Localização das sesmarias cearenses (Séculos XVII e XVIII)

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Localização das sesmarias cearenses
-Séculos XVII e XVIII-

Luísa Tollendal Prudente
Departamento de História – UnB


O objetivo da pesquisa - ainda em andamento - é identificar a localização do maior número possível de sesmarias no Ceará do século XVIII. Para tanto, são utilizadas como fontes documentais as informações contidas nos pedidos de datas e sesmarias fornecidas pela obra Sesmarias Cearenses (SOBRINHO: 1979), onde as cartas de requerimentos estão listadas de acordo com as grandes regiões nelas citadas, principalmente cursos fluviais (tais como as ribeiras do Acaraú, do Choró, do Jaguaribe, do Coreaú, ou ainda a Serra da Ibiapaba, ou o Cariri). Para encontrar a localização dessas terras se recorre a pesquisas no google com relação à toponímia citada, e em busca de referências aos nomes dos sesmeiros ou à história da ocupação portuguesa da região. A armazenagem dos dados por enquanto está sendo feita através da ferramenta Google Earth.
A instituição da sesmaria data do século XIV, mais especificamente da época do reinado de D. Fernando I. Ela foi reforçada depois nas ordenações Afonsinas, Filipinas e Manuelinas. Surgiu no contexto da expansão dos domínios reais portugueses para as terras ibéricas ocupadas pelos mouros, e da "crise do século XIV", com sua redução populacional drástica e a evasão de boa parte da população rural para as cidades, e a diminuição na produção de gêneros alimentícios essenciais tais como os cereais. As sesmarias consistiam em terras doadas em regiões desabitadas ou que se pretendia ocupar por cristãos, feitas em nome da coroa como uma mercê, e totalmente compatíveis com a economia feudal do dom e do contra dom. Em troca, a terra deveria ser ocupada e cultivada (ROLIM, 2012).
A política de doação de sesmarias perdurou ao longo de toda a Idade Moderna, e foi particularmente frutífera nas colônias portuguesas da América, uma vez que promovia a ocupação de possessões d'Além Mar portuguesas que a coroa desejava manter. No caso específico da Capitania do Ceará, essa política se inseriu no contexto da expansão da população litorânea de Pernambuco ou da Bahia para o sertão,depois das guerras contra os holandeses, e em decorrência da decadência da produção açucareira e do enriquecimento e aumento da influência política de comerciantes, desejosos por sua vez de se tornarem senhores. Também no contexto das "guerras contra os bárbaros", as guerras contra os indígenas apelidados pelo colonizador de tapuias em oposição aos tupis do litoral, diferentes grupos étnicos habitantes do sertão e cuja dominação se revelou nessa época mais penosa para os colonizadores que a dos índios costeiros (ROLIM, 2012). Essas guerras se deram em boa parte em conseqüência da interiorização dos portugueses no nordeste do Brasil, movimento do qual fez parte a concessão de sesmarias.
No Brasil, uma sesmaria no sentido estrito corresponderia a um pedaço de terra de 3x2 léguas, que deveria ser ocupada pelo sesmeiro e por ele cultivada. Vemos, porém, que essa classificação rígida sofria alterações, tornando-se na prática muito mais fluida. Encontram-se sesmarias maiores ou menores que as 3x2 léguas, e nem sempre as mesmas eram efetivamente ocupadas e cultivadas. Porém, nesse caso, a alegação de não cultivo de uma terra muitas vezes era um argumento utilizado para se pedir uma terra que já havia sido doada antes.
O processo de colonização do interior do Ceará deu-se assim me maneira mais intensa a partir de fins do século XVII, e ocorreu através de concessões de sesmarias em toda a região. Há controvérsia a respeito de quem teriam sido os primeiros colonos. Oficialmente, atribui-se esse posto a Leonardo de Sá e Nicolau da Costa Peixoto, assim como a seus descendentes. Mas aparentemente os Góis - Manuel de Góis e Simão de Góis de Vasconcelos - teriam obtido terras lá antes. e essas famílias teriam entrado em conflito. De todo modo, o que se sabe é que esse processo de ocupação ocorreu em primeiro lugar na ribeira do Acaraú, a partir dos locais onde hoje se encontram as cidades de Sobral, Bela Cruz e Marco (FREITAS:2012 ).
O Ceará é um Estado do Nordeste brasileiro cujo clima é caracterizado por ser úmido no litoral, e cada vez mais seco à medida que se vai adentrando o sertão. Várias são as bacias fluviais de importância que correm através dele, porém, mais ao sul, muitos dos rios são caracterizados por secarem em boa parte do ano, e se encherem apenas sazonalmente. Grande parte das sesmarias doadas localizam-se ao longos de cursos fluviais, pois os recursos hídricos – ainda mais em uma região seca como o sertão cearense – são essenciais para a criação de gado, a produção agrícola e o sustento das gentes. Os grandes referentes geográficos das cartas de datas e sesmarias, efetivamente, são rios ou riachos. No interior do Estado, em sua parte mediana, existem muitas elevações e serras, sendo as mais importantes, devido a sua altura e extensão, a Serra da Meruoca, da parte noroeste do Acaraú; a serra da Uruburetama na parte sudeste do mesmo; e a serra da Ibiapaba, ao sul do rio. Essas serras também são grandes referentes geográficos na documentação. Ao sul do Estado, na região do Cariri, a paisagem já é bem mais plana. É também a região de clima mais seco.
Antes de se iniciar a busca das sesmarias citadas nas cartas de datas, procedeu-se a um conhecimento preliminar da topografia e toponímia cearenses, através de mapas, identificando assim os principais acidentes geográficos, cursos fluviais e povoações, marcando esses pontos no Google Earth.
Em seguida, foi criado um banco de dados das cartas de sesmarias no FileMaker, através de uma planilha onde se pudesse colocar as principais informações referentes a cada carta, agrupadas conforme as regiões listadas no livro Sesmarias Cearenses (SOBRINHO:1979).
Realizadas essas etapas, procedeu-se então à busca das sesmarias. Para tanto, cruzou-se os dados fornecidos em cada carta com aqueles fornecidos em outras que estivessem relacionadas com a primeira através dos sesmeiros ( um sesmeiro que recebeu mais de uma terra, os vizinhos e antigos donos citados que por sua vez aparecem requerendo as mesmas terras referenciadas, etc...). Ao invés de se tentar encontrar isoladamente uma sesmaria, com base apenas nas indicações geográficas fornecidas por uma carta - o que torna a missão bastante difícil - a idéia foi justamente tentar encontrar essas sesmarias em bloco, a partir do cruzamento de dados entre as petições que podem ser relacionadas entre si. Como um quebra-cabeça, que pode ser montado inteiro, com todas as peças na mão, e do qual é impossível se encontrar o lugar de uma peça isoladamente Lançou-se mão de todas as ferramentas que poderiam ser utilizadas para encontrar esses lugares, principalmente buscas na internet a partir dos nomes dos acidentes geográficos mencionados nas cartas, e dos nomes dos sesmeiros ou outras pessoas citadas nessa documentação. Muitas informações valiosas foram obtidas dessa forma, e assim foi possível localizar aproximadamente a maioria das sesmarias já trabalhadas. Cada nova informação encontrada foi registrada, assim como novos acidentes geográficos - como rios ou serras - foram desenhados e marcados no Google Earth, e novas localidades também foram adicionadas. Compôs-se, desse modo, um mapa da região, que quanto mais completo mais fácil torna a localização das sesmarias. Esse mapa é delineado ao longo do processo de busca, pois depende das informações fornecidas pelos documentos, e está constantemente sendo reconstruído. Além disso, foram também adicionados ao mapa nomes de pessoas que não apareciam na relação de cartas de datas consultada, mas que eram mencionadas em fontes secundárias com informações sobre a localização de suas terras. É o caso das terras dos Góis na ribeira do Jaguaribe, rio que se encontra distante do Acaraú, ou as de João de Barros Braga, Serafim Dias e Maria Pereira da Silva em Mombaça, cidade também um pouco mais distante da região por enquanto pesquisada.



Está quase completa a relação das sesmarias da ribeira do Acaraú, do Arcatiaçú e do Aracati-Mirim, embora falte re-analisar as que nessa região não foram ainda encontradas. Das 95 sesmarias já trabalhadas, encontrou-se a localização aproximada de mais de 50%.
A partir do cruzamento das informações fornecidas nas cartas de datas entre si, e entre aquelas obtidas a partir de fontes bibliográficas secundárias, pôde-se localizar por exemplo terras da família Sá e da família Peixoto (Leonardo Ribeiro de Sá, junto com Antonio da Costa Peixoto; Maria de Sá, sua filha, junto com Nicolau da Costa Peixoto; Sebastião de Sá e João de Sá, terra posteriormente comprada pelo padre Antonio dos Santos da Silveira; Apolonia da Costa, filha de Antonio da Costa Peixoto ). Foram encontradas também as da família Machado Freire (José Machado Freire; Manuel Machado Freire; Domingos Machado Freire; Miguel Machado Freire) e as de João Ferreira Chaves. Esses estão entre alguns dos principais sesmeiros da ribeira do Acaraú. Mas também foi possível encontrar terras de proprietários bem menos conhecidos na historiografia da região, como a de Francisco Nunes Fróis de Brito (1732) e a de Francisco Nunes Fróis de Brito junto com Estevão Fernandes (1735); a de Manuel Pereira Pinto(1730), ou ainda as de Sebastião Dias Madeira(1723), João Alves Fontes (1734) e Alexandre de Albuquerque Melo e Cravo (1723). Todas essas sesmarias foram encontradas a partir das indicações geográficas fornecidas em alguma das cartas, e depois, pela relação de vizinhança mencionada nos documentos.
Com relação à distribuição dos pedidos de sesmarias no tempo, para a ribeira do Acaraú, do Aracatiaçú e do Aracati-Mirim temos alguns períodos de intensa movimentação, seguidos por outros onde nenhuma ou quase nenhuma carta de sesmaria foi expedida. São aqueles: o ano de 1702, os anos 1722 -1727, os anos 1730 -1739 e os anos 1743-1745. Imagina-se que esses períodos correspondam às principais épocas de imigração, entradas e expansão populacional na região. Com relação ao ano de 1702, todas as cartas referem-se a pedidos de retificação de terras já existentes ocupadas ainda no século XVII, mas que, devido a uma ordem da coroa de 1702 exigindo que fossem registradas, apenas então foram retificadas. O ano que registra o maior número de cartas de datas é 1737, com 17 datas concedidas; seguido pelo ano de 1744, com 16. Para entender o porquê desses momentos de pico seria necessário procurar os motivos que poderiam ter levado a isso nesses anos, notadamente na administração portuguesa para a colônia e na governança da capitania cearense



Muitas petições concedidas apontam como motivo para a ocupação da terra a criação de gado, em primeiro lugar, e a agricultura, em segundo. Efetivamente, a produção de carne foi a principal atividade econômica daquela região (ROLIM:2012). Há também alguns padres - todos seculares - pedindo terras nas ribeiras mencionadas (com relação a outros rios cearenses ainda não mapeados, encontrou-se um número considerável de jesuítas). Pedem as datas para moradia e/ou construção de capelas.
A pesquisa ainda não foi concluída, e resta ainda muito o que fazer afim de se mapear da melhor forma possível as sesmarias do Ceará no século XVIII. Porém, já se pode afirmar que o método utilizado para realizar essa busca mostrou-se bastante frutífero, pois muito - além das expectativas, talvez - já foi realizado através dele.




Bibliografia
ARAÚJO, F. Sadoc de. Cronologia Sobralense. Gráfica Editorial Cearense: Fortaleza, 1974.
FREITAS, Vicente. Bela Cruz: biografia do município. Perse: São Paulo, 2012.
MORORÓ, Paiva. Santa Quitéria: história. ARTEGRÁFICA: Santa Quitéria, 2006.
ROLIM, Leonardo Cândido. "Tempo das carnes" no Siará Grande: dinâmica social, produção e comércio de carnes secas na Vila de Santa Cruz do Aracati (c.1690 - c.1802). Universidade Federal da Paraíba: João Pessoa, 2012.
SOBRINHO, Thomaz Pompeu. Sesmarias Cearenses. SUDEC: Fortaleza, 1979.





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Número de datas concedidas por ano


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