Longe da Pátria: A invasão paraguaia do Rio Grande do Sul e a rendição em Uruguaiana (1865)

June 1, 2017 | Autor: Wagner Jardim | Categoria: History, História do Brasil, História do Rio Grande do Sul
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WAGNER JARDIM

Longe da Pátria

A invasão paraguaia do Rio Grande do Sul e a rendição em Uruguaiana (1865)

PORTO ALEGRE RS 2015

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Longe da Pátria A invasão paraguaia do Rio Grande do Sul e a Rendição em Uruguaiana (1865) Capa Ilustração

Diagramação Tiaraju de Almeida MTE/RS 16.669

CIP – Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

J37l

Jardim, Wagner Longe da pátria: a invasão paraguaia do Rio Grande do Sul e a rendição em Uruguaiana (1865) / Wagner Jardim. – Porto Alegre: FCM Editora, 2015. 226 p. 1. Rio Grande do Sul - História. 2. Historiografia. 3. Paraguai, Guerra do, 1865-1870. I. Título. CDD 22.ed. 981.65 CIP-NBR 12899

Ficha catalográfica elaborada por Marcia Elisa Sbaraini-Leitzke CRB-9/539

2015

FCM EDITORA Tel. 51 3336.3475

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Conselho Editorial

Coleção Mar del Plata Presidente de Honra: dr. León Pomer, Argentina. In memoriam: Dra. Eulália Maria Lahmeyer Lobo, UFRJ. Historiador Luiz Roberto López, UFRGS. Coordenadores:

Dr. Mário Maestri, PPGH da UPF, RS. Secretário Dra. Ana Luiza Setti Reckziegel, UPF, RS. Dr. Diego Buffa, Universidad Nacional de Cordoba, Argentina

Dr. Adelmir Fiabani, Unipampa, Jaguarão, RS. Dr. Alejandro Schneider, UBA, Buenos Aires, UNLP, La Plata. Dr. Christian Cwik, Univ. of the West Indies, Trinidad and Tobago. Dra. Carla Silva, Unioeste, Paraná. Dr. Dale T. Graden, Guggenheim Fellowship, USA. Me. Eduardo Ramón Palermo, Rivera, Uruguai. Dr. Enrique Serra Padrós, PPGH UFRGS, RS – Uruguai. Me. Elaine Cancian, UFMS, Corumbá, MS. Dr. Ernesto Mora Queipo, Universidad de Zulia, Venezuela. Dr. Fernando Matos Rodrigues, Escola Superior Artística do Porto, Portugal Dra. Florence Carboni, UFRGS, RS. Dr. Gabino La Rosa Corzo, Academia de la Historia de Cuba. La Habana. Dr. Gilberto Calil, UNIOESTE, Paraná Dr. Inácio Telesca, IIGHI-CONICET; Universidad Nacional de Formosa, Argentina/ Paraguai Dr. John Antón Sánchez, FLACSO, Equador. Dr. Jorge Magasich, Institut de Hautes Etudes des Communications Sociales, Bruxelas Me. Maria José Becerra, Universidad Nacional de Cordoba, Argentina. Me. Mario Hugo Ayala, Universidad de Buenos Aires Dra. Mercedes Garcia Rodriguez, Instituto de Historia de Cuba, La Habana. Dr. Paulo M. Esselin, UFMS, Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Dr. Paulo Zarth, Universidade Regional do Noroeste do RS. Me Cel/Mg Sergio Fernando Sánchez, Universidad Nacional de Quilmes, Dra. Vera Barroso, Faculdade Porto-Alegrense, RS., Dr. Théo Lobarinhas Piñeiro, UFF, Rio de Janeiro. Dra. Victoria Baratta, UBA/CONICET, Buenos Aires

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Lista de ilustrações Figura 1 - O doutor Francia.................................................................................................... 29 Figura 2 - Misiones Jesuíticas............................................................................................... 43 Figura 3 - Don Carlos Antonio López................................................................................. 54 Figura 4 - Assunção no final do governo Carlos López – 1860.............................. 73 Figura 5 - Francisco Solano López...................................................................................... 75 Figura 12 - Extensão do bioma pampa.......................................................................... 103

Figura 13 - Soldados Paraguaios mal vestidos para enfrentar o frio................ 104

Figura 14 - Principais portos do rio Uruguai na segunda metade do século 19.............................................................................. 117

Figura 15 - A vila de São Borja.......................................................................................... 120

Figura 16 - O combate de São Borja................................................................................ 129 Figura 17 - Padre João Pedro Gay.................................................................................... 133 Figura 18 - O posicionamento do exército paraguaio na campanha do Sul.................................................................................. 135

Figura 19 - Arroio Botuy...................................................................................................... 138 Figura 20 - A marcha dos exércitos, de São Borja a Uruguaiana........................ 143 Figura 22 - A posição dos exércitos no campo de batalha..................................... 153

Figura 23 – Combate de Jataí............................................................................................. 157 Figura 24 - O sítio de Uruguaiana.................................................................................... 160

Figura 25 - A rendição de Antônio Estigarribia......................................................... 165 Figura 26 - Localização das casas possivelmente destruídas.............................. 167

Figura 27 – Vista aérea de Uruguaiana - 2014........................................................... 171

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Lista de tabelas Tabela 1 - Importações e exportações no Paraguai lopizta [1851-1860]....................................................................................... 62

Tabela 2 - Importações realizadas pelas alfândegas do rio Uruguai de procedência do rio da Prata (1850-1866]..................................... 119

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Sumário Agradecimentos.......................................................................................................................... 11

A Invasão do Rio Grande do Sul: Um Quase Passeio Paraguaio............................. 13 Introdução.................................................................................................................................... 17 Paraguai: História e Sociedade............................................................................................. 25 A Invasão do Mato Grosso, de Corrientes e o Rio Grande do Sul........................... 85

Ocupação e Rendição em Uruguaiana............................................................................ 145

Conclusão................................................................................................................................... 179 Cronologia.................................................................................................................................. 185 Bibliografia .............................................................................................................................. 191 Anexos......................................................................................................................................... 201

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Agradecimentos Registro meu agradecimento a todos que contribuíram para a construção dessa pesquisa. Agradeço ao professor Mário Maestri, pela permanente e incansável orientação. Ao professor Ronaldo Bernardino Colvero, pelo incentivo desde a graduação, e ao corpo docente da UPF, com destaque para Adelar Heisfeld, Luiz Carlos Golin, Gerson Trombetta, Gizele Zanotto e, mui especialmente, para a doutora Ana Luiza Reckziegel, que participou de minha banca, ao lado do dr. Jorge Prata, da UNIVERSO, Rio de Janeiro.

Agradeço aos colegas do GT Relações de Fronteira: história, política e cultura na Tríplice Fronteira Brasil, Argentina e Uruguai, Rodrigo, Juliana, Helenize, Jeremyas, Muriel, Vinicius e ao amigo e professor Luiz Francisco Matias Soares.

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À Minha amada mãe Cleusa Cardoso, pelo apoio e luta diária de operária para manter a casa e o estudo dos filhos; À minha esposa Graziele Oliveira pelo permanente companheirismo; Aos meus irmãos Rodrigo e Paulo Jardim; Aos meus avós Raul e Georgina Cardoso (in memorian), por nutrir o gosto pela história, com seus “causos”.

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A Invasão do Rio Grande do Sul: Um Quase Passeio Paraguaio Mário Maestri

Podemos dividir em três grandes momentos a grande guerra que, em 1863-1870, incendiou o meridião sul-americano. Inicialmente, o conflito teve como principal palco a República do Uruguai, invadida por Venancio Flores, apoiado pelo liberal-unitário Bartolomé Mitre, que, havia pouco, abocanhara a presidência argentina. Essa primeira fase conclui-se com a entronização do caudilho colorado como presidente uruguaio, devido à invasão imperial do país.

Em resposta à agressão ao Uruguai sem qualquer declaração de guerra, o governo paraguaio declarou guerra ao Império do Brasil, invadiu e ocupou, praticamente sem resistência, o sul da então província de Mato Grosso, em dezembro de 1864, e, a seguir, enviou expedições armadas para ocupar a vila e a província de Corrientes e invadir a província do Rio Grande do Sul, através de São Borja, no passado tradicional ponto de comércio do Brasil com o Paraguai. A retomada temporária da vila de Corrientes, por tropas aliancistas transportadas pela armada imperial; a derrota da improvisada força naval paraguaia em Riachuelo; a batalha de Yatay, em Corrientes, e, finalmente, a rendição em Uruguaiana, em 18 de setembro de 1865, encerraram a campanha exterior paraguaia. Em outubro de 1865, lambendo as feridas, o exército expedicionário cruzava o rio Paraná, de volta para casa, sem qualquer oposição da poderosa marinha de guerra imperial.

O caráter cruento e longo da terceira e última etapa da guerra, o arrasamento do país, a dizimação de sua população masculina, e o comprometimento do futuro do país levaram a que os historiadores não se detivessem no estudo das fases iniciais do conflito. Muitos sequer se Longe da Patria.indb 13

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referem ao momento uruguaio inicial, o que facilita igualmente a proposta do apresamento do vapor imperial Marquês de Olinda, em 12 de novembro de 1864, determinado inesperadamente por Solano López, como razão e início da guerra. Wagner Cardoso Jardim escolheu a invasão do Rio Grande do Sul e progressão das tropas paraguaias ao longo do rio Uruguai, até a vila de Uruguaiana, sua cidade natal, como objeto de sua dissertação de mestrado, defendida em 05/06/2014, no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo. Da banca julgadora participaram os historiadores Jorge Luiz Prata de Souza (Universo), Ana Luiza Setti Reckziegel e Mário Maestri [orientador] do PPGH da UPF.

Em Longe da pátria: a invasão paraguaia do Rio Grande do Sul e a rendição em Uruguaiana (1865), com sensibilidade, Wagner Cardoso Jardim avança respostas, hipóteses e propostas de investigação para múltiplos aspectos determinantes da invasão paraguaia do Rio Grande do Sul, não raro mais ou menos esquecidos pela própria historiografia especializada. Uma discussão que permite melhor compreensão da guerra como um todo.

É consenso a marcialidade do soldado paraguaio na defesa do território pátrio. Fenômeno que teve múltiplas e contraditórias explicações, algumas verdadeiramente exóticas: fanatismo; selvajaria; vocação guerreira; medo de Francisco Solano López, etc. Wagner Jardim propõe que o soldado paraguaio não demonstrou o mesmo brio militar, além fronteiras, do que na defesa do país da invasão aliancista.

É outro mito consolidado a cuidadosa militarização do Paraguai, por Francisco Solano López, que teria preparado longamente o país para guerra de conquista. Em Longe da Pátria, descreve-se situação diametralmente oposta: soldados pouco treinados, mal armados, escassamente motivados. O estudo propõe campanha improvisada, que enviou soldados sem calçados, barracas, combustível, remédios, fardamento adequado, etc., para enfrentar um meio inóspito e um inverno inclemente. Nessas condições, habituados ao clima quente, os soldados caiam doentes e morriam numerosíssimos.

Na fase ofensiva da guerra, Solano López jamais saiu do país, sendo por isso acusado por seus detratores de covardia. Wagner Jardim sugere como grande razão da tentativa desastrada de comandar, desde Longe da Patria.indb 14

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Apresentação • 15

longe, as operações militares, o medo do mariscal, não dos perigos da guerra, mas das dissensões entre as classes dominantes. Tinha medo que, com ele fora do país, ocupassem sua cadeira presidencial. A leitura de Wagner Jardim, desse trecho da guerra, apresenta Solano López como estratega e comandante militar pouco dotado, para não dizer mais. O autor assinala questão já apontado por tantos outros autores - jamais foi possível saber qual o plano de guerra do presidente paraguaio. Entretanto, registra que a decisão de comandar as operações militares no Rio Grande do Sul e em Corrientes, desde o Paraguai, tinha, sim, suas boas razões. Contra as ordens expressas de Solano López, o tenente-coronel Estigarribia cruzou o rio Ibicuí e avançou em direção da vila de Uruguaiana, com intenções que, até hoje, permanecem obscuras. O trabalho lança igualmente um pouco mais de luz sobre sucessos que levaram à derrota do coronel Pedro Duarte, em Yatay, em Corrientes, diante de Uruguaiana, na única batalha de uma campanha no exterior que dizimou as melhores tropas paraguaias.

Não é, definitivamente, radioso, o retrato geral do mariscal Solano López e das tropas paraguaias traçado em Longe da pátria: a invasão paraguaia do Rio Grande do Sul e a rendição de Uruguaiana (1865). É, porém, igualmente dessacralizante a leitura de Wagner Jardim dos oficiais maiores imperiais responsáveis pela defesa da fronteira e da província do Rio Grande do Sul. Assim como da adesão dos soldados imperiais à guerra.

Envolvidos nas disputas políticas internas; acampados comodamente perto de suas moradias; pouco dispostos a enfrentar o avanço das compactas tropas inimigas, eles permitiram que a invasão paraguaia do Rio Grande do Sul constituísse um quase passeio ao longo do rio Uruguai. Se elas tivessem querido, teriam ingressado na República do Uruguai, sem encontrar qualquer oposição digna de nota pelas tropas sobretudo rio-grandenses. Zona sobretudo obscura daqueles sucessos é o destino dos paraguaios presos em Yatay e em Uruguaiana que permaneceram prisioneiros do Império. Wagner Jardim propõe que não foram escravizados, como pretenderam alguns, ou tratados segundo os códigos da guerra, como afirmaram outros. Muitos terminaram incorporados, em forma Longe da Patria.indb 15

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forçada, às tropas brasileiras, possivelmente em tarefas de apoio, e empregados como trabalhadores semi-forçados nas vilas e fazendas sobretudo do Rio Grande do Sul.

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Introdução A historiografia sobre a guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai (1864-1870) é bastante extensa e diversificada. Há décadas, historiadores procuram compreender os porquês daquele conflito. As interpretações sobre os sucessos do conflito sofreram constantes ressignificações ao longo do tempo, da historiografia de trincheira ao revisionismo e, em seguida ao restauracionismo historiográfico. (MAESTRI, 2013/1: 231332).

A partir de 1870, com a morte de Francisco Solano López, alguns oficiais letrados dos exércitos aliancistas escreveram suas versões sobre a guerra. Basicamente tratou-se de leitura de corte nacional-patriótica que apontava o presidente do Paraguai como louco, tirano, conquistador, ou seja, como o único responsável pelo início e desenvolvimento da guerra fratricida. Em geral, o exército paraguaio foi caracterizado como um bando de fanáticos semi-selvagens dispostos a morrer e matar por um presidente déspota idolatrado. (FRAGOSO, 1958; GAY, 1980; CERQUEIRA, s/d).

Em fins da década de 1970, em um Brasil ainda sob o tacão militar, surgiu a leitura revisionista, de imenso sucesso, do jornalista Julio José Chiavenato, refutando a interpretação nacional-patriótica - Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai. [1979] Jornalista sem formação historiográfica, o autor realizou indiscutíveis avanços em relação à interpretação nacionalista. No entanto, apoiou sua interpretação na tese da responsabilidade inglesa; não empreendeu crítica global do processo; incorreu em diversos e graves lapsos de análise e factuais. [QUEIROZ, 2013].

Por fim, em 2002, foi lançada a obra Maldita Guerra: Nova história da Guerra do Paraguai, do historiador Francisco Monteoliva Doratioto, que, apoiada em ampla pesquisa bibliográfica e documental, retomou Longe da Patria.indb 17

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visão ideológica muito próxima à corrente nacional-patriótica. (MAESTRI, 2013/1: 231-332). Com enorme apoio da grande mídia, esse estudo se transformou em interpretação semi-oficial do Estado sobre aqueles sucessos. Era como se tudo tivesse voltado aos eixos.

Mesmo nas obras atuais de orientação nacional-patriótica, os autores não analisaram as origens do conflito de forma estrutural. Em geral, o processo de formação das nacionalidades e as singularidades dos povos beligerantes, bem como suas contradições, foram praticamente esquecidos, mesmo quando se acena para tal questão. “O isolamento do Paraguai, o regime ditatorial, a navegação dos rios, a fronteira e seus limites são apresentados a partir do que se considera a índole brutal da etnia guarani e do ditador [...].” (SOUZA, 1996: 22).

Formação Social Singular Sem pretender exaurir a temática, apresentaremos síntese telegráfica da condição sócio-econômica-militar paraguaia antes do conflito. Com tal démarche busca-se lançar luz à deterioração das relações na política internacional entre os países do Prata, ou seja, sobre a mudança no cenário político e militar regional que gerou o rompimento de relações do Paraguai com a Argentina mitrista e com o Império do Brasil. Cremos igualmente que tal procedimento favorece a compreensão das ações bélicas efetuadas no início do conflito, bem como os problemas internos, sobretudo, no exército paraguaio, oriundos das próprias contradições do Estado lopizta, que podem ter contribuído de forma significativa nos acontecimentos da fracassada campanha ofensiva ao território de Corrientes e Rio Grande do Sul, objeto principal de nosso estudo.

A formação social do Paraguai foi singular, apenas em parte devido à sua condição geográfica. O acesso difícil ao mar e aos mercados mundiais não permitiram o desenvolvimento de imensos latifúndios como em outras regiões, a exemplo da Argentina e do Império do Brasil. Os pequenos e médios camponeses, os chacareros, que sobreviviam de agricultura familiar, pueblos indígenas e os trabalhadores livres ligados aos grandes comerciantes que dominavam a exportação das riquezas naturais, erva mate, madeiras duras e fumo, foram a base da formação social da região. (ANDRADE E SILVA, 1978: 30-31). O que garantiu enor-

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Introdução • 19

me singularidade para a nação paraguaia.

Os grande comerciantes, parte integrante das classes dominantes paraguaias, constituíam oligarquia sediada em Assunção, ligada ao capital comercial de Buenos Aires e, através dele, da Espanha. A classe proprietária rural era dominada principalmente por crioulos, ou seja, descendentes de espanhóis nascidos no país. O núcleo social dominante era completado por funcionários realistas do alto escalão, civis, militares e religiosos, em boa parte espanhóis natos.

As incertezas e mudanças provocadas pelas guerras na Europa facilitaram a alteração dos rumos na América, com a gênese e vitória dos movimentos emancipacionistas que originaram novas nacionalidades ibero-americanas. Em 1811, quando da ruptura com Madrid, despontou na vida política paraguaia um advogado que teria participação decisiva na emancipação da ex-província, José Gaspar Rodrigues de Francia. Francia, único com o título de doutor em todo o Paraguai de então, capitanearia em forma intransigente a independência da antiga província. Apoiado pelos estratos subalternizados, sobretudo camponeses, participaria com destaque igualmente no processo de organização política paraguaia. (WHITE, 1989: 41).

Foi com o apoio da base social chacarera que o doutor Francia manteve-se por quase 30 anos no poder, boa parte desse tempo na condição de ditador perpétuo. Francia foi um defensor extremado da independência e da autonomia paraguaia, políticas que agradavam aos camponeses cansados da opressão. Sua política privilegiava os pequenos, em detrimento da fraca oligarquia local. No poder, fortaleceu seu grupo de apoio enquanto classe. Entre outras medidas, ofereceu maior segurança jurídica aos chacareros e ao povo no geral; reprimiu duramente a bandidagem e a corrupção; alugou os campos do Estado a preços módicos aos camponeses, ad eternum. Durante o francismo, a interrupção do grande comércio com o Prata, por decisão de Buenos Aires, protegeu os pequenos produtores artesanais e domésticos paraguaios da entrada de produtos industrializados que, mais baratos, prejudicavam a produção interna. (WHITE, 1989: 165).

Francia reprimiu o protagonismo social e político dos segmentos da classe dominante opostos à independência - comerciantes espanholistas e crioulos ligados aos comerciantes portenhos; antigos funcionários da coroa e o alto clero reacionário, etc. Os inimigos da revolução foram Longe da Patria.indb 19

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simplesmente presos e, sobretudo, expropriados de seus bens. Os comerciantes espanhóis sofreram duras penas e foram obrigados ao pagamento de multas. (WHITE, 1989: 72).

Em 1840, com a morte de Francia, chegou ao poder Carlos Antonio López (1840-1862), sucedido, duas décadas depois, por seu filho primogênito Francisco Solano López (1862-1865). Do ponto de vista sócio-político-econômico, o governo dos López representou retrocesso tendencial para as classes camponesas, em relação ao governo anterior. Interpretando os interesses dos setores mais abastados da sociedade, Carlos Antonio iniciou a liberalização econômica relativa do país. Quando foi possível, ele reinseriu o Paraguai no comércio internacional, sem a disposição do doutor Francia de controlar as trocas desiguais, sinal de sua política econômica de tendência liberal. Carlos Antonio manteve, porém, o autoritarismo político e o controle sobre o comércio internacional de erva mate e de madeiras duras. Os governos de Carlos Antonio e a seguir de Solano López mudaram tendencialmente o país, conservando a figura de Estado forte, centralizador, o que desagradava setores proprietários desejosos de maior liberalismo econômico e político. Durante a era lopizta, não houve condições e tempo para uma ofensiva geral anti-camponesa no Paraguai. Ela seria em forma indiscutível o resultado da guerra, de mais larga influência para a formação social paraguaia.

Consenso e Dissenso Em nosso trabalho, abordaremos questões históricas gerais necessárias ao entendimento de nosso tema. Pretende-se compreender o conflito entre a Tríplice Aliança e o Paraguai [1864-1870] dentro de uma perspectiva estruturalizante, decorrente do processo de formação e consolidação das nacionalidades americanas, no contexto da luta pela hegemonia regional, por parte de Buenos Aires [Argentina] e do Império do Brasil, este último em um sentido claramente imperialista. (BANDEIRA, 2012: 75.) Processo em detrimento dos direitos nacionais do Uruguai, do Paraguai, das províncias argentinas do Litoral e do Interior, sobretudo.

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Introdução • 21

Ao iniciar o conflito em 1864, mesmo nos faltando estudos monográficos sobre tal questão, parece ter sido significativa a facção das classes dominantes paraguaias que apoiavam a intervenção militar, sobretudo, para não terem novamente o comércio no Prata interrompido. Porém, após as derrotas no Sul (Rio Grande e Corrientes), houve manifestações claras de desaprovo e de dissidência crescente entre as classes proprietárias em relação ao governo de Francisco Solano López. (MAESTRI, 2013/1: 126-127). Buscamos compreender a influência da estrutura social paraguaia e das contradições do estado lopizta nos insucessos daquele exército fora de suas fronteiras.

Apesar da qualidade nacional do exército paraguaio, diante de força armadas pré-nacionais, sobretudo, do Império, a falta de belicosidade daquelas tropas foi evidente, já nos primeiros confrontos com as forças aliancistas. A pouca disposição para luta, mais do que o proposto material bélico ultrapassado paraguaio, contribuiu à humilhante capitulação do exército de Antonio Estigarribia na vila de Uruguaiana. A perda do importante efetivo, associada à derrota em Riachuelo, forçou o retorno das tropas paraguaias ao país, encerrando em forma patética a guerra ofensiva. Diversas questões devem ser consideradas na análise do fracasso da ofensiva paraguaia no extremo sul do continente. Problemas como a precariedade de armas, alimentação, uniformes e incertezas decorrentes das poucas informações que tinham os comandantes das colunas sobre os objetivos estratégicos. Ou ainda as eventuais contradições e dissensões no alto comando que refletiam as contradições do Estado paraguaio. Também parece ter contribuído naquele desastre militar a insatisfação com a operação por membros do exército paraguaio, em boa parte de extração camponesa, eventualmente desgostosos com a luta externa. O que poderia ajudar a explicar, por exemplo, a baixa belicosidade, as deserções e a rendição final em massa. Essa é uma das hipóteses de nosso trabalho que, lamentavelmente, não foi ainda possível assentar em dados positivos diretos, ainda que abundem os indiretos. Enfim, pretende-se lançar um olhar que se pretende novo sobre um tema já extensamente discutido, mas ainda repleto de questões não respondidas ou, até mesmo, jamais postas. Compreender esse processo é fundamental para contribuir à superação de lacunas deixadas pela historiografia brasileira e platina ao longo de décadas de pesquisas. Longe da Patria.indb 21

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Compreender a história e o comportamento de pessoas em determinado espaço e tempo significa também fazer ligações entre o sujeito e o ambiente em que ele vive. O historiador usa dos métodos e das fontes históricas para problematizar questões que julga pertinente. Ao mesmo tempo que analisa o processo histórico, insere na sua leitura sua própria visão de mundo. Ao escolher um tema de estudo, o historiador leva em consideração diversas variantes: ineditismo, fontes, importância do tema, etc. O tema que escolhemos para desenvolver em nossa dissertação foi bastante estudado. No entanto, a necessidade de análise global dos acontecimentos, conjugada com a vontade pessoal de escrever parte da história do município de Uruguaiana-RS, nos levaram a encarar o desafio de propor uma nova leitura da invasão paraguaia à Corrientes, na Argentina, e ao Rio Grande do Sul, que teve seu desenlace em Uruguaiana, nossa cidade natal.

Em março de 2012, quando iniciamos o mestrado, estava “tudo planejado”. Iria escrever sobre a reconstrução da vila de Uruguaiana após a saída das tropas paraguaias. Foi então que em uma das primeiras aulas, o professor e orientador Mário Maestri sugeriu pensar numa análise mais ampla, que pudesse contribuir de forma mais significativa para a compreensão global do conflito e de seus agentes. Nos chamou a atenção para a eventual escassez de informação sobre aquela reconstrução. Foi então que encaramos o desafio de fazer uma pesquisa abordando uma parte importante da história regional, determinante para a história nacional e platina.

Um Tema Privilegiado No Brasil, a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai foi inicialmente tema privilegiado de ex-combatentes, sobretudo, oficiais letrados, como proposto.

Dionisio Cerqueira, um jovem baiano de família escravista endinheirada, escreveu após o conflito suas Reminiscências da Guerra do Paraguai (1910). Na obra, publicada após sua morte, o militar registrou importantes acontecimentos do dia-a-dia nos acampamentos. Quanto aos oficiais combatentes argentinos e uruguaios, há igualmente importantes registros e memórias. Longe da Patria.indb 22

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Na historiografia argentina, podemos destacar Recuerdos de la Guerra del Paraguay: Campaña de Corrientes y de Rio Grande, de José Ignácio Garmendia, oficial argentino que registrou, entre tantos outros elementos, as precárias situações das tropas aliancistas [1904]. O ponto de vista paraguaio do conflito está registrado, entre outros trabalhos, nas importantes Memorias o reminiscências históricas sobre la guerra del Paraguay [1894], do intelectual e coronel Juan Crisóstomo. O coronel espanhol León de Palleja, a serviço de Venancio Flores, escreveu valioso diário sobre os sucessos, interrompido por sua morte (1960). Nos apoiamos nesses e em tantos outros trabalhos para nossa investigação. Explorando o arquivo histórico do Centro Cultural dr. Pedro Marini – CCPM – de Uruguaiana, encontramos o diário militar do chefe da expedição paraguaia, Antonio Estigarribia. Tivemos acesso a uma importante documentação, do arquivo pessoal do cônego João Pedro Gay, padre franco-brasileiro que, por ocasião da invasão paraguaia, morava em São Borja e registrou passo-a-passo a invasão. A documentação do sacerdote franco-brasileiro encontra-se no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB– no Rio de Janeiro. Dividimos o trabalho em sete partes. No primeiro capítulo, aborda-se o processo “revolucionário” que convulsionou a América espanhola a partir de meados de 1810, com ênfase na independência paraguaia capitaneada por José Gaspar Rodrigues de Francia, e na política nacionalista, anti-portenhista e anti-espanholista.

No segundo capítulo, analisam-se as mudanças promovidas no Paraguai por ocasião da morte do doutor Francia e ascensão ao poder de Carlos Antonio López. No terceiro capítulo, apresenta-se o turvamento nas relações diplomáticas entre o Paraguai já governado por Francisco Solano López e os países da região. Abordam-se ainda as ações do Império do Brasil para consagrar-se enquanto potência hegemônica regional. Nesse contexto analisa-se o início das hostilidades entre o Paraguai e a Tríplice Aliança. Para tanto se utiliza de concisa bibliografia especializada. No quarto capítulo, discorre-se sobre o início do conflito com a ofensiva paraguaia sobre o território de Mato Grosso, sua demora em precipitarse ao sul e as consequências derivadas daquela ação. No quinto capítulo, avalia-se a operação do exército paraguaio em território sul-rio-grandense e correntino. Destacam-se os inúmeros problemas enfrentados pela coluna paraguaia em operações às margens do rio Uruguai.

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No penúltimo capítulo, avalia-se de que forma um exército com tantos problemas conseguiu ficar por tanto tempo ocupando território inimigo. Para isso, discorrera-se sobre os problemas internos e estruturais das forças de defesa imperiais e a inação daquele comando frente ao exército paraguaio. Enfim, no sétimo e último capítulo, abordam-se a culminância da dissensão no interior do exército paraguaio, com os comandantes recusando-se a obedecer as ordens do mariscal enquanto negociava-se a rendição com o as tropas imperiais, bem como a capitulação em 18 de setembro. Analisa-se ainda, rapidamente, o destino dos milhares de paraguaios prisioneiros durante aquela campanha. Tema que espera ainda um estudo mais acabado.

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Capítulo primeiro

Paraguai: História e Sociedade

1. O Paraguai e a república francista [1814-1840]

Na primeira década do século 19, cresciam na América as tensões e insatisfações sócio-políticas em meio às transformações provocadas pelas guerras napoleônicas na Europa. Ao longo do imenso império espanhol americano, foram registradas manifestações de repúdio às ações praticadas por Napoleão Bonaparte [1769-1821]. As instituições políticas na Hispano-América estavam dominadas por espanhóis natos que não desejavam o rompimento com a metrópole. No entanto, as classes dominadoras crioulas locais ansiavam por maior autonomia política, além de desejarem livrar-se da dependência econômica imposta pela metrópole (ANDRADA E SILVA, 1978; WHITE, 1989). Após a deposição do rei espanhol Fernando 7º, instalou-se na Espanha, em Sevilha, uma junta provisória que governaria em nome do rei, enquanto este estivesse impossibilitado. Na América, a deposição do soberano motivou a criação de juntas de governo, em apoio ao monarca. Em 25 de maio de 1810, o cabildo de Buenos Aires depôs o vice-rei e estabeleceu uma junta provisória do rio da Prata para governar em nome de Fernando 7º. (WHITE, 1989: 38) Isso não correspondia à vontade dos setores mercantis locais, declaradamente os crioulos, desejosos da independência política e econômica. Ou seja, sonhavam em por fim à intermediação hispânica no comércio.

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A condição paraguaia As características geográficas da província do Paraguai definiram parte de sua situação econômica. Em posição mediterrânea, o Paraguai estava distante do oceano, não possuindo portos marítimos para realizar suas exportações. Os rios que ligavam a província ao restante dos centros econômicos regionais eram, em boa parte do ano, de difícil navegação, dificultando o contato e retardando as viagens dos barcos a vela. Além de enfrentarem as dificuldades naturais, os comerciantes do Paraguai tiveram que se submeter às pesadas cargas de impostos pagos, sobretudo no porto de Buenos Aires. (ANDRADA E SILVA, 1978: 29).

Na condição de colônia-satélite, a província do Paraguai servia na América platina para atender os interesses da metrópole europeia e dos comerciantes e classes dominantes portenhas. Sofria, portanto, uma dupla exploração. A constante preocupação com a manutenção territorial diante do expansionismo português e dos ataques de indígenas hostis fez com que o povo paraguaio, com destaque para os pequenos e médios chacareros, devessem prestar serviço militar gratuito. Era a retribuição ao soberano pela liberdade civil que gozavam. Não bastasse a prestação de serviço, os convocados eram obrigados, quase sempre, a arcar com as despesas relativas àquela prática. (ANDRADA E SILVA, 1978: 32). No início do século 19, período das tensões platinas, o Paraguai possuía, no mínimo, uns 120 mil habitantes. (VILABOY, 1984: 25). A sociedade paraguaia gozava de características muito próprias. Isso se deveu ao modelo econômico e às condições geográficas da província, já assinaladas. No Paraguai, a maioria da população era de mestiços, ou seja, de crioulos nascidos da miscigenação do raro elemento europeu com os nativos guaranis. Havia, igualmente, comunidade nativa guarani, mas claramente marginal. O que determina claro anacronismo denominar o país, o povo, o exército, o Estado paraguaio como guarani. O que era feito quando da guerra e, continua sendo feito, hoje, por inúmeros historiadores. A sociedade paraguaia era composta por pequena aristocracia e uma grande parcela de trabalhadores e produtores rurais, pequenos e médios. Havia trabalhadores livres ligados aos comerciantes exportadores e importadores.

Entre a população paraguaia encontravam-se igualmente trabalhadores escravizados de origem africana, introduzidos na província Longe da Patria.indb 26

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sobretudo a partir do século 17 - eles geralmente praticavam serviços domésticos e outros. No final do século 18, cativos fugidos, proveniente, em geral, do Brasil, eram aceitos como trabalhadores livres no Paraguai. Eram duras as condições de existência do negro escravizado no Paraguai, apesar de não conhecer no geral as condições habituais do escravismo colonial, ao igual do que no Brasil. (MAESTRI, 2014: 53). No Paraguai pré-independente, o que mais se aproximava de uma classe média eram os pequenos e médios chacareros proprietários e arrendatários; o baixo clero e funcionários subalternos; os pequenos comerciantes e artífices, etc. (ANDRADA E SILVA, 1978: 42).

A singularidade econômica O Paraguai constituiu uma sociedade singular. Era frágil a classe dos grandes latifundiários voltados à produção agrícola de exportação; havia reduzida classe de comerciantes no interior que, na maioria das vezes, representavam importadores e exportadores residentes na capital, relacionados e dependentes dos comerciantes portenhos. A maior porção populacional paraguaia era formada pelo pequeno e médio campesinato - chacareros - que desenvolvia produção de subsistência e trocava seus produtos nos mercados regionais. Por isso, desinteressavam-se das questões próprias ao grande comércio platino. Inexistiam atividade e burguesia industrial, devido à ausência de capitais, de tecnologia, de mercado e de mão-de-obra assalariada. (MAESTRI, 2013/1: 209-230). A raridade de grandes estâncias agroexportadoras contribuiu para que o número de trabalhadores negros escravizados não fosse significativo. Os cativos trabalhavam prioritariamente em serviços domésticos, no artesanato e no pastoreio. Mesmo no período da Republica, a escravidão prosseguiu no país. (ANDRADA E SILVA, 1978: 200).

No início do século 19, a classe camponesa era composta, sobretudo, por pequenos e médios chacareiros, proprietários ou arrendatários rurais. Essa classe era ainda integrada por índios agrupados nos “pueblos” - ainda que a designação de índio deva ser fortemente relativizada, devido ao caráter camponês das unidades familiares daquelas comunidades. Existiam trabalhadores livres, labutando nas estâncias, os peões, e os trabalhadores nas obrages de erva, de madeira, etc. Os índios dos pueblos empregavam-se igualmente nas obrages. A

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população vivendo nos campos caracterizava-se pela extrema simplicidade de costumes, pela frugalidade, por sua cultura de raízes guaranis e por relativa dificuldade de ação política autônoma, uma das características dos grupos camponeses. Era um contingente social que demograficamente dominava as demais categorias e podia constituir decisivo ponto de apoio político, sob uma chefia enérgica e orientada por objetivos definidos, que interpretasse suas aspirações (ANDRADA E SILVA, 1978: 44).

Assim como no restante da América espanhola, os criadores crioulos paraguaios, em contradição com os segmentos espanhóis e espanholizados, ambicionavam livrar-se da dominação dos peninsulares, que controlavam a vida política e administrativa na região. No caso do Paraguai, desejavam igualmente emancipar-se da ditadura portenha, lócus do exercício da soberania hispânica, para impor seu governo sobre a província. Nesse ambiente instável se destacou politicamente o futuro ditador paraguaio, José Gaspar Rodrigues de Francia [1766-1840].

Antes da política De origem familiar mediana, filho de militar e comerciante enriquecido luso-brasileiro estabelecido no Paraguai ainda jovem, José Gaspar Rodrigues de Francia pôde estudar na prestigiosa Universidade em Córdoba. Doutorou-se em Teologia, depois de ter-se graduado e atingido o título de mestre no curso de Artes. Podendo seguir a carreira sacerdotal, optou pela professoral e, a seguir, forense. Na Universidade, Francia teve contato com o pensamento “ilustrado” – sofreu, igualmente, o conservadorismo religioso e civil imposto no colégio Monserrat. (ANDRADA E SILVA, 19778: 137).

De volta à terra natal, Francia abandonou as pretensões clericais. Por falta de opção na limitada atividade laboral de Assunção, decidiu ser professor. Iniciou a vida profissional lecionando no colégio seminário de San Carlos, centro de formação clerical frequentado pelos filhos da elite assuncenha. Ministrou aulas inclusive de latim. Mas, já nesse período, segundo parece, seu ideário anti-absolutista o fez abandonar o magistério e aquela instituição. Foi, portanto, na advocacia, que galgou prestígio e respeito na capital paraguaia. Destacou-se como um dos melhores advogados de Assunção. Longe da Patria.indb 28

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José Gaspar Rodriguez de Francia, ilustrado advogado e professor, membro de família abastada, foi seguidamente acusado em sua honra ao ser qualificado de “mulato”, em função das incertezas sobre a origem familiar do seu pai. Com tantas situações contrárias, seria pouco provável no cenário de então que o advogado asuncenho galgasse prestígio político.

Sua participação destacada na vida política da província não foi fruto do acaso. Sua indiscutível qualidade intelectual teria contribuído para tal. Em 1789, Francia fora rejeitado, por razões difusas, para o cargo de “síndico procurador general” nas eleições do cabildo. No entanto, seu peso político cresceria, a seguir. Em 1805, memorial descritivo redigido por Francia, denunciando ao vice-rei a arbitrariedade do governador do Paraguai, contribuiu para a sua deposição e substituição por Bernardo de Velazquez, sem qualquer violência, aumentando o seu prestígio com a classe proprietária crioula. Sua carreira política ganhou novos contornos após aqueles sucessos. Em 1808, foi nomeado Promotor Fiscal da Real Fazenda e, logo após, recebeu o cargo de juiz do cabildo. (MAESTRI, 2014: 80).

Figura 1 - O doutor Francia FONTE: http://www.latinamericanstudies.org/francia.htm

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Estrutura dependente Em 1810, o governo de Buenos Aires enviou às demais províncias circular comunicando a pretensão de manter a hegemonia portenha sobre a política e a economia no rio da Prata. (WHITE, 1989: 38). As autoridades paraguaias recusaram a proposta portenha. Nesse tempo, Francia já fazia parte do mundo político provincial. Em reunião convocada pelo governador Velazco e pelo cabildo realista, ele propôs que o Paraguai deveria declarar-se independente de Espanha, de Buenos Aires e do Brasil.

A proposta radical de Francia foi rechaçada pelos crioulos e espanhóis. Em lugar de independência, o cabildo decidiu reconhecer a autoridade do Conselho Supremo de Regência da Espanha e manter independência e relações de amizade com portenhos e as demais províncias do vice-reino. (WHITE, 1989: 40-41). A partir da recusa paraguaia, o governo de Buenos Aires reagiu. A oligarquia portenha estava decidida a manter o predomínio político e econômico sobre as províncias do vice -reino do Prata em fragmentação. Impôs o bloqueio econômico, enviou emissários secretos e avançou ação militar contra a banda Oriental, que se apresentava como centro da reação realista. Tudo isso era também forma de pressionar o Paraguai e demonstrar às outras províncias o seu poder. Manuel Belgrano, secretário perpétuo da junta de comércio de Buenos Aires, foi o oficial escolhido pelo governo de Buenos Aires para entrar no Paraguai e “libertar” o mesmo. Ele era político importante e renomado, porém com escassa experiência militar. Saiu de Buenos Aires com fixo propósito de cumprir as ordens recebidas. Para tanto, deveria “poner al Paraguay en completo arreglo, remover el cabildo y las autoridades, colocar en su reemplazo hombres de entera confianza[…]”. (Apud MAESTRI, 2014: 62). Em 1811, na batalha de Paraguarí, o governador do Paraguai Bernardo de Velasco y Huidobro [1765-1822], juntamente com o coronel Garcia e a maioria do quartel general espanhol, admitindo a derrota diante dos portenhos, fugiram para Asunción. Coube aos oficiais crioulos, Fugencio Yegros e Daniel Cavañas, liderarem o exército formado sobretudo por camponeses e vencer as tropas de Buenos Aires. Belgrano seria escoltado até deixar o território paraguaio e a facção crioula ganhou força e prestígio para enfrentar os realistas. Longe da Patria.indb 30

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Companheiros de Luta Os oficiais paraguaios que combateram Belgrano conheciam aquele comandante, pois haviam lutado juntos contra os ingleses no Prata, em 1806-7. Havia entre eles sentimento amistoso e convergência de objetivos liberais. Tratativas para livrar-se dos espanhóis foram iniciadas na ocasião. O governador Velazco e o cabildo paraguaio, sabendo da complacência com que as tropas de Belgrano foram tratadas na sua saída do Paraguai, perceberam que os crioulos representavam uma ameaça. (WHITE, 1989: 43).

Os realistas paraguaios, temendo novo ataque portenho, apelaram por ajuda das forças leais de Montevidéu. Após negativa do vice-rei Francisco Javier de Elió [1767-1822], senhor de Montevidéu, os espanhóis do Paraguai pediram ajuda militar aos portugueses. Diego de Souza, governador da Província do Rio Grande do Sul, acampado na localidade luso-brasileira de São Borja, enviou emissário para tratar dos termos da ajuda. Em 11 de maio de 1811, chegou a Assunção o enviado português José de Abreu, informando que a única forma de conceder ajuda ao Paraguai seria mediante o reconhecimento dos interesses da rainha Carlota Joaquina ao trono espanhol, na posição de regente do Prata. O cabildo paraguaio aprovou dias depois unanimemente as condições de Diego de Souza. (WHITE, 19889: 45).

Devido ao acordo com portugueses para interferência militar no Paraguai, oficiais crioulos do exército paraguaio precipitaram o golpe planejado para 25 de maio. “Sob o comando do capitão Pedro Juan Caballero e do tenente Vicente Ignacio Iturbe, que conquistaram a adesão de algumas tropas e, com elas, o controle dos quartéis”. (MAESTRI, 2014: 69). O governador Velazco não apresentou resistência e foi obrigado a entregar as armas, a chave do tesouro e o prédio do cabildo. O doutor Francia teve importante destaque na articulação. Os interesses econômicos dos crioulos e dos espanhóis estavam em jogo nesse momento. Para exportar a precária produção paraguaia, eles dependiam do porto de Buenos Aires. Por isso não queriam quebrar completamente os laços que os uniam com aquela junta.

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Por Debaixo do Poncho Os oficiais crioulos não desejavam depor Velazco. O interesse comercial dos portenhistas ligava-os aos comerciantes de Buenos Aires. Não queriam, por isso, declarar a independência radical do Paraguai – desejavam minimizar as ações dos realistas, impedir as ações portuguesas e colocar a província em relação de amizade e autonomia, ainda que relativa, com Buenos Aires. Os oficiais declararam que Velazco continuaria no cargo, mas associado a dois deputados indicados por eles. Os escolhidos foram o militar Juan Valeriano de Zeballos e o doutor José Gaspar Rodrigues de Francia. (WHITE, 1989: 47).

O governador da província, Bernardo de Velazco, continuava conspirando com os portugueses para fortalecer a reação realista no Paraguai. Os crioulos expulsaram-no do governo, depuseram os oficiais espanhóis de suas funções e suspenderam o cabildo realista quando descobriram as tramas. Os primeiros passos para a independência no Paraguai deram-se pelas mãos de setores das classes dominadoras crioulas. O doutor Francia teve participação ativa em todos os processos que antecederam a independência, adquirindo prestígio e experiência. Na junta de governo, Francia teve participação efetiva, ainda que discreta perante as dificuldades enfrentadas. Uma das primeiras ações político-democráticas do doutor Francia no governo foi dar voz relativa ao povo miúdo, originário dos mais diversos pontos do país, rompendo com o caráter censitário que caracterizava as reuniões do cabildo até então.

Em 17 de junho de 1811, foi convocada assembleia geral do povo paraguaio. O objetivo era estabelecer a forma de governo e as relações com a província de Buenos Aires. O doutor Francia cuidou de incluir representantes plebeus das povoações mais distantes do interior. Mesmo assim, a maioria dos participantes representava os criadores e as classes proprietárias crioulas. A deposição definitiva de Bernardo de Velazco e o fechamento do cabildo realista foram algumas ações da assembleia. O governo da província ficou a cargo de uma junta superior de governo composta por cinco membros, “Fulgencio Yegros, também comandante geral das armas, com quatro vogais: capitão Pedro Juan Caballero, frei Francisco Bogarin, Fernando de La Mora e o doutor José de Francia”. (MAESTRI, 2014: 73).

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Independência Total Não demorariam a aparecer o choque entre os ideais iluministas e patrióticos intransigentes do doutor Francia e as posições conservadoras e contemporizadoras em relação a Buenos Aires da junta. Em 1º agosto de 1811, Francia renunciou ao seu cargo na junta governativa. Isso se deu pela indisposição com os militares, que representavam os criadores crioulos e dominavam os assuntos governamentais. Porém, pouco mais de um mês depois, após súplicas por sua volta, Francia retornou, exigindo, entretanto que frei Francisco Javier de Bogarin fosse expulso do governo. Não se tratava simplesmente de atitude autoritária despretensiosa e vingativa de Francia, chamado ao governo devido à sua experiência e para ampliar a base social do mesmo. A eliminação do representante do clero espanholista afastava, em parte, o risco de ameaças ao projeto popular que desenvolvia. Em partes porque havia ainda inimigos da revolução trabalhando ao seu lado. Francia retomou suas atividades na junta governativa procurando estabelecer as bases para um governo de cunho nacional. Eliminava aos poucos as influências espanholas representadas pelos altos cargos administrativos e eclesiásticos. Francia dispunha-se a “limpar” o governo.

Em dezembro de 1811, acirradas as divergências de pensamento, Francia retirou-se outra vez do governo, sempre se opondo à ingerência dos militares-criadores crioulos nas questões governamentais. Em longa carta endereçada ao cabildo, manifestava a necessidade de um novo congresso para que a vontade da província pudesse ser respeitada. A junta governativa preferiu aceitar o pedido de renuncia e recusou chamar um novo congresso massivo, como queria Francia. Acusando Francia de responsável por eventuais problemas no país, substituíramno por Gregório de La Cerda, membro da classe proprietária. Nesse momento, o governo estava ainda nas mãos das classes dominadoras crioulas, com destaque para os grandes criadores.

Plantando as bases do governo Francia recolheu-se a sua chácara para preparar sua volta ao governo. Em La primera revolución popular en América: Paraguay (18101840), o historiador estadunidense Richard Alan White lembra: “Du-

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rante este lapso, gran número de agricultores, pequeños ganaderos, campesinos, peones, el clero menor y habitantes de los pueblos del interior, fueron invitados a Ibiray para discutir el curso y la naturaleza del nuevo gobierno.” (WHITE, 1989: 57-58).

Depois das mudanças de postura do governo portenho em relação às demais províncias e ao Paraguai, a junta de governo novamente pediu a volta de Francia. Em novembro de 1812, Yegros e Caballero escreveram para que voltasse, o que foi aceito de pronto, entendendo que não podia deixar de participar desses importantes acontecimentos. (WHITE, 1989: 61). O doutor Francia retornou gozando de autoridade e prestígio, pois acordou com Yegros e Caballero que o trio teria poder de veto sobre os demais integrantes da junta. Exigiu que se criasse um batalhão do Exército que ficaria com metade das munições da província e estaria sob seu comando exclusivo. A exigência demonstrava que não permitiria a interferência dos oficiais do exército, grandes proprietários criadores, nas questões do Estado, como acontecera antes. O doutor Francia, “no solamente había consolidado su propia posición política, sino que había dado un paso importante en la eliminación de los militares de la política paraguaya.” (WHITE, 1989: 62). Em decorrência do fortalecimento do francismo no governo, em detrimento dos setores portenhistas, os dois integrantes da junta superior de governo, Fernando de La Mora e Gregório de La Cerda foram afastados de suas funções. Primeiras vitórias que se consolidariam com o congresso geral de 1813.

Quando se afastara do governo e se refugiara em sua chácara, Francia trabalhara nos bastidores planejando seu retorno. Encontrou apoio na camada mais populosa da sociedade, os chacareros. Francia e o povo miúdo lutavam pela mesma causa, a independência total e o afastamento das tensões do Prata. Para o pequeno produtor, não era interessante a dependência em relação à oligarquia portenha e tampouco que o país se envolvesse em guerras com os vizinhos. Francia pretendia conseguir a independência paraguaia e afastar as ameaças externas, sobretudo vindas de Buenos Aires. Sua perspicácia foi provada nos congressos populares de 1813, 1814 e 1816 quando foi reconhecido como principal centro de poder, pela grande população do país. O número de participantes nos congressos impressiona: em 1813 e 1814, ultrapassou a cifra de um milhar de Longe da Patria.indb 34

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deputados, de todas as regiões. Participavam desses congressos, “pequenos agricultores, ganaderos, peones de estancia, recoletores de yerba, navegantes, almaceneros de Pueblo, comerciantes, obreros, alcaldes, indígenas”. (WHITE, 1989: 65) Ou seja, todo um povo miúdo, sobretudo formado de camponeses, que jamais tivera voz na política.

Congressos populares e independência Em 1813, o governo de Buenos Aires convidou o governo do Paraguai para participar do congresso geral das Províncias Unidas do rio da Prata, naquele ano. Sob influência de Francia, a junta governamental recusou o convite. Em tentativa de demonstrar vantagens da anexação, Buenos Aires enviou Nicolás Herrera para Assunção. Herrera enfrentou franca oposição e recebeu como resposta que somente uma assembleia geral do povo paraguaio poderia decidir se era cabível enviar ou não delegados àquele congresso. (WHITE, 1989: 63).

Em 1813, foi convocado congresso geral do povo paraguaio. Diferente do que acontecera nos anteriores, a população foi representada proporcionalmente a cada região do país. Em setembro, foram chegando os deputados eleitos a Asunción. Pequenos agricultores, peões de estância, coletores de erva, entre outros, constituíam 7/8 dos deputados que votaram no primeiro congresso popular da América Latina. O historiador Richard Alan White registrou sobre a representação daquele evento: “Con los españoles sin privilegios y los porteñistas virtualmente eliminados del proceso político el consenso político nacionalista arrolladoramente favoreció la política extranjera antiimperialista de Francia, la cual fue adoptada en su totalidad.”(WHITE, 1989: 65). Esse foi o congresso que “legitimó el predominio de los chacreros en el poder político”. (VILABOY, 1984: 35). Em documento, de 21 de outubro de 1813, a assembleia paraguaia anunciou a criação do primeiro estado nacional independente na América espanhola, não mais ligado à Espanha e desvinculado politicamente de Buenos Aires. Era o ponto de partida que o Paraguai do doutor Francia necessitava para estabelecer as bases internas de um novo governo pautado principalmente no nacionalismo, o que se iria fazer com cautela e constância. Nesse processo, o Paraguai constituiria o talvez único Estado-nação na América do Sul. (COSTA:1996, 145). Longe da Patria.indb 35

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Consulado de fachada A assembleia optou por não nomear Francia chefe único da nação, possivelmente para evitar a reação militar, ou seja, dos representantes dos grandes proprietários e estancieiros crioulos. Por isso, a forma de governo adotada foi o poder executivo consular, para governar durante um ano até a próxima assembleia. Os dois cônsules detinham igual poder e cada um comandava a metade do exército. O poder executivo seria exercido em forma alternada por um período de quatro meses. Nesse processo Francia foi eleito pela assembleia para governar no primeiro e no último período de governo. (WHITE, 1989: 66).

Apesar de haver dois cônsules, era Francia a figura central do governo paraguaio. Tanto isso é verdade que, em 1814, o salário de Francia foi fixado em 3.500 pesos, enquanto o de Yegros era 3.000 pesos. Os planos para a instituição da futura ditadura começavam. Francia concentrava o poder em suas mãos, favorecido por sua perícia e capacidade administrativa. (ANDRADA E SILVA, 1978: 154).

Buscando uma nova estruturação para o governo, Francia tratou de eleger para os cargos administrativos pessoas das classes plebeias. Em outros tempos, no Paraguai, os ricos proprietários de terras, espanhóis, espanholistas e proprietários crioulos eram nomeados para os cargos de juízes e de oficiais do exército. Tais ações conjugavam-se com iniciativas contra setores das classes historicamente beneficiadas, quando claramente inimigas da independência. Francia promoveu a remoção dos espanhóis de cargos públicos; decretou-se, nos fatos, a morte civil dos espanhóis ricos enquanto classe. A lei de 1º de maio de 1814 permitia o casamento legal de espanhóis apenas com negros, mulatos ou indígenas – o que incentivava o concubinato entre os proprietários e, portanto, a ausência de filhos legítimos, cabendo, portanto as heranças ao Estado. (WHITE, 1989: 72).

Matando a classe, poupando a vida Como o governo paraguaio não conseguiu deportar os espanhóis, obrigou que se apresentassem na praça de Assunção, supostamente para fazer um censo. Pesados impostos foram aplicados aos mesmos e se assegurou que não tivessem seus antigos privilégios reavidos. (VILA-

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BOY, 1984: 72). Nessa época, “la atmosfera se fue haciendo irrespirable para los grandes hacendados, estancieros y comerciantes” antes privilegiados. (VILABOY, 1984: 37). Também foram promovidas mudanças estruturais no exército, no sentido da formação de exército nacional. Francia queria livrar-se da oligarquia militar, em geral grandes criadores − por isso, ordenou alistamento de cidadãos com conduta honrosa, entre dezoito e trinta anos, provenientes das classes populares. Literalmente extinguiu o oficialato acima do capitão. O reaparelhamento do exército também foi impulsionado para proteger as fronteiras da nova nação que frequentemente sofriam com as incursões de portugueses e índios. Tais medidas, associadas “con el retiro ‘voluntario’ de otras figuras militares principales, como Vicente Ignacio Iturbe y Tomás Yegros, dejaron los estrategicamente críticos cuarteles de Asunción bajo el control de los oficiales y soldados leales a Francia.” (VILABOY, 1984: 75).

A preocupação que Francia teve com as pretensões luso-brasileiras foi igual à dos anteriores governos paraguaios. As incursões de portugueses nos territórios platinos remontam ao período colonial. As coroas ibéricas digladiaram-se para garantir suas posses nos territórios americanos. Não poucas vezes, espanhóis invadiram territórios lusos e vice-versa.

Moniz Bandeira, em O expansionismo brasileiro e a formação dos estados nacionais na bacia do Prata, de 1985, refere-se à ação de lusos brasileiros frente ao ambiente platino. “Os bandeirantes entraram nas atuais províncias argentinas de Misiones, Corrientes e Entre Rios, indo até Santa Fé, marcharam várias vezes no rumo de Buenos Aires, situada à margem ocidental do rio da Prata, com o intuito de conquistá-la. Era inevitável, portanto, que os interesses econômicos e políticos da Espanha e Portugal aí se desenvolvessem e se chocassem, ganhando uma dinâmica própria.” (BANDEIRA, 1995: 31).

Francia manteve uma política de neutralidade em relação aos problemas que ocorriam nos “países” vizinhos. Recusou-se inclusive a apoiar a José Gervásio Artigas [1764-1850], líder revolucionário oriental que, em confronto com as forças unitárias portenhas, lutava pela independência federada da Banda Oriental e das províncias do ex-vice -reinado do Prata. As razões da política neutral do Paraguai estão ainda por serem estudadas em mais detalhes. Teria o exército paraguaio capacidade para enfrentar ações externas? Francia hesitou em expandir-se Longe da Patria.indb 37

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por ter ciência de que seu exército, formado, sobretudo por camponeses, no que se refere às milícias, relutava em empreender campanhas ofensivas? A condição camponesa do exército determinou o isolamento ou somente defendeu o ideário francista?

Ditador perpétuo Quando os deputados eleitos nas mais distantes regiões da nação paraguaia chegavam para o congresso de 1814, foram sendo postos a par das ideias francistas de extinguir o regime de consulado e tornar Francia o único representante do povo. Por outro lado, uma oposição formara-se a partir de alguns poucos “notáveis” de Assunção, ainda politicamente ativos. Ela pleiteava o apoio de Yegros que, reconhecendo a imensa superioridade política de Francia, delatou o suposto golpe.

Igual como tinha sido, em 1813, no congresso anterior, mais de mil deputados estiveram presentes na reunião de 1814. De este milhar de pessoas, ¾ eram homens pobres e simpáticos a Francia, que foi eleito sem dificuldades presidente da assembleia, com 90% dos votos rurais. No discurso inaugural, Francia enfatizou que o consulado tinha sido ineficiente e que o governo de um só representante seria melhor para o país. Apesar da tentativa oposicionista, Francia elegeu-se único líder do Paraguai com o título de “ditador supremo” da República. (BANDEIRA, 1995: 77-78). Francia trabalhou para minimizar ou, em alguns casos, exterminar a influencia política das classes que antes detinham o poder, quando opostas à independência. Para isso, era necessário atacar também no campo das representações. Antes de ser eleito ditador supremo, Francia não enfrentara com todas as forças a instituição que detinha poder sobre o imaginário das pessoas – a igreja católica. Após 1815, suas ações contra o clero absolutista se acentuaram. Tais ações deram-se no sentido de nacionalizar a Igreja paraguaia – para isso, “exonerou as comunidades religiosas de toda sujeição a autoridades estrangeiras.” (ANDRADA E SILVA, 1978: 166). Francia extinguiu a Inquisição e nomeou nacionais para os cargos eclesiásticos antes exercidos por espanhóis.

Francia tinha no povo miúdo sua base de apoio. O ditador pensou um novo país a partir das mudanças introduzidas no exército, nos “órgãos públicos” e na Igreja. O governo de cunho claramente nacional Longe da Patria.indb 38

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que se organizou no Paraguai sob a ordem do doutor Francia tendeu interpretar sobretudo as necessidades dos chacareros e dos segmentos subalternizados, situação para a qual contribuiu a próprio conjuntura sócio histórica. Houve uma significativa abertura para receber as reclamações desses segmentos, já que o doutor “mantenía un contacto permanente y directo con las masas anteriormente desposeídas”. (WHITE, 1989: 87). No seu cronograma diário sempre reservava espaço para conversar com populares.

O congresso geral de 1816, o último até a morte de Francia, por quase unanimidade, declarou Francia ditador da República “durante su vida”. (ANDRADA E SILVA, 1978: 169). Entre outras deliberações, decidiu, sob o aval de Francia, que o valor do salário do ditador perpétuo seria 7.000 pesos anuais e não 12.000 como sugeriam os congressistas. E ainda, como golpe final no poder político da Igreja, decidiu-se que a dedicação final da reza não seria mais ao rei e sim ao ditador, ao povo e ao exército. (WHITE, 1989: 91).

Pressões internas e externas No cenário platino, a ascensão de Juan Martín de Pueyrredón como diretor supremo das Províncias do rio da Prata em 1816 (congresso de Tucumán) representava vitória unitária contra os federalistas. Para o Paraguai, isso indicava que seriam tomadas novamente medidas atentatórias à sua independência. Para forçar a reunificação daquela província, o governo de Buenos Aires empregou novamente uma política restritiva para as exportações do tabaco paraguaio. A economia provincial foi seriamente prejudicada. As exportações caíram vertiginosamente entre 1816 e 1820, o mesmo ocorrendo com as importações. No plano interno, a situação também se tornava tensa. As classes dominadoras crioulas, sacadas do poder, planejavam contragolpe. Uma grande conspiração foi armada para retirar Francia do governo. Pueyrredón enviou ao Paraguai um militar para organizar rebelião. Depois de conseguir o apoio de alguns paraguaios das classes proprietárias, foram surpreendidos por sua falta de sigilo e acabaram reprimidos. (WHITE, 1989: 95).

Em 1817, José Artigas tentou aliança com Francia que, irredutível em sua posição de neutralidade, não aceitou a proposta. A posição de Longe da Patria.indb 39

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Francia foi ao mesmo tempo firme e perigosa, uma vez que os portenhos ameaçavam a independência paraguaia e praticavam o bloqueio econômico. A recusa a Artigas representava a abertura naquele momento de duas frentes distintas de conflito. Francia havia conseguido uma aliança importante com a população plebeia do Paraguai - assumir compromisso militar fora de suas fronteiras poderia prejudicar aquela relação. A oligarquia paraguaia aumentou sua oposição a Francia na mesma proporção que o comércio internacional decaía, devido ao bloqueio portenho do comércio internacional do Paraguai. Uma realidade que pouco importava aos chacareros, dedicados fundamentalmente à economia de subsistência. A situação estava de tal modo madura que foi planejado o assassinato de Francia, de alguns secretários de governo e de oficiais do quartel de Assunção. O plano não logrou êxito.

A dominação política sobre as antigas classes abastadas do Paraguai continuou. Francia, depois de reprimir a grande conspiração de 1820, proibiu todas as congregações religiosas; forçou o clero a jurar lealdade ao Estado; cancelou o foro eclesiástico e, em 1823, decretou o fechamento do Seminário San Carlos, confiscando seus bens em favor do Estado. A mesma sorte tiveram os monastérios, que foram expropriados. Entretanto, assalariou os sacerdotes, tornando-os funcionários do Estado, o que interpretou os interesses dos curas pobres, em constantes contradições com o alto clero. (WHITE, 1989: 108-109).

Durante todo seu governo, que durou mais de duas décadas, Francia tratou de minar a oligarquia paraguaia, seja confiscando os bens da Igreja seja cobrando multas de pessoas ligadas ao comércio exterior. Em contrapartida, arrendava terras confiscadas aos conspiradores àqueles que não as tinham. Por isso, “la mayoría de las tierras fueron distribuidas [sic] entre paraguayos sin tierra y refugiados inmigrantes como lotes de granja, o designados como estancias del estado”. (WHITE, 1989: 109). A oligarquia crioula que tinha a maior parte de suas riquezas em terras, em grande parte dedicadas ao pastoreio, foi duramente golpeada pela expropriação de bens de conspiradores em benefício do Estado, conhecendo a perda do poder político, o retrocesso do comércio exterior, etc. O golpe de misericórdia no poder político da oligarquia crioula foi aplicado em 1824, quando foi abolido o cabildo de Assunção, a última instituição representativa daquela classe. Não houve, porém, qualquer Longe da Patria.indb 40

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movimento no sentido da extinção como classe dos grandes proprietários, medida sem quaisquer condição histórica.

Erva, madeira e tabaco Para manter uma política de apoio às classes subalternizadas, o doutor Francia concentrou como monopólio do Estado a exportação de três produtos, os principais.A dependência em relação ao transporte e os altos encargos prejudicavam a economia paraguaia, sobretudo no setor de exportação. Essa situação arrastava-se desde o período colonial. Na economia de exportação, três produtos destacaram-se. O tabaco era produzido desde o século 18. Outro produto de grande valia nas exportações eram as madeiras duras, abundantes nas florestas do país, utilizadas para um sem número de finalidades, desde móveis até fabricação de embarcações. A erva-mate era o principal produto das exportações paraguaias, já que as imensas regiões repletas de ervais fizeram do Paraguai o grande vendedor desse produto na região platina.

Além de ser o principal produto da economia paraguaia, a erva mate era também a atividade mercantil que mais empregava a mão de obra na província. Apesar de a agricultura de subsistência ter sido a atividade mais abundante, ela não era destinada ao comércio. No período colonial, quase a metade da população masculina paraguaia trabalharia sazonalmente na produção de erva mate. Porém, isso não significou o enriquecimento popular. Ao contrário, segundo Alan White “la gran demanda de yerba y el comercio consecuente, sirvieron para empobrecer al pueblo paraguayo”. Com a interrupção das grandes exportações de erva mate, os trabalhadores envolvidos naquela atividade dedicaram-se à produção agrícola, sobretudo de subsistência que conheceu importante potenciação. (WHITE, 1989: 21). O Paraguai não possuía muitas opções para exportar sua produção. O governo de Buenos Aires empreendia interrupções no tráfego fluvial das embarcações paraguaias. Uma das poucas saídas comerciais paraguaias era através do porto fluvial de Pilar com quem praticavam intercâmbio com os comerciantes da província de Corrientes. Em 1816, essa saída foi interrompida por problemas com aquela província. (VILABOY, 1984: 38). Em 1818, o ponto de contato paraguaio com o Brasil por Itapuá/São Borja igualmente foi fechado, ainda que muito transitoriaLonge da Patria.indb 41

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mente. Este era o principal respiradouro das importações/exportações paraguaias. (VILABOY, s/d: 9).

Misiones: ponto estratégico No período colonial, o Paraguai somente conhecera “fartura” produtiva relativa nas Missões jesuíticas, onde uma intensa produção de subsistência foi praticada. No restante do país, a concentração da produção e da força de trabalho excedente era para produção da erva mate, controlada pelos grandes proprietários. Com produção manufatureira muito escassa, a província paraguaia era abastecida parcialmente por produtos que chegavam da Europa através do porto de Buenos Aires, por preços elevados. A monocultura exportadora de erva mate provocou profundo empobrecimento das classes subalternizadas. As camadas mais pobres, quando não possuíam terras suficientes, trabalhavam na extração daquele produto, sobretudo no interregno agrícola. A mão de obra das aldeias de índios era também escorchada nessa produção. Os mais explorados eram aqueles desprovidos de terras e meios de trabalho.

Enquanto existiram as Missões jesuíticas, parte da população escapara da pobreza relativa das classes subalternizadas que afetava o restante do Paraguai. Com uma alta capacidade de produção de gêneros de subsistência e praticando o comércio de erva mate e tabaco para importar gêneros não produzidos, os missioneiros garantiam condições melhores daquelas vividas no restante da província paraguaia. Os povos guaranis-missioneiros estavam obrigados igualmente ao serviço militar, que pesava sobremaneira no que diz respeito à economia e à sociedade missioneira.

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Figura 2 - Misiones Jesuíticas Fonte:

A relação entre espanhóis e proprietários crioulos paraguaios e missioneiros fora hostil na maior parte do tempo. Os primeiros se ressentiam de não poder explorar o trabalho dos guaranis missioneiros. Após a expulsão dos jesuítas, as Missões apresentaram acentuado índice de despovoação. Os responsáveis civis e militares pela administração das Missões, dedicados aos seus interesses, não mantiveram a situação anterior – faltava alimentação, educação aos jovens, roupas etc. A estrutura produtiva se deteriorava rapidamente. A excessiva valorização do cultivo e extração da erva mate em detrimento da economia de subsistência fez com que faltassem ali os produtos de primeira necessidade. (VILABOY, 1984: 32). Francia dispensou atenção especial às antigas Missões. Seu estado de decadência e abandono motivava invasões de estrangeiros. “El Dictador paraguayo rechazó los criterios liberales sobre la forma de propiedad de las comunidades y respetó la costumbre indígena de cultivar en forma colectiva la tierra, sistema que condujo a la distribución equitativa de los productos entre todos los miembros de la comuna, sin propiedad sobre los medios de producción.” (VILABOY, 1984: 42). O governo do doutor Gaspar de Francia reformulou a administração nos povos indígenas. Estimulou a produção agrícola e promoveu certa Longe da Patria.indb 43

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autonomia para as comunidades. O empreendimento das estâncias da pátria alcançou os indígenas das Missões. Nesse sistema, os indígenas trabalhavam como peões e contavam com a presença de um administrador, parecido com o sistema jesuítico. Os indígenas deveriam também prestar serviço militar quando necessário. Durante o período francista, a legislação das aldeias de índios foi aplicada com rigor, o que favoreceu seus habitantes.

As Missões estavam semi-abandonadas desde a expulsão dos jesuítas. Francia dinamizou aquela economia, incentivando a produção de telas de algodão, solas de sapato, chapéus, de erva mate, de tabaco e de couros, comerciados direto com os sul-rio-grandenses através de Itapúa-São Borja. Como referido, a arrecadação nacional não provinha somente dos impostos. O governo paraguaio praticava o comércio próprio. Detinha o monopólio sobre as exportações de madeira dura, solas de sapato e armazenava grandes quantidades de erva mate e tabaco que eram levadas até os pontos de comércio em suas embarcações. O que permitiu à administração central praticar forte desoneração impositiva da população.

Alternativas econômicas Sob o bloqueio fluvial de Buenos Aires, o panorama econômico do Paraguai era grave. Medidas foram tomadas pelo governo francista para amenizar os problemas. Elas iam desde expropriações até à imposição de altos tributos à minoria rica, ainda que estas medidas não tenham tido diretamente objetivos reformistas sociais. Francia estimulou a construção de pequenas manufaturas. O setor mais privilegiado foi a defesa nacional, que empregou armeiros para consertar e construir armas; alfaiates e costureiras para produzir uniformes, etc. (VILABOY, 1984: 121). Jamais houve, entretanto, no governo francista ou lopizta, qualquer forma de industrialização, impossível no país. (MAESTRI: 2013/1, 213). A preocupação com a defesa paraguaia foi uma constante durante todo o governo francista, em meio a ameaças de diversas frentes, como o Império do Brasil, Buenos Aires e as províncias de Corrientes e Entre Rios. O Estado tornou-se o grande empregador no Paraguai. Enquanto que a indústria naval consumia 5% dos gastos nacionais, nas estâncias

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da Pátria, de propriedade do Estado, homens e mulheres encontravam as mais variadas ocupações. Nas estâncias da Pátria, confeccionavam-se balas de munição; colhia-se o salitre para a produção de pólvora; curtiam-se peles e, sobretudo, criavam-se animais de abate, destinados essencialmente à defesa da nação. Em meados de 1816, no Paraguai francista, em relativo à bacia do Prata, eram raros os ladrões, os assassinos e os mendigos. (WHITE, 1989: 89). Os homens que trabalhavam gozavam da paz; a tranquilidade garantida pela ditadura possibilitou o desenvolvimento da economia. A grande razão da paz e tranquilidade era a facilidade do acesso a uma pequena nesga de terra, também arrendada pelo Estado a baixo preço.

A diminuição da carga tributária era outra medida que Francia perseguiu até os últimos momentos de seu governo, como assinalado. Uma série de impostos que afetavam, sobretudo as classes mais pobres foram aos poucos reduzidos, até quase desaparecer, como o caso da Alcabala – imposto sobre as vendas, que caiu de 4 para 1%. Os impostos não representavam mais a principal fonte de renda do Estado. O comércio estatizado de alguns produtos e a produção das estâncias da Pátria asseguravam boa parte da arrecadação paraguaia. (VILABOY, 1984: 134).

O setor das obras públicas também movimentou em algo a economia paraguaia. Avançou-se o arruamento das artérias na capital Assunção. Para fazer essas obras, foi necessário desapropriar algumas casas. As pessoas mais pobres que tiveram suas casas demolidas receberam indenização, ao contrário dos mais ricos, o que motivou descontentamento.

No período colonial, a pouca instrução escolar que existia beneficiava somente as classes privilegiadas. Francia promoveu a criação de novas escolas primarias e rurais. Em uma sociedade prioritariamente rural, o aprendizado das primeiras letras era o suficiente para atender os interesses da classe camponesa. Francia estimulou a formação primária em detrimento do ensino secundário e da única instituição superior controlada pela Igreja – o Seminário de San Carlos. Com a consolidação do Estado, o pagamento do salário dos professores também foi no geral sustentado pelo Estado. (WHITE, 1989: 138).

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Neutralidade O Paraguai ainda se encontrava dependente economicamente das potências regionais. A única rota fluvial que ligava o Paraguai ao restante da América era a Paraguai-Paraná-Prata, dominado por Buenos Aires, no tramo final. Para solucionar o problema das exportações, Francia buscava uma nova rota terrestre, através do território das Missões, em direção a São Borja, no Rio Grande do Sul, como já assinalado. Itapúa/ São Borja não foi, porém, o único ponto de contato comercial do Paraguai com o Exterior. A preocupação de Francia com a segurança do país fez com que tomasse medidas protetoras nas fronteiras. “Las salidas y entradas al Paraguay fueron controladas rigurosamente, permitiéndose solo el comercio exterior por determinados puertos fluviales, tales como Concepción, Pilar, Olimpo e Itapúa.” (VILABOY,s/d: s/p). Os três primeiros referem-se ao comércio com a província de Corrientes e Itapúa, o ponto de contato com o Império.

Em 1816, logo após o Congresso Nacional eleger Francia ditador perpétuo do Paraguai, o porto fluvial da vila de Pilar foi fechado. Isso ocorreu em meio a disputas entre ambas as regiões pela hegemonia sobre as Misiones. A região das Missões era área reivindicada tanto pelo governo paraguaio quanto pelo correntino, integrante da Confederação Argentina. A disputa era de cunho econômico e militar, uma vez que Misiones configurava-se como importante região produtora de erva-mate e militarmente estratégica, em caso de guerra com a Confederação. O lugar por muito tempo serviu de abrigo para desertores portenhos, brasileiros e indígenas. Até 1818, o comércio paraguaio teve uma única saída, através do porto de Itapúa/São Borja, quando foi igualmente fechado pelo Império, transitoriamente. O Paraguai ficou literalmente isolado do mundo durante esse período, exigindo muita perícia de Francia para contornar a precária situação que sobreveio, sobretudo devido à tensão social com as classes proprietárias. A clausura perdurou até 1823, quando o ditador empreendeu esforços para reabrir o comércio com o Brasil através de São Borja. Durante todo esse período, e além do mesmo, sempre vicejou o contrabando, questão ainda pouco estudada. Por praticar uma política de neutralidade, Francia se eximiu de usar as forças armadas na região das Missões. E, quando o fez, não alcançou grande resultado. Apesar de não intervir amplamente na região, Fran-

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cia sempre considerou as Missões como parte integrante da unidade territorial paraguaia, mandando, sobretudo, patrulhas militares para desalojar exploradores não paraguaios dos ervais.

Em 1832, o ditador deparou-se com situação clara de guerra contra Corrientes. Guerra, que, de fato, não ocorreu, mais pela inabilidade e imperícia do soldado paraguaio do que pela vontade de Francia. No início de 1832, os soldados paraguaios demonstraram péssima disposição para o combate, tendo inclusive alguns soldados abandonado guarnição em Candelária em favor dos correntinos. Mesmo com a precariedade do exército que possuía, Francia insistiu no envio de algumas partidas para zona de fronteira. Mais uma vez, não logrou êxito. E a incapacidade de seus soldados o indignou a dizer que “sois inhábiles y apocados y no tenéis talento para la guerra, ni entendéis de guerra ni valéis para la guerra”. (MAESTRI, 2013/1: 2-3).

Buenos Aires: Um empecilho ao comércio Na década de 1820, o bloqueio comercial praticado por Buenos Aires forçava o Paraguai a buscar uma nova rota de comércio. O Paraguai necessitava de alguns bens que não eram produzidos no país. Naquele período, Francia retirou da região das Missões intrusos, principalmente da vizinha Corrientes que atraídos pelos ervais ocupavam a área. (WHITE, 1989: 159). Em 1823, uma saída comercial foi aberta, o porto Itapúa/São Borja, como vimos.

Buenos Aires, sobretudo, e as províncias do Litoral, a seguir, eram o destino de praticamente toda a produção paraguaia. Para poder comercializar com a Europa, o Paraguai necessitava da intermediação do porto de Buenos Aires. As diversas taxas e impostos pagos nos mais variados entrepostos comerciais antes de chegarem ao país encareciam os produtos. Isso era uma maneira de forçar a reincorporação do Paraguai ao sistema colonial, agora sob o tacão de Buenos Aires.

O historiador estadunidense Richard Alan White destaca uma correspondência enviada ao comandante paraguaio em Concepción, em que Francia analisava as relações comerciais com Buenos Aires. Na carta, o governante paraguaio assinalava que se o Paraguai tivesse um porto para receber as embarcações estrangeiras e essas pudessem comerciar diretamente no Paraguai, os preços das vendas e das compras

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seriam mais baixos. (WHITE, 1989: 161).

Francia lamentava as condições de dependência. O governo portenho agira de tal maneira para pressionar o governo paraguaio que declarara sua independência política, não aceitando o jugo da Confederação. Francia jamais pretendeu levantar pela força o bloqueio naval imposto pelos portenhos. Os cofres nacionais não comportariam tal esforço e ele não se encontrava na pauta francista, voltada para a autonomia do país. Porém, Francia obrigou os espanhóis de Assunção a contribuir com a quantia de cento e cinquenta mil pesos para a defesa do país. (WHITE, 1989: 162). Tratava-se de dupla ação, uma contra um inimigo externo e outra, contra o inimigo interno, contra a já debilitada classe espanholizada, de claro caráter oposicionista. Entre 1825-28, a guerra na Banda Oriental de Buenos Aires contra o Império provocou uma mudança nas ações tanto portenhas quanto imperiais em relação ao Paraguai. Buenos Aires tentou aliança militar com Asunción, sem propor o reconhecimento da independência do Paraguai. Por sua vez, o Império do Brasil oferecia aliança econômica com o Paraguai. Francia não se dignou a responder as correspondências enviadas por Buenos Aires, mas acordou com o Brasil em abrir oficialmente contato comercial em Itapúa/São Borja.

Os comerciantes brasileiros, “invadieron la ciudad fronteriza de Itapúa en el sureste para participar en el nuevo comercio. En enormes carretas construidas de la dura madera de lapacho, capaz de cargar más de una tonelada de yerba o tabaco, los comerciantes transportaron productos paraguayos a través de las Misiones hasta la ciudad brasileña de São Borja. Desde allí, las mercaderías eran transportadas a Porto Alegre, que servía como punto de distribución para Montevideo, Buenos Aires y Río de Janeiro”. (WHITE, 1989: 163). O governo paraguaio aplicou imposto sobre o comércio realizado entre Assunção e Itapúa-São Borja. Também autorizou os municípios a aplicarem impostos sobre o comércio, para garantir-lhes parte das riquezas adquiridas pelos comerciantes.

Exército, uma preocupação de Francia Era comum no Paraguai desde o período colonial o arrolamento, no exército paraguaio, de camponeses e guaranis, que comumente tinham Longe da Patria.indb 48

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que prover suas próprias roupas e armamentos. (SCHUPP, 1997: 44). Quando eram arrolados ao exército, os camponeses, além de terem que se manter com recursos próprios, eram obrigados a deixar suas localidades. Em uma economia familiar baseada na produção de subsistência e/ou para o mercado interno, o afastamento para prestação de serviços obrigatórios era oneroso. (HEINZ, 1996: 31). Do ponto de vista militar, a política francista de formação de exército profissional interpretava os anseios de pequenos e médios produtores rurais. A partir de 1814, Francia iniciou uma reestruturação militar no Paraguai. Fortaleceu e reorganizou as forças armadas – exército regular e milícias urbanas – cuidando para que os soldados fossem de boa conduta e não pertencessem às famílias endinheiradas. Tal medida tinha pelo menos duas motivações principais, “eliminar las viejas élites del ejército” e aparelhar o Estado com instituições nacionais para fortalecer a independência. (WHITE, 1989: 73).

Entre 1816 e 1820 – ano da grande conspiração – a situação de instabilidade no tocante à paz com os vizinhos forçou Francia a reforçar o efetivo do exército regular e das milícias urbanas. O exército paraguaio passou de cerca de 840 soldados, em 1816, para 1.790, em 1820. Foi, portanto, duplicado, em cinco anos. (WHITE, 1989: 101). Os gastos percentuais com o exército, incluído pagamento de salários, compras e obras, significaram 83% e 80%, de 1816 a 1820, dos recursos públicos. (WHITE, 1989: 215). Em tempos de crise, o efetivo militar era aumentado pelos milicianos urbanos, entre cinco mil e dez mil cidadãos. (WHITE, 1989: 126). A preocupação com a segurança nacional foi uma constante no novo Estado. O governo detinha o monopólio de comércio de madeiras duras, como assinalado. Na troca por armas e munições, liberavam-se “permisos” para esse comércio. Em certas condições, dependendo da qualidade do material, os comerciantes gozavam de isenção de impostos específicos. O governo tratou de melhorar o exército, aparelhando-o com melhores quartéis, armas e uniformes, pagando regularmente soldos aos soldados, sub-oficiais e oficiais. Na era Francia, a economia paraguaia teve modificações estruturais. A remessa de metais preciosos para fora do país fora proibida; regulamentou-se o comércio internacional através da gerencia direta do Estado. A política nacionalista de Francia priorizava os pequenos comerLonge da Patria.indb 49

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ciantes e o Estado, a fim de equilibrar a balança comercial paraguaia. Não havia mais prioridade oligárquica nas relações comerciais.

Liberdade, não Liberalismo Enquanto Francia defendia a livre navegação para o comércio paraguaio, não defendia necessariamente a proposta livre-cambista. No Paraguai, no mais estrito sentido nacionalista, Francia não permitia que os produtos importados tivessem o preço fixado pelas “leis” de comércio ditadas pelas nações europeias. O valor da mercadoria na troca pelos produtos paraguaios era proporcional a “utilidad de las importaciones en relación al volumen de mano de obra necesaria para producir las exportaciones.” (WHITE, 1989: 186).

“A diferencia de sus estados hermanos neocoloniales semiindependientes, cuyas economías dependientes sirvieron para enriquecer a la élite local y a las metrópolis mundiales capitalistas, el Paraguay, al establecer un sistema autónomo, tanto económico como político, había ganado verdaderamente su plena independencia.” (WHITE, 1989: 193).

A verdadeira revolução americana esteve longe de passar pelas mãos de Simóm Bolívar, San Martin ou ainda Sucre. Foi no interior do já fragmentado vice-reino do Prata que o doutor José Gaspar Rodrigues de Francia capitaneou a primeira e única revolução popular na América daquele período, na construção, como proposto, do primeiro Estadonação sul-americano.

Francia não fez e não podia ter feito nada sozinho. A vitoriosa associação entre aquele homem influenciado pelas ideias ilustradas e uma população camponesa oprimida, mas forte socialmente, e culturalmente homogênea, levou o Paraguai a consolidar sua independência e caráter social singular. O historiador Mário Maestri definiu, nesse sentido, o Paraguai como uma verdadeira “república camponesa”. (MAESTRI: 2014).

Em 20 de setembro de 1840, morreu em Assunção o líder paraguaio que se destacou por fazer uma política de cunho nacionalista e focada na parcela antes desfavorecidas da população. Em cerca de trinta anos no governo pode por em prática suas ideias antirrealista e anti-absolutista. Defendeu e foi defendido pelos pequenos e médios proprietários. Empreendeu um governo nunca antes visto no sul da América. Longe da Patria.indb 50

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2. O governo de Carlos Antonio López (1840-1862) As primeiras manobras Em setembro de 1840, morreu em Assunção o ditador perpétuo doutor José Gaspar Rodrigues de Francia. A morte do governante movimentou novamente a vida política paraguaia. Francia governou o Paraguai durante vinte e sete anos, sem que houvesse espaço para lideranças políticas de oposição e, até mesmo, de situação. O povo paraguaio, sobretudo o campesinato de origem guarani, teria sentido muito a morte do ditador. José Gaspar Rodrigues de Francia fizera do pequeno e médio campesinato a base social de seu governo. As fragilizadas classes proprietárias paraguaias de origem espanhola e crioula, alijadas do poder, comemoravam a morte do líder da independência paraguaia, possivelmente em privado.

Logo após a morte do ditador, foi criada uma junta provisória, com a participação do alcaide primeiro juiz ordinário e do alto escalão do exército. A entrada dos militares na junta deveu-se talvez ao fato de que Policarpo Patiño manobrara para assumir o poder. Policarpo Patiño figurara entre os principais da administração francista, já que era uma espécie de secretário geral do José Gaspar Rodrigues de Francia. O continuísmo francista estava personificado em Patiño, o que não agradava aqueles que se acercavam do poder. Apoiados nas palavras do próprio ditador que no leito de morte proferiu “mis herderos son mis soldados”, os membros do exército fizeram-se parte do governo. (CHAVES, 1955: 18).

A oposição representava os excluídos por Francia. Trataram de voltar à cena política depois de sua morte. Um grupo composto basicamente pelos estancieiros e comerciantes ligados ao comércio internacional fora alijado do poder por longos anos. O ditador tratou de neutralizar politicamente a classe proprietária paraguaia espanholizada ou crioula que tentava frustrar a independência e a soberania plenas do Paraguai, articulada ou não com os comerciantes portenhos. O grupo dos estancieiros estaria representado na junta provisória pelos militares que se opunham a Policarpo Patiño. Em 24 de setembro de 1840, na sala do governo, em Assunção, reu-

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niram-se o alto escalão do exército e chefes políticos asunceños para deliberar sobre o destino político do Paraguai. Decidira-se que o governo do país ficaria nas mãos dos eleitos para junta governativa. Ao ser questionado sobre a convocação de um novo congresso do povo paraguaio, respondeu-se que em outro momento verificariam a necessidade de convocar-se um congresso. A proposta rompia com a tradição paraguaia de fundar o poder em um congresso geral.

Os opositores do regime francista conseguiram, através das pressões realizadas sobre a junta governativa, que o possivelmente principal representante da continuidade governamental, Policarpo Patiño, fosse prontamente excluído da junta e preso. A seguir, Policarpo Patiño suicidou-se ou foi executado na prisão. Junto à deposição de Patiño, os membros do governo de caráter transitório teriam libertado presos políticos do período francista. Desde então, aqueles que estavam encarregados de governar o Paraguai tomaram posições contrárias às seguidas por Francia. As diferenças não tardariam a aparecer. Aos novos governantes não interessava em que situação estavam os cofres públicos, exigindo o pagamento dos seus salários em “plata fuerte”. Naquele momento, o erário público era superavitário. (CHAVES, 1955: 22).

Carlos Antonio López Pelo menos desde os anos 1820, quando Francia apertou o cerco sobre as classes abastadas, Carlos López passou a residir em sua fazenda. Os López pertenciam ao grupo da escassa elite paraguaia não afetada diretamente pela política francista, já que haviam se mantido à margem das conspirações. A condição financeira de Carlos Antonio López melhorara significativamente quando se casara com a rica estancieira Juana Pabla Carrillo. (CHAVES, 1955: 26). Após a morte de Francia, houve intensa disputa pelo poder. Carlos Antonio López teria chegado do interior, onde vivia com a família, por iniciativa própria ou chamado pela facção conservadora do exército. Ele era aparentado ao que sobrava do clero. Em novembro 1840, já aconselhava a junta de governo sobre a convocação de congresso, idéia compartilhada por membros da junta, mas não pelo governo. (CHAVES, 1955: 28).

Um golpe foi armado para tirar do poder os membros do governo

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Em janeiro de 1841, Romualdo Dure, “un modesto sargento” do quartel de São Francisco, deu inicio às ações que derrubaram o governo. “Penetró el sargento, con algunos de sus soldados, en la sala; redujo a prisión a los gobernantes [...]”.(CHAVES, 1955: 28). Depois de deposto os últimos, e com a adesão dos demais quartéis, foi nomeado novo governo, responsável por chamar congresso do povo paraguaio. A situação política do Paraguai não se resolveu com a junta de governo instalada. O congresso, prometido, não tinha ainda sido chamado. “El 9 de febrero, un nuevo pronunciamiento de los comandantes de cuartel puso término a sus funciones [da junta]. El jefe, llamado Mariano Roque Alonso, era un simple subalterno. Asumió el mando con carácter de comandante general de armas y designó en carácter de secretario a Carlos Antonio López.” (CHAVES, 1955: 29).

Um congresso foi marcado para março daquele ano. Na condição de secretário de Roque Alonso, Carlos Antonio López muda-se para o quartel de São Francisco e trabalhou incessantemente durante o período que antecedeu ao congresso. No quartel estariam militares partidários de Francia e Carlos Antonio assistia as reuniões do grupo, que tinha decidido indicar Norberto Ortellado para o governo. Os favoráveis às ideias francistas estavam convencidos de que Ortellado era a pessoa certa para continuar a obra do ditador. Carlos Antonio e seus partidários trabalhavam para demonstrar o contrário e, para tal, fizeram circular a noticia de que o ditador indicara López para lhe suceder. (CHAVES, 1955: 28).

Em 12 de março de 1841, Roque Alonso, que estava no comando do exército após sucessivos golpes, convocou assembleia com quinhentos representantes. Na reunião, decidiu-se implantar novamente o consulado no país, por três anos, como ocorrera em 1813 com José Gaspar Rodrigues de Francia e Fulgencio Yegros. O governo foi composto por um representante militar e um civil: Roque Gonzáles e Carlos Antonio López. Este logo “se convertiría en el verdadero arbitro del gobierno”. (VILABOY, 1984: 53).

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Figura 3 - Don Carlos Antonio López Fonte: http://prensadigitalparaguaya.blogspot.com.br/2012/10/paraguay-tienevigente-un-tratado-de.html

Professor e advogado Carlos Antonio López possuía algumas semelhanças exteriores com o ditador perpétuo. Nasceu em Assunção, em 4 de novembro de 1792, como um dos oito filhos de Miguel Cirilo López e Melchora Insfrán. O pai de Carlos Antonio, alfaiate, sem ser homem rico, assegurara bons estudos aos filhos. Seus dois primeiros irmãos seguiram a vida religiosa na ordem dos franciscanos. Carlos Antonio estudou no Real Colégio Seminário de San Carlos, que foi desativado mais tarde sob o governo francista. Carlos López prestou exame para Filosofia e Teologia, sendo aprovado em ambos. Em 1814, iniciou a vida profissional como professor de Artes no colégio San Carlos, ao igual que Francia. Três anos depois foi convidado a ensinar Teologia no mesmo estabelecimento. Era portanto um protegido do alto clero paraguaio. (CHAVES, 1955: 202). Em 1824, o Seminário San Carlos reduzia paulatinamente suas atividades pelo escasso número de alunos. Transformara-se em um verdadeiro cabide de empregos. (PETERS, 1996: 54). Então único catedrático da instituição, foi desligado quando do fechamento do Seminário determinado por Francia, passando a dedicar-se à advocacia, na qual se destacou - como fizera também Francia. Em 1826, Carlos López casou-se com Juana Pabla Carrillo, enteada

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de homem muito rico, tendo com ela cinco filhos ─ o primogênito foi Francisco Solano López. Os demais filhos eram Inocencia, Venancio, Rafaela e Angel Benigno. Carlos López não escondia sua preferência pelo filho primogênito. A maior parte da fortuna de Francisco Solano López seria originária de herança recebida de seu padrinho, padrasto de sua mãe. Na época, havia boatos que Juana Pabla Carrillo casara-se grávida do padrasto. Os membros diretos e próximos da família López participariam intensamente de atividades econômicas, à sombra do poder paterno, o que lhes rendeu fortunas enormes. Os López participavam das mais rendosas atividades do comércio internacional, da agricultura, da colheita de erva mate e de negócios imobiliários, entre outros. Usufruíram do Estado para enriquecer. Eram frequentes as compras de bens do Estado, a baixo preço, em proveito próprio. (CHAVES, 1955: 203).

Congresso de 1841 No congresso de 1841, o partido dos proprietários contou com forte apoio da corrente liderada por Carlos Antonio, apoiado igualmente pelo alto clero. Foram feitas deliberações importantes sobre o comércio com os países vizinhos. Tais mudanças atendiam ao interesse dos segmentos ligados ao ramo da importação e exportação. Entre outras, o governo foi autorizado a iniciar relações comerciais com os vizinhos, sempre assegurando a integridade paraguaia quanto à independência e segurança. O governo foi autorizado a regulamentar o comércio com o Império do Brasil, através de Itapúa. (CHAVES, 1955: 37). Os objetivos da classe proprietária paraguaia foram em grande medida frustrados pela política de Juan Manuel de Rosas. Na concepção política centralista daquele governante, o Paraguai era ainda uma província rebelde. Rosas procurava forçar reincorporação através do bloqueio econômico. Devido à condição mediterrânea do Paraguai, o fechamento dos rios que lhe dão acesso interrompia o comércio do país. Uma situação prejudicava a classe proprietária paraguaia. O que levou Carlos López a tentar romper o isolamento através de ação militar, sem alcançar resultados. Tratava-se de clara reorientação da política francista.

O sistema governativo adotado pelo congresso de 1841 foi o consulado. Roque Alonso e Carlos López, com poderes executivos, judiciários Longe da Patria.indb 55

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e ainda com o comando geral das armas, assumiram o poder no Paraguai. Não temos estudos monográficos detalhados sobre a disputa política nos primeiros anos da era pós-francista. Segundo parece, haveria duas correntes que divergiam quanto ao rumo que deveria tomar o país. Os partidários das ideias do ditador falecido defenderiam o isolamento, a não abertura ao exterior. Esse grupo social era constituído sobretudo pelos pequenos e médios proprietários e arrendatários rurais, sem maior interesse no comércio internacional, pois produzia essencialmente para o consumo interno. O livre comércio inundaria o país de produtos manufaturados prejudicando o artesanato local. Nas condições históricas da época, Francia transformara aquele grupo social na base de seu governo. (WHITE, 1989: 184).

Havia aqueles que reivindicavam princípios liberais no governo do Paraguai. Tratava-se de grupo político-social defensor do livre comércio, com o impulso das exportações e abertura do país às mercadorias forâneas. Era uma classe crioula espanholizada, interessada em normalizar as ligações com Buenos Aires e o comércio internacional. No poder, López interpretava os interesses da classe possuidora ligada ao comércio exportador, a qual pertencia. Porém, não rompia abruptamente os laços com os segmentos chacareros.

O presidencialismo autoritário que praticava mediava às relações entre aquelas duas classes, enfatizando os interesses dos grandes proprietários, ainda frágeis. Entretanto, facções dos segmentos sociais proprietários desejavam governo plenamente liberal sem intermediação de López.

Firmando as bases do governo No modelo eleitoral que López programou, o povo, representado pelos segmentos camponeses pequenos e médios, foi paulatinamente excluído do processo eletivo. No período francista, alguns congressos chegaram a contar com mais de um milhar de pessoas. Em 1814, por exemplo, ¾ dos representantes no congresso eram homens pobres. (WHITE, 1989: 77). No governo López, “pequenos e médios camponeses proprietários e arrendatários e poseedores haviam tido sua representação política confiscada”. (MAESTRI, 2013/1: 204).

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Carlos Antonio López depositou nas mãos de uma minoria proprietária restrita os direitos políticos limitados do país. No congresso de 1842, foram quatrocentos deputados eleitos dentre os “proprietários”, votados pela população. Em 1844, o número diminuiu mais, passando para trezentos. Em 1856, o congresso contou apenas com cem participantes, necessariamente proprietários ricos, eleitos também por membros da diminuída classe dominadora. Impôs-se regime claramente oligárquico, restringido em sua ação por sua fragilidade objetiva diante da vasta classe dos chacareros. (CHAVES, 1955: 53). Uma realidade que não dissolvia porém o caráter nacional da formação social paraguaia.

Não tardariam a aparecer as diferenças entre o antigo governo e o de Carlos Antonio López. “La preocupación igualitarista del doctor Francia se fue perdiendo, dando paso a cierta diferenciación social, que se manifestaba de forma evidente en torno a los círculos gubernamentales. El Estado de López ya no era capaz de dejar de tener en cuenta los intereses de los comerciantes, estancieros y campesinos acomodados.”(VILABOY, 1984: 72). De acordo com o historiador Mário Maestri, a “conquista do governo por Carlos Antonio, sancionada por assembleia restrita, significou a retomada relativa do poder pelos segmentos camponeses mais ricos, pelos comerciantes e, sobretudo, pelos estancieiros – a classe a qual Carlos Antonio López pertencia.” (MAESTRI, 2013/1: 205).

Ainda segundo o mesmo autor, Carlos Antonio praticou um governo bonapartista, pois, não rompeu definitivamente com os pequenos e médios camponeses, apesar de realizar política de abertura social e econômica que favorecia os comerciantes, plantadores e estancieiros. Propunha-se, formalmente, um governo de todos. A base camponesa da população fora “fortalecida durante o francismo e [mantendo-se] ainda forte sob o lopizmo”, não podendo ser desprezada. (MAESTRI, 2013/1: 214). Ainda que alijados do poder político pelas reformas eleitorais, os pequenos e médios camponeses constituíam-se grupo político-social objetivamente forte, fundamental para a defesa da independência do país, sobretudo diante de Buenos Aires. Pode-se afirmar que, em relação ao Paraguai do período francista, o governo de Carlos Antonio representou uma ruptura na aparente continuidade da política do ditador. O governo de dom Carlos López, ao mesmo tempo em que desenvolvia política Longe da Patria.indb 57

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de cunho liberal, continuava com seu caráter paternalista. “[...] el Estado [não] perdiera su lugar preponderante en la economía del país, así como tampoco su paternalista función social”. (VILABOY, 1984: 55).

Rupturas, continuísmos e oposição Em novembro de 1845, fazendo jus à nova abertura liberal adotada tendencialmente no Paraguai, os cônsules assinaram tratado de comércio e amizade com a província de Corrientes. No mesmo acordo, os limites entre ambos foram estabelecidos, o que não foi ratificado pelo governo central argentino. Tratou-se de viabilizar a exportação dos excedentes produzidos, bem como diminuir o poder do Estado na economia. A reforma tributária foi também medida tomada no governo López/Alonso, com aumento da imposição, em sentido contrário ao francismo.

Carlos Antonio enfrentou a dura oposição dos francistas. “Realizaban constantes demonstraciones populares para llegar en manifestación hasta el sepulcro de su adalid. Censuraban vivamente los actos del nuevo gobierno, señalando el contraste con los del anterior”. López decretou a proibição de se falar ou escrever sobre o falecido Francia e criticar o novo governo. Teria mandado arrancar a pedra de mármore que indicava a posição de seus restos mortais para impedir que simpatizantes transformassem o local em lugar de culto. (CHAVES, 1955: 38).

Ainda cônsul, Carlos Antonio López reorganizou o governo. Introduziu em altos cargos da política paraguaia aqueles que Francia mantivera longe. Manuel Pedro de Peña, parente da esposa de López, representante da classe proprietária, foi feito homem de confiança. Peña fora prisioneiro durante longos anos no governo do ditador. Durante o governo de Francisco Solano e, sobretudo durante a Guerra [1865-70], Peña enviaria cartas empoladas a seu “sobrinho”, criticando-o severamente. (PEÑA, 1865, s/p). O padre argentino José Joaquín Palacios também foi incorporado ao grupo que deveria “mudar” o cenário vivido no Paraguai. Palacios era de total confiança de Carlos Antonio e foi responsável pela instrução inicial de Francisco Solano. (CHAVES, 1955: 40) No período de governo de Carlos Antonio, houve restauração relativa do antigo poder da Igreja e dos militares, setores alinhados com a classe proprietária. Em A guerra no Longe da Patria.indb 58

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papel, o historiador Mário Maestri destacou que, “ao expressar em forma prioritária, comerciantes, estancieiros e o alto clero, o Estado lopizta empreendia deslocamento das classes camponesas e populares como segmentos prioritários”, no período francista, “em indiscutível restauração tendencial de realidade anterior a 1813.” (MAESTRI, 2013/1: 197).

Congresso de 1842 Em 1842, foi convocado novo congresso geral. Ante a uma suposta oposição que se organizava, Carlos Antonio planejou manobra para inibir a ação dos antagonistas. Estes últimos criticavam e acusavam Carlos Antonio López de ser “tiránico” e estar dominado por “un argentino”, o padre José Palacios. (CHAVES, 1955: 44). Antes mesmo que os cônsules chegassem ao congresso, Pedro de la Peña – homem de confiança de Carlos Antonio, como vimos –, propôs que quem presidisse o congresso fosse eleito presidente do país. A maioria dos deputados aceitou a decisão. A surpresa desarmou os opositores. López assumiu a presidência dos trabalhos. Entre outros assuntos discutidos, enfatizou-se a questão central que motivara o congresso, a reafirmação ou não da independência. “El congreso considera que ‘la emancipación’ e independencia es un hecho solemne e incontestable en el espacio de más de treinta años; que durante estos largos años se segregó con esfuerzos de la metrópoli española y se separó de hecho de todo poder extraño queriendo desde entonces ‘pertenecer a sí misma’.” (CHAVES, 1955: 46).

Nos anos 1857, quando se passavam quase duas décadas de governo, Carlos Antonio conheceria importante oposição. Em grande parte pelo descontentamento de facções da classe proprietária, revivida em seu governo, que se sentia prejudicada pelo monopólio comercial estatal [e político] praticado no Paraguai. O rompimento foi de tal forma que um grupo de paraguaios fundou, em 1858, em Buenos Aires, histórico reduto das classes proprietárias paraguaias dissidentes, uma “sociedad libertadora del Paraguay”, sob a proteção de Juan Manuel de Rosas. (CHAVES, 1955: 252) Pedro de la Peña também terminou se indispondo com o presidente. A política centralizadora de Carlos Antonio teria motivado o rompimento. Pedro de la Peña refugiou-se em Buenos Aires e ajudou a compor a organização opositora àquele governo. (CHAVES, Longe da Patria.indb 59

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1955: 252).

Abrindo-se para o mundo Ainda na condição de cônsul, López empreendeu uma série de obras: construção de escolas, abertura de ruas e fundação de povoados e reorganização do exército. “[...] leva de tres mil reclutas, fortificación de las fronteras y fundación de nuevos fortines”. Nos postos superiores do exército foram introduzidos homens ligados a López e, a seguir, membros de sua família. (CHAVES, 1955: 52). Quanto à educação, procederam-se rupturas e continuidades. O continuísmo e superação se deram a partir da opção de seguir investindo nas escolas primarias e de impulsionar o ensino superior. Em mensagem ao congresso em 1847, anunciava a existência de “408 escuelas públicas, y el total de 16.755 alumnos”, sempre do sexo masculino. Esse número contabilizava apenas as escolas mantidas com recursos públicos. (LÓPEZ, 1987: 217). Por outro lado, percebe-se ruptura ideológica em relação à educação. No tempo de Francia, houve investimento em educação de base em detrimento do ensino superior. Isso denota a importância da classe camponesa para o governo de Francia. Camponeses que tinham seu sustento na produção familiar e que necessitavam para seus afazeres diários não mais do que saber ler e escrever. Ao assumir o poder, López passou a representar sobremaneira os estancieiros, os comerciantes, a alta oficialidade e o alto clero restaurados parcialmente. Em outubro de 1843, anunciava a criação de uma cátedra de Filosofia, atendendo os jovens da classe proprietária. (LÓPEZ, 1987: 217).

Em fevereiro de 1844, um novo congresso foi chamado, com apenas trezentos representantes da classe proprietária. Não foi difícil para López ser reeleito presidente. A aprovação de uma Constituição que mais parecia um documento que legitimava uma ditadura, de tantos poderes concentrados em Carlos Antonio, foi a principal deliberação do congresso. A implantação da imprensa permitiu a impressão do periódico governista Paraguayo Independiente, que tinha como principal função defender a independência nacional e de produzir livros para serem usados nas escolas. (CHAVES, 1955: 75). Para aumentar as receitas do Estado, López ampliou o monopólio da exportação da erva mate e das madeiras duras. O que gerou descon-

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tentamento entre a classe proprietária que almejava maior liberdade comercial. As estâncias da Pátria foram mantidas e acrescidas, tendo como uma das principais funções abastecer o exército. Em janeiro de 1861, com grandes festejos e presença de autoridades de províncias vizinhas, inaugurou-se igreja consagrada a San Carlos Borromeo em Humaitá. Uma importante abertura ao alto clero.

Nos anos seguintes a 1852, após a deposição do ditador argentino, não imperando mais o bloqueio do comércio, houve forte crescimento da importação e exportação paraguaia. (CHAVES, 1955: 190). Mesmo sem jamais se aproximar do rico comércio de Buenos Aires e Montevidéu, o aumento relativo e a diversificação das importações foi uma constante durante o período de Carlos Antonio López. (VILABOY, 1984: 65).

Erva mate, madeira, tabaco Os principais produtos de exportação paraguaios eram a erva mate, a madeira dura, o tabaco. As importações eram, sobretudo, produtos manufaturados. Tratava-se consequentemente de esquema econômico claramente dependente, sob o domínio do capital comercial internacional, no qual se exportavam matérias primas baratas e se importavam manufaturados caros.

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Tabela 1 - Importações e Exportações no Paraguai Lopizta [1851-1860] COMERCIO EXTERIOR (1851 – 1860) (En pesos) AÑO

EXPORTACIÓN

IMPORTACIÓN

1851

341 616

230 917

1853

690 480

407 688

1852 1854 1855 1856 1857 1858 1859 1860

470 010 777 861

1 005 900 1 143 131 1 700 722 1 205 819 2 199 678 1 693 904

715 886 595 823 431 835 631 234

1 074 639 866 596

1 539 648 885 841

Fonte: LEON, Pomer. La guerra del Paraguay Ob.cit.p.66. em VILABOY, Sérgio Guerra. Ob.cit.p.65-66.

A partir da conformação nacional consolidada durante a ordem francista, Carlos Antonio iniciou processo de modernização oligárquica que seria continuado pelo filho, Francisco Solano López. Em 1849, logo que reeleito, mandou construir fundição de ferro de Ybicuí, com objetivos militares, que passou a funcionar em 1854. (VILABOY, 1984: 65). Investiu na construção de edifícios públicos, de pontes, de represas, de templos religiosos, de rede telegráfica. Comprou e construiu barcos mercantes para atender as novas demandas do comércio internacional. Fundou a primeira ferrovia no país. Eram obras que procuravam potencializar as exportações primárias e a importação de manufaturados. Elas tendiam a consolidar, e não a romper, como proposto comumente pela historiografia nacional-patriótica paraguaia e populista, a estrutura dependente do país através do comércio internacional, mesmo parcialmente nacionalizado. A própria

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construção da fundição de Ybycuí possuía funções essencialmente militares, ainda que produzisse mercadorias de uso corrente – utensílios de cozinha; instrumentos para a agricultura, etc. (MAESTRI, 2013/1: 214-20).

Jamais existiu a proposta industrialização do Paraguai, como habitualmente proposto, realidade inexequível historicamente, devido à inexistência de proletariado e aos limites da tecnologia, do capital e do mercado do país. A singularidade e indiscutível modernidade do país encontrava-se no caráter nacional de sua organização, que tinha suas raízes assentadas no amplo segmento de camponeses proprietários, arrendatários e posseiros.

Para por em prática o projeto de modernização conservadora, contou-se com a participação de técnicos estrangeiros, contratados com altos salários, quando da importante viagem de Solano López ao exterior, por mais de dois anos. Nessa viagem, comprou-se o único navio de guerra paraguaio – a canhoneira Tacuari. Em 1858, partiram dezesseis jovens para estudarem no continente europeu. (VILABOY, 1984: 66; CHAVES, 1955: 295).

Em 14 de março de 1854, aconteceu em Assunção congresso ordinário da Republica, no qual Carlos Antonio López realizou um longo balanço de seu governo e das relações do mesmo com os países vizinhos. Na ocasião, defendeu a forma de governo monopolizadora. “Todos reconocen que en América es imposible un sistema representativo completo porque las masas no lo comprehenden”. (CHAVES, 1955: 195). Ao declarar que se fazia necessário modificações na Constituição, quanto a forma de sucessão em caso de impedimento ou morte do presidente, abria caminho para o governo do filho, Francisco Solano. Propunha mudanças na idade mínima para ser presidente e na exigência de que não fosse militar. Aprovou-se a “disminución a 30 años de la edad requerida por la constitución de 1844, para los candidatos a Presidente”. Solano López era oficial e não alcançava a idade requerida inicialmente. (CHAVES, 1955: 196).

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A política externa O governo paraguaio buscara obter dos países vizinhos o reconhecimento de sua independência. Em 26 de abril de 1843, Carlos Antonio enviara a Buenos Aires o secretário de governo Andrés Gill com o objetivo de conseguir de Juan Manuel de Rosas o reconhecimento da independência. Rosas, não reconhecia a independência paraguaia e exigia convênio entre Buenos Aires e Paraguai pelo uso dos rios da Prata e Paraná, para que se mantivesse o comércio, já que considerava como interno o comércio com o Paraguai. A situação no Prata se acirrou. O Paraguai estava no meio do fogo cruzado entre dois grandes países – o Império do Brasil e a Confederação Argentina. Em agosto de 1844, Rosas proibiu qualquer tipo de navegação pelo rio da Prata para os barcos paraguaios. “Esta amenaza llevó a los paraguayos a reforzar aún más sus capacidades defensivas con el establecimiento del servicio militar obligatorio, contratando instructores brasileños para el ejército y fortificando los principales puntos estratégicos, como el llamado Paso de la Patria, […].” (VILABOY, 1984: 57).

Em 14 de setembro de 1844, o ministro do Império, José Antônio Pimenta Bueno, reconheceu oficialmente, em Asunción, a independência paraguaias, sob forte protesto do governo argentino. Um acordo entre a província de Corrientes e o Paraguai foi firmado em 2 de dezembro de 1844. Ao tomar conhecimento do acordo, Rosas ordenou o isolamento comercial do Paraguai e de Corrientes. O comércio com Corrientes e o Paraguai foi barrado. (VILABOY, 1984: 57). O governo paraguaio buscou uma grande aliança contra Rosas. Pretendia o apoio imperial, que almejava barrar a política rosista da reconstrução do vice-reinado do Prata e da hegemonia sobre a navegação do rio Paraná. Contava-se com a aliança de províncias argentinas que travavam, havia muito, guerra interna contra a centralização de Buenos Aires. Pensou-se igualmente aliança com Montevidéu, cercada por Manuel Oribe, aliado de Rosas.

Modificava-se a política do período francista, quando o Paraguai ficara quase trinta anos praticamente sem envolvimento nas questões externas. Menos de cinco anos após assumir o governo, Carlos Antonio já estruturava política externa com protagonismo paraguaio. Em 1845, quando da possibilidade de aliança com o Império do Brasil, López Longe da Patria.indb 64

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oferecia o apoio militar ao exército imperial. Deixava expresso que “la política del aislamiento está[ba] definitivamente muerta y sepultada”. (CHAVES, 1955: 80).

Intervenção impopular Em dezembro de 1845, “como parte del acuerdo firmado con Corrientes, el presidente [Carlos Antonio] López declaró la guerra a Rosas. Los 4000 hombres, comandados por el coronel Francisco Solano López, cruzaron sin demora el Paraná y se pusieron a las órdenes del general […] José María Paz”, unitário argentino, de grande experiência militar. Francisco Solano López tinha então 19 anos, e praticamente nada conhecia das artes militares. (VILABOY, 1984: 59; CHAVES, 1955: 100). O presidente Carlos López apresentou aos soldados os motivos da guerra, em tentativa de justificá-la. “Soldados: la República del Paraguay necesitaba de paz y libertad; procurado conservar a toda costa estos dos grandes bienes; pero el Dictador de Buenos Aires, ambicioso y pérfido, nos obliga a la guerra; […].” Certamente tinha consciência dos riscos políticos internos da reorientação da política internacional. (VILABOY, 1984: 59-60).

Mais tarde, em Corrientes, em 28 de fevereiro de 1846, o inexperiente Francisco Solano López foi informado que três esquadrões do seu exército amotinavam-se, junto a um cabo do exército correntino. Ao saber quem eram os organizadores do motim, “mandó desarmar a los cabecillas, los sometió a juicio esa misma noche, y al día siguiente, ante el ejército formado en cuatro, fueron pasados por las armas” os líderes. Os esquadrões insubordinados foram dissolvidos. Os rebeldes pretendiam partir em direção a Assunção “para exigir pronunciamento de congresso sobre a intervenção”. (CHAVES, 1955: 109).

Sobre esses sucessos, o historiador Julio César Chaves propõe: “La rebelión de Payubré tuvo su trascendencia, pues dio a [Carlos Antonio] López cabal idea del riesgo que representaba para su régimen despachar tropas más allá de las fronteras patrias. A partir de entonces se haría inconmovible su negativa a trasponer las fronteras [...]. Payubré fue para él un toque de alarma que le obligó una vez más, as volver sobre sus pasos y esta vez en forma irrevocable, y a entrar de nuevo en las tinieblas del aislamiento.” (CHAVES, 1955: 109). Longe da Patria.indb 65

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Razões da rebelião O que teria levado a insubordinação de parte do exército? No Paraguai, o pequeno e médio campesinato representavam a maior parte da população que vivera seu auge sob o governo de Francia. Pressionado por Buenos Aires, o ditador praticara isolacionismo que terminara favorecendo os chacareros, permitindo a expansão da produção agrícola e evitando conflitos externos indesejados. Durante o lopizmo, esse mesmo grupo social viu suas conquistas serem aos poucos ameaçadas.

Carlos Antonio não rompeu com os camponeses, porém promoveu mudanças de cunho liberal e mercantil, permitindo que a classe proprietária ganhasse força em detrimento dos chacareros. O Congresso que aprovou a campanha contra Rosas era composto basicamente de proprietários, interessados no comércio exterior. Não houve, portanto, qualquer consulta ao povo miúdo do interior. Juan Manuel de Rosas mandara o general Justo José de Urquiza avançar contra a aliança anti-portenha. No entanto não houve grandes batalhas. Após a sublevação e devido a problemas internos com os aliados, o governo paraguaio aceitou a ajuda de enviado estadunidense para reiniciar tratativas com Rosas por um acordo. Carlos Antonio havia provado o amargo gosto da insubordinação de seu exército. O governo paraguaio retirou suas tropas do campo de batalha. Em sua obra Paraguay: de la independência a la dominación imperialista [1811-1870], Sérgio Guerra Vilaboy destaca que os fatos “demostraron, una vez más, que la tradicional política de neutralidad del doctor Francia era más aconsejable. Poco tiempo después, en agosto de 1846, Corrientes firmaría con Buenos Aires el tratado de paz de Alcaraz.” (VILABOY, 1984: 60). Em 25 de dezembro de 1850, teve lugar tratado de navegação realizado entre o Império do Brasil e o governo paraguaio, que determinava que ambos países prestariam assistência mutua em caso de sofrerem ataque da Confederação Argentina ou do Uruguai. Os dois países agiriam juntos para garantir a independência da Banda Oriental, questão importante para as pretensões imperiais na região. Um tratado de comércio limites e navegação seria estabelecido oportunamente. O artigo 20 do tratado explicitava que as determinações sobre livre navegação eram permanentes, quanto às demais questões, incluso limites, vigiam por prazo de seis anos. (TRATADO, 1856).

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Todos contra Rosas Após o confronto de 1846, Justo José de Urquiza, caudilho de Entre Ríos, rompera sua aliança-subordinação a Rosas. Após o acordo Império/Entre Ríos/Corrientes, Urquiza pretendeu aliar-se com o governo de Carlos López para juntos combaterem Rosas. Urquiza e Virasoro, governadores de Entre Rios e Corrientes, enviaram ao Paraguai Nicanor Molina para propor aliança. Entretanto, exigia a “desocupación del territorio de la provincia de Corrientes y la devolución da isla de Apipé.” (CHAVES, 1955: 158). Aquele território era estratégico para o comércio paraguaio desde o fechamento dos rios pelo governo portenho. No tratado firmado com o Império, o Paraguai não acordava aliança ofensiva contra Rosas. O texto destacava que os acordantes deveriam protegerse e auxiliar-se em situação de invasão de um de seus territórios. Em 29 de maio de 1851, em Montevidéu, firmou-se tratado contra Rosa, entre Brasil, Corrientes, Entre Rios e o Uruguai, ou seja, Montevidéu. No artigo 25 do acordo, os participantes “convidavam” o governo paraguaio para participar da coligação, gozando dos benefícios futuros. O governo do Paraguai aceitaria entrar na aliança mediante o reconhecimento da sua independência e um contrato assegurando a mobilidade cavalar para seu exército. Carlos Antonio enviou José Berges ao campo das negociações, para que legitimasse as promessas do tratado de 29 de maio. José Berges exigiu que se anexasse ao convênio que os países não poderiam deixar à aliança antes de resolvidas as questões da independência, das definições da navegação e dos limites da República do Paraguai. Quando o enviado chegou a Corrientes, os aliancistas já haviam redigido um novo acordo e a questão paraguaia fora excluída. Para Carlos Antonio, a garantia de independência era questão sine qua non para uma aliança. Por isso, recusou-se a participar, já que não estava satisfeito com os termos do acordo que não definiam claramente a obrigação do futuro governo argentino em reconhecer a independência paraguaia. Possivelmente Carlos Antonio não estava igualmente seguro do resultado da aliança contra Rosas. A recusa de Carlos López em participar da aliança foi prejudicial para as relações internacionais paraguaias nos anos seguintes.

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Caseros, a queda de Rosas A história platina foi permeada ao longo do século 19 pela disputa entre “federales” e “unitarios”, onde os primeiros interpretavam os interesses basicamente das províncias do interior, criadores de gado e pequenos e médios produtores artesanais e manufatureiros. Por outro lado, os unitários concentravam-se em Buenos Aires, que desde os tempos coloniais monopolizava as rendas do comércio de importação e exportação através do porto. (BANDEIRA, 1995; CERVO; RAPOPORT, 1998; POMER, 1968). A retirada de Rosas do governo argentino era do interesse da França, da Inglaterra e do Império do Brasil, prejudicados com a política de Rosas que fechava os rios da bacia platina ao comércio mundial e intermediava as negociações comerciais que obrigatoriamente cruzavam ali. Entre 1845 e 1846, França e Inglaterra tentaram inutilmente abrir a canhonaço os rios da bacia platina.

O Império do Brasil e as províncias de Entre Rios e Corrientes aliaram-se para derrotar Rosas. Em 3 de fevereiro de 1852, o ditador argentino foi derrotado quase sem resistência na batalha de Monte Caseros. O general Urquiza assumiu o posto de Diretor Provisório da Confederação Argentina, dando inicio a abertura internacional nos rios platinos.

O general Urquiza tinha pretensões em relação as Missões. A possibilidade de invasão fez Carlos Antonio López enviar ao Brasil, sem sucesso, plenipotenciário com a missão de acordar tratado defensivo e de limites. A aproximação do Paraguai ao Império provocou mudança brusca. Justo José de Urquiza decidiu reconhecer a independência paraguaia e aproximar-se de Asunción. Carlos Antonio aceitou ceder as Missões, importante ponto estratégico, à Argentina, sob protesto do Império. Em 15 de julho de 1852, firmava-se o acordo entre Paraguai e Confederação Argentina. Para o Paraguai, por um lado, o tratado conseguia o tão buscado reconhecimento da independência e, por outro, cedia de território fundamental para a sua segurança e economia. Urquiza instruiu seu enviado, Santiago Derqui, para elaborar com o governo do Paraguai tratado de aliança ofensiva e defensiva contra agressão estrangeira – ou seja, contra o Império do Brasil. O que não prosperou.

Diante de uma possível negativa do legislativo argentino em reconhecer o acordo firmado em 15 de julho de 1852, Carlos Antonio optou Longe da Patria.indb 68

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por não entregar as Missões. O tratado de livre navegação do Paraguai com a Confederação chamou a atenção das grandes potências europeias. Chegaram a Assunção os representantes da Inglaterra, França, Reino da Sardenha e dos Estados Unidos. Carlos Antonio advertiu que somente firmaria tratados comerciais mediante o prévio reconhecimento da independência e soberania do Paraguai. Em 4 de março de 1853, o governo paraguaio assinou acordo comercial com Inglaterra, França, Reino da Sardenha e Estados Unidos. (CHAVES, 1955: 184-185).

Problemas com o Império As questões dos limites e da navegação entre Império e Paraguai se arrastavam. A queda de Rosas e o principio de tensão diplomática entre ambos fizeram com que Carlos Antonio López regulamentasse o trânsito por rios paraguaios e dificultasse a passagem de embarcações imperiais pelo rio Paraguai, em direção da província do Mato Grosso. Carlos Antonio destacava que não lhe interessava a guerra contra o Império, mas a resolução dos tratados de limites e navegação. Temia o fortalecimento do armamento na província matogrossense. (CHAVES, 1955: 207). Em 7 de julho de 1852, o governo imperial designou o diplomata capitão-tenente da marinha Felipe José Pereira Leal para negociar com o governo de Carlos López. O representante imperial apresentou ultimato ao governo do Paraguai, exigindo a livre navegação e a delimitação das fronteiras, segundo o ponto de vista imperial. Contribuiu para o rompimento diplomático entre os países o possível turvamento das relações entre Inglaterra e o Paraguai promovido pelo representante do Império. Em agosto de 1853, Pereira Leal recebeu do governo paraguaio seus passaportes, o que representava a expulsão do representante imperial. (LÓPEZ, 1987: 144). A expulsão de Pereira Leal foi um excelente pretexto para o Império forçar uma negociação. Esse fato gerou intensos protestos nos mais variados segmentos no Império. O governo brasileiro reclamava que havia livrado o Paraguai de Rosas e que reconhecera sua independência e não obtivera do Paraguai um acordo de limites e navegação. Por sua vez, o governo paraguaio argumentava ter tentado acordo com o Império anos antes sem sucesso. As bases dos problemas entre Brasil e Paraguai Longe da Patria.indb 69

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consolidavam-se. A América conheceria seus resultados cerca de quinze anos mais tarde em uma guerra que dizimaria o Paraguai.

A missão Ferreira Oliveira Em 10 de dezembro de 1854, o almirante Pedro Ferreira de Oliveira partiu do Rio de Janeiro para o Paraguai no comando de poderosa operação naval. A missão fracassada do Império para submeter o Paraguai foi abordado pelo historiador Fabiano Barcellos Teixeira. Trata-se de tema pouco estudado pela historiografia brasileira, talvez por ter sido estrondoso fracasso diplomático e militar imperial e, certamente, a primeira ofensiva militar contra aquele país do Império.

Em Primeira Guerra do Paraguai: A expedição naval do Império do Brasil a Assunção (1854-5), o autor explicita as pretensões hegemônicas do Brasil na bacia do Prata. A expedição que fracassou em 1854-5 foi uma prévia da catastrófica Guerra do Paraguai, dez anos depois. Segundo Fabiano Barcellos, tal missão pretendia, sob a pressão dos poderosos navios, “obter a livre navegação do rio Paraguai e ajustar as fronteiras com o Paraguai”, segundo as exigências imperiais. (TEIXEIRA, 2012: 72). Comandada por Pedro Ferreira de Oliveira [1801-1860], a expedição imperial rumou ao Paraguai com cerca de 3.000 soldados e trinta navios de guerra e 150 canhões. (TEIXEIRA, 2012: 72) “No Paraguai, a diplomacia imperial era a canhoneira.” Ao saber que a armada imperial dirigia-se ao Paraguai, Carlos Antonio mobilizou suas forças. (TEIXEIRA, 2012: 75; CHAVES, 1955: 221).

Em 20 de fevereiro, a esquadra brasileira chegou a Cerrito nas Três Bocas, na confluência dos rios Paraná e Paraguai. Ferreira de Oliveira decidiera iniciar as ações pela via diplomática, obrigado a pedir permissão para rumar até Assunção. O almirante foi autorizado a seguir viagem em um barco. Em Assunção, Francisco Solano López foi indicado para tratar com o almirante sobre os limites e navegação.

Ferreira de Oliveira apresentou projeto de limites baseado no uti possidetis, que tinha o rio Apa como limite entre os países. Julgando que o uti possidetis proposto pelo Império era questionável, Solano López recusou a proposta. O Império reclamava a navegabilidade no rio PaLonge da Patria.indb 70

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raguai, questão importante para o acesso à província do Mato Grosso. A missão Ferreira de Oliveira foi uma primeira tentativa imperial de submeter o Paraguai pelas armas. Em 27 de abril de 1855, firmou-se tratado de amizade, comércio e navegação, sem resolver as questões de limites. (TEIXEIRA, 2012: 125).

O acordo obtido pela missão Ferreira de Oliveira foi altamente criticado no Brasil, não sendo ratificado. Houve tentativa de organizar um modus vivendi entre os países. Carlos Antonio enviou José Berges ao Rio de Janeiro para assinar um novo tratado de amizade, navegação e comércio. Os limites seriam definidos dentro de um prazo de seis anos. O estado de graça entre o governo paraguaio e o Império não demoraria a declinar.

Diplomacia imperial Carlos Antonio regulamentou a navegação de barcos estrangeiros nos rios do país. Em julho e agosto de 1856, emitiu decretos que anulavam parte do acordo Berges-Paranhos. Todo barco não paraguaio seria inspecionado e levaria a bordo um paraguaio prático até o primeiro porto no Mato Grosso “[Carlos Antonio] López vivía dominado pela obsesión [sic] de que los brasileños aprovecharían el libre paso al Alto Paraguay para acumular armas y pertrechos en Matto Grosso, y organizar allí una poderosa fuerza naval-militar.” (CHAVES, 1955: 254).

Em resposta, em 1857, o governo imperial enviou o diplomata José Maria da Silva Paranhos em missão especial ao rio da Prata, com a três destinos, Montevidéu, Paraná e Paraguai. Em Paraná, sede da Confederação Argentina, Paranhos propôs “alianza contra el Paraguay”. O governo da confederação comprometeu-se “a dar libre paso por su territorio a las fuerzas del Brasil” no caso de um confronto. (CHAVES, 1955: 263). Em 13 de janeiro de 1858, o representante brasileiro foi recebido pelo governo paraguaio em Asunción, que temia, com razão, ter Paranhos acordado uma aliança militar com o governo da Confederação contra o Paraguai. Os negociadores chegaram a um acordo. Os barcos mercantes e de guerra do Império e da República teriam um maior acesso aos rios Paraguai e Paraná ao longo do espaço que pertencia aos acordantes. Nenhum acordo foi alcançado sobre as fronteiras. (CHAVES, s/d: 37). Longe da Patria.indb 71

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Em 1859, descobriu-se em Assunção conspiração contra Carlos Antonio. Fariam parte do plano Luis Machaín, Ildefonso Machaín, Feliciano Lázaro, Teodoro Decoud, Gregorio Decoud e o uruguaio Santiago Canstatt, filho de ingleses. Apesar da pressão do cônsul britânico Charles Henderson, Carlos Antonio López negou a soltura de Canstatt e o cônsul inglês retirou-se do Paraguai.

Em inicio de 1860, foi proclamada a sentença dos acusados de conspiração. Canstatt e mais quatro conspiradores foram condenados a pena de morte; os outros acusados, à prisão. Gregorio e Teodoro Decoud foram executados e Canstatt foi liberado algum tempo depois, após os navios de guerra britânicos impedir a passagem do vapor Tacuarí que trazia de Buenos Aires Solano López, após intermediar confronto entre unitários e federalistas.

Roendo a Corda Em 1858, Justo José de Urquiza, chefe da Confederação Argentina, enviou de la Peña a Assunção para tratar com o governo López as bases de acordo militar contra Buenos Aires. López firmou o acordo militar e de limites, que deveria ser ratificado por Urquiza. (CHAVES, 1955: 283).

Carlos Antonio voltaria atrás, não cumprindo com a ajuda militar acordada. Ele esquivava-se de participar de guerra contra Buenos Aires, prejudicando a aliança com Urquiza. Propôs, ao contrário, mediação do conflito. Urquiza saiu vitorioso na batalha de Cepeda, em 23 de outubro de 1859, e marchou para Buenos Aires. O conflito entre federalistas e unitários não prosseguiu. Em 11 de novembro de 1859, em Buenos Aires, firmou-se o acordo de paz entre os beligerantes intermediado por Solano López. (CHAVES, 1955: 284-8). O acordo de 11 de novembro, de San José de Flores, esteve longe de ser a solução para os problemas paraguaios. A união argentina, sem o desarmamento de Buenos Aires, não punha fim à luta portenha pela hegemonia. Benigno López acompanhara seu irmão na missão a Buenos Aires e registrara, em carta a José Berge, em tom profético: “El resultado que ha obtenido la misión paraguaya ha sido coronado del más feliz éxito; el país ha ganado la influencia con aquel acuerdo, pero la Confederación ha perdido; y estamos expuestos a perder mucho”. (CHAVES, 1955: 289). Longe da Patria.indb 72

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As tensões internas na Argentina seguiram. A Confederação Argentina acusava o governo de Buenos Aires de ter quebrado o acordo feito. Os olhos voltavam-se para o Paraguai e para lá foram enviados os representantes de Buenos Aires e da Confederação a fim de obter apoio paraguaio em suas respectivas causas.

O governo de Buenos Aires enviara a Asunción Lorenzo Torrez que, buscava, se não uma aliança, no mínimo, a neutralidade paraguaia em uma possível guerra civil na Argentina. Baldomero García, representante da Confederação, empenhara-se em firmar uma aliança ou conseguir armamentos. López optou por manter-se neutro e cada vez mais isolado politicamente. Em janeiro de 1862, chegava a Assunção Juan José de Herrera, enviado da república Oriental, que também pretendia firmar acordo com o governo paraguaio. Em conversa com Herrera, López deixava clara sua preocupação com as intenções de Buenos Aires e do Império, já que podiam aliar-se para fazer guerra ao Paraguai. Em relação ao Uruguai, López prevenia que a qualquer hora o governo portenho se voltaria contra aquela república. Juan José de Herrera propôs a López tratado de comércio direto, o que faria com que as embarcações mercantes paraguaias deixassem de aportar em Buenos Aires. O presidente paraguaio recusou a proposta pretextando que isso poderia desencadear uma guerra contra o governo portenho.

Figura 4 - Assunção no final do governo Carlos López – 1860 Fonte: Daguerrotipo de Simonau & toovey, disponível em:

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3. A presidência de Francisco Solano López (18621870) Ao longo dos anos, Francisco Solano López ocupou posições de evidência no governo paraguaio, com destaque para o exército e a diplomacia. Como chefe do exército, comandou operação mal sucedida em Corrientes. Ocupou-se das funções governamentais, nos últimos anos de enfermidade de Carlos Antonio López.

No congresso de 1857, Carlos Antonio propusera abdicar à reeleição. Após arrolar suas ações no governo e explanar sobre os problemas de ordem internacional, propusera uma possível doença e solicitara permissão para retirar-se à vida privada. Solano López foi proclamado presidente, não aceitando, por duas vezes. Carlos Antonio permaneceu no cargo até 10 de setembro de 1862, quando morreu.

No mesmo dia da morte de Carlos Antonio, anunciou-se que seu primogênito, general em chefe do exército, ministro da guerra e da marinha, ocuparia a vice-presidente, por indicação de carta cerrada de seu pai, como determinava a constituição. Solano López convocou novo congresso para a escolha do presidente, em 16 de outubro de 1862. A exemplo dos últimos congressos no governo participaram exclusivamente deputados da classe proprietária. O Congresso Nacional paraguaio elegeu por aclamação o então vice -presidente. A duração do seu mandato seria de 10 anos, o que não se efetivou devido à guerra e sua morte. Ele seguiu o modelo de política e economia adotado pelo pai. Entretanto, os desdobramentos da política internacional e a ameaça de ter o Paraguai novamente enclausurado economicamente ditariam o destino do país.

Solano López também expressou sobretudo a reduzida classe dominante, sem entregar-lhe o exercício direto do poder. É possível definir os governos dos López como “regimes bonapartistas de viés patriarcal que propondo governar em nome de todas as classes, expressaram, sobretudo, os interesses dos comerciantes, dos estancieiros, dos camponeses enriquecidos e do alto clero”, como já assinalado. (MAESTRI, 2013/1: 206).

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Propriedade de uma Família No congresso, teve lugar um sucesso que, apesar de isolado, demonstrou oposição ao prosseguimento do governo bonapartista lopizta. O deputado Varela, ao pedir a palavra, declarou que reconhecia os méritos de Solano López para assumir o poder, mas preocupava-se em ferir a Constituição. Afirmou que, com base no texto da constituição, o Paraguai não podia ser propriedade de uma pessoa ou família. Sua proposta não alcançou eco e Solano López foi eleito por “unanimidade”. (O’LEARY, 1970: 112).

Não há consenso sobre o momento em que, durante a guerra, segmentos fundamentais da classe proprietária romperam com o governo López. Vimos que a oposição a Francia e aos López era antiga. Como forma de manter-se no poder, Solano López promoveu ou continuou acanhada mediação com a classe camponesa, como já ocorria no governo de Carlos Antonio López.

Entre junho de 1863 e setembro de 1867, foi cônsul francês em Assunção Laurent-Cochelet [1823-1888], crítico ferrenho da política de Solano López. Em 4 de agosto de 1863, ele registrou em correspondência as diversões gratuitas oferecidas pelo governo ao povo. Não sabia se Solano López o fazia para fortalecer seu poder ou para castigar “a las clases acomodadas que lo inquieta[ba]n”. (CAPDEVILLA, 2010: 283).

Figura 5 - Francisco Solano López Fonte: http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/solano-lopez-sua-carreira

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Para o diplomata, havia grande tensão entre classe proprietária e o governo de Solano López. Laurent Cochelet comparou o presidente com o supremo ditador do Paraguai, José Gaspar Rodrigues de Francia que, segundo ele, ministrava “el terror para los grandes, la seguridad para los pequeños y los malos procedimientos para los extranjeros”. (CAPDEVILLA, 2010: 294).

Tratava-se de enorme exagero, devido ao privilegiamento das classes proprietárias pelo lopizmo. As bases socioeconômicas do governo sofreram consistente mudança no período de Carlos Antonio. Os proprietários que haviam sido alijados do cenário político por Francia, voltavam à cena, com os López no poder, ainda que indiretamente, como visto. O governo Carlos Antonio empreendera revitalização do comércio internacional, parcialmente monopolizado pelo Estado. Ele e seu sucessor serviram-se da concentração de importantes atividades econômicas nas mãos do Estado para enriquecerem-se, e a seus próximos. Para dar continuidade a seus interesses econômicos, o governo paraguaio necessitava de liberdade de navegação e acesso direto e irrestrito aos principais portos. A questão da saída ao mar era pedra encravada no sapato paraguaio desde o período colonial.

Mudança no cenário Em 25 de fevereiro de 1862, o diplomata uruguaio Juan José de Herrera [1832-1898] visitou o presidente Carlos Antonio e lhe propôs acordo de “comércio direto entre Montevidéu e Asunción”, como assinalado. (MAESTRI, 2013/1: 109). O que parecia ser a saída para o comércio paraguaio tornou-se situação perigosa quando da mudança de gabinete no Império, como veremos com mais vagar.

O Paraguai tinha questões pendentes para resolver com o Brasil e a Argentina. Exatamente no ano em que Solano López chegou à presidência, “terminaba la tregua de seis años establecida en los tratados firmados en 1856 con el Imperio y la República Argentina” [6 de abril de 1862]. (O’LEARY, 1970: 119). As pretensões imperiais mantinham-se agudas desde a fracassada missão Ferreira Oliveira. Os limites entre o Império e a República do Paraguai deveriam ser definidos. As relações Império-Paraguai declinavam. O governo imperial fundou em território Longe da Patria.indb 76

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litigioso pelo menos duas colônias, Dourados e Miranda.

Em 17 de setembro de 1861, o governador da província de Buenos Aires, o unitarista Bartolomé Mitre [1821-1906], conseguiu importante vitória sobre os federalistas argentinos na batalha de Pavón, alcançando, em outubro de 1862, a presidência da desde então República da Argentina. Como Rosas, ele alimentava a ideia de submeter a ex-província do Paraguai. Após a vitória, Mitre apoiou a invasão do Uruguai por Venâncio Flores [1808-1868], anteriormente general em seu exército, ex-presidente daquele país e chefe dos colorados orientais.

O Uruguai orbitava ora sob a influência do Império, ora sob a de Buenos Aires. Entre 1839 e 1851, quando da Guerra Grande, os nascentes partidos blanco e colorado disputaram militarmente o poder. Os blancos eram comandados por Manuel Oribe e expressavam sobretudo os criadores crioulos e a produção artesanal e pequeno manufatureiral. Os colorados eram liderados por Fructuoso Rivera, sustido sobretudo pelos grandes comerciantes de Montevidéu e os criadores escravistas rio-grandenses, estabelecidos no norte do Uruguai.

Manuel Oribe, com a ajuda militar de Rosas, cercou Montevidéu. Em resposta, a oligarquia montevideana solicitou intervenção imperial. Em 6 de setembro de 1850, foi firmado tratado entre o governo uruguaio De la Defensa [Montevidéu]e o Império do Brasil. O governo imperial estipulou condições para financiar a resistência colorada, entre elas, a devolução de cativos, a concessões de territórios, liberdades comerciais e direito de passagem, sem taxas, do gado oriental ao Rio Grande do Sul.

Confederação contra Rosas As condições anti-nacionais impostas pelo Império atendiam aos anseios dos pecuaristas escravistas do Rio Grande do Sul e às necessidades de abastecimento com charque e couro da cafeicultura, principal produção do Império. Com a abolição do tráfico internacional, em 1850, os capitais empregados naquela atividade foram parcialmente transferidos para o Prata. O apoio imperial a Rivera decidiu o conflito. Manuel Oribe depôs armas em setembro de 1851, no contexto da aliança anti -Rosas.

O Uruguai tornava-se quase uma província do Império. As condições

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do tratado de 1851 praticamente impossibilitavam a prática governamental autônoma do país. Os sul-rio-grandenses dominavam boa parte do território uruguaio, ao norte do rio Negro, e retiravam anualmente centenas de milhares de cabeças de gados sem pagar impostos. Decaía a atividade dos saladeros de Montevidéu e de Buenos Aires, debilitando os exauridos cofres uruguaios.

Em março de 1852, o blanco Juan Francisco Giró [1791-1863] foi eleito presidente do Uruguai - 1852-56. Giró tentou recobrar mesmo parcialmente a autonomia nacional, através da revisão das cláusulas do acordo com o Império e a administração nacional das rendas alfandegárias. Em 1853, a oligarquia de Montevidéu e os imperiais planejavam golpe – fracassado – para instaurar governo colorado. Um governo pactuado foi formado por Lavalleja, Rivera e Flores. Após as mortes de Lavalleja e Rivera, já idosos, Venâncio Flores governou entre 1854 e 1856. Ao terminar o mandato, retirou-se para a província de Buenos Aires, governada por Bartolomé Mitre, que o incorporou ao seu exército como general. A partir das eleições de 1856, a política uruguaia conheceu tentativas de mudanças em favor da autonomia nacional, o que descontentou os criadores sul-rio-grandenses que passaram a reclamar nova intervenção do Império .

Em 1860, foi eleito o político blanco Bernardo Berro [1803-1868]. Entre seus atos em prol da autonomia nacional estava o combate à escravidão praticada nas fazendas dos sul-rio-grandenses do norte do rio Negro. A escravidão fora abolida no Uruguai em 1842-6. Bernardo Berro não renovou os acordos de 1851, que debilitavam os cofres uruguaios e deixavam a Banda Oriental quase na condição de semi-província do Império.

Mitre em busca da Guerra O colorado Venâncio Flores aproveitou o momento de instabilidades vivido no Uruguai para tentar impor pelas armas seu domínio, apoiado por Bartolomé Mitre e pelo unitarismo portenho. Os blancos uruguaios eram aliados naturais dos federalistas argentinos. Em 19 de abril de 1863, Venancio Flores partiu de Buenos Aires em navio de guerra argentino, para alcançar, através do rio Uruguai, o norte da república oriental. Contava com o apoio de tropas de Corrientes, dos colorados Longe da Patria.indb 78

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orientais e, sobretudo, dos criadores rio-grandenses no Uruguai. (HERRERA, 1927: 17).

Bartolomé Mitre nutria esperanças de submeter as ex-províncias do antigo vice-reino do rio da Prata ao domínio direto ou indireto da oligarquia portenha. Também para impor seu domínio sobre a Argentina, era necessário “acabar definitivamente con el partido federal en ambas márgenes del Plata y aplastar al Paraguay” (O’LEARY, 1970: 131). No entanto, Mitre proclamava-se neutro quanto à guerra civil no Uruguai, a fim de dificultar-impedir a intervenção federalista argentina em apoio dos blancos, com destaque para Justo José de Urquiza.

Neutralidade que não se confirmou na prática. Em junho de 1863, um paquete argentino fora interceptado por barco de guerra oriental levando armamentos e munições para Flores. O incidente foi o pretexto que Mitre esperava. Em 22 de junho de 1863, a marinha argentina bloqueou a entrada do rio Uruguai, isolando as forças de Berro, o que foi determinante para a derrota uruguaia na batalha de Las Cañas, em 25 de junho do mesmo ano.

Em El drama de 65, la culpa mitrista, o político e historiador uruguaio Luis Alberto de Herrera [1873-1959] refere-se ao periódico La Nación Argentina pró-Mitre, destacando que ele, “con júbilo, anuncia la invasión, la aplaude, la estimula”. (HERRERA, 1927: 7). Acrescentou ainda que, em 1869, quase no final da guerra, o ministro argentino das relações exteriores, Rufino Jacinto de Elizalde [1822-1887], afirmara: “El gobierno [blanco] de Montevidéu era la personificación del partido enemigo de la causa liberal que Buenos Aires habia convertido en gobierno argentino.” (HERRERA, 1927: 9). Nos anos 1863 e 1864, o presidente da Republica Argentina, Bartolomé Mitre, correspondeu-se confidencialmente com Solano López. Em uma dessas missivas, Bartolomé Mitre advertia a Solano López que a ocupação do território de Misiones – em disputa desde havia muitos anos – poderia “traer muy serias dificultades a ambos os países, provocando desde ya un malestar en la provincia de Corrientes”. (O’LEARY, 1970: 125). Em setembro de 1863, a pedido do governo oriental, o governo paraguaio enviou pedido de explicações sobre a interferência argentina nas questões do Uruguai. Após o (re) ordenamento político e econômiLonge da Patria.indb 79

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co promovido pelos López, o livre acesso ao porto uruguaio era questão de vida ou morte, do ponto de vista do bloco político e social que sustentava o lopizmo, já que Buenos Aires encontrava-se sob o controle dos unitários argentinos. No caso do cerramento do porto de Buenos Aires, Montevidéu era imprescindível para prosseguir o comércio paraguaio. (MAESTRI, 2013/1: 109). Solano López aguardava respostas ao pedido de explicações feito ao governo argentino. No entanto, percebia que se distanciavam as possibilidades de uma intervenção pacífica do governo paraguaio naquela questão. No início de 1864, enviou novamente comunicado ao governo de Buenos Aires, não mais com tom conciliador, mas de advertência. Informava que não seria indiferente diante dos atos que atentassem à soberania do Uruguai. Dizia que era questão de “dignidad nacional” e preservação de “sus propios intereses en el Rio de la Plata” (QUELL, 1957: 215).

Novo Gabinete Até então, o governo imperial, dominado por gabinete liberal-conservador [progressista], não mostrara interesse em intervir na República do Uruguai, como reivindicavam os criadores liberais sul-rio-grandenses, seus inimigos na política interna. Porém, no início de 1864, os liberais assumiram o gabinete mudando drasticamente a política do Império, ao resolverem interferir nas questões do Prata, ao lado dos criadores rio-grandenses, representantes do partido liberal no Sul.

Em 20 de abril de 1864, partiu do Rio de Janeiro uma missão especial comandada pelo conselheiro José Antonio Saraiva [1823-1895], com o objetivo de apresentar ao governo uruguaio ultimatum, confirmado somente em 4 de agosto de 1864, que seria acompanhado por expedição militar. (SARAIVA, 1872: 2-3). João Pedro Dias Vieira, então ministro das relações exteriores do Império, em correspondência ao conselheiro Saraiva, deixava claras as condições exigidas pelo governo imperial para a não intervenção no Uruguai. Estabelecia: “1º Que o governo da república faça efetuar o devido castigo, senão de todos, ao menos daqueles criminosos reconhecidos que passeiam impunes, ocupando até alguns deles postos no exército Oriental, ou exercendo cargos civis do Estado; 2º Que sejam Longe da Patria.indb 80

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imediatamente destituídos e responsabilizados os agentes de policia, que tem abusado da autoridade, de que se acham revestidos. 3º Que se indenize completamente a propriedade, que sob qualquer pretexto tenha sido extorquida aos Brasileiros pelas autoridades militar e ou civis da Republica. 4º Finalmente que sejam postos em plena liberdade todos os Brasileiros, que houverem sido constrangidos ao serviço das armas da Republica.” (SARAIVA, 1872: 4). Em claro desrespeito à autonomia uruguaia e sob pretexto risível, o governo do Império fazia exigências vexatórias e atentatórias à integridade e autonomia daquele país A missão Saraiva não teve efeito diplomático e não era essa sua intenção. Saraiva propôs que “a ocupação do território ao norte do Rio Negro, onde estão encravadas quase todas as estâncias e estabelecimentos de brasileiros, parece o único alvitre, que temos a adotar, se quisermos por nós mesmos tornar efetiva a proteção aos nossos compatriotas”. (SARAIVA, 1872: 7). Mesmo indiretamente, tratava-se de referência a uma possível anexação daquela parte do território oriental.

Para desespero uruguaio, sob o ataque de Flores apoiado por Mitre, e agora a próxima invasão militar imperial, Solano López tentou resolver a questão por meio diplomático. Em 28 de outubro de 1864, o chanceler uruguaio José Vazques Sagastume enviou ao governo paraguaio proposta de “plano de guerra” conjunto para enfrentar o Império do Brasil e a Argentina mitrista. Sagastume usara de todas as suas armas para motivar Solano López a interferir em favor do governo blanco. Teve, no entanto, suas expectativas frustradas com a decisão paraguaia de não enviar auxilio militar ao Uruguai. (MAESTRI, 2013/1: 121).

Em 22 de agosto de 1864, os governos argentino e imperial firmaram acordo para submeter o governo uruguaio, apoiando a Flores. Seria prévia do fatídico tratado da Tríplice Aliança, firmado em maio do ano seguinte. “Artigo 1.° Reconhecem que a paz da Republica Oriental do Uruguai é a condição indispensável para a solução completa e satisfatória de suas questões e dificuldades internacionais com a mesma Republica; e que, auxiliando e promovendo essa paz sempre que ela seja compatível com o decoro de seus respectivos países e com a soberania da República Oriental, julgam praticar um acto proveitoso não só a República, como aos países limítrofes, que tem com ela relações muito especiais. Artigo 3º O Governo Argentino e o de S. M. o Imperador do Longe da Patria.indb 81

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Brazil tratarão do ajuste de suas respectivas questões com o Governo Oriental, auxiliando-se mutuamente por meios amigáveis (amistosos) como uma prova do sincero desejo de ver terminada a situação actual que perturba a paz do Rio da Prata.” (SARAIVA, 1872: 194). A situação política na região agravava-se. O intelectual argentino federalista Juan Bautista Alberdi [1810-1884] resumiu em poucas palavras o que o Uruguai representava naquele momento para o Paraguai. “Montevideo es al Paraguay, por su posición geográfica, lo que el Paraguay es al interior del Brasil: la llave de su comunicación con el mundo exterior. Tan sujetos están los destinos del Paraguay a los de la Banda Oriental, que el día que el Brasil llegue a hacerse dueño de este país, el Paraguay podría ya considerarse como colonia brasileña, aun conservando su independencia nominal.” (O’LEARY, 1970: 142).

Um Primeiro Protesto Em 30 de agosto de 1864, o governo paraguaio enviou ao ministro brasileiro em Assunção protesto pela interferência imperial no Uruguai. O Império desqualificava o tratado de 1850 do qual era signatário e tratava com desdém as tentativas paraguaias de mediar a questão ou solucioná-la de forma pacífica. Enquanto o governo paraguaio reclamava pelo “equilíbrio del Rio de la Plata”, ao governo imperial pretendia solucionar pela força suas diferenças com o governo blanco. (O’LEARY, 1970: 145). E, a seguir, impor sua vontade ao Paraguai. Meses antes, em janeiro de 1864, após infrutíferas tentativas de mediação e não tendo obtido êxito, o governo paraguaio iniciara os preparativos para a guerra contra a Argentina mitrista. “[…] López estableció en Cerro León, un campamento militar, en que adiestraba para la guerra un ejército de 30.000 hombres de 16 à 50 años de edad.” (THOMPSON, 1910: 13).

O plano inicial do presidente Solano López era fazer guerra à Argentina, possivelmente esperando contar “com a aliança do governo oriental, com o apoio eventual do general Justo José Urquiza [1801-1870] e com a esperada confluência das forças federalistas argentinas provinciais [...]”. O Paraguai tinha, nesse confronto, reais chances de vitória, sobretudo devido à divisão política na Argentina. (MAESTRI, 2013/1: 111). Longe da Patria.indb 82

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Em outubro de 1864, começava a ser traçado o trágico destino do povo paraguaio. Nesse mês, “tropas imperiais atravessaram a fronteira para participar da conquista das vilas fortificadas de Salto e Paysandu, em aliança com Venâncio Flores, sem qualquer declaração de guerra ao Uruguai.” (MAESTRI, 2013/1: 116). O ataque ao Uruguai era de conhecimento e tinha o aval argentino, pois, “las bombas y granadas con que los brasileños arrasaron a Paysandú salieron del parque de Buenos Aires.” (HERRERA, 1927: 25). O cerco estava fechado. A intervenção imperial no Uruguai determinava que o Paraguai ficaria entre duas grandes potências.

Em 14 de novembro de 1864, após uma conturbada tentativa de mediação dos conflitos no Prata, o governo paraguaio “declaró rotas sus relaciones con el Imperio”. (O’LEARY, 1970: 152) No mesmo dia, uma canhoneira paraguaia interceptou o navio brasileiro Marquês de Olinda que levava a bordo Federico Carneiro de Campos [1800-1867], que assumiria a presidência da província do Mato Grosso. O rompimento das relações, comunicado em Asunción, foi certamente concomitante com a ordem de prender o vapor Marquês de Olinda. Tratavam-se porém de medidas no geral anunciadas pelos reiterados avisos do governo paraguaio sobre sua ação, no caso da intervenção militar imperial no Uruguai. Meses depois, com a guerra declarada entre o Paraguai e o Império, Solano López expôs que: “La violación del territorio Oriental por parte del Brasil ha puesto al Paraguay en el deber de usar de los recursos militares para neutralizar los sucesos y la acción del Brasil en aquel Estado, y me han decidido a hacer marchar una División de operaciones sobre la Provincia Brasileña de Matto Grosso [...].” (CHAVES, s/d: 106).

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Capítulo segundo

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4. Campo em marcha: Mato Grosso e Corrientes

Desde muito tempo, a província imperial de Mato Grosso era depósito de armas e de munições do Império. No entanto, possuía escasso material humano para a defesa, devido à colonização recente do sul da província, a importante população escravizada e nativa, apenas parcialmente submetida. Para surpresa geral, quando Solano López empreendeu guerra ao Império, principiou, por aquela província brasileira. Em 24 de dezembro de 1864, uma expedição naval paraguaia partia de Assunção para a invasão do sul da província do Mato Grosso. Ela compunha-se de “três mil homens e duas baterias de campanha que foram embarcados em cinco vapores e três escunas. Duas canhoneiras de fundo chato, cada uma com um canhão de 8 polegadas, iam também a reboque dos vapores.”(THOMPSON, 1968: 43) A expedição naval destinava-se ao ataque ao forte de Coimbra e era comandada pelo coronel Vicente Barrios [1825-1868], cunhado de Solano López. Concomitantemente, partiu expedição terrestre, destinada a ocupar o sul da província, composta pelas melhores tropas paraguaias. Ela era capitaneada pelo coronel Francisco Isidoro Resquín e pelo major Martín Urbieta.

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Figura 6 – Primeiros Movimentos do Exército Paraguaio Fonte: http://www.areamilitar.net/HistBCR.aspx?N=144

O historiador Mário Maestri afirma que o propósito da invasão ao sul do Mato Grosso era “proteger o norte paraguaio” que não sofria, nos fatos, ameaça aproximar, desde aquela região, além da “conquista de territórios a serem reivindicados quando da negociação de paz”. Solano López pretendia igualmente abastecer-se de gado, que abundava na região, para alimentação da tropa. Na província de Mato Grosso, o exército paraguaio serviria-se de um dos maiores rebanhos bovinos presentes no Império (ESSELIN, 2011). A invasão ao sul do Mato Grosso renderia ao exército paraguaio “farto armamento ali armazenado” – “pólvora, fuzis, pistolas, espadas, canhões”. (MAESTRI, 2013/1: 129). A campanha de Mato Grosso, por outro lado, teria influenciado grandemente , em forma positiva, o ânimo dos soldados e da população paraguaia, com as importantes vitórias alcançadas. Segundo o cônsul francês em Assunção, Laurent-Cochelet, essa primeira vitória paraguaia servira para “elevar la moral del ejército paraguayo y animarlo a nuevas luchas”. (CAPDEVILA, 2010: 342).

Sem direito de passar Em janeiro de 1864, o governo paraguaio iniciara os preparativos para a guerra contra a Argentina. Terminara, porém, declarando guerra ao Império do Brasil, após inúmeras admoestações quanto à invasão do Uruguai. Entretanto, para atacar o Império, no sul, o exército paraguaio, Longe da Patria.indb 86

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necessariamente, teria que passar pelo território de Misiones, em litígio com a Argentina, ou pela província de Corrientes.

O general entrerriano Justo José Urquiza [1801-1870] era aliado putativo fundamental para as pretensões paraguaias. Em outubro de 1864, antes do inicio da Guerra com o Império, Solano López enviara correspondência propondo aliança e apoiar Urquiza em sua luta contra Buenos Aires, para reconstituir a federação ou separar-se dela. Urquiza não explicitara seu consenso. (CHAVES, s/d: 99-100). Em novembro de 1864, eram grandes os rumores na região de que Urquiza se posicionaria a favor do Paraguai. Em 22 de novembro, o cônsul francês em Assunção, Laurent Cochelet, informava em correspondência o recebimento de notícias de viajantes entrerrianos na qual “el general Urquiza se preparaba, de común acuerdo con el Paraguay, a intervenir en el Uruguay contra el Brasil.” (CAPDEVILA, 2010: 336).

Solano López contava com apoio de Urquiza na guerra contra o Império e no caso de que Mitre impedisse o cruze do exército paraguaio pelo território litigioso de pelas Missões. Em janeiro de 1865, Solano López solicitou ao governo argentino o direito de cruzar a província de Corrientes. Ao mesmo passo, informou Urquiza do pedido e do desejo de manter a paz com a Argentina (CHAVES, s/d: 105).

O general entrerriano, em correspondência, tentara convencer Mitre a permitir a passagem inocente do exército paraguaio no território argentino. (O’LEARY, 1970: 166) Mitre esperava a entrada das forças paraguaias no território argentino para considerá-la causus belli. (HERRERA, 1927: 13). Em cinco de fevereiro de 1865, chegavam a Buenos Aires os despachos encaminhados pelo governo paraguaio solicitando permissão para que o exército paraguaio atravessar territórios argentinos. Mitre, pretextando neutralidade, não concedeu o passo. (DOMÍNGUEZ, s/d: 97).

Em 23 de fevereiro de 1865, Urquiza lançou um balde de água fria nas pretensões do governo paraguaio. Escreveu a Solano López que evitasse “todo cuanto pudiera ser una razón para el gobierno argentino no se viese en la obligación de salir de esa política” de “neutralidad”. (CHAVES, s/d: 107).

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O Paraguai em Guerra com a Argentina Solano López convocou congresso para cinco de março de 1865. O congresso autorizou o governo a negociar empréstimo de 5000000 libras; a criar postos de elevado grau no exército; a emitir papel moeda e que López atravesse com tropas Corrientes. Ou seja, autoriza a declaração de guerra à Argentina. O coronel inglês George Thompson apresentaria a escusa daquela declaração de guerra.” [...] Buenos Aires declarara virtualmente guerra ao Paraguai ao não conceder permissão às suas tropas para atravessarem Corrientes, enquanto permitira os brasileiros subir o rio e ameaçar o Paraguai”, quando da missão Ferreira Oliveira (1854-5) (THOMPSON, 1968: 51).

O governo paraguaio não provocou a guerra, mas foi inserido nela pela conjuntura sócio-política regional. Com o início do conflito, ficava evidente o pouco preparo técnico-militar do Paraguai para sustentar a guerra com as duas potências regionais. Entretanto, o país contava com exército nacional, de rápida mobilização, o que não era o caso de seus opositores. Tomando a iniciativa, o Paraguai lançou dupla campanha, contra o Império do Brasil e contra a República Argentina.

Em 13 de abril de 1865, uma pequena esquadra paraguaia apoderou-se de dois navios argentinos ancorados no porto de Corrientes. A seguir, uma coluna, comandada pelo general Wenceslao Robles [?1866], marchou para ocupar a província e tentar levantar as forças federalistas argentinas contra Buenos Aires. Dias mais tarde, partiu de Itapúa, no Paraguai, coluna composta de 10.500 homens em direção a São Thomé, cidade correntina, diante da vila de São Borja, no outro lado do rio Uruguai, já no Rio Grande do Sul.

A resposta argentina O governo mitrista replicou com declaração de guerra ao Paraguai. Em discurso à população de Buenos Aires, Bartolomé Mitre proclamou que: “[...] em vinte e quatro horas estaremos nos quartéis, em duas semanas estaremos em Corrientes, e em três meses, em Assunção” (THOMPSON, 1968: 54). A obra estava consumada. Esperava-se, entretanto, guerra de solução rápida. Longe da Patria.indb 88

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As aspirações do presidente Mitre de submeter o Paraguai poderiam ser “legalmente” conseguidas. Teoricamente, o tratado da Tríplice Aliança não havia sido ainda acordado. No entanto, nessa época, os governos argentino e imperial já haviam acordado a colaboração para a destruição do governo paraguaio e a imposição de hegemonia compartilhada sobre o país.

O presidente da República Argentina declarou o bloqueio dos portos paraguaios. Para comandar a 1ª divisão do exército argentino, Mitre nomeou o general Wenceslao Paunero [1805-1871], nascido na colônia do Sacramento, então parte do vice-reinado do Prata, radicado em Corrientes. Em 1º de maio de 1865, foi assinado em Buenos Aires o tratado secreto da Tríplice Aliança entre Argentina, Império e Uruguai.

Figura 7 Cenário das primeiras ocorrências Fonte: http://meta-humanas.blogspot.com.br/2010/04/projeto-continentes-americas. html

Em 24 de abril de 1865, partiu de Buenos Aires o primeiro batalhão de tropas portenhas em direção a Corrientes. “Urquiza lançou grandes proclamações e fez declarações enfáticas levando Buenos Aires a crer que no dia 26 haveria de marchar com dez mil homens para socorrer Corrientes”. (THOMPSON, 1968: 65). O general Urquiza mobilizou tropa de dez mil cavalarianos. Entre-

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tanto, essa poderosa força não participaria da guerra, pois os entrerrianos, que não queriam lutar contra os paraguaios, mas contra Buenos Aires, sublevaram-se e debandaram. No interior argentino não havia consenso sobre a necessidade de guerra ao Paraguai, por outro lado a guerra externa fez recrudescer as diferenças internas entre unitários e federalistas. (POMER, 1986). A participação do general entrerriano na guerra resumiu-se ao fornecimentos de cavalos e gado ao exército aliancista, o que lhe resultou em enormes ganhos. (FRAGOSO, 2010: 151; GARMENDIA, 1904: 237).

Figura 8 - Território em litígio entre Paraguai e Argentina Fonte: Adaptado de: WHITE, Richard Alan. La Primera Revolución Popular en America Paraguay (1810-1840) – Assunción: Carlos Schauman, 1989. p.152.

O início das operações Em 21 de fevereiro de 1865, Solano López teria chamado Wenceslao Robles, “comandante del campamento Cerro León”, e vários oficiais, para projetar “la expedición”. (CAPDEVILA, 2010: 347) O general Robles pertencia ao círculo próximo do presidente. Segundo Laurent-Cochelet, ele era “hijo de un pobre agricultor y como le deb[ia] todo al general [Solano] López [...]”. (CAPDEVILA, 2010: 351). Ele era o único general no exército paraguaio depois de Solano López Sul. No exército nacional paraguaio fundado por José Gaspar de Francia, ingressava-se como soldado, alçando-se o oficialato por merecimento. Longe da Patria.indb 90

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Servir no exército, mesmo como soldado, era uma verdadeira distinção. No exército do Império, os postos de oficiais subalternos e superiores cabiam apenas aos membros das elites do país. No Brasil, servir como praça de pré nas forças de primeira linha e como marujos da armada, era atividade dos segmentos vistos como mais degradados da população livre.

Após os primeiros sucessos na campanha contra o Império, obtidas na província de Mato Grosso, o exército paraguaio iniciou suas atividades em território argentino e imperial. Francisco Solano López dividiu as tropas em dois exércitos. “O exército principal, com cerca de 25 mil homens, concentrado em Humaitá, Passo da Pátria, e um exército secundário, de uns 10.500 soldados, igualmente das três armas – infantaria, cavalaria, artilharia.” (MAESTRI, 2012: 17). O primeiro exército, sob o comando de Wenceslao Robles, teve a missão de ocupar Corrientes-Argentina e levantar forças federalistas naquela província e na de Entre-Rios, também na Argentina. O segundo exército foi destinado à invasão do Rio Grande do Sul, através das Missões e da vila de São Borja.

Em 14 de abril de 1865, o general Wenceslao Robles invadiu a província de Corrientes. Seu efetivo, ainda reduzido, era composto de 3.000 homens em cinco vapores. Essa tropa foi reforçada diariamente, chegando a 25 mil em pouco tempo. O governo paraguaio escolheu três correntinos federalistas para governar a província, sob supervisão de José Berges, Ministro das relações estrangeiras.

O ataque a Corrientes e a batalha do Riachuelo O general Robles contava com 25 mil soldados na vila de Corrientes. Recebendo ordens de Solano López, deslocou-se para o sul, em direção a Goya, deixando em Corrientes uma pequena guarnição de 1.500 homens, ao comando do major José Martinez. (THOMPSON, 1968: 67). Em 25 de junho de 1865, o general argentino Wenceslao Paunero comandou expedição de quatro mil homens para reocupar a cidade, transportados pela força naval imperial. A força naval paraguaia em Corrientes compunha-se de apenas um barco de guerra, o Pirabebé. (FRAGOSO, 2010: 74). Em terra, travaramLonge da Patria.indb 91

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se intensos combates, que duraram cerca de três horas. Ambos os lados contabilizaram muitas baixas, tendo o exército paraguaio cerca de quatrocentos mortos e feridos. Thompson propôs que Robles fizera mal em deixar tão reduzido número de homens em Corrientes, o que fizera por ordens de López. (THOMPSON, 1968: 68).

O general Robles chegara em 3 de junho a Goya. Solano López ordenara que avançasse até aquela vila, onde estaria na mesma linha da coluna Estigarribia, que se deslocava para a fronteira do Rio Grande com a Argentina. Após o conflito em Corrientes, Solano López ordenara que o general retrocedesse uns 160 quilômetros para Corrientes.

Sabendo que Corrientes fora retomada pelos paraguaios, o general Wenceslao Robles julgou desnecessária seu retorno, comunicando ao Paraguai que esperaria novas ordens. (FRAGOSO, 2010: 79). Ele estabeleceu-se nas imediações de Empedrado, ao sul da vila de Corrientes, onde permaneceu inativo, até 23 de julho, quando o Ministro da Guerra, general Vicente Barrios, entregou-lhe carta de López de destituição do comando e, a seguir, procedeu a sua prisão. Após a batalha de Corrientes, os navios imperiais continuaram fundeados no rio Paraná, nas proximidades da cidade. Em 9 de junho de 1865, Solano López abandonou Assunção por Humaitá, em meio aos preparativos para combate naval. Em 11 de junho, ocorreria a batalha naval do Riachuelo, quando os paraguaios tentaram surpreender a esquadra imperial e conquistar-lhe alguns navios. A inferioridade naval paraguaia era enorme, sobretudo para combate em distância. (CENTURION, 2005: 207).

A reconquista temporária da vila de Corrientes registrara que o domínio naval do rio Paraná colocava em cheque a invasão da província correntina. O controle naval do rio colocava a ameaça permanente de desembarque de tropas aliancistas na retaguarda paraguaia, cortando as comunicação com o Paraguai. O ataque de Riachuelo tentava mitigar, com a conquista de navios imperiais, o desequilíbrio naval entre os oponentes, segundo parece, desconsiderado inicialmente pelo comando paraguaio.

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Figura 9 - General Wenceslao Robles Fonte: http://www.mec.gov.py/cms/recursos/8437-el-general-wenceslao-robles-fuefusilado-en-paso-de-patria-en-1866.

Era enorme o desequilíbrio, tanto na qualidade dos navios quanto na experiência dos marinheiros. A armada paraguaia contava com nove barcos e 34 canhões. Porém, apenas o Tacuarí era navio de guerra, sendo os outros mercantes artilhados, impróprios para o combate. Não possuía também oficiais e marinheiros experientes em combates. A esquadra imperial era composta de nove vapores de guerra, com 59 canhões, superiores em poder de tiro e precisão. Tratava-se de armada profissional. (THOMPSON, 1968: 72). Os paraguaios propunham-se abordar e conquistar de surpresa os navios imperiais fundeados. Tropas e canhões na margem do Riachuelo apoiariam o combate, após a conquista dos navios. Incidente com um dos barcos paraguaios retardou a expedição e impediu o fator surpresa. Ao avistarem as embarcações inimigas, a armada imperial abriu fogo e, a seguir, perseguiu os navios paraguaios que se retiraram para por-se sob a proteção da artilharia terrestre. O combate se prolongou das duas horas da tarde até a entrada da noite. As perdas do exército imperial foi cerca de 100 homens; os paraguaios teriam perdido duzentos combatentes. Os navios paraguaios foram afundados ou duramente atingidos. O Império manteve pleno domínio da navegação do rio Paraná. (DOMÍNGUEZ, s/d: 113). O resultado da batalha do Riachuelo comprometia as expedições paraguaias no exterior. Entretanto, elas prosseguiram segundo o plano original, sobretudo no que se refere a invasão do Rio Grande do Sul. Longe da Patria.indb 93

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Figura 10 A batalha do Riachuelo Fonte: http://www.histarmar.com.ar/PARAGUAY/BatallaRiachuelo/F14x10.jpg

Destituição de Robles As relações entre Wenceslao Robles e o mariscal deteriorariam-se. Em 20 de junho de 1865, Solano López conferiu ao general a condecoração ao “grado de Oficial de la Ordem Nacional del Mérito”, rechaçada por ele. (DOMÍNGUEZ, s/d: 115) O pedido de Robles para responder correspondências enviadas pelo legionário paraguaio Fernando Iturburu indignou o mariscal, que esperava que rechaçasse publicamente a correspondência. (DOMÍNGUEZ, s/d: 116). O legionário Fernando Iturburu tentou seduzir Robles, levando-o à rendição. Mais tarde, procedeu do mesmo modo, e aparentemente com sucesso, com Antônio de la Cruz Estigarribia, sitiado em Uruguaiana, como veremos. Em 24 de junho de 1865, Solano López adiantava a Luis Caminos, seu secretario e oficial do ministério da Fazenda, sobre a destituição de Robles. Afirmava que “hay mucho tiempo que esa división está inactiva consumiendo su movilidad rodeado y molestado por pequeñas partidas enemigas [...]”. (CHAVES, s/d: 117). Em 23 de julho, o general Vicente Barrios, ministro da Guerra e da Marinha, entregou a Wenceslao Robles ordem de destituição, sendo Isidoro Resquín chamado do Mato Grosso para substituí-lo. Para tal, foi Longe da Patria.indb 94

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elevado ao posto de general. (RESQUÍN, 1996: 30). O general Robles, de volta ao Paraguai, passou por julgamento e foi fuzilado, juntamente com outros seis oficiais, meses mais tarde. Os autos do processo não registram qualquer prova positiva de traição por parte do general. Ao substituir Robles, Resquín nada vez de muito diverso.

Em 3 de outubro de 1865, após o fracasso da operação ofensiva, o exército em operações em Corrientes foi chamado pelo mariscal López de volta para o Paraguai. Composta inicialmente de uns 30.000 homens, a força retornou ao Paraguai “muito diminuída no seu efetivo, mais pelas enfermidades e deserções do que pelos combates” que, em verdade, jamais ocorreram, ao menos, em grandes dimensões. (CERQUEIRA, 1980: 82).

5. INVASÃO DO RIO GRANDE DO SUL A escolha do mariscal Enquanto a coluna de Wenceslao Robles iniciava suas operações em Corrientes, uma segunda coluna, com pouco mais de dez mil homens - infantaria, cavalaria, artilharia - invadiu o Rio Grande do Sul, em São Borja, através das Misiones Orientales. Em 16 de janeiro de 1865, Solano López ordenara ao major Pedro Duarte [1829-1903] que estabelecesse “un campamiento al otro lado del río Paraná, [...] a la izquierda y en la costa del arroyo Pindapoy”, nas imediações da cidade de Candelária, para preparar aquela invasão. Comerciantes correntinos, conscientes dos preparativos da invasão e prevendo bons negócios, abastenciam as tropas paraguaias no acampamento de Pindapoy. Em 17 de abril de 1865, por motivos que desconhecemos, Solano López ordenou a Pedro Duarte que entregasse o “mando del Ejército al teniente coronel Don Antonio de la Cruz Estigarribia”. (DUARTE, 1890). Estanislao Zeballos (1854-1923), político e intelectual argentino, reuniu e produziu farta documentação sobre a guerra da Tríplice Aliança, para livro que jamais escreveu. Parte dessa documentação foi adquirida pelo paraguaio Juan Bautista Gill Aguinaga. Recentemente, organiLonge da Patria.indb 95

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zou-se a publicação de parte dessa documentação, em livro intitulado La Guerra del Paraguay en primera persona: Testimonios inéditos del Fondo Estanislao Zeballos. (2015, no Prelo) Nela, estão disponíveis os relatos, cartas e entrevistas realizadas por Zeballos, em 1887 e 1888, a altos oficiais veteranos paraguaios.

Segundo Zeballos, Pedro Duarte, então general e ministro da guerra, seria um indivíduo de fortes traços indígenas que, assim como seu chefe imediato, Estigarribia, se expressava pensando em guarani e traduzindo ao espanhol. Suas relações com Carlos Antonio e Francisco Solano López eram antigas. Ele teria entrado muito jovem ao serviço militar, em 1844, estando, desde então, próximo aos López. Pedro Duarte seria filho de família crioula de criadores com alguns bens. (AGUINAGA, 2015: 93).

A partir de 1863, gozando de prestígio junto ao governo paraguaio, Duarte foi nomeado comandante de Misiones, Tebicuarí y Paraná, desempenhando, junto com as funções militares, funções civis. Uma das mais importantes e rendosas tarefas de Pedro Duarte era a de inspetor fiscal do comércio de tabaco. Secundo ele, a incumbência fiscal teria rendido bons lucros. (AGUINAGA, 2015: 94).

Salvo engano, são desconhecidos os motivos pelos quais Solano López mudou os planos, retirando das mãos de Pedro Duarte e entregando a Estigarribia o mando das operações no Sul. Essa decisão, talvez nascida do maior grau militar de Estigarribia, pode ter mudado substancialmente o destino daquela operação.

Não podemos precisar qual a relação entre o presidente paraguaio e o tenente-coronel Estigarribia, que orbitava o núcleo central do poder no Paraguai. O certo é que, em 1859, quando da missão de intermediação junto a Mitre e Urquiza, ele acompanhara Solano López na condição de major do exército (O’LEARY, 1970: 71). Pedro Duarte também constava daquela delegação, com a graduação de subtenente. Cogitou-se a hipótese de Antonio de La Cruz Estigarribia ser neto do famoso doutor Juan Vicente Estigarribia, ilustre médico pessoal do primeiro presidente paraguaio, José Gaspar Rodrigues de Francia. Não tendo aquele médico sido pai, possivelmente o tentente-coronel Antonio Estigarribia não tivesse um parentesco direto com o médico. (TESTAMENTO, 1856). Longe da Patria.indb 96

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O homem errado Juan Crisóstomo Centurión [1840-1909] fez parte da leva de jovens que Carlos Antonio mandou estudar na Europa, chamados quando emergiram as desavenças entre o Paraguai e o Império. De volta ao Paraguai, ele integrou o círculo de auxiliares próximos de Solano López, tornando-se coronel durante o percurso da guerra. Após o conflito, escreveu suas Memorias o reminiscências históricas sobre la guerra del Paraguay, a mais importante obra historiográfica produzida por paraguaios coevos ao conflito. Crisóstomo Centurión afirma que “la elección de Estigarribia para encabezar la columna expedicionaria del Uruguay, fue la más desacertada de cuantas en su vida hizo el mariscal [Francisco Solano] López”. Sobre o Estigarribia, disse que, “como militar, no tenía ningún antecedente recomendable a favor de su pericia o de su valor” e que era “hombre rústico, ignorante”. (CENTURIÓN, 1944: 23). Naquele momento, nenhum oficial no Paraguai tinha experiência militar.

O padre franco-brasileiro João Pedro Gay [1815-1891], pároco de São Borja, registrou com riqueza de detalhes a invasão da vila e do RS. Segundo ele, o tenente-coronel Antonio de La Cruz Estigarribia pertencia ao “Partido de Jaguarón, homem de seus quarenta e tantos anos, alto, trigueiro, nem grosso nem delgado de corpo”. Ele falaria mal o espanhol, “expressando-se quase sempre em guarani” (GAY, 1985: 71). É crível que o guarani fosse a língua de comunicação no exército.

Jean Pierre Gay, após ter sido vigário encomendado na vila de Alegrete, “em 1849, naturalizou-se brasileiro e venceu concurso, em setembro do mesmo ano, para vigário colado, ou seja, estável e estipendiado pelo Estado imperial, da matriz de São Francisco de Borja, também na província de São Pedro do Rio Grande do Sul.”(INVENTÁRIO, 1874; MAESTRI, 2013/1: 142).

Em São Borja, como era natural na época, formou família e adquiriu bens materiais significativos, como se pode perceber em seu inventário lavrado por ocasião de seu falecimento. Ele morreu, possivelmente devido à acidente com veículo de tração animal, em 10 de maio de 1891, em Uruguaiana, onde residia desde 1874, quando foi nomeado vigário daquela vila. (MAESTRI, 2013/1: 142; INVENTÁRIO, 1874).

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Figura 11 - Tenente coronel Antoniootnio de la Cruz Estigarribia Fonte:

O insucesso da invasão Após o conflito, a campanha paraguaia em solo correntino e riograndense foi desqualificada e caricaturizada pelos historiadores militares aliancistas. Registrou-se a falta de belicosidade dos soldados paraguaios, taxados de fanáticos, que cumpririam cegamente as ordens do “tirano” Solano López. Os estudos sobre a invasão desconsideraram comumente as razões do consenso ou dissenso dos soldados paraguaios durante as operações, nas duras condições enfrentadas, como importante fator na análise do fracasso ou sucesso da operação.

O Paraguai sofrera importante reordenamento político-social com o fim do período francista. A base social daquele ordenamento, representada pelos pequenos e médios camponeses, fortalecida durante o governo de Francia, foi questionada tendencialmente com a ascensão do rico criador Carlos Antonio López e durante o breve governo de seu filho, como visto. O governo dos López caracterizou-se por adotar tendencialmente liberalismo autoritário como modelo econômico.

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Durante o governo de Francia, praticara-se política de proteção da manufatura interna, com alta imposição de produtos importados, quando produzidos no país, atendendo aos anseios do bloco social que formava a base do governo. A exteriorização da economia, promovida pelo lopizmo, interpretava interesses da classe proprietária da qual faziam parte a família López.

A guerra, sobretudo fora das fronteiras, prejudicava os camponeses, que deixavam os afazeres para engrossar as fileiras militares. Durante o francismo, o exército paraguaio teve experiências desastrosas combatendo fora das fronteiras. Francia optou por não fazer política externa agressiva.

Oposição nas alturas Em 1864-5, a conjuntura política e econômica regional forçara o rompimento de relações entre o Paraguai, a Argentina Mitrista e o Império do Brasil. Solano López não consultou as classes populares, ao decidir a guerra contra a Argentina e o Brasil. Os proprietários paraguaios esperavam que a guerra garantisse e ampliasse a extroversão econômica inaugurada por Carlos Antonio.

A adesão das classes pudentes ao conflito e ao governo não seria total. A oposição ao lopizmo surgira ainda durante o governo de Carlos Antonio. Em março de 1857, quando do congresso que reelegeria o presidente, opositores expressaram-se reclamando que o país deveria “salir de su enclaustramiento, establecer relaciones con sus vecinos, reanudar su comercio, por los ríos [...]”. (CHAVES, 1955: 248).

Os oposicionistas se manifestaram quando da eleição de Solano López ao governo, em 1862, com destaque para seu irmão, como vimos. Segmentos das classes dominantes propunham ordenamento e direção direta e plana do governo, certamente sem a contemporização com as classes subalternizadas. Quando da crise contra o Império, manifestações populares e das elites eram frequentes em Asunción em favor da guerra. Ao ser surpreendido por manifestação ─ certamente fora organizada pelo governo ─ Solano López expressou satisfação em saber que a população paraguaia apoiava a “política del Gobierno”. (CHAVES, s/d: 98). Longe da Patria.indb 99

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Em 16 de março de 1865, o cônsul francês, Lorent-Cochelet, expressando segmentos oposicionistas, com os quais estava vínculo, escrevia que aqueles “que se asocian con la mayor ostentación a todas las manifestaciones patrióticas en favor del Presidente y en contra del Brasil, son quizás quienes tienen el mayor odio y antipatía por el régimen actual y que hacen en secreto los más ardientes votos por un cambio. “(CAPDEVILA, 2010: 355).

Mal equipados, mal treinados e dependentes No Paraguai, às vésperas do conflito, procedeu-se um recrutamento maciço de toda ordem de indivíduos, inclusive de militares da reserva. (CAPDEVILA, 2010: 336). Recrutamento ainda mais abrangente seria o procedido nos anos finais da guerra. Na fase preparatória para a guerra, já havia ordens de recrutamento de militares reformados. O caráter nacional do país e do exército permitia essa rápida e maciça mobilização.

No “Diário Militar” de Estigarribia, obtido pelo exército imperial após sua a rendição, ele relatava que havia pelo menos dois batalhões sob seu comando compostos por velhos ou doentes. Afirmava que tais homens não serviam para a outra coisa do que para os postos de fronteira (ESTIGARRIBIA, 1965: 127). Entretanto, foram enviados ao combate. O que registra que a convocação militar pusera sob tensão, desde o início, os recursos humanos paraguaios. Até a deflagração da Guerra com o Império e a Argentina, o Paraguai não possuía tradição de guerras ou de revoltas internas. O último grande confronto no qual o exército paraguaio envolvera-se havia sido em 1811, quando da expedição malograda para submeter o Paraguai às ordens do governo de Buenos Aires. Naquele então, as tropas paraguaias eram compostas por milicianos, ou seja, pela população, sobretudo camponesa, armada. O caráter pacífico e o isolamento em que esteve o Paraguai por longo período e as dificuldades enfrentadas com comércio e acesso ao mercado mundial contribuíram para a precariedade do armamento do seu exército. O Império do Brasil e as províncias argentinas há muito enfrentavam guerras e revoltas, que contribuíam para uma melhor preparação e armamento. Entretanto, como destacado, aqueles exércitos, com destaque para o Imperial, eram formações pré-nacionais.

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Concentrando as Tropas Solano López iniciara a concentração de tropas para guerra contra a Argentina em torno de janeiro de 1864. Muito antes, portanto, da tomada do vapor Marques de Olinda, em novembro de 1864, e início do conflito com o Império. Tamanha antecedência estaria relacionada com a necessidade de treinar os recrutas. Estigarribia relatou em seu Diário o despreparo dos recrutas que compunham alguns corpos de seu exército. Ou seja, elas eram treinados em marcha. Boa parte do armamento que o exército paraguaio utilizou durante a campanha ofensiva foi obtida no ataque ao sul da província do Mato Grosso (THOMPSON, 1968: 47). No entanto, a deficiência de armamento jamais foi solucionada, tornando-se dramáticas no final da guerra. Cerca de um mês antes da invasão ao Rio Grande, ficou registrado no Diário Militar de Estigarribia a carência de armamentos. Ao ser informado sobre suposta reunião de forças imperiais na localidade de São Borja, teria comunicado a Solano López, em Asunción, que dois batalhões e um regimento não poderiam partir para enfrentar o inimigo por se encontrarem com falta de armas. (ESTIGARRIBIA, 1965: 131).

O exército comandado por Estigarribia ficara cerca de três meses na vila de Encarnação, às margens do arroio Pindapoy, antes de marchar para a localidade de São Thomé, diante de São Borja, na fronteira entre a Argentina e o Império. Certamente devido à falta de armas e de treinamento do efetivo arregimentado. Sobre o recruta paraguaio, o cônsul francês em Assunção afirmava que eram “personas bruscamente arrancadas de sus trabajos y en su mayoría, [...] completamente ajenos a la vida militar.” (CAPDEVILA, 2010: 339).

Entretanto, tradicionalmente, todo o cidadão paraguaio em idade militar conhecia um treinamento precário, como membro das milícias distritais. Serviço militar nacional universal totalmente inexistente na Argentina e no Brasil. O que registrava a modernidade do exército paraguaio em relação à pré-modernidade das forças armadas, sobretudo do Império do Brasil. (COSTA, 1996: 145).

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Um inverno terrível A coluna expedicionária em direção ao Rio Grande do Sul deparouse igualmente com condições climáticas adversas e desconhecidas para muitos de seus integrantes. Em 1865, ocorreu rigoroso inverno. Enfrentar temperaturas negativas era para muitos soldados paraguaios terrível novidade, uma vez que o clima naquele país é ameno em grande parte do ano. O cônsul francês lembrava: “Los soldados paraguayos, cuyo uniforme no consiste más que en una blusa de franela, un pantalón de verano, un poncho con cobertura de lana o de algodón y que van descalzos, sufren terriblemente el frío, al no contar con tiendas ni chozas para acampar.” (CAPDEVILA, 2010: 371).

A temperatura média no Paraguai oscila entre cerca de 22ºC (dezembro, mês mais quente) e 16ºC (junho, mês mais frio). Se considerados somente a capital paraguaia e regiões próximas, de onde saíram parte dos combatentes, observa-se que a média anual é ainda mais elevada, oscilando entre 23,8ºC e 22,2ºC no verão e inverno, respectivamente (). No Rio Grande do Sul, no inverno, podem ocorrer temperaturas negativas.

Contribuindo para as dificuldades do soldado paraguaio aquele inverno foi muito chuvoso. O oficial espanhol León de Palleja [1816-1866] que lutou no exército de Venâncio Flores, anotou, em diversos momentos de seu diário de campanha, os problemas decorrentes das chuvas e do frio para seu exército. Em um dos muitos momentos de queixume, destacou que “en campaña cada aguacero fuerte [era] una derrota”. (PALLEJA, 1960: 34). O clima inclemente, portanto, golpeava, também as tropas aliancistas. Além de enfrentarem condições climáticas adversas, os soldados paraguaios permaneciam com as fardas molhadas, por não possuírem uniformes de reservas e tampouco barracas. Dormiam, depois de longas marchas, protegidos como podiam – pelas carroças e sob as árvores, quando existiam. Os campos de Corrientes e do Rio Grande do Sul não possuíam vegetação que permitisse construir choças. Na região em que as tropas paraguaias invadiram a província do Rio Grande do Sul localiza-se o bioma pampa. Nessa paisagem “predominam os campos, entremeados por capões de mata, matas ciliares e banhados”. (BRASIL, 2014). Longe da Patria.indb 102

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Figura 12 - Extensão do bioma pampa Fonte: http://blog3b2011.blogspot.com.br/2011/08/biomas-cerrado-e-pampa.html

De pé no chão Por escassez de recursos, os soldados paraguaios não possuíam sapatos, inabituais entre as comunidades camponesas. As botas e sapatos foram fornecidos aos oficiais, no início do confronto. (THOMPSON, 1968: 59). Nas condições climáticas encontradas no teatro de operações, as deficiências em suprimentos básicos e meios de locomoção dificultavam as manobras.

Solano López esperava que os exércitos se apetrechassem e se abastecessem em marcha, com os recursos locais. A célebre proposta napoleônica da guerra alimentar a guerra não era adaptada para a região, como não o fora quando da invasão da Rússia. As regiões percorridas pelos exércitos paraguaios em Corrientes e Rio Grande do Sul possuíam em abundância apenas gado vacum e cavalar – tudo mais era escasso ou inexistente.

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Figura 13 - Soldados Paraguaios mal vestidos para enfrentar o frio Fonte: Soldado cavalaria paraguaio em Paso de los Libres. Desenho produzido a partir dos mais diversos relatos dos participantes da Guerra. Cedido pelos autores historiadores argentinos, HAIG CHALKIAN & TOMAS FERNANDEZ.

A difícil situação do exército paraguaio motivou baixas numerosas por motivos banais: doenças, ferimentos, frio, etc. Em correspondência, Estigarribia anotou em diversos momentos a morte de soldados por pneumonia, devido às péssimas condições do tempo. Não raras vezes, havia mortes por diarreia, o que eram chamadas de mortes repentinas. (ESTIGARRIBIA, 1965: 132). O drama com o frio assolou também o exército imperial. Em Dayman, vila oriental na margem esquerda do rio Uruguai, soldados brasileiros teriam morrido em decorrência do frio. Lógicamente, os “soldados brasileños del norte del Imperio eran los que más sufrían” (GARMENDIA, 1904: 226). Entretanto, os imperiais podiam repor as tropas com maior facilidade que os paraguaios, impossibilitados, a partir de certo ponto da ofensiva.

Em suas Reminiscências da Campanha do Paraguai, o jovem cadete Dionisio Cerqueira [1847-1910] registrou situações nas quais companheiros de farda, sobretudo do norte no Império, sofriam com as baixas temperaturas. Escreveu que havia um “batalhão de voluntários da páLonge da Patria.indb 104

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tria paraenses que desapareceu pela brusca troca do clima [...]”. (CERQUEIRA, 1980: 65).

Pés congelados Sobre as dificuldades impostas aos soldados pelo clima e relevo da região, Palleja afirmou que “sólo infanterías montadas o perfectamente calzadas podrían atravesar impunemente estas tierras tan impregnadas de agua [...].” (PALLEJA, 1960: 38). O coronel espanhol reclamava do tipo inadaptado, e não da inexistência, de caçados nas tropas aliancistas.

Em 20 de setembro de 1865, após a rendição paraguaia em Uruguaiana, o ministro da Guerra Ângelo Moniz da Silva Ferraz [18121867] ordenara minuciosa inspeção de saúde dos doentes internados na vila. Entre outras doenças, registraram-se com frequência a tuberculose, doenças do sistema respiratório e grande número de gangrenas nos pés em função do congelamento (ORDEM DO DIA, 1865). O soldado imperial, de linha ou da guarda nacional, ainda que precariamente, usavam sapatos. Mesmo assim, o rigoroso inverno causou-lhes sérios problemas de congelamento.

Era precário o armamento utilizado pelo exército paraguaio. O Paraguai não possuía indústria capaz de fabricar armamentos, à exceção da fundição de ferro Ibicuy, que produzia, sobretudo canhões já anacrônicos, facões, baionetas, etc. Havia arsenal em Asunción, para terminar os canhões produzidos na fundição, consertar armas, etc. Enquanto o armamento aliancista aumentava e modernizava-se, o paraguaio diminuía e tornava-se anacrônico. (CHAVES, 1955: 190). O batalhão da infantaria que se encontrava em Humaitá usava fuzis raiados, de maior precisão. Todos os outros batalhões usavam fuzis de percussão, de chispa e de pederneira, de canos lisos (THOMPSON, 1968: 58). O exército paraguaio contou, entretanto com importante armamento recolhido quando da invasão do Mato Grosso, dividido entre os exércitos de Robles e Estigarribia. No final da guerra, a diferença de armamento era abismal, contando os imperiais com fuzis e carabinas de repetição e os paraguaios com antigos fuzis de chispa e alguns poucos de fulminante. O poder efetivo dos primeiros era de quatrocentos e mais metros; do segundo, uns cem metros! Longe da Patria.indb 105

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Após o início da guerra, o governo paraguaio estava, por seu isolamento, impossibilitado de adquirir no mercado internacional os armamentos que necessitava. “Durante o conflito, o Paraguai teria recebido apenas algumas poucas armas através da fronteira boliviana”. (MAESTRI, 2013/1: 120).

Em Guerra do Paraguai, George Thompson propôs que aquele exército dispusesse, inicialmente de cerca de 80.000 homens das armas da cavalaria, infantaria e artilharia. Avaliação talvez superestimada. O número de oficiais era reduzido, uma vez que “López [era] muito parcimonioso em suas promoções”, e, sobretudo, não havia escolas de oficiais. Em seu livro, redigido antes do fim da guerra, Thompson, obrigado a justificar sua participação ao lado do Paraguai, foi muito crítico a Solano López, já irremediavelmente derrotado. (THOMPSON, 1968: 57). A baixa qualidade técnica e de recursos do exército paraguaio era conhecida. Em 30 de agosto 1864, após o protesto de Solano López à intervenção imperial no Uruguai, o então ministro do Império na capital paraguaia, Cesar Sauvan Vianna de Lima [1824-1897], sugeriria que se ignorasse a nota paraguaia. O ministro propôs que o exército de Solano López não oferecia perigo, desqualificando-o devido à falta de organização, de armamento e de oficiais competentes (NABUCO, s/d: 182). Não compreendia, entretanto, a superioridade do exército nacional paraguaio sobre as tropas imperiais, pré-nacionais.

Artilharia e marinha paraguaia Segundo George Thompson, havia três regimentos de artilharia a cavalo, cada um composto de quatro baterias de seis canhões. Havia uma bateria de canhões de aço, raiados, com projéteis de 12 libras; os restantes eram de todos os tamanhos, formatos, pesos e metais imagináveis, variando os calibres entre 2 e 32 libras. A maior parte tinha sido recentemente montada em Assunção. Para Thompson, “a maior parte da artilharia paraguaia compunhase de velhos e carcomidos canhões de ferro” de alma lisa (THOMPSON, 1968: 58). E o número de canhões de todos os calibres então existentes no Paraguai não ultrapassava 400. A esquadra paraguaia era arma extremamente importante para campanha, que dependia fortemente do controle dos rios Uruguai, Paraná e Paraguay. Longe da Patria.indb 106

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Sobre a marinha de guerra paraguaia, Thompson lembrava: “[...] compunha-se de dezessete pequenos vapores, todos de passageiros, com exceção do Añambay e do Tacuarí, ambos construídos como canhoneiras. Eram todos armados com canhões não raiados, de calibre entre 4 e 32 libras. O Jejuí tinha uma peça calibre 12, raiada, de carregar pela culatra.” (THOMPSON, 1968: 59).

A superioridade armamentista imperial em ralação ao Paraguai era grande e se tornou imensa quando do fim do conflito. Desde os anos 1850, houve reaparelhamento no exército imperial e tentativa de modernização das forças armadas, que se frustrou fortemente devido ao caráter pré-nacional da formação social escravista brasileira. Sob o comando do então marquês de Caxias, ministro do Exército, o Império adquiriu, sobretudo, na França e Bélgica, novos armamentos. Foi também quando desse processo de reorganização do exército imperial que se adquiriu os modernos foguetes de Congreve, usados pela primeira vez pelo exército brasileiro na guerra contra Rosas (1852). (CASTRO, 2002, s/p).

A precisão da artilharia paraguaia, registrada por Thompson e tantos outros observadores, devia-se à qualidade dos artilheiros. Ao contrário, a moderna artilharia imperial produziu resultados muito aquém dos esperados. Possivelmente devido à baixa qualidade dos praças de pret e sub-oficiais prestando serviço nessa arma. Nas forças armadas paraguaias, uma parte substantiva dos praças de pret sabia no mínimo ler. Soldados alfabetizados eram raros nas tropas argentinas e praticamente inexistentes, nas imperiais.

Um exército inexperiente O exército paraguaio não estava completamente formado e treinado ao iniciar as hostilidades. As fáceis vitórias conseguidas no sul do Mato Grosso elevaram o moral do exército, mas as condições no sul seriam diferentes. Solano López conhecia as dificuldades que seus soldados enfrentariam na ofensiva em direção ao sul. Em abril de 1865, Solano López proclamou às tropas da divisão do sul que invadiriam a Argentina: “[...] hace veinte años combatías sobre el mis-

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mo suelo argentino por vuestra Independencia, amenazada por el Gobernador de Buenos Aires, ahora vais a combatir por el sostenimiento de esa misma independencia, por el mantenimiento del equilibrio de los poderes y por la tranquilidad de vuestros hogares.” (CHAVES, s/d: 115). Sobretudo, Solano López prometeu: “[…] vuestra campaña no será larga y vuestros triunfos habrán afianzado para siempre el porvenir y la grandeza de la Nación” (CHAVES, s/d: 115). Ou seja, tentou assegurar aos conscriptos que retornariam rapidamente ao país. Certamente temia os sucessos com que se deparara, ainda jovem, quando da insurreição das suas tropas, durante a campanha contra Rosas, em aliança com a província de Corrientes.

O coronel León de Palleja defendia claramente a imperícia para guerra dos soldados paraguaios. Conta que em agosto de 1865, quando o seu batalhão Flórida se encontrava a boa distância de Paso de los Libres, local da batalha do Jataí (17 de agosto de 1865), recebera notícias de escaramuça entre as colunas dos coronéis argentinos Simeon Paiva [1804-1877] e de Isidoro Fernández Reguera [1816-?], com os paraguaios. Naquele confronto, os aliancistas teriam perdido apenas um soldado ferido, enquanto que os paraguaios contabilizaram quinze mortos, entre eles um oficial. Era tamanha a confiança que León de Palleja tinha na vitória que escrevera que a dança sobre os paraguaios havia iniciado. (PALLEJA, 1960: 71) Continuando sua análise sobre o exército paraguaio, dizia: “[...] después de tanto barullo, prueban que no son más que unos pobres diablos; veremos a ver que tal os batís” (PALLEJA, 1960: 76).

Longe dos combates Possivelmente, Francisco Solano López foi o único a saber o plano de guerra a ser desenvolvido pelo exército invasor. Ele concentrava a autoridade suprema no Paragua, tanto política quanto militar. O coronel J. Natalicio Gonzales, que anotou a edição da obra de Juan Crisóstomo Centurión, destacou que possivelmente nem mesmo os comandantes Longe da Patria.indb 108

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das divisões do exército Wenceslao Robles e Antonio Estigarribia estavam a par “de la idea estratégica del mariscal”. (CENTURION, 2005: 234). Uma das possíveis causas da centralização das atividades bélicas nas mãos de López pode ter sido a sua falta de confiança em seu exército e comandantes, além da subestimação de suas capacidades. O autoritarismo da ordem política paraguaia apontava também naquela direção. Havia total dependência dos comandantes paraguaios em relação às ordens do mariscal. Mesmo em questões corriqueiras do dia-a-dia, era necessário o seu aval. Realidade que também comprometeu a campanha no exterior.

A centralização do comando nas mãos de López, distante do teatro de operações, acarretava enormes dificuldades na campanha ofensiva. Desconhecendo a dinâmica da guerra sobre o terreno, Solano López incorreu em sérios erros de orientação, que ajudaram a comprometer campanha já por si extremamente arriscada. Segundo o coronel Silvestre Aveiro, isso teria desagradado Wenceslao Robles que “hacía movimientos exigidos por las fuerzas enemigas, y después recibía órdenes contradictorias”. (MAESTRI, 2013/1: 135).

Em seu Diário militar, Antonio Estigarribia relata que estavam morrendo muitos integrantes do seu exército e que mandara abrir novas valas nos fundos do cemitério da vila de Encarnação onde estavam concentrados. Estigarribia conclui dizendo que mandou enterrar os mortos, mas que esperava “a ordem de [Solano López] para benzer a área acrescentada”. (ESTIGARRIBIA, 1965: 132).

Evitando os confrontos Em 10 de junho de 1865, ao ingressarem em território brasileiro, é crível que morrer em combate era a última coisa que boa parte aquele exército queria. São muitos os registros de falta de combatividade, de fuga ao confronto ou mesmo de rendição sem dar luta. Parte do exército estava comprometido com as ordens de López, no entanto, os descontentes não seriam poucos. Os 1500 homens da vanguarda paraguaia, ao aproximarem-se da vila de São Borja, ainda no distrito de São Thomé, na Argentina, causaLonge da Patria.indb 109

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ram alarme ao coronel argentino Simeon Paiva, que ali se encontrava. O coronel imperial Antônio Fernandes Lima [1803-1875], experimentado militar das guerras do Prata, organizou quinhentos homens para atacá-los, em associação com os mitristas. Os paraguaios, ao saberem de possível aproximação da força imperial, teriam fugido deixando para trás o assado que preparavam. (GAY, 1980: 27).

Em seu registro quase instantâneo dos acontecimentos, João Pedro Gay anotou que “o inimigo não quis apoderar-se deles”. Falava sobre o não avanço paraguaio sobre a vila ainda no dia 10 de julho. No mesmo dia, como veremos oportunamente, as forças paraguaias poderiam ter investido contra São Borja e feito quanto quisessem prisioneiros. Porém não o fizeram. (GAY, 1980: 60). Após permanecerem nas imediações de São Borja, dominada, por nove dias, os paraguaios seguiram para a vila de Itaqui. O corpo comandado por Estigarribia seguia pela margem esquerda do rio, enquanto outra coluna, composta de 3.000 homens, comandada pelo major Pedro Duarte, seguia paralelamente na margem argentina. Em 26 de junho, vanguarda paraguaia foi surpreendida por tropas imperiais ao perseguir famílias fugidas pela estrada de Alegrete. Devido ao número superior de imperiais, os paraguaios teriam tentado rendição, não aceita, antes de empreenderem a fuga. (GAY, 1980: 96).

O exército comandado por Estigarribia e Duarte dirigiu-se para Itaqui, onde saquearam moradias e casas comerciais. As ordens de Solano López eram para que esperassem naquela localização suas instruções, já que possivelmente pretendia que marchassem para Alegrete. Descumprindo essas instruções, a coluna seguiu para Uruguaiana, onde entraram, em 5 de agosto, sempre acompanhada, na outra margem, por Pedro Duarte e seus homens, como observaremos em maiores detalhes a seguir.

Deserções Costuma-se registrar as deserções ocorridas no exército paraguaio desde a entrada em território argentino. No entanto, as partes de Antonio Estigarribia registram que as deserções ocorriam com frequência já antes de partirem do Paraguai. Em registro, na vila de Encarnación, o oficial anotou “continuas deserções” que o levaram a redobrar a vigiLonge da Patria.indb 110

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lância em passos e caminhos que servissem de rota de fuga. (ESTIGARRIBIA, 1965: 127)

As deserções no exército paraguaio causavam grande preocupação. Na esperança de coibir os casos de fuga, Solano López dera ordens para que executassem os desertores capturados. Em seu Diário de campanha, Estigarribia descreveu com detalhes o cumprimento daquelas ordens, registrando a execução de desertor na presença de todas as forças. Fora o padre Santiago Esteban Duarte López que se encarregara de enforcar o condenado. (ESTIGARRIBIA, 1965: 129).

Ações enérgicas não solucionaram o problema. Constantemente anotava-se a fuga de soldados. Tradicionalmente, os soldados fogem quando ainda se encontram próximos de suas regiões de origem. Não distantes do Paraguai, os paraguaios debandavam com relativa frequência. Porém, segundo parece, as deserções aumentavam à medida que se adentrava o território inimigo, possivelmente devido às enormes precariedades das condições de existência. Dias após a derrota das forças do major Duarte em Restauración, notou-se relativa aproximação entre alguns oficiais aliancistas e o comando paraguaio. León de Palleja anotou em seu Diário que havia clima amistoso entre os exércitos beligerantes. O oficial uruguaio relatou que alguém que presenciasse aquelas cenas poderia duvidar que se tratasse de exércitos opositores. Nesse ambiente onde uns não queriam atacar e outros não queriam guerrear iniciaram as tratativas de rendição. (PALLEJA, 1960: 97).

Consta nos registro do cônego Gay que oficiais paraguaios não eram a favor da rendição. Segundo parece, era a tropa que parecia mais disposta a entregar-se. Em 17 de setembro, véspera da rendição, dois desertores paraguaios afirmavam que “havia grande descontentamento na tropa” e que “manifestava disposição de não querer brigar”. (GAY, 1980: 132). O tenente Francisco Balbuena, comandante do batalhão nº 31, confessou posteriormente sobre plano para matar o frade Esteban Duarte López e Antonio Estigarribia, caso resistissem à rendição (GAY, 1980: 135). Talvez não houvesse consenso na tropa sobre a expedição ao exterior. Parte dela não compreenderia o sentido da intervenção militar. Os camponeses não viram vantagem alguma em conflito que lhes afastava Longe da Patria.indb 111

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de suas terras. Seu consenso devia ser mantido pela disciplina, que fraquejava nas condições adversas. Nos últimos dias antes da capitulação, a defesa paraguaia deixou aproximar-se de suas fortificações as forças aliadas, com sua artilharia, sem qualquer movimento de hostilidade (GAY, 1980: 132). Segundo Palleja, “en la plaza reina[ba] la desmoralización y escasea[ban] los víveres ya. Ha[bia] una gran parte de la guarnición que esta[ba] por la capitulación y otra por la resistencia” (PALLEJA, 1960: 130).

Por outro lado, partidários de Solano López e de sua política de externar a economia do Paraguai mantinham firme o propósito de levar a guerra à Argentina e ao Império. Inicialmente, em suas respostas às injunções de rendição, Estigarribia – ou, em seu nome, o padre Duarte López – declara preferir morrer combatendo a se entregar e que sua resistência seria heróica, como veremos. Porém, os paraguaios não se preparavam para resistir.

A vila de Uruguaiana estava “protegida” por fortificações feitas a mando de Canabarro, antes da invasão da vila – fortificações que o próprio Canabarro desaprovara por sua precariedade. Elas foram apenas melhoradas por Estigarribia. León de Palleja anotou em seu Diário a precariedade da defesa paraguaia e propôs que “nada había [sido] preparado para una resistência espartana” (PALLEJA, 1960: 143).

Também aliancistas A deserção aliancista também foi frequente, registrando igualmente o consenso relativo sobre a guerra. León de Palleja registrou sua indignação com as constantes deserções ocorridas em seu batalhão. O oficial espanhol defendeu que “la deserción, durante algunos años debe ser castigada con la última pena (morte) si se quiere tener ejército” (PALLEJA, 1960: 18). León Palleja anotava com frequência a fuga de soldados de sua divisão, o batalhão Florida. Em um desses casos, o oficial reclamava seguramente de seus superiores, por terem arregimentado bandidos para compor o exército (PALLEJA, 1960: 78). Os bandidos eram soldados blancos presos, principalmente das localidades de Salto e Paysandu, no Uruguai, que resistiram intensamente ao avanço das tropas de Venâncio Flores e do Império do Brasil, um ano antes, quando os orientais nutriam espeLonge da Patria.indb 112

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ranças de contar com a ajuda paraguaia. (PALLEJA, 1960: 78).

Os uruguaios resistiam à incorporação involuntária. Os presos e convocados à força tinham na fuga meio de livrarem-se da prisão e das filas do exército. Segundo Palleja, o exército uruguaio era composto basicamente pela “peor clase”, ou seja, as populações marginalizadas. Uma “canalla hija del rigor, que no tiene apego a la bandera que deshonra, ni sabe valorar la noble misión que es llamada” (PALLEJA, 1960: 17). O oficial não compreendia o desinteresse de soldados que lutavam por uma causa que não era sua, sem compreender as razões do conflito. Um exército que passava fome, frio, enfermidades. Do ponto de vista das tropas, os exércitos uruguaio e paraguaio (sobretudo em sua ofensiva) assemelham-se quanto às condições de sobrevivência e resistência em guerra indesejada e incompreendida.

Entender as razões dos insucessos paraguaios na campanha ofensiva demanda análise para além das questões puramente militares. Impõe visitar a história da formação social paraguaia e de suas contradições. Os soldados paraguaios, distante da terra natal, enfrentando problemas de todas as ordens, possivelmente utilizaram-se das “armas” que dispunham para oporem-se a uma guerra que não desejavam.

Mariscal como estratega Ao iniciar a guerra, Solano López não arredou o pé do Paraguai. O que foi interpretado pela historiografia anti-lopizta como sinal de temor ou inabilidade para a guerra. Ele possivelmente não desejava se afastar da capital, onde ocorriam problemas de ordem interna, sobretudo temendo conspirações contra seu governo. (MAESTRI, 2013/3). Nessa época, o governo já se deparava com forte oposição. O diplomata francês Laurent-Cochelet foi claro ao afirmar que, com tantos problemas internos com a classe proprietária do Paraguai, “parece imposible que el general López sueñe con alejarse para tomar la dirección de un ejército.” (CAPDEVILLA, 2010: 302). Solano López abandonou Assunção, mas limitou-se a comandar o exército desde Humaitá. (CHAVES, s/d: 116).

Um importante handicap negativo foi seu afastamento do campo de batalha, sobretudo se tratando de exército mal treinado, mal equipado Longe da Patria.indb 113

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e com consenso possivelmente dividido. A centralização das ações táticas, transformando os comandantes em simples executores, foi nociva ao bom andamento das operações. Estigarribia e Robles demoravam-se à espera de ordens do distante quartel general.

As habilidades guerreiras do mariscal eram também deficientes. Em O expansionismo brasileiro e a formação dos Estados na Bacia do Prata (1995), Moniz Bandeira lembrava que Solano López “não possuía sequer vivência de Guerra.”(BANDEIRA, 1995: 182) Partira antes para a guerra mas jamais combatera efetivamente. Sem serem estrategas brilhantes, seus opositores tinham larga experiência militar - Bartolomé Mitre; Venancio Flores; Osório; Caxias, etc. Foi inabilidade militar de Solano López negar ajuda ao governo blanco, que resistia ferreamente as investidas de Flores e do Império. A força que deveria guarnecer a província do Rio Grande do Sul era precária e o exército imperial encontrava-se em território uruguaio e de onde não sairia antes da resolução dos problemas, com a deposição do partido blanco. (BRAY, s/d: 185).

A ofensiva paraguaia no Rio Grande do Sul foi eivada de precipitações e erros estratégicos. Em correspondência a Urquiza, o general Mitre definiu que “o grande erro dos paraguaios foi dividirem as suas forças, invadindo o nosso território pelo [rio] Paraná e pelo [rio] Uruguai, deixando entre uma e outra coluna grande extensão de território cheio de dificuldades para que ambas se reunissem em um ponto”. (FRAGOSO, 2010: 163). O verdadeiro passeio das tropas paraguaias no Rio Grande do Sul até Uruguaiana deveu-se essencialmente à negativa de opor resistência das desorganizadas e mal armadas forças da Guarda Nacional riograndense, comandadas por oficiais militares habituados a confrontos menores com tropas irregulares e não com exércitos nacionais, como o paraguaio. (COSTA, 1996: 143-188).

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6. A marcha sobre Corrientes e o Rio Grande do Sul São Borja A constituição do povoado de São Borja esteve ligada ao desenvolvimento das reduções jesuíticas do Tape e aos ataques pelos bandeirantes paulistas, que forçaram a retirada dos padres e guaranis para margem direita do rio Uruguai. (COLVERO, 2004: 63). Em 1682, uns 2.000 indígenas conduzidos por jesuítas dirigiram-se à margem esquerda do rio Uruguai, para fundar uma nova redução. Depois de levantarem uma igreja improvisada, casas para os nativos e oficinas de trabalho, a redução foi batizada como “San Francisco de Borja”. Em 1833, o viajante francês Arsène Isabelle [1807-1888] esteve em São Borja. Ele registrou em Viagem ao rio da Prata e ao Rio Grande do Sul (1830-1835) que a redução de São Borja fora fundada “por alguns colonos da povoação de São Thomé, porque a tática […] dos reverendos padres era empregar um certo número de habitantes de uma antiga aldeia de índios como núcleo da nova povoação”. (ISABELLE, 1983: 197).

Entre 1753-1756, ocorreu a guerra guaranítica, a qual seguiu a expulsão dos jesuítas da América. O processo econômico-social desenvolvido nas Missões foi interrompido e paulatinamente os povos entraram em decadência. A igual do restante das reduções jesuíticas, após a saída dos padres, em São Borja reinou o abandono e o saque da redução. Em 1768, São Borja passou a ser governada por espanhóis. Foram realizadas mudanças profundas negativas em relação ao comando jesuíta. Em 1801, as Missões passaram para o domínio português e São Borja teve relativa importância no processo de ocupação da região sudoeste da província de São Pedro.

Em uma região de fronteira, de constante disputa, era necessário a garantia do território através da ocupação. Após passar para a coroa portuguesa, ela tratou de afirmar sua posse sobre o território concedendo sesmarias. Segundo Ronaldo Colvero, “a região em questão era composta por campos extensos com pouco povoamento e não havia um exército para defesa dos limites de fronteira” (COLVERO, 2204: 35). No oeste do Rio Grande do Sul, as regiões de São Borja, Itaqui e Uruguaiana passaram por semelhante ocupação, na qual se agraciou comuLonge da Patria.indb 115

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mente militares com enormes porções de terras, que dariam origem mais tarde aos latifúndios. A grande propriedade ganhou força com a lei de terras de 1850 que legitimava enormes posses e excluiu os despossuídos que não tinham condições para legalizar as nesgas de terras que ocupava.

Comércio importante A ocupação da região pelos luso-brasileiros proporcionou o empobrecimento e destruição das Missões Orientais com uma gradativa diminuição das populações indígenas e o abandono da produção. O que restava da população nativa missioneira deixaria a região com Rivera, no fim da guerra de independência da Banda Oriental. As casas que antes pertenciam aos indígenas guaranis foram ocupadas, sobretudo, por comerciantes. (COLVERO, 2004: 66). Segundo Arsène Isabelle, o povoado ficava distante cerca de quatro quilômetros do porto, que segundo ele era apenas “uma clareira escarpada, aberta no meio do mato, e bastante incômoda para os comerciantes que têm mercadorias a embarcar ou desembarcar. O terreno é de argila amarela e de terra limosa, causada por aluvião recente”. (ISABELLE, 1983: 193-194).

Durante a primeira metade do século 19, São Borja fez parte de um sistema comercial relativamente intenso, juntamente com Itaqui e Uruguaiana, duas vilas igualmente ribeirinhas ao rio Uruguai. Mantinham contato comercial direto com as localidades regionais, sobretudo, platinas. Os comerciantes ali presentes importavam e exportavam mercadorias através daqueles portos.

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Figura 14 - Principais portos do rio Uruguai na segunda metade do século 19. Fonte: MEDRANO, Lilia Inês Zanotti de. In: COLVERO, Ronaldo. Negócios na Madrugada: O comércio ilícito na fronteira do Rio Grande do Sul. Passo Fundo: ed. UPF, 2004. pág. 98

Os portos das vilas de Itaqui, São Borja e Uruguaiana tiveram significativa importância para o desenvolvimento do comércio entre o Império e o Prata naquele período. As mercadorias que chegavam até aqueles portos eram redistribuídas para as povoações do interior do Rio Grande do Sul e do Brasil.

Mário Maestri lembra que São Borja era “mais do que uma simples aglomeração perdida no noroeste sulino. Por décadas, o primeiro dos Sete Povos Missioneiros fora a principal ligação comercial do Paraguai com o Brasil e com o exterior”. As trocas com o Paraguai duraram até 1852, quando o comércio pelo rio Paraguai e Paraná foi aberto aos paraguaios, após a queda de Rosas. (MAESTRI, 2013/1: 142; COLVERO, 2004: 67). A partir da segunda metade do século 19, a produção fabril europeu entrou em forte aceleração. Os países industrializados concorriam entre si por mercados e matérias primas. Na divisão internacional do trabalho de então, o Brasil escravista inseria-se como produtor de matéria Longe da Patria.indb 117

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prima e importador de manufaturados. O norte do Rio Grande do Sul, inicialmente relegado no processo de ocupação do território, ativou-se como centro de redistribuição de mercadorias.

A vila de São Borja era pequena e ativa povoação à época da invasão paraguaia. Segundo o major Souza Docca, que anotou a célebre obra do padre João Pedro Gay, ela tinha apenas onze ruas, uma praça e, à frente da mesma, uma igreja matriz, como habitual nas aglomerações ibéricas. (DOCCA, 1980: 69). Foi impossível apurar com exatidão o número de habitantes de São Borja em 1865.

São Borja, primeiro dos sete povos das Missões Orientais, não registra monumentos como as igrejas de São Miguel e Santo Ângelo, essa reconstruída. Quando aconteceu a invasão, uma igreja estava sendo construída, pois a de origem jesuítica fora destruída. Sobre a nova igreja, o conde d’Eu registrou que era pobre, apesar de o padre Gay ter tentado reunir os objetos de arte jesuítica para ornar a mesma. (d’Eu, 1980: 116). Encontra-se no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, na coleção Padre Gay, junto a protesto contra o abandono de São Borja, atribuído ao referido padre, documento, escrito possivelmente pelo cônego da vila, referindo-se ao possível número de habitantes em São Borja em 1855 - “911 casas com 2001 habitantes”. (COLEÇÃO, 1855).

População de São Borja Como proposto, não temos documentação confiável sobre o número de moradores em São Borja em 1865. Porém, sabemos que as povoações da fronteira oeste do Rio Grande do Sul registraram crescimento econômico na primeira metade do século 19, atraindo pessoas de outras localidades e países interessados no comércio ali praticado. Porém, esse comércio decresceu, como veremos. Isso pode ter significado a diminuição populacional.

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Tabela 2 - Importações realizadas pelas alfândegas do rio Uruguai de procedência do rio da Prata (1850-1866)

Ano SÃO BORJA

ITAQUI

URUGUAIANA

1850- 51.....................47:096$000

-

46:737$000

1852- 53.....................64:282$000

-

116:078$000

1851- 52..................... 46:737$000 1853- 54..................... 1854- 55..................... 1855- 56..................... 1856- 57..................... 1857- 58..................... -

1858- 59..................... 4:786$000

1859- 60..................... 11:976$000 1860- 61..................... 1861- 62..................... 1862- 63..................... 1863- 64..................... 1864- 65..................... 1865- 66..................... -

-

31:868$000 9:238$000 -

64:282$000

103:847$000 100:086$000 296:990$000 465:046$000 748:373$000 448:856$000 456:245$000 397:847$000 176:055$000 -

125:134$000 229:215$000 236:413$000

Fonte: Relatórios apresentados pelos presidentes da província do Rio Grande do Sul à Assembleia Provincial, 1850- 1881, Biblioteca Nacional, RJ. Em: COLVERO, Ronaldo. Negócios na Madrugada: O comércio Ilícito na Fronteira do Rio Grande do Sul – Passo Fundo: UPF, 2004 pág. 116 Nota: Os valores estão expressos em $réis.

Apesar do caráter lacunar da informação que dispomos, era importante o volume comercial nas vilas do litoral sudoeste da província do Rio Grande do Sul, com destaque para Uruguaiana, tanto na importação como nas exportações de mercadorias. Entretanto, desde 1862 aquele comércio estava em retrocesso.

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Figura 15 - A vila de São Borja FONTE: Atlas histórico da Guerra do Paraguay. Organizado pelo 1º tenente E.C. Jourdan. Publicado na Lithografia imperial de Eduardo Rensburg. Rio de Janeiro, 1871 p.13

Em 10 de junho de 1865, do lugar chamado “Hormiguero”, na localidade argentina de São Thomé, parte da coluna do exército paraguaio comandado por Estigarribia cruzou o rio Uruguai em direção de São Borja, iniciando a invasão da província do Rio Grande do Sul. Dias antes, uma vanguarda fizera reconhecimento do terreno e obtivera informações do lado brasileiro, enquanto esperavam a travessia do grosso das tropas. O tenente-coronel Antonio de la Cruz Estigarribia trazia ordens de Solano López de invadir o território brasileiro por Garruchos, povoado argentino localizado ao norte de São Borja. (GARMENDIA, 1904: 248).

A vanguarda era comandada pelo major Pedro Duarte. Essa força compunha-se de “4.800 soldados de infantaria”, “2.400 de cavalaria, 50 carretas com 6 ou 8 peças de artilharia e com uma grande porção de canoas”. (GAY, 1985: 34). Antes da invasão, o comando paraguaio contava com um ativo corpo de espiões que, se passando por correntinos, cruzava com facilidade o rio Uruguai para obter informação necessária sobre os povoados e tropas brasileiros. (AGUINAGA, 2015: 95). As duas forças reuniram-se em território correntino, diante da vila de São Borja, onde receberam ordens de Solano López de novamente

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dividirem-se em duas colunas. Pedro Duarte deveria conduzir cerca de 3.000 homens pela margem direita do rio Uruguai, com o objetivo, segundo Garmendia, de arrebanhar gado. Estigarribia e 7.500 homens invadiriam o Rio Grande do Sul e costearia a margem esquerda, em direção ao sul (GARMENDIA, 1904: 268). Como vimos, a divisão do exército paraguaio, em duas colunas, teria sido um erro irremediável, desde o seu início, caso a armada imperial tivesse imposto seu domínio sobre o rio Uruguai, o que não fez. As duas unidades, raramente “podían verse una a otra, un hecho que hacía imposible cualquier operación conjunta” (WHIGHAM, 2011: 372).

Em 10 de junho, já em território rio-grandense, ocorreram escaramuças entre as reduzidas forças de defesa imperiais e o exército paraguaio. As forças da Guarda Nacional que protegiam São Borja tiveram cerca de vinte baixas. Calculam-se em uns 4.000 os paraguaios que transpuseram o rio Uruguai naquele dia. Mesmo assim, hesitaram em invadir imediatamente a cidade, esperando que todo o exército concluísse a passagem, o que foi feito em 12 de junho.

Forças imperiais na fronteira... No Império, antes da Guerra com o Paraguai, as tropas de primeira linha, ou seja, o exército imperial, sob o comando do ministro do Exército, era diminuto e mal aparelhado, tendo uns 18.000 homens de todas as armas. Por sua vez, a Guarda Nacional, possuía cerca de 440 mil homens em 1865, na ativa e na reserva. (BEVERINA, 1921/1: 215-216).

Após a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro (1808), a província do Rio Grande passou a ter função estratégica para as pretensões dos lusitanos no Prata. A anexação do Uruguai como província Cisplatina (1821) contou com forte apoio dos estancieiros escravistas sulinos. Mesmo após a independência do Uruguai, em 1828, a província continuou sendo fundamental para as aspirações hegemônicas do Império na região. Forças sulinas estiveram presentes em importantes campanhas militares platinas. Em 1851-2, participaram na aliança entre Corrientes, Entre Rios, Montevidéu e o Império do Brasil contra Rosas. O mesmo ocorreu em 1854-55, quando o governo imperial enviou ao Paraguai Longe da Patria.indb 121

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importante missão militar naval. (TEIXEIRA, 2012: 72; BEVERINA, 1921/1: 217; BANDEIRA, 1995: 199).

O Rio Grande do Sul foi a província que mais recebeu tropas de primeira linha quando da reformulação do exército em 1864 que aumentou o efetivo para 18.000. Desse montante, o Rio Grande ficou com “tres batallones de infantería; cuatro regimientos de caballería y el regimiento de artillería a caballo”. Ou seja, um total de 2.800 homens. (BEVERINA, 1921/1: 217).

Em 1865, quando iniciavam as hostilidades com o Paraguai, o efetivo do exército aumentara significativamente. Passara de 18.000 para pouco mais de 35.000. No Rio Grande, permanecia a maior parte deste efetivo, cerca de 14.000. Outra grande porção do exército encontravase no Uruguai, sob o comando de Manuel Luís Osório [1808-1879]. À época da invasão, a província sulina estava sob o comando militar do marechal João Frederico Caldwell [1801-1873].

Em 1º de março de 1865, Osório fora nomeado comandante em chefe do exército imperial em operações contra o Paraguai, no lugar do general João Propício Menna Barreto [1808-1867]. O efetivo da tropa era de 13.000 homens. Juntas, as forças representavam mais de 75% do total de forças de primeira linha no Império. Em 1º de julho de 1865, quase um mês após a invasão de São Borja, o efetivo de Osório era já 19.000 homens. No entanto, encontrava-se em Concórdia, província de Entre Rios na Argentina, enquanto a coluna paraguaia margeava o rio Uruguai. (FRAGOSO, 2010: 154).

Guarda Nacional O historiador militar argentino Juan Beverina (1877-1943) destaca que “este aumento no habrá sido obtenido reforzando los efectivos de las unidades de linea, sino incorporando al ejército unidades de la Guardia Nacional destacada y agregando algunos cuerpos de los Voluntarios de la Patria de reciente creación”. (BEVERINA, 1921/1: 218) A Guarda Nacional era destacada quando requisitada para prestar serviço na fronteiro ou fora dela.

Por ser uma força local de fácil mobilização, destinada a atender com rapidez as necessidades repressivas e militares, a guarda nacioLonge da Patria.indb 122

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nal teve grande importância para as primeiras movimentações contra o exército paraguaio. E foi com “esses elementos que o governo acudiu às primeiras necessidades da campanha”. (FRAGOSO, 2010: 51; SOUZA, 1996: 57-65).

João Marcelino de Souza Gonzaga, presidente da província sulina, criara duas divisões no exército em operações para a proteção das fronteiras. A primeira divisão, a cargo de David Canabarro [1796-1867], exfarroupilha, que lutara contra as forças imperiais na Guerra dos Farrapos (1835-1845), era responsável pela defesa da fronteira de Quaraí até as Missões. Ou seja, da fronteira oeste.

A Segunda Divisão, responsável pela proteção da fronteira sul, estava a cargo de Francisco Pedro Buarque de Abreu [1811-1891], barão de Jacuí. A região sul era a “mais rica e populosa do Rio Grande do Sul de então, coração da produção pastoril e charqueadora”, o que explica a preferencia na sua proteção. (MAESTRI, 2013/1: 164). João Marcelino priorizara a defesa da fronteira sul por sua condição econômica, em detrimento das demais.

Em 15 de abril de 1865, o presidente determinara genericamente aos chefes das duas divisões que se fixassem onde julgassem mais acertado para a defesa de suas linhas. Ambas comandantes das forças, que respondiam por uma grande extensão de território, escolheram acampar em locais próximos dos lugares de residência suas e de seus oficiais.

Quase nus Criada em 1831, durante a Regência Trina Permanente, a guarda nacional foi contraponto ao exército de primeira linha, de viés aristocratizante, organizado e ligado a dom Pedro, com a maior parte de oficiais e praças lusitanos, que não gozava da confiança dos grandes proprietários escravistas brasileiros e, portanto, das autoridades regenciais. Para pertencer ao quadro da Guarda Nacional era preciso ser cidadão político, eleitor, ou seja, possuir renda mínima anual, o que determinava que os oficiais daquele corpo pertencessem às famílias proprietárias. (LEI, 1831) Essa exigência não era respeitada, para suprir os quadros inferiores da guarda nacional, devido ao grande números de isenções e aos poucos cidadãos eleitores dispostos a prestar o serviço como praças de pret. Longe da Patria.indb 123

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Durante o conflito [1865-1870], a Guarda Nacional perdeu seu caráter censitário, quanto à incorporação. O mesmo ocorrendo com o arrolamento nos batalhões de voluntário da pátria, que garantiam vantagens, criados a fim de incentivar o voluntariado. Entretanto, nos fatos, homens de todas as camadas sociais foram arregimentados, comumente sob coação, para cumprirem serviço em lugares distantes. A condição de miserabilidade dos voluntários jogados nas fileiras da Guarda Nacional explica a precariedade das forças quanto às condições materiais.

O padre João Pedro Gay escreveu, certamente em forma algo retórica, sobre a defesa de São Borja: “[...] vários soldados se achavam quase nus, e outros se cobriam com farrapos [...]” (GAY, 1985: 26). O coronel Chicuta, jovem fazendeiro de Passo Fundo, incorporado às forças de defesa em São Borja, registrou em cartas dirigidas à família a indignação pela precariedade dos armamentos oferecidos àqueles corpos. (FERNANDES, 1997: 40).

Antônio Fernandes Lima, comandante de uma das duas brigadas da divisão Canabarro, explicou seu retorno ao acampamento nas imediações de Itaqui dias antes da invasão “em consequência do mau estado da cavalhada e por estar adoecendo as praças em número espantoso, devido isso ao estado de pobreza da força e ter-se marchado com chuvas e não terem os soldados com que se cobrir”. (FRAGOSO, 2010: 111).

Durante os primeiros anos da Guerra, o número de Guardas Nacionais na ativa e reserva no Rio Grande do Sul ultrapassariam 38.000 homens. (MAESTRI, 2013/1: 155). No entanto, a força que guarnecia São Borja no dia da invasão paraguaia não passaria de 2.000 combatentes, distribuídos em cinco corpos provisórios, um batalhão da Guarda Nacional e um batalhão de reserva. O recrutamento dos corpos teria sido feito às pressas, em função da aproximação dos paraguaios que vinham pela província de Corrientes, na Argentina. A situação das forças de defesa era precária, necessitavam de armas e de munição. (FREITAS, 1935: 76).

Perto de casa A situação da defesa do Rio Grande do Sul era precária. Em 2 de maio de 1865, após o rompimento das relações entre o Paraguai e a Argentina, o ministro da guerra do Império, Ângelo Moniz da Silva FerLonge da Patria.indb 124

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raz [1812-1867], ordenou que todos os corpos do exército marchassem sem demora para Uruguaiana. Porém, não foi assim que se procedeu. (FRAGOSO, 2010: 105). No outro lado do rio, a situação não era melhor. Os coronéis argentinos Simeon Paiva e Isidoro Fernández Reguera contavam, em abril de 1865, com cerca de mil homens. A coluna de Simeon Paiva era “un grupo poco numeroso de milicias correntinas, casi desarmadas y sin ninguna instrucción”. (GARMENDIA, 1904: 271). Esse efetivo acompanharia hostigando a tropa paraguaia sob comando do major Pedro Duarte.

O coronel provisional Antônio Fernandes Lima dispunha de uma força que estava disposta em quatro corpos de cavalaria. O oficial organizou sua tropa na localidade de “Passo das Pedras”, entre São Borja e Itaqui. Seu contingente não ultrapassava 1.500 homens. Fernandes Lima residia em Itaqui onde era fazendeiro, assim como boa parte de sua oficialidade. Em 1858, Fernandes Lima, conservador, ocupara cadeira como presidente da câmara de vereadores na primeira legislatura daquela vila. (COLVERO & SOARES, 2010: 13). Como arcavam nos fatos com os gastos de deslocamento, alimentação e fardamento, ele e seus oficiais preferiam localização mais próxima as suas residências. Fernandes Lima foi duramente criticado após a invasão de São Borja. O comandante concedera liberação para parte da tropa, contribuindo para o desfalque de pessoal na guarnição de São Borja. Fora criticado também por não estar com sua tropa nas imediações de São Borja, preferindo localizar-se no já referido Passo das Pedras. Ele seria enviado diante de conselho de guerra. (GAY, 1985: 26).

Não foi diferente com David Canabarro, que se localizou “muito distante de São Borja, e próximo das regiões onde ele e seus oficiais possuíam suas grandes propriedades”. Estabeleceu acampamento nas imediações de Uruguaiana a cerca de 150 quilômetros de distancia de São Borja onde não poderia chegar a tempo caso tivesse que impedir a invasão naquele ponto! (MAESTRI, 2013/1: 165). Esses oficiais foram criticados pelo alto comando imperial. Em 3 de outubro de 1865, após o cerco e tomada de Uruguaiana, no quartel general em frente a esta vila, fora expedida ordem do dia nº 21, com duras críticas à frouxa resistência da guarnição da província do Rio Grande. A comunicação referia que a brigada de Antônio Fernandes Lima fora Longe da Patria.indb 125

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“passiva espectadora de sua passagem em [passo de] Santa Maria, por haver recebido ordem expressa do comandante da divisão [David Canabarro] para não atacar”. (ORDEM DO DIA, 1865). Cerca de um mês antes da efetiva invasão, a coluna do major Pedro Duarte já se encontrava nas cercanias de São Borja, reconhecendo o local e as forças de defesa. Como dito, os paraguaios não invadiram a vila naquela ocasião. Esperavam o grosso das tropas.

Diferenças políticas Em 10 de fevereiro de 1865, o tenente-general João Frederico Caldwell fora nomeado comandante interino das armas na Província do Rio Grande do Sul. Ele era renomado militar que participara de intervenções no exterior. Em 23 de maio de 1865, em correspondência, afirmava ter predicados para assumir o comando em chefe do exército imperial que estava sob o comando de Osório desde 1º de maio. Caldwell diziase preocupado com o comando daquele exército. Na correspondência, propunha que o “comando não poderá recair em quem, aproveitandose dessa posição, procura fazer reviver indisposições e ressentimentos que resultarão em prejuízo de ficar comprometida a dignidade da nação”. (FRAGOSO, 2010: 63). As divergências políticas entre Caldwell e Osório ficaram notórias na porção final da referida correspondência: “[...] se a força sob o meu comando está também subordinada ao exército em operações na República Oriental nos movimentos que ora se vão executar, e no caso se que entenda o Governo imperial, não sejam dignas de atenção as considerações que apresenta, e que devo sujeitar-me ao comando de um chefe menos graduado do que eu, peço a V. Ex.a. para solicitar a minha demissão do comando que interinamente exerço.” (FRAGOSO, 2010: 63). As divergências políticas decorrentes da oposição entre os partidos Liberal, ‘Progressista’ e Conservador eram muito fortes na formação do comando dos corpos da Guarda Nacional na Fronteira. Em 14 de janeiro de 1865, o presidente da província destacava que na formação dos corpos provisórios apareceram as “intrigas e divergências locais”. (CANABARRO, 1865). Seguramente João Marcelino Gonzaga referia-se a disputa entre o barão de Jacuí e o general David Canabarro.

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Em janeiro de 1865, o general David Canabarro criticava seus desafetos políticos por terem recusado cargos para o comando de corpos militares em sua divisão do exército. O oficial acusava-os de não terem aceitado ser submissos a ele. Dizia que se seus inimigos de Alegrete e Uruguaiana “tivessem algum préstimo para a guerra” “teria procurado empregá-los” (CANABARRO, 1865). As designações militares eram utilizadas como forma de manter/ aumentar o poder e rede de influência. Como o recrutamento para a Guarda Nacional deixara de ser censitário, oficiais promoviam recrutamentos forçados entre homens mais pobres, livrando ou pondo na reserva os apadrinhados ou parentes. Arbitrariedades também eram feitas contra os apadrinhados ou parentes dos desafetos. Mário Maestri destaca que: “No comando de tropas de escassa belicosidade encontrava-se uma oficialidade sem formação militar institucional, constituída por grandes proprietários de terra da fronteira sul, fortemente dividida pelas aposições políticas nacionais, regionais e municipais, em geral de elevada idade, sobretudo para a época.” (MAESTRI, 2013/1: 162).

Recuando e Recuando Mário Maestri propõe: “Mesmo após a surpresa de São Borja, sob as ordens de João Frederico Caldwell, David Canabarro, seus oficiais e soldados recuaram diante das tropas paraguaias, sem jamais lhes dar combate, perdendo as oportunidades permitidas pelas necessárias e difíceis travessias dos passos dos rios que interrompiam a marcha das tropas paraguaias entre São Borja e Uruguaiana. “(MAESTRI, 2013/1: 162).

Maestri conclui: “O comandante de armas da Província jamais ordenara o ataque às tropas inimigas em marcha. Preferiu chamar conselhos militares, onde David Canabarro e seus oficiais opuseram-se a qualquer confronto, abrindo caminho para a entrega de Uruguaiana sem resistência”. Em verdade, se quisesse, realmente, fazer algo, teria ordenado e não consultado seus subordinados. (MAESTRI, 2013/1: 165-166). Efetivamente. As ordens oscilavam, sem definir ações. Caldwell, em vez de ordenar o ataque nas passagens dos rios, reunia conselho de comandantes de brigadas podia ter ordenado o ataque na passagem dos Longe da Patria.indb 127

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rios. Preferiu reunir conselhos de comandantes de brigadas, que recomendaram a contemporização, dizendo-se sem tropas para anteporemse aos paraguaios! Procedeu assim na passagem do rio Ibicuy, do arroio Toropasso e do arroio Imbaá, ambos na costa do rio Uruguai, nas imediações de Uruguaiana. Antonio Estigarribia interpretava em certo ponto corretamente o que acontecia na província do Rio Grande no referente às forças de defesa. Afirmava que “os chefes de cada departamento defendem, segundo parece, os seus respectivos distritos e não se ajudam mutuamente”. Ele completava dizendo que aquilo favorecia os paraguaios. (ESTIGARRIBIA, 1965: 177). As forças de defesa da província do Rio Grande foram omissas e inativas. O oficial responsável por organizar a defesa e prováveis ataques aos paraguaios, tenente general João Frederico Caldwell, mostrou-se inábil para a função que desempenhou. Em 20 de julho de 1865, o general Manuel Marques de Souza, barão de Porto Alegre [1804-1875] foi nomeado “chefe do exército em operações” na província.

Passagem tranquila Quando do início da invasão do Rio Grande, as famílias que haviam fugido cerca de um mês antes e retornado, preparavam-se novamente para deixar São Borja. No passo homônimo à vila, por onde ingressou parte dos paraguaios, encontrava-se pequena força de infantes de uns cem homens. No dia da passagem, havia na vila e nos arredores cerca de 370 homens da Guarda Nacional e uns 600 do 1º corpo de Voluntários da Pátria, sob o comando do tenente-coronel João Manuel Menna Barreto [1824-1869]. (FRAGOSO, 2010: 112). A chegada do primeiro batalhão de Voluntários da Pátria, com cerca de 480 homens, ajudou a amenizar e retardar o prejuízo da invasão. O 1º de Voluntários da Pátria deslocara-se desde o Rio de Janeiro e era composto, basicamente, por jovens sem experiência militar alguma. Enquanto as forças de defesa impediam a progressão do exército paraguaio em direção ao interior da vila, as famílias preparavam-se para a fuga. O reforço do batalhão de voluntários chegou a São Borja em meio à

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troca de fogo, quando os paraguaios avançavam no terreno. Segundo o major Emílio de Souza Docca [1884-1945], em suas anotações à obra do cônego Pedro Gay, o tiroteio teria iniciado às nove e meia da manhã e terminado às treze e meia. (GAY, 1985: 55). A superioridade numérica dos paraguaios prevaleceu e os comandantes imperiais deslocam-se para o interior da vila a fim de escoltar as famílias em fuga. (FREITAS, 1935: 96).

Figura 16 - O combate de São Borja Fonte: Rivarola, Milda Espinoza. La Polémica Francesa sobre la Guerra Grande. Disponível em:http://www.portalguarani.com/1686_milda_rivarola_espinoza/21345_la_ polemica_francesa_sobre_la_guerra_grande__por_milda_rivarola.html

Apesar da superioridade numérica, ficou atestada a imperícia dos soldados paraguaios na primeira confrontação de maior proporção. Com uma força estimada em cerca de 4.500 homens, aquela tropa registrou perda de duzentos combatentes entre mortos e feridos, enquanto a resistência imperial com o reduzido efetivo que não ultrapassava seiscentos homens, teve perda de cerca de 85 combatentes. Segundo Tasso Fragoso, os brasileiros ainda teriam tido uns cinquenta feridos. (FRAGOSO, 2010: 96). Em correspondência dirigida a Francisco Solano López, Antonio Estigarribia declarou que, após o tiroteio, ficaram “27 cadáveres nos campos, deixados pelas forças imperiais”. (ESTIGARRIBIA, 1965: 164). A resistência, no entanto, estava condicionada mais à inabilidade e imperícia do soldado paraguaio do que ao “heroísmo” atribuído por histoLonge da Patria.indb 129

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riadores militares e memorialistas.

Ao invadirem São Borja, os paraguaios estavam cientes de que a fronteira estava desguarnecida. Em correspondência dirigida a Solano López, Estigarribia informava as movimentações das forças de defesa, principalmente dos corpos da Guarda Nacional sob o comando de David Canabarro. Ele dizia que o chefe de defesa de São Borja estava “contrariado, vendo-se com muito pouca gente”. (ESTIGARRIBIA, 1965: 159). Com a resistência pouco efetiva, as tropas paraguaias invadiram o Rio Grande sem maiores problemas. Segundo Estigarribia, os paraguaios passaram a tropa e equipamentos “com a maior facilidade.” (ESTIGARRIBIA, 1965: 164). Antônio Fernandes Lima, chefe de uma brigada da Primeira Divisão do exército em operações no Rio Grande, Antônio Xavier do Valle, comandante da guarnição de Uruguaiana e David Canabarro chefe da Primeira Divisão, seriam submetidos a conselho de investigação e conselho militar. O primeiro, um conselho doméstico, ocorreria em São Borja. Participariam do conselho o marechal de campo Francisco Antônio da Silva Bittencourt, brigadeiro José Luiz Menna Barreto e o brigadeiro José Gomez Portinho, partidários de David Canabarro (ORDEM DO DIA, 1865).

Escusados pela falta de tempo devido à guerra, os conselhos não chegaram a ser realizados. Em 2 de abril de 1867, morreu David Canabarro, de morte natural, antes de passar a julgamento. Os outros dois acusados, Antônio Fernandes Lima e major Antonio Xavier prosseguiram suas carreiras. O primeiro continuou mobilizado com suas tropas na campanha do Paraguai; o segundo, teria publicado em 1867 uma coleção de documentos para defender-se das acusações. (SOUZA, 1887: 45).

Em 11 de junho, a vila de São Borja estava quase completamente esvaziada, salvo alguns moradores que desejaram ficar, ou por não quererem fugir ou por que, sendo estrangeiros, acreditarem que não seriam molestados. Em 12 de junho, dia que se completou a invasão, o exército paraguaio entrou na vila praticamente vazia.

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O saque como motivação O padre Gay, definiu como “incentivo poderoso” para os “brutos seminus, meio mortos de fome”, a liberação do saque concedida por Estigarribia, sob ordens de Solano López, ao exército paraguaio em operações na província. (GAY, 1985: 78). O saque foi uma prática comum no avanço das tropas paraguaias, desde o Mato Grosso, no entanto, no Rio Grande, “no fue tanto una rapiña indisciplinada, sino una sistemática colección de ‘restos’ que Solano López había prometido” (WHIGHAM, 2011: 360).

Jorge Thompson [1839-1878], engenheiro militar inglês que lutou no exército paraguaio, afirmou que “después de comenzada la guerra, el ejército dejó de percibir su sueldo, durante toda ella [Solano] López decretó dos recompensas, cada una de las cuales no pasó del equivalente de un mes de sueldo”. (THOMPSON, 1910: 14). Em verdade, na invasão do Rio Grande do Sul, pouco sentido teria pagar os soldos dos soldados, já que as tropas não era acompanhadas de comerciantes.

Em toda a estada na fronteira, o exército paraguaio se empenhou em procurar produtos de valor a serem saqueados e enviados ao Paraguai. Do dia 12 de junho, quando entraram em São Borja, até 18 de setembro, dia da capitulação em Uruguaiana, seguiu-se busca desenfreada por arrebanhar o máximo possível de bens, com destaque para os animais vacuns e cavalares. Nos mercados de Asunción eram vendidos bens do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul. Para mobilizar e motivar o exército a empreender campanha alémfronteira,e contra um “inimigo” “forte e poderoso” como o Império (ainda não se sabia da aliança), foi necessário jogo de sedução, no qual o quinhão do saque obtido na guerra parece ter tido importante papel. O conde d’Eu sugeriu que “pelo testemunho do próprio Estigarribia, parece que López dera ordem para serem saqueados os bens dos brasileiros e também de todos os indivíduos que, embora não fossem brasileiros, não estivessem presentes [...]”. (d’Eu, 1981: 110) Suspeita corroborada pelo cônego de São Borja, que destacou que “levavam ordem de saquear completamente São Borja e de fazer nessa vila tudo o que quisessem”. (GAY, 1985: 33) O padre registrou que, ao saírem do Paraguai, um general ou Solano López teria encorajado os soldados. “[...] o governo da República lhes Longe da Patria.indb 131

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concedia livremente o saque de todas as povoações brasileiras que tomassem”. “[...] eles [soldados paraguaios] saíam nus, mas que lá haviam de se vestir muito bem; que tinham fome, mas que lá haviam de ter comida em abundância; que estavam pobres, mas que no Brasil haviam de enriquecer”. (GAY, 1985: 78) O bom padre não apresenta a fonte de sua informação, que parece de cunho retórico, literário, bíblico e anti-paraguaio.

Saque para Todos Possivelmente para minimizar as já precárias condições de sobrevivência do exército em terras estranhas, López teria ordenado a organização do saque também pelos soldados nas povoações por onde passassem. Tratava-se da tradicional proposta napoleônica, já referida, da guerra alimentando a guerra, imprescindível para tropas no exterior que não conheciam ainda serviço de intendência.

Estigarribia escreveu, em carta ao mariscal, traduzida ao português: “Depois de ter dado a povoação (São Borja) ao livre saque dos soldados, em horas marcadas para cada corpo, de conformidade com as instruções que V. Exa. se dignou de dar-me, recolhi alguns remanescentes de fazendas, que remeto nesta data ao major Duarte, com ordens de que os mande na primeira oportunidade nas carretas que saírem para a vila de Encarnação[…].” (ESTIGARRIBIA, 1965: 165).

Por oito dias, procedeu-se sistemática e organizadamente ao saque. Ao amanhecer, metade do exército iniciava os saques até o meio dia quando dava o lugar a outra metade. Os soldados passaram esses dias comendo e bebendo tudo o que encontravam. Os paraguaios dispuseram de cinquenta carretas para o transporte dos primeiros dias de saque. Eles teriam levado cinco dias para cruzar o rio com os bens. (GAY, 1985: 72). Entretanto, o próprio saque pode ter causado problemas ao exército. O cônego João Pedro Gay relata que parte do exército paraguaio estava indisposto com a oficialidade, devido à má distribuição do produto do saque praticado em São Borja e Itaqui, o que é difícil de comprovar. (GAY, 1985: 79). Em parte, os objetos enviados para Assunção serviam para abastecer o comércio da capital paraguaia, que se encontrava praticamente bloqueada. Segundo o cónsul francês, Lorent-Cochelet, era Longe da Patria.indb 132

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possível encontrar “considerable número de objetos brasileños ofrecidos en venta en la ciudad” (CAPDEVILA, 2010: 349).

O padre Gay obteve parte das informações, que relata em sua obra sobre a invasão de São Borja, devido às constantes correspondências que recebia de alguns moradores que ficaram na vila ou ainda dos que por lá passaram após a retirada do exército paraguaio. Em 21 de julho de 1865, o irmão do padre, um marceneiro que residia em São Borja, informava em correspondência que “segundo contam, eles [os paraguaios] tinham ordem de vos conduzir prisioneiro [ao padre Gay] no Paraguai”. (COLEÇÃO, 1865).

Figura 17 - Padre João Pedro Gay Fonte: IHGB. Coleção Padre Gay. IL. 4.57 – Retrato do padre franco-brasileiro em Uruguaiana, onde era vigário desde 1874.

Pouco Amistosas As relações entre Gay e governo paraguaio não eram amistosas. O cônego procedera a campanha contra os López por jornais locais, nacionais e do Prata. O pároco, percebendo que teria grande prejuízo na invasão, e possivelmente de olho na indenização que pediria, relatara minuciosamente os estragos que o exército paraguaio teria feito em seu patrimônio. Longe da Patria.indb 133

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O padre não demoraria a requerer indenização, junto ao governo imperial, pelas perdas sofridas. Certamente ciente da parcimônia com que se efetuariam as apurações de veracidade do reclame e posterior pagamento dos danos, o padre elaborou com extrema rapidez uma lista de bens. O total dos valores requeridos foi de quase duzentos contos de réis (198:565$000). A lista de bens reclamados era enorme, continha 28 itens que correspondiam desde o sumiço de livros raros de sua biblioteca, inclusive seus próprios manuscritos, até os valores que o cônego deixou de perceber, por seus serviços durante a invasão paraguaia. (COLEÇÃO, 1865). Em 1º de fevereiro de 1866, já efetivada a rendição e evacuação de Uruguaiana, o imperador Don Pedro II [1825 -1891] ordenou, através do ministério dos negócios da guerra, externar gratidão ao cônego Gay por não ter reivindicado indenização pelo uso da chácara de sua propriedade localizada na margem esquerda do rio Uruguai, utilizada pelo exército imperial na campanha de Uruguaiana (ORDENS DO DIA, 1865). Em agosto de 1865, após completa retirada do exército paraguaio da vila, o padre Gay teria escrito uma carta que pretenderia enviar ao presidente paraguaio, que certamente não o fez devido à guerra. Na missiva, afirmava que desconhecia os motivos pelos quais Solano López teria recomendado o assalto à sua casa ao exército paraguaio. Dizia que havia recebido informações a esse respeito. O tom da carta não era nada amistoso. Mesclando expressões em guarani, em várias passagens o padre insultava o mariscal.

Parece que a carta do padre Gay tinha o intuito de anunciar a incapacidade para a guerra daquele exército. Em um trecho, o padre revela o estado em que se encontrava o exército invasor, dizendo que relataria coisas sobre o “moribundo exército em operação sobre o rio Uruguai”. (COLEÇÃO, 1865).

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Figura 18 - O posicionamento do exército paraguaio na campanha do Sul Fonte: MARCO, Miguel Àngel De. La Guerra del Paraguay. Buenos Aires: Planeta, 1998. p. 17.

Itaqui Em meados de 1687, o local onde mais tarde se desenvolveu a vila de Itaqui, foi aproveitado pelos padres da Companhia de Jesus como estância de gado, devido à localidade situar-se entre os rios Uruguai e Ibicuí, o que facilitava a incursão e o apresamento do gado. A localidade seria conhecida como rincón de la Cruz. (COLVERO & ASSIS, 2010: 23). Após a conquista das Missões Orientais, o governo luso-brasileiro iniciou a doação das primeiras sesmarias na região. Logo, surgiu um acampamento com alguns ranchos, também utilizado por tropas lusitanas que por ali passavam na luta contra as invasões castelhanas (COLVERO, 2004: 68). A este tempo as fronteiras não estavam delimitadas e o risco de invasões era constante. Em 1833, o naturalista francês Arsène Isabelle passou por Itaqui,

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inundada pelo rio Uruguai. O viajante decepcionou-se ao encontrar apenas uns “vinte ranchos mal construídos, dispostos sem nenhuma ordem muito próximos uns dos outros [...]” (ISABELLE, 2006: 225). Em 1837, o povoado fora elevado a categoria de “freguesia” com o nome de São Patrício do Itaqui, atrelado juridicamente à vila de São Borja, da qual se desmembrou em 1859. O tenente-coronel Antônio Fernandes Lima, que como vimos, lutou contra as forças paraguaias na região, foi o primeiro presidente da câmara municipal local. (COLVERO & SOARES, 2010:13). Nas décadas posteriores a 1833, Itaqui teria crescido, econômica e demograficamente, sobretudo, após o seu desmembramento de São Borja. Em 1858, a vila contava com cerca de quatrocentas casas. (COLVERO, 2004: 68). Em uma estimativa de cerca de cinco pessoas por casa, fora os trabalhadores escravizados, existiriam, nessa época, cerca de 2.000 pessoas livres em Itaqui. O que nos parece muito, segundo Colvero e Assis, Itaqui servia à época de sua emancipação como corredor comercial para atender o mercado interno e os que vinham comercializar ali. (COLVERO & ASSIS, 2012: 74). Em Itaqui, assim como São Borja e Uruguaiana, viviam muitos comerciantes estrangeiros.

Em 1859, quando da emancipação, Itaqui teria “perdido” parte de sua população para São Borja, devido ao estabelecimento dos limites com os municípios vizinhos. Em 1872, quando do recenseamento geral do Império, a paróquia de São Patrício de Itaqui contabilizava reduzido número de habitantes - 2050 homens e mulheres, livres e escravizados. (BRAZIL, 1872: 172). A estagnação populacional itaquiense nasceria em parte da perda de importância comercial. Os portos de Itaqui da região registraram decréscimo de exportações a partir do início da década de 1860 (Tabela 3). Assim como em São Borja e Uruguaiana, em Itaqui o comércio atraia estrangeiros. O conde d’Eu percorrera a vila após a rendição dos paraguaios em Uruguaiana. Ele anotou que em Itaqui havia pelo menos “uma dúzia de bandeiras europeias, entre francesas, espanholas, portuguesas e italianas”. (d’Eu, 1980: 110). A população dessas vilas era composta basicamente de proprietários locais, “herdeiros” das doações de terras nas décadas anteriores, dedicados sobretudo à economia rural. O elemento servil era figura importante na produção pastoril. Livres e libertos trabalhavam nas estâncias de gado e no comércio do porto. As lojas de comércio eram em sua Longe da Patria.indb 136

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maioria de estrangeiros.

Na região oeste do Rio Grande predomina extensas planícies e poucas vegetações de grande porte. Entre as três vilas invadidas pelos paraguaios, Itaqui era a de menor porte. As vilas da região conservavam um perfil luso-espanhol. Elas geralmente possuíam uma grande praça e a sua frente, uma igreja matriz, como visto. Também Itaqui possuía uma “praça grande quadrada e as ruas sem calçamento”. (d’Eu, 1980: 110). Calçamento, aliás, não existia em nenhuma das três vilas da margem do Uruguai. As casas de Itaqui eram rudimentares, inferiores, inclusive às encontradas em São Borja e Uruguaiana. Tratava-se de vila nova que se estruturava com dificuldades. Segundo o padre João Pedro Gay, em função do súbito crescimento da vila, “não foi possível durante os poucos anos de sua existência fazer nela bons edifícios de pedra e de tijolo […]”. (GAY, 1980: 106). A maioria das casas era de madeira, habitada pela população pobre, que teve grandes prejuízos com a invasão paraguaia.

Batalha do Botuy Antes de sair de São Borja, o tenente-coronel Estigarribia ordenou a partida de uma vanguarda, de uns quatrocentos homens, sob o comando do major José del Rosário López, pelo caminho de Alegrete, no encalço dos moradores que fugiam por ali. Em 26 de junho, ao retornar, sem ter encontrado o que buscava, a coluna deparou-se com uma força imperial, significativamente superior, comandada pelo coronel Fernandes Lima, nas proximidades de São Borja.

A posição do exército paraguaio era de certo modo favorável para o combate. O padre João Pedro Gay descreve a localização daquela tropa: “[...] uma planície na vertente de uma coxilha alta, tendo em sua retaguarda um banhado, à sua direita uma baixada e, um pouco além, um mato espesso que atravessa em linha reta o banhado [...]” (GAY, 1980: 94). Na manhã de 26 de junho, o coronel Fernandes Lima ordenou o ataque à tropa paraguaia desprevenida. Fernandes Lima iniciou o combate com sete corpos provisórios da guarda nacional e, logo após, recebeu reforço do tenente coronel Sezefredo Alves Coelho. Ao todo, a força imperial que bateu a coluna paraguaia era composta de cerca de 3.000 homens. Uma tropa considerável. Longe da Patria.indb 137

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Antônio Fernandes Lima não foi poupado de duríssimas críticas, pela pouca resistência que apresentara à invasão. Em verdade, ele foi um dos únicos oficiais superiores do exército imperial que livrou combate naquela jornada. No combate do Botuy, a força imperial, com enorme superioridade, teria obtido como troféu de guerra duas bandeiras, além de armamento e muita cavalhada recuperada. Segundo o padre Gay, os imperiais teriam atacado os paraguaios, encurralados em um banhado, em uma “precipitação fugaz, segundo asseguram, que não deixou reparar que o inimigo tinha virado o cano de suas espingardas para o chão em sinal de rendição”. Ou, talvez, negaram-se a aceitar a rendição da tropa numericamente inferior. Ao compreenderem que os imperiais ignoraram a rendição, os paraguaios tentaram pequena resistência, antes de fugirem, procurando a proteção da mata e do banhado. (GAY, 1980: 96).

Figura 19 - Arroio Botuy Fonte: Mapa do arroio Botuy encontrado junto á documentação do padre João Pedro Gay no IHGB. Coleção Padre Gay. DL. 404.25

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A mal-chamada batalha do rio Botuy teria sido o único quase grande combate na província sulina, em toda a campanha. A força paraguaia teve 236 homens “fora de combate em um efetivo de cerca de 400 homens”. As forças imperiais teriam tido 110 baixas, entre mortos e feridos. O que restou da força paraguaia reagrupou-se ao corpo do exército (FRAGOSO, 2010: 126). Tamanha disparidade entre as forças produziu uma mortandade de paraguaios enorme, mesmo que as baixas imperiais fossem consideráveis. Após o confronto, “los cuerpos de los heridos y muertos estaban por todas las partes, la mitad hundidos en la ciénega”. (WHIGHAM, 2011: 3).

Invasão de Itaqui As forças do tenente-coronel Antonio de La Cruz Estigarribia rumaram para a vila de Itaqui, de onde deveriam abastecer-se, acampando fora da vila, conforme ordens de Solano López, a fim de não poderem ser cercadas. Em Itaqui, o exército paraguaio “colocaria-se na mesma altura da coluna principal, comandada por Robles”. (MAESTRI, 2010: 31). O que permitiria, eventualmente, a junção das duas forças, para serem dirigidas eventualmente contra Porto Alegre, onde se acredita que López pensasse forçar uma batalha final com o Império. (MAESTRI, 2013/1: 132). No caminho para Itaqui, o exército paraguaio aproveitou para saquear as casas possíveis e, em Itaqui, não foi diferente. Na marcha, os paraguaios não sofreram retaliações. Tendo chegado a Itaqui em 6 de julho, Antonio Estigarribia registrou em sua correspondência oficial que entrou na vila “sem ter achado resistência alguma, nem força inimiga” (ESTIGARRIBIA, 1965: 173). O saque foi menor em Itaqui do que em São Borja, onde os paraguaios conseguiram enviar um total de cinquenta carretas com o produto do saque ao Paraguai, fora as carretas que levavam feridos e doentes. (GAY, 1985: 105). De Itaqui, partiram apenas quatorze carretas, das quais sete levavam o resultado do saque. (GAY, 1985: 105).

O major Pedro Duarte, que margeava o rio Uruguai por território argentino, paralelo ao exército de Estigarribia, escreveu: “El 20 pasé á Itaquí […] en donde à la sazón se encontraba campado mi Jefe [Antonio Estigarribia], con quien à objeto de conferenciar sobre una instrucción Longe da Patria.indb 139

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recibida del Gobierno dispuse aquella visita.” (DUARTE, 1890).

As ordens de Solano López eram para não passar daquele ponto. Segundo parece, deveriam esperar uma possível vinda do mariscal, a frente de um grande exército para operar no Rio Grande. (GARMENDIA, 1904: 272). Não é possível saber o teor da conversa entre Duarte e Estigarribia. No entanto, sabe-se que havia entre eles certa rivalidade. Após o encontro, Antonio Estigarribia e Pedro Duarte, descumprindo as ordens de Solano López, rumaram para Uruguaiana e Paso de los Libres respectivamente. É crível que Estigarribia tenha se deixado influenciar pelos irmãos orientais Salvañach, que acompanhavam a coluna, esperançosos de chegar ao Uruguai e receber possível ajuda dos partidários blancos.

Destruição e Indenização Depois de findas as ações militares no Rio Grande, deu-se início ao processo de pedidos de indenização. Os moradores das três vilas invadidas contabilizaram os prejuízos e enviaram à presidência da província para que cobrasse o devido das autoridades imperiais. Em 8 de fevereiro de 1873, o cônsul paraguaio em Porto Alegre, reclamava às autoridades imperiais os valores cobrados pelos moradores de Itaqui. Afirmava serem exageradas as cobranças de indenizações por parte dos moradores de Itaqui, que teriam tido menos prejuízos do que Uruguaiana e cobravam cerca de quatro vezes mais (DORATIOTO, 2009: 43-44). Em Itaqui os paraguaios teriam poupado as lojas de alguns estrangeiros. O conde d’Eu anotou que “o ‘Grande Café e Hotel do Uruguai’, pertencente a um francês, mostra intacta uma rica sala de bilhar, e que também foi poupado o estabelecimento de um sapateiro espanhol, ou, pelo menos, os soldados paraguaios somente dele tiraram sete pares de bota”. (d’Eu, 1980: 110).

Após saquear Itaqui, o exército paraguaio dirigiu-se para as margens do rio Ibicuy, localizado entre a vila de Itaqui e Uruguaiana, de onde deveria partir para Alegrete. Nesse momento, já se passara mais de um mês da invasão sem que o exército imperial ou aliancista fizesse frente aos paraguaios. Entretanto, a derrota paraguaia naval em Riachuelo registrara já a impossibilidade de ações tão distantes do território paraguaio. Longe da Patria.indb 140

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Caminho livre A tranquilidade com que o exército paraguaio operava na passagem dos rios e arroios da região permitiu que, na passagem do arroio Toropasso, fosse construída uma ponte com pedras, sem que fossem molestados pelas tropas de defesa. Os paraguaios teriam demorado cinco dias na construção daquela obra, sem serem incomodados. (SOUZA, 1887: 3). O general Tasso Fragoso, tido como precursor da historiografia militar crítica no Brasil, criticou fortemente a inação do oficial João Frederico Caldwell, que não ordenou ataque, preferindo ouvir e se submeter aos subordinados. Tasso Fragoso chamou de “fraqueza imperdoável” a ação daquele comandante. (FRAGOSO, 2010: 133). Antônio Fernandes Lima, destoando dos demais comandantes de brigadas e de divisões, atacou o exército paraguaio quando este cruzava o rio Ibicuy. No entanto, os cerca de 600 combatentes a seu mando, foram insuficientes para impedir o progresso das tropas paraguaias (ESTIGARRIBIA, 1965: 175). Os comandantes imperiais em operação na fronteira de Quaraí e Missões sofriam com a falta de informações precisas sobre o inimigo, o que tornava mais crítica a já precária defesa. João Frederico Caldwell informava incorretamente ao presidente da Província que a força paraguaia era de cerca de 30.000 homens.

Em julho de 1865, na margem direita do rio Uruguai, o coronel Simeon Paiva acompanhava a partida paraguaia que ainda preparava a invasão de São Borja. O oficial argentino, ao perceber o afastamento momentâneo da força paraguaia para o interior do território, induziu o tenente-coronel Fernandes Lima a pensar que se tratasse de recuo definitivo. Com essa informação, o comandante concedeu licenças a oficiais e praças, deixando a vila de São Borja ainda mais desguarnecida (ORDENS DO DIA, 1865). Enquanto os paraguaios estavam mais bem informados sobre a situação militar na província, os comandantes da defesa do Rio Grande e de Corrientes esbarravam em informações erradas. A facilidade com que os paraguaios entraram no Rio Grande e a inércia das forças de defesa fizeram com que o coronel León de Palleja registrasse em seu diário que as tropas paraguaias “libremente pasea[ba]n Corrientes y Brasil sin Longe da Patria.indb 141

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tener quien se los impida”. (PALLEJA, 1960: 42).

Confiança renovada O tenente-coronel Antonio de la Cruz Estigarribia tinha razões para pensar que não seria interrompido em sua marcha. Em 20 de junho de 1865, ou seja, dez dias após a invasão do território rio-grandense e já saqueada por completo a vila de São Borja, nenhuma ameaça lhe aparecera. Isso o fazia acreditar na total desproteção do território. “Até esta data não sei de positivo que exista força alguma brasileira em toda esta província do Rio Grande e só por notícias dadas pelos estrangeiros residentes em S. Borja soube que Canabarro tem 3.000 ou 4.000 homens entre o [rio] Ibicuhy e a Uruguaiana; e que todas as pequenas partidas que haviam em todos os passos do [rio] Uruguai, em caso de invasão de nossa parte, tiveram ordem de se reunirem ao dito exército[…].” (ESTIGARRIBIA, 1965: 168).

Entre 18 e 19 de julho, descumprindo as ordens de Solano López, Estigarribia deixou Itaqui dirigindo-se para Uruguaiana. Para alcançar a vila, suas tropas transpuseram o rio Ibicuy. O que representava perigo, pois poderiam ser atacados quando do cruzamento. Entretanto, o exército paraguaio ultrapassou os rios da região sem ser molestado, como vimos. O mesmo homem que desobedeceu às ordens de López e antecipou a derrota quase certa do exército paraguaio em sua campanha ofensiva, meses antes dedicava juras de lealdade ao presidente. Em maio de 1865, com exército em marcha para a fronteira de São Borja, declarava que daria “provas” de “patriotismo e valor” e afirmava que faria “triunfar as armas nacionais” nos lugares por onde passassem. (ESTIGARRIBIA, 1965: 154). No caminho de Uruguaiana, Estigarribia teria encontrado grande quantia de animais, não retirados a tempo pelas forças de David Canabarro. Durante a marcha, teriam saqueado e “queimando todas as casas que se achavam em sua passagem”. (GAY, 1980: 114).

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Figura 20 - A marcha dos exércitos, de São Borja a Uruguaiana Fonte: SOUZA, Augusto Fausto de. A Redempção da Uruguayana. Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geographico Brazileiro. Rio de Janeiro: Lammert. 1887.p.2-3.

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Capítulo terceiro

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7. A ocupação de Uruguaiana e a batalha de Jataí Um Pequeno Povoado

O povoado de Sant’Ana - depois Sant’Ana Velha - que deu origem à Uruguaiana foi construído sobre as bases de acampamentos indígenas (charruas e minuanos) às margens do rio Uruguai. Em 1843, foi fundada uma capela curada na localidade. Após o término da guerra farroupilha, em 1845, o governo imperial desejou firmar a posse sobre aquele território e proteger a região das investidas estrangeiras, sobretudo argentinas, já que as fronteiras ainda não estavam delimitadas. Em 1846, a povoação alcançou o status de vila e foi batizada com o nome de Uruguaiana. “A vila de Uruguaiana, quando de sua criação, apresentava características militares em sua organização política, fator fundamental na criação de vários municípios em regiões consideradas vulneráveis às invasões de países vizinhos. Sua base econômica formada por estancieiros que praticavam a criação extensiva do gado; já o desenvolvimento do comércio

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[...] apresentou alguns pontos que se podem considerar importantes em seu crescimento, como a facilidade de comunicação com as cidades costeiras ao rio Uruguai, bem como com as da região da bacia do Prata.” (COLVERO, 2004: 86 e 87). Os comércio em Uruguaiana possibilitou intenso contato entre a vila e o estuário do Prata, através do rio Uruguai. Por se tratar de localização estratégica no comércio regional, a povoação se desenvolveu com relativa rapidez em relação a outras povoações regionais. Enquanto em meio urbano o comércio gerava riqueza, no campo a produção pastoril intensificava-se. Em boa parte, a riqueza produzida em Uruguaiana era consequência da exploração da mão de obra escravizada. (COLVERO, 2004: 13).

O naturalista francês, Avé-Lallemant ao passar pela vila de Uruguaiana em 1858, registrou que se tratava de “uma vila de pelo menos 2.000 habitantes, onde se manifesta, em todos os recantos, a mais viva atividade comercial. Só franceses existem mais de cem no lugar, entre eles gente de muito boa educação e irrepreensível conduta. Em Uruguaiana quase não se reconhece uma cidade brasileira, mas uma hispano-francesa, que parece apoiar-se em suas relações de vida e de comércio, mais em Buenos Aires e Montevidéu, do que em Porto Alegre e Rio Grande”. (LALLEMANT, 1959: 279). O viajante francês possivelmente se aproximava do número de habitantes da vila. A impressão e registro que fez sobre Uruguaiana não foi o mesmo do conde d’Eu quando de sua estada em Uruguaiana por ocasião do sítio e rendição do exército paraguaio. O príncipe imperial destacou que “muito poucos edifícios notáveis possui Uruguaiana; muito mais importante que qualquer outro é a igreja”. Certamente o genro do imperador comparava a urbe às povoações europeias e as capitais do Império. (d’Eu, 1981: 88).

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Características Semalhantes Em forma geral, em maior dimensão, Uruguaiana apresentava características semelhantes à vila Itaqui e São Borja. Era uma vila com características luso-espanhola, com uma grande praça com a famosa igreja. No lado oposto da igreja matriz existia uma pequena capela. A praça era o ponto central da vila. Em uma rua lateral, perpendicular às igrejas, estava a Câmara de vereadores. Uruguaiana possuía outras duas praças. Uma delas era conhecida como praça do porto, se localizando perto do rio Uruguai e da alfândega. Em frente a essa praça localizava-se a igreja antiga.

Encontra-se no centro cultural dr. Pedro Marini em Uruguaiana planta da vila de Uruguaiana de 1859 (fig. 19). É um mapa bastante completo, para a época, onde constam as ruas, as praças, os lugares onde existiam matas e banhados e um levantamento geral dos terrenos e casas. Ainda que não seja possível determinar com precisão quantas moradias existiam, realizamos contagem das casas assinaladas no mapa. Seguindo a legenda, apuramos cerca de 690 casas - 233 casas cobertas com capim, 276 do tipo sobrado e outras 181 casas de sotéia, telhadas. Com 5 moradores por casa, a vila teria 3.450 habitantes. Número significativamente superior ao proposto pelo viajante francês. Se contarmos quatro moradores por casa, 2.760.

Não são claros os números referentes à população da vila em 1865. Em 1858, Avé-Lallemant julgara que a vila teria cerca de 2.000 habitantes. Números levantados posteriormente pela câmara municipal propõe que a população uruguaianense fosse um pouco maior, o que corrobora os resultados a que chegamos. Em 1868, quando as tropas paraguaias já haviam deixado Uruguaiana, produziu-se no Rio Grande do Sul um levantamento geral da população da província, que o engenheiro Antônio Eleutério de Camargo publicou sob o título Quadro Estatístico e Geográfico da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul.

A câmara de Uruguaiana teria enviado dados antigos para compor as estatísticas. Com base nas informações passadas a Eleutério de Camargo, em 1846, quando Uruguaiana ainda era distrito de Alegrete, possuía cerca de 4.300 habitantes no município. Ou seja, na sede e no interior. Na década seguinte, a população de Uruguaiana quase dobraria, tendo Longe da Patria.indb 147

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cerca de 9.000 habitantes em todo o município (FANTI, 2003: 8).

Em 1872, quase dez anos após a rendição do exército de Estigarribia a, produziu-se novo quadro estatístico, mais amplo e melhor detalhado, com o número de livres, escravizados, doentes, estrangeiros etc. Nesse levantamento, o município de Uruguaiana contava com população de cerca de 7.900 pessoas. Um decréscimo em comparação com a última contagem. (BRAZIL, 1872:152).

Entrando em Uruguaiana Em 5 de agosto de 1865, depois de cruzarem rios e arroios sem serem acossados, os paraguaios entraram em Uruguaiana. As tropas de defesa permaneceram inertes estacionadas diante da vila. Sobretudo a 1ª divisão do exército imperial, às ordens do brigadeiro David Canabarro, estavam exauridas das marchas, quando passaram por dificuldades de toda ordem. “Não tinham mais que pura carne, magra e cansada, e muitas vezes esta mesma faltou. Completamente nus [sic], sem soldo há muitos meses, abatidos pela fome, mortos de fadiga, sem abarracamento e expostos ao tempo no rigor do inverno, os soldados começaram desde logo a povoar os hospitais, que nunca passaram de improvisadas enfermarias, onde tudo faltava, tudo era um perfeito caos […].” (FRAGOSO, 2010: 138)

A situação do exército paraguaio, ao chegarem à Uruguaiana, não era melhor. Após longas e forçadas marchas “los hombres estaban hambrientos y con frío, empapados por lluvias heladas todos los días” (WHIGHAM, 2011: 366). Os moradores da vila, a exemplo do que ocorrera em Itaqui, abandonaram suas casas às pressas antes da invasão. Na fuga, levaram consigo seus pertences mais valiosos. Por isso, o exército paraguaio “não encontrou grandes riquezas”. (GAY, 1980: 118). Havia porém grande quantidade de alimentos. Algumas famílias teriam fugido Longe da Patria.indb 148

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para a localidade do outro lado do rio Uruguai, em Entre Rios (Argentina) (PALLEJA, 1960: 38).

A vila de Uruguaiana foi quase completamente despovoada, com exceção de poucas famílias, em geral estrangeiras, que optaram por nela permanecer. Até as vésperas da invasão, era crença geral que as forças a mando de David Canabarro protegeriam a vila contra a invasão. Entretanto, dias antes da chegada do exército paraguaio, o comandante David Canabarro, desaprovando as defesas construídas para o cerco da vila, ordenou a evacuação da mesma. A saírem às pressas, deixaram “lojas, armazéns, depósitos do comércio, como a mesma da alfândega abundantemente provida de viveres”. (SOUZA, 1887: 4). As tropas paraguaias, com fartura de alimento, “esqueceram-se” das ordens de Solano López e novamente acamparam dentro da vila, uma decisão capital para o destino dos invasores. Se pretendesse cumprir as ordens de Solano López, a coluna jamais acamparia em Uruguaiana, pondo-se no perigo, como lembrara Solano López, de ser sitiada. Deveria prover-se de viveres e seguir imediatamente o caminho de Alegrete. (CENTURION, 1904: 4).

Ao entrarem em Uruguaiana, os paraguaios melhoraram as fortificações mandadas levantar por Canabarro e as transformaram em trincheiras. Após rendição, o conde d’Eu percorrera toda extensão das trincheiras e registrou que: “[...] rodeia toda a cidade e se compõe de um fosso de um metro de largura e outro tanto de profundidade, e de um parapeito de terra muito misturada com pedra grossa, deixada do lado exterior com a sua inclinação natural e sustentada interiormente por um revestimento vertical de tábuas, ou de tijolo sem argamassa, de 1,5m de altura.” (d’Eu, 1980: 104). Ou seja, com as trincheiras, os paraguaios podiam alvejar e municiar suas armas relativamente protegidos da artilharia e das armas pessoais das tropas aliancistas. Tradicionalmente se propunha que, naquelas condições, eram necessários três homens para atacar cada homem entrincheirado.

Após a ocupação da vila, a situação dos paraguaios sitiados começou a comprometer-se. Eram cerca de 7.000 homens para serem alimentados e, aos poucos, os provimentos escassearam, obrigando que matassem “os bois de suas carretas, os cavalos de suas montarias” para Longe da Patria.indb 149

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alimentarem-se. (SOUZA, 1887: 7). Uma situação que tendia a agravarse dia após dia, caso não chegasse o apoio esperado do Paraguai.

Batalha de Jataí Quando o general Bartolomé Mitre soube da infeliz ideia de Solano López de dividir seu exército em operações no rio Uruguai em duas colunas, tratou de agir contra a coluna menor. (GARMENDIA, 1904: 226). Em 19 de junho de 1865, Mitre chegava a Concórdia, ponto de reunião aliancista, para rentrevistar-se com os generais Manuel Luis Osório, comandante do exército imperial em operações no Uruguai, e o colorado Venâncio Flores, que, senhor do Uruguai, marchara com tropas orientais para fortalecer seus aliados. (FRAGOSO, 2010: 167).

Em 17 de agosto de 1865, enquanto Antonio Estigarribia e seu exército encontravam-se sitiados em Uruguaiana, uma poderosa força comandada pelo general Venâncio Flores derrotou a coluna do exército paraguaio comandado pelo major Pedro Duarte. As relações entre Pedro Duarte, que começou a preparar o exército para operar no sul, e Antonio Estigarribia, que lhe substituiu na comandância da mesma força, não seriam das melhores. Em sua biografia militar, escrita mais de vinte anos após os sucessos, com Estigarribia já morto, Pedro Duarte afirmara que seu superior tratava-o com certa indiferença e que, em uma ocasião, fora sido “muy desafortunado con [su] Jefe” (DUARTE, 1890).

A disputa entre Estigarribia e Pedro Duarte era situação não incomum, tratando-se de oficiais com expectativas de progressão profissional. Ela pode ter sido também alimentada pelo tratamento dispensado a ambos por Francisco Solano López. Inicialmente, como vimos, a escolha del Mariscal fora por Duarte, que reuniu e treinou a tropa para invasão ao Rio Grande. Duarte foi, porém, substituído no comando por Estigarribia. No entanto, Pedro Duarte gozava de prestígio com Solano López, que dispensava igual tratamento a ambos os chefes no que diz respeito às informações enviadas ao campo de batalha. Ou seja, o mariscal correspondia-se com ambos oficiais, o que era de certo modo anti-regimental. Tal procedimento era igualmente uma forma de controlar os oficiais, ainda que fosse certamente motivo de cizânia entre ele. (AGUINAGA, 2015: 103). Longe da Patria.indb 150

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Pedido não Correspondido Um dia antes do massacre de Jataí, ao saber que força inimiga era muito superior a sua, o major Pedro Duarte teria pedido ao seu comandante, Antonio Estigarribia, que lhe enviasse alguns batalhões de infantaria. (GARMENDIA, 1904: 275). Segundo Juan Crisóstomo Centurión, “Estigarribia, llevado de antipatía personal hacia Duarte, atribuyó la demanda a cobardía, sin importarse de mandarle el auxilio solicitado”. (CENTURION, 1944: 10).

Portanto, o tenente-coronel Antonio Estigarribia teria negado explicitamente auxílio a seu comandado, deixando-o combater com um exército no mínimo três vezes superior, sem qualquer artilharia. Pedro Duarte, em uma quase súplica ao seu comandante, teria oferecido inutilmente ao seu superior dezoito canoas que dispunha ,caso esse quisesse enviar seus reforços. (GARMENDIA, 1904: 275; CENTURIÓN, 1944: 10). A tradição sugere que Estigarribia poderia ter cruzado com sua coluna para margem direita do rio Uruguai em apoio a Pedro Duarte, permitindo que a batalha do Jataí terminasse de outra forma, de maneira favorável aos paraguaios ou, ao menos, não como uma total derrota.

Propõe-s que, após ter o pedido de ajuda negado por seu comandante, Pedro Duarte teria duas opções: se entregar com sua pequena coluna ou dar batalha sem esperança. Com forças tão desproporcionais, seria imprudência Duarte partir para ofensiva. Por estar em condição totalmente desfavorável, teria se estabelecido em um “posição defensiva”, onde foi massacrado. (DUARTE, 1981: 71).

Criticando a ação do comandante geral paraguaio, Augusto Tasso Fragoso afirmou que Antonio Estigarribia se portou de forma “passiva dentro de Uruguaiana, vendo sucumbir isolada, do outro lado do rio, uma fração considerável de sua coluna” (FRAGOSO, 2010: 199).

Nem tão certo, nem tão errado Estigarribia determinara que Pedro Duarte incorporasse a suas filas contingente recém-chegado do Paraguai, que permanecera na vila de Pilar, no Paraguai, doentes. Duarte pode formar com eles um batalhão provisório de trezentos homens. Também foram agregados à coluna de Duarte “algunos partidarios (orientales y correntinos) y a muchos de Longe da Patria.indb 151

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los desertores de las fuerzas del coronel (Simeon) Payba”. (BEVERINA, 1921/2: 116). O que amenizou, mas não superou a situação de inferioridade numérica.

Havia igualmente um óbice para a transferência de tropas de uma margem a outra. Nesse então, o rio Uruguai era percorrido por um pequeno barco canhoneiro imperial, que, durante o dia, fazia partidas ao longo do rio e, à noite, fundeava em uma ilha próxima. Ela era comandada por Floriano Peixoto, oficial de primeira linha, que tentava superar a inatividade da Armada. (CENTURION, 1944: 10). Ainda que com algum perigo, as tropas podiam cruzar o rio à noite.

Em 1888, em depoimento a Estanislao Zeballos, o então ministro da guerra, general Pedro Duarte, minimizou a inoperância de seu superior como responsável pela derrota na batalha do Jataí. Duarte afirmou que as informações correntes em Paso de Los Libres sobre a ordem recebida para lutar, mesmo com força reduzida, não contemplavam a verdade. No entanto, não isenta totalmente a responsabilidade de Estigarribia. Afirmava que lutou com tamanha desproporção porque não recebeu reforços e sua condição de defensor da pátria não lhe permitia entregar-se.

Naquela entrevista, recordava o diálogo que tivera com Venâncio Flores, logo após ter sido prisioneiro, na presença de diversas testemunhas: “Yo dependía del Comandante Estigarribia que era mi jefe. Yo sabía la fuerza enemiga y conocía que mi posición era mala. De todo di aviso a mi jefe, pidiéndole que hiciera pasar refuerzos. Él no me reforzó ni dio órdenes. Yo no podía abandonar mi puesto de jefe de vanguardia, sin deshonor para mí. Si abandono este puesto, queda el camino libre para los aliados sobre el cuerpo principal de Uruguayana y atacado y vencido Estigarribia, me hubiera hecho fusilar por cobarde. Yo tenía que pelear forzosamente por el honor mío y de mi país. Si yo hubiera mandado en jefe no me agarran los aliados, pues, conociendo muy bien el país, me voy con mi gente. Después de la guerra, no nos hemos visto con Estigarribia pues yo estaba irritado.” (AGUINAGA, 2015: 97. Destacamos).

O Combate do arroio Jatay O combate se deu num terreno cortado por vários pequenos arroios que desaguam nos arroios Jataí e Despedida, de maior curso d’água, que Longe da Patria.indb 152

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desaguam no rio Uruguai. Segundo Beverina, em “épocas normales [esses pequenos arroios] no llevan agua; pero, las partes de su lecho que no corren por terreno a fuerte desnivel, son permanentemente pantanosas y ofrecen limitados puntos de pasaje”. (BEVERINA, 1921/2: 118). O exército paraguaio debilitado com o forte frio que fez naquele ano, teve que enfrentar outro inimigo natural, as fortes chuvas.

Segundo o coronel espanhol León de Palleja, o combate deu-se em “un lodero que partiendo de la cuchilla donde se encuentran unas quintas, va a morir a un bañado de media legua lo menos, que forman el Uruguay y un Arroyo que estaba derramado (Yataí)”. (PALLEJA, 1960: 83). As chuvas eram constantes naquele período, fato que prejudicava as operações. O oficial argentino Francisco Seeber [1841-1913] participou do combate de Jataí. Mais tarde, ele escreveu Cartas sobre la Guerra del Paraguay, trabalho no qual refere-se à opção defensiva de Pedro Duarte. Escreveu que os paraguaios “ocupaban un terreno formado por un triángulo; a la izquierda el rio Uruguay, a la derecha el Arroyo Yatay y al frente una zanja no muy profunda que los paraguayos habían cavado para su defensa”. (SEEBER, 1907: 51).

Figura 22 - A posição dos exércitos no campo de batalha Fonte: http://bndigital.bn.br/acervo-digital

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Na entrevista a Zeballos, Pedro Duarte propôs que, se tivesse contado com o apoio do grosso do exército paraguaio, poderia ter derrotado o exército aliancista comandado por Venancio Flores. Os exércitos que se enfrentaram em Jataí apresentavam diferenças gigantescas quanto ao número de combatentes e ao armamento. Os historiadores argentinos Mario Haig Chalukian e Tomas Fernández lembram que o efetivo total do exército aliancista seria de 12.500 homens. A composição do exército contaria com uma brigada brasileira comandada pelo general Joaquim Coelho Kelly, com cerca de 2400 homens. O corpo expedicionário oriental, a mando do general Venâncio Flores, com cerca de 2.700 homens e oito peças de artilharia. O primeiro corpo do exército argentino tinha 5.000 homens e 24 peças de artilharia. E ainda as cavalarias correntina e rio-grandense contavam com cerca de 2500 homens.(CHALUKIAN & FERNÁNDEZ, s/d: 40-43).

O major Pedro Duarte tinha apenas 3.200 homens e não contava com qualquer artilharia. (FRAGOSO, 2010: 191). As diferenças entre as forças eram gritantes e não se resumem ao número de combatentes, como também ao tipo de armas que dispunham. Os paraguaios estavam “armados de fuziles de chispa”, lisos, de pouca precisão e quase inservíveis sob chuva, e “sin artillería”. (CENTURION, 1944: 9). Francisco Seeber registrava que “los aliados tenían cañones, algunos rayados y rifles; podían haber cazado sus adversarios como a patos y haciendo fuego de distancias que no podrían ser ofendidos”. (SEEBER, 1907: 83).

Sem Artilharia O fato de não possuírem artilharia obrigou a tropa paraguaia permanecer na defensiva. “Para su mayor seguridad construyeron los paraguayos imperfectos atrincheramientos, que tenían un metro y tres cuartos de anchura e igual profundidad, sin parapeto, glasis ni declives, donde colocaron sus compañías de cazadores y extendieron su línea en el fondo del valle defendiendo su frente y sus flancos por esas obras dejando con la mayor ignorancia las alturas que la dominaban a la artillería enemiga.” (GARMENDIA, 1904: 285).

O posicionamento do exército paraguaio não parece ter sido o melhor. Pedro Duarte era um oficial valente mas com pouca instrução e experiência militar. Na linha de defesa, entrincheirados, cerca de 800 Longe da Patria.indb 154

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paraguaios esperavam o ataque. À medida que avançava o exército aliancista, os defensores paraguaios deixavam a trincheira e reuniam-se ao grosso da tropa. Entre ambos os exércitos teria ficado um lodaçal que surpreendeu muitos desavisados do exército aliancista. (CHALUKIAN & FERNÁNDEZ, s/d: 60).

Após essa primeira resistência, o exército paraguaio foi completamente envolvido pelas superiores forças aliadas. O exército paraguaio que até então resistia e retrocedia com certa ordem, debandou ao ser atacado com mais intensidade. Forçados contra o arroio Jataí, que deu nome à batalha, muitos paraguaios teriam sido mortos atolados nos banhados “Cerca de cem homens do exército paraguaio fugiram pelo rio Uruguai e alcançaram uma ilha para abrigar-se.” (PALLEJA, 1960: 84). As perdas paraguaias chegaram a 2000 mortos, muitos deles falecendo afogados ao tentarem fugir. A facilidade com que se deu a vitória impressionou até mesmo alguns chefes do exército aliancista. Após a batalha de Jataí, o jovem oficial argentino Dominguito Sarmiento [18451866], filho do estadista argentino Domingo Faustino Sarmiento [18111888], destacou que a guerra não demoraria a findar, devido à grande facilidade da vitória. Em carta à mãe, dizia que os paraguaios não eram “enemigos dignos”. Eles estariam “predestinados a la derrota o a la rendición” (CARRETERO, 1973: 61). O jovem oficial argentino registrava a expectativa geral de uma guerra e vitória rápidas, como fora proposto por Bartolomé Mitre. Sobretudo após Jataí, cresceu a descrença na capacidade do soldado paraguaio e a confiança na promessa mitrista. Em outro comentário, eivado de preconceito e total desconhecimento sobre a sociedade paraguaia, noticiando o aprisionamento de soldados correntinos arrolados no exército paraguaio, Dominguito defini-os como os “buenos soldados que tenía el ‘enemigo”. (CARRETERO, 1973: 61).

Alguns oficiais eram mais cautelosos ao se referirem ao fim dos conflitos. Dias antes da batalha, Palleja registrara em seu diário que a campanha talvez fosse “más larga que lo que algunos creen” (PALLEJA, 1960: 78). Suspeitas que teriam sido redimensionadas após a batalha de Jataí. Após o combate, Palleja descreveu em forma preconceituosa os prisioneiros paraguaios: “El ejército paraguayo es estúpido y animal; soldado que resiste bien, pero que no ataca. En las fisionomías se ve pintada la indolencia y estupidez que los caracteriza; están sucios y desnuLonge da Patria.indb 155

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dos casi de medio cuerpo abajo. Apestam sus personas como los índios pampas.” (PALLEJA, 1960: 85).

Primeira Grande Batalha Em agosto de 1865, em carta sobre a batalha do Jataí, em comentário mais equilibrado, o militar argentino Francisco Seeber registrou que os soldados paraguaios eram muito mal armados e mal treinados, e que isso teria maximizado as chances do exército aliancista já em grande vantagem numérica. (SEEBER, 1907: 83). A batalha do Jataí foi marcada pelo esforço inicial da reduzida coluna de Pedro Duarte para se defender, seguido de um verdadeiro massacre. José Ignacio Garmendia afirma que “el combate verdadero no había durado más que una hora y media”. Depois disso “no hubo batalla, sino matanza”. (GARMENDIA, 1904: 297).

Percorrendo o teatro da batalha, o correspondente no Uruguai do jornal britânico Evening Star teria presenciado uma das cenas mais cruéis da guerra. “[…] mil cuatrocientos paraguayos yacían allí sin haber recebido sepultura; los más de ellos tenían las manos atadas y la cabeza destroncada”. (O’LEARY, 1970: 180). Em correspondência não datada ao general Bartolomé Mitre, Solano López registrava sua indignação para com as atrocidades de guerra procedidas pelo exército de Flores. Solano López desprezava “la bárbara crueldad con que han sido pasados a cuchillo los heridos del combate de Yatay” (CHAVES, s/d: 128).

A “matança” de Jataí repercutiria negativamente na imprensa internacional. Em sua parte do combate ao general Mitre, o general Flores tentou justificar o grande número de mortes. Dizia que os paraguaios haviam “combatido como bárbaros”. Utilizando a ideia de soldados fanatizados, o general escrevia que “no hay poder humano que los haga rendir, y prefieren la muerte certa antes que rendirse” (MITRE, 1865).

Segundo o padre Gay, após a batalha do Jataí, o exército aliancista teria encontrado junto aos documentos do major Pedro Duarte registro de uma possível conspiração . Os documentos “faziam menção de um acordo e plano de sublevação entre os paraguaios e certos chefes entrerrianos e orientais, no caso de um revés do exército aliado”. (GAY, Longe da Patria.indb 156

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1985: 121). Confirmação impossível de constatar, uma vez que o diário de Pedro Duarte perdeu-se, muitos anos depois da guerra. Em 1888, o major Duarte, agora Ministro da Guerra no Paraguai, em entrevista dedicada a Estanislao Zeballos, não cita o ocorrido.

Figura 23 – Combate de Jataí Fonte: Rivarola, Milda Espinoza. La Polémica Francesa sobre la Guerra Grande.disponível em:http://www.portalguarani.com/1686_milda_rivarola_espinoza/21345_la_polemica_ francesa_sobre_la_guerra_grande__por_milda_rivarola.html

8. A rendição de Uruguaiana Em 22 de junho de 1865, o então coronel Francisco Isidoro Resquín apresentou-se no acampamento de Humaitá, de onde partiu para substituir no comando o general Robles, em Corrientes. Solano López teria lhe informado “del mal estado en que se hallaban las operaciones del Sur, tanto del general Robles como del comandante Estigarribia”. O exército de Estigarribia não teria possibilidade “de salvarse si no se les remitía una protección de fuerzas respetables, pero no había tiempo para ello”. (RESQUÍN, 1996: 30).

Após a rendição paraguaia em Uruguaiana, ficou em posse do exército aliado importante documentação contendo as partes militares de Estigarribia a Solano López; as propostas de rendição recebida, assim como suas respostas; as tratativas de oficiais daquele exército com ofiLonge da Patria.indb 157

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ciais imperiais. Em 1965, por ocasião do Centenário da Rendição, o Instituto Histórico e Geográfico brasileiro publicou edição comemorativa da sua revista com essa documentação e o diário de Estigarribia, traduzido ao português.

A documentação original encontra-se no Rio de Janeiro, no arquivo do Exército Brasileiro. Cópias autenticadas dessa documentação encontram-se no arquivo histórico da cidade de Uruguaiana. Essa documentação nos ajuda a compreender algumas situações da negociação de rendição.

Em 19 de agosto, após a batalha de Jataí, começou a longa tratativa entre Estigarribia e os aliancistas. Nesse dia, Flores, já diante de Uruguaiana, fortalecido pela vitória sobre Duarte, o brigadeiro David Canabarro e o general Frederico Caldwell enviaram notas oferecendo rendição aos paraguaios. (GARMENDIA, 1904: 310). Em resposta aos oferecimentos de rendição, Estigarribia propusera que preferia “la muerte a entregar las armas”. Escreveu ainda que chefes, oficiais e soldados de sua divisão estavam dispostos “á sucumbir en el campo de batalla antes que aceptar una proposición que deshonraría y llenaría de eterna infamia el nombre del soldado paraguayo” (DIÁRIO DE CAMPANHA, 1865).

Falsa saída Nesse dia, Estigarribia comandou saída de suas forças da cidade em direção à estrada de Itaqui. Foram, no entanto, interceptados pelas precárias forças de David Canabarro, que se encontrava às margens do arroio Imbaá, a cerca de dez quilômetros da cidade. (FRAGOSO, 2010, 207). Antonio Estigarribia, que na correspondência aos chefes aliancistas jurava vontade de combater ao invés de se render, voltou a Uruguaiana sem dar combate, jamais verdadeiramente perseguido por Canabarro. Essa ação definiria o destino da coluna. Se tivesse dado batalha à força de David Canabarro, teria tido eventualmente chances de superar a situação precária em que se encontrava, iniciando a marcha incerta de volta para o Paraguai. Para o militar argentino Ignacio Garmendia, “por esta manobra retrógrada confesaba Estigarribia su impotencia y

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su ineptitud”. (GARMENDIA, 1904: 316).

As forças aliancistas, diante de Uruguaiana, aumentavam dia após dia, com a chegada de novos reforços. Estigarribia pretendia dar combate a esse grande exército, quando não tinha feito contra uma pequena força mal armada? Nesse momento, as opiniões no exército paraguaio já divergiriam. Ao voltar para Uruguaiana, Estigarribia “convoco una junta de guerra” para discutirem duas possibilidades táticas: cruzar o rio Uruguai e tentar juntar-se às tropas de Resquín, em Corrientes, ou marcharem para o sul para tentar sublevar os partidários blancos. Essa última proposta era defendida pelos oficiais uruguaios do destacamento. (GARMENDIA, 1904: 318).

A primeira alternativa seguiria a proposta inicial de López de unificar as duas colunas paraguaias. (CENTURION, 1944: 6). Em 31 de agosto, essa saída foi fechada com a chegada do almirante Tamandaré, que reforçou o patrulhamento do rio com quatro vapores e duas chatas. Estigarribia recusara cruzar o rio em auxílio ao major Duarte quando havia apenas uma pequena embarcação patrulhando o rio. Não o faria com a presença da pequena esquadra diante da vila.

No final de agosto, Estigarriabia enviou partida por rio solicitando ajuda de Robles – até então, não sabia da destituição daquele comandante. Enquanto tentava contato com López, seguiam as negociações para possível rendição. Dois irmãos orientais, os Salvañach, que acompanhavam o exército paraguaio, seriam os responsáveis pela intermediação de rendição “honrosa”. (PALLEJA. 1960: 109).

Situação Precária A situação do exército paraguaio em Uruguaiana era precária. Superada a fartura dos primeiros dias, os paraguaios quase padeciam fome. Em viagem através do Rio Grande, o conde d’Eu anotaria em seu diário: “Há quem espere que por este fato [fome] renda-se essa força [paraguaia] sem que tenha de se disparar um tiro” (d’Eu, 1981: 57).

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Figura 24 - O sítio de Uruguaiana FONTE: Atlas histórico da Guerra do Paraguay. Organizado pelo 1º tenente E.C. Jourdan. Rio de Janeiro: Eduardo Rensburg, 1871 p.13.

O exército aliancista diante de Uruguaiana chegaria a cerca de 17.000 homens das três armas. (FRAGOSO, 2010: 209). O exército paraguaio mal passaria de seis mil homens, também das três armas. Entretanto, como assinalamos, os assaltantes deviam serem três vezes superiores para assaltar uma posição bem defendida. O que não era precisamente o caso de Uruguaiana. Em inícios de setembro, talvez também para economizar alimentos, Estigarribia solicitara autorização aliancista para enviar para fora da vila cem civis que ali se encontravam.

Aos poucos, a situação do exército paraguaio encerrado em Uruguaiana se tornava mais crítica. O contingente aliancista posicionado diante de Uruguaiana impedia qualquer possibilidades de romper o cerco. Uma batalha campal, considerando-se a desproporção das tropas, seria repetir o massacre de Iataí. A maior porção do exército aliancista posicionou-se ao sul da vila, a cerca de dois quilômetros e meio da praça principal. A vila se encontrava, portanto, ao alcance das 42 peças de artilharia. imperiais (FRAGOSO, 2010: 210). O rio Uruguai estava igualmente vigiado: os navios Onze de Junho, Uruguai e Taquarí impediam qualquer tentativa de fuga ou de recebimento de auxílio pelo rio. León de Palleja anotou em seu diário que as peças de artilharia que possuía o exército paraguaio em Uruguaiana, eram “antiquísimas y tanLonge da Patria.indb 160

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to que algunas de ellas hasta son históricas”. Segundo Palleja, após a rendição, as armas recolhidas dos paraguaios eram em sua maioria de chispa, de pouca precisão. Os paraguaios haviam obtido alguma armas melhores no ataque a São Borja e nos poucos confrontos com o exército aliado.(PALLEJA, 1960: 150).

O exército invasor dividia-se entre a proposta de resistência e de rendição, como registrou o próprio Estigarribia. Durante quase um mês, desde pelo menos 20 de agosto, os chefes orientais e paraguaios encerrados em Uruguaiana receberam enxurrada de correspondência propondo a rendição. As propostas vinham, sobretudo, dos chefes superiores aliancistas, como Venâncio Flores, David Canabarro, Francisco Pedro de Abreu, o Wenceslao Paunero; dos oficiais legionários paraguaios, como Juan Francisco Decoud.

Trabalhando pela Rendição Em 24 de agosto de 1865, o oficial oriental Juan Pedro Salvañach, conselheiro de Estigarribia, em resposta à correspondência do barão de Jacuí, admitia que trabalharia junto aos oficiais paraguaios em favor da rendição.(ver anexo 4) Dizia que estava disposto “a marchar hacia el campo del señor barón acompañado de un jefe y un oficial” daquele exército para que tratassem do acordo (DIÁRIO DE CAMPANHA, 1865).

Em 2 de setembro de 1865, os oficiais aliancistas enviaram nova proposta de rendição, apelando para a ‘sensibilidade’ do comandante paraguaio, dizendo que a guerra não era contra os paraguaios e sim contra o “tirano” López que escravizava o seu povo. (ver anexo 5) A resposta, possivelmente escrita pelo padre Ignacio Duarte ou por um dos irmãos Salvañach, perguntava por que, em vez de “libertar” os paraguaios, não principiavam “por libertar a los infelices negros del Brasil” (DIÁRIO DE CAMPANHA, 1865). Havia correspondência oficial e a extra-oficial! A precária situação dos paraguaios e a quase nula possibilidade de receberem ajuda e notícias faziam Estigarribia baixar a guarda. Em 7 de setembro de 1865, o legionário paraguaio Juan Francisco Decoud enviou larga correspondência a Estigarribia, em tom suave e, ao mesmo tempo, acusador, insistindo que a guerra não era contra os paraguaios, mas sim contra o “tirano” López, conforme propunha a retórica oficial aliancista. (ver anexo 10) Apelando para a intimação, mais do que para Longe da Patria.indb 161

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o sentimento, Decoud dizia que Estigarribia poderia ser responsável por “evitar el derramamiento de la inocente sangre paraguaya de ocho mil conciudanos”.

O legionário paraguaio solicitava a Estigarribia uma entrevista onde poderia “comunicarle muchas circunstancias que Solano López oculta de usted”. Em outro trecho da correspondência, procurando minar o sentido de lealdade do comandante, alertava: “Debes Ud. tener presente que los tiranos nunca pagan bien a sus servidores porque la desconfianza puede más en ellos que la fidelidad misma” (DIÁRIO DE CAMPANHA, 1865).

A correspondência do paraguaios anti-lopiztas teve resultados. Em início de setembro, Estigarribia aceitou reunir-se com dois legionários, o coronel Fernando Iturburu e o comandante Francisco Decoud. Ambos tentavam convencê-lo a render-se. Ao saírem da praça sitiada, após longo período de conversação, os legionários teriam recebido forte abraço do comandante paraguaio que prometera conversar com o seus oficiais “cuyas opiniones están divididas”. (GARMENDIA, 1904: 345). As discussões constituíam inegavelmente ato de traição.

O discurso mudara. Se no inicio das intimações, o comandante afirmava que não se renderiam sem combater, admitia agora que havia divisão no exército e que trabalharia para rendição. Em 10 de setembro, chegou a Uruguaiana o general Bartolomé Mitre, que se encontrava em Concórdia com o general Osório. No mesmo dia, chegava às suas mãos correspondência de Estigarribia solicitando melhores condições para a rendição. (GARMENDIA, 1904: 360). A correspondência teria sido desconsiderada por Mitre que sabia que os paraguaios não estavam em condições de exigir nada.

O Imperador diante de Uruguaiana Em 11 de setembro, o imperador chegou ao acampamento aliancista diante de Uruguaiana. A essa altura, as negociações de rendição estavam avançadas. No entanto, os preparativos para o ataque também já haviam iniciado. No dia 18, poucas horas antes de atacarem os paraguaios, os chefes aliancistas enviaram nova proposta de rendição. (ver anexo 16). O comandante paraguaio, sabendo talvez que era a última oportunidade de livrar-se do combate, decidiu remeter correspondênLonge da Patria.indb 162

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cia oferecendo rendição.

Os termos da entrega previam que os aliados tratariam os prisioneiros com “todas las reglas que las leyes de la guerra prescriben para con los prisioneros”. O segundo ponto exigia que os chefes e oficiais pudessem sair da vila “con sus armas y demás bagajes” e que pudessem escolher qualquer lugar para residir inclusive o Paraguai. A terceira condição era que os chefes e oficiais orientais ficassem prisioneiros do Império (DIÁRIO DE CAMPANHA, 1865).

O general Manuel Marques de Souza, barão de Porto Alegre, sabendo que a partir daquele momento os paraguaios não apresentariam resistência, levou pessoalmente a devolutiva da proposta de rendição. (FRAGOSO, 2010: 214). Estigarribia recebeu a correspondência que aceitava a primeira e a terceira cláusulas. A segunda, modificada pelos aliancistas, dizia que “os oficiais de qualquer categoria” não podiam “sair da praça com armas” e que os prisioneiros escolheriam qualquer lugar para residir desde que “não pertença ao território paraguaio”. (FRAGOSO, 2010: 215).

Em 18 de setembro de 1865, após algum tempo de negociação, o tenente-coronel Antonio de La Cruz Estigarribia rendeu-se, segundo as condições acordadas. “Con esta catástrofe militar terminaba el primer año de la guerra para el Paraguay. El país había perdido casi 20 000 soldados, los mejores regimientos de caballería, la mitad de la flota y la iniciativa estratégica. […] la guerra no tardaría en volcarse sobre su propio territorio.” (VILABOY, 1984: 146).

Mitre propusera guerra e vitória relâmpago. O mesmo se cria no Império do Brasil. Em 25 de setembro de 1865, o brigadeiro Antônio de Souza Netto, que levara as reclamações dos estancieiros sulinos ao ministério imperial e o pedido de intervenção ao lado de Venancio Flores, teria escrito para João Manuel Menna Barreto que o restante da campanha “não passaria de um passeio militar”. (CORREIO PAULISTA, 1865).

A rendição paraguaia, sem luta, fora facilitada pelo estado de abatimento que reinava entre os oficiais e a tropa paraguaia. Augusto Fausto de Souza [1835-1890], oficial do corpo de engenheiros do exército imperial, acompanhou de perto os sucessos da campanha, deixando importante relato sobre ela. Em sua obra A rendição de Uruguayana, publicada duas décadas após os sucessos, registrou a pouca disposição para Longe da Patria.indb 163

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guerrear do exército de Antônio Estigarribia. Enquanto aconteciam as negociações, parte da força paraguaia “manifestava em altas vozes aos oficiais que acompanhavam o ministro brasileiro, que elas não combateriam e com a melhor vontade se entregariam”. (SOUZA, 1887: 21).

Submissos aos Chefes O padre Gay referiu-se ao tratamento dado aos soldados paraguaios: “Os soldados paraguaios são mui submissos a seus chefes, que os tratam pior que a escravos, quase como um peão trata uma manada de animais chucros, pois que um simples cabode-esquadra, um sargento cai com a espada ou com o chicote sobre cinquenta ou mais soldados, para fazer sair de uma casa, e todos recebem os golpes sem proferir palavra, e se retiram imediatamente”. (GAY, 1985: 86).

Foram aprisionados em Uruguaiana 5.545 militares paraguaios, dentre eles, 59 oficiais. Os prisioneiros foram divididos entre os exércitos aliados. “Cabendo ao Império 1.307 homens.” (DUARTE, 1981: 127). Em suas anotações à obra do cônego Gay, Souza Doca propõe que “nenhum prisioneiro incorporou ao seu exército e todos os que lhe couberam, oficiais civis ou praças de pré, foram tratados segundo o Direito das Gentes”. (GAY, 1985: 316). Veremos que nem todos os prisioneiros que couberam ao Império foram tratados como propõe Souza Docca. Ao contrário, alguns deles foram incorporados ao exército imperial, sendo obrigados a lutarem no Paraguai, contra sua nação.

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Figura 25 - A rendição de Antônio Estigarribia Fonte: Rivarola, Milda Espinoza. La Polémica Francesa sobre la Guerra Grande.disponível em:http://www.portalguarani.com/1686_milda_rivarola_espinoza/21345_la_polemica_ francesa_sobre_la_guerra_grande__por_milda_rivarola.html

Ao saber da rendição em Uruguaiana, Solano López publicou proclamação: “[…] es con la más grande extrañeza que acabo de ver que el enemigo publica la rendición de la división ligera [sic] que bajo las órdenes del teniente coronel Estigarribia recorría las costas del Uruguay, y que se había entregado sin disparar un tiro el día 18 del pasado Setiembre en la Uruguayana. Esta desgracia es la consecuencia del olvido de todos los deberes del soldado y del ciudadano y la infracción a mis órdenes.” Seguia o documento: “Ya el Sargento Mayor Duarte con una pequeña fuerza dependiente de aquella División, también en contravención de mis órdenes, libró el 17 de Agosto un combate en el Yatahy, contra todo el Ejército aliado de vanguardia del enemigo, sin el menor auxilio del cuerpo principal del mando del Teniente Coronel Estigarribia, únicamente separados por el ancho del río, con tiempo y medios de pasajes. Empero, en esa jornada no quedó mancillado el honor del soldado paraguayo y la sangre allí vertida, costó caro al enemigo.” O documento concluía: “Con mi ilimitada confianza en las cualidades de todo soldado paraguayo, y la que había depositado en el

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166 • Longe da Pátria: a invasão paraguaia do Rio Grande do Sul e a rendição em Uruguaiana (1865)

Comandante Estigarribia, detenía el curso de las operaciones militares esperando de día en día ver llegar aquella división a las posiciones que le estaban ordenadas, y cuando contaba en que ella se abriría paso donde fuera necesario, conquistar nuevos laureles para cumplir las órdenes que le tocaba ejecutar, me viene ahora la vergonzosa noticia de la rendición de Uruguayana sin costar al enemigo una gota de sangre, y con ella la nueva sorpresa de que nada se había hecho para buscar las posiciones señaladas, atrincherándose en aquella ciudad brasilera […].” (CHAVES, s/d: 131). A rendição da coluna Estigarribia caiu como uma bomba no Paraguai. A população sentiu-se abalada moralmente por ver aquela expressiva força militar ser capturada em Uruguaiana. A população asunsenha teria feito “manifestaciones contra Estigarribia” propondo que havia “traicionado a su patria por dinero”. (CENTURIÓN, 1944: 25; CAPDEVILA, 2010: 388). Certamente se fortaleceu no interior das classes proprietárias a oposição à direção do governo e da guerra por Francisco Solano López.

9. Uruguaiana - após a rendição Perdas e danos Em 18 de Setembro de 1865, após a rendição, teve lugar o esvaziamento de Uruguaiana das tropas paraguaias. Os prisioneiros foram retirados aos poucos. O conde d’Eu destacou que uma característica que presenciava nos soldados que abandonavam Uruguaiana era a “ternura infantil com que cada um parecia levar os objetos, muitas vezes incômodos e sem valor algum, que tinham roubado em Uruguaiana. Alguns, é verdade, iam carregados com sacos ou caixas, cujo conteúdo não podíamos ver; mas outros contentavam-se com uma cafeteira de folha ou com uma enorme panela; um tinha posto como chiripá um chalé de senhora; Longe da Patria.indb 166

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outro apertava nos braços um guarda-chuva; um terceiro levava uma sombrinha de seda branca […].” (d’Eu, 1981: 101).

Das três vilas invadidas e saqueadas, Uruguaiana foi a que teve mais prejuízo, devido aos 45 dias que as forças paraguaias permaneceram no seu interior. Augusto Fausto de Souza descreveu o estado em que ficou a vila após a rendição paraguaia. Segundo o oficial, todas as casas da aglomeração foram invadidas e saqueadas; os objetos de maior valor foram retirados e o demais quebrado. “[…] debalde se procuraria em toda a cidade uma só casa que se prestasse a servir de residência, ou mesmo para servir de hospital”. (SOUZA, 1887: 25). O conde d’Eu comentou: “Não sei se Uruguaiana alguma vez chegou a ser uma bela cidade; depois que por lá passou a invasão paraguaia, é uma cidade cheia de ruínas. Não há uma só casa que não tenha sido saqueada; todos os objetos que podiam ser utilizados ou levados, o foram; e tudo o mais destruído.” Segundo o príncipe, pelas ruas de Uruguaiana viam-se “cadeiras e canapés partidos; as portas foram arrombadas, os vidros todos partidos […]” (d’Eu, 1981: 43).

Figura 26 - Localização das casas possivelmente destruídas Fonte: http://bndigital.bn.br/

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168 • Longe da Pátria: a invasão paraguaia do Rio Grande do Sul e a rendição em Uruguaiana (1865)

Segundo o mapa de Uruguaiana de 1859, a vila possuiria umas 690 casas. Em 1865, quando da invasão paraguaia, o número de casas seria um pouco maior. O mapa apresentado na Figura 25 foi elaborado por Felix Allexandre Grivot, um francês que trabalhou como arruador em Uruguaiana. Não foi possível determinar a data em que foi elaborado, porém, ele mostra as casas que teriam sido destruídas. Segundo o autor do mapa, todas as casas foram danificadas ou destruídas. A invasão paraguaia teria causado prejuízo sobretudo às famílias endinheiradas: donos de médios e grandes negócios e casas urbanas. A população pobre urbana não possuía grandes bens que não pudessem ser transportados quando da fuga ou que atraíssem os paraguaios. Atendendo aos primeiros pedidos dos moradores das vilas, o governo imperial anunciou o envio de vinte contos de réis como auxilio às pessoas que mais sofreram com a invasão. (ORDEM DO DIA, 1865). Uma soma muito reduzida.

Pedra sobre pedra Nas primeiras semanas de ocupação, casas fora dos perímetros defensivos foram destruídas, para não permitir que os aliancistas nelas se protegessem, quando de assalto. Madeira, tijolos, telhas, etc. das construções serviram para fortalecer as trincheiras. Quando pensou-se em fuga pelo rio Uruguai, fabricou-se grande quantidade de canoas com as madeiras das portas, janelas, assoalhos das casas. Segundo o padre Gay, os paraguaios utilizaram toda madeira que conseguiram encontrar “das portas, das janelas, das casas, dos armários, dos caixões, para construir umas cento e tantas canoas grandes” (GAY, 1980: 118).

Quando acabou a lenha, a madeira das habitações e outras foram utilizadas para cozinhar e aquecer-se. O tenente-coronel imperial Augusto Fausto de Souza, que presenciou a capitulação paraguaia, deixou-nos importante relato sobre o estado da vila de Uruguaiana após a rendição: “Todos os edifícios tinham sido mais ou menos arruinados; as portas, janelas, soalhos e forros, haviam sido arrancados para serem empregados na construção das trincheiras e das balsas; os móveis foram quebrados e consumidos como lenha […].” As tropas paraguaias aquartelaram-se nas maiores e melhores casas. Fausto de Souza lembra: “Em muitas casas que ainda guardavam Longe da Patria.indb 168

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vestígios do antigo tratamento e luxo, viam-se os tetos enegrecidos pelo fogo que acendiam nos pavimentos; e encontravam-se espalhados pelo chão, pedações de espelhos e de objetos de porcelana teclas de piano, pés torneados, fragmentos de retratos e gravuras, copos e louças partidas[…].” (SOUZA, 1887: 25).

A fim de que fossem ressarcidos os danos, o juiz municipal afixou edital para que os habitantes prejudicados reclamassem as perdas. Em fevereiro de 1866, a coletoria provincial de Uruguaiana elaborou um minucioso relatório dos seus prejuízos, arrolando danos e valores. Constava da lista basicamente a mobília inutilizada. Apenas um exemplo - seis cadeiras americanas de palhinha, uma mesa com gaveta, um armário, um tinteiro e arieiro de metal, uma bacia de louça, um barril para água e um castiçal. Tudo orçando em 384$600 mil-réis (COLETORIA PROVINCIAL, 1865).

Na sessão daquele de 20 de novembro de 1874, os vereadores ainda discutiam sobre os prejuízos causados pela invasão. Na ocasião, deliberaram que enviariam ao governo provincial as informações referentes aos prejuízos sofridos pela câmara. “[...] o prejuízo que a referida Camara sofreu é calculado de cinco a seis contos de réis, pois que perdeu tudo quanto possuía, […] sua mobília, o cofre, relógio, todos os objetos pertencentes à aposentadoria do juiz de direito, camas, cômodas, [...] castiçais, dez dúzias de cadeiras.” (ATAS, 1871-1876).

Em 6 de janeiro de 1887, passados mais de vinte anos da invasão paraguaia, a câmara de vereadores de Itaqui, ainda presidida pelo militar Antônio Fernandes Lima, deliberava sobre a dívida de guerra. A sessão determinou pedido ao governo imperial para que “chamasse a si a cobrança da divida dos paraguaios”. No mesmo documento, solicitavam que as câmaras de São Borja e Uruguaiana fizessem o mesmo pedido ao governo imperial. (ATAS, 1887). Em 10 de junho de 1888, o Império do Brasil vivia seus últimos momentos. Os vereadores de Uruguaiana, provavelmente percebendo que a situação política era instável, resolveram pressionar a então regente princesa Isabel pelo ressarcimento dos prejuízos sofridos.

Para tal, elaborou-se um memorial relatando o histórico do processo que deveria resultar na indenização aos particulares pelos prejuízos de guerra. O memorando solicitava que o governo imperial tomasse para Longe da Patria.indb 169

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si a dívida paraguaia e efetuasse o pagamento dos súditos imperiais. Afirmava que, naquela data, nenhum dos prejudicados fora indenizado e “nem as apólices que possuem tem aceitação ou cotação em parte alguma”. (ATAS, 1887 a 1890). Existe importante documentação que pode fornecer-nos dados mais precisos sobre os danos causados em Uruguaiana e os pedidos de indenização dos moradores da vila, no Arquivo Público do Rio Grande do Sul, sob a rubrica dos tabelionatos de Uruguaiana (1º e 2º), já em funcionamento na época da guerra.

Os oficiais maiores O major paraguaio Pedro Duarte, aprisionado na batalha de Jataí, “fue conducido a Buenos Aires”. (CENTURION, 1944: 12). Na Argentina, trabalhou com gado, amealhando boa fortuna. Após o fim do conflito, voltou ao Paraguai, entregando-se aos negócios e à carreira pública, tendo sido ministro da guerra, morrendo em 1903.

Em Memoria o reminiscências de la Guerra del Paraguay (1944), Centurión transcreve carta de Estigarribia ao imperador Pedro II, na qual oferecia-se para servir de “práctico” na invasão do território paraguaio. (CENTURION, 1944: 14). Ou seja, de facilitar a invasão imperial de seu país. O oferecimento não foi aceito. Após a rendição, Estigarribia teria solicitado residir no Rio de Janeiro (DIÁRIO DE CAMPANHA, 1865). Porém o destino inicial do excomandante teria sido a ilha do Desterro (Santa Catarina). O tenente coronel Antônio Estigarribia não teria ficado naquela província. Em 8 de outubro de 1865, a Semana Ilustrada noticiava laconicamente: “[…] o coronel Estigarribia acha-se nessa corte”. Ali, frequentava café e teatros. (SEMANA ILUSTRADA, 1865).

Entretanto, na sessão de 14 de setembro de 1869, o senador liberal José Inácio Silveira da Mota interpelava o ministro da guerra conservador, que prestava esclarecimentos à câmara, que vira Estigarribia em Santa Catarina. Denunciava que “o primeiro pagamento que se fazia naquela província era a Estigarribia” (DIÁRIO DO RJ, 22 de setembro de 18691869). Por seus serviços, Estigarribia faria parte da lista civil do Império. Longe da Patria.indb 170

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Figura 27 – Vista aérea de Uruguaiana - 2014 Fonte: https://www.google.com.br/maps/search/fotos+aereas+de+uruguaiana/@29.7674024,-57.0984005,5203m/data=!3m1!1e3

O destino dos prisioneiros Em 4 de outubro, Mitre escrevia ao vice-presidente argentino repudiando a anexação em massa dos prisioneiros ao exército aliancista. Dizia que não julgava “conveniente, nem regular, obrigar os prisioneiros ao serviço [militar]”. No entanto, admitia a inserção de uns dez ou quinze por cento de prisioneiros nas fileiras do exército nacional! (FRAGOSO, 2010: 198).

Ao saber do destino dado aos paraguaios após a rendição de Uruguaiana, Solano López escreveu a Mitre protestando contra, entre outras irregularidades, que eles tenham sido obrigados a “empuñar armas contra la patria, aumentando por millares con sus personas el efectivo de su ejército”. Escribía que os prisioneros fueran “llevados y reducidos a la esclavitud en el Brasil” e que tenían “sido enviados al Estado Oriental y a las provincias argentinas de regalo, como entes curiosos, sujetos a la servidumbre.” (CHAVES, s/d: 128-129). A tradição historiográfica propõe efetivamente o uso militar e a escravização de prisioneiros paraguaios pelo Império. Em suas anotações à obra do cônego Gay, Souza Docca nega terminantemente a incorpoLonge da Patria.indb 171

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ração de paraguaios ao exército imperial e sua escravização no Brasil. Afirmou que há registro nominal de todos os prisioneiros de guerra “pertencentes” ao Brasil, com local e vantagens percebidas, segundo os acordos firmados quando da rendição. (DOCCA, 1980: 316).

A divisão e destino dos prisioneiros de Jataí e Uruguaiana não foram ainda estudados sistematicamente pela historiografia. O que permitiu afirmações de que o Império tratara dignamente, segundo o código militar, a todos seus prisioneiros. Ou, em sentido contrário, que tenham sido levados para o Brasil e escravizado. Nenhuma das duas versões correspondem à verdade histórica. Os prisioneiros do exército imperial sofreram humilhações, vexações e exploração, como ocorrido e registrado nas forças mitristas e floristas. O destino geral dos prisioneiros de guerra de Argentina e Uruguai são parcialmente conhecidos. Em 17 de agosto, em Jataí, foram feitos cerca de 1200 prisioneiros. (d’Eu, 1981: 58). Um dia depois da batalha, Venâncio Flores informava em carta a Mitre, que “los batallones orientales han sufrido una gran baja; y estoy resuelto a reemplazarla con los prisioneros paraguayos […]”.

José Maria da Silva Paranhos Junior, o barão do Rio Branco [18451912], em suas anotações à obra A guerra da tríplice aliança contra o Paraguai, de L. Schneider, cita o provável destino dos prisioneiros paraguaios levados para Buenos Aires. Usando trecho das anotações à obra de Thompson, refere-se à chegada de prisioneiros paraguaios à Buenos Aires - “llegaron 300 y fueron colocados como peones y sirvientes, bien entendido que por su propia cuenta” (SCHNEIDER, 2009: 284). Em Uruguaiana, a partilha fora abundante. Coube a Flores cerca de 1300 paraguaios, Após a divisão, soube-se que ele “incorporara no seu exército todos os prisioneiros paraguaios válidos, que lhe tinham cabido na distribuição” (d’Eu, 1981: 107). Eles foram divididos em oito batalhões de artilharia e cinco de cavalaria. Muitos desses soldados desertaram quando se aproximaram dos territórios nacionais. (PALLEJA, 1960: 158) Entretanto, alguns paraguaios arrolados no exército oriental destacaram-se, merecendo promoções, como o tenente José Zorrilha, promovido a capitão. (CORREIO PAULISTANO, 1865). Após a rendição, em correspondência ao vice presidente, Bartolomé Mitre informava que, “por parte de la caballería brasilera hubo en el día Longe da Patria.indb 172

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de la rendición tal robo de prisioneros que por lo menos, arrebataron de 800 a 1.000 deles”. Afirmava ainda que “los robaban para esclavos”. (HERRERA, 1927: 93). Em correspondência ao vice-presidente, Mitre relatava a que um oficial brasileiro, possivelmente indiático, dizia que em “Uruguayana tenía que andar diciendo que no era paraguayo para que no le robasen”. (HERRERA, 1927: 93).

País de Escravos Os argentinos menosprezavam o Império por ser terra de escravos. Entretanto, nessa época, o trabalhador escravizado devia ter seu nascimento ou compra pertinentemente registrado. A redução à escravidão teria sido, entretanto, processo marginal e totalmente clandestino, devido à própria legislação da época.

Entretanto, em um país onde dominava ainda a mão de obra escravizada, sobretudo os oficiais da cavalaria imperial, em geral estancieiros, viram nos soldados paraguaios possíveis trabalhadores, sob condições semi-servis, ao menos inicialmente. Salvo engano, não há ainda análises monográficas sobre tal questão.

Fonte: Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro (SALLES, 2003: 185-186)

Em 6 de dezembro de 1865, Francisco Regos Barros, visconde de Boa Vista, presidente e comandante das armas da província do Rio Grande do Sul, recebeu correspondência informando que o delegado da vila de São Gabriel prendera um paraguaio suspeito de ter fugido Longe da Patria.indb 173

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do exército em operações (CORRESPONDÊNCIA, 1865/1). Trata-se de claro registro de uso de soldado paraguaio nas tropas imperiais, possivelmente em funções de apoio. A vila de São Gabriel foi destino certo de vários paraguaios prisioneiros em Uruguaiana. Os soldados paraguaios, sob tutela do Império, tiveram diversos destinos. Alguns deles mantiveram-se como prisioneiros, sob a dependência do exército, segundo os acordos de Uruguaiana. Temos registros de prisioneiros paraguaios perambulando em Porto Alegre, aliciados por trabalhadores escravizados que preparavam sublevação. Em 24 de junho de 1868, se daria o levante com o assalto dos principais depósitos de armas de Porto Alegre. A conspiração foi descoberta devido à traição do cativo Antônio Maria que a denunciou ao seu explorador, tendo sido liberto da escravidão pela presidência da província. (MAESTRI, 2010: 202). Os paraguaios de Uruguaiana foram empregados em casas de negócios, em residências particulares, em estâncias. No início de novembro de 1865, ocorreu em São Gabriel a fuga de “José Romeiro”, sargento paraguaio, na companhia de outro conacional. Eles trabalhavam como “criado de um estrangeiro”. O sargento, aprisionado em Uruguaiana, fora levado para São Gabriel por particular, possivelmente comprado como trabalhador semi-servil (CORRESPONDÊNCIA, 1865/2). Em 4 de novembro de 1865, publicou-se no Correio Paulistano correspondência sobre a rendição em Uruguaiana e o destino dos prisioneiros, que mencionava o roubo de paraguaios. Não assinado, o artigo propunha que, após a rendição, foram retirados cerca de 800 paraguaios, levados para trabalhar nas estâncias próximas. “[...] não há estância nas circunferências da Uruguaiana que não tenha um paraguaio, e em algumas três ou quatro”. (CORREIO PAULISTANO, 1865) Os paraguaios eram ótimos cavaleiros e, não raro, vaqueiros exímios. Paraguaios que permaneceram prisioneiros no Brasil foram empregados em serviços relacionados com a guerra em diversos lugares do Rio Grande do Sul e do Império, ao contrário do proposto por Souza Docca. Em 13 de novembro de 1865, o comando da guarnição de São Gabriel acusava o recebimento de trinta paraguaios de Uruguaiana, empregados no “serviço de depósito de guerra”. Eles receberiam soldo suficiente para alimentação e vestuário. Pelas normas militares, deveriam receber soldo até o fim da guerra, sem obrigação de trabalharem (CORRESPONDÊNCIA, 1865/3). Longe da Patria.indb 174

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Pedindo Prisioneiros Em 29 de outubro de 1865, o barão de Porto Alegre, comandante do exército em operações no Rio Grande, determinou na ordem do dia nº 31 que fossem enviados a Alegrete sessenta prisioneiros de guerra paraguaios, talvez para serem utilizados em afazeres variados na guarnição (ORDEM DO DIA, 1865).

Em novembro de 1865, o general Luís Osório indagava ao ministro da Guerra sobre o destino a ser dado aos 175 prisioneiros de Uruguaiana mandados para seu exército. Adiantava que empregara “alguns nas carretas de transporte, outros nos hospitais e uns poucos nos corpos de artilharia.” (DUARTE, 1981: 101). Em janeiro de 1866, com as tropas em marcha para o Paraguai, ocorreu explosão no acampamento imperial que fora atribuída a alguns soldados paraguaios presos em Uruguaiana e incorporados àquele exército. (DUARTE, 1981: 105).

Em 4 de novembro de 1865, o Correio Paulistano publicou correspondência a respeito do assassinato de prisioneiros orientais em Uruguaiana. “[...] por detrás do cemitério da Uruguaiana foram encontrados degolados sem saber por quem, três orientais blancos, um oficial de nome Zapata, um sargento e um soldado, os quais pertenciam às forças paraguaias” (CORREIO PAULISTANO, 1865). Eventualmente, teriam sido mandados executar por Venâncio Flores. Em 14 de setembro de 1869, o jornal Diário do Rio de Janeiro publicou a 76ª sessão da câmara dos senadores do Império. Nessa sessão, o senador liberal Silveira da Mota questionou o ministro da guerra conservador, barão de Muritiba, sobre o número de prisioneiros paraguaios no Rio de Janeiro, recebendo resposta evasiva. “Não tenho presentemente em memória o número de prisioneiros que existem entre nós nem os nomes dos oficiais também prisioneiros, mas me parece que pouco exceda de 2000 entre oficiais e soldados [...]” (DIÁRIO DO RJ, 1869) O ministro afirmava que tinha condições de enviar ao Senado em pouco tempo, uma lista com o destino dos prisioneiros e o valor que cada um percebia. O senador Silveira da Mota afirmava que requeria informações para ficar a par de quanto o governo imperial estava gastando para pagamento de prisioneiros de guerra. Na mesma sessão, o barão de Muritiba propunha que havia prisioneiros que não percebiam soldo ou etapa Longe da Patria.indb 175

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pois teriam “obtido licença para trabalhar e viver à sua custa; são perto de 500, alguns dos quais estão trabalhando na estrada de ferro e em outros lugares [...]” Nesse caso o ministro se referia aos prisioneiros relacionados na Corte.

Em 16 de setembro, o ministro da guerra apresentou-se novamente ao Senado para prestar esclarecimentos. Entre outras questões, falou do pedido do senador Silveira da Mota para que esclarecesse a questão dos prisioneiros paraguaios. O ministro novamente informou que não teria como fornecer os dados referentes ao número de prisioneiros. O ministro da guerra relatou que havia mandado “formar uma declaração circunstanciada desses prisioneiros [paraguaios] com declaração dos postos que tem, vencimentos que percebem e outras circunstancias” (ANAIS DO IMPÉRIO, 1869).

Criando Raízes A tradição oral, existente na cidade de Uruguaiana, a respeito da guerra, sugere que muitos soldados paraguaios teriam fixado moradia na região, mesmo após o fim do conflito. O que parece razoável levando em consideração que esses paraguaios podem ter constituído família, criando laços que dificultavam o retorno ao país natal. Sobretudo na época, o modo de viver popular na região, onde se falava não raro guarani, não diferiria muito do Paraguai.

No Paraguai, o Estado era o maior proprietário de terras, herdadas do rei, dos jesuítas e por desapropriações. Após o conflito, inundado em dívidas, o novo governo, tutelado pelo Império, concedeu terras públicas, onde há décadas viviam camponeses, como garantia em empréstimos em Londres. Segundo Efrain Cardozo, “los yerbales pasaron a manos de consorcios argentinos y comenzó un tipo de explotación que hizo del ‘mensú’ un verdadero esclavo”. (CARDOZO, 2007: 115).

Um fenômeno que também pode ter determinado a permanência dos paraguaios na região, já que a expropriação dos camponeses pelas empresas colonizadoras, sobretudo inglesas, diminuiria a atração de um retorno ao Paraguai. Sobre isso, porém, necessitamos de informação positiva. Pesquisas realizadas nos quase intocáveis papéis da igreja católica,

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na Cúria diocesana de Uruguaiana, através das atas de batismo, casamento e óbito durante o período pós-guerra, não registram entretanto oficialmente a estada de prisioneiros paraguaios. Seria importante estender essa pesquisa para as décadas seguintes à guerra. Destaque-se que o governo paraguaio criou um vice-consulado em Uruguaiana, possivelmente no final do século 19. (FONTTES; FANTI, 2008: 23).

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Conclusão

Com o fim da era francista (1811-1840), o Paraguai conheceu processo de reordenamento político e social tendencial. A classe proprietária, sobretudo estancieiros e comerciantes ligados ao comércio internacional, que durante cerca de três décadas fora afastada do poder, fortaleceu-se à sombra da família López. A reorientação econômica, em certa maneira, prejudicava a classe campesina que representava a maior parcela da população. Os chacareros haviam sido amplamente fortalecidos durante o governo de José Gaspar de Francia. Eles viviam da exploração de pequenas e médias propriedades rurais, orientadas, sobretudo para a subsistência. Em grande parte, praticavam um comércio interno que não dependia das importações, perniciosas ao comércio local. Portanto, desinteressavam-se da política internacional e das ligações com o Prata, fundamentais para o grande comércio.

Em 1865, ao iniciar a Guerra Grande, considerável parcela dessa camada de campesinos foi arrolada nas filas do exército. Possivelmente sabiam pouco por que e contra quem lutavam. Em 1847, dois esquadrões do exército paraguaio haviam se sublevado, sob o pretexto de voltar ao Paraguai e solicitar congresso, quando enviados para intervenção no exterior. Não aceitavam intervenção armada fora das fronteiras, que os prejudicava.

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No passado e no presente, sobretudo a historiografia nacional-patriótica brasileira tratou na chamada Guerra da Tríplice Aliança o ponto de vista militar, pouca atenção dando às formações sociais de cada país. Ela tem responsabilizado igualmente Solano López por aquele conflito. Entretanto, já em 1854-1855, o Império procedera a fracassada missão naval de Ferreira Oliveira contra o Paraguai. Desde então, estava nas intenções da diplomacia imperial a submissão daquele país aos seus designíos. Finalmente, no contexto da intervenção no Uruguai, aliou-se a Buenos Aires, contra o Paraguai, que também alimentava pretensões de hegemonia regional.

O apoio, indireto, de Bartolomé Mitre, e, direto, do Império, à intervenção de Venâncio Flores no Uruguai, contra o governo constitucional blanco, serviu de espoleta para o conflito. A invasão imperial da Banda Oriental foi antecedida pela missão do conselheiro José Antônio Saraiva, portador de vexatório ultimatum ao governo blanco. A autonomia do Uruguai era condição imprescindível de acesso ao mar para o Paraguai, para não ficar encerrado no interior da América do Sul. Antes da intervenção explícita no Uruguai, ocorreu acordo entre o governo de Buenos Aires e do Império para submeter o Paraguai. Em 22 de agosto de 1864, os governos argentino e imperial firmaram tratado para submeter o governo uruguaio, apoiando a Venancio Flores. Seria uma prévia do fatídico tratado da Tríplice Aliança firmado em maio do ano seguinte, em Buenos Aires.

Em 16 de outubro de 1864, tropas imperiais a mando do general João Propício Menna Barreto invadiram o Uruguai em apoio ao exército colorado de Venâncio Flores. Em 14 de novembro de 1864, após tentativas de mediação entre o governo blanco e o Império, o governo paraguaio ordenou a apreensão do navio brasileiro Marqûes de Olinda, materializando a ameaça de retaliação, no caso da invasão da República Oriental.

Outro grande ponto de divergência historiográfica sobre a guerra do Paraguai é o caráter, dimensão e atuação do exército paraguaio quando da campanha ofensiva. A estimativa mais aceita é que Solano López imediatamente pôs em armas cerca de 80 mil homens, ao início da guerra. Esse número, possivelmente super-dimensionado, seria alcançado e superado pelos aliancistas nos anos seguintes ao início do conflito.

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Conclusão • 181

O exército paraguaio enviou seu melhor e mais bem armado corpo militar para a campanha do Mato Grosso, de Corrientes e do Rio Grande do Sul, quando perdeu uns 12.000 homens, em boa parte por doenças. Após a capitulação da coluna do tenente-coronel Antonio Estigarribia, o exército paraguaio foi acusado de escassa belicosidade. Essas propostas comumente desprezaram questões sociais subjacentes àqueles sucessos. Esse comportamento bélico destoou profundamente do apresentado quando da defesa do país. Ao iniciar a campanha, o exército paraguaio, apesar de numericamente significativo, estava mal armado e mal treinado. Solano López iniciou a preparar o exército para possível guerra contra a Argentina em janeiro de 1864. No entanto, apenas no final do ano as tropas partiram para o combate, ao invadirem o sul da província do Mato Grosso.

Em boa parte, o armamento utilizado pelos paraguaios fora obtido no Brasil na década de 1850 e, sobretudo, com o assalto ao Mato Grosso, em inícios de 1865. Já no início do conflito, aquele armamento era já obsoleto, no referente às armas pessoais e à artilharia, realidade que se radicalizaria com a continuação da guerra. No final do conflito, o hiato entre o armamento aliancista e paraguaio era abismal. No início de 1865, Solano López chamou o tenente-coronel Antônio de la Cruz Estigarribia para comandar a coluna preparada pelo major Pedro Duarte para invadir o Rio Grande do Sul. Tratava-se de tropas formadas inicialmente por velhos e doentes que, aos poucos, foram substituídos. Os recrutas eram em geral camponeses, retirados de sua casas para lutarem em guerra longe das fronteiras de seu país. Estigarribia enfrentou deserções em suas tropas desde o inicio do conflito, o que sugere um consenso apenas relativo com a guerra. Problema de todos os exércitos envolvidos na guerra, as deserções eram produto das contradições internas das forças armadas que refletiam realidades e problemas sociais e nacionais. Comumente os comandantes queixavam-se da falta de amor à pátria dos desertores, sem compreender que a fuga era, comumente, forma de resistência a uma guerra não compreendida e, sobretudo, não desejada.

No exército paraguaio, a fuga, a falta de combatividade e a capitulação representaram, possivelmente, resistência à operação exterior e às contradições do Estado lopizta. Possivelmente, facções da classe proLonge da Patria.indb 181

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prietária paraguaia, descontente com o governo apenas indireto através dos López, encontravam-se já na oposição no início do conflito, o que teria impedido que López seguisse à frente de seus soldados.

A estratégia napoleônica de que a guerra sustenta a guerra, pretendida por Solano López, falhou relativamente na campanha de Corrientes e do Rio Grande. Apesar do saque obtido naquelas regiões, o exército paraguaio enfrentou longas marchas, temperaturas baixíssimas, chuvas intensas, sem dispor, na medida da necessidade ou no todo, de barracas, de uniformes de inverno, de calçados, de remédios, de alimentos suficientes, etc. Ao chegar às povoações ocupadas, as tropas teriam se frustrado com a pobreza relativa dos bens encontrados e a prioridade no saque dada aos oficiais. O norte de Corrientes e o leste do Rio Grande do Sul não tinham condições para sustentar todas as necessidades das colunas paraguaias. As contradições sociais do Paraguai lopizta determinaram o comportamento no exterior do exército nacional. A pouca disposição para luta e as deserção denotaram fraturas sociais na sociedade, que se refletiram no exército, levando à disseminação da vontade de não lutar e à rendição. As tropas paraguaias fizeram emergir, em pleno teatro de operações, distante da terra natal, as contradições e a resistência a uma guerra externa que, segundo parece, não interessava aos segmentos populares. Uma situação que se modificaria, quando da defesa do território, questão totalmente fora dos marcos da presente investigação. Solano López não teria divulgado, nem mesmo para Antônio Estigarribia e Wenceslao Robles, seus planos estratégicos de Guerra. Faltou-no informação para uma compreensão precisa de algumas nuances dessa fase do conflito que analisamos, o que nos obrigou, algumas vezes, a trabalhar com a formulação de hipóteses sobre elas, a partir do sabido e das possibilidades de ação daqueles combatentes.

Não nos foi ainda possível definir positivamente o que teria levado a Estigarribia a descumprir as ordens de Solano López ao ocupar Uruguaiana. Teria ele sofrido pressão interna de seu exército, para cruzar o rio Ibicuí e passar a Uruguaiana? Antônio Estigarribia teria sido “convencido” pelos oficiais orientais a dirigir-se ao Uruguai, esperando uma sublevação do partido blanco, uma vez que a correspondência entre ele e Solano López havia sido interrompida? E quem sabe a questão mais pertinente, porque Antônio Estigarribia negou-se ao combate, logo após Longe da Patria.indb 182

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Conclusão • 183

a batalha do Jataí, em que tinha reais possibilidades de romper o cerco mantido pelas reduzidas forças de David Canabarro? As razões do abandono do major Pedro Duarte, quando havia possibilidades de ajudá-lo, é igualmente incógnita que se mantém em suspensão. São novas questões e novas hipóteses de trabalho a serem desenvolvidas.

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Cronologia 1807 Julho, 07 - As tropas britânicas são expulsas do rio da Prata.

1808 Setembro, 24 – No Uruguai, Francisco Javier de Elió se autoproclamou presidente da junta de governo submetida exclusivamente à Espanha, desconsiderando a jurisdição de Buenos Aires.

1810 Maio, 25 – Criação da junta de governo em Buenos Aires.

1813 Outubro, 21 - A assembleia paraguaia anunciou a criação do primeiro estado nacional independente na América espanhola, não mais ligado à Espanha e desvinculado politicamente de Buenos Aires. Ídem – Início do governo do doutor Francia.

1840 Setembro, 20 – Morte de José Gaspar Rodriguez de Francia.

1841 Março, 12 - Carlos López foi eleito, junto com Roque Gonzales, cônsul do Paraguai.

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1845 Novembro, 19 – Tratado firmado entre o Paraguai e a Província de Corrientes para guerrear com as tropas de Rosas.

1846 Fevereiro, 28 – Em Corrientes, em campanha contra Rosas, parte do exército paraguaio sublevou-se no acampamento de Payubre. Francisco Solano López mandou fuzilar os cabeças do movimento.

1850 Dezembro, 25 – Firmado o tratado entre o Império do Brasil e a República do Paraguai para combater Rosas.

1852 Fevereiro, 3 – Batalha de Caseros, queda de Juan Manuel de Rosas.

1853 Junho, 12 – Francisco Solano López parte para Europa. A missão denota abertura econômica paraguaia durante o governo de Carlos Antonio López.

1854 Março, 14 – Partiu para o Paraguai o almirante Ferreira de Oliveira, comandando uma poderosa expedição para impor ao governo paraguaio a assinar tratados de limites e navegação

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Cronologia • 187

1859 Outubro, 23 – Batalha de Cepeda entre Unitários bonaerenses e tropas da confederação argentina.

1861 Setembro, 17 – O exército federalista de Justo José Urquiza foi derrotado pelas forças unitárias de Bartolomé Mitre na Batalha de Pavón. Buenos Aires se incorporou à República da Argentina em forma hegemônica.

Outubro, 12 – Fim do tratado draconinao de Comércio e Navegação entre o Império e o Uruguai - ele privilegiava os pecuaristas sul riograndenses.

1862 Fevereiro, 25 – O diplomata uruguaio Juan José de Herrera visita o presidente Carlos Antonio López para tratar de aproximar os dois países. Setembro, 10 – Morreu Carlos Antonio López.

Outubro, 16 – Francisco Solano López eleito presidente no “congresso dos proprietários”.

1863 Setembro, 4 – Francisco Solano López, presidente do Paraguai enviou a Buenos Aires pedido de explicações sobre a interferência argentina nas questões uruguaias.

1864 Agosto, 4 – José Antonio Saraiva apresentou ultimatum ao governo uruguaio.

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Agosto, 30 – O governo paraguaio enviou ao ministro imperial no Paraguai, protesto pela interferência no Uruguai.

Outubro, 16 – Invasão do território uruguaio pelas forças imperiais.

Outubro, 20 – Assinatura do Acordo de Santa Lúcia, entre Venâncio Flores e vice Almirante Tamandaré, contra o governo blanco.

Novembro, 14 – Aprisionamento do vapor brasileiro Marquês de Olinda, que se dirigia ao Mato Grosso, e declaração de guerra do Paraguai ao Império.

Novembro, 28 – Tropas imperiais e floristas tomaram a cidade de Salto. Dezembro, 24 – Partiu de Assunção expedição naval paraguaia para atacar a província de Mato Grosso, comandada pelo coronel Vicente Barrios.

Dezembro, 29 – Coluna paraguaia terrestre partiu para o Mato Grosso, comandada pelo coronel Francisco Isidoro Resquín.

1865 Janeiro, 2 – A vila oriental de Paysandu foi tomada pelas tropas aliadas do Império e de Flores. Fevereiro, 20 – Queda de Montevidéu para o exército imperial.

Março, 29 – Solano López enviou ao governo argentino comunicação de guerra. As tropas paraguaias rumavam em direção ao Rio Grande do Sul. Abril, 13 – Tropas paraguaias invadiram a província de Corrientes.

Maio, 01 – Assinatura do Acordo da Tríplice Aliança entre o Império do Brasil, a Argentina de Mitre e o Uruguai de Venâncio Flores. Junho – Frente à São Borja, o exército foi dividido em duas colunas. Uma comandada por Pedro Duarte e outra Por Antonio Estigarribia.

Junho, 10 – O exército paraguaio atravessa o rio Uruguai e invade São Borja. Após saquear a vila se dirige para a Itaqui e Uruguaiana, contrariando ordens de López.

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Junho, 26 – Batalha do Botuy. Ocorreu entre uma coluna do exército de Estigarribia e uma força Imperial comandada por Antonio Fernandes Lima. Junho, 11 – A armada imperial derrotou a precária marinha de guerra paraguaia no rio Paraná, às margens do Riachuelo. Julho, 07 – As forças paraguaias chegam à vila de Itaqui.

Agosto, 17 – Coluna do major Duarte é aniquilada por força aliancista superior em Jataí.

Agosto, 19 – Antonio Estigrribia tentou saída frustrada do cerco de Uruguaiana. Setembro, 11 – O imperador do Brasil e comitiva chegaram a Uruguaiana.

Setembro, 18 – Antonio de La Cruz Estigarribia rende-se após 45 dias em Uruguaiana.

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Anexos 1 - Carta do Ministro Ângelo Muniz da Silva Ferraz à Don Juan Pedro Salvañach – 20 de agosto de 1865. Senhor D. Juan Pedro Salvañach, Agosto, 20 1865 Estimado compatriota y amigo

Fue sin límites la alegría que experimenté cuando supo q[ue] se hallaba con el ejército paraguayo expedicionario, y al mismo tiempo se apoderó de mí una tristeza sin igual, conociendo que al perderse ese ejército se perderán hombres como Uds. Que son dignos de mejor suerte. La situación de ese ejercito es sumamente mala, está circulado por dos ejércitos numerosos como v. lo habrá visto, y que está propenso que en un momento a otro debe ser atacado y exterminado. El general Borges me ha pedido le escriba a Ud. Ofreciéndoles todas las garantías para que puedan indultarse en ese ejercito; todo eso es debido al interés que el mismo general Flores se toma en la salvación de Uds. Estimado amigo: Si yo no conociese el mal por venir que le espera à ese ejército que se halla cortado, no me atrevería á hablarle con la franqueza que debo en casos semejantes.

No creo que si V. acepta mi propuestas, nadie pueda atribuir que sea por pusilanimidad, sino a las instancias que a nombre de mis compañeros de armas le hago, y el vacío que dejaran en el ejercito oriental sí nuestra patria perdiere hombres como Ud. Mi amigo: deseo de corazón darle un abrazo, y hablarle personalmente; y hasta entonces se despide su compatriota y amigo. L. B. P. M. = Angel Muniz

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2 - Carta do Padre Blas Duarte a Francisco Pedro de Abreu – Barão de Jacuí Al señor Jefe comandante de la 2ª División Barón de Jacuhy

Uruguayana Agosto, 21 de 1865 Ha causado sorpresa a Vs. Ilma. la contestación dada por el sr. Jefe de la división paraguaya?

Con cuanta más razón tengo el derecho yo de sorprenderme al leer la carta del sr. Barón de Jacuhy, en la que, a más del carácter sacerdotal con que he sido revestido, me inviste con el grado supremo de esta división del Paraguay.

El sacerdote, el verdadero ministro de Jesús Cristo, como tengo derecho a precisarme de ello por mis actos anteriores, no tiene otra misión sobre la tierra, sino es, consolar a los afligidos y derramar su santa bendición sobre ellos en los postreros alientos de su vida.

Si la maledicencia ha lanzado contra la nación brasilera preconceptos errores, culpa mía no es, y a sus aseveraciones sobre Paysandú, contestarán los orientales sobre el Riachuelo, han contestado yo bastantemente los soldados paraguayos.

Como capelán de este ejército, en el que ejerzo solamente funciones espirituales, ni ante Dios, ni ante los hombres, soy ni seré responsable de la sangre que se derrame en defensa de la causa de mi patria. Soy de V.E. con todo respeto atento S.S. J.B.L.M. de V. de Vs. Ilmo. Blas Ign. Duarte

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Anexos • 203

3 - Comunicação de Pedro Tomaz Zipitria a Francisco Pedro de Abreu – Barão de Jacuí Campamento en marcha Uruguayana, Agosto 21 de 1865 Ilmo. Señor Barón de Jacuhy

Como oriental y como hombre de principios y de honor, no puedo dejar pasar en silencio los conceptos estampados por vs. Ilmo. En la carta dirigida al sr. Capelán mayor de este ejército.

Vs. Ilmo. Habla de la humanidad del Brasil y cita como ejemplo Paysandú y Riachuelo. Con respecto al primero están ahí acusando eternamente al Imperio, su jefes y aliados las sombras heroicas e inmortales de Leandro Gomes Braga, Acuña, Fernández y cien otros mártires de la causa de la independencia y de la libertad de su Patria. En cuanto al segundo contestarán a Vs. Ilma. los […] de los paraguayos que allí sucumbieron y los sombríos y tristes espectros de los brasileños que vendieron su vidas en tan memorable jornada, en la que Ilevaron siempre la peor parte y hablando lealmente la derrota el Imperio y sus aliados Permita V.S. Ilmo. al oriental digno y al hombre de corazón no dejar que jamás ningún brasileño y mucho menos el traidor de su patria insulte el nombre inmaculado y venerando de Paysandú porque es el tiemplo sacrosanto en que los verdaderos orientales […] el cordero inmaculado (la constitución) signo de nuestra redención. Quiera V.S. Ilma. aceptar, en todo lo demás, la consideración con que lo saluda su S.S. Pedro Tomas Zipitria

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4 - Comunicação de Juan Pedro Salvañach a Francisco Pedro de Abreu - Barão de Jacuí Uruguayana, Agosto 24, de 1865 Ilmo. Señor Barón de Jacuhí

En este momento que son las doce del día acabo de recibir la de S.S. de esta misma fecha, pidiéndome un punto a mi elección para conferenciar sobre los medios de arribar a una convención.

He puesto al conocimiento del sr. Comte en jefe de la división la resolución de S.S., y en este momento me dispongo a marchar hacia el campo del señor Barón acompañado de un jefe y un oficial de esta división a fin de que en la conferencia a que el Barón me invita estén presentes oficiales pertenecientes a la división paraguaya. Dios Guarde al Sr. Barón muchos años Juan Pedro Salvañach

5 - Comunicação de Venancio Flores, Visconde de Tamandaré, Barão de Porto Alegre e Wenceslao Paunereo – representante do Exército Aliado, a Antônio Estigarribia – Comandante em chefe do exército paraguaio em operação sobre a costa do rio Uruguai Los Representantes del Ejército Aliado que […]

Cuartel General frente a la Uruguayana Setiembre, 2 de 1865

Sñr. Comandante en jefe del Ejército Paraguayo en operaciones sobre la costa del Uruguay, Coronel D. Antonio Estigarribia

Los abajo firmados, representantes del Ejército Aliado de vanguardia, cumplen una alto deber dirijiendose a V.E. con el objeto que esta nota expressa esperando confiadamente que V. e Ex. prestará a la consecución de el la cooperación que su posición y deberes le imponen. Longe da Patria.indb 204

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Anexos • 205

Antes de romper las hostilidades para que estamos prontos sobre el pueblo de Uruguayana, ocupado por las fuerzas de su mando, no dejaremos llevada debidamente las prescriciones mas sagradas de la civilización y humanidad sino le hicisemos presente nuestro sincero deseo de evitar la grandes y inútiles desgracias que ocasionara la resolución de sostenerse en esa plaza en que v. Ex. ha estado hasta el presente.

Al aceptar la guerra que el presidente del Paraguay declaró gratuitamente a las naciones aliadas, nuestros respectivos gobiernos la han aceptado en nombre de su honor ofendido y de los principios de libertad y justicia que profesan resuelto a hacerla con el vigor de que son capaces, pero sujetándose siempre a las reglas salvadoras de moderación que la hacen menos dura, observada por todos los pueblos cultos de la tierra. No es, pues, señor coronel una Guerra de exterminio la que llevamos al presidente del Paraguay, como lo prueba la existencia de los numerosos prisioneros gefes, oficiales y soldados tomados en el combate del 17 del pasado, que no cesan de bendecir la marcada generosidad de los vencedores de quienes no han recibido la mas ligera demostración capaz de agravar la condición de vencidos. Animados de estos sentimientos, no queremos ser en lo mas minimo responsables del sacrificio de los soldados que obedecen a v. Ex.. sacrificio tan esteril en la situación que la suerte de la guerra las ha deparado, como inhumano también, porque solo es permitido combater cuando existe alguna probabilidad de triunfar ó cuando alguna vantaja puede asecurarse a la causa que se defiende.

V.E. se encuentra a juicio de los abajo firmados en un caso extremo, en el cual solo puede esperarle un fin desgraciado si persistirse en rechazar las proposiciones honorables que le dirijimos; por consiguiente la vidas de tantos compañeros suyos confiados a su dirección deben serle debidamente estimados para no imolarlas estérilmente en nombre de un […] militar mal entendido y que en las atuales circunstncias no puede tener una explicación honorable y justa. Sin la menor intención de ofender las opiniones políticas que v. Ex. profesa, consideramos así mismo conveniente recordarle que la Guerra que hacemos actualmente se dirige tan sola al presidente del Paraguay y de ninguna manera al pueblo paraguayo cuya independencia y soberanía esta garantida solenemente por las naciones aliadas y cuya libertad interna se proponen asegurar también como base de la futura paz a Longe da Patria.indb 205

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que aspiran y de la buena inteligencia de sus gobiernos.

En esta virtude, no podemos menos de hacer presente a v.Ex. que ninguna razón justa puede impulsarle a derramar la sangre de sus compatriotas por una causa reprobada y duramente personal y que v. Ex. no tardaría en deplorar íntimamente, cuando merced al cambio político que se prepara en su patria. La vea entrar en una existencia nueva y reparadora, respirando la libertad que su gobernante le ha arrebatado cruelmente, sujetando a un pueblo a arrastar eternamente las cadenas del esclavo, teniendo v. Ex. la consciencia de haber sacrificado a sus proprios compatriotas para resistir ese imenso bien en vez de tratar por alcansarlo. Tiempo es aun, señor coronel, que v. Ex. reflexionando maduramente se convienza de la verdad de los echos referidos y que lejos de defender la causa de su Patria como aparenta creerlo, sirve tan solo a un hombre que la tiene oprimida y que no puede nunca proporcionarle otros benes que el predominio absoluto que lo despotiza y que lo ha estraviado y arrastrado a la guerra incalificable que ha provocado, y es también una razón poderosa que aumenta la responsabilidad de v. Ex.. siempre que insista en defenderse en la plaza contra el ataque que le llevaremos apoyados en veinte mil hombres y cuarenta piezas de artillería, sin contar los numerosos refuerzos que vienen sucesivamente llegando.

En virtude de las consideraciones espresadas y de haber llegado a conocimiento de los que suscriben que individuos de la guarnición de esa plaza han significado a individuos de este ejército su deseo de conocer por escrito las bases del arreglo que propondríamos a los sitiados, hemos confecccionados las que constan del adjunto pliego firmado también por nosotros y que acompñamos para su conocimiento. V. Ex. advertirá que le ofrecemos las condiciones mas honrosas que se acostumbra conceder entre las naciones civilizadas pero debe persuadirse que este proceder de nuestra parte es una prueba mas de los sentimientos que nos animan respecto de los ciudadanos paraguayos a quienes no podemos confundirse jamas con su gobierno. Dios guarde a V. Ex. Ms As

Visconde de Tamandaré - Venancio Flores - Barón de Porto Alegre – Wenceslao Paunero

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Anexos • 207

6 - Bases do Convenio Los representantes del Ejército Aliado de Vanguardia, brigadero general D. Venancio Flores, gobernador provisório de la Republica Oriental del Uruguay y comandante en jefe de Ejército Aliado de Vanguardia; vicealmirante Visconde de Tamandaré comandante en jefe de las fuerzas navales del Brasil en el rio de la Plata; teniente general Barón de Porto Alegre comandante en jefe del Ejército de operaciones en esta provincia y general D. Wenceslao Paunero comandante en jefe del primer cuerpo del Ejército argentino. Interessados en evitar el inútil derramamiento de sangre, vista la situación precaria en que se encuentra las fuerzas paraguayas que ocupan el pueblo brasileño de Uruguayana, contando con que el comandante en jefe de dichas fuerzas estara a la altura de los serios deberes que sobre él gravitan respecto a la salvación de numerosas vidas de sus soldados que solo tendría el derecho de exponer como militar en el caso de que alguna probabilidad de éxito (que no puede esperar) […] han acordado en nombre de los derechos de la humanidad, ofrecen al señor coronel D. Antonio Estigarribia comandante en jefe del antedicho ejército paraguayo las siguientes condiciones para la entrega de la plaza: 1º - El jefe principal, oficiales y demás empleados de distinción del referido ejército paraguayo saldrán con todos los honores de la Guerra. Llevando sus espadas y podrán transladarse al punto que fuera de su agrado, siendo de la obligación de los que suscriben suministrarles los auxilios nescessarios al ejército. 2º Si Elijiren para su residencia algunos puntos del territorio de cualquiera de las naciones aliadas será de la obligación de los gobiernos de ellas atender a subsistencia de los espressados jefe y oficiales paraguayos durante la guerra hasta su terminación 3º Todos os individuos de tropa desde sargento abajo inclusive, quedarán prisioneros de guerra, bajo la codición de que serán respetaos en sus vidas y alimentados y vestidos debidamente durante el periodo de Longe da Patria.indb 207

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la guerra, de cuenta de los mismos gobiernos. 4º Las armas y demás petrechos belicos pertenecientes al ejército paraguayo serán igualmente entregados a disposición del ejército aliado. Venancio Flores

Visconde de Tamandaré Barão de Porto Alegre Wenceslao Paunero

7 - Carta do paraguaio José del Carmem Perez ao Padre Duarte – Acampamento argentino – 04/09/1865 Estimado padre

Despues de saludar a ud. Con el debido respeto paso a suplicarle como católico apostólico romano y considerando un momento la humanidad, una entrevista con todas las garantías que ud. me indique, sin embargo ser yo extraño de sus relaciones pero conocido de vista; yo soy un teniente ciudadano paraguayo que hoy hace año y medio haber salido de la Asunción, y viendo las circunstancias muy tristes en que se allan le pide por Dios y la virgen Maria, no trepida a mis sanos deseos. Es cuanto le […] este su humilde […] José del Carmen Perez

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Anexos • 209

8 - Comunicação de Antonio Estigarribia – Comandante em chefe da divisão paraguaia em operação sobre o rio Uruguai aos representantes do exército aliado de vanguarda – Acampamento em Uruguaiana – 05/09/1865 Viva la República del Paraguay

El comandante en jefe de la división en operaciones sobre el rio Uruguay. Campamiento en Uruguayana setiembre, 5 de 1865.

A los S.S. representantes del ejército aliado de vanguardia.

El abajo firmado comandante en jefe de la división paraguaya en operaciones sobre el rio Uruguay cumple con el deber de contestar la nota que V.V. ex. le han dirigido con fecha dos del corriente acompañándole las bases de un convenio.

Antes de entrar en lo principal de la nota de V.V. E. E. séame permitido rechazar con la […] y altura propias del soldado de honor, todos aquellos conceptos contenidos en la presentada nota en demasía injuriosa al supremo gobierno del abajo firmado. Ellos, con perdón de V.V. E.E. colocan a referida nota al […] de los diarios de Buenos Aires que desde algunos años a esta […] no han hecho otra cosa, no han tenido otro oficio que de migrar grosera y […] el gobierno de la República del Paraguay lanzando al mismo tiempo dudas calumnias contra el pueblo que las ha contestado labrando su felicidad domestica por medio del honroso trabajo y […] su mayor felicidad en el mantenimiento de la paz interna, […] de la preponderancia de una nación.

Si V.V.E.E. se manifiestan tan celosos por dar libertad al pueblo paraguayo, según sus mismas expresiones por que no han principiado por libertad a los infelices negros del Brasil que componen la mayor parte de sus habitantes y gimen en la más dura y espantosa esclavitud para enriquecer y dejar vagas en el ocio algunos cuantos centenares de los grandes del Imperio. Cuando aca se llama esclavo a un pueblo que elije por su libre y espontánea voluntad el gobierno que preside sus destinos sin duda ninguna desde que el Brasil se ha inmiscuido en los asuntos del Plata con el ánimo marcado de someter y esclavizar. A las repúbliLonge da Patria.indb 209

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cas hermanas del Paraguay y al mismo Paraguay quizás, si no hubiera contado con un gobierno patriota y previsor.

V.V.E.E. me han de permitir estas digresiones puestas que la han provocado insultado en su nota al gobierno de mi patria. No estoy conforme con V.V.E.E. en que el militar de honor y el verdadero patriota deba limitarse a combatir solamente cuando tenga probabilidad de vencer.

Abran V.V.E.E. la historia y en ese gran libro de la humanidad, aprendan que los mayores capitanes que aun el mundo recuerda con orgullo, ni contaron el número de sus enemigos ni de los elementos de que disponían sino que vencían o morían en nombre de la patria. Recuerden V.V.E.E. que Leonidas con trescientos espartanos guardando el paso de Termopilas no quería oír las proposiciones del rey persa y que unos de sus soldados cuando le dijeron que los enemigos eran tan numerosos que oscurecían el sol cuando disparaban sus flechas contestó, mejor peleamos a la sombra. Como el capitán espartano no puedo oír proposiciones del enemigo porque he sido mandado junto con mis compañeros a pelear en defensa del derecho del Paraguay y como soy soldado debo contestar a V.V.E.E. cuando me hace la enumeración de las fuerzas que tienen y la artillería de que disponen, tanto mejor el humo del cañón nos hará sombra. Si la suerte nos depara una tumba en este pueblo de Uruguayana nuestros conciudadanos conservarán el recuerdo de los paraguayos que murieron peleando por la causa de su patria, pero que mientras vivieron no rindieron al enemigo la sagrada enseña de la libertad de la nación. Dios Guarde a V.V.E.E. muchos años Antonio Estigarribia

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Anexos • 211

9 - Carta de Juan Francisco Decoud a Antonio Estigarribia Campamiento frente a la Uruguayana Setiembre, 5 de 1865. Señor teniente coronel Antonio Estigarribia Estimado compatriota e amigo.

El deseo de evitar una estéril efusión de sangre, como la antigua amistad que a ud. Me une, me decidí a pedirle una entrevista personal, que podrá tener lugar en el sitio y día mas conveniente que ud. se sirva designar.

En esta conferencia podre manifestarle hechos y consideraciones relativos a los países y ejércitos beligerantes que conocidos por v., estoy cierto que influirán mucho en su ánimo, respecto de lo que ha de decidir en la situación en que se halla colocado. En el caso de tener lugar esta entrevista quedaría también muy satisfecto de que acompañase a V. el sr. Presbítero Duarte. Esperando su constestación lo saluda su […] Juan Francisco Decoud

10 - Correspondencia de Juan Francisco Decoud ao Tenente Coronel Estigarribia Sitio de Uruguayana, setiembre 7 de 1865

Señor teniente coronel D. Antonio Estigarribia

Con fecha 5 del corriente le dirigí una carta, en la que, confiado en la antigua amistad, le pedía una entrevista – No he recibido contestación de ella, por lo que hasta ahora, como Ud. sabe, no hemos tenido la conferencia.

El único motivo que me impulsó a escribirle pidiéndole una entrevista, fue con el objeto de ver si por medios pacíficos y honrosos se evitaba el derramamiento de la sangre de tantos compatriotas, que mas desean hallarse libres en su patria, gozando pacíficamente del fruto de Longe da Patria.indb 211

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sus trabajos que […] lejos de su suelo natal, sufriendo todos los rigores y trabajos del tiempo y de las circunstancias, tan solo por obedecer al tirano que oprime nuestra patria; defendiendo con las armas la tiranía mas execrable, y muriendo en los campos sin gloria ni honor en prol del tirano que los esclaviza del modo más cruel y bárbaro.

En las actuales circunstancias el ejército paraguayo no defiende, como pretende hacerlo, la causa santa y la independencia del Paraguay; de ninguna manera; primero porque nadie atenta contra ella, y porque la causa que defiende es la tiranía y opresión. Los ejércitos aliados como la legión paraguaya desean y bien pronto conseguirán, la libertad de nuestra patria, su civilización y progreso, que déspotas orgullosos le han negado durante medio siglo. Morir por la patria en […] del santo deber que nos impone, es gloria, es honor y recibirá bien de ella. Mas morir defendiendo la esclavitud y despotismo de ella, es cobardía y comete un crimen de que dará cuenta, sino ante los hombres, ante Dios.

Esto mismo le está sucediendo, estimado compatriota; evitar el derramamiento de la inocente sangre paraguaya, de ocho mil conciudadanos arrebatados de sus hogares con toda la fuerza de la tiranía; es gloria para Ud. y bien pronto recibirá Ud. el aplauso y aprobación de todos los pueblos civilizados. También será el primer día de gloria para la nuestra desgraciada patria en cincuenta años que cuenta de su independencia – Si amigo, la rendición honrosa de esa plaza que contiene ocho mil víctimas del mas bárbaro despotismo, elevará a Ud. de gloria en las páginas de la patria historia. De lo contrario la patria pedirá a Ud. cuenta de la vida de sus hijos, cuya suerte está en las manos de Ud.

La triple alianza y nosotros los paraguayos libres también le pediremos cuenta exacta de destino muy triste de tantos hermanos que perecerán, si Ud. se obstina en sus propósitos. Siempre la causa de la libertad, de la civilización y del progreso han triunfado de la mala causa, del despotismo y opresión que Ud. defiende; porque el que ama su patria derraba sus tiranos y opresores, antes que sostenerlos.

El comité establecido en Buenos Aires que tanto tiempo ha trabajado por el bien de nuestra patria me ha nombrado con aprobación del gobierno argentino 2º jefe de la legión que tengo la gloria de pertenecer – más yo al aceptar este puesto ha sido solo con el objeto de llevar la Longe da Patria.indb 212

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Anexos • 213

guerra y el derrocamiento del tirano López, defendiendo así, los intereses y derechos más sagrados del Paraguay, que han sido arrebatados por el mismo tirano. Peleamos por nuestra patria y su libertad contra sus opresores que la infaman.

Yo mismo he sido amigo de ese hombre tan fatal a nuestra patria, de ese López sanguinario, pero […] en mí el amor a ella y a su civilización, que la amistad grosera de un hombre sin instrucción ni luces.

En vista de esto reitero a Ud. mis deseos de tener una entrevista cuyos frutos bien pronto los vera. Un rato de conferencia que yo tuviera con Ud. […] la sangre de tantos paraguayos, prontos a morir sin saber la causa que defienden, quizás podría salvar el honor agredido de nuestra patria; y al fin nada pierde Ud. ni nada falta a sus deberes en conferenciar con un compatriota que bien claro le muestra que busca el bien de sus hermanos que viven bajo el férreo poder de López. Deseo una entrevista con Ud. estimado amigo, porque así podía comunicarle muchas circunstancias que Solano López oculta a Ud. y a nuestros compatriotas para poderse sostener en ese puesto que ha usurpado. Espero su contestación que se la pido en nombre de nuestros compatriotas tiranizados, de la libertad de nuestra patria. Debe Ud. tener presente que los tiranos nunca pagan bien a sus fieles servidores porque la desconfianza puede más en ellos que la fidelidad misma.

Recientemente hemos visto el triste ejemplo en la persona del general Robles, apresado y según se dice fusilado vilmente en Humaitá, quizás por ser demasiado fiel al déspota y a sus órdenes. Asimismo muchos otros compatriotas inocentes gimen encadenados en las oscuras cárceles de la Asunción. Esas víctimas serán, cuando alumbre el sol de la libertad, muestra autentica de los horrores con que ha llevado el déspota López al Paraguay – la causa de Robles y muchos otros prueban con as fuerza que ser fiel a los tiranos es engañarse y labrarse su propia desgracia, como también de la nación a que pertenece. Nunca pueden llenarse del todo los deberes que impone un déspota porque son infinitos y se reproducen según su voluntad suspicaz y maligna. Si ahora Ud. sigue observando fielmente las ordenes de López, como cree hacerlo, ya él quizá manda otro ejército para su aprehensión y castigo, porque Ud. no ignora que ya desde hoy la considera traidor a él tan Longe da Patria.indb 213

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solo por haber dado oído a honrosas proposiciones. Si, estimado amigo, ser traidor a López como el nos llama es ser fiel y amante de la patria, de sus derechos arrebatados y de su civilización. Si Ud. perece con su ejército a este ataque, su nombre será maldecido por la patria y por la humanidad, y su memoria será execrable, quedando olvidada y oculta bajo el polvo que cubre sus restos.

Deseo prevenirle antes de terminar que contra Ud. y demás jefes y oficiales de ese ejército no existe ninguna prevención particular, pero nadie ignora entre nosotros que ese presbítero Duarte que se intitula “ministro del Dios de la Paz” es funesto consejero que le vincula a Ud. los designios reprobados de hacer perecer cruelmente a esos desdichados paraguayos que obedecen sus órdenes. Si esto sucede, y la sangre inocente de nuestros compatriotas corre en Uruguayana, el presbítero Duarte será el más responsable de estas desgracias. Dios le castigara por invocando a Dios aconseja el crimen, defiende la tiranía en su patria y prolonga los males de una porción mui preciosa de seres inocentes que deberán serle muy queridos En fin querido compatriota, créame con firmeza cuanto le dijo en esta carta y allá en sus adentros en el silencio de la noche y lejos del bullicio del mundo, medítelo poniendo la mano sobre su conciencia.

Quera Dios tocarle las fibras de su corazón y seguir el camino que yo le indico. De ud. Affmo amigo S.S. Juan Francisco Decoud

11 - Carta de Frederico Alonso a Antonio Estigarribia – Comandante chefe das forças paraguaias – sítio de Uruguaiana – 07/09/1865 Urgente

Al Sr. Comandante en jefe de las fuerzas paraguayas Don Antonio Estigarribia.

Sitio de Uruguayana, setiembre 7 de 1865 Longe da Patria.indb 214

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Anexos • 215

Estimado compatriota:

Me permito dirigirle estos pocos renglones sin más título que el de ser su paisano, y poseído de deseo de hacer bien, para decirle que habiendo llegado a mi conocimiento que es V. el jefe de las fuerzas que ocupan pueblo de Uruguayana; y considerando que si se obstina en hacer una resistencia tenaz, solo conseguirá derramar, sin fruto, la preciosa sangre de nuestros compatriotas, […] digno de lástima, por ser escandalosa como injusta guerra en que se ven envueltos, solo por satisfacer el capricho de ese déspota oscuro, llamado Francisco Solano López, que hasta hoy no ha hecho otra cosa que oprimir y degradar a vuestra amada patria haciéndonos aparecer ante los pueblos civilizados como los entes más atrasados; y esta verdad está probada y reconocida, porque no existe en todo el universo un país más degradado que es el Paraguay: todo causado por los 50 y más años que arrastra las cadenas de sus barbaros tiranos. Es tiempo ya querido paisano, que despertemos del letargo en que hemos vivido sumergidos por tan largo tiempo, y que dejando a un lado la pólvora y las balas que ha puesto en sus manos el tirano López, demos una muestra de civilización, tratando pacíficamente por medio de discusión, lo que con las actuales circunstancias convendrá mas para el bien de nuestra patria. Miraré como una aberración si permitir V. que el cañón tome la palabra, para sepultar lo 8.000 paraguayos ques están a su deber, y cuya salvación solo depende de la voluntad suya, medite con calma amigo, y verá la seria responsabilidad que pesa sobre Ud.

No preste sus oídos para escuchar hombres como los Salvañc, que andan errantes por el mundo, sembrando la discordia por el solo gusto de hacer mal.

Persuádase mi querido paisano, que sin embargo de estar V. al frente de un ejercito, no por eso se considere con mas patriotismo ni centinela mas celoso que yo, para vigilar por la dignidad de nuestro país, cuya independencia esta reconocida solenenmente por estos pueblos; y en confirmación de ello, bastará con que le diga, que usamos libremente nuestra bandera tricolor en los ejércitos aliados; y si nos hemos lanzado y formamos parte de esta cruzada, la hacemos con la firme persuasión que nuestra patria será libre en breve […] desde ya con la satisfacción Longe da Patria.indb 215

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216 • Longe da Pátria: a invasão paraguaia do Rio Grande do Sul e a rendição em Uruguaiana (1865)

enterna que llevamos en nuestros corazones por haber contribuido de la manera que lo hacemos al aniquiamiento del nefando opresor de la patria; cuya hora final ha sonado.

Bien comprenderá V. que en os pequeños limites de una carta no es posible esplicarle cuanto desearía decirle a respecto, por cuyo motivo le pido encarecidamente que me conceda el placer de tener una entrevista con V. y en la que podemos tratar libremente y con calma para así esplicarle cuanto deseo. Estoy persuadido que bastará media hora de conferencia para abrazarnos como hermanos, y para oigamos repicar las campanas de la Iglesia de ese pueblo, celebrando un grande acontecimento que imortalizará su nombre y será el primer dia de la gloria para el desgraciado Paraguay.

Quiera V. con este motivo reconocer sinceridad, cediendo a mis deseos, y ortogar el título de verdadero amigo a su S.S. L.J.M.B

Frederico Alonso

12 - Recibo emitido por Juan Antonio Hernandes a Antonio Estigarribia – Comandante chefe das forças paraguaias – 09/09/1865 He recibido del sr. Comandante en jefe de las fuerzas paraguayas D. Antonio Estigarribia, quinientos patacones, importe de cien bolsas de fariña de mandioca para abasto de las tropas de su mando. Y para que así conste le otorgo el presente recibo en este pueblo de Uruguayana a nueve días del mes de setiembre de mil ochocientos sesenta y cinco. Juan Antonio Hernandes

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13 - Comunicação de Venâncio Flores, Barão de Porto Alegre e Wenceslao Paunero a Antonio Estigarribia – Comandante chefe das forças paraguaias em Uruguaiana. Cuartel general frente a Uruguayana, Setiembre 9 de 1865. Al señor comandante en jefe de las fuerzas en Uruguayana

Los abajo firmado han recibido la nota de v. ex. de fecha 8 del presente, reducidas a solicitar los medios necesarios para que las familias y demás neutrales que se encuentran en esa plaza puedan salir de ella antes del ataque y salva de las desgracias que sobrevendrán y que no es justo les alcance. En contestación al objeto principal de la nota referida y a los fundamentos que en ella se adulen debemos hacer presente a v. ex. que los abajo firmados no tenían en olvido este acto de consideración con los neutrales, cuando se habían mostrado empeñosos de salvar también a los mismos soldados que le obedecen, y que solo esperaban el momento oportuno para procurar de v. ex. el acuerdo necesario. En esta virtud, puede v. ex. prevenir a todos los individuos de esa plaza que con arreglo al derecho de gentes se hallen comprendidos en la condición de neutrales que pueden disponerse a salir de ella, para cuyo efecto se es señalará el día en que deben verificarlo; lo que se comunicará a v. ex. oportunamente. Dios guarde a v. ex. muchos años. Venancio Flores

Barão de Porto Alegre Wenceslao Paunero

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14 - Comunicação de Bartolomeu Mitre a Antônio Estigarribia – Quartel general frente a Uruguaiana – 10/09/1865 Cuartel general frente a la Uruguayana, setiembre, 10 de 1865 El general en jefe de los ejércitos aliados

Al comandante en jefe de la división paraguaya D. Antonio Estigarribia

Se há recibida la nota de ud. fecha de hoy, en respuesta a la de los jefes del ejército aliado fecha de ayer, relativa a la salida de los neutrales que existen en esa plaza. Impuesto de lo que V. dice sobre el particular, debo manifestarle que quedando enterado de resolución en que está V., serán recibidos por quienes comisione al efecto, las personas ajenas a la guerra que existen en ese pueblo y que va v. a enviar fuera de trinchera a las doce de día de mañana. Dios guarde a V. Bartolomé Mitre

15 - Comunicação de Antonio Estigarribia – Comandante chefe da divisão paraguaia ao brigadeiro Bartolomé Mitre – general chefe do exército aliado – Sítio de Uruguaiana – 16/09/1865 Viva la republica del Paraguay

El comandante en jefe de la división paraguaya en operación sobre el rio Uruguay A V.E. el sr. Gen. En jefe del ejército aliado Brigadero d. Bartolomé Mitre Longe da Patria.indb 218

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Exmo. Snr.

El abajo firmado con el fin de operar contra los ejércitos de v. ex. se ve en la necesidad de abandonar en este pueblo todos aquellos individuos que por enfermedad están imposibilitados de seguir la marcha de la división de comando.

El infrascrito espera que v. ex. cumplirá para con ellos con las prescripciones que les […] las leyes de la guerra. Dios Guarde a v. ex.

Antonio Estigarribia

16 - Comunicação de Antonio Estigarribia – Sitio de Uruguaiana, 18/09/1865 El comandante en jefe de la división paraguaya ofrece render la guarnición de la plaza de Uruguayana. Bajo las condiciones siguientes:

1º) El comandante de la fuerza paraguaya entregará la división de su comando desde sargento inclusive abajo, guardando los ejércitos aliados para con ellos todas las reglas que las leyes de la guerra prescriben para con los prisioneros. 2º) Los jefes, oficiales y empleados de distinción saldrán de la plaza con sus armas y demás bagajes, pudiendo elegir el punto a donde quieran dirigirse debiendo el ejército aliado mantenerlos y vestirlos mientras durar la presente guerra, si eligieren otro punto que el Paraguay, debiendo ser de su cuenta si prefieren este último punto dirigirlos.

3º) Los jefes y oficiales orientales que están en esta guarnición al servicio del Paraguay quedarán prisioneros de guerra del Imperio, Guardándoseles todas las consideraciones a que sean acreedores. Sitio de Uruguayana, setiembre de 18 de 1865 Antonio Estigarribia

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17 - Comunicação de Antonio Estigarribia – comandante en jefe da división paraguaia – sitio de Uruguayana – 18/09/1865 El comandante en jefe de la división paraguaya Sitio de Uruguayana setiembre 18 de 1865

El infrascrito acepta las proposiciones de v. ex. y desea solamente que sea s. m. el emperador el mejor garante de tal convenio. A él y a v. ex. que me hacen la proposición me fio y entrego prisionero de guerra la guarnición con las prescripciones acordadas por v. ex. El que firma espera que v. ex. procederá inmediatamente a ajustar con el infrascrito la manera como se debe efectuar el desarme y entrega de la guarnición. Dios guarde a v. ex. muchos años Antonio Estigarribia

18 - Declaração de Antonio Estigarribia – Comandante en jefe da división paraguaia El abajo firmado yo el coronel Antonio Estigarribia me paso al Rio Janeiro por mi proprio gusto y voluntad tengo yo escogido este lugar para mi residencia. Uruguyana 20 de setiembre de 1865 Antonio Estigarribia

Comunicação de José López – sargento mayor comandante da cavalaria da divisão paraguaia, ao tenente general Barão de Porto Alegre - Uruguaiana – 21/09/1865

Al exmo. Sr. teniente gen. Baron de Porto Alegre comandante en jefe del ejército de la provincia de Rio Grande do Sul, declaro el infrascripto prisionero en Uruguayana, conforme a las condiciones estipuladas al depor las armas de la división Paraguay, que tengo escozido para mi residencia la entancia de la Gloria de propiedad del sr. Dr. Antonio Inacio Riveros, en el 2º distrito del municipio de Alegrete comarca del mismo Longe da Patria.indb 220

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titulo en esta provincia.

Uruguayana, setiembre 21 de 1865

Sargento mayor comandante de caballería de la división paraguaya. José López

19 - Comunicação de Pedro F. Zipitria, J. Salvañach e P. Salvañach. – 22/09/1865 Itapuchay, Setiembre 22 de 1865

Instruidos los abajo firmados prisioneros de guerra del Imperio por s. E., el sr. Barón de Jachuy de que s. E. el ministro de la guerra ha tenido a bien hacernos gracia permitiendo que elijamos el lugar de nuestra residencia en cualquiera parte del Imperio. Venimos declarar a V.ex.. que preferimos el punto Rio de Janeiro. Dios guarde a v. ex. Muchos años J. Salvañach Pedro F. Zipitria P. Salvañach

20 - Comunicação do capitão de infantaria Justo Pastor Verdoy – Uruguaiana – 23/09/1865 El abajo firmado desea incorporar-se a la legión paraguaya. Capitán de Infantería Justo Pastor Verdoy Uruguayana, setiembre 23 de 1865

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21 - Carta dirigida pelo padre João Pedro Gay a Francisco Solano López Exelentíssimo senhor marechal Don Francisco Solano López [expressão em guarani] (grande déspota do Paraguai)

O desejo de verificar por meus próprios olhos os incalculáveis estragos que seu exército de [...] escravos, malfeitores e sanguinários, fez em sua passagem, em S. Borja me trouxe n’esta vila faz dois dias. Aqui graças ao gênio destruidor de v. Ex. só se encontram ruinas e desolação. Aqui recebi a informação de que v. Ex. tinha dirigido suas vistas sobreminha humilde pessoa, se bem que eu nunca tenha tido relações de nenhuma espécie com v. Ex., ordenando ao padre Duarte, general em chefe de seu exército de prender-me e de enviar-me vivo [expressão em guarani] (em presença de seu cruel déspota).

Já que eu tive a felicidade de me preservar de fazer a vossa supremidade a visita que tanto desejava que eu lhe fizesse, julgo do meu dever participar-lhe que não fez a peregrinação com os ferros nos pés de S. Borja à Assumção, para dar a vossa tirania o gosto de me ver. A culpa foi do seu general de roupeta jesuítica, que depois de me procurar com o empenho onde eu não estava, achou mais gostoso violentar infelizes moças em S. Borja e em Itaqui, na pratica de cujas infâmias ele se mostrou o mais valente e o mais atrevido de todos seus soldados e mais proveitoso de pilhar sacrilegamente a igreja de S. Borja, de saquear minha casa e quase toda a vila, do que mover-se para me segurar quando eu me achava perto de sua paternidade o generalíssimo do seu exército.

Visto que v. Ex. toma tanto interesse para minha pessoa, antes de sair destas ruínas de S. Borja como o pretendo fazer amanhã cedo, tenha paciência que lhe de noticias minhas; elas não podem deixar de lhe ser agradáveis também lhe direi algo do seu cura feito general e do seu morimbundo exército em operação sobre o rio Uruguai. Pelo que diz respeito vossa supremidade bem vê que vou muito bem pois que escapei de cair nas garras de seus lobos e que não tive a aventura de ir parar perante sua cara de tigre. Estou me ocupando à tomar nota de algumas das barbaridades e das atrocidades, porém é impossível de apontar todas as que cometem os brutos soldados [expressão em Longe da Patria.indb 222

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guarani] (saídos do mato) que por cá nos mandou; assim como o é de descrever sua ignorância e estupides.

Ávidos e gulosos como o [expressão em guarani] (porco), eles se lançaram sobre todo o que tinha aparência de comida e de bebida; temperando as vezes suas iguarias com drogas medicinais, como o arsênio e o mercúrio, de que fizeram grande uso e que mandou vários deles [expressão em guarani] (para o inferno). Todo e qualquer [...] que seus guaranis [expressão em guarani] encontravam usadas ou não, lhes servia de [...] e de copos, e eles achavam nos [expressão em guarani] (ourinóis) tanto sabor ao vomitório ao purgante Leroy, à aguaraz, do que v. Ex. ao mais espirituoso champanhe em seus cálices de cristal ou de matéria preciosa. Depois de terem os soldados do Paraguai arrombado sacrilegamente a matriz de S. Borja de ter roubado todas as alfaias que nela se achavam, fazendo ponchos das capas, [...] e de ter mesmo forçado a porta do sacrário. O [...] padre Duarte lembrou-se de mandar castigar barbaramente vários soldados, e para atribuir estes sacrilégios aos brasileiros, ordenou ás devotas tropas paraguaias de adorarem todas as imagens que encontrassem em São Borja dessa data em diante. Em consequência do que saiba v. Ex. que tendo enviado seus soldados ao Brasil para agarrar, atar e levar prisioneiro para seu covil do Paraguai. S. M. o sr. Don Pedro II, augusto Imperador deste grande Império, eles encontraram em minha casa em São Borja o retrato de S. M. Dom Pedro II, com o seu venerando nome escrito em baixo. Que haviam de fazer os ladinos soldados de v. Ex? Colocar este retrato no meu oratório à par de uma pintura religiosa da encarnação do verbo, ascender velas perante o venerando retrato do monarca brasileiro, adorando nele a imagem de D. Pedro segundo que diziam eles ter as chaves das portas do céu [expressão em guarani] E todos os dias seus devotos soldados foram venerar, adorar o retrato do sr. D. Pedro II. E que tal, snr. López! Seus soldados fizeram exatamente o que v. Ex. não queria? Em certo ponto eles fizeram bem, porque S. M. o sr. D. Pedro II merece a veneração de todo o Brasil e do mundo inteiro por suas virtudes e por seus conhecimentos que mereceria também v. Ex. se tivesse o mesmo louvável proceder. Tendo seus guaranis encontrado em S. Borja um retrato de Napoleão o grande, o carregaram em procissão a seu acampamento, lhe ergueram um altar, lhe acendeLonge da Patria.indb 223

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ram velas e adoraram de mesmo que o D. Pedro II. Em uma casa particular eles adoraram a pintura de uma ninfa em trajes bastante desonrosos. Mas por virtuoso que seja um homem mortal, por grande que ele seja, nunca merece o culto de [...] que os católicos somente consagram aos santos do céu.

Será melhor do dever do reverendíssimo vigário de seu exército de ensinar a doutrina cristã a seus soldados e de lhes pedir a caridade do que enganá-los por suas palavras impostoras como cada dia está fazendo. Além de lhes pregar de palavras e ainda melhor por suas obras, a violação o assassinato o latrocínio, o seu maior empenho é de persuadir à seus soldados que morrendo firmes no combate cá no Brasil eles vão todos ressuscitar no Paraguai e que se eles recuam ou desertam eles são imediatamente degolados e em vez de irem ressuscitar no Paraguai, eles caem no inferno de que S. reverendíssimo tem a habilidade de lhes fazer uma pintura horrenda.

Espere portanto por lá, Sr. López, que seus soldados ressuscitem da [...] republica para lhe dar notícias do seu exército cá do Brasil, trucidada apesar de sua [...] pelas armas e pelos canhões dos valentes brasileiros. Pode v. Ex. festejar com girândolas, com bailes a ressurreição dos soldados do seu exército, porém não espere por lá o mesmo exército, porque os seus soldados não tardarão a morder todos o pó. Ah! Que fez v. Ex. sr. mariscal. Um pigmeu levantar-se contra o gigante brasileiro e sus bizarros aliados! Porque não seguiu sr. mariscal, os sábios conselhos que lhe dava em suas cartas escritas em Buenos Aires seu querido tio d. Pedro de Peña? Porém agora é tarde, Paraguai [expressão em guarani]! [...] a rã que em sua estupidez quis igualar o boi em magnitude. A rã tanto se encheu de vento que arrebentou. Esta é a sorte que infalivelmente espera v. Ex. O dobi (boi) do Brasil e seus aliados hão de colocar sob seus pés o cururu (sapo) inchado do Paraguai e há de o fazer arrebentar esmagando-o. Já disse mais coisas a v. Ex. pela primeira vez que tenho a honra de lhe escrever do que tencionei ao princípio; vou concluir minha epístola.

Para entreter a amizade não há melhor meio do que fazer alguma firmeza à um amigo v. Ex. me perdoará pois a que eu entendi lhe fazer. Tendo-se mandado estampar dois retratos seus na semana ilustrada do Rio de Janeiro, para que as delicadas porém odiosas feições de v. Ex. Longe da Patria.indb 224

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passem a ser conhecidas do mundo inteiro e passem a posteridade, me fizeram mimo dos números que tinham estes retratos. Eu terei sumo gosto de deixar este mimo a dentro do meu escritório, donde sem licença minha, os tirou o cura-general do seu exército, para os fazer chegar as mãos de v. Ex. como sei que ele se apressou de o fazer. Estimara muito que v. Ex. tenha recebido para corresponder às minhas delicadas atenções para com v. Ex., de-me de vez em quando notícias suas. E antes que o leve o diabo [expressão em guarani] (oxalá o veja breve, cruel tirano do Paraguai), não se esqueça de me mandar restituir as alfaias de minha igreja de S. Borja, e os objetos, sobre todos meus trabalhos literários de anos, meus sermões, meus diversos manuscritos, minhas confecções que v. Ex. me mandou roubar em minha casa, se quer que o diabo o trate com menos rigor no inferno que tanto merece por suas enormes iniquidades. E se Deus lhe conceder o maior favor que v. Ex. pode esperar de sua clemencia, que é de poder fugir em alguma embarcação estrangeira para ir ocupar uma cadeira ao lado do ex tirano Rosas, que já o convidou a ir tomar assento ao seu lado, levando consigo [expressão guarani] (ladrão destro), o fruto do suor de muitos anos dos infelizes paraguaios seus patrícios, avise-me quanto antes. Irei esperar no Rio de Janeiro por seu transito, e olhar para o sr. mariscal do Paraguai com a curiosidade e com espanto que se olha para um tigre furioso engaiolado. Sou de v. Ex., quem detendo suas iniquidades e pede à Deus seu arrependimento.

Conego João Pedro Gay (vigário de São Borja). S. Borja, 6 de agosto de 1865

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22 - Relação dos prejuízos sofridos pelo padre João Pedro Gay por ocasião da Invasão Paraguaia. Relação dos objetos saqueados, destruídos e inutilizados pela divisão do exército paraguaio que invadiu a fronteira de S. Borja no dia 10 de junho de 1865, pertencentes ao cônego honorário João Pedro Gay, vigário colado da mesma vila com avaliação aproximativa, atenta o lugar e as circunstancias. Livraria

1º Biblioteca de mil e tantos volumes, contendo além de muitos livros de teologia e de religião, uma completa biblioteca de medicina, muitos livros de ciência, e livros mui raros e preciosos, à dez mil réis avalia-se. ............................................................................................................... 10:000 2º coleção de livros guaranis antigos, edições esgotadas ...........5:000 Manuscritos originais do cônego Gay e inéditos

3º Historié de la Republique Jesuitique du Paraguay – concluída em 1864, com matéria para 2 grandes volumes [...] ................................ 16:000

4º História da Republica Jesuítica do Paraguay [...] 2ª edição portuguesa concluída em 1865. ............................................................................ 16:000

5º Duzentos e tantos sermões compostos e escritos pelo cônego Gay com matéria para 8 grandes volumes [...] ............................................. 20:000

6º novelle gramatique de la leengue Guarany e tupy concluída em 1861, com notas autógraphas de S. Magestade o imperador do Brasil o sr. D. Pedro II. ..................................................................................................... 10:000 7º A mesma traduzida em português............................................... 10:000

8º manual de conversation em francês, português, espagnol et Guarany......................................................................................................................... 10:000 9º Dictionary de la leengue Guarany [...] ........................................ 21:000 Coleções

10º velho manuscrito histórico Guarany........................................ 21:000

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11º Coleção de manuscritos e documentos oficiais e particulares desde o ano de 1842. ...................................................................................... 15:000 12º Coleção de pedras e outros objetos curiosos........................... 6:000

13º Coleção de plantas da comarca de S. Borja com sua descrição e com seus nomes em Guarany......................................................................... 8:000 14º Alfaias de igreja de propriedade de cônego Gay.................... 1:000 15º Vestes eclesiásticas do cônego Gay.............................................. 1:000 16º Roupas de mesa e de cama.............................................................. 1:000 17º Utensílios de mesa e de cozinha.................................................... 1:000

18º Quadros, espelhos, pratos, candelabros, móveis, cadeiras, relógios, estufa, [...] letras de música, etc........................................................... 8:000 19º Comestíveis, remédios....................................................................... 1:000

20º mais de cem reses de criar mansas, escolhidas com bom número........................................................................................................................... 188:000 21º de vacas leiteiras à 6:000 cada uma...................................... 600:000 22º oitenta bois à 20:000 cada um. ............................................... 160:000 23º Uma carreta...................................................................................... 160:000 24º 80 éguas e potros à 5:000 cada uma..................................... 400:000 25º 20 cavalos mansos à 16:000 cada um................................... 320:000 26º 15 mulas à 15:000 réis cada uma........................................... 255:000 27º Um rebanho de 200 ovelhas...................................................... 200:000

28º Mobília de casa da chácara, instrumentos de cultura, de agricultura, ferramentas........................................................................................... 500:000

29º Despesas ocasionadas pela invasão dos paraguaios, gastos na emigração, lucros[...], tanto da capital como por estar o cônego Gay impossibilitado de exercer suas funções paroquiais, créditos perdidos etc. 18:000 Total geral: ........................................................................................ 198.565:000

Cento e noventa e oito contos quinhentos e sessenta e cinco mil réis.

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Os abaixo assinados moradores em São Borja, são testemunhas que os objetos pertencentes ao R. do cônego Gay, vigário desta vila constantes da relação acima, foram saqueados pela divisão paraguaia no dia 12 de julho de 1865 e nos dias seguintes, e por ella destruídos e inutilizados e que estes objetos são avaliados na dita relação conforme os preços correntes na praça de S. Borja no mês de junho último, excetuando todavia os manuscritos e as coleções que não podem ser devidamente apreciados estimados pelos abaixo assinados. São Borja 1º de janeiro 1866 [...]

Nomes ilegíveis

Coleção padre Gay – IHGB – lata 404 –doc.30

23 Memorial Elaborado pela câmara de vereadores de Uruguaiana dirigido à princesa Isabel solicitando o pagamento das indenizações de guerra. Representação ou Memorial

À Augusta e Sereníssima Princesa Imperial Regente

Senhora A irrupção invasora que em 1865, ao mando de Estigarribia, enviado pelo tirano do Paraguai, teve lugar nesta fronteira, causou enormes depredações e prejuízos aos seus habitantes, e mormente neste município onde com mais força e permanência se localizou o teatro da guerra. Posteriormente quando esta foi terminada com a expulsão e morte do mesmo tirano apareceu o tratado de 9 de janeiro de 1872, firmado pelo novo governo paraguaio que obrigou-se a indenizar os prejuízos particulares em apólices ao par de juros de 6% ao ano, amortizando também um por cento anualmente. Com esse fato muito tem sofrido este município, porque além de sua total devastação naquela ocasião ainda a grande maioria de seus habitantes mais prejudicados, se conserva estacionária na inanição resultante todos os ramos de riqueza, inclusive a indústria pastoril, principal fonte, se tem gravemente ressentido desse duplo prejuízo, o da invasão, e da falta de cumprimento de tratado. Longe da Patria.indb 228

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Anexos • 229

Resulta de tudo isso além da pobreza geral a circunstancia desanimadora de que nenhum dos prejudicados foi ainda indenizado nem as apólices que possuem tem aceitação ou cotação em parte alguma, sendo muitos desses prejudicados viúvas e órfãos de militares que prestaram seus serviços na guerra do Paraguai. E nestas condições Senhora, como remediar-se e atender-se a tais males tão alarmantes? Unicamente com vossa grande e patriótica solicitude sempre manifestada em prol da Nação; unicamente por um meio que a razão, a justiça, o direito não vos recusam, e que o vosso discricionário poder como representante da nação vos faculta; e será Senhora, com a intuitiva providencia e faculdade para que o governo brasileiro se [...] tomando a sua conta essas apólices paraguaias e permutando-as por outras da dívida pública brasileira. Esse ato, Senhora, bem longe de [...] censuras vos atrairá as bênçãos gerais; esse ato não será um fato novo e isolado, por que já em circunstâncias idênticas muitas nações quer fortes quer fracas o tem nobremente praticado, como registra a história a cada folha.

Esse ato, Senhora, vos é facultado, e até, se perdoa-os, imposto não já pelas obrigações maternais que vos sobrecarregam a benefício de vossos súditos senão ainda pela circunstancia mais agravante de ter o Brasil desistido do direito facultado pelo artigo 20º do mesmo tratado que seria a melhor garantia senão únicas das estipulações nele contidas, desistência essa que é a principal causa da depreciação das referidas apólices, da negação do governo paraguaio em cumprir suas obrigações e o do constante e latente prejuízos dos súditos brasileiros. E foi essa maneira que, não resguardados por algum outro meio coerente, os interesses e os direitos dos súditos brasileiros prejudicados, perderam estes também todo o benefício e coadjuvação que o mesmo tratado lhes prometia, perda esta, de que foi causa, senão absoluta em menos em parte indireta e muito forçosa a aludida desistência do referido artigo 20º, cuja desistência colocou ao governo brasileiro na consequente obrigação do artigo 4º do mesmo tratado. Demonstrar mais amplamente, Senhora, a veracidade e o fundamento das teses que ai ficam lançadas seria repreensível prolixidade..

Permite, pois, que esta municipalidade, em prol dos seus munícipes prejudicados por aquela invasão, e ainda não indenizados venha com Longe da Patria.indb 229

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todo o respeito requerer vos dignei resolver e decretar a permuta acima lembrada.

E com esse procedimento, nobre, justo e patriótico Senhora fareis a esperada justiça.

Assinados dr. Baldoino José Carvalho, Rodolpho Antônio Alves, Basilio e Dias de Aguiar.

Paço da Câmara municipal de Uruguaiana. Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, 10 de junho de 1888.

Arquivo Histórico dr. Pedro Marini. Uruguaiana – Livro de correspondências expedidas pela Câmara Municipal – 1887-1890

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