e agrado. Em meu entender, o termo mais provocante dessa definição de cultura é atrito. Desdobrando-o em vocábulos de significado próximo, acentuo o caráter de conflito, discussão, divergência, tumulto, resistência. Desde Aristóteles, a noção de conflito aplicada ao teatro tem sido acolhida, praticada e renovada pelas mais diferentes estéticas do palco. Tomada como situação fulcral da dramaturgia, o conflito sustenta e determina de modo explícito a especificidade da arte teatral quando comparada às demais expressões artísticas. O conhecimento da história do teatro tem demonstrado a alternância de estéticas que tomam o conflito como verdade axiológica – o realismo e o naturalismo, em especial – e outras em que a resistência consiste exatamente em romper e esgarçar esse conceito – o simbolismo e o teatro pós-dramático, por exemplo. Nesse atrito constante, a dramaturgia foi realmente desenrolando um exuberante tapete vermelho por onde a arte teatral tem desfilado sua celebridade. Não apenas a dramaturgia, é evidente. Ela faz par com o espetáculo – o texto cênico – e todas as técnicas e estratégias de representação sobre o palco, material que embasa ou advém de teorias sobre o teatro. Esse conjunto faz a arte teatral renovar-se e permanecer. Esse espírito de união manifesta-se continuamente nos capítulos deste livro. Em relevo em “O direito ao teatro”, “O agente criativo”, “O lugar no teatro” e “O fracasso e o sucesso”. No entanto, estudos sobre a história e o desenvolvimento da arte teatral comprovam que as mudanças não estão restritas aos elementos mais visíveis da peça teatral, de sua representação ou de teorias pré – ou pós – encenações. O projeto de criação teatral é também o da direção do espetáculo e “responde a uma política cultural correspondente a escolhas artísticas e definida por aquele ou 11

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aqueles que o colocam em ação”, segundo Michel Pruner em “La fabrique du théâtre”. Este é também o caminho trilhado por Walter Lima Torres e o que torna este livro uma contribuição valiosa para os estudos do teatro. Capítulos como “Cultura e prática teatral”, “As coleções que marcaram época”, “O lugar no teatro”, “A turnê e o tropeirismo teatral” e “O fracasso e o sucesso” trazem ao conhecimento e ao juízo do leitor documentação e argumentação relevantes para um olhar amplo sobre a arte teatral. Os capítulos nomeados mapeiam territórios que nem sempre ficam delineados em estudos sobre o teatro com tal intensidade. Nestes, são muitas vezes tópicos passageiros, o que não ocorre aqui. Essa diferença abre espaço para a discussão e inevitáveis divergências surgidas em momentos históricos definidos e no entendimento que temos hoje, em relação ao passado. Para além da compreensão do teatro como uma arte de fascínio, imaginação, sacralização, como está na visão dos artistas – ou como quer Walter Lima Torres, “agentes criativos” – simbolistas e de Antonin Artaud, por exemplo, este livro procura analisar o teatro sob a luz de subvenções, estatais ou não (tão antigas quanto a própria arte), e de estratégias comerciais, de disputas por verbas e públicos. Tal escolha não demonstra um amor menor ou interesseiro pelo teatro, mas tenta estabelecer uma compreensão mais realista e clara sobre os problemas que afetam e modificam a cultura teatral. Aliás, o quanto as crises do teatro brasileiro, que levaram a maior ou menor afastamento do público, não derivaram de problemas financeiros de companhias e de projetos estatais? A incompletude, característica da natureza do teatro, faz com que dependa intensamente da presença dos espectadores. Shakespeare dizia que o teatro são duas tábuas e uma paixão. Na verdade, como proprietário de um teatro, ele provavelmente sabia que, além disso, a presença do público e a necessidade de respostas (financeiras ou de adesão à montagem) garantiam a continuidade de seu trabalho, da produção e da companhia sob sua direção. Portanto, montar um quadro mais completo do teatro brasileiro é tratar 12

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também de subvenções, incentivos, mecenas, companhias estatais, lucro. Enfim, do vil – e indispensável – metal. É do que trata em especial o primeiro capítulo, “Cultura e prática teatral”. E, por ser o primeiro, introduz um tratamento mais frio e objetivo do sistema teatral e estará presente nos demais assuntos tratados ao longo do livro. A distinção entre uma política de Estado (manifesta em editais, incentivos e mecenatos) e uma política de cidadania (voltada à formação do espectador-cidadão) traz à discussão um aspecto marcante da cultura teatral sob a ótica do teatro como consumo e como mercadoria. Mais uma aresta do atrito vigente na cadeia de produção da arte teatral. Um segundo termo que gostaria de ressaltar na conceituação de cultura teatral é fruição. Na frase conceitual o termo vem posicionado na seguinte expressão: “concepção, execução e posterior fruição de uma obra cênica”. Ou seja, é um ato e se localiza numa linha temporal – em primeiro lugar concepção, depois execução e, ao final, fruição. Em uma cadeia de significados, fruição acaba chegando a termos correlatos como “estar na posse de”, “usufruir”, “apreciar”. Enquanto ato, pressupõe um sujeito agente. Em termos das teorias da recepção, esse sujeito recebe a denominação de leitor (em seus vários tipos) e, no caso da arte teatral, acrescenta a ação do espectador. Leitor ele será sempre, seja para os textos verbais, seja para as demais linguagens. Mas, no caso do teatro e do texto espetacular ou cênico, esse leitor ganha mais atributos, em especial o de ser aquele que olha. Recordemos que, em latim, spectare pode significar olhar, observar, assistir a. Mais ainda, há várias camadas de leitores até o momento em que o espetáculo se torna vida sobre o palco. Um mesmo texto terá leitores que usarão da interpretação para o traduzir em outras linguagens: os atores, o diretor, o cenógrafo, o figurinista, o iluminador, os criadores do programa e do cartaz do espetáculo, o dramaturg, enfim cada uma das funções será exercida a partir da conversão de interpretações diversas em favor da unidade do espetáculo. Por sua vez, a encenação visa quase exclusivamente aos públicos para os quais foi construída – ou ao público pré-con13

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cebido, imaginado e esperado. É natural que, levando em conta o processo de interpretação, o qual parte sempre de repertórios prévios e de horizontes de expectativa dos leitores, esse espetáculo será objeto das mais diferentes leituras, produzidas pela multiplicidade dos leitores-profissionais-de-teatro e pelos espectadores. Jaques Copeau, poeticamente, assim definiu seu entendimento de público: “Considero público o conjunto daqueles que uma mesma necessidade, um mesmo desejo, uma mesma aspiração conduzem a um mesmo lugar, para satisfazer o gosto que têm de viverem juntos, de experimentar juntamente as paixões humanas, o deslumbramento do riso e o da poesia, por meio de um espetáculo melhor acabado que a vida.”. Simultaneamente à compreensão do que seja público, infere-se um entendimento apaixonado do teatro e de suas funções psíquicas, culturais e sociais. A transferência dos sentidos do espetáculo concebido para o público espectador é um dos processos mais fluidos e imprevisíveis da cultura teatral. Pudesse ele resultar em comunicação exata e antecipada, seria possível prever com certeza absoluta o sucesso de um espetáculo. A impossibilidade dessa certeza – que não existe nem na garantia de que a montagem terá a mesma recepção em todas as noites de uma temporada – torna a estudo dos públicos, da recepção das obras teatrais, da crítica literária e do julgamento histórico de um espetáculo, de um autor, de um elenco, de companhias, de temporadas e de montagens diferentes um eterno desafio. Bernard Dort expressa a consciência da importância do público ao afirmar que “a obra teatral somente tem valor em função do público. Ela é criada pelo contato com ele. Ela muda, se modifica, se enriquece ou se apequena segundo o público que lhe dá ou retira sua adesão. Ela é – no sentido mais forte – o produto: é o público que literalmente a tira do nada, a escolhe, e, ao escolhê-la, se escolhe”. Talvez fosse mais correto aplicarmos a designação desses espectadores pela forma plural do substantivo: públicos. As diferenças mais evidentes são verificáveis no repertório relativo à própria arte teatral: o quanto cada espectador conhece ao que vai assistir sobre 14

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o palco, sua familiaridade com o tipo de espetáculo, a importância que ele pode vir a ter em sua cosmovisão e assim por diante. Públicos de gêneros teatrais diferentes (comédia, drama, musical, teatro experimental ou pós-dramático, por exemplo) possuem identidades diversas. Públicos de cidades diferentes, em temporadas cumpridas em épocas esparsas do ano, o contexto social e político vivido pelo público naquela temporada, os humores e comportamentos próprios do público de cada apresentação... Enfim, há uma variedade natural de público em cada espetáculo da mesma companhia e na mesma temporada! A empatia, ou não, entre palco e plateia tornam cada apresentação única, irrepetível para quem formata o texto desde o palco e para quem o recebe, acomodado nas poltronas ou nas arquibancadas ou nas calçadas do lugar do espetáculo. O público de um determinado espetáculo vive uma comunhão estética que Henri Gouhier atribuía à “participação na consciência coletiva”. Esses valores, que tangenciam rituais e manifestações psíquicas revelam a relevância do público como integrante de uma cerimônia artística que transcende um estar junto no mesmo espaço e vivenciando palavras e ações comuns. De tal forma espetáculo e plateia se integram que a história registra representações cênicas em que as fronteiras entre palco e plateia desapareceram, e houve a real integração de pessoas na mesma festa, no mesmo jogo, no mesmo espetáculo, como em montagens do Grupo Oficina, ou de Julian Beck e Judith Malina, ou no Théatre du Soleil, de Ariane Mnouchkine. Nos bastidores, na plateia, no coração dos atores e demais agentes criativos é o público que pulsa o tempo todo. Idêntica percepção podemos atribuir a todos os capítulos do livro: o leitor, o consumidor, o divulgador, o apreciador, seja quantas e quais forem as faces dos públicos de teatro, elas estão pulsando em toda a pesquisa, nas ideias, nos projetos culturais, nas realizações cênicas relatadas por Walter Lima Torres ao longo das substanciosas páginas deste livro. Não é possível passar incólume pelas páginas dedicadas à crítica teatral brasileira, que atingiu picos de excelência no século passado 15

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e que agora está circunscrita às atividades acadêmicas sobremaneira. Esquecida ou amputada de veículos mais populares, como os periódicos, a crítica teatral cedeu aos encantos da modernidade líquida, de Zygmunt Bauman, e – com perdão ao trocadilho – liquefez-se em notas sobre celebridades, entrevistas idem e pouca densidade, principalmente após o silenciamento – por motivos diversos – de críticos do porte de Bárbara Heliodora, Décio de Almeida Prado e Sábato Magaldi. Essa prática teatral de mediação que foi, segundo Walter Lima Torres, capaz de “buscar subsídio para refinar um conhecimento sobre as obras cênicas, potencializando-se assim os mais diversos níveis de fruição” foi responsável pela formação de plateias capazes de melhor compreender os espetáculos a que assistiam. A crise econômica aliada à mudança dos suportes de comunicação, trocou o papel e a tinta dos periódicos pela volatilidade de alguns blogs e sítios digitais, deixando os espectadores à mercê da publicidade e do nível de acesso às mídias cultivado pelas celebridades de momento. Sem que pareça saudosismo, o arrefecimento do papel da crítica militante desloca-se para publicações acadêmicas – como bem informa o capítulo sobre “O dever da crítica” –, mas perde-se na troca a agilidade e a presentificação, de vez que o comentário e a comunicação colados aos espetáculos na temporalidade do acesso e na acessibilidade da linguagem, desaparecem. Este acontecimento talvez se deva à perda de voz de autoridade, talvez se justifique pela dispersão em sujeitos individualizados, responsáveis por sua interpretação pessoal, desvinculada de críticos sapientes e olímpicos. A movimentação teatral intensa fica, portanto, entregue às demandas de mercado, à força da propaganda, ao chamariz dos atores de televisão, às intempéries e ao agito – ou não – da vida noturna. Talvez possamos ver nos escritos sobre teatro e nas avaliações dos espetáculos formas de garantir a sobrevida do teatro. Esses olhares críticos de análise e de avaliação acabam por “decodificar o que os artesãos da fábrica teatral tentaram exprimir com os meios materiais que as obras tentam inventariar: em sua busca dos segre16

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dos da representação, esses mediadores exigentes nos lembram que, mesmo se ela possui uma história, a arte viva que é o teatro não pode ter outros destinatários senão seus contemporâneos”, conforme palavras de Michel Pruner. Enfim, e segundo essa ótica de contribuição cultural para seus contemporâneos, o livro de Walter Lima Torres, alia ao espectro teórico uma consistente visão da história, da teoria e do teatro brasileiro, com os holofotes de uma bibliografia vasta, chancelada pela vivência da arte, tanto experimentada no palco, quanto recebida na condição de espectador atento e culto. O título do capítulo derradeiro pode sintetizar o que me parece ter movido o autor em sua indagação e escrita: “amor ao teatro”. Um amor que, segundo João Bethencourt, citado no último capítulo, é “uma forma de conhecimento”. O resultado é uma obra densa, provocadora, informativa, aberta à revisão de padrões e valores tradicionalmente repetidos em outros estudos, parciais ou de semelhante amplitude. Quem o ler, verá.

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