Luciano Pereira da Silva 2014 - Arqueologia Indígena: protagonismo ameríndio, interlocução cultural e ciência contemporânea (Primeira Parte)

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Luciano Pereira da Silva ARQUEOLOGIA INDÍGENA protagonismo ameríndio, interlocução cultural e ciência contemporânea

Luciano Pereira da Silva ARQUEOLOGIA INDÍGENA protagonismo ameríndio, interlocução cultural e ciência contemporânea

Conselho Editorial Unemat Agnaldo Rodrigues da Silva (Presidente) Marco Antonio Camilo Carvalho Célia Alves de Souza Eliane Ignotti Eloísa Salles Gentil Fabrício Schwanz da Silva Geovane Paulo Sornberger Aroldo José Abreu Pinto Márcia Helena Vargas Manfrinato Luiz Juliano Valério Geron Adriano Aparecido Silva Dionei José da Silva

À Acacia Maria. À José Benedito e Maria Madalena. À Mirela. À Rony. Aos professores indígenas da turma 2005-2009 da Faculdade Indígena Intercultural da UNEMAT.

 Luciano Pereira da Silva, 2014 Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução de partes ou do todo desta obra sem autorização expressa do autor (art. 184 do Código Penal e Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998).

S586 Silva, Luciano Pereira da. Arqueologia Indígena: protagonismo ameríndio, interlocução cultural e ciência contemporânea./ Luciano Pereira da Silva. Cuiabá: Carlini & Caniato Editorial, 2014. 240 p. : il. color. ISBN 978-85-8009-083-3 ( Carlini & Caniato ) ISBN 978-85-7911-082-5 ( Unemat ) 1. Arqueologia 2. Ensino Superior Indígena Protagonismo indígena 3. Índios (MT) 4 História Indígena CDU 902:397(=87)

Editores Ramon Carlini Elaine Caniato Capa Marcelo Cabral Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica Elaine Caniato Revisão Textual Cristina Campos

Hoje, eu vejo esse curso como um espelho que nos mostra o rosto do passado e do presente, Unemat Editora Av. Tancredo Neves, 1095 – Cavalhada 2 Cáceres-MT – (65) 3221-0077 [email protected]

Carlini & Caniato Editorial (nome fantasia da Editora TantaTinta Ltda.) Rua Nossa Senhora de Santana, 139 – sl. 03 – Goiabeira Cuiabá-MT – (65) 3023-5714 carliniecaniatoeditorial.wordpress.com - [email protected]

que se transformou com o passar do tempo. Laucino Chiquitano

Agradecimentos

Aos professores indígenas da turma 2005-2009 do Proesi, pois, com muita honra, recebi seus ensinamentos, conheci parte de suas histórias e agora, neste livro, divido um pouco do que aprendi sobre suas vidas. Sem eles, essa importante partilha com a sociedade não seria possível. À Unemat e à Capes, que me concederam, respectivamente, afastamento remunerado e uma bolsa parcial de mestrado, cujo produto originou esta publicação. À Universidade Federal da Grande Dourados, por proporcionar uma pós-graduação de caráter público e de qualidade. À Secretaria de Estado de Cultura do Estado de Mato Grosso, por financiar a edição deste livro. Ao meu orientador, professor doutor Jorge Eremites de Oliveira, pela competência, segurança e paciência na orientação. Aos professores doutores Beatriz Landa, Levi Marques Pereira e Pedro Funari; suas contribuições nas bancas de qualificação e defesa ainda estão presentes em minhas reflexões. À Márcia Bezerra, pelas sugestões, conversas e bibliografias indicadas. Ao professor doutor Elias Januário, pelo estímulo e apoio ao ensino de Arqueologia na Faculdade Indígena Intercultural da Unemat, a qual coordenou com esmero. À Josiani Galvão, parceira nos cursos. Ao Fausto Echer, Iokore Kawakum Ikpeng, Rosane Turchen e Vicente Tsimrihu Rãi´rãté, que nos monitoraram. Aos vários funcionários e estagiários do Proesi, aqui representados por Fernando Selleri e Sandra Gutierres. À Selma Duarte, Giseli Deprá, Alexandre Trubiliano, Rodrigo Godoi e Sônia Couto, amigos no mestrado. Ao Dário Ferreira, Deise Kuntze e Roger Modkovski, pelo apoio e consideração em distintas circunstâncias do mestrado e da amizade. Ao Leandro Messias, cuja companhia nas peripécias finais para materializar a dissertação foi crucial. 9

Aos professores da Unemat, Alexandre Régio, Anderson Amaral, Antônio Moura, Antônio Armando Lago, Evelin Dan, Sandra Neves, Tania Paula, Vivian Dan, Wellington Quintino amigos, colaboradores e apoiadores em projetos, ações e atividades interdisciplinares. À Nanci Vieira de Oliveira e João Henrique Rosa, amigos e interlocutores na Arqueologia. Aos colegas do grupo de pesquisa de Ensino de História e Diversidade Cultural, Luís Cezar, Marli Auxiliadora, Osvaldo Cerezer e Renilson Rosa. Ao Éder Vilasim e Myriam Souza, servidores no Museu. Aos acadêmicos da Unemat, Alessandro Pokivik, Fátima Vernucci, Juliana Lima, Pamela Alves, Paola Duarte, Rafael Costa, Roberta Stella, Valéria Soares, Valéria Ramos, Wanison Correa e Sirléia Pokivik, participantes de projetos que coordenei. Aos professores do curso de História da Unemat. A trajetória deste livro relaciona-se muito com a minha nova vida na Amazônia. A experiência indigenista na Opan marcou esse reinício, pois ali conheci e convivi com muitas pessoas. No momento, nomino Andréa Jakubaszko, Arlindo Leite, Celma Baggio, Darci Secchi, Edmundo Peggion, Fernando Penna, Joana Fernandes, Jônia Frank, Ivar Busatto, Ivo Schroeder, Nilo D’Avila e Rosa Monteiro. A Ednelson Makuxi e Angela Kurovski, com admiração pelo que com eles aprendi. Aos amigos Alexandre Varella, Danilo Doneda, Haroldo Ribeiro, Luís Fernando Lopes Pereira, Fernando Cecchetti, Fernando Oliveira e Fernando Ventura, Emmanuel e Rubens Campos, Evandson dos Anjos, Hélio Santana, Marcioney Lanes, Manoel Ferreira, Maurício Popija, Rafael Martinez, Ricardo Mendes, Taisir, Jocineide e Laila Karim, Margarete Castro, Lurdinha e Sérgio. A Ramon e Elaine, compreensivos editores e apoiadores deste livro. Aos meus pais, José Benedito e Maria Madalena, pela dedicação e apoio. À minha boa irmã Claudia, à querida Ana e ao Armando. À minha muito amada filha Acacia, pela felicidade, conforto e sentido nesses efêmeros “tempos modernos”, minha melhor companhia. À maravilhosa avó dona Lita e ao carinhoso avô Ciza, por cuidarem dela com todo amor do mundo na minha ausência, agradecimentos sem fim. A Rony, tio carinhoso e terno que tudo por ela fazia. À Suzy e ao Edinho, sempre próximos e atenciosos com a Acacia, à Suely. À Mirela Lenzi, companheira e amiga, com amor.

SUMÁRIO Prefácio_____________________________________________ 13 Introdução___________________________________________ 17 Capítulo 1 - TEMPO E MUDANÇA______________________________________ 41 1.1. Narrativas Arqueológicas e Protagonismo Indígena: ensino e interlocução_____________ 41 1.2. Imagens, Representações e Concepções: trajetórias teóricas_ ________________________ 48

Capítulo 2 - OBSERVAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO LIMIAR DO SÉCULO XXI _ ________________________________________ 59 2.1. Políticas Públicas e Educação Escolar Indígena no Brasil_____________________________ 2.2. Educação Escolar Indígena no Estado de Mato Grosso_______________________________ 2.3. Ensino Superior Indígena na Unemat_ ____________________________________________ 2.3.1. Proposta Metodológica_______________________________________________________ 2.3.2. As Licenciaturas Plenas________________________________________________________

59 60 62 63 64

Capítulo 3 - ARQUEOLOGIA NA ALDEIA: LUGAR E NARRATIVA EM UMA PESQUISA-AÇÃO________________________ 67 3.1. Lugares_______________________________________________________________________ 68 3.2. Narradores____________________________________________________________________ 73 3.3. Escolas________________________________________________________________________ 79

Capítulo 4 - ARQUEOLOGIA DA ALDEIA: política, participação e sociedade________________________________________ 85 4.1. Memória, História e Conhecimento_ ______________________________________________ 86 4.2. O Saber e o Professor_ _________________________________________________________ 103 4.3. Pesquisar e Conhecer__________________________________________________________ 118 4.4. Propriedade e o Uso da Informação______________________________________________ 120 4.5. Por que Arqueologia?__________________________________________________________ 124

Capítulo 5 - OFÍCIO E DISCURSO NA ARQUEOLOGIA____________________ 137 5.1. Percepção____________________________________________________________________ 5.2. Responsabilidade_____________________________________________________________ 5.3. Aprendizado, Avaliação e Ação Política _ _________________________________________ 5.4. Perspectivas__________________________________________________________________

138 147 155 157

Capítulo 6 - O QUE É ARQUEOLOGIA__________________________________ 159 6.1. Tempo_______________________________________________________________________ 160 6.2. Objeto_______________________________________________________________________ 170 6.3. Subjetividade________________________________________________________________ 176

Por Outra Arqueologia Indígena____________________________ Referências__________________________________________ Caderno de imagens___________________________________ 10

179 181 193

11

Lista de Abreviaturas e Símbolos

Atix – Associação da Terra Indígena do Xingu Cei-MT – Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso

Prefácio

Cimi – Conselho Indigenista Missionário Cltema – Comissão Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas (Comissão Rondon) DGI – Diretoria Geral dos Índios Eco-92 – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento FBC – Fundação Brasil Central Funai – Fundação Nacional do Índio Ibope – Instituto de Opinião Pública e Estatística Ipeax – Instituto de Pesquisa Etno Ambiental do Xingu ISA – Instituto Socioambiental LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Mec – Ministério da Educação Nei-MT – Núcleo de Educação Indígena de Mato Grosso Oea – Organização dos Estados Americanos Opan – Operação Amazônia Nativa Onu – Organização das Nações Unidas Piv – Posto de Vigilância Pix – Parque Indígena do Xingu Proesi – Programa de Educação Superior Indígena Intercultural RCN – Referencial Curricular Nacional Sab – Sociedade de Arqueologia Brasileira Seduc-MT – Secretaria de Estado de Educação SEE-MT – Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso SPI – Serviço de Proteção ao Índio TI – Terra Indígena. UFMT – Universidade Federal de Mato Grosso Unemat – Universidade do Estado de Mato Grosso Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Wac – World Archaeological Congress 12

A década de 1980 registrou um conjunto de mudanças na sociedade brasileira, uma sociedade pluriétnica por excelência e assim autorreconhecida em sua própria Constituição Federal, a Constituição Cidadã promulgada em 1988. Com o fim da ditadura militar (1964-1985) e o reinício do processo de democratização do país, houve o surgimento gradual de uma nova geração de arqueólogos. Trata-se de uma geração constituída por profissionais de várias idades e diferentes perspectivas teórico-metodológicas, porém empenhada em um projeto comum de desenvolvimento, renovação e consolidação da Arqueologia praticada no país. Com ela, foi possível inserir a arqueologia brasileira no cenário dos mais recentes avanços registrados na Arqueologia mundial e atingir uma dimensão social nunca antes registrada em sua história. Na década seguinte, a de 1990, esta geração de arqueólogos se consolidou e se diversificou cada vez mais com a formação de dezenas de novos mestres e doutores nos programas de pós-graduação que se multiplicam pelo país, incluindo estados situados fora do eixo Sudeste-Sul. Acrescenta-se a esta situação o vertiginoso crescimento da Arqueologia por contrato, especialmente no contexto do licenciamento ambiental e no salvamento de bens de natureza arqueológica, o que aumentou muito o conhecimento do patrimônio arqueológico nacional e sua consequente valorização. Dessa maneira, aqueles que antes foram alunos ávidos por mudanças, agora se tornaram mestres de si mesmos e de gerações vindouras. Cumpre ainda registrar a popularização da Internet e a revolução que causou na forma de as pessoas se comunicarem e socializarem novos e antigos conhecimentos, por vezes a rever paradigmas em vigor durante décadas e a propor outros tantos em seu lugar. E eis que a Arqueologia brasileira chegou ao século XXI e, nesse outro momento, o que antes poderia ser pouco pensável, como, por exemplo, um arqueólogo se dedicar a ensinar Arqueologia para professores indígenas, hoje, é cada vez mais comum. 13

A Arqueologia, aliás, definitivamente, deixou de ser apenas o estudo do arcaico, do antigo, e passou a ser também o estudo do presente, de grupos humanos que pensam, interagem, divergem dos arqueólogos e reivindicam direitos. Por isso ela é, como bem disse Pedro Paulo Funari (1988), um projeto de ciência social, quer dizer, uma disciplina em formação dedicada ao estudo dos seres humanos no tempo e no espaço, a partir, sobretudo, mas não unicamente, da totalidade material transformada e consumida socialmente. É dentro desta perspectiva de Arqueologia que se situa a experiência que Luciano Silva ousou realizar – e o fez com brilhantismo – e trouxe ao público em seu livro, Arqueologia Indígena - protagonismo ameríndio, interlocução cultural e ciência contemporânea, cujo trabalho original foi apresentado sob forma de dissertação de mestrado na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) com o título Arqueologia e ensino superior indígena: uma experiência na Universidade do Estado de Mato Grosso, Campus de Barra do Bugres (2006-2007). Trata-se da experiência bem-sucedida de um professor que ministrou aulas de “Arqueologia e Habitação Indígena” e “Arqueologia” para alunos indígenas matriculados em cursos de licenciatura oferecidos pela Unemat a 22 etnias. Esses alunos, ao assumirem a condição de principais protagonistas de sua história, apreenderam conhecimentos científicos comuns à disciplina e lhes deram sentidos próprios a partir de outras lógicas socioculturais e experiências políticas por eles compartilhadas. Tais sentidos, também construídos através de pesquisas desenvolvidas em suas comunidades, tiveram a ver com a afirmação étnica, a tomada de ciência sobre suas historicidades e a reivindicação de direitos. Uma experiência desse nível possui grande relevância social, uma vez que os professores indígenas adquiriram saberes recorrentes à prática arqueológica e os utilizaram para a discussão e resolução de problemas concretos de natureza histórica, sociocultural e ambiental. Exemplos disso são a valorização e revitalização de conhecimentos tradicionais salvaguardados pelas gerações mais antigas e às vezes não apreciados pelos mais jovens. Não se trata aqui, portanto, da publicação de um estudo em que o arqueólogo usou os discentes indígenas como “carregadores de balde de ouro”, como comumente se diz na prática arqueológica quando alunos de graduação e estagiários são explorados por seus orientadores. Definitivamente, não é isso. A experiência aqui contida foi pautada por uma conduta ética exemplar, profícua interlocução com representantes de vários grupos étnicos e por meio da perspectiva de ensinar e aprender para a resolução de problemas concretos existentes tanto na escola quanto no dia a dia das comunidades indígenas. Neste sentido, faz-se necessário salientar que as experiências acumuladas pela Unemat no campo do ensino superior indígena estão entre as mais ricas e promissoras no país, porque esta instituição de ensino superior tem se mantido aberta às demandas de diversas etnias que existem no estado e mesmo para além-fronteiras. Ela cumpre,

portanto, um papel estratégico no que se refere ao desenvolvimento econômico e à inclusão étnico-social em Mato Grosso, cujo sucesso, em grande parte, está ligado ao desempenho de seus docentes. Boa leitura. Jorge Eremites de Oliveira Professor e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas

15

Introdução

As preocupações que conduziram teórica e metodologicamente este trabalho analisam, em última instância, a precariedade da relação entre índios e não índios, sobre as quais o estigma e o estereótipo pautam a sociabilidade existente. Hommy Bhabha (1998) afirma que o discurso colonial, como aparato de poder e de práticas, visa à criação de espaços destinados aos povos-sujeitos por meio da produção de um determinado conhecimento; o objetivo é apresentar um tipo de indivíduo nativo colonizado e degenerado, tendo por base a origem racial, o que justificaria o projeto colonial. A fonte deste trabalho são os conhecimentos produzidos por professores/estudantes universitários indígenas do então Proesi, hoje Faculdade Indígena Intercultural da Unemat, doravante Faculdade Indígena, cuja proposta educacional é uma ação afirmativa, pois carrega em seu bojo a ideia de inclusão social. Experiências e ações relacionadas a essa perspectiva visam refletir, planejar e executar atividades que proponham a inclusão social, entendendo tais ações como fenômenos sociais resultantes do convívio em sociedade. Nesse contexto, pode-se refletir sobre a atuação, a função e o papel social da Universidade para discutir e promover a inclusão social em detrimento da exclusão social, considerando temas como diversidade, etnicidade, identidade e cidadania (HP OLIVEIRA, 1997). Reflete-se sobre a percepção, reação e interação dos professores indígenas como protagonistas na produção de conhecimento sobre a Arqueologia. O índio e literato Daniel Munduruku, vencedor do Prêmio Érico Vannucci, em seu discurso intitulado “Os Movimentos do Saber Indígena”, testemunha que: Se, por muitos anos, o indígena era apenas personagem dos contos, histórias e ficções do não indígena, de um tempo para cá, ele passou a ser protagonista da história, da sua própria história. Ele começou a criar e a oferecer para os pariwat seu próprio 17

ponto de vista sobre a realidade que vive (JORNAL DA CIÊNCIA, 2003, p. 1).

Os conhecimentos produzidos pelos índios, ao longo de aproximadamente seis meses, a partir das disciplinas de Arqueologia, representam também seu próprio ponto de vista sobre a realidade que vivem. Os dados analisados procedem de dois cursos: o primeiro denominado “Arqueologia e Habitação Indígena”, realizado entre 29 de janeiro a 4 de fevereiro de 2006, e o segundo exclusivo de Arqueologia, entre 24 a 28 de julho do mesmo ano. As turmas com as quais foi realizado o trabalho são as do período 2005-2009, compostas por 22 etnias de Mato Grosso de, aproximadamente, 70 aldeias e totaliza 100 professores indígenas, divididos em duas turmas. As etnias são as seguintes: Aweti, Bakairi, Bororo, Chiquitano, Ikpeng, Irantxe, Kalapalo, Karajá, Kaiabi, Kuikuro, Nahukuá, Panará, Paresí, Suyá, Rikbaktsa, Tapirapé, Terena, Umutina, Waurá, Xavante, Yawalapiti e Zoró. Abaixo, segue a lista dos professores indígenas que cursam as licenciaturas, a etnia, as aldeias em que moram e o município onde estão localizadas.

Quadro 1. Relação dos estudantes universitários: etnias, aldeias e municípios1. Nome

Etnia

Aldeia

Município

Waranaku Awete

Aweti

Aweti

Gaúcha do Norte

Alinor Aiakade Kaluiaua

Bakairi

Pakuera

Paranatinga

Elves Sapunghe Dias Iacauh

Bakairi

Kaianoalo

Paranatinga

Luiz Apacano Kapeguara

Bakairi

Aturua

Paranatinga

Maisa Cuteme Taukane

Bakairi

Kuiakuare

Paranatinga

Marcio Alua Madicai

Bakairi

Pakuera

Paranatinga

Valdomir Ianu

Bakairi

Pakuera

Paranatinga

Vanda Curico Seigalo

Bakairi

Pakuera

Paranatinga

Mariel Mariscot Bento Kujiboekureu

Bororo

Meruri

General Carneiro

Neide Gereguinha

Bororo

Córrego Grande

Stº Antônio de Leverger

Virgilio Kidemugureu

Bororo

Perigara

Barão de Melgaço

Benedito Santana de Campos

Chiquitano

Acorizal

Porto Esperidião

Laucino Costa Leite Mendes

Chiquitano

Acorizal

Porto Esperidião

Maria Siria Rupê

Chiquitano

Fazendinha

Porto Esperidião

Roberto Luciano Ortiz da Silva

Chiquitano

Fazendinha

Porto Esperidião

Pitoga Makne Txikão

Ikpeng

Moygu

Feliz Natal

Sergio Aparecido Calomezore Teodoro

Irantxe

Paredão

Brasnorte

Loike Kalapalo

Kalapalo

Nambikwara

Comodoro

1 Cf. as Figuras 1 e 2.

18

Célio Kawina Ijavari

Karajá

Krehawa

Luciara

Rogério Tewaxure Karaja

Karajá

Krehawa

Luciara

Valdirene Rondon Moreira

Karajá

Itxala

Santa Terezinha

Valnete Rondon Moreira

Karajá

Itxala

Santa Terezinha

Pikuruk Kayabi

Kaiabi

Tuiarare

Querência

Sirakup Kaiabi

Kaiabi

Capivara

São Félix do Araguaia

Sirawan Kaiabi

Kaiabi

Kwarujá

Feliz Natal

Tariwaki Kaiabi Suia

Kaiabi

Diauarum

São Félix do Araguaia

Tarupi Kaiabi

Kaiabi

Kururu

Marcelândia

Yapariwá Yudja Kaiabi

Kaiabi

Piqinzal

São Félix do Araguaia

Apalakatu Kuikuro

Kuikuro

Afukuri

Querência

Ibene Silas Kuikuro

Kuikuro

Ipatse Kuikuro

Gaúcha do Norte

Aigi Nafukuá

Nahukuá

Jaramü

Gaúcha do Norte

Kaman Nahukua

Nahukuá

Nafukuá

Querência

Krekreansã Panara

Panará

Nõsêpotiti

Guarantã do Norte

Perankô Panarã

Panará

Nõsêpotiti

Guarantã do Norte

Elizete Maria Pareci

Paresí

Formoso

Tangará da Serra

Valdirene Avelino Zakenaezokero

Paresí

Seringal

Campo Novo do Parecis

João Tsaputai

Rikbaktsa

Aldeia Nova

Brasnorte

Mário Ihamão Rikbaktsa

Rikbaktsa

Aldeia Segunda

Brasnorte

Yaconhongráti Suyá

Suyá

Ngôjhwêrê

Querência

Daniel Kabixana Tapirapé

Tapirapé

Majtyritãwa

Santa Terezinha

Josimar Xawapare’ymi Tapirapé

Tapirapé

Tapi’itãwa

Confresa

Júlio César Tawy’i Tapirapé

Tapirapé

Tapi’itãwa

Confresa

Makato Tapirapé

Tapirapé

Tapi’itãwa

Confresa

Xaopoko’i Tapirape

Tapirapé

Tapi’itãwa

Confresa

Xawapare’ymi Genivaldo Tapirapé

Tapirapé

Tapi’itãwa

Confresa

Adiel Gabriel Marcelino

Terena

Kopenoty

Peixoto de Azevedo

Alvanei Reginaldo Pereira

Terena

Kopenoty

Peixoto de Azevedo

Antonino Reginaldo Jorge

Terena

Kopenoty

Peixoto de Azevedo

Cirenio Reginaldo Francisco

Terena

Kopenoty

Peixoto de Azevedo

Mateus Alcantara Rondon

Terena

Kopenoty

Peixoto de Azevedo

Laélcio Amajunepá

Umutina

Umutina

Barra do Bugres

Rosinete Zoizoquialo Amajunepá

Umutina

Umutina

Barra do Bugres

Silvia Amajunepa

Umutina

Umutina

Barra do Bugres

Valdemilson Aribo Quezo

Umutina

Umutina

Barra do Bugres

Valdevino Amajunepá

Umutina

Umutina

Barra do Bugres

Arapawá Waurá

Waurá

Piyulaga

Gaúcha do Norte

Adriano Tsererãwawau

Xavante

Baixão

Campinápolis

Alcides Tsõwa’õ

Xavante

Sangradouro

General Carneiro

Alfredo Parapsé Xavante

Xavante

Dois Galhos

Nova Nazaré

19

Alvaro Jaime Tsibo Owaprewê

Xavante

São João

General Carneiro

Fernando Xinepukujkap

Angelo Maximo Madu

Xavante

Sangradouro

General Carneiro

Fonte: Faculdade Indígena Intercultural, 2005.

Antonino Wa’omorã Tsipi’radi

Xavante

N. Srª de Guadalupe

General Carneiro

Armindo O’rewe Paramei’wa

Xavante

São Marcos

Barra do Garças

Arquimedes Uné Wéré’é

Xavante

Dom Bosco

Poxoréu

Augusto Teihidzatsé Tsa’ê’õmõmõ’wa

Xavante

N. Srª das Graças

Barra do Garças

Benicio Tso’ututa’a Isipra

Xavante

Namunkurá

Barra do Garças

Candida Tsinhotse Ewara Tsererowe

Xavante

Sangradouro

General Carneiro

Carmelo Tsirobo Moritu

Xavante

N. Srª de Fátima

Barra do Garças

Clemente Tseremõdzadzu Tsahöbö

Xavante

N. Srª de Guadalupe

Barra do Garças

Donata Ro’opini’õ Tseredze

Xavante

Sangradouro

General Carneiro

Fábio Ubre’a Abdzu

Xavante

N. Srª de Guadalupe

General Carneiro

O período cronológico abordado na pesquisa começa em julho de 2005, quando iniciaram as ações e discussões referentes à execução da disciplina de Arqueologia, ministrada em janeiro e julho de 2006 (quando foi concluída a coleta dos dados). Em termos metodológicos, o curso pautou-se no exercício de interlocução, no qual os professores indígenas não são meramente agentes passivos e informantes de uma pesquisa, mas fundamentalmente agentes ativos na produção do conhecimento em um processo de educação escolar intercultural e dialógico. Os Quadros 2 e 3 apresentam aspectos linguísticos, territoriais, demográficos e históricos de cada uma das etnias acima citadas2.

Feliciano Wa’amei’wa Tserenhe’omo

Xavante

São Marcos

Barra do Garças

Francisco Tsirémé Tsere Ruremé

Xavante

N. Srª de Guadalupe

General Carneiro

Guido Umri

Xavante

Sangradouro

General Carneiro

Izanoel Cezar Ubuhu

Xavante

Marechal Rondon

Paranatinga

Jacó Tserenhôwa Maradzabui’wa

Xavante

Marimbú

Poxoréu

Jesus Tserenhihi Mahörö’ê’õ

Xavante

Santa Bertila

General Carneiro

João Batista Tsi’omowe Tsoropre

Xavante

São Marcos

Barra do Garças

João Werehite Rai’rate

Xavante

São Marcos

Barra do Garças

Laureano Pari’õwa Tsirobo

Xavante

São Marcos

Barra do Garças

Luciano Tseredze Tserenei’wa Paratsé

Xavante

São Francisco

Barra do Garças

Marilo Tseremrãmi’õ

Xavante

Três Lagoas

General Carneiro

Modesto Tserewawã’rã Bödöditu

Xavante

São Felipe

Campinápolis

Natal Anhaho’a Tsererurême

Xavante

Sangradouro

General Carneiro

Nivaldo Wahóiwere Rãirãté

Xavante

São Marcos

Barra do Garças

Pascoalina Pedzadabu

Xavante

Sangradouro

General Carneiro

Pascoalina Rêtarî’õ

Xavante

N. Srª de Guadalupe

Barra do Garças

Rogerio Wahone

Xavante

Santa Terezinha

Nova Nazaré

Romildo Cheredaépran

Xavante

Aldeona

Campinápolis

Sandoval Tomotsudza’rebe Rureme

Xavante

N. Srª de Guadalupe

General Carneiro

Sara Perui’o

Xavante

Sangradouro

General Carneiro

Silvio Tsiruwe’we Tseredzati

Xavante

Sangradouro

General Carneiro

Tino U’wawi’wê

Xavante

Batovi

Paranatinga

Tito Abdzu

Xavante

São Pedro

Campinápolis

Valdez Teófilo Tseredzawê

Xavante

N. Srª de Guadalupe

General Carneiro

Valeriano Rãiwi’a Wéréhité

Xavante

Cabeceira da Pedra

General Carneiro

Valter Tehi Abhöödi

Xavante

Sagrada Família

Barra do Garças

Yunak Yawalapiti

Yawalapiti

Afukuri

Querência

Celso Xajyp Zoró

Zoró

Tamali Syn

Rondolândia

20

Zoró

Zawã Kej

Rondolândia

2 Acerca dos nomes dos professores indígenas, este trabalho procurou balizar-se nas suas próprias assinaturas, em certos casos ocorrendo diferenças na grafia da etnia, como, por exemplo, Aigi Nafukua e Kaman Nahukua; Pikuruk Kayabi e Sirakup Kaiabi; Yaconhongráti Suyá e Tariwaki kaiabi Suiá. No texto, a grafia da etnia segue aquela dos verbetes do ISA (2013a).

21

Figura 1. Áreas legalmente protegidas: terras indígenas do Estado de Mato Grosso.

1 - Apiaká-Kayabi 2 - Arara do Rio Branco 3 - Areões 4 - Areões I 5 - Areões II 6 - Aripuanã 7 - Baía dos Guató 8 - Bakairi 9 - Batelão 10 - Batovi 11 - Cacique Fontoura 12 - Capoto / Jarina 13 - Chão Preto 14 - Enawenê-Nawê 15 - Erikbatsa 16 - Escondido 17 - Estação Paresi 18 - Estivadinho 19 - Figueiras 20 - Japuíra 21 - Jarudore 22 - Juininha 23 - Kaiaby * 24 - Karajá de Aruanã II 25 - Kawahiva do Rio Pardo 26 - Lagoa dos Brincos 27 - Lago Grande ** 28 - Marãiwatsede 29 - Manoki 30 - Marechal Rondon 31 - Menkrangnoti /MT *

22

32 - Menku 33 - Merure 34 - Nambikwara 35 - Pequizal do Naruv’ tsu 36 - Panará /MT * 37 - Parabubure 38 - Parabubure II / III / IV / V ** 39 - Paresi 40 - Parque Indígena do Aripuanã /MT 41 - Parque Indígena do Xingu 42 - Paukalirajausu (Piscina) ** 43 - Pequizal 44 - Perigara 45 - Pimentel Barbosa 46 - Pimentel Barbosa I / II ** 47 - Pirineus de Souza 48 - Piripicura ** 49 - Ponte de Pedra 50 - Paresi do Rio Formoso 51 - Rio Arraias BR 80 ** 52 - Portal do Encantado (Chiquitano) 53 - Roosevelt /MT 54 - Sangradouro/Volta Grande 55 - Santana 56 - São Domingos 57 - São Marcos

58 - Sararé 59 - Serra Morena 60 - Sete de Setembro/MT * 61 - Tadarimana 62 - Taihantesu 63 - Tapirapé/Karajá 64 - Teresa Cristina 65 - Terena Gleba Iriri 66 - Tirecatinga 67 - Ubawawê 68 - Uirapuru (Capitão Marcos) 69 - Umutina 70 - Urubu Branco 71 - Utiariti 72 - Vale do Guaporé 73 - Wawi 74 - Zoró

Fonte: FEMA / SEPLAN, 2008.

* Terra indígena com área em MT e Estados vizinhos, no mapa aparece apenas a área dentro do território de MT. ** Unidades sem representação gráfica, por problemas de memorial descritivo. Obs. Devido à escala, algumas unidades estão em reprentação pontual.

Figura 2. Mapa político do Estado de Mato Grosso.

1 - Acorizal 2 - Água Boa 3 - Alta Floresta 4 - Alto Araguaia 5 - Alto Boa Vista 6 - Alto Garças 7 - Alto Paraguai 8 - Alto Taquari 9 - Apiacás 10 - Araguaiana 11 - Araguainha 12 - Araputanga 13 - Arenápolis 14 - Aripuanã 15 - Barão de Melgaço 16 - Barra do Bugres 17 - Barra do Garças 18 - Bom Jesus do Araguaia 19 - Brasnorte 20 - Cáceres 21 - Campinápolis 22 - Campo Novo do Parecis 23 - Campo Verde 24 - Campos de Júlio 25 - Canabrava do Norte 26 - Canarana 27 - Carlinda 28 - Castanheira 29 - Chapada dos Guimarães 30 - Cláudia 31 - Cocalinho 32 - Colider 33 - Colniza 34 - Comodoro 35 - Confresa 36 - Conquista D’Oeste 37 - Cotriguaçu 38 - Cuiabá 39 - Curvelândia 40 - Denise

41- Diamantino 42 - Dom Aquino 43 - Feliz Natal 44 - Figueirópolis D’Oeste 45 - Gaúcha do Norte 46 - General Carneiro 47 - Glória D’Oeste 48 - Guarantã do Norte 49 - Guiratinga 50 - Indiavaí 51 - Ipiranga do Norte 52 - Itanhangá 53 - Itaúba 54 - Itiquira 55 - Jaciara 56 - Jangada 57 - Jauru 58 - Juara 59 - Juína 60 - Juruena 61 - Juscimeira 62 - Lambari D’Oeste 63 - Lucas do Rio Verde 64 - Luciara 65 - Marcelândia 66 - Matupá 67 - Mirassol d’Oeste 68 - Nobres 69 - Nortelândia 70 -N. Sr.a do Livramento 71 - Nova Bandeirantes 72 - Nova Brasilândia 73 - Nova Canaã do Norte

107 - Ribeirãozinho 108 - Rio Branco 109 - Rondolândia 110 - Rondonópolis 111 - Rosário Oeste 112 - Salto do Céu 113 - Santa Carmem 114 - Santa Cruz do Xingu 115 - Santa Rita do Trivelato 116 - Santa Terezinha 117 - Santo Afonso 118 - S.to Ant. de Leverger 119 - S.to Ant. do Leste 120 - São Félix do Araguaia 121 - São José do Povo 122 - São José do Rio Claro 123 - São José do Xingu 124 - São José dos Quatro Marcos 125 - São Pedro da Cipa 126 - Sapezal 127 - Serra Nova Dourada 128 - Sinop 129 - Sorriso 130 - Tabaporã 131 - Tangará da Serra 132 - Tapurah 133 - Terra Nova do Norte 134 - Tesouro 135 - Torixoréu 136 - União do Sul 137 - Vale de São Domingos 138 - Várzea Grande 139 - Vera 140 - Vila Bela da Santíssima Trindade 141 - Vila Rica

74 - Nova Guarita 75 - Nova Lacerda 76 - Nova Marilândia 77 - Nova Maringá 78 - Nova Monte Verde 79 - Nova Mutum 80 - Nova Nazaré 81 - Nova Olímpia 82 - Nova Santa Helena 83 - Nova Ubiratã 84 - Nova Xavantina 85 - Novo Horizonte do Norte 86 - Novo Mundo 87 - Novo Santo Antônio 88 - Novo São Joaquim 89 - Paranaíta 90 - Paranatinga 91 - Pedra Preta 92 - Peixoto de Azevedo 93 - Planalto da Serra 94 - Poconé 95 - Pontal do Araguaia 96 - Ponte Branca 97 - Pontes e Lacerda 98 - Porto Alegre do Norte 99 - Porto dos Gaúchos 100 - Porto Esperidião 101 - Porto Estrela 102 - Poxoréu 103 - Primavera do Leste 104 - Querência 105 - Reserva do Cabaçal 106 - Ribeirão Cascalheira Fonte: FEMA / SEPLAN, 2008.

23



Suyá

 

Kaiabi

Kawaiwete, Kayabi, Caiabi, Kaiaby, Kajabi, Cajabi

Tupi

Tupi-guarani

Kayabi

Kuikuro

Ipatse ótomo, Ahukugi ótomo, Lahatuá ótomo

Karib

Kuikuro

Nahukuá

Nafukwá, Nahkwá, Nafuquá, Nahukwá

Karib

Nahukwá

 

Panará

Kreen-Akarore, Krenhakore, Krenakore, Índios Gigantes

Paresí

Pareci, Halíti, Arití

 

Aruak

Paresí

 

Rikbaktsa*

Erigbaktsa, Canoeiros, Orelhas de Pau, Rikbaktsá

Macro-Jê*

 Rikbaktsá*

Tupi

Tupi-guarani

Tapirapé

 

Aruak

 Terena

 

Bororo

Umutina

 

Aruak

Waurá

   Xavante

Tapirapé

 



Terena Umutina

Barbados, Omotina,

Wauja

Waurá

Xavante

Akwe, A´uwe

Macro-Jê



Akwén

Yudjá

Yuruna, Juruna, Yudja

Tupi

Juruna

 Juruna

 

Aruak

Yawalapití

 

Tupi

Monde

 Zoró

 

Yawalapiti Zoró

Pangyjej

Macro-Jê

 

Fontes: * ISA, 2013a. ** MONSERRAT, 2000. *** Caraiauna3

3 Em comunicação pessoal, Marcus Maia, linguista e pesquisador da sociedade Karajá, informou não ter observado o uso dessa denominação, tanto por parte de linguistas e antropólogos quanto por parte dos próprios Karajá e seus vizinhos, nas regiões em que habitam, porém considera, talvez, seu uso em um passado remoto.

24

Continua...

929, em 2012

195, em 2011

DGI

Nobres

Paranatinga, Planalto da Serra

Amazônia Legal

Macro-Jê

Homologada. CRI e SPU

Suyá, Kisidjê

35.342

 

Kisêdjê

35.471

Karajá

Santana

 

Karajá

Leste do MT. O rio Santana oferece a denominação dessa TI, é afluente do rio Novo, esse contorna parte da TI, desce ao rio Arinos, depois desemboca no rio Juruena e por fim no rio Tapajós.

Kalapálo

Macro-Jê

1847

Karib

Caraiauna***, Iny

Bakairi

 

Karajá

Amazônia Legal

Kalapalo

Homologada. CRI e SPU

 

63.203

 

61.405

Iranxe*

Bakairi

Irantxe, Manoki

Leste do MT, no município de Paranatinga ocupam a margem direita do rio Paranatinga ou Teles Pires, afluente do rio Tapajós. A menor parte dessa TI em Planalto da Serra situa-se à margem esquerda do rio Paranatinga.

 

Patrimônio da União (SPU)

Txikão

Iranxe Manoki

FBC

Chiquito*

Karib

10 municípios ****

Chiquito

 

1964

 

Txicão, Ikpeng

Amazônia Legal

Chiquito

Ikpeng

2.653.012

Chiquitano

2.642.004

 

Aweti

Bororo

Região considerada como o coração do Alto Xingu, vizinha aos remansos, canais e poços que formam o ribeirão Tuatuari, à 20 km do Posto Leonardo.

Bororo

PI Xingu (outros 16 povos)

Macro-Jê

Homologada. Cartório de Registro de Imóveis (CRI) e Secretaria de

Bororo

Município **

 

Coxiponé, Araripoconé, Araés, Cuiabá, Coroados, Porrudos, Boe

Localização *

Bakairí

Ano do Contato Oficial *

Karib

Jurisdição **

 

Situação Jurídica **

Bacairi, Kurã, Kurâ

Dimensão ISA ** (ha)

 

Bakairi

Dimensão Oficial ** (ha)

Aweti

Terra Indígena **

Dialeto

 Aweti

Povo *

Língua

Tupi

Histórico

Família

Awytyza, Enumaniá, Anumaniá, Auetõ

Etnia

Tronco

Aweti

Agentes do Contato *

Língua** Outros nomes ou grafias

Quadro 3. Etnia dos estudantes universitários, terra indígena, ano e agente do contato oficial, população.

Etnia*

População **

Quadro 2. Etnias dos estudantes universitários, outros nomes ou grafias e línguas indígenas.

25

26 27

82.301

10.740

100 .280

9 .785

4.706 34.149

Terra Indígena ** Merure

Perigara

Sangradouro / Volta Grande (Bororo, Xavante)

Tadarimana

Jarudore Teresa Cristina

Povo *

Portal do Encantado

Chiquitano

43.057

Terra Indígena **

Povo *

Lago Grande

Chiquitano

Dimensão Oficial ** (ha)

Histórico

Etnia

Bororo

Dimensão Oficial ** (ha)

Histórico

Etnia

43.240

Dimensão ISA ** (ha)

29.452

4 .722

9 .653

102 .468

10.902

82. 279

Dimensão ISA ** (ha)

Em identificação

Em identificação

Declarada

Situação Jurídica **

Amazônia Legal

Final do século XVII e XVIII

Oeste do MT, na fronteira com a Bolívia, entre os municípios de Cáceres, Porto Espiridião e Vila Bela da Santíssima Trindade. Em zona de transição entre o Chaco Boreal e as selvas pantanosas que se estendem desde o Amazonas. No Brasil vivem na beira da estrada entre Cáceres e San Matias, em pequenas comunidades entre 5 a 8 famílias, e também, em comunidades maiores de 10 a 30 famílias cujas terras foram loteadas pelo Incra e ali foram “assentados”, outras 30 a 40 famílias habitam agrupamentos militares da fronteira como permissionários, isso é, podem plantar e viver. Na Bolívia estão no Departamento de Santa Cruz, província de Nuflo Chaves, Velasco, Chiquitos e Sandoval.

Localização *

Pontes e Lacerda, Porto Espiridião, Vila Bela da Santíssima Trindade.

Cáceres

Pontes e Lacerda, Porto Esperidião, Vila Bela da Santíssima Trindade

Município **

Santo Antônio do Leverger

Pedra Preta, Rondonópolis

Declarada. Em revisão

Ano do Contato Oficial *

1887

Poxoréo

Jurisdição **

Amazônia Legal

General Carneiro, Novo São Joaquim, Poxoréo

Reservada/ SPI. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Barão de Melgaço

Município **

Homologada. CRI e SPU Leste do MT, no Vale do rio São Lourenço. Em seis TI’,s descontínuas, descaracterizadas e 300 vezes menor que o território tradicional. A TI Jarudore foi continuamente invadida e hoje está integralmente ocupada por uma cidade.

Localização * Barra do Garças, General Carneiro

Jurisdição **

Ano do Contato Oficial *

Homologada. CRI e SPU

Situação Jurídica **

Jesuítas espanhóis

Agentes do Contato *

DGI

Agentes do Contato *

Continua...

473, em 2012 (no Brasil)

População **

Continua...

1.677, em 2012

População **

28 29

5.705 66.116

377.114

São Domingos TapirapéKarajá Inowébohona (Avá-Canoeiro; Javaé; Karajá) Lago Grande (Karajá)

705

Karajá de Aruanã – Área I (GO)

Karajá de Aruanã – Área III (GO)

14

Cacique Fontoura

893

32.069

PI Araguaia (Avá-Canoeiro; Javaé;Karajá; Tapirapé)

Karajá de Aruanã – Área II (MT)

1.358.500

Terra Indígena **

Povo *

Karajá (MT, GO, PA, TO)

Dimensão Oficial ** (ha)

Histórico

Etnia

2.642.003

PIX

252.000

379.442

66.531

5.941

779

833

16

32.429

1.367.823

Dimensão ISA ** (ha)

2.653.012

207.487

Em identificação

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Declarada

Homologada. CRI e SPU

Situação Jurídica **

Amazônia Legal

Outros

Amazônia Legal

Outros

Amazônia Legal

Jurisdição **

Início do século XX

Ano do Contato Oficial *

O rio Araguaia é um eixo de referência mitológica e social. O território é uma extensa faixa do vale do rio Araguaia, a ilha do Bananal. As aldeias localizam-se em especial próximas aos lagos e afluentes do rio Araguaia e do rio Javaés, e também no interior da ilha do Bananal. Estão nos estados de MT, GO, PA, TO

Localização *

Santa Terezinha

Lagoa da Confusão (GO), Pium (GO)

Luciara, Santa Terezinha

Luciara, São Félix do Araguaia

Aruanã (GO)

Cocalinho

Aruanã (GO)

Luciara, São Félix do Araguaia, Lagoa da Confusão (TO).

Formoso do Araguaia (TO), Lagoa da Confusão (TO), Pium (TO)

Município **

10 municípios ****

Homologada. CRI e SPU 1961

Em duas aldeias da região do Alto Xingu, a sudeste do rio Culuene e ás margens desse rio nos limites do PIX. E também nos PIV Tanguro e Culuene.

Amazônia Legal

Brasnorte

Brasnorte

Gaúcha do Norte, Feliz Natal, Nova Ubiratã, Paranatinga

Oeste do Mato Grosso, nascentes do rio 13 de Maio e nos principais afluentes do rio São Benedito

Oeste do Mato Grosso, na região do rio Cravari

Região do rio Jatobá, reconquista de seu território anterior a transferência para o PIX, contínua a esse, contudo fora de seus limites

10 municípios ****

Município **

Declarada

1909

1967

Médio Xingu, na Aldeia Moyngo, Posto Indígena Pavuru e Posto de Vigilância Ronuro

Localização *

Barra do Bugres

Amazônia Legal

Amazônia Legal

Jurisdição **

Ano do Contato Oficial *

Oeste do Mato Grosso, entre os rios Bugres e alto rio Paraguai

Homologada. CRI e SPU

Manoki

27.896

28.120

Umutina (Kaiabi; Nambikwara; Paresi; Terena; Umutina)

Kalapalo

Irantxe Manoki

Homologada. CRI e SPU

45.555

Homologada. CRI e SPU

Irantxe

46.007

2.653.012

Situação Jurídica **

Em identificação

PI Xingu (outros 16 povos)

Povo *

Dimensão ISA ** (ha)

Ikpeng

2.642.004

Terra Indígena **

Ikpeng

Dimensão Oficial ** (ha)

Histórico

Etnia

SPI

Agentes do Contato *

FBC

CLTEMA

FBC

Agentes do Contato *

Continua...

3.198, em 2010

População **

Continua...

385, em 2011

379, em 2010

459, em 2010

População **

30 31

1.053.000

Batelão

Kayabi

Oeste do MT, entre os rios Bugres e alto rio Paraguai

Barra do Bugres

Marcelãndia

Reivindicação de terra contígua no limite oeste do PIX, nas sub-bacias dos rios Arraias e Manitsawá-Miçu

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU 27.896

10 municípios ****

Porção centro norte do PIX, espalhados em mais de 20 aldeias na região do P.I. Diararum

Umutina (Kaiabi; Nambikwara; Paresi; Terena; Umutina)

28.120

Apiacás, Jacareacanga (PA) Baixo rio Teles Pires, estado do Pará Declarada

Juara, Nova Canaã do Norte, Tabaporã

Juara

Município **

Em terras próximas ao rio Batelão, afluente do rio dos Peixes, recuperação de terras onde se localizavam as aldeias mais antigas *****

Localização *

Pium (TO)

Santa Maria das Barreiras (PA)

Araguacema (TO), Santa Maria das Barreiras (PA)

Município **

Declarada. Suspensos efeitos da portaria através de liminar

Entre 1949 a 1966

Ano do Contato Oficial *

Início do século XX

Localização *

Rio Tatuy (rio dos Peixes)

Amazônia Legal

Jurisdição **

Amazônia Legal

Jurisdição **

Ano do Contato Oficial *

Homologada. CRI e SPU

Situação Jurídica **

Declarada

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Situação Jurídica **

Em identificação

2.653.012

1.060.752

118.289

110.404

Dimensão ISA ** (ha)

179.778

1.513

354

Dimensão ISA ** (ha)

Rio Arraias (Yudjá; Kaiabi)

2.642.003

117.050

Apiaká-Kayabi (Apiaká, Kaiabi, Munduruku)

PI Xingu (outros 16 povos)

109.245

Terra Indígena **

Povo *

Kaiabi

Dimensão Oficial ** (ha)

Histórico

177.466

Utaria Wyhyna/ Iròdu Iràna (Javaé ; Karajá)

Etnia

1.485

Maranduba

Povo *

Karajá Santana do Araguaia

375

Terra Indígena **

Karajá (MT, GO, PA, TO)

Dimensão Oficial ** (ha)

Histórico

Etnia

FBC

Agentes do Contato *

SPI

Agentes do Contato *

Continua...

2.202, em 2012

População **

Continua...

3.198, em 2010

População **

32 33

2.642.003

Dimensão Oficial ** (ha) 2.170 2.032

9.858

70.537 563.586

17.000

19.749 21.680

412.304

28.120

PI Xingu (outros 16 povos)

PI Xingu (outros 16 povos)

T.I. Panará

Histórico Terra Indígena ** Estação Parecis Estivadinho

Figueiras

Juininha Pareci

Ponte de Pedra

Rio Formoso Uirapuru

Utiariti Umutina (Paresí; Iranxe; Manoki; Nambikwara; Terena; Umutina)

Povo *

Kuikuro

Nahukuá

Panará

Etnia Povo *

Paresí

2.642.003

Terra Indígena **

499.740

Dimensão Oficial ** (ha)

Histórico

Etnia

27.896

411.992

22007

20.243

17.213

564.445

70.499

9.913

2.039

2.179

Dimensão ISA ** (ha)

498.614

2.653.012

2.653.012

Dimensão ISA ** (ha)

Oeste do Mato Grosso, entre os rios Bugres e alto rio Paraguai

Barra do Bugres

Campo Novo do Parecis, Sapezal Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Campos de Júlio, Nova Lacerda

Tangará da Serra Declarada

Homologada. CRI e SPU

1908

Tangará da Serra

Homologada. CRI e SPU

Amazônia Legal

Conquista d’Oeste

Homologada. CRI e SPU

Declarada

Barra do Bugres, Tangará da Serra Homologada. CRI e SPU

Campo Novo do Parecis, Diamantino, Nova Maringá

Tangará da Serra

Município **

Homologada. CRI e SPU

Oeste do Mato Grosso. Planalto dos Parecis.

Localização *

Guarantã do Norte, Matupá, Altamira (PA)

Próximo à serra do Cachimbo, nas cabeceiras do rio Iriri e Ipiranga, divisa do Mato Grosso com o Pará, na aldeia Nãs’potiti

Diamantino

Ano do Contato Oficial *

10 municípios ****

10 municípios ****

Município **

Alto Xingu em sua porção sul do PIX

Alto Xingu, seu território tradicional é a região oriental da bacia hidrográfica dos formadores do rio Xingu, que são os rios Culuene, Buriti e Curisevo. Em consequência dos inter-casamentos vivem em outras aldeia do Alto Xingu, em especial com os Yawalapiti.

Localização *

Homologada. CRI e SPU

Situação Jurídica **

1973

Homologada. CRI e SPU

1954

Anos de 1960

Jurisdição **

Amazônia Legal

Jurisdição **

Ano do Contato Oficial *

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Situação Jurídica **

CLTEMA

Agentes do Contato *

FUNAI

FBC

FBC

Agentes do Contato *

Continua...

1.955, em 2012

População **

Continua...

437, em 2010

126, em 2011

522, em 2011

População **

34 35

5.377 208 4

Limão Verde Pilade Rebuá Aldeinha

15

217

5.278

3.259

3.334

30.382

3.000

Lalima

30.479

3.029

Nioaque

17.071

Terena Gleba Iriri (MT)

17.200

Buriti

36.263

82

36.288

Cachoeirinha

34.045

Dimensão ISA ** (ha)

1.367.823

169.582

66.531

150.328

2.653.012

169.649

154.843

81.507

Dimensão ISA ** (ha)

Água Limpa

33.900

Taunay / Ipegue

Terena

Dimensão Oficial ** (ha)

Terra Indígena **

Povo *

1.358.500

PI Araguaia (Tapirapé; Avá-Canoeiro; Javaé;Karajá)

Histórico

167.533

Etnia

Tapirapé

Kisêdjê

Urubu Branco

PI Xingu (outros 16 povos)

66.166

2.642.004

Escondido

TapirapéKarajá (TapirapéKarajá)

168.938

Japuíra

150.329

152.509

Erikpatsa

Povo *

T.I. Wawi

79.935

Terra Indígena **

Rikbaktsa

Dimensão Oficial ** (ha)

Histórico

Etnia

Querência, São Félix do Araguaia

Reconquista de território e local de antiga aldeia, no Alto Xingu

1950

Matupá

Campo Grande (MS), Rochedo (MS) Em identificação Amazônia Legal

Anastácio (MS)

Em identificação / Revisão

Reservada. Reg Spu

Miranda (MS)

1866

Dois Irmãos do No Mato Grosso do Sul, Buriti (MS), ocupam áreas descontínuas, Sidrolândia fragmentadas em pequenas (MS) “ilhas” e cercadas por Nioaque (MS) fazendas em 7 municípios. Existem também famílias vivendo em Porto Murtinho Miranda (MS) (TI Kadiweu), Dourados (TI Guarani), São Paulo e Mato Aquidauna Grosso (MS) Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Declarada outros

Município **

Aquidauana (MS), Miranda (MS)

Localização *

Declarada (suspensa parcialmente por liminar da justiça)

Ano do Contato Oficial *

Aquidauana (MS)

Jurisdição **

Ilha do Bananal

Identificada/ Aprovada/ FUNAI. Sujeita a contestação

Situação Jurídica **

Homologada. CRI e SPU

Formoso do Araguaia (TO), Lagoa da Confusão (TO), Pium (TO)

Confresa, Porto Alegre do Norte, Santa Terezinha Serra do Urubu Branco, à direita da Serra dos Tapirapé, médio curso do rio Tapirapé.

Homologada. CRI e SPU Amazônia Legal

Luciara, Santa Terezinha

Rio Araguaia.

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU 1959

10 municípios ****

Alto Xingu, a maior parte habita a aldeia Ngôjwêrê, no limite da TI Wawi. Também distribuídos em aldeias, PI Diauarum e PV Wawi

Amazônia Legal

Cotriguaçu

Ao norte das duas TI’s acima citadas, à margem esquerda do rio Juruena

Homologada. CRI e SPU

Juara

Entre 1957 e 1962

Noroeste do Mato Grosso, bacia do rio Juruena.

Amazônia Legal

Brasnorte

Município **

Homologada. CRI e SPU

Localização * Noroeste do Mato Grosso, bacia do rio Juruena.

Jurisdição **

Ano do Contato Oficial *

Homologada. CRI e SPU

Situação Jurídica **

DGI

Agentes do Contato *

SPI

FBC

Jesuítas financiados por seringalistas

Agentes do Contato *

Continua...

24.776, em

População **

Continua...

655, em 2010

330, em 2010

1.324, em 2010

População **

36 37

328.966

218.515 224.447 98.500

100.280

188.478

165.241

24.450

16.650

Terra Indígena ** Pimentel Barbosa

Areões Parabubure Marechal Rondon Sangradouro/ Volta Grande (Xavante, Bororo) São Marcos

Maraiwatsede

Areões I

Areões II

Povo *

Xavante

Dimensão Oficial ** (ha)

Histórico

5.159

2.642.003

PI Xingu (outros 16 povos) Batovi

28.120

Umutina (Umutina, Iranxe Manoki, Nambikwara, Paresí, Terena)

Etnia

Wauja

Umutina

28.120

Umutina (Umutina, Iranxe Manoki, Nambikwara, Paresí, Terena)

Icatu

89

301

Dourados

Nossa Senhora de Fátima

3.475

Araribá

538.536

1.930

Buritizinho

Povo *

Kadiwéu

10

Terra Indígena **

Terena

Dimensão Oficial ** (ha)

Histórico

Etnia

16.062

26.310

167.411

174.865

102.468

99.879

226.011

178.660

392.411

Dimensão ISA ** (ha)

5.296

2.653.012

27.896

27.896

540.000

320

3.455

1.941

10

Dimensão ISA ** (ha)

Em identificação/ Interditada (1990)

Em identificação

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Situação Jurídica **

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Homologada. CRI e SPU

Dominial Indigena

Homologada. CRI e SPU

Homologada

Reservada/ SPI. Reg.

Amazônia Legal

Jurisdição **

Amazônia Legal

Amazônia Legal

Amazônia Legal

Amazônia Legal

Domínio Mata Atlântica

outros

Homologada. CRI e SPU Homologada. CRI e SPU

Jurisdição **

Situação Jurídica **

Meados de 1940 a meados de 1960. Emblemático o contato realizado em 1946 com um, dentre vários outros, grupo xavante.

Ano do Contato Oficial *

1964

1911

1866

Ano do Contato Oficial *

Leste do Mato Grosso. Região da Serra do Roncador e vales dos rios das Mortes, Culuene, Couto Magalhães, Botovi, em meio a um conjunto de bacias hidrográficas. As TI’s Chão Preto e Ubawawe são contínuas a TI Parabubure. As demais: Marechal Rondon, Maraiwatsede, São Marcos, Pimentel Barbosa e Sangradouro/Volta Grande são geograficamente descontínuas. As TI’s estão em meio a bacias hidrográficas quase que irreversivelmente impactadas pela agropecuária desde os anos de 1960 e a partir de 1980 com a expansão de grãos para exportação.

Localização *

Sudoeste do PIX, região ocidental da bacia dos formadores do rio Xingu. Lagoa Piyula, margem direita do baixo rio Botovi.

Oeste do Mato Grosso, entre os rios Bugres e alto rio Paraguai

Oeste do Mato Grosso, entre os rio Bugres e alto rio Paraguai

No Mato Grosso do Sul, ocupam áreas descontínuas, fragmentadas em pequenas “ilhas” e cercadas por fazendas em 7 municípios sul-matogrossenses. Existem também famílias vivendo em Porto Murtinho (TI Kadiweu), Dourados (TI Guarani), São Paulo e Mato Grosso

Localização *

Nova Nazaré

Nova Nazaré

Alto Boa Vista, Bom Jesus do Araguaia, São Felix do Araguaia

Barra do Garças

General Carneiro, Novo São Joaquim, Poxoréu

Paranatinga

Campinápolis, Nova Xavantina.

Nova Nazaré

Água Boa, Canarana, Nova Nazaré, Ribeirão Cascalheira

Município **

Gaúcha do Norte, Paranatinga

10 municípios ****

Alto Paraguai, Barra do Bugres

Barra do Bugres

Miranda (MS)

Corumbá (MS), Porto Murtinho (MS)

Braúna (SP)

Dourados (MS)

Avaí (SP)

Sidrolândia (MS)

Município **

SPI, “Marcha para o Oeste”; missionários católicos e protestantes

Agentes do Contato *

FBC

SPI

DGI

Agentes do Contato *

Continua...

15.315, em 2010

População **

Continua...

529, em 2012

445, em 2009

24.776, em 2009

População **

625, em 2010 1977 Zoró

Zoró

355.789

356.862

Homologada. CRI e SPU

Amazônia Legal Homologada. CRI e SPU 2.642.003

145.881 Wedezé

PI Xingu (outros 16 povos) Yawalapiti

52.234 Ubawawe

Fontes: * ISA, 2013a. Enciclopédia dos povos indígenas ** ISA, 2012. Terras indígenas *** ISA, 2013b. Quadro geral dos povos. **** Canarana, Paranatinga, São Félix do Araguaia, São José do Xingu, Gaúcha do Norte, Feliz Natal, Querência, União do Sul, Nova Ubiratã e Marcelândia. ***** STUCHI, 2010.

Noroeste do Mato Grosso, divisa com Rondônia, na região dos afluentes da margem direita do alto rio Madeira

início dos anos de 1960 145.465

Identificada/ Aprovada/ FUNAI. Sujeita a contestação

Homologada. CRI e SPU Xavante

12.740 Chão Preto

12.680

Homologada. CRI e SPU

Amazônia Legal

Jurisdição ** Povo *

Rondolândia

10 municípios ****

Cocalinho

Alto Xingu, porção sul do PIX, na confluência dos rios Tuatuari e Culuene, a 5 km do PI Leonardo Villas Bôas.

Santo Antônio do Leste

Campinápolis

FBC

FUNAI

156, em 2011

População ** Agentes do Contato * Município ** Localização * Ano do Contato Oficial * Situação Jurídica ** Terra Indígena **

Dimensão ISA ** (ha) Dimensão Oficial ** (ha) Histórico Etnia

38

Foi analisada, em comparação com o montante existente, uma pequena parte dos conhecimentos produzidos pelos professores indígenas pertencentes a cada uma das etnias do quadro citado acima. Trata-se de tabelas, textos e fontes imagéticas sobre a cultura material e evidências arqueológicas do passado e do presente. Este trabalho aborda, também, conhecimentos que dizem respeito à percepção, interesse e importância da Arqueologia para os professores e para a comunidade, a partir de questões abertas e subjetivas respondidas pelos discentes indígenas. Por findar esse início, cabe situar que o primeiro capítulo do livro está disposto em duas partes e traz as suas dimensões teóricas. Inicialmente, reporta-se à reflexão acerca da relação entre Arqueologia e Educação, situando alguns paradigmas das lutas em torno das polêmicas culturais e de identidade empreendidas pelos movimentos sociais indígenas. Sob tal contexto apresenta-se a trajetória da Arqueologia na hoje Faculdade Indígena Intercultural da Unemat entre o período de 2000 a 2007 e, mais especificamente, informa sobre a condução e execução das disciplinas de Arqueologia no ano de 2006, cujos resultados são aqui analisados. Em outro tópico, a discussão amplia-se e volta-se para outras esferas disciplinares do conhecimento importantes para a compreensão arqueológica, na busca de entender o mundo e a vida em sociedade de forma holística, assim como considera também que o passado é essencialmente construído pelas diversas condicionantes do presente. Sobremaneira, dimensiona-se para alguns aspectos conceituais acerca da imagem e representação dos índios no Brasil; a perspectiva é pensar a dimensão histórica e atual dessas sociedades, em especial, atentar para a participação dos movimentos indígenas. A reflexão sobre o “outro” no âmbito da teoria arqueológica é impulsionada (não é objeto nesse trabalho, mas tão somente baliza) pelas resoluções ocorridas em três eventos: a Eco-92, que produziu a “Carta da Terra”; a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que redigiu o “Projeto de Declaração Americana sobre o Direito dos Povos Indígenas”, em 1997; e, por fim, algumas problematizações acadêmicas levantadas no 1º Congresso Mundial de Arqueologia de 1986. Sob tais auspícios, a finalidade é procurar compreender a atualidade do professor e discente indígena em interação com distintas esferas culturais e de concepção do conhecimento como a escola, a universidade, a aldeia e suas interfaces com a Arqueologia. Acerca disso, a questão situada é: qual é o status da Arqueologia enquanto disciplina e fonte de conhecimento? O Capítulo 2 trata da educação escolar indígena e subdivide-se em três tópicos: políticas públicas e educação escolar indígena diferenciada e específica no Brasil; histórico da educação escolar indígena no Estado de Mato Grosso; e a criação do Projeto 3º Grau Indígena na Unemat, que depois viria a ser o Proesi e, hoje, é a Faculdade Indígena Intercultural. Apresenta a proposta metodológica dos cursos, objetivos e diretrizes, e tece considerações sobre as licenciaturas plenas. O Capítulo 3 divide-se em três tópicos e analisa a forma como a pesquisa foi realizada nas aldeias e o envolvimento da comunidade a partir da seguinte pergunta: 39

como foi a metodologia de pesquisa na aldeia (onde foram feitas, com quem, por quê, ocorrência e modalidade da atividade na escola)? O primeiro tópico discorre sobre os espaços de conhecimento onde foram realizadas as pesquisas. A seguir, discutem-se os interlocutores dos professores indígenas, suas opções, critérios de escolha e contribuições, e o último examina a aplicação do conhecimento nas escolas indígenas. Os demais capítulos debatem a percepção narrativa dos discentes/professores indígenas sobre a importância da pesquisa para a comunidade e para eles próprios. O Capítulo 4 analisa as respostas à seguinte indagação: o que a comunidade achou da pesquisa e sua importância? Está disposto em cinco tópicos, que discutem: o uso da memória como fonte de saber e o ambiente doméstico como locus de conhecimento; o sentido de percepção, saber e memória no ofício do professor e pesquisador indígena; a pesquisa desenvolvida como um instrumento intelectual e político do presente; a ressocialização do conhecimento coletivo e a execução da pesquisa no âmbito do uso da informação; e a pertinência da Arqueologia entre índios voltada para a afirmação étnica. O Capítulo 5, dividido em quatro tópicos, refere-se à pergunta: o que você achou da pesquisa e sua importância? O primeiro aborda a produção e a percepção sobre o conhecimento gerado e seu significado. Em seguida, busca-se compreender a dinâmica de socialização e apropriação de saberes. O terceiro analisa a avaliação feita pelos professores dos dois cursos de Arqueologia ministrados, e o último, lança mão de algumas possibilidades de ações e reflexões continuadas em torno do conhecimento produzido. O Capítulo 6 define Arqueologia Indígena do ponto de vista dos professores, a partir do questionamento: para você, o que é Arqueologia? O primeiro tópico aborda a temporalidade e o papel dessa disciplina no presente; o segundo analisa o objeto arqueológico em sua diversidade; e o terceiro ressalta os objetivos e as subjetividades da Arqueologia. Para finalizar, é importante apontar que este livro analisa saberes arqueológicos de um grande número de povos; não houve o objetivo de estudar uma etnia específica, subárea ou especialidade da Arqueologia, mesmo havendo total pertinência tais perspectivas. Procurou-se organizar um diálogo complementar visando criar uma narrativa sobre os aspectos simbólicos, políticos e históricos que contribuam para uma Arqueologia brasileira mais ética, plural e compromissada.

40

CAPÍTULO 1

TEMPO E MUDANÇA

1.1. Narrativas Arqueológicas e Protagonismo Indígena: Ensino e Interlocução Alguns países vêm desenvolvendo experiências e práticas políticas de inclusão social, cultural e científica na Arqueologia. É claro o interesse de realizar programas que visem tornar esse conhecimento próximo e acessível ao público não especializado, assim como primar pela ética e pela participação da sociedade no discurso arqueológico. As ideias, concepções e críticas na relação entre Arqueologia e Educação são discutidas a partir de projetos e programas executados, pelo menos, nos últimos vinte e cinco anos em países como Austrália, África do Sul, Argentina, Brasil, Canadá e Estados Unidos, entre outros. Um bom exemplo disso é encontrado no volume 74 da revista Antiquity, que apresenta uma série de estudos sobre patrimônio arqueológico nas experiências educacionais. Nessa revista, os museus, as universidades e as escolas são analisados como espaços importantes na realização de atividades que propiciem um maior esclarecimento sobre a produção do conhecimento científico junto à comunidade. Estas instituições têm papel fundamental na conscientização crítica e ética da comunidade, pois discute os aspectos identidários do patrimônio material, o que contribui para melhor realização de planos de gestão patrimonial, com participação ampla e ativa da sociedade civil, em oposição à restritiva e figurativa. Ao constatar a situação vivenciada pelos povos indígenas no Brasil, sabe-se, fatalmente, que a plena efetividade de seus direitos não é exercida, assim como é tímida a participação de representantes indígenas em eventos científicos sobre patrimônio arqueológico. Pensar sobre práticas de inclusão social remete-nos, também, a refletir 41

sobre o pragmatismo existente nessas ações, para que, de forma crítica e atuante, seja marcante a participação indígena no discurso da Arqueologia. As reflexões e perspectivas críticas lançadas sobre Arqueologia, Educação e História têm, por pressuposto construtivo, compreender as relações sociais como um processo dialógico. Refletem-se também acerca das maneiras como o presente se relaciona com o passado para conceber atitudes de resistência frente à globalização sobre as seguintes questões: constituição e formação de identidades nacionais; exclusão e insurgência de movimentos étnicos; e representação de setores indígenas. As disciplinas de Arqueologia tiveram por objetivos: esclarecer seus aspectos gerais, discutir o que é patrimônio histórico e cultural e a condução teórica das pesquisas arqueológicas. Por outro lado, em especial, as disciplinas realizadas com os professores indígenas visaram produzir conhecimento sobre o registro arqueológico, realizar um diagnóstico sobre as informações e analisar os procedimentos metodológicos de pesquisa adotados pelos professores nas aldeias. A participação indígena instaura uma discussão sobre a importância da Arqueologia nos currículos e na própria concepção de cultura e diversidade, assim como amplia e insere polêmicas que esclarecem o papel da disciplina no cotidiano da escola e da comunidade. O contexto apresentado e a metodologia aplicada pelos professores evidenciam também o seguinte ponto: a produção de conhecimento indígena na possibilidade de (re)aprender técnicas e saberes tradicionais e não tradicionais. A princípio, serão apresentadas as atividades que antecederam as disciplinas de janeiro e fevereiro de 2006. Em janeiro de 2002, realizei, junto à turma 2001-2006 do então 3º Grau Indígena, uma oficina sobre Arqueologia que apresentou seu objeto, objetivos e métodos. Essa atividade foi realizada com 200 professores de 22 etnias de Mato Grosso e outras 14 de outros Estados. Como atividade e registro da oficina, os professores responderam, individualmente e textualmente, à seguinte indagação: “Como a Arqueologia pode contribuir para o conhecimento das sociedades indígenas?” (PEREIRA SILVA, 2005a). Por ocasião da “1ª Conferência Internacional de Ensino Superior Indígena: Construindo Novos Paradigmas na Educação”, realizada em 2004, coordenei o Grupo de Trabalho (GT) “Arqueologia, História e Arquitetura Indígena”, cujas recomendações foram as seguintes: 1. O reconhecimento da estreita relação entre essas áreas do conhecimento; 2. Considerar a diversidade dos processos históricos e sociais na construção das bases curriculares dos processos de formação e Educação Escolar Indígena nas áreas do GT; 3. Questionar as interpretações produzidas pelos historiadores dos índios acerca da História Indígena, levando em conta as ideias dos pensadores e historiadores índios; 42

4. Indagar sobre os modelos de arquitetura produzidos pelos não índios implantados nas aldeias, como escolas e unidades sanitárias, sem observar as especificidades de cada etnia; 5. Considerar a Arqueologia como ‘fonte e documento’ instrumental para o estudo e levantamento histórico-cultural de aspectos relacionados à arquitetura e à história indígena, de forma a contribuir para o fortalecimento e a valorização da identidade indígena de cada etnia; 6. Dar visibilidade, na educação escolar indígena, às áreas da Arqueologia, Arquitetura e História (PEREIRA SILVA, PORTOCARRERO e GALVÃO, 2005b, p. 198).

Sob tais circunstâncias, houve a proposta para realizar, com a segunda turma do então Proesi (2005-2010), as disciplinas “Arqueologia e Habitação Indígena”, agregadas em janeiro de 2006 e desmembradas em julho do mesmo ano. Em janeiro, ministrei a disciplina de Arqueologia e Josiani Galvão, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Unemat, a disciplina de Habitação Indígena, com a monitoria de Fausto Echer, estudante de Arquitetura. Acerca dos procedimentos em sala de aula, inicialmente, apresentaram-se aspectos teóricos e metodológicos da disciplina, ressaltando as seguintes questões: a prática e o exercício de interlocução; a produção e o protagonismo do conhecimento científico; a teoria arqueológica discutida no âmbito internacional e nacional; a produção pretérita e presente do registro arqueológico indígena; os professores indígenas como produtores de conhecimento. A prática de interlocução, segundo o antropólogo Roberto Cardoso de Oliveira (2000, p. 23-24) minimiza o autoritarismo existente nas pesquisas, mesmo aquelas que se dizem mais neutras e objetivas. No exercício da interlocução, cria-se um espaço e uma “relação dialógica”, em que o confronto entre culturas pode ser transformado em um “encontro etnográfico” com a “fusão de horizontes” e um “diálogo entre iguais”. Em um segundo momento, definiu-se o que é a Arqueologia, seus objetos, objetivos e metodologias, chamou-se a atenção para o diálogo estabelecido com a História e com a Antropologia, contextualizando-a, portanto, como uma disciplina das Ciências Sociais, mas que também obtém informações, para suas análises, das Ciências Naturais, Exatas e da Terra. Foram apresentadas centenas de imagens e contextos arqueológicos de diferentes períodos e locais, escaneadas da Revista História Viva, da Editora Duetto, e National Geographic, da Editora Abril, bem como slides da disciplina de Arqueologia, de Levy Figuti. O curso de janeiro teve por objetivo fornecer instrumentos ocidentais para a investigação arqueológica com os seguintes interesses: 1) registrar a cultura material produzida; 2) levantar técnicas de produção; 3) compreender os aspectos simbólicos e sociais; 4) discutir a desterritorialização e seus efeitos na organização social e material; 5) entender as continuidades e descontinuidades no processo de interação entre índios e não índios, assim como a relação entre distintos povos nativos. 43

A orientação das atividades de pesquisa e a respectiva produção de conhecimento em forma de narrativas textuais, desenhos, quadros e mapas teve por origem os seguintes levantamentos: 1. Tralha doméstica e de trabalho (Quadro 4); 2. Fauna utilizada na confecção de artefatos (Quadro 5); 3. Flora utilizada na confecção de artefatos (Quadro 6); 4. Minerais utilizados na confecção de artefatos (Quadro 7); 5. Artefatos de uso ritual (Quadro 8).

Narrativas textuais: 1. Como é a organização espacial da sua comunidade, aldeia, povo (onde se planta, caça, coleta, espaços simbólicos, entre outros pontos de referências)? 2. Qual foi o impacto do processo de desterritorialização na produção da cultura material em sua comunidade?

Quadro 4. Lista-modelo 1: Tralha doméstica e de trabalho. Tralha doméstica e de trabalho

Nome: Nome: Confecção Uso Matéria-prima língua Observações** português (M/F) (M/F) utilizada * indígena

1. Utensílios para transporte. 2. Utensílios para o preparo de alimentos. 3. Utensílios para servir e armazenar alimentos. 4. Utensílios para conforto pessoal. 5. Utensílios para limpeza. 6. Implementos para o preparo de artefatos. Fonte: Adaptado de: VELTHEM, 1987. * Não consta na tabela original. ** Histórico e práticas culturais.

44

Quadro 5. Lista-modelo 2: Fauna utilizada para a confecção de artefatos. Nome em português

Nome na língua Artefato confeccionado/ indígena parte utilizada

Risco de escassez Observações*

Fonte: Dados da pesquisa. * Importância e significado simbólico, histórico e técnico.

Quadro 6. Lista-modelo 3: Flora utilizada para a confecção de artefatos. Nome em português

Nome na língua indígena

Fitofisionomia

Artefato confeccionado/ parte utilizada

Risco de escassez

Observações*

Fonte: Dados da pesquisa. * Importância e significado simbólico, histórico e técnico.

Quadro 7. Lista-modelo 4: Minerais utilizados para confeccionar artefatos. Nome em português

Nome na língua Artefato confeccionado indígena

Risco de escassez

Observações*

Fonte: Dados da pesquisa. * Importância e significado simbólico, histórico e técnico.

Quadro 8: Lista-modelo 5: Artefatos de uso ritual. Nome em português

Nome na língua indígena

Matéria-prima utilizada

Significado do artefato

Fonte: Dados da pesquisa.

As atividades foram conduzidas da seguinte forma: divisão dos grupos por tronco linguístico, discussão entre os integrantes, produção de conhecimentos e apresentação dos grupos. Por sua vez, para a “Etapa Intermediária” (período no qual os professores estão nas aldeias, entre as etapas presenciais de janeiro e julho), ao considerar, em alguns casos, o desconhecimento dos cursistas sobre alguns dos temas propostos, foi solicitada a revisão e a ampliação das pesquisas da “Etapa Intensiva” (presença dos professores indígenas na Unemat de Barra do Bugres nos meses de janeiro e julho, totalizando dez semanas de aulas durante o ano). A necessidade de dilatar a investigação durante a Etapa Intermediária é uma forma de aprofundar os conhecimentos, e também, inserir novas temáticas como: a) cerâmica; b) armas; c) armadilhas; d) pilão e mão-de-pilão; e) resíduos sólidos; f) barcos; e g) 45

Arqueologia da Criança. Além das considerações em sala, a apostila de posse dos professores continha orientações para as narrativas sobre cerâmica, armas e armadilhas, na verdade resumos fiéis dos artigos sobre estes temas contidos na Suma Etnológica Brasileira – Tecnologia Indígena (RIBEIRO, 1987). Essa obra foi de grande valia para o trabalho, assim como a leitura da tese de doutorado da pesquisadora Beatriz Landa (2005), Os Ñandeva/Guarani e o uso do espaço na terra indígena Porto Lindo/Jakarey, Município de Japorã-MS, que trouxe contribuições importantes para a orientação das atividades propostas. O curso de julho teve como propósito avaliar a recepção e a percepção dos professores sobre a experiência de pesquisa na Etapa Intermediária. Essa etapa presencial teve como professores auxiliares os recém-egressos do Proesi Iokore Kawakum Ikpeng e Vicente Tsimruhu’ Rãi´rãté, da etnia Xavante, e também a pedagoga e estudante de Arquitetura da Unemat Rosane Turchen, que realizava estudos sobre o patrimônio histórico edificado de Barra do Bugres, tema que integrou a ementa. No intento de avaliar e registrar a pesquisa realizada pelos professores, produziramse narrativas sobre as seguintes perguntas: 1. Como foi a metodologia de pesquisa na aldeia (onde; com quem e por quê; ocorreram atividades na escola e como foram)? 2. O que a comunidade achou da pesquisa e sua importância? 3. O que você achou da pesquisa e a sua importância? 4. Antes do curso Arqueologia e Habitação Indígena, você já tinha ouvido falar em Arqueologia? Onde e o quê? 5. Para você, o que é Arqueologia? 6. Qual é a importância da Arqueologia para a comunidade? As respostas indicam circunstâncias e opções referentes a questões como: espaços escolhidos, formas de socialização do conhecimento, metodologia de pesquisa em terra indígena, a pesquisa como face de uma universidade “branca”, o retorno do conhecimento produzido para as aldeias, a propriedade e o uso da informação, e a definição indígena do que é Arqueologia. Acerca do conteúdo do curso de julho, outros temas tratados foram: o patrimônio histórico e cultural urbano, a partir de uma leitura do Centro Histórico de Barra do Bugres; e inscrições rupestres, por meio de um exercício de interpretação destas imagens que constavam na “apostila” entregue aos professores (PROUS, 1991; 1992). Durante a aula participativa de campo no Centro Histórico de Barra do Bugres, foi visitado o antigo centro administrativo, com sua prefeitura e cadeia, essa última identificada pelo alicerce da parede frontal feito de pedra-canga, o velho cemitério, Monumento dos 15 Defensores e a “antiga” igreja. As polêmicas e orientações da aula pautaram-se em entender a presença do passado no presente, o significado da palavra ‘patrimônio’, as questões sociais, históricas e culturais nas políticas patrimoniais. 46

Durante a aula, discutiram-se diferentes aspectos construtivos no tempo e no espaço, ideias sobre patrimônio, tombamento histórico e gestão patrimonial. Além disso, temas próprios da Arquitetura e da Arqueologia Histórica a partir de ruínas, muros e a organização do espaço no setor histórico foram debatidos. Após a aula, os professores responderam individualmente às seguintes questões: 1. O que mais chamou sua atenção nessa aula participativa de campo? 2. Para você, qual é a importância de uma aula como essa? 3. Quais as diferenças entre a Cidade Alta (área nova) e a Cidade Baixa (Centro Histórico)? 4. Como você compararia o patrimônio histórico de Barra do Bugres e o patrimônio material indígena? E, por fim, a atividade para a Etapa Intermediária, entre agosto/2006 e janeiro/2007, foi realizar um diagnóstico sobre a gestão de bens materiais indígenas em instituições de pesquisa e educacionais, a partir da seguinte proposta: Atividade 1. Essa atividade pode ser respondida por você ou por outras pessoas da/na comunidade. a) O que você acha dos museus e qual é a sua importância? b) O que você pensa sobre o uso da cultura material em museus e instituições de pesquisa? c) Como você considera o uso de coleções arqueológicas de povos indígenas extintos e vivos nos museus e instituições de pesquisa? d) Como você acha que pode ser a relação entre a sociedade indígena, os museus e as instituições de pesquisa? De que forma os povos indígenas podem contribuir nas atividades desenvolvidas nestes locais? Qual pode ser a contribuição dessas instituições na questão indígena? Atividade 2. Faça o registro (texto ou desenho) e a interpretação das figuras rupestres existentes na sua terra indígena, ou que sejam conhecidas por pessoas da sua comunidade. Atividade 3. Qual seria o nome dado à Arqueologia na sua língua indígena? Explique o significado. Essa historicização teve por objetivo apresentar as ações realizadas para melhor compreender a troca de experiências com os professores índios, assim como a trajetória dos cursos. Pode-se adiantar que as atividades permitiram reavivar inquietações e despertar reflexões sobre a arqueologia da aldeia, que remetem a concepções de patrimônio histórico e cultural em processos de educação escolar indígena. A proposta do trabalho discute enfaticamente quatro pontos sobre o caráter público da Arqueologia: 47

1. A experiência com professores do ensino fundamental em formação para atuar também no ensino médio; 2. A práxis pedagógica aplicada a um público específico que representa a diversidade étnica e cultural; 3. O protagonismo indígena na produção do conhecimento; e 4. O saber como narrativa técnica (produção dos artefatos), narrativa simbólica (significado dos artefatos) e narrativa política (concepção e uso da arqueologia). Os interesses e objetivos em torno da Arqueologia preveem o envolvimento com o passado, o qual valoriza as heranças culturais e contribui para as aptidões do pensamento e da comunicação na resolução de problemas históricos (HENSON, 2000; ESTERHUYSEN, 2000). Tais perspectivas marcam posições que são continuamente refletidas e aplicadas pelos professores indígenas em seu cotidiano e na sua práxis pedagógica na escola da aldeia. Desta forma, a concepção teórica prevista invoca as seguintes características: maior apreciação do conhecimento produzido (LEA e SMARDZ, 2000), inserção de povos autóctones nos discursos sobre gestão de patrimônio e interação científica (COLLEY, 2000), divulgação de dados e informações, incentivo à participação e percepção de não acadêmicos e não especialistas (BERGGREN e HODDER, 2003). Os posicionamentos retratam a participação ativa e contestadora da Arqueologia na educação da sociedade moderna, que empreende discussões sobre os sujeitos existentes nos currículos e nas dominações intelectuais do passado recente (ESTERHUYSEN, 2000; FUNARI, 2000). Acerca destas circunstâncias, duas considerações são pontuadas sobre o local da cultura do passado no presente: o que o passado oferece como experiência adquirida no presente, para o futuro; e a concepção de patrimônio como uma mercadoria simbólica que cria a identidade. Ao considerar esse conjunto, são enfatizados dois pontos: as perspectivas de ação propostas neste livro demonstram que a arqueologia, na atividade escolar e extrassala, é um forte instrumento para lidar com a exclusão do passado, em que pesem questões como o racismo e o estereótipo criados nos sistemas segregacionistas (ESTERHUYSEN, 2000); a necessidade de ampliar tais reflexões leva a compreender concepções e formas de interação no encontro entre culturas. A direção conduz as estruturas que geram o conhecimento arqueológico face aos contextos geopolíticos e culturais, por meio das instituições de pesquisa, museus e universidades, que são responsáveis pela produção e difusão de saberes que constroem as imagens dos índios.

1.2. Imagens, Representações e Concepções: Trajetórias Teóricas

Ao longo dos últimos 500 anos de história no Brasil, a imagem do indígena foi 48

projetada de diferentes formas; uma grande parte delas negativa perdura até os dias de hoje, mesmo que não reflita percentualmente a opinião majoritária. A pesquisa “O que pensam os brasileiros dos índios”, encomendada pelo Isa (2000) e realizada pelo Ibope em 2000, aponta que: 78% dos entrevistados têm interesse pela questão indígena; 88% concordam que os índios preservam e vivem em harmonia com a natureza; 81% acham que eles não são preguiçosos, mas que possuem uma forma diferente de ver o trabalho; 89% consideram que eles não são ignorantes, mas que possuem uma cultura diferente; 89% acham que eles são violentos apenas para defenderem suas terras. As populações indígenas, por quase cinco séculos, foram tidas como tábulas rasas, cujas vontades e necessidades não foram consideradas e cuja solução era sujeitar-se à grande mudança cultural proposta pelo integracionismo. Por sua vez, a não pacificação significava o aniquilamento pelas guerras justas, escravização e as decorrências dos processos de conversão e atuação religiosa, situações essas que foram bastante diversas em distintos locais e épocas. Por outro lado, a resistência e a participação ativa das sociedades indígenas na definição estratégica do contato norteiam, na atualidade, o centro da discussão sobre a história indígena. O artigo “A lógica das imagens e os habitantes do Novo Mundo”, de Ana Maria Belluzzo (2000), analisa as imagens produzidas sobre os habitantes do Novo Mundo nos anos iniciais da conquista, no Período Colonial. A historiadora aborda as gravuras de ilustração criadas por Theodore De Bry a partir de textos de Hans Staden e Jean de Léry, enredo que configura o encontro entre culturas do viajante europeu nesse novo universo, circunstância que define a identidade de um lugar. No dossiê Brasil dos viajantes, José Roberto Leite (1996), no texto “Viajantes do imaginário: a América vista da Europa, século XV-XVII”, explica que, durante o século XVI, o imaginário europeu sobre os índios perfazia uma gente bestial e de pouco saber, apesar de limpa e bem curada, diferente daqueles que os imaginavam seres monstruosos. É importante considerar o livro de Antonello Gerbi (1996), O Novo Mundo: história de uma polêmica (1750-1900), que expõe questões referentes à evolução do pensamento ocidental sobre o mundo natural e a natureza humana. Na coletânea Índios no Brasil (GRUPIONI, 2000a), Porto Alegre (2000) afirma, em “Imagem e representação do século XIX”, que o diálogo entre o Velho e o Novo Mundo foi estabelecido por meio de um gênero literário bastante peculiar, as narrativas de viagens, cuja importância foi ampliada no II Império do Brasil ao relacionar metrópole, colônia e o recém-fundado Estado Nacional. Segundo Maria Helena Rouanet (1991), no livro Eternamente em berço esplêndido: a fundação de uma literatura nacional, os relatos de viagem do século XIX configuram a questão da nacionalidade no pensamento brasileiro; essas narrativas, seja como romance ou história, enunciam a “imagem” americana. Ao resgatar os parâmetros políticos e filosóficos da modernidade europeia e do Século das Luzes, a professora de Literatura Brasileira e tradutora constata que a Europa explora o mundo e que a função da narrativa de viagem foi 49

ampliada no século XIX. Por sua vez, Marie Louis Pratt (1991) discute, em Humboldt e a reinvenção da América, que esse viajante exalta as belezas naturais e questiona as noções de inferioridade e incivilidade dos autóctones americanos, assim como a sua homogeneidade. Acerca do Período Republicano, sob outro enfoque, Carlos Frederico Marés Filho (2000), no artigo “O direito envergonhado: o direito e os índios no Brasil”, testemunha que essa época não representou uma ruptura com o pensamento e as políticas indigenistas anteriores. Ao considerar o interesse de integrar os povos indígenas à comunhão nacional, verifica-se que, no Império, os meios foram os da razão, do medo e da violência. Por sua vez, na República, os índios desapareceriam frente às ações justas e humanitárias da sociedade. Entretanto, a violência cultural da integração se manteve diante da considerada indolência e crueldade dos índios, o que os mantêm sob ameaça perene de extermínio pelas armas. Sobre a década de 1970, na obra Etnodesenvolvimento e políticas públicas: bases para uma nova política indigenista (SOUZA LIMA e BARROSO-HOFMANN, 2002), Antônio Carlos de Souza Lima discute, no capítulo “Questões para uma política indigenista: etnodesenvolvimento e políticas públicas”, que esse período foi marcado pela ofensiva brutal dos governos militares, com seu “Plano de Integração Nacional”, sobre as populações indígenas. A violência e o autoritarismo fizeram com que mais de uma dezena de povos indígenas fossem exterminados, com a finalidade de cederem forçosamente espaços para as frentes de colonização e integração. Devido à gravidade do caso, movimentos internacionais ligados à anistia e aos direitos humanos influenciaram o Banco Mundial sobre a destinação de recursos para projetos desenvolvimentistas realizados especialmente na Amazônia. No âmbito latino-americano, foi realizada a “Reunião de Barbados” (1971) e a “Reunião de Peritos sobre Etnodesenvolvimento e Etnocídio na América Latina”, em São José da Costa Rica (1981). Estes eventos foram promovidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura (Unesco) e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). A proposta foi analisar e avaliar as políticas desenvolvimentistas e seus resultados etnocidas. As definições destes encontros foram pautadas, em grande parte, nas proposições de Rodolfo Stavenhagen sobre desenvolvimento alternativo, com objetivos e estratégias próprias aos povos indígenas, conceituado como etnodesenvolvimento. Tais embates envolveram um número bastante significativo de intelectuais que vieram a desenvolver atividades em Ongs, muitos mantendo vínculos com universidades brasileiras. Estas instituições formam, hoje, o terceiro setor e estão embasadas em pressupostos da Antropologia Social para a execução de projetos de pesquisa e intervenção social (SOUZA LIMA, 2002). Esta é uma pequena síntese do início da participação de movimentos da sociedade civil organizada que visou à autodeterminação indígena, almejada até hoje, via interlocução com os próprios índios, com suas organizações e associações e outras formas 50

nativas de representação. Por um lado, as ações desenvolvidas pelas Ongs resolvem e regularizam várias questões em terras indígenas, mas por outro evidenciam o desmantelamento dos serviços públicos federais e a inexistência de um plano de administração e de ação pública indigenista na esfera federal (ibid.). A discussão atual sobre a história indígena passa pela necessidade de desconstruir as imagens existentes, para então refletir essas sociedades como ativas e afirmativas no processo histórico. O historiador John Monteiro esclarece que, na historiografia indígena brasileira, vigorou, por longo tempo, a tendência de pensar os indígenas como sujeitos passivos. A visão mais apurada sobre essa história critica tal concepção unilateral do passado, que mascara e “[...] oculta os múltiplos processos históricos de questionamento, negação e reelaboração de identidades indígenas que informavam e direcionavam as maneiras pelas quais diferentes segmentos sociais nativos se posicionavam diante da nova ordem” (MONTEIRO, 1999, p. 246). Para Jacques Derrida (2001), a ideia de desconstrução é efetivada pelos próprios movimentos civis existentes no mundo, que são manifestados nos acontecimentos sociais, políticos e econômicos. O filósofo certifica que não se trata unicamente de um discurso teórico, mas sim de um mundo cujas histórias estão em constante transformação e desconstrução. Estas perspectivas remetem também a pensar o professor e o estudante universitário indígena como agentes produtivos na construção do conhecimento histórico. Teoricamente, a proposta do livro está ancorada nas ideias do protagonismo indígena e do pensamento pós-colonial, sobre o qual, nos últimos anos, as Ciências Humanas têm acusado a real necessidade de programar discussões que questionem o colonialismo científico em vigor. Mignolo (2003) assegura que as ideias pós-coloniais foram identificadas em pensadores que escreviam na língua inglesa nas ex-colônias dos antigos domínios do Império Britânico. Portanto, as Américas, o Caribe e a África do Norte ficavam de fora do contexto pós-colonial. Esse professor de teoria literária considera que a expressão “pós-colonial” pode ser imprecisa e possuir duplo sentido: por um lado, trata de situações sócio-históricas, da expansão colonial à descolonização, e, por outro, é um pressuposto marcado por “gente de cor, intelectuais do Terceiro Mundo ou grupos étnicos no interior da academia” (ibid., p. 145). Ele questiona o fato de o pós-colonial se referir exclusivamente às universidades norte-americanas, quando inserem no mercado acadêmico dos Estados Unidos intelectuais procedentes do terceiro mundo, criticando que: A teorização pós-colonial, enquanto ação específica da razão subalterna coexiste com o próprio colonialismo como uma caminhada e um esforço contínuos em direção à autonomia e à libertação em todas as esferas da vida, da economia à religião, da língua à educação, das memórias à ordem espacial. Não se restringe à academia, e muito menos à academia norte-americana! (ibid., p. 146) [grifo meu]. 51

Portanto, ressalta-se a participação de uma “periferia” não institucionalizada nas universidades e diversificada geograficamente, excluída da produção dos discursos de várias ordens: histórico, antropológico e arqueológico. John Monteiro (1999) explica que o discurso indígena narrado por historiadores índios se apropria da história como elemento estruturador. Assim, oferece fontes de informações sobre os processos históricos de subordinação e direitos legais, fundamentais para sustentar as reivindicações concretas do presente e as estratégias políticas para o futuro. O arqueólogo Bruce Trigger (1982) atesta que os trabalhos realizados na América do Norte desde 1920 possuem importante papel intelectual para os estudos das sociedades nativas. Estas pesquisas foram bastante difundidas e intensificadas a partir de 1940, com a luta pela terra, o objetivo era realizar estudos sobre aculturação com base em documentos. Nos Estados Unidos, tais prespectivam se acentuam a partir de 1970 com o crescimento populacional e a afirmativa política das sociedades indígenas. Trata-se de investigações que discutem a interação entre essas sociedades e as políticas “brancas”, as quais ampliaram os interesses pela etno-história e inseriram os próprios indígenas como agentes de sua história. Peter Burke (2000, 2003, 2005), ao discutir as origens da História Cultural, afirma que essa área não possui essência e situa o seu problema na intencionalidade do presente, instituições, deslocamentos da liderança cultural, visão dos vencidos, competições e invasões culturais, o que remete a pensar, por exemplo, em etnia, gênero e território. O importante pesquisador palestino Edward Said (1995) enfatiza que o imperialismo não se reserva meramente a questões econômicas. Ressalta sua origem na produção do conhecimento antropológico, histórico e da teoria literária, saberes que muito interferem e que são pouco atacados; conclui chamando a atenção para que as Ciências Sociais lutem contra as imposições teóricas do imperialismo. Refletir sobre a atualidade da participação do movimento indígena nos assuntos históricos, culturais, sociais, políticos e econômicos com a sociedade não indígena na atualidade remonta, também, a outro elenco de conceitos de outros importantes pensadores. As considerações do historiador Roger Chartier (1990) preveem que, nas sociedades, existe um campo de representação simbólica sobre as questões de interesse, que produz entre os grupos sociais tensões, conflitos, competições e mudanças. Tais perspectivas são similares à concepção seminal de interdependência do sociólogo Norbert Elias. Ele ensina que as relações modernas entre as sociedades humanas e grupos sociais diversos são criadas, organizadas, planejadas e estruturadas no sentido de cumprirem uma determinada agenda social, cultural e política. A tarefa de programar e executar as ações necessárias para esses fins partem de um Estado regulador que cria aparelhos, regras e redes de interdependência, os quais vinculam as pessoas e os grupos entre si e com as instituições (ELIAS, 1998). 52

São relevantes também as ideias concebidas pelos Estudos Culturais, quando discutem questões teóricas e ações políticas efetivas sobre diversidade cultural, tradição e política institucional, colonialismo e pós-colonialismo (BHABHA, 1998; HALL, 1999; 2003). A sustentação teórica destas discussões respalda-se em três modelos de pesquisa, baseados nas produções, textos e culturas vividas (HALL, 2003; JOHNSON, 2004). A importância de apresentar intelectuais das várias áreas das Ciências Humanas, como os da História, Antropologia, Sociologia e Filosofia, remete-se a considerar o conhecimento produzido; trata-se de narrativas escritas e imagens desenhadas sobre percepções indígenas. Por um lado, as narrativas e imagens são consideradas verdadeiros documentos históricos, portanto analisados com ferramentas próprias da historiografia. Por outro, o trabalho foi feito com sociedades indígenas vivas, e tanto a concepção dos cursos como a análise das informações necessariamente devem ou podem passar por leituras antropológicas, assim como daquelas da Filosofia, Sociologia e Política. As contribuições destas disciplinas nortearam as análises empreendidas para melhor compreender a relação entre Arqueologia e sociedade, a qual não se reserva ou se esgota com esse ou aquele diálogo disciplinar, mas, sim, busca, na complementaridade, o entendimento do discurso arqueológico indígena, para concatenar e informar no intento de melhor contextualizar. Ao polemizar e refletir acerca do exercício de articulação entre diversos órgãos e instituições, é necessário questionar sobre as pressões exercidas, com a finalidade de realizar tarefas e definir direcionamentos políticos. No presente, tais discussões remetem ao encontro necessário entre os agentes ligados a órgãos do Estado, à sociedade civil organizada, às universidades e instituições de pesquisa. Alguns eventos e reuniões, no âmbito internacional, têm discutido as pesquisas, a guarda e o uso de acervos arqueológicos e coleções etnográficas. Na Eco 92 (ONU, 1992), foi elaborada a “Carta da Terra” e, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA, 1997), foi redigida a “Projeto de Declaração Americana Sobre o Direito dos Povos Indígenas”. Os pontos elencados nos documentos versam sobre as seguintes questões: divulgação dos dados e informações das pesquisas arqueológicas; inserção de povos autóctones nos discursos sobre gestão de patrimônio e interação científica na produção do conhecimento arqueológico; critica que a perda ou a mudança na produção artesanal tradicional seja um elemento de empobrecimento cultural; condena a destruição de sítios arqueológicos e evidências materiais indígenas para usurpação de território; questiona a imagem do índio (re)passada nos museus; realizar inventários e pesquisas que reconheçam o saber indígena como informação científica; reivindicação do repatriamento, devolução e indenização de artefatos arqueológicos; assegurar a preservação e a proteção de locais sagrados, inclusive as sepulturas. Nesse quadro amplo, a Arqueologia gera conhecimentos que criticam a ordem colonial criada e mantida pelos estados nacionais por meio de suas políticas discriminatórias. Ao criticar tais modelos, fundam-se ideias que situam a ação e a intervenção 53

social para promover a inclusão. Anterior aos eventos acima citados, discussões teóricas como estas tiveram largo alcance e repercussão no 1º Congresso Mundial de Arqueologia (Wac-1) realizado em 1986, em Southampton. Nesse evento, muita atenção foi despendida para questões como: ética, caráter público da Arqueologia, gênero e participação dos povos e organizações indígenas (FUNARI, NEVES e PODGORNY, 1999; FUNARI, 2002). Na Arqueologia internacional, os direitos humanos vêm sendo amplamente discutidos. Pautado na defesa das minorias e no questionamento da visão ocidental hegemônica é que se funda o Wac. O contexto abre a produção científica para as vozes dos excluídos e o questionamento das relações de poder no interior da disciplina, em seus conflitos econômicos e políticos (FUNARI, NEVES e PODGORNY, 1999; FUNARI, 1999). O questionamento e o posicionamento teórico estão em compreender quem se beneficia da prática e da teoria arqueológica (FUNARI, 2002, p. 89). Os direcionamentos sobre os estudos que relacionam arqueologia e público indicam: a necessidade de realizar experiências que visem compreender a ideia de patrimônio como uma construção coletiva e participativa, assim como discutir as repercussões sociais, políticas e culturais do trabalho do arqueólogo (BARRETO, 1999, p. 202). No mundo contemporâneo, estas discussões relacionam aparelhos institucionais e estratégias de poder. A influência de Michel Foucault na construção de uma prática teórica e metodológica para a história marca uma das tendências da Arqueologia pós-processual. Segundo o filósofo, discurso, conhecimento e poder estão intrinsecamente ligados e estabelecem que a produção e a redistribuição do discurso passam por processos de controle, seleção e organização, cuja relação foi ampliada e não mais se restringe apenas às questões jurídicas (FOUCAULT, 1996). É estabelecida a não existência de uma forma unívoca de poder. Ao invés disso, Foucault (1982) afirma que os poderes são descentralizados, logo manifestados em hospitais e escolas, dentre tantas outras instituições, o que torna sua penetração na sociedade mais sutil. A sua abordagem analisa as relações de poder para compreender as relações sociais estabelecidas entre as pessoas e os grupos. Essa concepção é importante para as discussões teóricas empreendidas pela Arqueologia crítica, cujo enfoque é o poder e o discurso (SCHIAVETTO, 2003). Por sua vez, a Arqueologia pós-processual retoma a discussão sobre a etnicidade, esquecida no meio arqueológico (JONES, 1997). No contexto deste trabalho, essa questão é analisada nas seguintes circunstâncias: discussões e ações institucionais; articulações que possibilitaram as disciplinas ofertadas e, por consequência, a execução de um curso planejado exclusivamente para professores indígenas; a produção de conhecimento indígena sobre a trajetória histórica da arqueologia em sua comunidade; e os resultados dessa pesquisa. Para o antropólogo Frederick Barth (1998), o uso da identidade étnica é precedido de uma avaliação sobre vantagem e desvantagem, mas também reflete os valores 54

afetivos e tradicionais que mediam todas as relações sociais. Nesse processo, ele afirma que a identidade é negociada e reinventada, o que pode ser verificado ao analisar a trajetória dos cursos, cuja evidência é de uma Arqueologia em um mundo multifacetado. Os contextos etnoarqueológicos apresentados pelos professores indígenas mostram reelaborações da identidade, continuidades e descontinuidades. A Arqueologia como disciplina possibilitou aos professores pesquisarem um assunto por vezes pouco lembrado: a cultura material do passado narrada, em grande parte, por anciões. Jones (1997) certifica que, na Arqueologia, existe um caráter subjetivo continuamente reproduzido em contextos diversos, que varia de acordo com as relações de poder no interior do processo de interação social. As circunstâncias dos cursos têm sua origem na afirmação étnica em um campo multicultural (universidade, escola, aldeia). Os índios como participantes ativos nestas instituições representam conquistas nos embates políticos e científicos com a sociedade não indígena. Segundo essa importante arqueóloga: The recent concern with socio-political issues, including a renewed interest in ethnicity and multi-culturalism, has been strongly linked to post-processual archaeology by both its advocates and its opponents. Yet post-processualism in itself represents a heterogeneous range of approaches, and a concern with the socio-politics (JONES, 1997, p. 5).

O que ocorre é a emergência de lados divergentes no debate acadêmico sobre questões sociais e políticas próprias da etnicidade, da heterogeneidade e do multiculturalismo, que refletem o círculo científico e político da Arqueologia. Contudo, é importante assinalar que as polêmicas instauradas são, em primeiro lugar, inerentes às próprias populações e movimentos sociais. Os anseios representados são observados na percepção do indivíduo como agente ativo negociador do processo de mudança social, que seria resultante de ações deliberadas pelos grupos na tentativa de interpretar seus conflitos internos. Os estudos sobre etnicidade sugerem que a interação cultural é própria das sociedades, cujo caráter é de dependência para garantir a “[...] sobrevivência e reprodução de seus padrões socioculturais” (ROBRAHN-GONZALEZ, 1999, p. 33). A universidade e a escola entre indígenas podem, de certa maneira, comprovar isso. Charles Orser Jr. (1999) explica que as abordagens que excluem determinados personagens na Arqueologia são decorrentes de processos simplistas e reducionistas de análise. Contudo, o arqueólogo reitera uma visão positiva, afirmativa e consciente de agentes masculinos e femininos na criação de paisagens, abordagem concebida como análise de rede, e compreende: As criações físicas, materiais, requerem, para que se as compreenda, um íntimo conhecimento do tempo e do espaço. Para que tal conhecimento seja construído, 55

devem-se levar em consideração duas dimensões interconexas, as estruturas sóciohistóricas e sócio-ambientais (ORSER JR., 1999, p. 89).

A reflexão sobre Arqueologia e identidade étnica tem como pressuposto o caráter subjetivo e simbólico no uso de traços culturais, os quais se transformam em decorrência de situações vivenciadas. Portanto, são discutidas formas de representação do passado e do presente, que certamente contribuem para a construção de uma teoria arqueológica pautada nos seguintes princípios: interdisciplinaridade efetiva, debate, compromisso com a prática arqueológica, peculiaridades das fontes, teoria social ampla, pragmatismo, ecletismo, pluralismo e criatividade (FUNARI, 2007a). A partir destas considerações, ressalta-se que o estudioso do passado, seja historiador ou arqueólogo, faz parte de um determinado presente e, como é de praxe dizer, “é uma pessoa do seu tempo”. Para o professor indígena como pesquisador e ativista em sua comunidade não é diferente, suas preocupações são as de hoje e, inevitavelmente, as respostas de suas indagações são percebidas quando se enfoca a interação e as redes sociais existentes (ORSER JR., 1999; ROBRAHN-GONZÁLEZ, 1999). As reflexões e ações desenvolvidas nesse plano são estabelecidas entre um passado/conhecimento tradicional e o presente/conhecimento institucional, cuja experiência e sua interpretação são coextensivas (THOMAS, 1999, p. 18). A análise da experiência da pesquisa arqueológica realizada pelo professor indígena procurou compreender a sua percepção na produção de conhecimento. Teoricamente, os cursos foram pensados levando em consideração o ensino para um público diferenciado e de alta relevância para a política científica na Arqueologia. As concepções e formulações sobre o uso do patrimônio histórico e cultural indígena trazem informações da relação entre pesquisa, ensino e extensão, assim como agrega à pesquisa fundamentações relativas à organização social, cosmológica, de gênero e etária inscrita na vida material. O método de ensino, amplamente adotado de Paulo Freire (1999), considera que a prática educacional se constrói dentro do universo concreto e cultural do aluno. Trata-se, no caso, de um estudante universitário que é professor, para quem a identidade indígena e o contexto cultural presente são fatores determinantes em sua vida como processo de transformação e ato político (FREIRE, 2002). O conjunto das atividades realizadas evidencia a Arqueologia como um tema gerador, pois o ambiente da escola indígena permite “[...] a preocupação com o resgate de suas experiências culturais” (ZORTEA, 1995-1996, p. 536). Carlos Rodrigues Brandão (2003, p. 7), no capítulo “Educação? Educações aprender com o índio” enfatiza que a educação existe para todas as pessoas e todos os dias misturamos a vida com a educação, portanto ela não se reserva e não se esgota na escola. O antropólogo salienta que os vários tipos de conhecimentos repassados no cotidiano das aldeias são “[...] situações sempre mediadas pelas regras, símbolos e valores da cultura do grupo – têm, em menor 56

ou maior escala, a sua dimensão pedagógica” (ibid., p. 20). Esse processo de repasse e aquisição de conhecimentos, conhecido por endoculturação, demonstra as seguintes práticas: treinamento direto de habilidades corporais; estimulação dirigida sobre o que o aprendiz desconhece; observação livre; correção interpessoal; direito à participação em rituais; inculcação dirigida de valores morais, míticos, histórico-religiosos e códigos de conduta. Por sua vez, o ensino formal ocorre quando a educação se sujeita à pedagogia, ao estabelecer condições específicas para sua efetivação, como métodos, espaços, regras, tempo e executores especializados, daí o surgimento das escolas (ibid., p. 26). A proposta deste trabalho é discutir a relação estabelecida entre Arqueologia, Universidade Pública, Ensino, Patrimônio e Diversidade Cultural, quando protagonizada por professores indígenas, comunidade e alunos da escola. Uma das maneiras dos povos indígenas manifestarem seus direitos e alteridade ocorre na interação com os aparelhos e instituições ocidentais. No contexto de uma educação formal crítica, a escola e o professor indígena devem objetivar a interculturalidade e a autonomia intelectual, para melhor manusearem estes fortes instrumentos de produção e reprodução do social (FERREIRA SILVA, 1994; MELIÀ, 1989). O professor indígena, dentro das limitações daquilo que lhe é atribuído, assume a posição de interlocutor e de articulador político entre dois mundos, o indígena e o não indígena. Como professor, ele reinterpreta informações e contextos históricos, e reelabora vivências e práticas do ocidente capitalista à sua vida em comunidade. A partir disso, munido de novas informações, pode contribuir para as resoluções dos problemas comunitários, com a possibilidade de socializá-los na escola. O caráter político e social da pesquisa remete à concepção de ciência e conhecimento presente nos parâmetros da educação escolar indígena, que procuram englobar o todo das comunidades e permite a visibilidade das distintas formas de manifestações. Discute-se o índio como protagonista de uma Arqueologia Pública brasileira voltada para os interesses dessas populações. A análise empreendida parte de um método que situa os índios como gestores do patrimônio histórico e cultural e pesquisadores da Arqueologia, o que de fato torna possível “[...] propor uma aliança interdisciplinar estratégica entre a Arqueologia e a Antropologia” (EREMITES DE OLIVEIRA, 2005, p. 18). Outro aspecto sobre o processo de interpretação diz respeito às fontes imagéticas, ou seja, as ligações teóricas existentes, a relação entre produção visual e autorrepresentação, o uso do conhecimento visual e seu significado. A produção de fontes imagéticas, como fotografia e vídeo, reflete questões importantes como a dinâmica interna de incorporação ou rejeição do que é exógeno, o debate consciente sobre autorrepresentação, e a maior visibilidade dos grupos étnicos no domínio desses recursos (CARELLI, 2004). Essas fontes, quando produzidas por professores indígenas em desenhos, mapas, croquis e plantas de edificações, conduzem às seguintes perguntas: qual é o seu status de documento histórico? Qual a representação feita sobre o “outro”, e quando esse “outro” é o passado? 57

Os desenhos mostram aquilo que, muitas vezes, não era observado ou ouvido no dia a dia e que serve de instrumento de identidade e alteridade, demonstrando serem eficazes ferramentas de esclarecimento. Mas, sobretudo, refletem a subjetividade nas formas de pensar o uso da imagem (PINHANTA, 2005). As fontes imagéticas, no contexto da pesquisa, oferecem fartos elementos para o conhecimento arqueológico em duas circunstâncias: na sua vinculação com as narrativas; e na possibilidade de estes saberes serem reintroduzidos nas aldeias e se tornarem passíveis de ampla divulgação e registro.

CAPÍTULO 2 OBSERVAÇÕES SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA NO LIMIAR DO SÉCULO XXI 2.1. Políticas Públicas e Educação Escolar Indígena no Brasil

Com a promulgação da Constituição de 1988, por lei, são reconhecidos os direitos indígenas em sua cultura e diversidade; segundo o artigo 231, “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes e línguas, crenças e tradições [...]” (BRASIL, 1997, p. 44). Esse ordenamento jurídico interfere também no Mec, que passa a coordenar as ações relacionadas à educação escolar indígena, que deverá contar com a participação efetiva dos estados e municípios. O diagnóstico do Plano Nacional de Educação do Mec (BRASIL, 1993) apontava para a inexistência de mecanismos que assegurassem a uniformidade de ações que garantissem as especificidades das escolas indígenas, e estabelece as atribuições das diversas instituições e agências envolvidas nesse processo. Em 1996, com a Lei 9.394, da LDB, as iniciativas apoiadas são aquelas que visam uma educação diferenciada e intercultural reconhecida e respeitada pelas instituições (BRASIL, 2001). Em seu art. 32, parágrafo 3º, “assegura-se às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”; o art. 78 prevê “programas integrados de ensino e pesquisas, para a oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas”, com os seguintes objetivos: Capítulo I – proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; valorização de suas línguas e ciências; II – garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnico científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não indígenas. Capítulo II, seção I, artigo 26, parágrafo 4: o 58

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ensino de História do Brasil levará em conta a contribuição das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro especialmente as matrizes indígenas, africanas e europeia (ibid., p. 23).

Nesse novo contexto constitucional, a educação escolar indígena é gerida de forma diferente daquelas religiosas e integracionistas. Sob a nova ordem, passou-se a valorizar os conhecimentos indígenas na concepção e elaboração de bases curriculares, materiais didáticos e programas de formação específicos e diferenciados. O art. 79, parágrafo 2º, estabelece o seguinte: “Desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades; Elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e diferenciado” (ibid., p. 23). A LDB ressalta a necessidade de ampliar e discutir as reivindicações dos movimentos indígenas em suas práticas escolares a partir da realidade do povo, cujos “[...] programas serão planejados com audiência das comunidades indígenas” (ibid., p. 23). Essa determinação considera de suma importância a participação da comunidade, pois a escola é um espaço que deve contribuir para propostas sociais e políticas coletivas. Muitas das questões relacionadas à educação escolar indígena não se esgotam em cursos de formação e capacitação, na verdade principiam neles. É necessário estimular e propiciar uma formação intelectual holística e crítica, que torne possível aos professores indígenas definirem o modelo de escola que desejam, conforme suas realidades e necessidades. Além disso, é importante formar professores capazes de elaborar seus próprios recursos didáticos, assim como, adequar a formação recebida às possibilidades de sua extensão e socialização. O fundamento teórico da educação escolar indígena reflete o espaço assumido pela escola e o contorno sociopolítico definido pelo professor “em” e “para” sua comunidade. Dessa forma volta-se para os problemas de organização e de planejamento do grupo, que conferem a escola o status de “[...] portal de entrada para o mundo externo fora da aldeia” (GRUPIONI, 2000b, p. 278). Isso remete a sua relação com as diferentes formas de poder, como o Estado, as missões religiosas, as universidades e as Ongs, e também a escrita (KAHN e FRANCHETTO, 1994; MELIÀ, 1989). Os programas de educação escolar indígena devem primar pela busca da autonomia intelectual, como parte do processo de afirmação de sujeitos e direitos de povos minoritários, dentro de um Estado Nacional que legisla e estrutura sistemas (GUIMARÃES, 2002).

2.2. Educação Escolar Indígena no Estado de Mato Grosso

A história da educação escolar indígena no atual estado de Mato Grosso principiase no final do século XIX, com o Estado e a Igreja salesiana (SECCHI, 1997; MATO GROSSO, 2001). 60

A primeira iniciativa ocorreu junto aos Bororo concentrados nas colônias militares após deposição de armas e batismo. Em 1902, os salesianos fundam sua própria missão, existente até os dias de hoje e destinada à catequização desse povo e, posteriormente, os Xavante (BORDIGNÓN, 1987). Uma segunda vertente aconteceu sob os ideais positivistas e integracionistas dos militares ao findar a década de 1910. Essa foi representada, em especial, pela figura lendária do Marechal Rondon, à frente da instalação das linhas telegráficas e à ocupação dos rios Teles Pires e Araguaia. Na época, as escolas eram mantidas de forma não contínua entre os Bakairi, Bororo, Paresí e Nambikwara, sendo eles ensinados nos postos indígenas ou enviados para Cuiabá com essa finalidade (SECCHI, 1997, 1994; MATO GROSSO, 2001). A partir de 1930, outras duas instituições religiosas passam a atuar com vigor nas questões educacionais e religiosas na região do médio-norte do Estado: os evangélicos da Inland South American Union (Isamu), com os Nambikwara e, no Utiariti, entre 1930 e 1946, e os missionários jesuítas da Missão Anchieta. Nos anos de 1960, ressalta-se a atuação do Summer Institute of Linguistics (Sil), cujo propósito maior era o estudo linguístico e a tradução de textos religiosos para língua indígena (ibid.). Entre as décadas de 1970-80, a Funai passou a atuar na área da educação escolar indígena de forma não contínua, junto aos povos xinguanos e em algumas aldeias Nambikwara, Bakairi, Paresí, Bororo e Xavante; por sua vez, a Opan e o Cimi atuaram em escolas Tapirapé, Karajá, Rikbatsa e Myky (EMIRI e MONSERRAT, 1989). Nesse período, algumas prefeituras fundaram escolas nas aldeias e contrataram professores para muitas delas, a Secretaria de Estado de Educação cobriu gastos de infraestrutura e pagamento de pessoal. Apesar dos esforços, as perspectivas de cada uma dessas instituições não configuravam ações articuladas. Com o objetivo de realizar um fórum de discussões para avaliar os projetos executados pelas diversas instituições e garantir a participação de representantes indígenas, foi criado, em 1987, o Núcleo de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso (NeiMT) (SECCHI, 1997; 1996; 1994). O Nei-MT, de acordo com as novas diretrizes para educação escolar indígena, apoiou uma escola diferenciada e específica, além disso, a sua estruturação possibilitou a participação indígena no Conselho de Educação Escolar Indígena de Mato Grosso de forma paritária. Nessa reorganização do Estado, as organizações indígenas acentuaram suas reivindicações por meio de movimentos associativos, estabelecendo novas pressões e alianças, cobrando ações efetivas para suas demandas e o direito de definirem o perfil da educação escolar indígena desejado. O diagnóstico realizado em 1995 para avaliar a situação escolar indígena no estado prevê também a necessidade do acompanhamento pedagógico, estruturação física, contratação de professores indígenas e aquisição de material didático (SECCHI, 1995). Em 1996, iniciou o Projeto Tucum, curso de magistério que formou 200 profes61

sores indígenas de 11 etnias de Mato Grosso. Após concluírem o ensino médio, estes professores necessitavam continuar seus estudos no ensino superior por dois motivos: a própria formação e a necessidade de implantar o ensino médio nas aldeias (MATO GROSSO, 1995). Em 1997, durante a I Conferência Ameríndia de Educação em Cuiabá, os aproximadamente 700 professores indígenas de 84 etnias reafirmaram a necessidade de uma escola diferenciada. Nesse evento, redigiu-se a “Carta de Cuiabá” (SECCHI, 1998). Nela, consta que a educação e escola indígena deve contar “[...] com currículos e regimentos específicos, elaborados pelos professores indígenas, juntamente com suas comunidades, lideranças, organizações e assessorias para suas comunidades” (idem, 1998, p. 17). A escola indígena almejada pauta-se em um projeto político pedagógico que visa à autonomia e à especificidade, assim como demonstra a necessidade de instaurar um extenso programa de qualificação e formação dos professores indígenas em exercício (ibid., 1998).

2.3. Ensino Superior Indígena na Unemat

A atual Faculdade Indígena Intercultural da Unemat foi uma demanda diretamente relacionada à formação de professores indígenas provenientes do ensino médio. Os professores formados nas missões e também em propostas diferenciadas, como o “Projeto Tucum”, destinado às diversas etnias do Estado, e o “Projeto Pedra Brilhante”, para professores do PIX, executados respectivamente pelo governo de Mato Grosso e o Isa, tinham por necessidade continuar seus estudos. As formas de ingresso dos estudantes indígenas em cursos de nível superior em Mato Grosso era o exame vestibular, vagas ociosas ou residuais, programa de estudantesconvênio e negociações com universidades particulares (MATO GROSSO, 1997). Esses acessos evidenciaram os seguintes problemas: percurso dos universitários e adaptação aos conteúdos e metodologias; número restrito de vagas/cursos e expectativa quanto à carreira escolhida; poucas vagas ocupadas e que não respondiam às necessidades das comunidades; não conhecimento prévio do perfil e das especificidades dos cursos; descompromisso em retornar para as aldeias; evasão e reprovação (ibid.). Em 1997, o Cei-MT constituiu um grupo de trabalho para discutir a educação escolar indígena no estado, mais especificamente, a qualificação de estudantes indígenas. O GT questionou as comunidades sobre o perfil do projeto de ensino superior almejado, as quais sugeriram que as universidades: desenvolvam projetos de pesquisa, extensão e cooperação; contribuam para o aumento das formas de inserção e acompanhamento dos universitários indígenas nos cursos regulares; reflitam e viabilizem a implantação de cursos específicos com turmas especiais exclusivamente para professores indígenas (ibid.). 62

Estes desafios foram bem recebidos pelas duas universidades públicas do estado, a Unemat e a UFMT����������������������������������������������������������������� ��������������������������������������������������������������������� , e o ensino superior indígena em Mato Grosso torna-se pauta permanente de política pública. Esse objetivo foi concretizado por ocasião da Conferência Ameríndia de Educação e do Congresso de Professores Indígenas do Brasil, quando o governo de Mato Grosso publicou o Decreto 1.842/1997, que cria uma Comissão Interinstitucional e Paritária para elaborar o anteprojeto de cursos de terceiro grau específicos e diferenciados, voltados para a formação de professores indígenas. Em 2001, teve início o Projeto de Formação de Professores Indígenas – 3º Grau Indígena, com o ingresso de duzentos alunos na Licenciatura Específica para a Formação de Professores Indígenas. Em 2005, os cem ingressos na 2ª turma dos cursos começaram suas aulas. Já em 2008, principiou a vida universitária da 3ª turma dos Cursos de Licenciatura, com cinquenta professores indígenas. No período entre 2002 e 2004, foi ofertada uma especialização em Educação Escolar Indígena, realizada por profissionais que atuam na questão indígena e professores indígenas já graduados. Em 2008, essa modalidade de pós-graduação foi ofertada especificamente para cinquenta professores índios egressos da Unemat e de outras instituições de ensino superior. Acerca da institucionalidade da Licenciatura, em agosto de 2007, o Projeto 3º Grau Indígena foi homologado como Programa de Educação Superior Indígena Intercultural (Proesi). Durante o II Congresso Universitário da Unemat, no findar de 2008, criou-se a Faculdade Indígena Intercultural, a qual incorporou ações relacionadas à Educação Superior Indígena (MATO GROSSO, 2012). Em 2011, iniciou a terceira turma do curso de Pós-Graduação Lato Sensu “Especialização em Educação Escolar Indígena”, composta por cinquenta indígenas envolvidos na educação escolar indígena.

2.3.1. Proposta Metodológica

Um levantamento preliminar a partir de entrevistas com professores e lideranças indígenas, apontou os seguintes pontos sobre o papel do professor e da escola indígena: 1. Conhece e ensina as coisas do branco; 2. Ajuda a gente se virar no mundo; 3. Ajuda a nos defender dos invasores; 4. Prepara para competir no estudo e no emprego; 5. Ajuda a reconstruir a nossa história (SECCHI, 1995, p. 18).

O projeto político e pedagógico da Faculdade Indígena Intercultural contribui para um ensino que reconstrói e reelabora os processos históricos e a atualidade indígena, que revitaliza as identidades étnicas (BRASIL, 2001). As questões norteadoras relacionam a 63

valorização do conhecimento indígena e as suas próprias visões sobre a história, organização social e cosmologia. Enfatiza a interculturalidade como possibilidade de acesso a informações, conhecimentos técnicos e procedimentos teóricos importantes para compreender o intercâmbio entre a sociedade nacional e as sociedades indígenas. Os cursos de formação discutem a importância do professor no ensino fundamental e médio das aldeias, polemizando sobre os princípios que definem o projeto, objetivos, currículo, abordagem dos temas, metodologia e estrutura curricular (MATO GROSSO, 2001). As licenciaturas auxiliam o professor na concepção da dinâmica curricular e práxis pedagógica. Na escola, os conteúdos aplicados são integrados a partir de um trabalho globalizado e de múltiplos valores, que associam conhecimentos ocidentais e tradicionais. O que se espera é a construção coletiva do conhecimento, para que as ações do professor não se esgotem nas práticas acadêmicas, pelo contrário, procura-se na universidade valores a serem ressignificados, para serem inseridos na escola e na comunidade como fator de identidade cultural. A orientação é para que os etnoconhecimentos sejam incorporados à educação formal, cujo domínio integra o currículo das licenciaturas. Os princípios curriculares pautam-se nos conjuntos de saberes, habilidades e valores, ou seja, a dimensão cultural da realidade indígena; isso define os objetivos dos cursos. A diversidade e o reconhecimento da multiculturalidade respaldam a abordagem dos temas e as questões de interesse da comunidade, determinando o perfil das licenciaturas em seus aspectos gerais, princípios curriculares e metodológicos. Os cursos são divididos em dois momentos: os primeiros quatro anos de formação geral e o último ano de formação específica, que os habilita em uma das três licenciaturas plenas oferecidas: Ciências Matemáticas e da Natureza; Ciências Sociais; Línguas, Artes e Literaturas. Durante a formação geral, os acadêmicos discutem e compreendem a educação indígena e a educação escolar indígena, processos socioculturais, práxis pedagógica na educação fundamental, metodologia e aplicação de conteúdo. A formação específica direciona o estudante universitário a desenvolver uma pesquisa teórica com a finalidade de elaborar o trabalho de conclusão de curso. O calendário dos cursos é disposto em dois momentos: a etapa presencial ou intensiva é o que os cursistas assistem e participam das aulas, e a etapa intermediária ou de estudos cooperados é quando o cursista relaciona suas atividades de professor às atividades acadêmicas na aldeia. A carga horária total dos cursos é de 3.570 horas; destas, 1.900 horas são de estudos presenciais divididos em dez etapas, 1.250 horas de estudos cooperados de ensino e pesquisa e 420 horas de estágios supervisionados.

rentes noções de tempo, espaço e tudo aquilo que torna as sociedades diferentes umas das outras (MATO GROSSO, 2001). A primeira temática abordada compreende que o professor/pesquisador indígena sirva-se dos conhecimentos adquiridos em benefício da comunidade, suas demandas de educação, e apoio na discussão fundiária, saúde, jurídica, ambiental e cultural. Desenvolve uma abordagem histórica que interpreta os distintos interesses e pontos de vista nas narrativas, fontes e atores históricos. A segunda busca entender as várias formas de organização e representação social e simbólica das sociedades, evidenciadas nas tensões sociais e campos de disputas. A terceira ressalta as diferentes maneiras de fazer a história, como a oficial e a da resistência, de gênero, medicina, monetária, música, entre tantas outras. A Geografia tem por objetivo discutir a interação de diferentes grupos e pessoas com o meio físico habitado, articulando a realidade biótica às situações econômicas, sociais e culturais das comunidades. O contexto representa formas de concepção e apropriação da natureza e dos vários espaços constituídos, por exemplo, aldeia, roça, áreas de caça, pesca e coleta, e os lugares “sagrados”. O curso de Línguas, Artes e Literaturas articula o ensino de Português ao desenvolvimento das línguas indígenas, ressaltando a necessidade de conhecer a língua materna em suas complexidades linguísticas, assim discutindo língua nacional e língua indígena. Acerca das Artes e das Literaturas, a intenção é ampliar a visão de mundo em torno dos símbolos históricos identificados nos diferentes objetos de arte e expressões literárias, para conhecer seus significados e origem. O curso de Ciências Matemáticas e da Natureza engloba as disciplinas Biologia, Física, Matemática e Química. A licenciatura polemiza o sentido do conhecimento e estabelece uma ligação direta entre sociedade, ciência e tecnologia, incorporando questões como alimentação, vestuário e moradia associados à cosmovisão indígena. Os temas transversais ocupam espaço importante na construção do currículo, ao estabelecer a relação entre os saberes obtidos e os assuntos relevantes do cotidiano. Seguindo as recomendações dos RCN (BRASIL, 1998), os objetos escolhidos foram: pluralidade étnica e cultural, sociedade e meio ambiente, lutas, direitos e organização indígena, e educação para a saúde. Por um lado, as políticas públicas da educação escolar indígena são compreendidas como resultados da participação e afirmação dos movimentos indígenas, e por outro orientam as linhas gerais e o perfil dos cursos. Passados dez anos da Carta de Cuiabá (1997) e os encaminhamentos que propiciaram estas licenciaturas, afirmou-se que:

2.3.2. As Licenciaturas Plenas

A autonomia dos povos indígenas começa a se tornar realidade pelo viés da forma-

O curso de Ciências Sociais privilegia a História e a Geografia no estreito diálogo com a Antropologia, Política, Sociologia e Filosofia, para analisar criticamente as dife-

ocupação dos espaços nas esferas do poder federal, estadual e municipal como os

ção escolar, que permite o entendimento dos códigos da sociedade envolvente e a

64

Conselhos e Cargo de Gestão (JANUÁRIO; SELLERI SILVA; KARIN, 2007, p. 43). 65

CAPÍTULO 3 ARQUEOLOGIA NA ALDEIA: LUGAR E NARRATIVA EM UMA PESQUISA-AÇÃO Neste capítulo, discutem-se as estratégias e os métodos utilizados pelos professores indígenas na realização das pesquisas em suas aldeias, situando socialmente os espaços e os interlocutores que protagonizaram com os discentes/pesquisadores a atividade desenvolvida. A ideia é traçar o perfil da ação para, no próximo capítulo, examinar a avaliação dos professores e da comunidade sobre esse processo. Em um contexto amplo, a indagação colocada aos professores índios foi: Qual a metodologia adotada para realizar a pesquisa? Essa pergunta, didaticamente, foi desmembrada em três: 1. Em que local foi realizada a pesquisa, e por quê? 2. Com quem foi feita e por quê? 3. Foi realizada alguma atividade na escola onde você leciona? Como foi? O primeiro ponto aborda os direcionamentos teóricos e metodológicos da educação escolar indígena, pensados, discutidos e aplicados de forma programada e dialógica junto à comunidade nas aldeias. O segundo enfoca o repasse de conhecimento nos diferentes espaços e a interação entre os professores e seus interlocutores, e também discute a universidade como promotora, em parte, da ação. A condução da pesquisa oferece importantes elementos para pensar a produção do conhecimento no interior de uma comunidade tradicional. A pergunta a ser repondida é: como o professor/ pesquisador indígena interage na comunidade e na escola? A ideia é investigar de que maneira essa ação gera saberes relativos às mudanças culturais, sociais e históricas, portanto circunstâncias que concorrem para a compreensão da etnicidade na Arqueologia, muitas vezes associada à revitalização cultural. Esse capítulo é concebido sob dois conceitos: por um lado, o da educação, por se 67

tratar de uma experiência que ocorre na escola, na academia, que envolve professores, alunos e comunidade. E, por outro, o de patrimônio histórico e cultural, pois relaciona a cultura material das sociedades indígenas. Ao agregar estas duas concepções, enquanto metodologia aplicada, adentra-se no campo da Educação Patrimonial.

Casa do professor

8

Terreiro

6

Centro da aldeia

1

Pátio da aldeia

1

Casa dos alunos

1

Fonte: Dados da pesquisa.

3.1. Lugares

A pesquisa, realizada em toda a sua trajetória, cumpriu etapas para chegar aos resultados. A apreciação da comunidade e dos professores indígenas é parte integrante e fundamental para a concepção de Arqueologia, que emerge em função dos procedimentos metodológicos adotados na coleta de dados. Os protagonistas da pesquisa são pessoas cujos conhecimentos foram adquiridos em espaços e condições históricas bastante particulares, em suas benesses e desventuras; relacionam condições de gênero, faixa etária e categoria social como elementos circunstanciais que configuram a experiência social. O educador Paulo Freire (2001) ensina que é necessário compreender a realidade na qual o indivíduo está inserido e – mais importante – pensar formas de transformá-la. Esse conjunto percepção e ação é o que faz do indivíduo o “homem-história” (FREIRE, 2001, p. 31). O homem-história, nessa pesquisa, estrutura de forma plural o seu lugar no mundo, que representa a apropriação do indivíduo e seu coletivo sobre a vida material e funda identidades na Arqueologia. Os professores1, em grande parte, realizaram suas pesquisas nas casas dos próprios interlocutores/entrevistados, locais públicos (pátio e terreiro da aldeia), espaços “diferenciados” passíveis de interditos (casa dos homens, conselhos tradicionais e reuniões formais) e, na própria residência. A quantificação dos dados foi feita a partir de setenta professores, dos quais quarenta são Xavante. Sobre isso, os dados comprovaram que as pesquisas entre esse povo, em grande parte, foram realizadas, discutidas ou deliberadas no warã, que é o fórum público das reuniões masculinas realizadas na praça da aldeia (GRAHAM, 1995).

Tabela 1. Lugares. Local

Citações

Casa do interlocutor/ entrevistado

19

Locais tradicionais

14

Escola

10

4 Neste trabalho, as citações dos professores indígenas se encontram em itálico e entre aspas, antecedidas de seus respectivos nomes.

68

As atividades realizadas em espaços de domínio público possibilitaram maior inferência e, por conseguinte, interesse da comunidade no processo político de articulação e execução da pesquisa. Paulo Freire (2001) afirma que a relação estabelecida entre o professor e a comunidade pode ser vista como uma forma de democratização fundamental, que visa e convoca a sociedade a refletir e participar de seus processos históricos. Como idealizador principal e fomentador ativo de discussões e ações em torno da educação escolar indígena está o professor indígena, cuja inserção social é condicionada por suas experiências e, a partir delas, interage com a sua realidade (DARCY DE OLIVEIRA e DARCY DE OLIVEIRA, 1981). O professor/pesquisador indígena procurou na comunidade seu esteio principal para a pesquisa, atuando em duas frentes: na produção do conhecimento e na sua socialização. A sua maior publicidade permitiu: esclarecer a ação; trocar informações, problematizar e buscar soluções para problemas históricos; ampliar os dados; a participação e o envolvimento da comunidade; e, por fim, a visibilidade necessária para outra Arqueologia indígena construída em uma ação educativa por eles protagonizada. A concepção do processo é de uma pesquisa-ação, pois se enquadra numa política pedagógica que contribui com as mudanças sociais (DARCY DE OLIVEIRA e DARCY DE OLIVEIRA, 1981), ao problematizar a educação e estimular a crítica dos indivíduos sobre as “dimensões significativas de suas realidades” (FREIRE, 2002, p. 96). A educação escolar indígena, concebida pelo professor indígena e condicionada pela pesquisa, certamente encontra nos temas geradores uma importante ferramenta, pois “partem do mais geral ao mais particular” (ibid., p. 94), em que pesem as concepções, dúvidas, valores e desafios do presente, classificados como “unidade epocal” (ibid., p. 92). As orientações das disciplinas de Arqueologia e as concepções geradas pelos professores atestam que se trata de uma ciência social que propõe compreender o homem em seus aspectos culturais e sociais por meio da cultura material, ecofatos e biofatos. Tal intersecção decorre dos métodos e procedimentos interpretativos do ambiente arqueológico e do diálogo entre diversas áreas do conhecimento, entre elas a Ciência da Educação, ao retratar “o pensar dos homens referido à realidade” (ibid., p. 98). Os espaços e protagonistas escolhidos representam papéis essenciais como proposta temática e fato gerador de discussões em um lócus arqueológico bastante específico, índios em aldeias contemporâneas debatendo patrimônio histórico e cultural. 69

A pesquisa do professor Perankô Panará (14.3, 20143) foi feita na casa centralizada da aldeia, provavelmente a Casa dos Homens, escolhida por ser onde ocorrem as reuniões e onde se comunicam com os velhos. Isso remete à ideia de participação, pois o local permite que um maior número de pessoas tenha acesso aos conteúdos dos levantamentos, servindo para que todos pesquisem para registrar [grifo meu]. As preocupações reportam-se à melhor partilha do conhecimento como um processo coletivo de construção e ao benefício para a comunidade com o registro dos saberes produzidos. São, portanto, questões que concebem a noção de patrimônio histórico e cultural referente ao conhecimento, documentação e coletividade. Como patrimônio compreendem-se os bens transmitidos e herdados em uma sociedade, os quais são materiais, cuja importância monetária pode ser elevada ou irrelevante que independem do valor emocional, cultural ou histórico. A esfera individual denota “coisas” de interesse particular importantes na vida pessoal. Por sua vez, a coletiva é caracterizada por várias pessoas que comungam interesses comuns; dessa maneira, o patrimônio coletivo independe da vontade própria de cada um e torna-se mais distante (FUNARI e PELEGRINI, 2006). Os estudos sobre a materialidade “[...] além de reafirmarem a importância da presença do indivíduo no campo da cultura material, [...] indicam que tal presença jamais é exclusiva, ela só se perfaz na relação social” (MENESES, 1998, p. 96). A investigação do patrimônio material inicia ao conhecer, constatar e depositar importância ao tema e – mais importante – deve-se problematizá-lo, para então estabelecer seu estatuto de documento a ser preservado e registrado. Essas pontuações foram verificadas no discurso de Perankô, citado no parágrafo anterior. Ulpiano de Meneses (1998) certifica que o objeto material como documento depende de sua capacidade documental e de suporte da informação. Para o arqueólogo, o artefato em sua condição física é uma verdade objetiva, que sofre inferências externas, que são discursivas e subjetivas, para conferir significados e valores. Logo, os artefatos comportam as raízes de nossa cultura, num processo dinâmico e descontínuo. Tais objetos não são ufanizados e orientam sobre a preservação para a pesquisa (MENESES, 1984). As discussões patrimoniais relacionam, acima de tudo, o próprio direito das pessoas conhecerem seu passado, enquanto parte de sua cultura, identidade e como exercício da cidadania (FERNANDES, 1992-1993). Nas sociedades indígenas, os conhecimentos são repassados de geração para geração, quando as crianças, condicionadas por fatores culturalmente constituídos, acompanham e participam com seus pais das atividades de subsistência, confecção de artefatos, festividades e rituais, entre tantas outras. Isso leva a crer que “o homem que transforma, com o trabalho e a consciência, partes da natureza em invenções de sua cultura, aprendeu com o tempo a transformar partes das trocas feitas no interior desta cultura em situações sociais de aprender-ensinar-aprender: em educação” (BRANDÃO, 2003, p. 14). 70

O aprendizado e a formação do indivíduo em sociedade são compreendidos como educação, na qual coexistem espaços e atores reconhecidos por seus saberes na aldeia. Waranaku, da etnia Aweti (14.3, 20214), desenvolveu sua pesquisa no centro da aldeia, muito possivelmente no pátio central, onde “todos se reúnem para fazer atividades, cestos, arcos e flechas”. O professor contextualiza que a sua presença no local propiciou que a atividade fosse acompanhada por jovens, velhos e crianças, assim como o isentou de pagar pela obtenção das informações, devido a não exclusividade de um interlocutor. As considerações identificam três pontos: o espaço definido é propício para o estudo da cultura material, em parte museu, escola e oficina; a participação dialógica da comunidade na socialização do conhecimento; e as regras internas para o seu repasse. Enquanto lócus de conhecimento, o pátio central torna-se um espaço de educação patrimonial, que visa à conservação do patrimônio histórico e cultural a partir da sua inserção nos programas escolares. Essas ações, na sociedade ocidental, são realizadas nos lugares da memória, como museus, arquivos e bibliotecas (FERNANDES, 1992-1993). Como prática metodológica, a educação patrimonial se caracteriza pelo observar, manipular e sentir os objetos para então questionar. A forma como Waranaku cumpriu a pesquisa permite afirmar que, no pátio central, foi possível cumprir tais etapas, assim como os símbolos e significados da materialidade retratam as mudanças ocorridas ao longo do tempo (HORTA, GRUNBERG e MONTEIRO, 1999). A abordagem de Waranaku é semelhante à de Perankô quando se refere à coletividade, a qual tornou possível “[...] provocar situações de aprendizado sobre o processo cultural e seus produtos e manifestações, que despertem nos alunos o interesse em resolver questões significativas para sua própria vida, pessoal e coletiva” (ibid., p. 8). Acerca das regras de repasse do conhecimento, em especial sobre o pagamento para a aquisição de saberes, Mariel Bororo citou oralmente que, na sua etnia, os ensinamentos são passados em função do clã; diante disso, realizou a pesquisa com sua avó. Caso recorresse a outros anciões como interlocutores, deveria pagar pelo saber – antigamente, com enfeites; agora, com bens industrializados. Portanto, o conhecimento diz respeito às relações estabelecidas entre as pessoas, nas quais o grau de parentesco, os diversos vínculos, as distintas especialidades como artesão, curandeiro e caçador, por exemplo, são importantes no processo social (BRANDÃO, 2003). Mesmo que os pais sejam os principais responsáveis pela criação das crianças, o processo de aprendizado e ensinamento é realizado pelos parentes mais próximos e, de certa forma, por toda a comunidade (RAMOS, 1994). Waranaku e Mariel retratam duas práticas que evidenciam estratégias na coleta de informações, reguladas por regras que interferem na definição dos espaços para efetivar a pesquisa, seja doméstico ou público. Contribui para essa análise o caso da pesquisa realizada por Genivaldo Tapirapé (14.3, 20159) na casa dos homens ou takãra. 71

O professor explicou, na etapa presencial de julho, o significado da takarã, que representa os princípios da organização de parentesco. Outro princípio da organização social tapirapé são as conhecidas “sociedades de pássaros” ou wyra, que é masculina e divide-se em duas metades, a dos “pássaros brancos” e a dos “papagaios”, que se subdividem em outras três categorias de classes de idade: os jovens, homens maduros e homens mais velhos (TORAL, 2004). Cada uma dessas ramificações é detentora de distintos saberes. Estes exemplos confirmam a ideia de que as pesquisas sobre patrimônio histórico e cultural indígena são coletivas e variam de acordo com a organização social do grupo, em função do sexo, faixa etária, posição, interesses e conveniências (FUNARI e PELEGRINI, 2006). Os locais em que as pesquisas aconteceram, desde o ambiente familiar até os públicos, são lugares sociais envoltos de aspectos culturais e onde está presente a história do povo. É correto afirmar que a história das sociedades reúne aspectos bastante amplos, na verdade um todo social que, em termos de abordagens, problemas e objetos, parafraseando a trilogia de Jacques Le Goff e Pierre Nora, compreende o político, o simbólico, o ambiental e material. Esse cotidiano é determinante para as pessoas conduzirem suas vidas, formarem-se e serem formadas pela sociedade. Sobre isso, Agnes Heller (1989, p. 17) afirma que:

3.2. Narradores

A análise dos interlocutores escolhidos pelos professores aborda os porquês da definição; o conhecimento gerado como registro etnográfico da cultura material e o protagonismo indígena em sua relação com a identidade e a alteridade. Ulpiano de Meneses (1984) afirma que o caráter do artefato é objetivo enquanto material, forma e composição física, entretanto as subjetividades atribuem valores e significados discursivos que retratam interesses e desejos do indivíduo ou de uma coletividade.

Tabela 2. Interlocutores. Interlocutor

Citações

A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida

Ancião, Anciã

41

cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela,

Pai do professor (a)

9

colocam-se ‘em funcionamento’ todos os sentidos, todas as habilidades manipula-

Pessoas da comunidade (sem especificação)

6

tivas, seus sentimentos, paixões, ideias, ideologias.

Caciques e ex-caciques

3

Avó do professor (a)

3

Pajé

3

Cantores

2

Mãe do professor (a)

2

Alunos

2

Conhecedores de histórias

2

Sogro do professor (a)

1

Tia do professor (a)

1

Liderança

1

Família da esposa do professor

1

Família do professor

1

Historiadores

1

Avô do professor

1

Pais dos alunos do professor

1

Pessoas que sabem produzir objetos

1

A educação indígena, ou melhor, a aprendizagem é um processo que acontece no cotidiano e no corriqueiro, a partir dos olhos e dos ouvidos das crianças (COHN, 2004). Dessa forma, “a educação existe onde não há escola e por toda parte pode haver redes e estruturas sociais de transferência de saber de uma geração a outra” (BRANDÃO, 2003, p. 13). A questão é como o professor se articula com os elementos exógenos presentes na escola e como lida com as estruturas sociais para a transferência do saber tradicionalmente constituído. O que é ensinado na mata, o que se aprende na rede, o que é conhecido na casa dos homens, o que se ouve e vê ao redor do fogo, durante o plantio e coleta na roça, mata ou cerrado evidenciam formas de conhecimento. Esse é o dia a dia das comunidades indígenas. Nas casas, os professores dialogam com diferentes protagonistas (familiares ou não), constituindo lugares da memória em um ambiente arqueológico que é doméstico e lembra o passado, com as lenhas para cozinhar e iluminar, fogões, vasilhames, refeições, jirau, rede e esteira. Os lugares definidos para a pesquisa foram relevantes para a (re)produção do co72

nhecimento, e permitem compreender formas diferenciadas do seu repasse. O diálogo estabelecido nos diferentes espaços da aldeia sustenta, em parte, a diversidade de saberes arqueológicos explorados pelo professor/pesquisador. O envolvimento da comunidade na escola ou com os alunos indica que seus pais, mesmo sem ter frequentado esse espaço, se mantêm inteirados e abertos para participar ativamente em ações como essas.

Fonte: Dados da pesquisa.

73

A Tabela 2 identifica aqueles que também fizeram a voz das pesquisas, em grande parte as pessoas mais idosas da aldeia, familiares próximos dos professores, como pais, avós, avôs, tios e tias e família da esposa. O sentido da palavra ‘comunidade’ é amplo, contudo a ênfase da discussão é refletir sobre a cooperação obtida a partir da opção do professor em sua experiência junto aos artesãos, anciões, homens, mulheres, crianças, parentes, alunos e conselhos comunitários. As relações de parentesco permitem e mereceriam um estudo aprofundado e específico, pautado em teorias próprias, contudo esse não é o enfoque do trabalho. Entretanto, é importante esclarecer que o termo ‘liderança’ designa os índios envolvidos nas novas formas de representação política, como as associações indígenas, diferente de ‘cacique’, que detém o poder tradicional. O estudo em pauta examina a presença dos distintos especialistas nas informações sobre as técnicas de produção dos artefatos e aquilo relacionado à Arqueologia, seja na organização espacial, manejo ambiental, representação simbólica, ritual, política, de gênero e etária. Trata-se, como se verifica na tabela acima, de saberes dos pajés, caciques, historiadores, artesãos, crianças, homens e mulheres. Nas sociedades indígenas, certamente, os anciãos são o elo entre o passado e o presente, e uma referência de alteridade para o futuro, porque detêm conhecimentos e méritos para ensinar sobre a vida em sociedade. Isso remete a pensá-los como sustentáculos da memória e da informação, fundamentos que concebem a ideia de patrimônio histórico e cultural. A história da cultura material indígena é fonte para os mais jovens refletirem sobre o passado, o presente e o futuro em sua relação com a identidade e a cultura, assim como um instrumento a ser usado a favor de seus interesses. Nos últimos anos, as discussões em torno do multiculturalismo e da diferença ocupam lugar central na teoria educacional crítica e até mesmo na oficial. Para dizer o que cada indivíduo é, deve-se considerar a identidade que cada um possui, a qual necessariamente está relacionada ao que é diferente e àquilo que não se é. A identidade está condicionada à produção simbólica e discursiva; ela faz sentido quando atrelada a um conjunto de significados que não são fixos e estáveis, mas sim pertencentes também a outras identidades nacionais fundadas. Tanto a identidade é afirmada como a diferença é enunciada por pessoas ou grupos que buscam garantir os acessos aos bens sociais. A relação entre identidade e diferença está ancorada nas estruturas de poder que a define e no estabelecimento da alteridade (TADEU SILVA, 2000). Krekreansã Panará (14.3, 20300) realizou sua pesquisa na casa dos “historiadores”, com os cantores e velhos da aldeia. Uma das formas de registro feita pelo professor foi a gravação de “como surgiu quem ensinou a música (outros povos e os animais tamanduá e cutia”) [grifo meu]. Vale comentar que esse professor está sendo formado para ser cantor. Infelizmente, não se teve acesso ao conteúdo das músicas levantadas e gravadas, mas, como o tema abordado foi cultura material, supõe-se que versavam, direta ou 74

indiretamente, sobre ela, em um momento ou outro no complexo universo mítico. De qualquer forma, a música foi o instrumento para a narrativa da vida material. Os aspectos explicativos sobre a música na sociedade Panará envolvem a cosmologia de uma zoologia fantástica com cutias e tamanduás, a interação com diferentes povos com quem aprenderam canções, e o seu registro. O antropólogo Rafael Menezes Bastos (2004) confere à etnomusicologia um importante componente para conhecer a cultura e a história de um povo, possuindo papel de destaque nas sociedades indígenas das terras baixas da América do Sul. Este especialista discorre discutindo que as tendências dessa área da Antropologia relacionam música, mito e xamanismo. Os estudos sobre as flautas sagradas podem bem representar essa associação. Lux Vidal (2001, p. 31) atesta que a influência da música nas terras baixas é “[...] um ponto estratégico da cadeia intersemiótica ritual, entre o universo das artes verbais (poética, mito) e o mundo das expressões plástico-visuais (grafismo, iconografia, sistemas de adereços) e coreológicas (dança, teatro)”. É evidente a abrangência de discussões que a música suscita, incorporando a cosmovisão, linguagem e corporeidade sobre as quais certamente existe uma materialidade associada. A zoologia fantástica e a interação cultural respondem pelas formas de aquisição de conhecimento, desde a sua origem mítica até a sua apreensão no contato com outros povos, portanto demonstra uma trajetória histórica cultural plural. Bastos (2004) certifica que a flauta sagrada contribui significativamente para a compreensão do universo cosmológico de um povo. Cabe lembrar que um dos levantamentos do curso de janeiro foi sobre objetos de uso ritual. A constatação preliminar é que grande parte destes artefatos são instrumentos musicais usados em festas e rituais, associados à indumentária e utensílios como máscaras, vasilhames e esteiras, que podem configurar uma Arqueologia da Festa. Os artefatos detêm um estatuto simbólico que – enquanto “corpo”, desde a sua origem (coleta de matéria-prima), passando pela decoração até a transformação final e uso – incorpora motivos cosmológicos, vida cerimonial e organização social (VIDAL, 2001). A informação etnográfica sobre a cultura material a partir da vivência com sociedades vivas vem atraindo o interesse de arqueólogos. Essa convergência é conhecida como etnoarqueologia, uma subdisciplina da Arqueologia, que estabelece analogias entre o presente etnográfico e o passado arqueológico. Gustavo Politis (2002) propõe três tendências da etnoarqueologia na América do Sul. Uma delas, vivenciada em projetos realizados em várias regiões do Brasil, “busca entender os processos de continuidade e mudança em contextos sociais específicos mediante o uso complementar da informacão etnográfica” (POLITIS, 2002, p. 76). Ressalvas sejam feitas às longínquas temporalidades que a Arqueologia abarca, assim como para as mudanças sempre correntes e manifestadas em diversas formas de ações e reações, que implicam no risco de se estabelecer uma relação direta e generalizada entre 75

o presente etnográfico e o passado arqueológico. Também é bastante recorrente o uso político que os índios fazem e o modo como se apropriam da Arqueologia. Todavia, a informação etnográfica, esclarece não só as análises específicas sobre um grupo como para analogia e informação de grupos diversos. O arqueólogo e historiador Jorge Eremites de Oliveira (2001, p. 117-121), ao discutir a história indígena no Brasil, afirma que “a Antropologia e a História ainda não incorporaram devidamente os aportes da Arqueologia”, e que o “desafio atual da História está em assumir uma perspectiva interdisciplinar, holística e plural”. O autor propõe quatro eixos temáticos relevantes para a história indígena: 1) Questões ecológicas e socioculturais; 2) Processos de conquista e colonizações; 3) Situação indígena contemporânea; e 4) A imagem construída dos indígenas ao longo da história como matriz de estigmas e discriminações. O campo de interação enfocado por Krekreansã reflete essas orientações em termos do repasse do conhecimento sobre a música, que pressupõem trocas culturais de bens materiais e imateriais. Por um lado, as “cutias e tamanduás” e a música são apropriações que relacionam cultura e natureza; por outro, o registro condiz com uma necessidade presente, assim como esse professor/pesquisador indígena, produzindo conhecimento científico na Arqueologia brasileira, quebra estigmas e estereótipos. Também a trajetória histórica do povo Panará, marcada pela dramática depopulação e deslocamentos, retrata a investida das frentes de expansão nacional. Circunstâncias como essas são analisadas na Antropologia brasileira como processo de desterritorialização, entendido como as mudanças que ocorrem nas sociedades indígenas a partir do contato com o não índio, e que marcam profundamente as questões fundiárias, linguísticas, ambientais e culturais desses grupos étnicos. Na etapa presencial de janeiro, com o propósito de avaliar a disciplina Arqueologia, uma das perguntas respondidas pelos professores foi o assunto que gostariam de aprofundar. A maioria revelou interesse pela desterritorialização; outra boa parte indicou o intercâmbio do curso. Krekreansã relaciona identidade e aprendizado, o que eles conheceram “com os outros” e o que foi passado por eles “para os outros”. A disciplina e o processo de pesquisa se referem também a um momento histórico específico de afirmação étnica. Stuart Hall (2000, p. 109) ensina que “é precisamente porque as identidades são construídas dentro e não fora do discurso que nós precisamos compreendê-las como produzidas em locais históricos e institucionais específicos, no interior de formações e práticas discursivas específicas, por estratégias e iniciativas específicas”. O processo de pesquisa evidencia locais, instituições e “conselho gestor” (o interlocutor) para assuntos arqueológicos; por sua vez, as narrativas refletem constatações individuais e coletivas que constroem um passado. A história mostra que as pessoas sempre se relacionaram de distintas formas, e que a identidade se estrutura em face da alteridade, “nós” e os “outros”, de forma interativa. 76

Os professores encontraram bastante apoio na família. Por exemplo, foi representada, em grande número, pela figura do pai. Isso ocorreu entre os Nahukuá, Kuikuro, Ikpeng, Suyá, entre alguns Tapirapé e Xavante. Pela avó, entre os Suyá e alguns Tapirapé, Bororo e Xavante. O avô foi a opção do professor Irantxe e de um Chiquitano. Um dos professores Kaiabi a fez com a família da sua esposa e outro desta etnia com a mãe, o pai e a avó. A herança do patrimônio histórico e cultural é legada de diversas formas. Nas instituições como museus e bibliotecas, depara-se com artefatos, livros, vestimentas e partituras musicais, entre outros tantos bens. Nestes locais, é apresentada a memória, a cultura e a história das sociedades, ou seja, aquilo que elas são; portanto, a sua identidade. A família, os parentes, os pajés, caciques e os diferentes especialistas que protagonizaram a pesquisa, certamente, compreendem a memória como “[...] mecanismo de retenção e informação, conhecimento, experiência, quer em nível individual, quer social e, por isso mesmo, é eixo de atribuições, que articula, categoriza os aspectos multiformes de realidade, dando-lhes lógica e inteligibilidade” (MENESES, 1984, p. 34). Averiguar as trajetórias de pesquisa, os processos de produção e transmissão do conhecimento, a percepção e a reação da comunidade na ação escolar e acadêmica reporta a dimensão plural e facetada da sociedade. Seria necessário fazer perguntas complementares aos próprios professores para poder afirmar questões sobre a definição dos interlocutores, por exemplo, se os professores são casados ou não; e se, após o casamento, as regras que regem a sociedade são patrilocais ou matrilocais, pois isso interfere no processo de socialização do legado cultural. Entre os Kaiabi, uma das pesquisas foi realizada com a família da esposa do professor. Entre esse povo, é tradicional o serviço-da-noiva, regra em que o noivo mora, presta serviços e colabora nos trabalhos da casa do sogro, com a finalidade de reforçar esses laços, assim como com os cunhados, exercendo a residência pós-marital uxorilocal. Atualmente, esse estatuto não está muito fortalecido, porém é considerado bastante importante (TORAL, 2004). A pergunta a ser feita para esse professor Kaiabi é: a matrilocalidade foi determinante para a realização da pesquisa junto à família de sua esposa? Mariel, da etnia Bororo, situou que os ensinamentos são passados em função do clã, ponto decisivo para sua escolha, e fator que rege a descendência. A relação da criança será com o clã de sua mãe. Mesmo depois de casado e morando na casa da esposa, o homem continua compondo a sua antiga linhagem. Isso faz com que as relações sejam mais fortes com o grupo genitor e não com a família à qual passa a pertencer. Essa pertença, de certa forma, é apenas física, pois o indivíduo caça, pesca e trabalha para o sogro, entretanto a sua projeção social e a transmissão de seu nome se efetivam em relação aos filhos de suas irmãs (SERPA, 2001). 77

As constatações sobre os procedimentos adotados contribuem para a Etnoarqueologia sob três aspectos: parentesco, repasse do conhecimento e relações sociais. Trata-se de casos em que o índio é professor e investiga a Arqueologia em sua aldeia. Para o arqueólogo Ian Hodder (1988, p. 128), essa subárea é o “estudo da Arqueologia em contextos etnográficos com o objetivo de lançar o presente etnográfico, com o que se alinharia com a etnohistória, tanto pelo o que se refere a sua definição como com a sua prática”. Por um lado, a inserção do professor na sua comunidade demonstra um aspecto político de caráter reivindicatório para a etno-história: a educação escolar indígena. Por outro, o professor é portador de uma longa experiência na aldeia, o que identifica um dos requisitos para melhor compreensão da cultura material etnográfica, que “[...] supõe uma participação prolongada nas culturas estudadas” (ibid., p. 128). Entre os Xavante, o processo ocorreu em muitos casos no warã. Por sua vez, nenhuma das quatro mulheres dessa etnia ali desenvolveu sua pesquisa. Seu significado explica o método das estudantes universitárias Xavante. O warã é o fórum público das reuniões masculinas realizadas na praça. Essa assembleia remete à “fala dos velhos”, gênero que modela a oratória política e as convenções que organizam seu exercício. É uma representação pragmática do discurso como produção intersubjetiva que contrabalançaria as forças centrífugas do faccionalismo Xavante (GRAHAM, 1995). Todavia, se as mulheres Xavante são cerceadas de participarem do warã e partilharem dos conhecimentos ali existentes, elas possuem outros saberes decorrentes da sua condição de gênero. Tânia Andrade Lima (2003, p. 130), ao qualificar o caráter de gênero, afirma que é uma categoria que se articula com outras no conjunto das relações sociais, como status e etnicidade. A arqueóloga considera que esses estudos não devem ser restritos às atividades desempenhadas pelas mulheres, naquilo que elas fazem e não fazem, mas deve-se buscar compreender os “papéis, relações, estratégias e ideologias analisando sua estrutura e sua interação com outros aspectos”. Hodder (1988, p. 189) atesta que a invisibilidade da mulher na Arqueologia ocorre em detrimento da ênfase às atividades masculinas. Sob esse enfoque, ressalta que, na relação entre arqueologia e gênero, a palavra feminista significa “uma perspectiva crítica desde a ótica das mulheres na sociedade contemporânea”. Para ele, as interpretações sobre o passado são feitas a partir dos olhos do presente, naquilo que as preocupações, anseios, reflexões e experiências atuais interferem, e subjetivam visões e concepções. A informação etnográfica procedente de mulheres indígenas contribui para revelar a sua participação ativa na sociedade, na qual também organiza o mundo social e simbólico. As narrativas indígenas agregam elementos teóricos e metodológicos sobre gênero e participação, Etnoarqueologia e protagonismo indígena, cosmovisão e música, revelando passados fragmentados utilizados no presente.

78

3.3. Escolas

Até o momento, refletiu-se acerca de metodologias aplicadas no ensino de Arqueologia, que fundem as concepções de Etnoarqueologia e Arqueologia Pública. O exercício de interlocução permitiu a troca de conhecimentos entre a comunidade e professores, cujo diálogo estabelecido é o “[...] encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu” (FREIRE, 2002, p. 78). Para Paulo Freire (2002), dentro do pensamento dialógico não existe espaço para autossuficiência; pressupõe-se uma relação de interdependência entre as pessoas na sociedade. A formação do indivíduo em sociedade também está na escola. A relação entre essa instituição e a universidade é compreendida como extensão do ensino de Arqueologia, sobre a qual conceitos como ‘pesquisa-ação’ e ‘tema gerador’ são fundamentais. A interação entre as pessoas e os grupos funda regras, sistemas, estruturas e instituições operadas a partir de valores e visões diferentes sobre o complexo social. Pierre Bourdieu (1998, p. 46) explica que o papel atribuído à cultura escolar pelos pais ou crianças é reflexo das diferentes classes sociais. O sociólogo enfatiza que o êxito na escola encontra no capital cultural e no ethos familiar um forte legado que influencia, contudo isso não é mais importante que as atitudes da família em torno da escola, ou seja, a sua participação nesse meio. Para analisar a relação entre Arqueologia, escola e comunidade, duas perguntas são cabíveis inicialmente: como abordar a escola no cotidiano das famílias indígenas, atualmente? De que maneira é concebida e gerida a escola numa sociedade onde inexiste o capital cultural e o ethos dessa esfera? O professor indígena adquiriu experiências ao longo da sua vida decorrentes do aprendizado. A partir disso, constrói, como qualquer outro índio, a sua identidade. Com essa bagagem, acrescida daquelas das carteiras escolares e do magistério, ele se formou professor, com a responsabilidade de pensar sobre sua profissão, escola, alunos e matriz curricular. A “contextualidade existencial” do professor é fundamental para as discussões que respaldem propostas curriculares ligadas à política da cultura (APPLE, 1994, p. 42). Constata-se que foram realizadas ações em um expressivo número de escolas. Dos sessenta e cinco professores indígenas consultados, trinta e nove responderam que fizeram, doze que não e catorze não responderam.

79

Tabela 3. Metodologia de Pesquisa. Atividade realizada

Citações

Aula expositiva

6

Alunos pesquisaram em suas casas

4

Alunos acompanharam o professor em sua pesquisa

3

Produção de textos e desenhos

3

Ancião na escola

1

Alunos relataram aos pais

1

Aula de campo

1

Confecção de artefatos

1

Gravação

1

Artefato levado na escola

1

Confecção de cerâmica

1

Fonte: Dados da pesquisa.

As práticas dos professores mostraram-se bastante dinâmicas e variadas, com aulas expositivas, participação da comunidade, aula participativa de campo, alunos pesquisando e produzindo conhecimento em desenhos e textos. A abordagem da disciplina Arqueologia enfatizou seu caráter interdisciplinar, plural e polissêmico, fixando os olhos dos professores no meio social e cultural em que estão inseridos. Tais contextos são identificados nos rituais, na relação com a flora e fauna, na produção das roças, no conhecimento e manejo das plantas medicinais, na problemática dos processos de desterritorialização e na ação social do pensamento de homens, mulheres e crianças sobre tudo isso. As narrativas dos professores sobre a Arqueologia na escola indicam que essa parceria informa sobre a organização social, ambiente, política e linguística. Algumas das reflexões sobre a educação escolar indígena remetem às formas como o conhecimento é socializado nas comunidades e sobre aquilo que deve ou não ser introduzido na escola. A definição dos conteúdos a serem inclusos nos currículos é pensada a partir de universos plurais e diferentes historicidades que constroem as identidades, que são manifestadas também pela escola indígena, seja por sua aceitação, problematização ou negação. Josimar Tapirapé (14.3, 20159) narrou que a sua abordagem inicial em sala foi explicar o que era a Arqueologia para os alunos. A partir do entendimento, esse professor os orientou para que realizassem partes da pesquisa com suas famílias. A experiência dos alunos com seus pais fez despertar o interesse e a curiosidade de saber como eram feitos os objetos de “antigamente”. O passo seguinte foi a presença do pai do professor na sala de aula para confeccionar um cesto, um copo de folha de banana-braba e um pincel para comer mel. 80

A partir dessa condução, as seguintes questões são pontuadas: 1) Diálogo entre o professor e os alunos; 2) Alunos como agentes de pesquisa; 3) Socialização da atividade desenvolvida pelo professor; 4) Interesse obtido; 5) Conhecimento e reconhecimento da pesquisa; 6) Participação de um provável pai de aluno na aula; e 7) Confecção de artefatos. Em sala de aula, o método possibilitou aos alunos conhecerem a pesquisa que seu professor realizava como estudante universitário. A partir daí, ele discutiu seus estudos, o que pensa e qual é a importância da Arqueologia. Esse processo é a “tradução” da sua reflexão diante da finalidade dessa disciplina. Sobre o diálogo acerca do que é Arqueologia em sala, Josimar (14.3, 20159) explica que “primeiro, os alunos não entenderam os nomes de objetos, para que servia e se existe esses artefatos”. No entanto, a situação muda ao discutir as “perdas culturais”. “Depois que eu expliquei para os alunos como nós estamos deixando de praticar o nosso artefato e porquês, [...] quando os alunos perceberam e entenderam, eles acharam muito importante estudar esse trabalho que fizemos” [grifos meus]. A partir de então, o aluno concentra-se em sua casa para fazer a pesquisa com o pai e a mãe. O momento requer que ele justifique a origem da investigação, o que pretende e o objetivo, ou seja, o professor fez uma proposta passiva de questionamento. Proposta aceita, na sua própria casa, o passado surpreende o aluno; além disso, marca o encontro com a grande diversidade interna do grupo, na qual a cosmologia, gênero, faixa etária e distintas especialidades, como pajés, caçadores, pescadores, horticultores, construtores de casas e outros, são notáveis. A caminho da escola, os alunos refletem sobre a sua experiência, como sentido, percepção e ação acerca daquilo que chamou sua atenção: conhecer como eram feitos os objetos de antigamente enquanto reconhecimento, cuja acepção é se enxergar nessa realidade. Isso é envolver-se afetivamente com a memória na concepção de uma identidade que “está mais próxima dos processos de reconhecimento do que de conhecimento. Ela se alimenta do ritmo que é a repetição, privilegia o reforço em detrimento da mudança” (MENESES, 1984, p. 36). Na escola, o professor observa o relato de seus alunos que saíram para uma investigação arqueológica e voltaram questionando sobre a confecção de antigos objetos. Respondendo a essas expectativas, ocorreu a participação do pai do professor Josimar na aula. Dessa trajetória, a constatação é que o alcance da educação escolar foi ampliado, chegando à casa dos alunos e à produção de artefatos em sala. Tais procedimentos fecham o círculo dessa atividade escolar na aldeia, a qual passou por três “traduções”: professor indígena-aluno (escola); aluno-pai e mãe (casa); pai de aluno-professor-aluno (no retorno à escola). Um dos objetivos da pesquisa-ação é a educação problematizadora. Nela, a escola tem por objetivo se relacionar com a comunidade para fazer sentido na vida das pessoas “a presença crítica de representantes do povo desde seu começo até sua fase final, a da 81

análise da temática encontrada, que se prolonga na organização do conteúdo da ação educativa, como ação cultural libertadora” (FREIRE, 2002, p. 112). Por um lado, o diálogo consistente entre escola e sociedade mostra o uso social dessa instituição; os alunos como difusores e executores da pesquisa estimularam a comunidade a participar, avaliar e propor os rumos da escola, tornando o ensino transparente, aberto e democrático. Nas palavras de Josimar (14.3, 20159), “o próprio aluno passou para seu pai e sua mãe o que ele estudou comigo”. Assim, a “comunidade ficou sabendo do trabalho que a gente estava fazendo dentro da sala de aula com os alunos”. Por outro, a atividade constituiu uma “oficina” sobre patrimônio material, cujo ambiente arqueológico, associado à atividade proposta, contribuiu significativamente para a pedagogia (ZORTEA, 1995-1996) e também para a discussão sobre a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade na Arqueologia, onde estão presentes informações e diálogos com a Zoologia, Botânica, Física, Química, Pedologia, Geografia, História, Antropologia, Artes e Linguagem, entre tantas outras áreas. Isso para compreender as relações entre pessoas e grupos sociais a partir da cultura material e resíduos físicos do homem (RATHZ, 1989; DEVEREUX, 2002). O cesto produzido pelo pai de Josimar é elucidativo para essa reflexão, pois o artefato informa sobre a sua tipologia quanto à forma, composição material, uso, manejo ambiental e técnicas utilizadas para sua produção, e também sobre os significados de gênero, faixa etária e cosmovisão (O’NEALE, 1987). Pensar tais referenciais em termos de disciplinas remete às áreas acima citadas. Vale lembrar que muitos trabalhos de conclusão de curso da turma 2001-2006 abordaram, de forma direta ou indireta, a cultura material, ecofatos e biofatos. Em Ciências Matemáticas e da Natureza, houve pesquisas sobre construção arquitetônica, confecção de canoa e pilão. Em torno da Biologia, monografias sobre a pintura corporal, o uso da casca do jatobá na construção de canoas, plantas medicinais e palmeiras utilizadas na confecção da arte. Por sua vez, em Línguas, Artes e Literatura foi investigado grafismo, cestaria, tecelagem e também pinturas corporais. Maria Siria (14.3, 20175), da etnia Chiquitano, realizou sua aula depois de ter entrevistado três anciãos: “com essas pesquisas, levei para sala de aula, pois dou aula de Arte e Cultura, Língua chiquitano” [grifos meus]. Complementa citando um fator de relevância metodológica e participativa, “pois trabalho com os anciãos da aldeia, onde eles vão à sala contar como era nosso passado” [grifos meus]. E situa uma ação efetivada gerada pela curiosidade: “a comunidade, com essa descoberta de como fazer cerâmica, estão tentando fazer, formaram um grupo de dez que estão fazendo” [grifos meus]. Roberto Luciano (14.3, 20227), também Chiquitano, narrou que a sua experiência com os alunos aconteceu durante uma “[...] aula de campo para poder estar colocando em prática os conteúdos vistos em determinadas áreas e conhecer as metas de como é muito importante para nossa sociedade, e estar levando para os alunos aprenderem também” [grifos meus]. 82

Comparando esses dois professores, Maria Siria partiu da pesquisa pessoal para, então, com mais propriedade e contando com a presença dos anciãos em sala de aula, realizar sua atividade na escola e em uma oficina, com fins de revitalização na disciplina de língua materna. Por sua vez, Roberto partiu para uma aula participativa, na qual aplicou o que observou durante o curso, estabelecendo suas próprias analogias espaciais, culturais e interdisciplinares em um ambiente arqueológico. A cultura material é envolta de significados em um sistema de códigos; na Arqueologia pós-processual, esses valores constituem a língua da materialidade (FUNARI, 2007b). A Arqueologia contextual enfatiza que, por contexto, compreende-se tramar, entrelaçar e conectar, portanto, planejar, relacionar e compreender; assim entendida “la idea de que la cultura es un texto e lectura existe en arqueología desde hace tiempo. Los arqueólogos suelen tratar los dados como un registro o como un lenguaje” (HODDER, 1988, p. 149). A cultura material é objetiva. A diferença daquilo que representa está nas formas como é interpretada; esse é um bom início para seu estudo e socialização sobre o conhecimento arqueológico, já que se torna acessível não só aos arqueólogos, mas, no caso, aos professores que agem localmente sobre seu patrimônio. Maria Siria, assim como os demais Chiquitano presentes nas etapas presenciais, demonstrou preocupações sobre o processo de luta pela terra, fator de afirmação étnica na atualidade. Nesse processo, fica evidente a expectativa dessa professora de língua indígena (14.3, 20175), “levantando o interesse dos jovens da minha comunidade para observar as coisas perdidas e querer revitalizar” [grifos meus]. E, de forma mais contundente, Roberto Luciano (14.3, 20227) afirma: “esse curso está sendo bom para minha comunidade. Principalmente que o processo da nossa área está em transitação de demarcação” [grifos meus]. Em síntese, os discursos versam sobre terra, língua, cultura e liberdade. A linguista e antropóloga Bruna Franchetto (2006) aponta duas tendências antagônicas nos estudos da língua nas escolas indígenas. A primeira se refere às propostas atualizadas do modelo de educação bilíngue adotado pelos missionários, que incorpora participação, autoria e coautoria dos índios enquanto sujeitos. E também orienta para que o estudo da língua na escola não se restrinja ao Português, sob o risco de “encolhimento e marginalização ou desaparecimento das línguas indígenas relegadas ao espaço doméstico ou comunitário interno” (ibid., p. 194). A segunda tendência apregoa a separação entre escola e comunidade, essa fechada em função “[...] da sua defesa linguística e cultural” (ibid., p. 194) e aquela como um espaço voltado para o mundo externo. O povo Chiquitano está atualmente em processo de (re)territorialização, com processos de identificação fundiária ao longo da faixa de fronteira do Estado de Mato Grosso com a Bolívia, entre as cidades de Cáceres e Pontes e Lacerda, do lado brasileiro. Fernandes Silva (2005) propõe que discutir a situação atual dos Chiquitano é 83

considerar os limites da interculturalidade em uma sociedade que, no contato com outra majoritária, perde parte importante de seu território, adota uma nova língua sob o risco de perder a sua própria, mas não perde a sua especificidade. Maria Siria, após a pesquisa e a fala dos anciãos, pode ter voltado os olhos para o seu território, cultura e história antes de entrar na sala, e pensado: “o que é importante para a ‘minha’ comunidade?”. Portanto, a cultura material é uma forma de linguagem constituída por um conjunto de símbolos e significados, que conferem à Arqueologia a sua importância social, que é pública e não é neutra. Isso se verifica, por exemplo, quando Benedito, da etnia Chiquitano, constituiu um grupo de dez alunos para trabalhar na revitalização da cerâmica, segundo informação oral de Maria Siria. As ações desenvolvidas nas escolas das aldeias são compreendidas como educação patrimonial, pois permitiram a análise de qualquer tipo de material e manifestação cultural por meio de [...] um sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, um parque ou uma área de proteção ambiental, [...], uma manifestação popular de caráter folclórico ou ritual, [...] um processo de produção industrial ou artesanal, tecnologias e saberes populares, e qualquer outra expressão resultante da relação entre os indivíduos e seu meio ambiente (HORTA, GRUNBERG e MONTEIRO, 1999, p. 6).

Ao relacionar essa citação às pesquisas dos professores, na escola e junto à comunidade, verificam-se espaços diversificados de saberes e distintos protagonistas que refletem conhecimentos importantes na Arqueologia. Os debates indicam, também, o nível de acolhimento e recepção das ações propostas para a etapa intermediária e aquelas executadas durante a etapa presencial, questões essas discutidas a seguir.

84

CAPÍTULO 4 ARQUEOLOGIA DA ALDEIA: política, participação e sociedade O caminho trilhado expressa concepções teóricas e metodológicas em uma pesquisa-ação. A partir destas considerações, serão analisadas as percepções sobre a importância dessa pesquisa na comunidade e entre os professores. Parafraseando Jacques Derrida (1999), pode-se afirmar que, em torno das atividades, existe o olho da universidade, que incide também na escola e na educação escolar indígena. Trata-se de um olhar que pode gerar desconfiança ou credibilidade, conforme a necessidade, contexto e pertinência atual. Derrida (op. cit.) ensina que a universidade não é isenta, pelo contrário, vincula-se às condições e embates da vida acadêmica como parte das opções políticas de pesquisa e ensino. A educação escolar indígena é relativamente recente e muito existe a se conhecer e fazer. Para tanto, é fundamental e imprescindível ouvir os próprios índios sobre a sua condução. Segundo Derrida (1999, p. 127), o primeiro esboço do homem racional é “abrir o olho para saber, fechar o olho ou pelo menos escutar para saber aprender e aprender a saber”. Diante disso, o filósofo coloca duas questões: em que medida a universidade como instituição de ciência e ensino deve ir além da memória e do olhar? Em que termos deve-se limitar o olhar para ouvir e aprender mais? Essas indagações valem para os que compõem o quadro docente em um curso diferenciado e para os próprios professores indígenas em formação, ao considerar o diálogo que intermediam entre a universidade e a comunidade. As questões em pauta são: como a Arqueologia (denominação exógena à cultura indígena) media a interação cultural e política entre distintas sociedades? De que maneira os professores avaliam os procedimentos adotados para a realização de suas pesquisas, assim como os resultados alcançados? As considerações apontam para a serventia da Arqueologia na sociedade moderna, quem com ela se beneficia, sua importância e a relação com a vida das pessoas, no passado e no presente. 85

4.1. Memória, História e Conhecimento

Método para lembrar o passado

1

Conhecer os serviços que eram feitos antigamente

1

Não índio sai com vantagem

1

Necessidade de autorização do cacique e da Funai

1

Risco de a pesquisa ser feita por interesse individual do professor

1

Risco de a pesquisa ser feita para outros

1

Oportunidade de conhecer

1

Para continuar a viver nas regras

1

Para jovens conhecerem e aprenderem sobre o passado

1

Necessidade desse tipo de trabalho

1

Novidade que é a palavra ‘Arqueologia’

1

Tinha pessoas que não sabiam a história da cultura material

1

Porque quase ninguém se interessa

1

Citações

Praticar o que foi deixado

1

Pesquisa escrita e registro

9

Preservar o que existe

1

Repassar para as crianças/alunos

8

Para que o professor produza os conhecimentos dos mais velhos

1

Porque é professor

4

Registro e divulgação

1

Resgate do que se perdeu

3

Repassar para a comunidade

1

Arqueologia como novidade importante

2

Repasse de conhecimento para o professor

1

2

Apenas com a pesquisa o homem vai conhecendo, descobrindo o passado e o presente

1

Contato com idosos

2

Pesquisar sobre aquilo que somente os velhos possuem

1

Identificação e demarcação de terra

2

Valorização de trabalhos e artefatos

1

Pesquisa feita pelo próprio professor

2

Registrar para não desaparecer

2

Futuro dos nossos filhos

2

Alunos registram as coisas que não eram registradas

1

Alunos assumam a responsabilidade pelas pesquisas futuras

1

Transformações que ocorreram

1

Busca de conhecimentos e sabedorias

1

Conhecer artes que foram deixadas

1

Descobrir a identidade e a cultura material dos povos

1

Despertar a memória dos mais velhos

1

Fazer objetos do passado

1

Fortalecimento cultural

1

Gravação da música

1

Identificar povos que foram extintos durante a colonização

1

Inexistência desse tipo de conhecimento

1

Aprofundar a pesquisa

1

Melhor opção para a busca de conhecimentos sobre os acontecimentos

1

Melhorar o trabalho do professor na escola

1

As discussões aqui empreendidas são sobre a opinião da comunidade acerca da pesquisa, a partir do ponto de vista dos professores, e sob o seguinte questionamento: o que a comunidade achou da pesquisa? A análise verifica e enfoca o caráter político, que remete à responsabilidade do educador e pesquisador na aldeia. A expectativa sobre a sua atuação decorre, em grande parte, daquilo que é de interesse para o grupo, rememorando passados refletidos no presente que planejam o futuro, conforme mostra a tabela abaixo.

Tabela 4. Comunidade e percepção. Importância da pesquisa

Conhecer e aprender a própria cultura e tradição

86

Fonte: Dados da pesquisa.

Os discursos – cultura, identidade e política – evidenciam-se nas seguintes relações: 1) Diálogo com os mais velhos; 2) Professores como agentes ativos do saber; 3) Perpetuação e socialização do conhecimento; 4) Registro; 5) Direito à informação; 6) Conhecimento do passado; 7) Pesquisa em Arqueologia como novo conhecimento; 8) Identificação dos povos do passado; 9) Reivindicação territorial. A importância do ensino e pesquisa na Arqueologia é vislumbrada no interior da cultura indígena e, mais que isso, quando constatada, analisada e protagonizada por si mesma. Nessas sociedades, determinados saberes encerram-se na figura dos mais velhos, isso por “não serem pedras que duram para sempre, e o conhecimento morrerá com eles”, nas realistas e fortes palavras de Jesus (14.3, 20134), da etnia Xavante. O poder da oralidade indígena é indiscutível como potencial interpretativo e informativo. Na atualidade, a escrita representa também um importante instrumento de afirmação étnica. Philippe Joutard (2002) ressalta que a História Oral antropológica, nos últimos trinta anos, passou a estudar os movimentos migratórios, de gênero e a construção de identidades. A análise parte do discurso dos atores que tiveram suas versões marginalizadas, por serem diferentes daquelas oficiais. A História Oral, associada à Antropologia, 87

tem o caráter político de dar voz aos excluídos, discutir a vida cotidiana e teorizar sobre as informações e questionamentos que cercam o testemunho oral, em que pesem as distorções e os esquecimentos. Entretanto, o autor considera que estes fatores constituem “uma força e uma matéria histórica”, pois a memória manifesta a identidade individual e coletiva que dá forma aos “etnotextos”, os quais auxiliam a compreensão do passado a partir de preocupações do presente (JOUTARD, 2002, p. 54-55). O que esperar quando pessoas de uma comunidade tradicional avaliam uma pesquisa não tradicional que investiga a história e a cultura? Pode-se esperar uma aliança entre universidade, comunidade e escola? De que maneira a comunidade protagoniza a gestão do seu patrimônio histórico e cultural? As concepções de saberes acerca do repasse e difusão do conhecimento sobre a cultura material das sociedades ocidentais são produzidas formalmente em contextos institucionais, dentre eles a escola. A aldeia é admitida como um sítio-museu ou sítio-escola em que ocorrem trocas de experiências sobre distintos domínios culturais, técnicos e sociais que, no momento, simbolizam também uma ação acadêmica. Os procedimentos adotados e o retorno obtido com a pesquisa apontaram que as atividades constituíram-se em um ambiente arqueológico e na forte interação com o grupo a que os professores pertencem. As afirmações sobre a sua relação com a comunidade conduzem à seguinte indagação: de que maneira a pesquisa na aldeia assume uma posição crítica e política na história da Arqueologia? Makato Tapirapé (14.3, 20146) destaca que a importância da pesquisa ocorreu por que teve “grande oportunidade de aprender junto com os idosos sobre cultura material e Arqueologia”. Isso situa a busca de conhecimento numa fonte viva que corresponde aos propósitos da professora junto à comunidade, assim como sua pertinência no local: “nenhuma pessoa da comunidade foi contra a minha pesquisa”. A sua narrativa explicita a aquisição de conhecimentos plurais devido ao método de pesquisa, optando por vários interlocutores e, portanto, matrizes de saberes. Os anciãos, de maneira diversa, interdisciplinar e transdisciplinar, explicaram questões variadas sobre a cultura material, a relação com o ambiente (flora, fauna e minerais), as técnicas e o intelecto humano que atribui símbolos e significados ao mundo material. Os diálogos na aldeia narram à Arqueologia aquilo que representam como discurso indígena, resultado da ação de homens, mulheres e crianças. Os conhecimentos gerados demonstram formas de apropriação da natureza e técnicas para sua transformação em artefato tecnológico, simbólico, histórico e afetivo, portanto um bem patrimonial. Os objetos, na categoria dos utensílios domésticos representados nas Figuras 3, 4 e 5, direcionam para a discussão sobre os conhecimentos acerca do seu uso e significado. A Figura 3 representa dois artefatos: um confeccionado a partir da cabaça redonda (Legenaria vulgaris), o cuité, e outro da palmeira buriti ou myryxi, respectivamente uma cuia e um cesto, ou yro. Os elementos evidentes no desenho identificam a denominação dos artefatos, o local onde melhor se adapta o 88

buriti (na abundância de água em veredas), as matérias-primas, a decoração do cuité, o trançado do cesto e denominações bilíngues. Os desenhos nas Figuras 4 e 5 oferecem outras informações. O ‘cuité’ é a denominação em português da árvore e fruto com que se faz o objeto, assim como kajana é a escrita em tapirapé da árvore e fruto que servem para a confecção do kojoo (Figura 4) e do kawi’oawa (Figura 5). Para Makato (14.3, 21842) e Xaopoko’i (14.3, 21843), o artefato é também chamado kajana. Conclui-se que ‘cuité’ e kajana denominam a árvore, o fruto e/ou o artefato. Acerca da produção do cuité, a sua confecção e uso é indistintamente masculino e feminino, entretanto Xaopoko’i (14.3, 21843) afirma que “cada mulher tinha sua cuia” [grifo meu], o que indica gênero e propriedade do objeto (VELTHEM, 1987). Segundo Makato, o cuité é utilizado para guardar alimento ou carregar água, e Xaopoko’i afirma que a “cuia serve para beber kawĩ e ao mesmo tempo servia para colocar os peixes assado ou cozido” [grifos meus]. Certamente, o hábito de servir peixe é cotidiano, mas associado ao consumo de kawĩ (bebida fermentada feita com milho ou mandioca que, em português, chama-se cauim), pode relacionar-se a momentos específicos e diferenciados, como rituais e festas (NOELLI e BROCHADO, 1998). Makato (14.3, 21842) atesta que “a importância desse uso de artefato utilizamos mais na festa tradicional do povo Tapirapé, principalmente Karaxa e Iraxao”. A decoração grafada do cuité e aqueles sem motivos decorativos abordam outro aspecto da cultura material. O estudo sobre a decoração de artefatos como cerâmicas, cabaças e cuias atesta que, na maior parte das vezes, mesmo para o uso doméstico e de trabalho, são também objetos ornamentais (VELTHEM, 1987). O buril é um implemento de uso doméstico, isto é, um objeto usado para fazer outro artefato. O paraxi é feito com dentes de cutia (Dasyprocta azarae), ou okoxi ryja, e da paca (Agouti paca), ou karowaroo ryja, fixados a um cabo (Figura 6). No desenho, destina-se à confecção de flechas, porém é usado também para produzir outros objetos de origem vegetal, inclusive com finalidade não doméstica. Genivaldo Tapirapé (14.3, 21839) afirma que “o dente da cutia servia para fazer tatuagem na mulher”, ideia corroborada por Makato (14.3, 21842) e, para “desenhar no cuité”, com cujo dente era feita “uma faquinha” [grifos meus]. As informações associam-se a momentos cerimoniais, pois a tatuagem entre sociedades indígenas está ligada aos rituais de passagem, e a decoração do cuité confere aos traços valores cosmológicos e míticos. Quanto ao cesto ou yro, da Figura 3, ele difere em matéria-prima, uso e denominação de outros dois: yropira e peyra (Figuras 7 e 8). Com a folha da banana-brava (H. bihai) ou ka’a, é feito o yroapira, em que se carregam frutas e peixes, como sugere a palavra pira, peixe em tupi; já o peyra é confeccionado com a folha da bacaba (Oenocarpus bacaba), ou pinawa. Esses dois são confeccionados pelo homem, mas utilizados por ambos os sexos. Por sua vez, Júlio César coloca que o peyra é usado apenas pelos homens no transporte dos produtos da roça e da caça. 89

A confecção do yro era (tempo verbal usado por alguns dos professores) masculina, porém seu uso era feminino e pessoal, por sua vez para Júlio César, era masculino. Acerca da sua propriedade, Xaopoko’i atesta que “cada mulher cuidava a sua yro”, assim como Makato diz que “cada um tinha o seu próprio cesto”, e complementa esclarecendo sobre o uso feminino para armazenar a farinha; segundo Júlio César (14.3, 21841), para a venda, o que insere o objeto no atual contexto de comercialização como artesanato. O yro possui similar em miniatura, denominado por Makato como “cestinha”. Esse é um dos itens que compõem o quadro de artefatos infantis discutidos na Arqueologia da Criança (Figura 35). Preliminarmente, confrontando os dois objetos, percebe-se a similaridade social com aquele de uso adulto. Nas palavras de Makato (14.3, 21842), “com a cestinha, a menina brincava, onde ela guardava a sua farinha. Por isso a cestinha é muito importante para a menina, porque, com a cestinha elas carregavam a sua farinha quando o pai e a mãe iam pescar” [grifos meus]. As informações sobre os utensílios domésticos mostraram as formas bilíngues e polissemicas em função da matéria-prima, artefato e uso, conforme se constata no cuité, kajana, kojoo e kawi’oawa. Além disso, mostra o paraxi utilizado na produção de armas, decoração e rituais. Por sua vez, o cesto, ou yro, demonstra a relação entre faixa etária, gênero e organização do trabalho. Outro objeto, cuja procedência de matéria-prima é a fauna, é um utensílio doméstico para o conforto pessoal, o banco, ou opykawa (Figura 9), feito do “casco do jabuti”, ou xawaxi, que “serve para sentar para janta ou almoço, e também para sair e sentar no centro” segundo Xaopoko’i (14.3, 21843) [grifos meus]. A narrativa mostra ocasiões distintas de uso: durante as refeições no interior das casas e nas conversas no pátio da aldeia. As flechas, ou o’ywa xĩ (Figura 10) procedem, também, em parte da fauna, mais especificamente a sua ponta, que é feita com ossos de animais. Xaopoko’i (14.3, 21843) cita diferentes tipos de pontas existentes em função da caça pretendida: animais de grande porte, peixes, aves e tartaruga, ou ainda aquelas para a guerra. A haste, ou akamaxywa, é outro componente da flecha, contudo enfatiza-se aqui o aspecto decorrente da desterritorialização. Essa matéria-prima foi perdida após a mudança forçada do território tradicional Tapirapé, cujos cemitérios ali existentes são visitados anualmente, ocasião em que é coletada a taquara necessária para confecção de flechas. Ainda na Figura 10 é observado o macaco cuxiú (Chiropotes satanas), ou koxio, cuja flecha servia para a proteção e defesa de “bicho bravo”, segundo Xaopoko’i. Makato (14.3, 21842) e Genivaldo (14.3, 21839), em suas tabelas, se referem também ao ka´i. A finalidade do osso do ka’i descrito por Makato é sua transformação em agulha de crochê (Figura 11). Para Genivaldo, as agulhas feitas desse osso (Figura 11) são empregadas na tecelagem do “adorno de algodão” ou “pulseira com perna”, ou tamakarã (Figura 12), usado por ambos os sexos “para a pessoa ficar forte e se enfeitar na festa”, portanto compõem os objetos de uso ritual. 90

Figura 11. Arqueologia e fauna: agulhas de crochê de tíbia de mutum e agulhas de osso com orifício. Fonte: BERTA RIBEIRO, 1987, p. 389.

As questões apresentadas refletem a dinâmica cultural no contato entre as sociedades, em termos de continuidades e descontinuidades, retratadas pela manutenção, manipulação, uso e desuso dos artefatos. Os casos vistos demonstram diferentes denominações para um mesmo utensílio, contudo com utilidades e matérias-primas distintas, como é o caso dos cestos, assim como do osso de macaco se faz parte de uma arma, mas também diferentes tipos de agulhas para uso diverso; e ritual, quando se trata do tamakarã. Ainda sobre a fauna destinada à produção das armas, estão as lanças, ou mina raxi, cuja ponta é feita do osso do queixada, ou “porcão” (Tayassu pecari), ou taxão, ou taxao (Figura 13), e do porco-do-mato ou caititu (Tayassu tajacu), ou xiwa’ã (Figura 14). Genivaldo cita também que a unha do porcão “servia para produzir o som do chocalho e servia nos rituais e acompanhamento de ritmo”, portanto um instrumento de percussão que comporia com a indumentária e os utensílios domésticos uma Arqueologia do Ritual. Além disso, outra situação se refere ao uso das duas lanças para a “defesa da pessoa”, que se tornaram objetos de venda. Em muitas situações, o desuso dos artefatos é motivado pela praticidade, aquisição, eficiência e redução de tempo do trabalho, como por exemplo, os machados de pedra trocados pelos de metal e o acesso às armas de fogo, embora um número expressivo de professores tenha citado o uso atual do arco e flecha e bordunas para caça e pesca. Entretanto, é importante assinalar que os objetos industrializados podem ser ressignificados, como a tesoura, ou pidzuré, usada no corte de cabelo entre os Xavante, citada como artefato de uso ritual cujo original é o wa´wa´wa, confeccionado com dente de piranha e destinado também para cortar pena e linha de algodão. Em outros casos, a força motriz para a não continuidade da produção de artefatos decorria dos desastrosos deslocamentos das populações indígenas. Com isso, houve alta mortalidade, perda de terras, reintegração de territórios deteriorados ambientalmente e reduzidos em suas dimensões, ou todas estas situações juntas, acrescidas de tantas outras lamentáveis, que marcam a história desses povos em sua quase totalidade. 91

As questões ambientais, a cultura material indígena e a manutenção de práticas culturais podem ser analisadas também a partir do risco de escassez das matérias-primas úteis para a confecção de artefatos (Quadros 9 e 10). Quadro 9. Arqueologia e escassez: o caso da flora entre os Tapirapé, por Makato Tapirapé. Espécie citada

Risco de escassez

Bacaba (Oenocarpus bacaba), ou pinawa

Risco sério, risco pequeno*

Buriti (Mauritia flexuosa ou Mauritia vinifera), ou myryxi

Risco sério

Cabaça redonda, ou cuité (Legenaria vulgaris), ou kajana

Extinto, risco sério*

Landi (Calophyllum brasiliense), ou wakare’ywa Pau-brasil (Caesalpinia echinata), ou o’iywaywa

Sim**

Taquari, ou akamaxywa

Risco sério*

Fonte: Dados da pesquisa. * Segundo Genivaldo. ** Segundo Daniel. Obs.: Os itens não assinalados com asterisco na coluna da direita correspondem a informações de Makato.

Quadro 10. Arqueologia e escassez: o caso da fauna entre os Tapirapé, por Makato Tapirapé. Espécie citada

Risco de escassez

Caititu (Tayassu tajacu), ou xiwa’â

Risco sério

Cutia (Dasyprocta azarae), ou akoxi

Risco sério

Cuxiú (Chiropotes satanas), ou koxio

Risco sério*

Jabuti (Gerochelone carbonaria), ou xawaia

Risco médio*

Macaco, ou ka’i

Risco sério

Paca (Agouti paca), ou karowaroo

Risco sério

Porcão (Tayassu tacaju), ou taxao, ou taxão

Risco sério

Fonte: Dados da pesquisa. * Segundo Xaopoko’i. Obs.: Os itens não assinalados com asterisco na coluna da direita correspondem a informações de Makato.

Para o arqueólogo colombiano Santiago Mora (2000), o valor da Arqueologia, no presente, está na construção de uma visão de história, no conflito social, na dinâmica ambiental e na participação dos processos de conscientização sobre as relações socioambientais – contexto que se identifica com as considerações de Makato (14.3, 21842) sobre desterritorialização. 92

Makato (14.3, 21842) narra que, durante o século XIX, o seu povo habitava a área tradicional Tapi’itawa, Serra do Urubu Branco, na qual possuíam matérias-primas como o barro ou xaj’oma, específico para a confecção da panela de barro, ou xa’e, e o cachimbo, ou petywãwã (Figuras de 15 a 20), a taquari, ou akamaxywa, para fazer flechas, e uma pedra para confeccionar o adorno labial conhecido como tembetá, ou temekwãra. A argila era coletada na aldeia Xexotãwa, onde atualmente está o município de Vila Rica. Ao longo do século XX, foram obrigados a se deslocar para o lugar chamado Orokotãwa, às margens do rio Araguaia, onde estas matérias-primas não eram encontradas. A professora explica que os Tapirapé realizavam duas viagens por ano para Tapi’itawa, a fim de visitar “a sepultura dos nossos avós” (14.3, 21842), cuja circunstância era aproveitada para a coleta da taquari usada na confecção da flecha. Xaopoko’i (14.3, 21843) narra que, ao ocupar a região do Araguaia, esse grupo Tapirapé conheceu e aprendeu, com os índios Karajá, a fazer canoa de landi (Calophyllum brasiliense), ou xakare’ywa (segundo Daniel), e de pau-brasil (Caesalpina echinata), ou o’iywaywa, usadas para pescar. Por sua vez, o remo era feito do pau-brasil e tarumã do cerrado (Vitex polygama), ou tarumã do mato (Vitex montevidensis). O impacto da desterritorialização recaiu também na variedade de peixes encontrados em cada uma das regiões. Na área ocupada mais recentemente, estavam presentes os maiores, como tucunaré (Cichla monoculus), surubim (Pseudoplatystoma fasciatum) e traíra (Hoplias smalabaricus). No território tradicional, eram menores, como mandi (Pimelodus sp), lambari (Astyanax sp) e outros “peixinhos”. A qualidade da terra foi um fator citado. A professora conta que, na região do Araguaia, a “terra era fraca” para a produção de alimentos da roça, muito diferente do que ocorria na área tradicional Urubu Branco. Tais elementos constituem reflexões acerca da cultura material, economia e afetividade sobre o território tradicional; “os nossos velhos sempre lembravam desse lugar”, e isso fez os Tapirapé decidirem pela retomada do território Tapi’itawa. Makato (14.3, 21842) assim define o impacto da desterritorialização na cultura material: “Para o nosso povo, foi a perda da técnica de cerâmica, pois hoje não sabemos mais confeccionar panelas e outros objetos de argila. Por outro lado, aprendemos a fazer canoas e remos que, antes, a gente não sabia confeccionar” [grifos meus]. Essa determinação demonstra o comportamento ativo de uma sociedade em sua trajetória histórica; a narrativa indica claramente o conflito socioambiental interferindo na produção material. O deslocamento, associado à perda territorial, motivou a perda de matérias-primas e, por conseqüência, as técnicas para sua transformação, contudo possibilitou a aquisição de conhecimentos para a produção de canoas e remos. Por um lado, a perda parece ter sido minimizada com as novas aquisições; por outro, indica a interação cultural entre diferentes grupos indígenas em suas mudanças, perdas, aquisições e trocas. 93

Figura 17. Daniel Kabixana Tapirapé. Arqueologia, utensílios domésticos e de trabalho: cerâmica. Base: A-4. Técnica: Lápis de cor. Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural.

Os objetos cerâmicos ou a eles relacionados (Figuras 15 a 21) demonstram a seguinte trajetória: a matéria-prima argila, ou xaj’oma (Figura 15); formas e tamanhos associados ao uso (Figuras 16, 17, 18, 19 e 20); gênero (Figura 18); metodologia de aula (desenho de aluno) (Figura 19); artefato de uso ritual e manutenção cultural (Figura 21) e as trocas materiais (Figura 22).

Figura 21. Daniel Kabixana Tapirapé, Júlio César Tawy’i Tapirapé e Xaopoko’i Tapirapé. Arqueologia e desterritorialização. Base: A-4. Técnica: mista. Acervo Joana Saira / Proesi (montagem).

A organização do trabalho em torno da produção da cerâmica é um dos itens analisados sobre o artefato. O primeiro critério a ser examinado é quem a faz. Para Júlio César (14.3, 21841), “todos processo que as mulheres faziam acompanhada”. A literatura científica atesta também a participação de homens em dois momentos, segundo Josimar (14.3, 21840): na coleta da argila no fundo de um córrego e no seu transporte com a 94

utilização da “folha de bana brava”, provavelmente banana-brava, ou ka’a. Júlio César acrescenta outra situação, quando o homem, juntamente com a mulher, arrumam madeira para a queima. Em suas palavras, “quando chegava o tempo de queima ela o homem preparava a lenha para a mulher sender o fogo”. A confecção e o uso da panela de barro é atribuição feminina, cujo conhecimento é restrito a “certas mulheres para realização da fabricação”, enfatiza Genivaldo (14.3, 21839). Por outro lado, Xaopoko’i (14.3, 21843) e Júlio César (14.3, 21841) se referem aos homens que apreenderam a confeccionar cachimbos e passaram efetivamente a produzi-los. Além disso, eles informam que as mulheres os confeccionavam com a argila que restava, portanto havia o maior aproveitamento de matéria-prima, diversificação de gênero na produção e qualidade do artefato. Herbert Baldus (1970), afirma que a produção dos cachimbos entre os Tapirapé era restrita aos homens. Já o processo de confecção de vasilhames cerâmicos era acompanhado pelas crianças, em especial as meninas, o que reflete a formação para a vida adulta. Acerca da técnica utilizada, Xaopoko’i cita que com a argila, depois de amassada, “se modelava a panela”, técnica mais raramente encontrada e que difere daquela conhecida como acordelado, que consiste na sobreposição de cordões de argila em forma de roletes. Na análise da cerâmica, é observado o tempero ou antiplástico, que são matérias orgânicas ricas em sílica misturadas à argila, cuja finalidade é fazer com que o objeto não rache ou se quebre durante a secagem e a queima. Entre os Tapirapé, foi citado o emprego das cinzas da casca de cega-machado (Licania litoralis Warm.), ou tamexo’ywa. Posteriormente a esse processo, Makato situa a necessidade de a argila secar alguns dias no sol. Feito isso, estava pronta para queimar por “algumas horas no fogo para assar bem”. Além disso, de acordo com essa professora, era proibido ao “produtor” manter relações sexuais durante o processo de sua produção, para que as panelas ou outros objetos não se quebrassem. A cerâmica é analisada também a partir da forma, tamanho e consequente uso, “para armazenar alimentos como: mingau, farinha, caça, pesca e produtos da roça e também serve para outra ocasião”, nas palavras de Daniel (14.3, 21838). As denominações desses utensílios são ‘xa’e’, ‘xae’memona, e ‘ywyexa’྽’. Conforme Júlio César (14.3, 21841), a ywyexa’ẽ era utilizada para “fazer farinha, guardar alimentos e mesmo para cozinha”. Enquanto distinção de forma, Daniel cita que xa’ẽ é o recipiente mais raso, que sugere servir alimentos, contudo, segundo Xaopoko’i (Figura 20), o seu uso destina-se também à produzação de cozidos. Por sua vez, a xa’ẽmemona parece ser para guardar, servir ou fazer alimentos (Figura 17). A Figura 18 mostra outros dois objetos com gargalo normalmente utilizados para o armazenamento de líquidos. Embora a decoração não tenha sido identificada nos textos de Xaopoko’i, nem por professores Tapirapé, ele se refere ao alisamento das paredes com seixos, sementes ou concha (ANDRADE LIMA, 1987). 95

Para concluir a ideia sobre a cerâmica Tapirapé, vale situar que a sua perda trouxe, de certa forma, outros conhecimentos, o barco e remo (Figura 22), que implicam teoricamente nas trocas e mudanças culturais, que são fatores importantes para os estudos arqueológicos, mas também de outras disciplinas das Ciências Sociais. O arqueólogo Eduardo Neves (2006) situa que a informação etnográfica entre os Palikur, enquanto orientação teórica e metodológica do pós-colonialismo, representa uma abordagem diferente para a Arqueologia Pública, pois beneficia tanto a comunidade local como a sociedade científica. Nas sociedades ocidentais, os detentores de conhecimentos e especialidades sobre a cultura material estão em especial nos museus, centros de pesquisas e universidades. Os estudiosos dessa área são responsáveis pela produção de saber e sua difusão, mas, também, por responder e zelar pela ética na pesquisa. Na outra ponta desta corda está a sociedade civil, que recebe, interpreta e age sobre as informações dentro da sua realidade; por sua vez, o arqueólogo então reflete sobre a constituição da memória social individual e coletiva. A concepção de memória, na pesquisa, associa-se ao despertar, relembrar, conhecer e reconhecer a si e à sua comunidade, perspectivas semelhantes àquelas dos museus e casas de cultura. Luciana Koptcke (2003) afirma que, na parceria museu-escola, aquele cumpre a missão de instituição educativa e espaço educacional em que atuam diversos atores, transmitindo valores e conhecimentos entendidos como fatores de identidade. Ao discutir as casas de cultura, Teixeira Coelho (1986) atribui aos indivíduos e ao coletivo a missão de empreender e construir “as coisas” no seu meio, não restringindo esse papel apenas às instituições, o que demonstra a relação necessária entre sociedade e poder público. A constituição física de lugares que levem a refletir sobre o patrimônio histórico e cultural é uma realidade para muitos povos indígenas com suas casas de cultura, as quais internalizam preocupações sobre o passado no presente. Uma mesma Casa de Cultura é identificada em dois mapas dos professores Umutina Valdevino, Rosinete, Laelcio (Figura 23, dentro de um círculo vermelho) e Valdemilson (Figura 24, por escrito). Esse espaço remete a inquietações sobre o patrimônio, que conduzem à sua concepção e gestão, em termos de que e por que é mostrado, e sua importância. Essa é a discussão a ser empreendida. Além disso, as figuras Umutina a serem analisadas demonstram a distribuição espacial das casas e das instituições (Figuras 23 e 24), as fontes de alimentos domésticos e os recursos naturais de coleta e caça (Figuras 24 e 25, respectivamente), bem como os bens materiais (Figura 26). Em um primeiro momento, questiona-se se a morfologia da aldeia e das casas, que podem ser comparadas com as suas correspondentes “antigas” para pensar continuidades e descontinuidades. A aldeia Umutina está disposta de forma retangular; a implantação de novas casas ocorre em paralelo às residências já existentes e nas proximidades da caixa d’água no caminho do porto da balsa (Figura 24). Os mapas informam também sobre os aspectos construtivos e a espacialidade 96

das instalações exógenas. Localizados na lateral superior da aldeia estão, da esquerda para a direita a Funai, a escola, a pastoral da criança, o posto de saúde e, atrás desse, outra escola, enumerados de 1 a 4 e 36. As instituições são representadas pelas cores branca (parede), azul (janela, porta e meia parede) e laranja (telhado) (Figura 23). De coloração amarronzada, três instalações de uma água são identificadas: mostradas (nº 17, 23 e 24): duas no alinhamento esquerdo e outra no inferior, que talvez sinalizem as casas dos professores que confeccionaram esse mapa. Logo, a instalação na ponta inferior esquerda segue um modelo tradicional (nº 20). A produção de alimentos, uma das práticas da economia indígena, é observada por meio de duas roças (Figura 24). A Figura 25 mostra árvores ao redor das casas, o que sugere a presença de frutíferas. Nela também se indica o lugar das palmeiras, portanto um ponto de coleta de cocos que servem de alimento, matéria-prima para a produção de diversos artefatos, cosméticos e óleos rituais, como, por exemplo, o óleo de babaçu usado para retardar o branqueamento dos cabelos, assim como para ungilos nos cerimoniais de sepultamento e luto entre grupos indígenas tupi-kawahib, da região do médio rio Madeira.

Quadro 11. Arqueologia e Flora: palmáceas entre os Umutina, segundo Valdevino Amajunepá, Rosinete Zoizoquialo Amajunepá, Sílvia Amajunepá e Laelcio Amajunepá. Espécie

Utilização

Babaçu (Orbignya speciosa ou orbignya martiana)

Com a taquara e a folha, é feita a vassoura para limpar o teto da casa (cabo longo) e varrer o terreiro [grifo meu].

Babaçu

Com o broto, é feito o abanador, bolsas e esteira, de uso pessoal e comercial [grifo meu].

Buriti (Mauritia flexuosa ou Mauritia vinifera)

É produzido o cesto ou xiri/bakté, apá, bolsa e outros trançados, de uso pessoal e comercial. Com o talo, confeccionam-se cestos grandes; com o broto, uma saia de uso ritual masculino; da seda e do coco, um bustiê de uso ritual feminino [grifos meus].

Coco-da-baía (Cocus nucifera)

São feitos cintos, brincos e pulseiras; o uso é pessoal e comercial [grifo meu].

Tucum (Bactris glaucescens)

Com o coco, fazem anéis, colares e chocalhos; esses, produzidos com o casco de queixada, são de uso ritual masculino. Do broto, fazem-se cordinhas e trançados; da seda, uma saia de uso ritual feminino, pessoal e comercial, e a corda do arco [grifos meus].

Fonte: Dados da pesquisa.

Os distintos usos de palmeiras nativas, com exceção do coco-da-baía, com origem provável na Ásia, e o contexto histórico Umutina apontam para três questões atuais: o processo de revitalização cultural, a comercialização e o conhecimento empregado na transformação da natureza. A fitofisionomia de ocorrência das palmeiras é um campo, onde se observa 97

provavelmente um cervo campeiro (Ozotocerus bezoarticus). Em outra fitofisionomia, observa-se possivelmente uma anta (Tapirus terrestres) à direita, porco-do-mato ou caititu (Tayassu tajacu) no centro, e a onça-pintada (Panthera onca) à esquerda. Eles certamente compõem as espécies para subsistência, exceto a onça que, por sua vez, incorpora elementos cosmológicos e materiais, como a capa do seu couro e o colar de seus dentes, que eram os preferidos dos homens. Enquanto mito, “os Umutina acreditavam serem dotados de três almas: uma delas ia para o céu, a segunda encarnava em animais, de preferência aves, mas também em mamíferos e até em onças, e a terceira não foi verificada” (ISA, 2013a). Quadro 12. Arqueologia e Fauna entre os Umutina, por Valdevino Amajunepá, Rosinete Zoizoquialo Amajunepá, Sílvia Amanujepá e Laelcio Amanujepá. Classe

Nome

Usos e significados

Ave

Arara

Da pena, confecciona-se o cocar, de uso masculino e pessoal usado nas festas tradicionais, e também leques e braceletes, ou pupurina.

Ave

Papagaio

Da pena, confecciona-se o cocar, de uso pessoal, usado nas festas tradicionais por homens, e também o leque, ou pupurina, bracelete e brinco, ou mistetanobu.

Mamífero

Tatu

Com a casca, confecciona-se o colar.

Mamífero

Queixada

Com o casco do animal e coco de tucum, confecciona-se um chocalho de uso ritual.

Réptil

Jacaré

Da casca, confecciona-se o cinto pulseira; do dente, o colar que protege os recémnascidos, usado também em rituais.

Fonte: Dados da pesquisa.

Por um lado, as evidências faunísticas identificadas em diferentes artefatos associam-se a ritos, como o nascimento e uma infinidade de festas tradicionais. Por outro, o objeto inicial de análise, a casa de cultura Umutina, constitui um espaço de renovação das práticas culturais, cujo discurso será discutido posteriormente. A organização espacial e a cultura material Umutina demonstram processos históricos que motivaram e desencadearam mudanças que são fontes para a análise arqueológica. Contrastar as imagens e as narrativas indígenas atuais com aquelas produzidas no passado por viajantes estrangeiros e agentes do Estado renderia boas discussões em uma casa de cultura indígena. O discurso arqueológico engajado e ativo indígena é verificado, inicialmente, na Figura 26 e no Quadro 13, que retrata parte da história desse povo.

Figura 26. Rosinete Zoizoquialo Amajunepá, Sílvia Amanujepá e Valdevino Amajunepá. Arqueologia: armas, utensílios domésticos e de trabalho, instrumento musical de percussão. Base: A-4. Técnica: fotos. Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural.

Quadro 13. Arqueologia e metodologia de pesquisa entre os Umutina. Nome

Quem confeccionou

Arco, ou boika

Sr. Pedro Amajunepá

Flecha, ou ixó

Sr. Pedro Amajunepá

Carcaz, ou cesto para flechas, ou matapi

Sr. Pedro Amajunepá

Puçá, ou buke

Sr. Julá Pare

Pilão e mão-de-pilão, ou casacopó

Sr. Pedro Amajunepá

Chocalho, ou xuaré

Jovem Raphael Amajunepá

Panela de cerâmica, ou paricopô

Sr. Antônio Wapodonepá

Utensílio de cerâmica, ou paricopô

Alunos

Utensílio de cerâmica, ou paricopô

Jovem Luciana R. Amajunepá

Fonte: Dados da pesquisa.

O quadro e as imagens evidenciam que todos os artefatos foram confeccionados atualmente, devido a quem os faz, com exceção de uma das panelas de cerâmica produzida na “época do contato”. Os objetos são classificados nas seguintes categorias: 98

99

armas (arco e flecha, carcaz); utensílios domésticos para o preparo de alimentos (pilão e mão-de-pilão, panela de cerâmica), armazenar e servir (panela de cerâmica), guardar líquidos (objeto cerâmico com gargalo); instrumento musical (chocalho); e o puçá ou buke (captura de peixe). Em especial, chama-se a atenção para um conjunto de recipientes confeccionados pelos alunos, pessoas de mais idade e dois “jovens”, isso durante uma oficina de cerâmica, o que demonstra uma corrente no repasse do conhecimento e que toma notabilidade quando se pensa a história da cerâmica Umutina. Na atualidade, os dois únicos que detêm os saberes de sua produção, segundo Laelcio (14.3, 21837), é a “jovem” Luciana, que aprendeu a técnica observando o sr. Antônio Wapodonepá. Etariamente similar é o caso do “jovem” Raphael e o chocalho que consta na lista dos artefatos de uso ritual. Por um lado, o repasse de conhecimento, no espaço privado e doméstico, evidenciase no parentesco entre os jovens Raphael Amajunepá e Luciana R. Amajunepá e o sr. Pedro Amajunepá. Por outro, sob que contexto é realizada a oficina para a produção de cerâmica? Quais informações são repassadas? A narrativa de Laelcio (14.3, 21837) enfatiza questões como de gênero e faixa etária. Segundo ele, a cerâmica “fazia parte da vida das mulheres Umutina; desde muito pequenas essas atividades já estavam sendo transmitida até a época do contato” [grifos meus]. O momento é o início do processo de desterritorialização, que incide na depopulação, mudança de costumes e perda da língua materna e materiais. Esse professor conta que as filhas ou as netas, desde crianças, “observavam e arriscavam reproduzindo miniaturas daquilo que as mulheres produziam” [grifo meu]. Isso é uma referência também para a Arqueologia da Criança, naquilo que é produzido por elas mesmas em miniaturas e que imitam a vida social adulta (POLITIS, 1999); além disso, configura processos de aprendizado e legado. Laelcio (14.3, 21837) situa uma excepcionalidade do passado no presente, “entre aquele povo havia um menino, hoje um senhor (Antônio Wapodonepá) que era muito levado e aprendeu a produzir as peças observando a sua mãe, que infelizmente faleceu após o contato” [grifos meus]. Esse “senhor”, na atualidade, oferece informações “vivas”, tanto no ambiente doméstico como no institucional, repassando saberes, seja para Luciana, seja aos participantes da oficina. Segundo o Sr. Antônio Wapodonepá, a melhor época para a produção da cerâmica é o período da seca, por dois motivos: pelo rio estar “bem baixinho, aí dá pra tirar bastante barro”; e porque o sol faz com que a argila seque mais rapidamente para o ponto de assar. Acerca de outro procedimento, Laelcio (14.3, 21837) afirma que “naquele tempo, as mulheres faziam e pintavam muitas panelas e cuias de barro”. As discussões se referem a aspectos técnicos, culturais e sociais que relacionam o passado – com o contato, a cerâmica deixa de ser produzida e cai em desuso – e o presente, manifestado na sua revitalização, mas não no uso interno. Laelcio (14.3, 100

21837) explica que a maior parte das pessoas desconhecia as técnicas de produção dos “utensílios de cerâmica”. Isso motivou a escola a realizar a oficina “para ensinar as pessoas” com o seguinte propósito: “Esta iniciativa não quis e nem quer que a comunidade volte a usar esses tipos de utensílios, mas tem um objetivo muito maior, que é o de transmitir esses conhecimentos e contar a história do seu povo e, principalmente, fortalecer as raízes” [grifos meus]. As ações efetivadas decorrem de preocupações e interesses pelo conhecimento histórico e cultural, que é institucionalizado na escola. Isso é representado também pelo conjunto pilão – retangular, vertical, em taça e de cedro (Cedrela fiáilis Vell.) – e a mão-de-pilão. Valdevino e Laelcio (14.3, 21837) narraram que os conhecimentos sobre a sua produção foram “transmitidos desde os ‘Bolorie’ (ancestrais dos Umutina) até aos antigos e dos antigos até a geração atual”. O utensílio tinha por finalidade “socar milho para serem feitos pães, bolos, farinha de peixe e socar carne”, e também coquinhos, raspas de mandioca e arroz para uma bebida chamada yjolorukwa. Na atualidade, poucas famílias os utilizam, contudo o seu destino foi ampliado com a participação de homens e crianças pilando e na comercialização desse conjunto. Além das questões morfológicas, técnicas e sociais (gênero, desterritorialização e repasse de conhecimento), outras duas são enfatizadas: a simbólica (tempo imemorial) e a política (atual). A primeira, cosmológica, diz respeito à transmissão do artefato dos ancestrais para os antigos; a segunda, institucional, é representada pela escola, que, nas palavras de Valdevino (14.3, 21833), situa-se “como uma boa protetora e guardiã, em suas festas tradicionais a escola coloca todos os alunos para socar pilão os produtos que precisam ser triturados, para fazer os bolos e xixa (uma espécie de bebida), que serão servidas na festa” [grifo meu]. Nesses momentos, servem-se apenas comidas e bebidas não industrializadas preparadas exclusivamente pelos alunos, o que demonstra uma prática pedagógica voltada para a revitalização. As imagens e narrativas Umutina representam experiências históricas e culturais que dialogam na escola e com a comunidade, conferindo uma dimensão interessante sobre as percepções dos testemunhos do passado e presente.

101

4.2. O Saber e o Professor

Figura 27. Atukaré Umutina confecciona, com a palha de buriti, símbolos de arraia e outros peixes.

Foto: Harald Schultz, 1943/44/45 (esq.). Jovens Umutina (dir.). Foto: Associação Indígena Umutina Otoparé (Otoparé), sem data (dir.). . Acesso em: 25 ago. 2011.

O ensino de Arqueologia entre indígenas é relevante quando prioriza a produção e o registro do conhecimento por meio da pesquisa. Essa interação fundamenta concepções sobre a gestão do seu patrimônio histórico e cultural. O conceito de patrimônio encontra na memória sua maior sustentação; essa se transforma com o tempo, podendo ser enaltecida, lembrada, cair no esquecimento ou margeá-lo. Estimular a lembrança, despertar para a informação e trazer os acontecimentos passados constituem a história do cotidiano e aquelas dos conflitos sociais, culturais e ambientais. As narrativas arqueológicas, por um lado, ensinaram aqueles que as ouviram e, por outro, estimularam a recordação do que era pouco lembrado. Nas palavras de Valnete Karajá (14.3, 20201), “a própria pessoa pesquisada achou importante, quase não lembrando algumas coisas e com isso vai memoriza a memória dela”. O sentido da palavra ‘memória’ é a presença do passado no presente, que é marcado pela lembrança, informação e conhecimento (ROUSSO, 2002). Sobre ela, operam as condições históricas e sociais coletivas em que o indivíduo está inserido (HALBWACHS, 1968). Por vezes, esses ‘vestígios’ estão guardados no fundo de uma ‘gaveta’ e, para serem lembrados, precisam ser buscados, considerando que, nesse processo, a memória é uma reconstrução psíquica e intelectual do passado, em termos de atualização ou presentificação do passado (ROUSSO, 2002; POLLACK, 1989). A presença dos anciãos, sua opinião, interesse e aquilo que se dispuseram a fazer demonstram três formas de compreender a atividade. Makato enfatiza seu próprio aprendizado, Valnete o efeito de despertar e relembrar seus interlocutores, e os Umutina o propósito da revitalização cultural. Tais questões caracterizam o papel do saber e a percepção da realidade nas perspectivas arqueológicas.

102

Existe uma grande preocupação por parte dos anciãos indígenas em perpetuar os conhecimentos tradicionais e históricos do seu povo, pois conhecer, aprender e valorizar a própria cultura e tradição é fator de alteridade (BARTH, 1998; TADEU SILVA, 2000). A comunidade não isenta o professor de cumprir metas face à pesquisa que realizaram; pelo contrário, atribui a ele a responsabilidade de contribuir para o registro e legado do conhecimento apreendido, o que, de certa maneira, institucionaliza o compromisso. O caráter reivindicatório para a ação do professor visa à continuidade do saber e do fazer. Segundo Xaopoko’i (14.3, 20208), “porque a comunidade quer que nós produza todo o conhecimento dos mais velhos e depois ensina as crianças na escola sobre esse conhecimento tradicional, para que nossa etnia não deixa de lado os conhecimentos tradicional”. Sobressai a recomendação e advertência para que a pesquisa prime pelo reconhecimento de um segmento político importante da sociedade, os “velhos”, mas também a necessidade do registro de suas narrativas como forma de perpetuação do saber na escola. Os conhecimentos produzidos pelos professores sobre a transformação da flora, fauna e minerais em artefatos são dados científicos e políticos da Arqueologia. Nos mapas Umutina, as evidências como roças, locais de caça e coleta constituem contextos arqueológicos matrizes para análises multi, inter e transdisciplinares, logo a transformação da natureza em cultura mostra-se como prática de manejo ambiental (MORAIS, 2000). A cultura material é produzida também a partir de espécies da classe dos peixes. Trata-se do cachara-surubim (Pseudoplatystoma fasciatum), ou orowi, de cuja nadadeira se fabricava a ponta de uma flecha (Figura 28) e a arraia (Potamotrygon motoro), ou xawewyra, cujo esporão tem a mesma finalidade (Figura 29). Segundo Xaopoko’i, as flechas serviam “para fazê defesa de bicho bravo” e, atualmente, “serve para a venda” como artesanato, portanto há uma dinâmica plural no objeto. A discussão diz respeito à aplicação de traços diferenciais na produção daqueles de uso interno e os destinados para o comércio; para tanto, são observadas suas características morfológicas. As partes que compõem a flecha é a ponta ou ponteira, vareta, haste e emplumação (Figura 30); a ausência ou a presença da vareta é um fator de diferença. A sua classificação é verificada nos detalhes de confecção, que são mais bem observados na ponta, emplumação e extremidade distal. Por sua vez, a fixação da emplumação na haste determina os demais critérios técnicos (CHIARA, 1987).

103

ponta ou ponteira

extremidade próxima da vareta

haste

extremidade distal da emplumação encaixe da flexa

vareta emplumação

Figura 30. Flecha: componentes. Fonte: CHIARA, 1987, p. 125.

6. atada pelo canhão e parcialmente minuda de atadura cerrada.

7. atada pelo canhão, fixada por ataduras cerradas com intervalos, sendo parte de sua extremidade atada e cimentada.

8. atadaduras cerradas nas extremidades e agrupadas com intervalos na parte mediana.

Figura 31. Flecha: emplumação. Fonte: CHIARA, 1987, p. 132.

f. em paralelograma

Figura 32. Flecha: emplumação. Fonte: CHIARA, 1987, p. 132.

104

A pena Tapirapé fixada à haste mostra uma atadura parcialmente cerrada, distinta da costurada (o fio atravessa a haste por meio de orifícios) e da cimentada (cerol recobre a atadura) (Figura 31). A emplumação das flechas Tapirapé é do tipo radial ou paralelo, no qual as penas são cortadas pela metade e retocadas até chegar à forma de paralelograma (Figura 32). A variedade e a funcionalidade da ponta da flecha em função do que se pretende abater é outro objeto de investigação. A Figura 33 mostra a espécie da flora com que é confeccionada a flecha Tapirapé, a taquari, ou akamaxywa, e, ao lado, o artefato pronto. A ponta dessa flecha e a terceira, da esquerda para a direita da Figura 34 (essa Kaiabi), são rombudas, cujo abate é causado pelo choque e não perfuração. Essas pontas diferem em forma e peso conforme a matéria-prima empregada: bolas de fibra, ou trançados macios e leves, ou materiais pesados e duros como madeira maciça ou chifre de veado (CHIARA, 1987). Aquela da Figura 33 parece de cera compacta, pois não mostra orifícios ou porosidades, já a Figura 34 deixa dúvidas quanto a esse quesito, mas parece diferir da anterior em forma e matéria-prima. A consagração das pontas rombudas para o abate de pássaros, por não manchar de sangue ou perfurar as penas, deve ser revista, pois algumas pesadas e duras causam, sim, a perfuração (ibid.). Os nomes e características dos seis tipos de flechas, da esquerda para a direita, segundo Yapariwá (14.3, 21848), são: txariu, com ponta de taquara; janãnã, com ponta de ciriva; txuariha, a rombuda; lahu ãxã, com ponta do ferrão de arraia (potanotrygon motoro.); jãbera, com ponta de osso de macaco, ou peruma ĩpãkĩ; e a kumareha, sem pena para matar peixes e animais. Não foi verificado o que fundamenta a denominação das diferentes flechas; se ocorre em função do uso e/ou tipo de ponta, o que se espera abater, ou ainda outro motivo. Um dos problemas para a não continuidade da produção de flechas de penas é a falta dessa matéria-prima, contudo, nas palavras de Yapariwá (14.3, 21848), a kumareha usada para matar peixe foi adotada, porém a de penas “não foi substituída por nada, tem e tinha de pesca, mas não significa que substituiu, é apenas uma companheira para ela. E facilita muito pegar o peixe”. Yapariwá cita que “as aldeias Tuba-Tuba, Pak-samba e Pequizal, [...] está em fase de fortalecimento, resgate” [grifo meu]. Isso invoca a historicidade do povo que, com o contato, deslocamentos e depopulação teve alterada negativamente a sua dinâmica cultural e material. O conhecimento tradicional, a manutenção cultural e a trajetória histórica das sociedades indígenas no Brasil remontam aos processos de desterritorialização. A análise da cultura material e suas adversidades a fim de permanecer existindo identifica um lugar da cultura no presente. Tais questões são abordadas pela Arqueologia Histórica, uma subdivisão da Arqueologia que, na América, é marcada pelo encontro entre o Velho e o Novo Mundo e, por conseguinte, a relação entre povos indígenas e conquistadores europeus a partir do século XVI (ORSER JR., 2000). 105

No atual Estado de Mato Grosso, assim como em outras regiões da Amazônia legal, o contato dos povos indígenas com as frentes de expansão ocorreu principalmente ao longo do recente século XX, até o final da década de 1970, com a Comissão das Linhas Telegráficas, Fundação Brasil Central e seu braço principal, a lendária Expedição Roncador-Xingu e os projetos desenvolvimentistas da Ditadura Militar. Para o arqueólogo Charles Orser Jr. (1996), a informação oral direta cobre um período de oitenta anos a partir do presente. Ao considerar a força da tradição oral indígena, esse tempo é ampliado. O discurso de Xaopoko’i se refere à necessidade de repassar o conhecimento obtido com os mais velhos para as crianças, possibilitando um diálogo de horizontes confluentes entre o professor/pesquisador, a comunidade e os alunos, portanto um exercício político e pedagógico. Aplicar tais conhecimentos na escola incorpora ao ofício de professor a qualidade de mais e melhor saber. Para Yunak Yawalapiti (14.3, 20173), “porque o professor indígena precisa conhecer bem a nossa cultura, pra que nós estamos atuando, conhecimentos que foi pesquisado através do velho para os nossos alunos”. Para esse professor, o conhecimento sobre a cultura se efetiva no exercício da profissão, saber esse que é particular na Arqueologia, pois quem protagoniza essa história é o ancião, o professor índio em sua comunidade e seus alunos, assim como, por representar aspectos do multiculturalismo na sociedade contemporânea. Refletir sobre uma ação pedagógica que parte do saber local e dos contextos reais do aluno encontra na Arqueologia da Criança um tema que pode atrair a atenção das séries iniciais e ser um bom tema gerador, mas, sobretudo, reflete múltiplos contextos sociais, históricos e culturais. Essa vertente foi analisada a partir de conhecimentos apresentados por professores Tapirapé, Chiquitano, Xavante e Ikpeng e demonstra maneiras de compreender a sociedade indígena a partir da vida da criança. Uma crítica teórica da Arqueologia contemporânea acusa a sua práxis de excluir segmentos sociais como as mulheres, os velhos e as crianças, colocando-os como meros reflexos do mundo masculino, o qual determinaria as regras do mundo social e material. A constatação dos documentos produzidos pelos professores situa as crianças como agentes ativos na produção e consumo de uma cultura material específica, e evidencia o papel dos pais e da comunidade na concepção de um mundo infantil que forma o indivíduo para a vida coletiva e social (Quadro 14 e Figura 35).

106

Quadro 14. Arqueologia da Criança, por Makato Tapirapé, da etnia Tapirapé.

Artefato

Quem produz Quem usa

Artefato em miniatura

Contexto relacionado à vida adulta

Observação

Pilão, ou ino’a, e mão-de-pilão.

Pai ou mãe

F

*

*

Aprender a fazer atividades femininas.

Peneirinha, ou yropema

Mãe e avó

F

*

*

Banquinho

Pai

M

*

*

Arco, ou yvyrapãra, e flecha, ou akamaxywa

Pai

M

*

*

Pião

Crianças

M/F

Cestinha, ou yro

Mãe

F

*

*

Boneca de cera

Mãe / Filha

F

Redinha, ou ini

Mãe

F

Bolinha de gude (IT)

Industrial

Criança

Bola (IT)

Industrial

Criança

Corda (IT)

Industrial

Criança

* *

*

Pegar peixinho; fazer farinha. Usado apenas por menino escolhido para ser futuro chefe. Dois tipos de conjunto: o comum, para treinar, e o original, usado só por futuro chefe. Myryryma é o nome da brincadeira feita quando passavam tempo na roça. Mani’yryma é a fruta com que se faz o pião. A menina brincava, carregava e guardava sua farinha quando o pai e a mãe iam pescar. Feita pela mãe e ensinada para a filha. Tecida de algodão. Nova brincadeira.

* (Por exemplo, bola de meia)

*

Nova brincadeira.

*

Nova brincadeira.

Fonte: Dados da pesquisa. IT: Identificado textualmente.

Makato (14.3, 21842) explica que “cada pai ou cada mãe produzia esse tipo de material para as meninas brincarem e, ao mesmo tempo, as meninas aprendiam a fazer as atividades femininas que são feitas com pilão e mão-de-pilão” [grifos meus]. A consideração de gênero é similar à “peneirinha” e ao “cestinho”. Por sua vez, o arco e flecha entre os meninos agregam outros valores; para Makato, “os arquinhos comuns são utilizados pelos meninos para eles treinarem no dia a dia. Para que eles fossem futuramente um bom caçador, pescador ou trabalhador” [grifo meu]. Além disso, o arco e flecha é um artefato de representação étnica. Constata-se também a relação entre artefato, poder simbólico e hierarquia política no banquinho de madeira e no arco original, restritos aos meninos que serão futuros chefes. Esse possui o similar “comum”, de uso diário. Os postulados de Makato correspondem aos princípios de Kamp (2001), ao afirmar o seguinte: a diferença na análise 107

da cultura material é estabelecida previamente pelo gênero e categoria de idade como fatores de organização social; a importância das crianças no mundo social e econômico; a compreensão da vida na infância a partir de informações arqueológicas. Alguns destes princípios ficam mais evidentes quando se pergunta: quem produz os objetos? O quadro aponta para duas situações: a produção de artefatos pelo pai ou mãe (pilão e mão-de-pilão) e a técnica para a confecção apreendida pelas crianças (boneca de cera), cuja condição de gênero é determinante. Segundo Makato: “1) Elas aprendiam desde criança a fazer algumas coisas com facilidade através da sua mãe e avós; 2) Por isso, os meninos aprendiam juntamente com seus pais e velhos” [grifos meus]. A citação 1 refere-se à peneirinha confeccionada da taboca, ou wetywaka, cujo arco é feito com cipó, ou yypa; a citação 2 é conferida ao conjunto arco e flecha. Ambas demonstram que as mulheres, além dos homens, participam ativamente na transmissão do saber e na produção dos objetos. Esses casos evidenciam dois pontos: há os brinquedos confeccionados pelos adultos e aqueles feitos pelas crianças que, além de consumidoras, são também produtoras, portanto associam faixa etária e gênero, assim como aprendizado e aperfeiçoamento (POLITIS, 1999). Por sua vez, o uso do pião e da cestinha está ligado à organização espacial e econômica. Trata-se da brincadeira myryma, quando a família trabalha na roça, e a cestinha é usada para guardar e carregar farinha no momento em que a criança acompanha o pai e a mãe na pescaria, ambas atividades de subsistência. As narrativas sobre a organização do trabalho mostram a participação e a cooperação das crianças na produção de alimentos, em atividades como limpar o terreno após a derrubada, pois o trabalho mais pesado era feito pelos homens adultos e jovens; e no plantio e coleta da produção, momentos brandos nos quais as mulheres estão presentes. As investigações abordam também a morfologia do objeto quanto à forma e tamanho (Figura 36). Ao comparar aqueles das crianças aos similares adultos verifica-se a miniaturização, contudo com a mesma finalidade (ibid.). O pilão confeccionado para as crianças (Figura 36d) mantém a forma em taça daqueles de uso adulto (Figuras 36a, b, c), porém a diferença visual está na mão-de-pilão, que possui dois formatos: um de mais simples confecção, e outro similar ao original (Figura 36b). A “peneirinha” (Figura 37c), contrastada com as duas para o consumo adulto (Figuras 37a, b), difere pelo trançado (Figura 37a). A “cestinha” (Figura 38c) de Makato, observada ao lado de uma das originais (Figura 38b) feita por Xaopoko’i, distingue-se pela inscrição em “seta” de cor preta, o que pode ser um indício a ser investigado.

108

empunhadura segmento

segmento

segmento

Figura 40. Arco: componentes e detalhe da amarração. Fonte: CHIARA, 1987, p. 123.

As flechas destinadas às crianças (Figura 39d) possuem dois tipos de pontas, a rombuda e a aguçada, essa composta de ponta, vareta, haste e emplumação, portanto similar à de uso adulto Tapirapé. O arco infantil (Figura 39d) mostra o excedente de corda enrolado na empunhadura, o que é comum entre os povos indígenas no Brasil, realizado de diversas maneiras e “[...] não raro com visível preocupação estética” (CHIARA, 1987, p. 123). No entanto, difere nesse aspecto aquele de uso adulto, ou ywyraparayma (Figuras 39a, b), e também o de uso ritual, ou ywypãraramoro (Figura 39c), adornado com plumária na extremidade superior e trançado na empunhadura. A sociabilidade e a interação entre meninos e meninas são abordadas por Makato (14.3, 21842), que ressalta a diferença e adverte: Importantíssima sobre as brincadeiras realizadas, porque naquela época as meninas e os meninos não brincavam juntamente, brincavam separadamente um dos outras. Pois naquela época os meninos ficavam com medo das meninas, senão eles não cresciam rápido caso ficassem acompanhando as meninas, isso as mães e os pais aconselhavam [grifos meus].

A citação relaciona faixa etária e gênero, chamando a atenção para as mudanças ocorridas desde aquela “época”, o que sugere um período anterior ao contato, ou seja, caracteriza uma marca na trajetória histórica desse povo. A narrativa e o desenho de Maria Siria discutem estas questões no contexto dos processos de desterritorialização (Figura 41). Essa professora chiquitana afirma a interação de gênero, em que “todas as brincadeiras, juntos, meninos e meninas” [grifo meu]. Na atualidade, ao avaliar o Quadro 15, 109

nota-se que, materialmente, a condição de gênero é determinante no uso da boneca. Ela indica também as brincadeiras que não geram evidências materiais, como “galho de pau” (puxar um galho até o chão e soltar), “piruetas no ar para cair no rio, giral de braço” (colocar a criança em cima do braço para sair andando) e medir força, ou “aloitar”. Quadro 15. Arqueologia da Criança, por Maria Siria Rupê, da etnia Chiquitana.

Artefato

Quem produz

Quem usa

Contexto Artefato em relacionado à miniatura vida adulta

Observação

Bola

Industrial

Crianças

X*

Futebol é do que mais gostam, jogam também queimada.

Peteca

Pais e filhos

Crianças

Curral

Pais e filhos

Crianças

Balanço

Pais e filhos

Crianças

Boi

Pais e filhos

Boi

X

Feita com folhas do sabugo de milho e penas. X

X

Crianças

X

X

Feito de fruta de imbiraçu. As pernas de pau eram pregadas com cera.

Crianças

M/F

X

X

Feito de limão, as pernas de pau eram pregadas com cera.

Pé-de-pau

Pais e filhos

Crianças

Carro

Pais e filhos

Crianças

X

X

Feito da esporinha da tampa e do caco de cuia.

Boneca

Meninas

F

Pé-de-lata

Pais e filhos

Crianças

Cavalo**

Crianças

M/F

Espingarda**

Pais e filhos

Gaita**

Pais e filhos

Engenho de pau**

Para as crianças menores.

X

X

Feito de limão, as pernas de pau eram pregadas com cera.

X

X

Feita de taboca com talo de mamão. Feita do talo de mamão.

Adultos

**

Estrutura original de uso adulto, que servia de cavalo; um dos brinquedos prediletos.

minada idade. As indagações que permanecem são: existe exclusividade de gênero no jogo de queimada e futebol? O que define as crianças menores das maiores como categoria etária? A história do povo Chiquitano está também presente no curral, boi, cavalo e engenho, doravante discutidos. As imagens da Figura 42 mostram práticas que retratam aspectos da vida em uma fazenda ou sítio, situação peculiar, ao mesmo tempo em que é atual entre povos indígenas. O universo infantil representa os aspectos produtivos e de subsistência da sociedade, portanto a sua economia, mas também reflete a historicidade desse povo, atraído inicialmente para terras brasileiras por ocasião da fundação, no final do século XVIII, da povoação de Vila Maria do Paraguai, hoje cidade de Cáceres. Os Chiquitano vivenciaram novas práticas culturais nas missões da colônia espanhola durante o período de 1691 a 1754. Ao longo do século XX, foram bastante requisitados para trabalharem nas fazendas, por serem “habilíssimos vaqueiros” (FERNANDES SILVA, 2005, p. 123). Essa experiência foi incorporada à subsistência, produção, venda de produtos e prestação de serviços fora da aldeia. No mapa, existem cinco currais: dois próximos às casas do cacique e do pajé, nas imediações do campo de futebol central; outro à esquerda mostra provavelmente um boi e uma vaca; o quarto, no centro do mapa, próximo de onde se lê ‘rio’, que pertence ao professor; e a metade do último no extremo superior. O contexto histórico dos animais citados demonstra a aquisição e a aplicação de conhecimentos não tradicionais, que interferem também no deslocamento, transporte e força de trabalho. Estas constatações fundamentam inclusive a ideia de participação indígena no Período Colonial até os dias de hoje. O arco e a flecha talvez melhor representem as sociedades indígenas no passado e no presente, como se verifica também nas produções sobre a Arqueologia da Criança. No contexto Chiquitano, esse conjunto é discutido não pela presença, mas pela ausência. As narrativas de desterritorialização dos professores Chiquitano se referem à presença militar na faixa de fronteira que ocupam. Segundo Maria Siria, Roberto Luciano, Laucino e Benedito (14.3, 20735): Na cultura chiquitano, houve um impacto muito grande, principalmente na língua ma-

Fonte: Dados da pesquisa.

terna, onde fomos obrigados pelos militares a deixar de falar nossa língua; se falássemos,

* É possivel a confecção de bola em miniatura, como as de meia, por exemplo. * * Identificado textualmente.

eramos punidos e assim quase perdemos nossa terra e só depois de grande luta estamos conseguindo recuperar a metade do nosso território [...]. Logo no começo da entrada dos militares em nosso território, fomos submetido a deixar de cozinhar em panela de

Maria Siria não distingue o gênero nos dois jogos de bola, mas enfatiza o gosto maior pelo futebol. Essa questão, acrescida da categoria de idade, identifica um critério sobre outras duas brincadeiras: “as crianças menores brincam de boneca e cirandinha”, a primeira certamente feminina, a outra podendo ser, também, masculina, até deter110

barro e comer com as conchas. Tudo que seria da nossa cultura eles não deixavam nós praticar. Eles faziam questão de nos envergonhar de comer, beber, agir naturalmente, dizendo que isso era vergonhoso, principalmente para as crianças [grifos meus].

111

As fortes palavras expressam opressão e repressão, além da velha tática colonial de exercer as imposições na mente das crianças, material e imaterialmente, formalizadas na proibição do uso de utensílios domésticos e da língua materna. Por um lado, a exclusão e a marginalização do arco e da flecha podem remontar à ideia histórica de deposição de armas e, por outro, o aniquilamento desse conjunto de poder simbólico. Por sua vez, a composição de Valeriano, da etnia Xavante, aborda as categorias de idade na formação da criança. A Figura 43 conjuga também sua narrativa, enfatizando que os conhecimentos sobre a produção dos artefatos são repassados aos aprendizes pelos velhos (Quadro 16), no paulatino caminho do aprendizado, identificado no ver, ouvir e fazer. Quadro 16. Arqueologia da Criança, por Valeriano Rãiwi’a Wéréhité, da etnia Xavante. Artefato

Quem produz

Quem usa

Peteca

Crianças

Crianças

Forquilha

Crianças

Crianças

Pião

Crianças

Crianças

Arco e flecha

Crianças

Meninos

Artefato em Contexto que imita Observação miniatura a vida adulta Velhos ensinavam as crianças como fazer.

X

Bola de gude

Industrial ou semente

Meninos

Bola

Industrial

Crianças

X

Ônibus

Industrial

Meninos

X

Balão

Industrial

Crianças

Estilingue

Crianças

Meninos

Pipa

Crianças

Meninos

X

Velhos ensinavam as crianças como fazer. Velhos ensinavam as crianças como fazer. Usado atualmente. Velhos ensinavam as crianças como fazer. Usado atualmente. Atual.

X

Atual. Atual. Atual.

X

Atual.

Quadro 17. Arqueologia da Criança, por Pitoga Makne Txikão, da etnia Ikpeng. Quem produz

Quem usa

Peteca

Criança

Criança

Produzida antes do contato e feito da palha do milho.

Boneco

Criança

Criança

Produzido antes do contato e feito de massa de mandioca.

Avião

Criança

Criança

Casinha de marimbondo

Criança

Criança

Arco (conjunto)

Pai

M

X

X

Produzido antes do contato.

Flechinha (conjunto)

Criança

M

X

X

Produzida antes do contato e sem ponta.

Crianças

X

X

Produzida antes do contato.

Crianças

X

X

Produzida antes do contato.

Cestinho *

Crianças

X

X

Produzido antes do contato.

Balainho *

Crianças

X

X

Produzido antes do contato.

Espada *

Crianças

X

X

Produzida antes do contato.

Arma *

Crianças

X

X

Produzida antes do contato, feita de madeira.

Crianças

X

X

Produzido antes do contato; aprendido e adotado de outra cultura.

Redinha de dormir * Redinha de puxar *

Reminho *

Pais

Pais

Valeriano dintingue o passado (provavelmente anterior contato) e o presente, e nota-se a permanência do conjunto arco e flecha, e o pião, possivelmente devido ao poder simbólico daquela arma em miniatura e à simplicidade na confecção desse brinquedo. Todavia, o que chama mais a atenção são as frases poeticamente teóricas. A natureza da narrativa aqui ressaltada aponta para o poder criativo das crianças na produção de sua própria cultura material. Segundo Valeriano (14.3, 21897), “tanto o menino e a menina, além de ensinamentos dos velhos, as crianças criam, inventa por seu critério, imaginado seu sonho visual” [grifo meu]. A frase sintetiza um processo de repasse e aquisição do saber a partir do domínio técnico apreendido pelas crianças com

Artefato em miniatura

Contexto que imita a vida adulta

Artefato

Atual.

Fonte: Dados da pesquisa.

112

os velhos, mostra a autonomia adquirida e a liberdade de confeccionar os brinquedos que desejam, inclusive adaptando às condições da aldeia ao produzir similares aos industrializados. E, sobre esse mundo da criança transformado em cultura material, Valeriano afirma que “hoje, as crianças vivem cheias de criatividades sociais” [grifo meu].

Observação

Produzido antes do contato e feito de madeira; aprendido e adotado de outra cultura.

X

Produzida antes do contato e feita da palha de inajá.

Fonte: Dados da pesquisa. * Identificados textualmente.

O artefato analisado é o avião. Pitoga afirma (14.3, 21864) que, “segundo os anciãos, antes do contato com não índio, a cultura material feita para as crianças [...] e avião feito de madeira”, que demonstra a miniaturização de um objeto exógeno à cultura indígena [grifos meus]. Os brinquedos industrializados, como bolas, carros ou caminhões são acessíveis de forma indireta antes mesmo do contato, pela troca com outros povos ou subgrupos afins, contudo o que se verifica no caso do avião é ter sido “aprendido e adotado de outra cultura”. O mesmo ocorre com o “reminho”, contudo representa a interação com outros povos indígenas, o que possibilidade outras trocas, materiais ou não. Entretanto, não 113

foi constatado se o “reminho” tem por origem a apreensão do original transmitida pelos pais, ou se era exclusivamente uma aquisição destinada às crianças. Pitoga (14.3, 21864) afirma que, por um lado, muitos elementos da cultura material estão em processo de extinção e, “por outro, o resultado de contato com não índio e com outros povos indígena, os Ikpeng vêm aprendendo e adotando a cultura de outros povos [...] [grifo meu]”, porém enfatiza a alteridade Ikpeng. A oralidade na Arqueologia Histórica suplementa a informação arqueológica e escrita, tornando-a uma nova e fundamental fonte, a qual complementa as ideias sobre um passado conhecido anteriormente, e amplia os dados para constituir os contextos sociais. Dessa forma, reconstrói a narrativa sobre os modos de vida no passado e se aproxima da cosmovisão do povo (ORSER JR., 1996). Por sua vez, a questão política prevê que as relações entre o presente e o passado são normais, específicas e diretas (FUNARI, 1997) e agem uma sobre a outra. Alvonei Terena (14.3, 20145), em uma minuciosa narrativa, deixa claro seu objetivo de atingir os alunos para que no futuro, eles sejam responsáveis por novas pesquisas que retratem a “realidade vivida, os artefatos do passado e do presente, o que é feito e o que foi deixado de ser feito hoje”. Para tanto, o professor afirma a necessidade de “a comunidade nos apoiar no sentido de aplicar esses tipos de costumes em sala de aula”, pois o trabalho “trata da busca do conhecimento e sabedorias” [grifos meus]. A leitura sobre a desterritorialização e a atualidade do povo Terena remete a processos de perdas territoriais, deslocamentos e mudanças culturais. Os Terena da aldeia Kopenoty são originários da terra indígena de Buriti, entre os municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, no Estado de Mato Grosso do Sul. Esse grupo Terena, há pelo menos vinte e cinco anos, está no atual Estado de Mato Grosso. A cronologia dessa epopeia iniciou em 1984, quando se instalaram em uma aldeia Bororo na qual ficaram por quatro anos e, a partir de 1988, passaram a ocupar bairros na periferia da cidade. Essa situação calamitosa perdurou até a primeira metade de 2003, ano em que as famílias Terena de Rondonópolis foram transferidas para um território no município de Peixoto de Azevedo, norte do Estado, aproximadamente a 1.800 km de distância da região ocupada em Mato Grosso do Sul. Integrar holisticamente os conhecimentos existentes em torno da Arqueologia no curso foi uma forma de abordar a (re)organização social, ambiental e cultural entre os povos indígenas. A aldeia Kopenoty (Figura 46) é assim constituída: casas, igreja, escola, posto de saúde, campo de futebol, quadra de vôlei, campo de treinamento de tiro de arco e flecha, torre de telefone, caixa d’água, horta, roça, árvores de grande porte; parte dela é cercada com arame. Além das instalações citadas, outras seis em azul são verificadas. Aquela à esquerda, no alinhamento superior das casas, difere das demais dessa cor e perfaz um portal. As casas são identificadas por triângulos amarelos numa aldeia retangular, cuja expansão ocorre paralelamente às linhas das casas que deram origem 114

a ela, as duas colunas interiores ou possivelmente as quatro. A constatação deve-se às duas casas na parte superior desses alinhamentos. As instalações exógenas, como a escola, igreja e posto de saúde não se alinharam às casas, mas mantêm-se paralelas a elas, logo o campo de futebol ocupa o espaço central. O uso de roupas, relógios e computadores, assim como a escola entre índios, invoca a discussão sobre quem eles são na atualidade. Para um olhar desatento, preconceituoso ou ainda tendencioso, talvez a sua boca diga “não são mais índios”. É quase desnecessário mencionar que o futebol é uma paixão brasileira que caiu no gosto dos povos indígenas. Seu estudo entre indígenas constitui um campo da Antropologia definido como Etnofutebol. Os educadores físicos José Ronaldo Fassheber e Maria Beatriz Ferreira afirmam que o Etnofutebol na aldeia é ressignificado, contariando a ideia de mera cópia, sendo definido como [...] o processo pelo qual a mimesis do esporte – pela via da transformação dos jogos tradicionais e da incorporação do futebol nas aldeias – permite-nos pensar a afirmação da identidade étnica de forma singular, se considerarmos a construção e o uso específico que cada grupo faz de sua corporalidade (Fassheber e Ferreira, 2007, p.1).

A análise sociológica demonstra sua importância na “posição de centralidade que o campo de futebol ocupa dentro de diversas aldeias” (ibid., p. 1), isso foi identificado em grande parte dos mapas produzidos; em outros, está fora da aldeia. A reinterpretação e a ressignificação desse esporte são notadas quando se observa a divisão dos times a partir da patrilinearidade e da uxorolocalidade, que formam equipes de filhos e de genros, portanto fato social que reflete e renova a tradição e a organização do grupo. A interação ocorre também nas partidas entre índios de diferentes aldeias e com os não índios, situação corrente nos jogos e torneios de um mesmo povo ou entre distintas etnias, que remetem a lugares-sede e talvez uma tabela rotativa de campeonato. A organização social dos times torna-se um exercício do poder constituído desde a ancestralidade até os dias atuais, cujas leis marcam os corpos dos indivíduos. Tal concepção representa a cosmologia e o simbolismo sobre os quais “entendemos o desportista como uma categoria nativa que opera papel estratégico na construção do corpo indígena” (ibid., p. 1). Respaldados pela ideia de fato social em Marcel Mauss, eles afirmam que o futebol é um fato jurídico (ressignifica a organização esportiva, padrão das regras e as relações entre índios e não índios), ponto fisiológico (construção e uso do corpo) e fator sociológico (integração intra, inter e extra terra indígena). Além do futebol, outros dois esportes são constatados: o tiro com arco e flecha e o voleibol, modalidades que, de diferentes formas, relacionam as sociedades indígenas 115

às não indígenas. Conforme verificado anteriormente, o arco e flecha é um artefato tradicional de uso cotidiano e possui caráter simbólico. Nesse mapa, é observado o campo de treino de tiro com arco que dimensiona essa prática para outro contexto. O tiro com arco foi expandido e se tornou modalidade esportiva intertribal com o “I Jogos Indígenas”, em 1997, na cidade de Goiânia, idealizado por Marcos Terena e Carlos Terena. Uma das repercussões foi a Federação Mato-grossense de Tiro com Arco ter criado, em junho de 2001, o “I Campeonato Estadual de Arco Nativo”. Os fatores sociais que envolvem essa prática assemelham-se àqueles do futebol: interação, integração, trocas culturais, representação étnica e ressignificação (agora, no caso do tradicional para o exógeno, inverso do que ocorre no futebol). A quadra de vôlei (caso não seja futebol de salão) foi pouco verificada na amostragem dos mapas observados. Além dessa, na aldeia Majtyritawã, de Daniel Tapirapé, e na aldeia Chiquitano analisada anteriormente. Esse jogo entre indígenas, a princípio, seria praticado pelo sexo feminino e apontaria para questões referentes à participação e à interação, motivação externa; e atividade escolar. Como motivação externa, faz menção a uma circunstância pessoal ocorrida na aldeia Traíra, do povo Parintintin, durante os cursos de formação de professores indígenas em meados da década de 1990, que incluíam os Tenharim, Torá e Diahui. Depois das aulas que ocupavam integralmente a parte do dia, os indivíduos do sexo masculino, adultos, jovens e crianças se entretiam nos jogos de futebol, enquanto as jovens cursistas faziam outras atividades ou assistiam às partidas. Ao observar a ausência de uma recreação para elas, o grupo de indigenistas do projeto levou para a aldeia uma bola de vôlei, que foi jogada em uma quadra “riscada” e uma corda amarrada entre dois pequenos esteios como rede, participando não só as jovens, mas também crianças de ambos os sexos e a equipe da Opan. Pelo menos até meados de 2005, os Parintintin ainda solicitavam bolas e rede de vôlei na prefeitura de Humaitá2. A dinâmica cultural e material é analisada também por meio do esporte, pois, seja tradicional ou exógeno, demonstra apropriações e trocas culturais. Os professores Terena Cirenio, Adiel e Mateus (14.3, 20736) afirmam que a saída do lugar “de nossa origem” foi motivada pela “questão fundiária ou de superpopulação”, mas, sobretudo, a experiência foi levada para os novos lugares onde foram morar. Segundo Adiel (14.3, 21824), a conquista do território possibilita um sonho: “em nossa nova área, queremos construir uma comunidade rica em nossa cultura, em nossos costumes e artesanatos” [grifos meus]. É evidente o desejo de prosperar e agir vigorosamente para se ter êxito, que abrange também o manejo ambiental. Nas palavras de Alvanei e Antonino (14.3, 20938), “para produzir ou fazer o arco e flecha, usávamos o tucum e o taquari que, atualmente, estão sendo replantados para, futuramente, usarmos para fazer arco e flecha e ensinar os nossos filhos” [grifos meus]. 2 Comunicação pessoal de Fernando Penna, em 15 de junho de 2007.

116

Os contextos sócio-históricos sobre essas citações apresentam uma visão otimista e politicamente ativa, que relaciona ambiente e gestão cultural. Por um lado, a economia indígena e, por outro, um artefato útil para a subsistência, de poder simbólico e prática esportiva, inclusive na atual “Olimpíadas Indígenas”. O ethos na produção de alimentos evidencia a continuidade de uma tradição. Segundo Cirenio, Mateus e Adiel (14.3, 20736), “o povo Terena é um povo agricultor, tanto na área de origem ou em qualquer lugar do país que estiver” [grifo meu]. Isso demonstra a força de um legado diante da (re)organização espacial e cultural. Além da agricultura de subsistência, os professores citam: “somos também plantadores de árvores frutíferas como: manga, abacate, laranja, goiaba, marmelada nativa, jaca, araticum nativa, acerola, guavira nativa, mamão”. Destas, constatam-se aquelas exógenas do continente americano (manga, laranja, jaca e acerola) e as nativas domesticadas, com as quais “fazemos delas o suco, e algumas comunidades também vendem frutas” [grifos meus]. Outra fonte de complementação nutricional, que altera o espaço, informa sobre gênero e organização social, diz respeito ao fato de que “muitas famílias já cultivam as hortaliças; é muito comum ser as famílias, ou seja, as mulheres que plantam nos quintais das casas” [grifos meus]. A introdução das hortas nas aldeias indígenas, muitas vezes, é motivada por instituições ligadas ao Estado, religiosas, ou organizações não governamentais preocupadas com a segurança alimentar. Por sua vez, problematizando a questão, alguns professores mencionaram que o incentivo e o acompanhamento técnico são fatores decisivos para sua consolidação. O contexto Terena retrata mundos em interação, no passado e no presente. O novo território difere do anterior em dois pontos: por um lado, o ambiental, pois se situa numa região de transição amazônica; e por outro, o social, marcado pelas novas relações com índios, não índios, instituições governamentais, não governamentais e religiosas – isso requer adaptações. Santiago Mora (2000) certifica que as relações sociais são mediadoras na definição do tipo de manejo e desenvolvimento ambiental a serem adotados. Os problemas nessa esfera estão associados a conflitos sociais, o que contraria a ideia de natureza não humanizada e isenta de conflitos políticos. A maioria dos professores afirma que algumas das “perdas” materiais tradicionais, incluindo as casas, decorreram, de uma forma ou de outra, das privações territoriais, mortalidade e acesso a matérias-primas. Tais elementos envolvem a gestão fundiária e o manejo ambiental de duas formas: nos processos de identificação, demarcação e ampliação de terras indígenas, mas também na administração de um mesmo território por diferentes aldeias que configuram as áreas de domínio. Nestas definições e negociações, há a interferência de fatores como superpopulação, status político e estratégia de controle e vigilância. Os casos analisados discutem o cotidiano, a sociabilidade e a política na Arqueologia, mostrando a trajetória histórica dos povos indígenas na sua relação com os outros. 117

Os conhecimentos produzidos pelos professores, enquanto registro para a comunidade, devem visar à manutenção das práticas tradicionais, pelo menos enquanto saberes conhecidos, relembrados e apreendidos. A memória, personalizada num velho sábio e no professor pesquisando, marca uma particularidade das Ciências Humanas no presente. A Arqueologia Histórica tem discutido o racismo e a discriminação em suas relações com a etnicidade; o propósito é analisar o mosaico cultural e étnico na cultura material (MESKELL, 2002). O protagonismo indígena e as percepções dos professores demostram formas de pensar e fazer uma pesquisa-ação, cujos contextos correspondem às ideias propostas por Meskell, por negar estigmas, estereótipos e, mais que isso, por poder conferir aos índios o título de detentores de conhecimentos científicos especiais.

4.3. Pesquisar e Conhecer

A cultura material pretérita, por vezes, não é assunto corriqueiro, quando comparado com a cosmologia, meio ambiente, medicina tradicional e território, entre outros. A memória dos artefatos em desuso está na lembrança daqueles que os produziram, utilizaram-nos e os vivenciaram, mas também se mantém guardada nos museus, livros, bibliotecas, universidades e instituições de pesquisa. A pesquisa trouxe informações e indagações que estimularam voltar os olhos, de forma diferenciada e atenta, para aquilo que lhes pertence, representado na cultura material, tradição, costume e história. A informação etnográfica favorece o entendimento da paisagem, historiografia e mitos, o que contribui para a produção, apropriação e fortalecimento das identidades locais (NEVES, 1999; 2006). O despertar para o conhecimento como fator de identidade é a melhor forma de discutir a recepção e a percepção da pesquisa, tanto pela comunidade como entre os professores. A socialização da pesquisa, para Makato (14.3, 20146), evidenciou uma história oculta, “porque tinha algumas pessoas que não sabiam as histórias de cultura material do nosso povo, neste trabalho tinha a oportunidade de conhecer essa história, principalmente da produção do artefatos” [grifo meu]. Essa história oculta trata os objetos que caíram em desuso, cujas “vidas” foram revisitadas pelos anciãos e apreendidas pelo coletivo por meio de uma narrativa com aura muito peculiar. É uma história oral protagonizada por anciões e especialistas “conhecedores de suas histórias”, segundo afirma Yunak Yawalapiti. O discurso arqueológico e científico indígena retrata dois pontos: Como é visto pelos próprios índios? Qual o parecer da sociedade ocidental sobre isso? A Arqueologia como história indígena compreende o passado a partir do modo de vida de grupos sociais conhecidos etnograficamente. Sem essa informação, existiria uma dificuldade a mais para a interpretação das informações arqueológicas (EREMITES 118

DE OLIVEIRA, 2004). Os estudos etnoarqueológicos, etnológicos e etno-históricos procuram “cobrir praticamente todas as lacunas espaço-temporais existentes, desde o período pré-colonial até os dias de hoje” (ibid., p. 18). Na pesquisa, as histórias sobre a cultura material foram instigadas para serem (re)contadas. Tais narrativas etnográficas, a partir dos dados, caracterizam-se como transdisciplinares, cujo limite de cada disciplina, por vezes, é perdido de vista e se emaranha às outras, tornando-se mais complexa a discussão. A distinção sobre o que é Arqueologia, História ou Antropologia em seus diálogos com questões diversas, por vezes, não é fixada para melhor interpretar os horizontes dos professores nos casos analisados, como por exemplo, recorrer a educadores físicos ou aos necessários ensinamentos e suportes que a Antropologia e a História, em especial pelos compromissos políticos e científicos firmados, muito pode contribuir para os arqueólogos. As histórias, redescobertas pela professora Makato, invocam o ímpeto de estudar a trajetória arqueológica do “seu” povo. Iisso marca uma perspectiva política na Arqueologia, que indaga sobre o significado do objeto e o que representa no presente. Júlio César Tapirapé (14.3, 20215) ressalta que seu aprendizado “está servindo para as crianças que vão estudar nessa pesquisa” [grifo meu]. O tempo passado associado ao cotidiano faz com que “os alunos vão aprendendo saber os serviços que antigamente faziam [...] e sobre as matérias-primas” [grifos meus]. A Arqueologia compreende o mundo do trabalho indígena, sobre os quais organização social, manejo ambiental e simbolização do espaço são fundamentais e remetem à pluralidade de diversos interlocutores ou especialistas. A pesquisa e o cotidiano, de forma sistemática e sensível, foi o ponto forte da expressão comunitária. Jesus, da etnia Xavante (14.3, 20134), afirma que “[...] estaremos conhecendo melhor artes que são utilizados até hoje e artes que foram deixadas para trás, pois a gente sabendo e conhecendo as artes que foram deixadas para trás, estaremos resgatando e praticando no dia a dia para não perder” [grifos meus]. A citação apresenta a cultura material como uma arte que sofre os impactos do tempo; o pragmatismo do professor está em conhecer e resgatar os conhecimentos existentes para praticar e conservar, mesmo que isso não se constitua materialmente. Os compromissos estabelecidos visam à revitalização cultural no cotidiano como fator de identidade. A discussão sobre identidades na modernidade implica na definição do tipo de Arqueologia a ser desenvolvida, assim como o nível de engajamento político dos arqueólogos é fator determinante para a concepção do caráter da disciplina (MESKELL, 2002). Os professores indígenas como porta-vozes da comunidade exercem uma posição ativa e complexa na produção, difusão, idealização e gestão do seu patrimônio histórico e cultural.

119

4.4. Propriedade e Uso da Informação

A pesquisa gerou também afirmações desfavoráveis por parte da comunidade, que envolve o direito e o uso da informação. O foco disso é a grande luta das populações indígenas pelo reconhecimento de seus saberes e práticas sobre plantas medicinais, música, imagem, enfim, os diversos conhecimentos existentes nessas sociedades, os quais são reivindincados por movimentos como das parteiras, professores e mulheres indígenas, por exemplo. A questão é condicionada e mediada pelas conjunturas debatidas numa arena de dois campos e modelos de organização bastante distintos: a sociedade ocidental e a sociedade indígena. Valdomir (14.3, 20174), da etnia Bakairi, explicou que “tem alguns que acho negativo, por exemplo. Alguns falam que estou fazendo isso só pra mim. Isso não vai resultar em nada, tem vários políticos também” [grifos meus]. O discurso enfatiza a condição de pesquisador do professor, a apropriação individual do conhecimento e desfere voraz crítica às instituições. O Código de Ética do Arqueólogo (SAB, 1997) define seus compromissos com a sociedade em geral, reconhecendo “como legítimos os direitos dos grupos étnicos investigados à herança cultural de seus antepassados, bem como aos seus restos funerários, e atendê-los em suas reivindicações, uma vez comprovada sua ancestralidade” (ibid., p. 1). O código dos arqueólogos diz respeito aos bens culturais pretéritos, cujos herdeiros são respeitados e reconhecidos, desde que os achados arqueológicos pertençam a seus antepassados, portanto a apropriação desses bens culturais é condicionada pela relação direta entre os povos indígenas do presente e os vestígios daqueles pretéritos. Outra consideração necessária a ser pautada, discutida no âmbito da Arqueologia Pública, Colaborativa e Etnoarqueologia, é a participação mais ativa de índios nas investigações e na gestão do patrimônio arqueológico, que são campos abertos em desenvolvimento. A gestão pertinente do patrimônio arqueológico indígena certamente é um grande desafio existente. A ética, na atualidade, envolve a família, a sociedade civil e o Estado; o filósofo Álvaro Valls (2006) explica que, no século XX, as formas de exploração tornaram-se cada vez mais sutis, demonstradas no neocolonialismo dos estados-nações. Os mecanismos que estabelecem as ordens culturais e políticas são exercidos e fundamentados também na universidade e na escola, instituições que são receptoras, produtoras e difusoras de discursos. A pergunta feita é qual a condição do professor indígena como pesquisador na interação entre duas sociedades, nesse século XXI. As considerações de Célio (14.3, 20182), do povo Karajá, chamam a atenção para o procedimento dos não índios, os quais deveriam respeitar os critérios tradicionais e institucionais no trâmite da investigação: “é bom consultar o cacique, homem branco faz sua pesquisa com autorização da Funai e do cacique”. E aponta para o risco da apro120

priação dos conhecimentos por “quem está na universidade publicando a história atual e vivência passada da pessoa, ele disse que o pesquisador está saindo com a vantagrm” [grifos meus]. Ao aconselhar e advertir o professor, seu interlocutor responde a duas perguntas sugeridas por Valdomir: o que seria a pesquisa “dar em alguma coisa”? E, quem se beneficiaria com ela? O poder e o saber são manifestados a todo o momento e são fundamentais para a compreensão das sociedades e da história (FOUCAULT, 1982). Entender as relações sociais e o mundo sob estes dois aspectos é uma boa forma para conhecer, pensar, criticar, atuar e modificar as estruturas vigentes para torná-las mais éticas, livres e humanas (VALLS, 2006). Questionar e criticar faz parte desse processo. Genivaldo Tapirapé, em sua apresentação oral sobre a pesquisa da etapa intermediária, no curso de julho, citou um ancião, que disse: “antes, os brancos vinham para a aldeia fazer as pesquisas; agora, eles mandam os professores indígenas fazerem as pesquisas para eles” [grifos meus]. Se de fato fosse isso, a estratégia seria bastante funcional, pois seriam cem professores investigando em, aproximadamente, 70 aldeias, portanto uma colocação interessante e inteligente. A apropriação indevida dos conhecimentos indígenas ocorre com frequência, e não sem motivos é duramente criticada por eles, em especial pelo pouco ou nenhum retorno delas para esses povos. Modesto (14.3, 20176), do povo Xavante, chama a atenção para a sentimentalidade, que estimula a crítica ao rever o passado, suas perdas territoriais e as implicações materiais, “mas, para a comunidade, não foi bom, porque eles têm sentimento revendo o passado, porque seus trabalhos foram deixados em todas as regiões do Brasil”. O fato compreende o abandono de antigos locais. Essa recordação fez com que, nas palavras de Modesto, “[...] por isso parei de pesquisar, porque alguns presentes ali tinham muitas lembranças e choraram porque viveram na região do centro do Brasil”. A conclusão dessa história e seu vínculo com a pesquisa do professor remetem a uma dívida não paga pelos não índios “[...] então as falas deles para a pesquisa, as coisas que passaram já aconteceu, ninguém procurou para pagar indenização das nossas terras” [grifos meus]. Para um dos mais importantes pensadores sobre o mundo árabe, o palestino Edward Said (1995), a terra é, historicamente, o maior objeto de disputa no imperialismo. A indagação sobre a quem pertencia, quem a usava, quem a reconquistou e, agora, quem planeja seu futuro foi refletida, discutida e, por muitas vezes, decidida no campo da narrativa. As considerações dos interlocutores dos professores Modesto, Valdomir, Célio e Genivaldo são entendidas como formas de resistência às instituições e aos pesquisadores. Entretanto, é importante situar que, se por um lado as narrativas históricas foram usadas para oprimir, por outro elas são afirmativas, contestatórias, reivindicatórias e libertadoras, pois 121

[...] as grandiosas narrativas de emancipação e esclarecimento mobilizaram povos do mundo colonial para que se erguessem e acabassem com a sujeição imperial; nesse processo, muitos europeus e americanos também foram instigados por essas histórias e seus respectivos protagonistas, e também eles lutaram por novas narrativas de igualdade e solidariedade (SAID, 1995, p. 13).

As afirmações dos interlocutores são de desencanto e não sujeição, ao questionarem o que será feito com as informações pesquisadas. A questão a ser desenvolvida agora é a quem pertence a informação. Esse livro tem por origem uma dissertação de mestrado pautada nos conhecimentos indígenas que constituem uma narrativa arqueológica. Serão apresentados cinco motivos em torno da realização da pesquisa, cujo compromisso reflete discussões científicas, políticas e socias. O primeiro diz respeito à concepção de um curso que orientou para a produção de conhecimentos em sala de aula e na aldeia. O êxito ou o fracasso do curso, não apenas quanto aos resultados, mas, sobretudo no interesse e curiosidade despertada, diz respeito ao nível do diálogo estabelecido. A utilização dos conhecimentos produzidos em função dos cursos foi solicitada e obteve parecer favorável do Colegiado de Curso do 3º Grau Indígena (Figura 47). O terceiro é a relevância política e científica sobre a recepção, compreensão e ação dos professores face às orientações do curso. Os conhecimentos produzidos refletem o diálogo do docente/pesquisador e, agora, um autor. Por um lado, a pesquisa desenvolvida nesse livro, na época, foi pioneira, em decorrência do contexto do ensino superior no Estado, o que torna a investigação e sua divulgação importantes para pensar o protagonismo indígena na Arqueologia. O quarto ponto é a riqueza cultural dos conhecimentos como produto de uma metodologia que associa pesquisa, ensino e extensão em uma universidade pública – esse é outro elemento relevante que caracteriza um perfil no ensino de Arqueologia. Por sua vez, a necessidade de conhecer os saberes indígenas não se reserva à academia. Esse pensamento é importante para todo mundo por falar sobre a diversidade, condição humana, direitos humanos, alteridade e respeito, portanto deve sair dos limites da universidade. A quinta consideração diz respeito à minha trajetória como professor de carreira na Unemat, desde 1998. Logo no primeiro mês, fui convidado para integrar a comissão de elaboração do anteprojeto “3º Grau Indígena”, em decorrência da experiência anterior na educação escolar indígena. Com a primeira turma, fui professor auxiliar de Antropologia, além de ter desenvolvido atividades sobre Arqueologia em julho de 2001 e janeiro de 2002. Em 2006, aconteceram os cursos de Arqueologia, com a segunda turma. Em meados de dezembro de 2007, defendi a dissertação; em janeiro de 2008, apresentei-a formalmente para os professores indígenas em Barra do Bugres-MT. Durante essa explanação, deixei clara a importância dessa publicação para a Arqueologia brasileira, por dar visibilidade 122

aos conhecimentos indígenas, ideia que foi bem aceita e correspondida, sobre a qual Genivaldo Tapirapé enfatizou publicamente que seria uma forma da comunidade conhecer o que os professores indígenas desenvolvem na universidade. Em julho desse mesmo ano, retornei para ministrar as disciplinas de História Geral e História de Mato Grosso para a turma de Ciências Sociais, acerca dessa turma, sentimentalmente cabe ressaltar que fui um dos professores homenageados na formatura. Junto à terceira turma de graduação da Faculdade Indígena, em janeiro de 2010, tornei a lecionar a disciplina de Arqueologia, portanto existe um vínculo de doze anos.

Figura 47. Colegiado de curso: parecer favorável à solicitação de pesquisa feita pelo professor Luciano Pereira da Silva.

123

As questões apresentadas neste tópico representam, em última instância, a defesa do protagonismo indígena. As críticas desferidas sobre a pesquisa procuraram ser respondidas enfatizando as perspectivas científicas e políticas que envolvem os professores como produtores de conhecimento. As constatações sustentam que esse conceito de saber na Arqueologia é um instrumento poderoso contra o estereótipo e o estigma. Analisar as considerações dos professores Célio, Valdomir, Modesto e Genivaldo requer prudência, e talvez a melhor forma de trabalhar com elas seja verificar a avaliação de outros professores.

4.5. Por que Arqueologia?

A pergunta que incide sobre as preocupações apresentadas no tópico anterior é: Quem se beneficia com a Arqueologia? Remeter-se a outros professores se faz necessário porque vivenciaram, discutiram e produziram conhecimentos a partir de uma proposta comum a todos, assim como possuem os mesmos compromissos e responsabilidades inerentes ao seu ofício. Para três professores, o fator de importância da pesquisa foi o seu desenvolvimento em si como instrumento de informação e participação. A avaliação de Feliciano (14.3, 20133), da etnia Xavante, foi feita no centro da aldeia e evidenciou que, para os presentes, é a “melhor opção na busca dos conhecimentos dos acontecimentos”, portanto um estímulo para refletir o sentido do saber e da história [grifo meu]. A ênfase conferida à pesquisa-ação corresponde à tentativa de reelaborar a vida social apropriando-se de uma prática acadêmica, cuja concepção permite considerar que a razão do saber é instrumental para a formação da identidade, e o poderoso caráter de (re)conhecimento das narrativas indígenas. Para Meskell (2002), os objetos arqueológicos são ícones materiais, cuja identidade é fluida e se processa no diálogo entre o material e o imaterial. Para ele, as identidades são sempre fatores de articulação que demonstram estratégias e posicionamentos que devem ser entendidas como projetos, nos quais a identidade ora os fundamenta, ora é contingente, contudo é um fator continuamente exercido Na educação escolar indígena, a cultura e a identidade são centrais para a construção do perfil político e pedagógico. Por sua vez, a intersecção entre Arqueologia e Ensino pode direcionar para a reflexão sobre o uso dessa disciplina na sociedade. A apreensão coletiva marca o interesse para a comunidade de Sérgio, da etnia Irantxe (14.3, 20149): “[...] é que as pesquisas são feitas por nós mesmos [...] para nós mostrarmos para nossas crianças e todas as pessoas da comunidade”. A citação é bastante socialista em sua proposta de divulgação e para a participação de vários interlocutores, “pessoas de maior idade, avô e tio”. O apreço sobre essa ação ocorre através da visibilidade obtida pelo professor na aldeia e muito provavelmente na escola, por referir-se às crianças e demonstrar a interação e a integração de distintos personagens. 124

Tariwaki Kaiabi retrata a pesquisa feita por seu tio Suyá (Figura 48), o que demonstra a relação entre os Kaiabi do Diauarum e os Suyá que habitam o PIX. A observação dos objetos identifica o encontro entre culturas, no qual a universidade está presente na casa do professor para a Arqueologia tornar-se assunto de pai e filho. Os artefatos são os seguintes: bancos, ou saga; abano, onde está um caderno ou bloco de notas e uma caneta ou lápis. A representação da diferença está também na vestimenta, talvez em função do “papel” formal de professor, que traja jeans, sapato com cadarço e camiseta, e seu pai calção e chinelos de dedo, para o desempenho das suas funções no cotidiano da aldeia. O pai porta um adorno labial, que, em conjunto com o adorno auricular, representa duas importantes noções culturais e sociais do mundo Suyá, o sentido da audição e da fala.

Figura 49. Rondó Kĩsêdjê.

Foto: Camila Gautitano. Fonte: Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2011.

Entre os Suyá, “a orelha furada era para ouvir – compreender – saber bem”, enquanto o adorno labial “se refere à agressividade e belicosidade [...] correlacionadas à autoafirmação masculina, a oratória e a canção” (SEEGER, 2003, p. 10). O adorno labial “era pintado com matizes em vermelho” na parte superior e com urucum nas laterais; a parte inferior é mantida na cor natural da madeira, porém com um pequeno círculo desenhado próximo ao centro com tinta de jenipapo, que representa a constelação 125

das Plêiades (ibid.). O adorno auricular (Figura 49) é pintado com argila branca, por representar a frieza. Esse antropólogo considera que, em decorrência das décadas de contato, esses adornos deixaram de ser confeccionados, contudo ressalta a importância cosmológica atual do ouvir e do falar. As dinâmicas, em sua relação com o espaço/escola e interlocutores/alunos, foram bastante variadas, a metodologia adotada pelo professor João Rikbatsa (Figura 50) tem como ponto de partida a questão de gênero. Nela, os meninos pesquisaram os barcos (Figura 51) e as meninas o pilão e a mão-de-pilão (Figura 52). O contexto retrata o ensino a partir da pesquisa, que pode ser identificado como ações de educação patrimonial e extensão universitária, pois o conhecimento acadêmico se destina a incitar discussões e ações acerca de problemas existentes na sociedade. O envolvimento com a comunidade e a participação da escola na produção do conhecimento possibilita uma analogia com os museus. Pedro Funari (2007c) afirma que o objetivo do “museu ativo” é tornar seu público produtor de conhecimento e não simples consumidor. Em uma aldeia indígena, protagonizar essa pesquisa arqueológica fez com que professor, aluno e comunidade se confrontassem com o mundo material, para daí, vir à tona o surpreendente sentimento de indignação e curiosidade (ibid).

Figura 50. João Tsaputai. Arqueologia e método de pesquisa. Base: A-4. Técnica: mista. Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural.

126

Figura 51. Jorge Sokpe Rikbatsa, Lenilson Natsisabyi Rikbatsa e Lininho Apóbó Rikbatsa. Arqueologia, utensílios domésticos e de trabalho: método de pesquisa. Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural.

127

Figura 52. Autor não identificado. Arqueologia, utensílios domésticos e de trabalho: método de pesquisa. Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural.

128

Christopher Tilley (1989), ao analisar a Arqueologia como ação política e social, explicita que ela é construída a partir da relação entre o passado e o presente, que é mediada pelos indivíduos, grupos e instituições e, dessa maneira, adquire o caráter político e ideológico que fundamenta o mundo contemporâneo. Para Tilley, a Arqueologia é uma maneira particular de abordagem e uma experiência cultural continuamente moldada e modificada. Tais concepções fundamentam as diferentes percepções sobre uma mesma experiência, em termos de efeito e legitimidade. O retorno para a comunidade não se restringe ao esforço dos professores em difundir e realizar a pesquisa de forma participativa; ao contrário, principia nela, o que é importantíssimo. Conhecer, registrar e divulgar os conhecimentos por meio de publicações, gravações, filmagens e cartilhas, ou seja, nas formas escritas e eletrônicas de transmissão do conhecimento, pode auxiliar na manutenção de saberes e memórias. A importância da pesquisa para a comunidade se firma, em grande parte, no registro e perpetuação do conhecimento. Trata-se de um campo multicultural no qual os novos valores como escola, escrita e registro eletrônico são integrados ao discurso indígena. Para Josimar Tapirapé (14.3, 20159), a pesquisa foi relevante “porque os alunos vão registrar as coisas que antes não foram registradas” [grifo meu]. Esse professor estendeu sua atividade ou parte dela para que os alunos a fizessem com seus pais e mães em casa, o que a tornou bastante conhecida. Mas o que se ressalta é o sentido de registrar e que, na escola indígena, encontra seu ponto forte na representação escrita. Essa instituição tornou-se essencial para a perpetuação do conhecimento, propiciando situações que os próprios alunos protagonizam. A participação ativa dos alunos na constituição de saberes revela o entendimento do mundo social, possível de ser verificado, em parte, nos desenhos dos alunos Xo’irywa e Ina’arawy’i, do professor Genivaldo Tapirapé. Neles, observa-se o cuité (Figura 53), cesto ou peyra (Figuras 54) e a panela (ver Figura 19), respectivamente utensílios para servir e armazenar, transportar, e preparar alimentos, os quais refletem a investigação sobre a trajetória histórica dos bens materiais, conforme já verificado nos casos Tapirapé. O mapa da aldeia São Marcos, feito por Francisco Hudson Wa’ratahité Tsi’õnowe (Figura 55), de 15 anos, aluno de João Batista, da etnia Xavante, é outro exemplo como esse citado acima. Em paralelo, verifica-se o croqui de 1981 da aldeia Etenhore pré no Posto Indígena de São Marcos (Figura 56). A morfologia tradicional da aldeia Xavante se dispõe em forma circular com uma grande abertura voltada para o rio maior (COSTA e MALHANO, 1987). As casas situadas nas extremidades são chamadas de ab’rã e ab’rãamo, a primeira e a última casa respectivamente.

129

No pátio da aldeia de Francisco existe um campo de futebol, como se vê nas duas traves. Próximas à primeira ou última residência estão as casas do hö ou casa dos solteiros, espaço de reclusão dos iniciandos wapté, que, após esse período, tornam-se rapazes iniciados ritei’wa, que é o primeiro passo para tornarem-se homens maduros, ou ipredu (ibid.), sendo elas as quatro instalações à direita da Figura 55. O campo de futebol na proximidade dessas casas pertence aos wapté, cuja seleção de indivíduos comporia um dos times da aldeia. O terceiro campo de futebol possui uma constituição física visual em tamanho, gramado, marcação e redes nas traves que diferem dos demais, podendo significar diferentes tipos de partidas quanto aos critérios de composição dos times e nível de competitividade. No lado esquerdo, fora do círculo residencial, encontram-se as instalações de telhados vermelhos, as quais devem representar instituições como a escola, o posto de saúde e a Funai, entre outras de caráter não tradicional. No entorno desse conjunto, existem outras duas edificações semelhantes às residências, uma sem paredes de “uma água”, e um tambor de metal horizontal. O cemitério foi pouco representado nos mapas. No desenho de Francisco, ele se encontra atrás da aldeia. A não indicação desse local sugere uma interdição que torna desaconselhável ser assunto do curso, embora na disciplina de janeiro tenha sido discutida a Arqueologia funerária e a Osteoarqueologia a partir de slides provenientes de escavações em sítios cemitérios, no Pantanal de Cáceres-MT, de mil anos antes do presente (FUNARI et al., 2007). Cabe ressaltar que não foi proposta nenhuma pesquisa acerca desse tema. O registro da pesquisa está relacionado ao fato de os índios estarem cada vez mais se autorrepresentando pela escrita, que são verdadeiros documentos históricos e poderosa forma de expressão do conhecimento indígena. Daniel Munduruku, filósofo, especialista em Antropologia Social e doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo, afirma que a cultura escrita, para os literatos indígenas, é uma forma de o próprio índio descrever o Brasil sob sua ótica, e explica:

Figura 56. Aldeia Xavante “Etenhore pré”, Posto Indígena São Marcos. Fonte: FÉNELON COSTA e MALHANO, 1987, p. 88.

Estamos no bom caminho? Não seria a literatura um meio de destruir a cultura? Não estaríamos antecipando a destruição de nossa gente? Com todas estas questões em mente, voltei ao lugar onde me aceitei índio. Voltei à fonte. Fui ouvir o rio. Sentei-me no lugar onde, um dia, meu avô colocou-me para aprender a escutar. Lá, sozinho, fiz as mesmas perguntas ao velho avô e ouvi a mesma resposta de trinta anos atrás:

As casas vizinhas às ab’rã e ab’rãamo são denominadas ab’rãnhidöna; aquela localizada no meio do alinhamento circular de residências é conhecida como rinhõ’udu, e as demais, em locais intermediários, são chamadas ripatsiiupa. Acerca da rinhõ’udu e ripatsiiupa, no mapa de Francisco, elas comporiam o conjunto de dez casas existentes no interior do círculo. O centro da aldeia, ou warã, é o ponto em que se reúnem os ipredu (homens maduros) e os ritey’wa (jovens já iniciados), “ambos ao redor da respectiva fogueira situada uma a cada lado do eixo de simetria” (ibid., p. 85). 130

se o rio parasse diante dos obstáculos, ele nunca contemplaria a beleza do mar. Para mim, isso foi o bastante para convencer-me de que a literatura era um caminho novo a ser construído e que por ela poderia passar o movimento do saber literário, um braço novo do saber em movimento (JORNAL DA CIÊNCIA, 2003).

O registro dos conhecimentos pesquisados pelos professores via universidade é uma situação de fronteira. Walter Benjamin tem por base de sua concepção de história 131

a experiência e a análise das margens, dos limites e das zonas de comunicação. Para esse importante filósofo, a fronteira é o melhor local para compreender o discurso de cada qual; ela é chave para o entendimento da alegoria (dizer o outro), aura (algo peculiar) e símbolo (forma de transcendência que traz o outro) (BENJAMIN, 1985; 1987; 1993). Essas noções invocam a memória como símbolo que traz o passado para o presente, como um ponto de vista particular da história que é uma Arqueologia Indígena “feita” por eles mesmos nas fronteiras culturais do século XXI. A imagem também representa uma visão particular de mundo que, associada aos conhecimentos textuais, constitui uma narrativa arqueológica. O desenho como fonte imagética é um “signo icônico”, cujo conceito “é algo que está no lugar de alguma coisa para alguém, em alguma relação ou alguma qualidade” (JOLY, 1996, p. 37). Para Carmark (1979, p. 17), a etno-história [...] é um conjunto especial de técnicas e métodos para estudar a cultura através do uso das tradições escritas e orais, distinguindo-se pelo ecletismo que alia a análise documental aos métodos arqueológicos, etnográficos e linguísticos, em especial. Essa afirmação – associada aos procedimentos adotados por Josimar, aquele que repassou a pesquisa para seus alunos fazerem com seus pais – configura uma escrita multifacetada. A representatividade obtida com a pesquisa-ação significa a multiplicidade de registros e percepções (cada aluno produz e sente o conhecimento), reflexão individual (professor/pesquisador) e coletiva (alunos e pais de alunos). As avaliações sobre a pesquisa traduzem a impressão destes registros etnoarqueológicos, os quais enunciam formas de lidar com o passado no presente. Por sua vez, Krekreansã Panará (14.3, 20163) é claro em assinalar os meios utilizados para chegar aos seus objetivos: “A pesquisa tá ajudando comunidade na gravação da música para o futuro. Assim foi a decisão da comunidade. Para registrar e guardar coisas antigas no livro, então para isso que é importante para a comunidade” – o que fundamenta o uso da música gravada e do livro editado na aldeia, para essa sociedade como um todo [grifos meus]. Os motivos e as formas de registrar demonstram a atualidade política e social indígena. A pesquisa sobre o passado tem por finalidade guardar, o que significa “vigiar para defender, zelar, colocar em um lugar apropriado, preservar e conservar, lembrar e memorizar” (HOUAISS e VILLAR, 2004, p. 380). A antropóloga Isabela Tamaso (2006) afirma que um dos benefícios do patrimônio é estabelecer a ligação entre as gerações, criando vínculos entre os cidadãos a partir de símbolos que representam a coletividade, assim aumentando a autoestima do grupo portador. Em relação à decisão da comunidade sobre o registro, Ian Hodder (1988), ao conceituar a Arqueologia pós-processual, enfatiza a ação, o sentido, o contexto e a história em torno da vida material. Acerca desses eixos, o arqueólogo ressalta três princípios: os indivíduos são negociadores ativos das regras que criam e recriam a ordem social, a inclusão dos aspectos cognitivos e do pensamento dos atores, e a ideia 132

de passado, sobre a qual as ações humanas estão sujeitas a um contexto histórico e cultural específico que é compreendido pelos agentes sociais. O intento de registrar e guardar foram revelados por Valdevino, da etnia Umutina (14.3, 20191), que “negociou” a pesquisa ao ser questionado sobre a sua destinação, isso porque “quase ninguém se interessa em aprender certa técnicas”. Explicações dadas e ação realizada, a comunidade envolvida por fim considerou que “todos os professores deveriam fazer para guardar (registrar) esses conhecimento e divulgar a cultura do povo Umutina, pois Umutina não tem cultura”, portanto o professor torna-se guardião do conhecimento e educador patrimonial [grifos meus]. A trajetória histórica e as perdas culturais Umutina compõem o discurso de alteridade e afirmação étnica no presente, que constituí uma narrativa política para dentro e fora da comunidade. Narrar, registrar e guardar é perpetuar e legar uma história para mantê-la viva afetivamente e intelectualmente. Seja por iniciativa individual, coletiva ou institucional, o ponto de partida é compreender como as identidades são concebidas e agem nas sociedades. O processo de formação da identidade varia entre dois movimentos: aqueles que tendem a fixar e estabilizar (centrípetos), e os que subvertem e desestabilizam (centrífugos) (HALL, 2000). Tamaso (2006) afirma que a globalização gera uma pluralidade de ações em torno das concepções e lutas pelas identidades, ponto central nas discussões empreendidas pela Unesco. Para a antropóloga, a diversidade de noções sobre identidade demonstra distintas formas de sua apropriação, por exemplo, os casos inscritos pela Unesco como “Obras-primas do Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade” (OPPOIH). A identidade é utilizada como instrumento de legitimação, resistência e representação para a conservação, cujo centro do problema é o risco de desaparecimento, o que influencia no planejamento para a gestão de tais bens. Essa reflexão compreende todo um trabalho de base que envolve instituições e organismos responsáveis pela herança cultural, cujas ações preveem o necessário acolhimento da comunidade para a busca de uma gestão participativa sobre os bens culturais. O legado cultural encontrou na Arqueologia uma aliada para refletir e propor. Pitoga Makne (14.3, 20148), citando o ancião P., afirma que “eu estou procurando as pessoas que fazem esses tipos de pesquisa, assim vocês jovens vão conhecendo e aprendendo a nossa história do passado” [grifo meu]. A visão pragmática do ancião mostra claramente sua intencionalidade: encontrar pessoas de uma determinada faixa etária para serem por ele ensinados, com a intenção de instruí-los sobre importantes saberes da cultura tradicional e da história do seu povo. Nessa linha, Daniel Tapirapé (14.3, 20221) complementa sobre o discurso dos anciões: “dizem que é muito importante para eles está passando o conhecimento ao professor”, e fundamenta sua consideração enfatizando que “os professores vão registrar para ensinar os alunos no dia que eles falecerem, acharam o registro muito legal, tanto para eles como para seus filhos que estudam ou vão estudar futuramente”. 133

A percepção dos interlocutores sobre a pesquisa aponta sua relevância na transmissão do saber associada à memória, registro e atuação na escola, que intermediam a relação entre passado, presente e futuro, portanto firmam ideias relativas ao patrimônio histórico e cultural. A perpetuação do conhecimento representa o elo entre gerações, que pode ser constatado em uma árvore genealógica (Figura 57 - próxima página); ela mostra, em especial, a interação entre Tapirapé e Karajá, que, em síntese, define dois principais aspectos das análises aqui empreendidas: as relações sociais estabelecidas entre sociedades distintas e a grande diversidade de povos. Por sua vez, a compreensão da Arqueologia tornou-se politicamente interessante ao questionar e propor os diversos horizontes da pesquisa: aqueles da universidade, do professor, da comunidade e alunos, o que caracteriza um exercício de cidadania.

Figura 57. Daniel Kabixana Tapirapé. Arqueologia e genealogia: método de pesquisa. Base: A-4. Técnica: caneta esferográfica. Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural.

134

135

CAPÍTULO 5 OFÍCIO E DISCURSO NA ARQUEOLOGIA Este capítulo discute o caráter político entre Arqueologia e Ensino, do ponto de vista do professor indígena. A sua percepção é importante por ser reflexo do que viu e ouviu sobre a investigação, mas, essencialmente, por protagonizar uma pesquisa-ação que dialoga com dois mundos. A tabela a seguir apresenta as considerações dos professores sobre a pergunta: Qual a importância da pesquisa para você? Tabela 5. Professor indígena e percepção. Importância da Pesquisa

Citação

Conhecer o passado

14

Ampliar os conhecimentos

10

Registrar

7

Relação com os velhos

5

Conhecer o presente

5

A pesquisa em si

4

Despertar para aquilo que não era falado

4

Realizar atividades com alunos

4

Risco de desaparecimento

3

Valorizar o conhecimento

2

Continuidade da etapa presencial

2

Estudar a cultura material “nossa” e a dos “outros”

2

Necessidade de estudar a comunidade

2

Perpetuação e sucessão da pesquisa

2

Resgate cultural

2

137

Ser professor

2

Cultura material como documento

1

Conhecimento indígena e não indígena

1

Aprender e possuir informação

1

Saber o que é Arqueologia

1

Saber sobre o passado e o presente

1

Volta ao passado e preservação

1

Ser acadêmico

1

Como se trabalha na Arqueologia

1

Realizar a pesquisa na própria casa

1

Fonte: Dados da pesquisa.

5.1. Percepção

Ser professor é deparar-se, também, com gratas surpresas que trazem motivações e prazer à pesquisa. Segundo Luís, da etnia Bakairi (14.3, 20150): “Eu adorei fazer a pesquisa. Isso me fez descobrir coisas que não são falados ou não são vistas atualmente; durante a pesquisa, descobri que temos muitas coisas, muitas histórias sobre a cultura material”. Desvendar o passado, em sua plenitude, é impossível, pois as evidências existentes são fragmentos recuperados organizados e analisados por historiadores e arqueólogos a fim de contar uma história. Contudo, é importante enfatizar que a história é feita pelo povo, assim como, quando consultado, orienta o olhar para as minúcias a serem observadas. Os dados sobre a produção e o uso do pilão e mão-de-pilão e Arqueologia da Criança implicam na questão de gênero (Figuras 58 e 59). Por sua vez, o chocalho das crianças é usado pelos pais para fazer dormir e acordar aquelas menores; já para as maiores, serve para brincar, portanto é um indicativo de faixa etária. O chocalho de mão Bakairi, ou pako, é confeccionado com semente de pequi e se destinada a “harmonizar o ritmo da dança”, segundo Alinor Bakairi (14.3, 21896), portanto é um instrumento de percussão, provavelmente relacionado ao uso ritual.

Figura 58. Luiz Apacano Kapeguara. Arqueologia e gênero. Base: A-4. Técnica: mista. Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural.

138

139

A diferença de gênero, questões cosmológicas e dos clãs são observadas nas Figuras de 60 a 63, descritas no quadro a seguir. Quadro 18. Arqueologia e gênero entre os Bororo. Artefato

Confecção

Uso

Matéria-prima

Observações: confecção e uso

Girau, ou kamoreu*

M/F

M/F

Madeira pequena

Colocar alimentos.

Panela, ou aria

F

F

Argila

Preparo de alimentos, cozimento de carnes e peixes, entre outros víveres.

Vaso, pote, ou pori

F

F

Argila

Armazenar água e bebida fermentada.

Pote médio, ou pori gabo

F

F

Argila

Servir e armazenar água.

Colher de pau, ou kuierapa

M/F

M/F

Madeira

Esteira, ou beto

F

F

Buriti

Esteira, ou kodo*

M/F

Acuri (Attalea phalerata) e babaçu (Orbignya speciosa ou Orbignya martiana)

Lenha, ou jerigi*

M/F

Colar de tatu-canastra

Usada nos rituais, nas casas e para dormir. Feito do broto destas palmeiras, para se sentar ou deitar. Aquecer e iluminar.

Unha de tatu-canastra, ou bodori inegi

Um dos clãs o detém.

Fonte: Dados da pesquisa. * Segundo Virgílio Kidemugureu. Os itens não assinalados correspondem a informações de Mariel.

Figura 59. Luiz Apacano Kapeguara. Arqueologia e gênero. Base: A-4. Técnica: Lápis de cor. Base: A-4. Técnica: mista. Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural.

140

Os três artefatos cerâmicos que compõem o universo feminino é a panela, ou ária; pote, ou pori; e a tigela, ou ruwobó (Figura 61). As diferenças quanto à forma e ao volume decorrem da função: o pote, ou pori, sobre o jirau para colocar água; a tigela, ou ruwobó, destina-se ao cozimento; e as outras duas panelas, ou ária, com a finalidade de armazenar alimentos (Figura 60). Para Mariel, o pori é um vaso e pori gabo um pote médio. A análise destes utensílios considera quem os faz, a forma de participação de outras pessoas, os interditos e a herança cultural. Virgílio Kidemugureu (14.3, 21844) é filho de Nice Kuioto, uma das poucas ceramistas Bororo da atualidade. Ele narra os processos para sua confecção. Um dos critérios é a escolha da argila, cuja “qualidade” ideal não possui “a presença de areia” para que não haja quebra. Esta identificação é feita com a mastigação do “barro” e determina a sua coleta ou não. A cor da argila é outro fator de escolha. Segundo Mariel, o “barro preto”, ou rotu, é quase sempre o escolhido pelas mulheres. Já para Virgílio, a sua cor não é importante; relevante é a “qualidade”, e situa que o local de coleta é na margem do rio, dentro da água, e lugares afastados “do rio, no campo”. As restrições apresentadas por Virgílio consideram que a mulher não poder manter relações sexuais e nem estar menstruada durante o processo de confecção da cerâmica, desde a procura da argila até sua queima, para que não se rache ou se quebre nesse 141

último momento. Para Mariel, o período menstrual é restritivo, porque o artefato não alcançará a “perfeição” almejada. Mariel (14.3, 21845) explica que o tempero ou antiplástico usado é a cinza de orelha de burro (Byrsonima verbascifolia), ou aria uiorobo, e tem por função “dar mais resistência para a cerâmica”. A Figura 62 mostra a Sra Nice Kuioto empregando o antiplástico; talvez o tão usado farelo do osso da “perna” e do “braço” do boi citado por Virgílio, e que pode ser substituído pela casca de uma árvore. Esse tempero é obtido ao queimar, pilar e peneirar as cinzas dos ossos, cujas partes grossas são as mais aproveitadas para se misturar à argila. Virgílio complementa que os objetos, depois de prontos, são secados dentro de casa, na ausência de sol e vento, para então serem alisados com uma concha ou caroço de jatobá (Hymenaea courbaril). Para a queima, é colocada palha de acuri (Sheelea phalerato) no interior dos vasilhames, mantidos a uma distância de, “mais ou menos”, trinta e cinco centímetros das brasas e, aos poucos, vão sendo aproximados até ficarem em meio a elas. Mariel situa que, depois de seco, é colocado em “contato direto com o fogo. Quando incandescente, a ceramista, depois de ter afastado as labaredas, tempera-a com borrifos de infusão fria de casca da árvore do cerrado chamado jure’i, orilha-de-burro, que é o aria uiorubo”, e conclui que, não havendo trincas, está pronto para o uso [grifo meu]. Para esse professor, grande parte do processo de sua confecção é sintetizada na palavra ‘muguto’, que significa “assentar” e “fazer”; por exemplo, aria muguto quer dizer “fazer uma grande panela de barro”, de fundo esferoidal, como todas as produzidas, que, para cozinhar, é colocada em “uma pequena cavidade aberta no solo”. As narrativas de Virgílio e Mariel complementam as informações sobre a cerâmica Tapirapé e Umutina, em grande parte analisada em seu contexto social de desterritorialização. Entre os Bororo, foi em termos de localização, procedimentos técnicos e culturais. A atualidade da cerâmica situa-se no campo da interação entre sociedades e evidencia três questões: os detentores destas técnicas são poucos, em função do contato e consequente desuso do objeto; o osso de boi empregado como nova matéria-prima; e o artefato produzido pela mãe de Virgílio feito sob encomenda para venda. Afora estas questões, o fogo na panela é outra evidência para estudos arqueológicos e etnográficos, pois, entre sociedades indígenas, representa o cotidiano, práticas culturais e de organização social, assim como o carvão possibilita a datação por Carbono-14 (C-14), uma das mais adotadas técnicas para determinar a idade do material. A estrutura de combustão pode ser analisada quanto aos tipos de madeira usados e conforme a finalidade: para aquecer e iluminar lenha branca; torrar farinha é com a lenha vermelha. A sua importância se deve ao múltiplo uso: cozinhar, aquecer, iluminar, encurvar arcos e desempenar flechas, além, logicamente, do seu caráter simbólico (VELTHEM, 1987). A esteira sobre a qual a índia está sentada, feita do broto da palmeira de acuri (Attalea phalerata), é de confecção feminina, porém é usada por ambos os sexos. Segundo Virgílio, 142

é feita pelo usuário, mas também pode ser trocada ou comprada. Verifica-se também o jirau, ou kamoreu, e colher de pau, ou kuierapa, produzida por aquele que irá usá-la, independente do sexo. O colar usado pela índia Bororo é confeccionado com a unha de tatu-canastra, ou bodokori inegi (inegi=dente), e representa a divisão social por clã. A Figura 63 retrata o mundo masculino associado à caça e traz informações sobre armas e objetos de uso pessoal, como a pulseira, possivelmente relacionada à proteção do pulso no momento do disparo do arco, adorno de braço e a saia. A flecha é composta por ponta, vareta, haste e emplumação (ver Figura 29), essa última com penas retocadas em paralelograma. O arco é feito com a madeira coração-de-nego (Cassia sp.), ou rumaga umana, que proporciona a confecção de “um dos arcos mais fortes e resistentes, por isso é muito querido pelos Bororos”, afirma Mariel. O excedente da corda é enrolado na sua empunhadura. Outros aspectos são a técnica de disparo (Figura 64) e a posição de mira (Figura 65), essa em destaque. Sobre aquela não é possível atestar com certeza, embora o polegar sugira o disparo mediterrâneo, pois a posição dos demais dedos não é observada.

Figura 64. Arco e flecha: técnica de disparo. Fonte: CHIARA, 1987, p. 135.

143

pesquisas arqueológicas encoraja a comunidade a frequentar e vivenciar ativamente as universidades, museus e bibliotecas. O êxito desse projeto depende da apreciação e do gosto das pessoas pelo que acharam e viram (LEA e SMARDZ, 2000). Os conhecimentos produzidos pelos professores constituem narrativas que são interpretações do mundo em que vivem. Esse olhar constrói socialmente o objeto material (FUNARI, 2007b). O caminho trilhado para buscar esse entendimento é o acesso ao passado. Fábio (14.3, 20192), da etnia Xavante, associa o tempo a um objetivo bastante específico, “para que voltemos ao passado e para escrever e preservar por escrito a nossa cultura”. Pitoga (14.3, 20148) compara os utensílios domésticos do passado e do presente destinados ao transporte e à limpeza, ao preparo e armazenamento de alimento, conforto pessoal e implementos (Figura 66). Quadro 19. Arqueologia, utensílios domésticos e de trabalho, por Pitoga Makne Txikão, da etnia Ikpeng. Utensílio

Confecção Uso

Matéria-prima

Aspectos do uso, sociais e históricos

Cesto, ou mayaku

M

M

Cipó, embira

Apenas para o transporte dos produtos da roça; pode ser emprestado.

Ralador, ou kai

M

F

Tronco de árvore e tucum (Bactris glaucescens)

Usa-se o casco de árvore e o espinho de tucum. Por ser de difícil confecção, a mulher empresta para parentes.

Metal/Industrial

A panela de barro, ou on muk, atualmente está extinta. É obtida pela troca com os Waurá.

Panela de alumínio nº 50 Banco



Fogo

Figura 65. Arco e flecha: posição de mira. Fonte: CHIARA, 1987, p. 136.

A inserção da Arqueologia na práxis pedagógica do professor caracteriza uma prática da Arqueologia Pública, que estimula e promove o maior conhecimento e apreciação crítica das pessoas e dos grupos sociais sobre a disciplina. A divulgação das 144





M/F

– A resina do jatobá era usada como vela. Atualmente, é utilizada no preparo da flecha, cura de doenças e tatuagem. Vassoura descartável em desuso, trocada pela industrial.

Limpa-mão, ou tampowi

F

F

Galho de árvore

Vassoura, ou wamengketpol*

M

M/F

Buriti, vara e embira

Do buriti, usa-se o talo. Possui dois tamanhos: a maior, para limpar a casa e o pátio, e a menor, para torrador de beiju. Hoje, a usada é a menor.

Vassoura

*

Industrial

Uso atual.

Facão, ou Togo

*

Metal/Industrial

Preparar artefatos.

Lima

*

Metal/Industrial

Uso atual.

Ipê-roxo (Tabebuia impetiginosa), ou raknatxi

Lixa antiga, usada para lixar o arco.

Folha do ipê-roxo

M/F

M

Fonte: Dados da pesquisa. * Artefato identificado textualmente.

Os artefatos observados são destinados ao transporte, preparo e armazenamento de alimento, conforto pessoal, limpeza e também para a confecção de outros objetos 145

(implementos). Por sua vez, as mudanças materiais são verificadas na troca dos utensílios de cerâmica pelos de alumínio, introdução das vassouras industriais, uso da lima e faca como implementos. As circunstâncias refletem “perdas” e permanências sobre a trajetória histórica e material dos povos indígenas. Na relação entre comunidade, professor, escola e universidade, a indagação feita é: Por que tais conhecimentos se fazem importantes? Pitoga (14.3, 20148) responde: “porque ele está fortalecendo a nossa cultura, através da pesquisa na escrita, para ela não esteja extinta futuramente, para ser arquivado” [grifos meus]. O risco de “extinção” de “partes” da cultura conduz à necessária ação do professor, por meio do registro escrito e seu arquivamento, que configuram opções e ações do presente sobre o passado no mundo contemporâneo. Isso é bastante corrente na atualidade e reflete a luta pela identidade. Henson (2000) relaciona três questões sobre o interesse pelo passado: 1) aprender sobre o passado possibilita entrar em um mundo exótico, com culturas diferentes da nossa, que podem fascinar e cativar; 2) aprender sobre o passado como fonte de informação para o presente serve de lição para olhar o futuro; e 3) o uso do passado no presente remete à concepção de patrimônio como mercadoria e símbolo de identidade. Portanto, o passado implica no uso consciente dos bens materiais, que projetam uma imagem sobre “nós” mesmos ou proveem a sensação confortável de pertencimento. As considerações de Fábio e Pitoga remetem a isso, pois aprender sobre o passado é voltar a ele; olhar para o futuro é agir no presente, escrevendo para preservar “nossa cultura”. O elo entre o passado e o presente se estabelece no encontro entre gerações que, além de produzirem conhecimentos por meio do diálogo, encontram grande sentido na pesquisa-ação. Segundo Pitoga (14.3, 20148), “as pessoas que estavam presentes me incentivaram para que eu sempre possa fazer a pesquisa, que é fundamental para serem registrada em escrita a história Ikpeng. Quando ouvi isso tudo a favor da minha pesquisa, eu me senti feliz e o trabalho valorizado” [grifos meus]. A citação revela a participação ativa da comunidade na gestão sobre o patrimônio histórico e cultural. Essa visão positiva acerca da pesquisa mostra uma relação afetiva e política que gera reflexões, opiniões, decisões e ações. Nestas circunstâncias, a História e a Arqueologia, mais do que simplesmente contar o que aconteceu e quando, oferecem sustentações essencialmente humanísticas que objetivam melhorar a visão que as pessoas têm do mundo e de si mesmas (HENSON, 2000). Portanto, conhecer e analisar o alcance da mensagem arqueológica é um diagnóstico importante a ser feito. A avaliação retroalimenta a análise, aponta possibilidades e aprofunda o sentido de pesquisa. Márcia Bezerra (2002) afirma que, na relação entre os arqueólogos e o público escolar, por vezes, faltam habilidades específicas desse profissional para com esse público. Isso não decorre da sua capacidade intelectual ou dos recursos utilizados, mas da falta de informação sobre a identidade das pessoas a quem se dirige. 146

Os professores – ao informar, difundir, questionar, discutir e agir em suas comunidades, escolas, casas, conselhos e reuniões – interagem com o público que é o seu povo. Tal feição adquire presença científica, social e política na Arqueologia.

5.2. Responsabilidade

A pesquisa, como práxis pedagógica na aldeia, demonstra confluência entre as Ciências da Educação e a Arqueologia, sobre a qual o passado reavivado e redescoberto fundamenta a busca do conhecimento como missão no presente. A importância da pesquisa para Álvaro (14.3, 20135), do povo Xavante, ocorre por dois motivos: porque “somos acadêmicos, podemos procurar novos conhecimentos para os estudos de Arqueologia e artefatos indígenas do passado” [grifos meus]. A contribuição decorre de uma relação institucional que estimula a aquisição de saberes. O vínculo profissional foi enfatizado por Waranaku Awete (14.3, 20214), que achou “importante fazer a pesquisa com os mais velhos, porque eu sou professor da Aldeia Aweti, preciso aprender o conhecimento que a gente tem como indígena” [grifos meus]. O ponto de vista situa o seu ofício e vida universitária como fator de afirmação étnica. Enquanto professores e estudantes de licenciaturas, eles se apropriam da Arqueologia e agem sobre ela, cuja ideia central é a de pertencimento, questão fundamental nas discussões teóricas sobre Arqueologia. Loike Kalapalo, no primeiro dia de aula, perguntou: “como faz para ser arqueólogo no Brasil e aonde ele trabalha?”. A indagação pode dimensionar-se para as interfaces entre a Arqueologia acadêmica e a Arqueologia praticada por esses professores. Paulo Funari (2007a) contextualiza que o estudo da Arqueologia nas sociedades ocidentais tem origem em diferentes matrizes universitárias. Nos Estados Unidos, grande parte dos arqueólogos é oriunda da Antropologia, que incorpora a Linguística e a Arqueologia. Existe um tronco básico na Antropologia que discute a cultura do “outro”, logo os arqueólogos estudam os índios mortos e os antropólogos os índios vivos. Por sua vez, a tradição europeia é ainda mais diversificada, composta por préhistoriadores, medievalistas e classicistas formados pela tradição histórico-filológica de origem alemã; no Brasil, a Arqueologia faz parte da história da arte ou da história das línguas. Na Grã-Bretanha, de forma diferente, a disciplina adquiriu independência epistemológica com a criação de diversos cursos de graduação. No Brasil, a Arqueologia situa-se no contexto mais amplo citado, aquele norteamericano e da tradição europeia, e caracteriza-se pelo reduzido número de arqueólogos, aproximadamente trezentos, situação decorrente, em grande parte, dos poucos cursos, embora crescentes, de graduação e pós-graduação. Em muitos casos, ela compõe áreas de concentração, principalmente em programas de pós-graduação em História e Antropologia (FUNARI, 2007b). 147

Um dos problemas bastante debatidos atualmente é a relação entre Arqueologia e Educação, junção essa muitas vezes preterida e subjugada diante dos interesses da pesquisa arqueológica em si. Contudo, o vínculo destas disciplinas configura o tipo de contato estabelecido com a população, fundamentando a formação da identidade, respeito à diferença e o conhecimento histórico. A matriz acadêmica da Arqueologia nos Estados Unidos, em sua ligação com a Linguística e a Antropologia, chama a atenção para as duas áreas das licenciaturas, na Faculdade Indígena Intercultural em pauta. Tal relação remete a um olhar mais apurado dos professores na produção de seus conhecimentos, pois, com mais facilidade, relacionam a Arqueologia com estas áreas, contextualizando as simbologias, cosmologias, histórias e morfologias, como se pode verificar, por exemplo, em uma habitação indígena (Figura 67). O corte longitudinal e a fachada principal da casa são elementos que informam sobre a organização social do povo; por sua vez, a planta baixa evidencia o registro arqueológico de uma casa no presente. Quadro 20. Glossário da habitação indígena da etnia Ikpeng, por Pitoga Makne Txikão3. Nome em português

Nome em ikpeng

Caibros

Ampon yepru

Cumeira

Yarakgrϊ cerpo

Esteio para rede

Yayan

Esteios centrais

Enguaalï

Fechamento superior da cobertura (elemento vazado para a fumaça sair, e iluminação) (COSTA e MALHANO, 1987, p. 54)

Yarakgrϊ

Frechal

Aït

“Parede tudo em pé” (caibros enterrados em sequência + paus verticalmente postados. (COSTA e MALHANO, 1987, p. 54)

Eprï

Ripas

Erokban

Fonte: Dados da pesquisa.

3 Cf. a Figura 68.

148

Figura 68. Glossário da habitação indígena. Fonte: MALHANO, 1987, p. 94.

No caso Ikpeng, a concepção cosmológica do espaço da aldeia é elíptica; o centro ou praça ritual é a “lua”, constituída por uma elipse com dois fogos onde está o mungie (Figura 69). O centro de cada uma das casas compõe, com o mungie, o percurso de uma dança elíptica nos cerimoniais. O mungie não é uma casa dos homens no modelo alto-xinguano, pois normalmente permite a entrada de mulheres. Esse estabelecimento é também usado como atelier de artesanato e é aonde ensaiam e se preparam para os cerimoniais; além disso, é o lugar onde os amigos comem e bebem fora do grupo doméstico (MENGET, 2003). No interior da casa, as evidências são o fogo, jirau de utensílios, prateleira e redes. Entre os Ikpeng, o fogo é o terceiro grande nível da organização social; o povo é o primeiro, seguido pela casa. Para esta etnia, “não existe uma expressão que designe exatamente povo”, porém, na presença dos não Ikpeng, é bastante usada a palavra ‘nós’, ou txmana, e também ompan Ikpeng ninkun, que significa “todos os Ikpeng”, o que marca a oposição aos outros, seja designando estrangeiros ou inimigos. A sua organização social, de maneira geral, relaciona-se com os laços moralmente solidários face ao mundo exterior (ibid.). A arquitetura da casa assemelha-se às alto-xinguanas, porém os Ikpeng não se encontram nessa região, o que é uma pista para o entendimento de sua morfologia, assim como das especificidades históricas em torno dela. Compreender as relações sociais e culturais por meio da habitação significa também conhecer a importância dos grupos e agregados das unidades domésticas. Trata-se da constituição de laços sociais que são determinantes para a realização das atividades pelos grupos em uma mesma unidade doméstica. Os vários grupos domésticos agrupados na partilha do fogo representam o terceiro nível da organização social, sendo compostos pelo marido, esposa e filhos. 149

Como praticantes da poligamia e da poliandria, o outro cônjuge também partilha desse fogo (ibid.). Outra perspectiva é a antropomorfização (simbolização do corpo humano) das casas no Alto Xingu (Figura 70). Não se pode afirmar sobre a sua existência no caso Ikpeng, contudo é interessante como exercício de reflexão.

Figura 70. Antropomorfismo da habitação. Fonte: FÉNELON COSTA e MALHANO, 1987, p. 57.

Essa figura mostra uma casa xinguana em elipse, composta por dois esteios principais, um a menos daqueles observados no desenho de Pitoga, cujos pés seriam o eprï, as costelas erokban, e a parte superior a cabeça. Torna-se pertinente averiguar as continuidades e descontinuidades nos processos construtivos e culturais empregados nas habitações. De forma comparada, a análise das plantas e fachadas Ikpeng, as de outros grupos do Alto Xingu e aqueles falantes da língua Aruak constituiria uma discussão sobre etnicidade, valendo ressaltar a afirmação de Pitoga de que os Ikpeng aprenderam a fazer casa com os Kaiabi, grupo da família Tupi-guarani, que tem uma história bastante peculiar de interação com os diversos grupos xinguanos, que fez com que ocupassem várias aldeias. Os conhecimentos demonstram uma participação indígena ativa na modernidade, pois questiona a exclusão destes povos do discurso científico, não apenas na Arqueologia, mas também na arquitetura indígena, cujo termo não é reconhecido e possui pouco espaço nessa graduação (CASTELLO BRANCO, 1993). Por sua vez, vale ressaltar que Pitoga realizou sua pesquisa, segundo ele, com um grande “arquiteto”, o ancião P.I.4. A educação escolar e o ensino superior indígena de licenciaturas significam a inclusão dos povos indígenas na vida política do país. Mostra, também, a apropriação do tradicional numa conjuntura dinâmica, multicultural e multivocal que produz um discurso indígena para a universidade, na universidade e da universidade para a sociedade. O engajamento do professor em aprender e interagir com a comunidade deve ter como causa a construção do currículo na escola. A Arqueologia como tema gerador no ambiente arqueológico da aldeia fundamenta concepções teóricas e metodológicas da representação material. O caráter afirmativo e reivindicatório dos povos índios pelo 4

150

Por motivo de privacidade, o nome desse ancião foi preservado.

151

reconhecimento de seus saberes contrasta com a imagem distorcida e preconceituosa existente em larga escala nos livros didáticos, currículos escolares e na mídia. A arqueóloga Amanda Esterhuysen (2000) explica que a educação na África do Sul foi um forte instrumento de segregação e discriminação até 1994, sustentada e perpetuada por essa ideologia distorcida. Tal estrutura se mantém exaltando a identidade de um grupo e denegrindo o patrimônio da maioria, ao alienar o passado dos diversos segmentos étnicos existentes. Esterhuysen certifica que os marginalizados, em termos sociais, culturais, étnicos e de cor, que se encontram na periferia da sociedade, requerem uma formação mais cuidadosa de seus professores. O processo prevê uma teoria e método que relacione Arqueologia e Educação, cujos conhecimentos necessários são aplicados na sala de aula, inclusive com a publicação de material didático na língua que melhor se identifique com cada povo. A pesquisa acadêmica associada à produção de conhecimento no magistério estimula o registro dos saberes e evidencia um dos sentidos de ser professor indígena, ser a ponte entre a comunidade e a universidade, também para a elaboração de livros específicos para as escolas indígenas. Estas publicações são importantes na prática escolar do professor e para a comunidade interessada em “se ver” nas obras, mas em especial contribuem para o sucesso dos projetos curriculares que pressupõem uma formação diferenciada, específica e pluriétnica (Figuras 71 a 74).

O “Dicionário Enciclopédico de Palavras Indígenas” é um projeto desenvolvido pelos professores da área de Lingüística e equipe do programa em parceria com o Departamento de Computação em sua fase inicial, a do cadastro das palavras. Esse instrumento, ao ser adotado nas escolas indígenas e não indígenas, assim como conhecido pelo meio científico e sociedade civil, demonstra ser excelente para refletir a diversidade cultural por meio da linguagem escrita em seus múltiplos aspectos. Similar a esse dicionário, e com a participação de lingüistas, é possível realizar semelhante ação sobre a cultura material. A consideração de Júlio Cézar Tapirapé (14.3, 20215) condensa o repasse de conhecimento à sua aplicabilidade na escola enquanto compromisso: “Eu achei muito importante a minha pesquisa que nós fizemos junto com os alunos que nós estamos buscando conhecimentos que nós não sabemos dos velhos. Através da pesquisa, nós estamos conhecendo a importância de pesquisar; nós podemos trabalhar com os alunos na escola” [grifos meus]. Esse professor iniciou sua atividade pedindo o consentimento da comunidade para sua realização, pois metodologicamente seus alunos foram orientados para a desenvolverem com seus pais. Posteriormente, por ocasião de uma reunião entre os alunos e um “velho de grande conhecimento”, os estudantes “escreveram uma história da pesquisa”. Os conhecimentos produzidos por esses alunos assinalam duas questões: a interpretação, reprodução e registro da pesquisa, por um lado, e a especificidade das informações decorrentes de diferenças entre clãs e de especialidades, por outro. O grau de interação gerado pela pesquisa circunscreveu um “círculo”: professor indígena na universidade (diálogo teórico), professor na aldeia (pedido de autorização), professor na escola (orienta os alunos), aluno em casa (pesquisando), comunidade na escola (o velho W.), e o professor de volta à universidade narrando à pesquisa. A Figura 75 é protagonizada por quatro pessoas: o professor indígena, ou parama’eara, duas de suas alunas (katatai), xaryja (na rede, ou ini) e xeramoja (no banco). E, sobretudo, representa a metodologia de pesquisa adotada e os resultados alcançados.

Figura 74. 3º Grau Indígena: Dicionário Enciclopédico de Palavras Indígenas.

A Faculdade Indígena Intercultural possui três tipos de publicações principais, que são as séries “Experiências Didáticas” e “Práticas Interculturais”, composta pelas produções dos professores indígenas e seus alunos, e os “Cadernos de Educação Escolar Indígena”. Esse é aberto para o quadro docente na área, professores e estudantes universitários indígenas, pesquisadores e profissionais da educação escolar indígena. 152

153

Quadro 21. Arqueologia e metodologia de pesquisa, por Daniel Kabixana Tapirapé, Júlio César Tawy’i Tapirapé e Xaopoko’i Tapirapé. Artefato

Uso, produção e cultura

Adorno labial (tembetá), ou temekwara

Confeccionado de pedra preciosa e utilizado apenas na festa de rapaz*.

Cesto, ou yro

Armazenar farinha e venda.

Ãyro Peneira, ou yropema

Produzido por homens e mulheres a partir da taboca, linha e cipó.

Artefato

Uso, produção e cultura

Xeke’ã

Armadilha para peixe feita pelo homem com o talo da bacaba (Oenocarpus bacaba), ou pinawa, e que mede dois metros de comprimento. Durante seu uso, é interditado comer abóbora e manter relação sexual. Isso ocorrendo, faz com que os peixes não entrem na armadilha. As mulheres menstruadas não podem comer dos peixes pegos pela armadilha. Caso aconteça, o seu dono deve apanhar “remédio medicinal” no mato e passar na armadilha.

Panela, ou ywyexa’ẽ

Fazer farinha, cozinhar e guardar alimentos.

Colher, ou kawĩpywoãma

Servir cauim, feito da tiriva, ou yrywa.

Lança, ou mina

A ponta é confeccionada de ossos de animais.

Flecha, ou o’ywa

Antes, era específica para animais, peixes, aves e guerra.

Arco, ou yrapara

O similar ritual se chama ywypãraramaro.

Pilão, ou ino’a

Feito pelo homem do tronco do jatobá (Hymenaea courbaril), ou tamexo’ywa, e do pau-brasil (Caesalpinia echinata), ou o’iywaywa, e antigamente com ameme’ywa, apiniýwa, yykyrywa**.

Mão-de-pilão, ou xeminakawã

Antigamente, era feita da apini’ywa; atualmente, de pau-brasil**.

Adorno de algodão, ou tamakarã

Objeto de uso ritual.

Capacete, ou orokôrowa.

Produzido com o talo de buriti e de uso ritual.

Banco para descansar*, ou ãpykawa

O objeto similar feito da carapaça do jabuti também se chama apykawa.

Esteira, ou miaawa.

Confeccionada pelo homem com a folha nova da bacaba; é de uso masculino e feminino.

Cachimbo, ou petywãwã

Feito de argila.

Rede, ou ini

Causou surpresa a palavra ‘ini’ ter o mesmo significado entre os Kaiabi, Zoró e Aweti.

Fonte: Dados da pesquisa. * Informação de Genivaldo. ** Informação de Makato.

Kate Pretty (2000), ao analisar a Arqueologia e a formação de professores na Inglaterra, chama a atenção para dois pontos: o conhecimento melhor apropriado e a finalidade de conservação e preservação do patrimônio. É consenso a necessidade de prover o povo sobre o que é Arqueologia, devido às implicações políticas e sociais de “entrar” no passado. A efetividade da disciplina concretiza-se quando desperta o interesse dos jovens, tornando-os mais críticos no futuro. Essa missão de gestar cabe muitas vezes ao professor. A arqueóloga enfatiza que existem diferentes modos de aprender e conhecer a Arqueologia, sobre os quais alunos e professores desenvolvem poderes altamente distintivos e novas habilidades sociais. A produção do conhecimento e a intensidade do engajamento na Arqueologia são resultados 154

das experiências dos alunos em duas circunstâncias, nos processos domésticos e nos compromissos políticos. Tais considerações fazem com que professores e alunos sintam a presença de seus antepassados, estando atentos às suas “vozes” como uma lembrança vital. A narrativa de Júlio César, nas discussões de Pretty, aponta para o espaço doméstico no processo de pesquisa e no acordo firmado entre escola e comunidade, cujos protagonistas comungam a produção de conhecimentos multivocais e multifocais (ESTERHUYSEN, 2000). As análises empreendidas versam sobre o professor/pesquisador na aldeia, no que diz respeito ao seu ponto de vista e o da comunidade sobre a pesquisa. Esse contexto está diretamente ligado à sua presença nos cursos das etapas presenciais, cuja avaliação, feita por eles, será agora verificada.

5.3. Aprendizado, Avaliação e Ação Política

Ao final do curso de janeiro, foram encaminhadas pela coordenação da Faculdade Indígena as seguintes perguntas a serem respondidas pelos professores: 1. Como você avalia a sua participação nas aulas de Arqueologia e Habitação Indígena? 2. Dos conteúdos trabalhados no componente curricular Arqueologia e Habitação Indígena, quais você gostaria de aprofundar na próxima etapa? 3. O que mais chamou a sua atenção nas aulas de Arqueologia e Habitação Indígena? Ao término da disciplina de julho, os professores indígenas responderam a duas perguntas: 1. Sobre as aulas de Arqueologia, que conteúdo você gostaria que fosse reforçado numa próxima etapa? 2. Qual a importância da Arqueologia para os povos indígenas? Portanto, é bem razoável considerar que existe a segurança sobre a impressão registrada pelos professores sobre os cursos, a qual é parte integrante dos resultados obtidos. Para Márcia Bezerra (2002), o arqueólogo deve estar atento ao perfil do público com quem trabalha e ressalta a necessidade para que sua ação seja avaliada, não só presencialmente, mas também na capacidade de seu discurso ser aproveitado positivamente pelos alunos fora da sala de aula. Os resultados satisfatórios para a relação entre Arqueologia e Educação decorrem do “sólido conhecimento da disciplina, a organização da informação apresentada e o conhecimento das estruturas de aprendizagem do público escolar” (BEZERRA ALMEIDA, 2002, p. 60). 155

A compreensão dos cursos, de fato, ocorre ao associá-los à pesquisa, com a saída do professor da universidade para atuar na aldeia, evidenciando a sua continuidade com o devido aperfeiçoamento. Segundo Apakalatu Kuikuro (14.3, 20170), “aprofundei mais conhecimentos da Etapa Presencial”. Dessa maneira, o curso criou espaços de diálogos arqueológicos entre a comunidade e o professor, onde as questões culturais são (re)conhecidas e (re)interpretadas. Para Yaconhongráti (14.3, 20147), da etnia Kĩsêdjê, foi relevante “porque, através da pesquisa, que eu conheci novas informações e conhecimento sobre artefatos antigos”; a ênfase encontra-se nos saberes descobertos sobre antigos objetos. Nessa relação com o tempo, o intercâmbio cultural foi ressaltado. Em suas palavras, “conheci outros objetos antigos dos outros povos indígenas”, e conclui “porque, sem fazer pesquisa, não conheci nada nova informação sobre coisas do passado” [grifos meus]. Os professores referemse à aquisição e ampliação de olhares sobre o seu patrimônio histórico e cultural, mas também aquele pertencente aos outros. A troca de experiências entre distintos povos convivendo lado a lado na Faculdade Indígena significa o diálogo e o debate dos problemas sociais, culturais e históricos. Essa interação é observada também na composição dos grupos de trabalho para as atividades durante as aulas presenciais, como se verifica na Figura 76 com a demonstração de uma dança “puxada” por Luís, do povo Bakairi. A pesquisa foi conduzida por visões pragmáticas quanto à sua utilidade e destinação, portanto não se trata do conhecimento pelo conhecimento. Alvanei Reginaldo (14.3, 20145), da etnia Terena, afirma que, “além de obter mais conhecimentos, tem me ajudado no trabalho de estudo e resgate de parte da nossa cultura que já estava deixando de ser praticado pelo grupo”, o que expressa apreciação e propósito [grifos meus]. Colley (2000) sustenta que os currículos de História Antiga, na Austrália, requerem intervenções, as quais devem propiciar aos alunos o uso de métodos empregados por historiadores e arqueólogos. A melhor eficácia da ação ocorre quando estes conteúdos são adequados à realidade regional do aluno, o que remete à ética da ciência arqueológica no compromisso com uma formação crítica e condizente com as vivências pessoais e coletivas face ao seu patrimônio. As constatações de Alvanei refletem especificidades regionais, processos de colonização e afirmação étnica, conforme discutido nos esportes indígenas, subsistência, economia e, agora, na ação escolar. A compreensão da dimensão antropológica e arqueológica mostra que as identidades não são essencialmente autodefinidas, mas sim (re)construídas conforme os aspectos gerais da situação, em suas contradições e especificidades (FUNARI, 2007a). No caso, os professores deslocam-se da faixa de exclusão para o patamar de agentes ativos na discussão científica. A reflexão intercultural e interdisciplinar incorporada às práticas pedagógicas compõe a base curricular e constitui um dos desafios da escola indígena. Nivaldo 156

(14.3, 20157), da etnia Xavante, revela que a sua ação ensinou “a maneira da riqueza com os conhecimentos no sentido dos desafios, história, cultura [...] é através da pesquisa que se conhece e aprende” [grifo meu]. Um dos desafios do ensino superior indígena é compreender os símbolos da sociedade não indígena e que, segundo Ibene Kuikuro (14.3, 20183), “é muito bom eu ter dois conhecimentos: não índio e o conhecimento do povo Kuikuro” [grifo meu]. As arqueólogas Joanne Lea e Karolyn Smardz (2000) afirmam que, no reconhecimento da necessidade de estabelecer a comunicação com o público, se definem os objetivos da ação, a qual visa estimular a divulgação do conhecimento com a promoção de atividades interessantes. Por exemplo, a participação da população local em escavações e na interpretação pública de sítios arqueológicos. As formas de difusão da Arqueologia por meio de projetos pragmáticos têm por finalidade o esclarecimento da disciplina ao público comum, e estrategicamente deve voltar-se para a formação de professores. A sala de aula na aldeia e o professor em formação universitária possuem relevância pelo seu caráter multicultural, que implica em conhecer e reconhecer a si e ao outro. A relação entre a Arqueologia e o público caracteriza-se pela diversidade e ambiguidade, devido à opção dos próprios arqueólogos em privilegiar alguns assuntos em detrimento de outros, como a ênfase das pirâmides do Egito, as ruínas de Pompeia e o desmerecimento e desconsideração das pinturas e ferramentas líticas dos nativos australianos (COLLEY, 2000). As afirmações indígenas partem de lugares e protagonistas específicos; as percepções indígenas dizem respeito, em última instância, ao conhecimento, respeito e solidariedade entre as diferentes culturas. A Arqueologia na educação possibilita aos alunos reconhecerem a participação de todos na história do país, estabelecendo vínculos com o passado e estimulando a empatia e a compreensão dos diferentes grupos sociais e étnicos (ESTERHUYSEN, 2000).

5.4. Perspectivas

A discussão do momento é: Qual a contribuição dessa pesquisa arqueológica na aldeia indígena? Parte-se do princípio de que o conhecimento não se esgota em si, a ação é permanente e propõe a sua socialização. Isso é bem demonstrado por Antonino (14.3, 20938) ao afirmar que “nós, professores indígenas, tem muito a aprender para depois ensinar aos alunos na sala de aula, sobre a Arqueologia” [grifo meu]. Dessa forma, os saberes são repassados para as novas gerações, portanto perpetuam e revitalizam a história, assim como renovam o interesse dos jovens e das crianças sobre o seu patrimônio; deste modo, a Arqueologia é uma ferramenta que desvenda o passado (ESTERHUYSEN, 2000). 157

A pesquisa-ação internalizada pelo professor condiz com suas preocupações e anseios como fatores de identidade. Elves (14.3, 20140), da etnia Bakairi, garante que “em particular, achei muito importante e interessante, onde eu pude aprofundar nos conhecimentos do meu povo Kurâ-Bakairi sobre os passados e isso também fez com que pudesse transmitir para os meus alunos” [grifos meus]. Por sua vez, o registro escrito configura a preservação do passado no presente com propósitos e advertências muito claras. Segundo Carmelo (14.3, 20186), da etnia Xavante, No meu ponto de vista, essa pesquisa é muito interessante e importante de saber fazer a produção de artefatos e conhecer o que está guardado na memória do meu pai e de nossos

CAPÍTULO 6

antepassados para deixar escrito no livro para nossos netos. Ninguém sabe se vai continuar a utilizar os artesanatos e produção de artefatos, eu sabia disso [grifo meu].

O cuidado sobre as memórias resulta das dúvidas e riscos sobre o legado dos saberes. Tino (14.3, 20151), dessa mesma etnia, afirma que, “se não houver registros e documentos destes materiais da Arqueologia, os nossos sucessores não conhecerão direito à pesquisa para revitalização” [grifos meus]. Acerca dos termos ‘revitalização’ e ‘resgate’, o antropólogo José Sampaio (2006) chama a atenção para a crítica necessária sobre as ideias de autenticidade e degeneração cultural apregoada pelo colonialismo. A concepção errônea de verdadeiras culturas indígenas as prevê paradas no tempo, em estado de “encantamento, de pureza, resultantes do isolamento” (SAMPAIO, 2006, p. 169). Essa visão as caracteriza como “sociedades da ausência ou sociedades da perda” (ibid., p. 170). Tais argumentos negam o processo histórico, a produção, reprodução, invenção e reinvenção das identidades étnicas e de seus ordenamentos sociais internos, que sob novos contextos requerem adaptações. O termo ‘resgate cultural’ deve ser complexificado para “pensar o resgate de suas historicidades, ou pensar o resgate da cultura como resgate de informações necessariamente históricas e, portanto, dinâmica” (ibid., p. 173). Neste capítulo, debateu-se a concepção de pesquisa na relação professor, comunidade, escola e universidade. A análise dos documentos produzidos verificou compromissos firmados em torno das preocupações e impactos sobre o patrimônio histórico e cultural indígena. As ações mitigatórias apontam para necessária perpetuação desses conhecimentos por meio da escrita e inserção nas salas de aula.

158

O QUE É ARQUEOLOGIA Conhecer a Arqueologia indígena tendo por interlocutores professores indígenas significa entrar em contato com distintos conceitos, histórias, sensibilidades, percepções e vozes. A última indagação feita aos professores foi: Para você, o que é Arqueologia? Tabela 6. Arqueologia. Definições

Nº de citações

Estudo do antigo e do presente.

14

Estudo do antigo.

11

Valorização da cultura.

9

Objetos.

6

Cotidiano.

4

Locais antigos.

4

Animais, aves e seres humanos.

4

Pesquisa sobre ossos, homens, cerâmica e datação.

3

Costumes tradicionais.

3

Memória.

2

O que tem de melhor em nossa cultura.

2

Diversidade.

2

O que fazemos, trocamos e utilizamos.

2

Cultura e costumes dos antigos objetos encontrados em escavação.

2

Descoberta do povo e cultura.

2

O que desaparece, incluindo artefatos e língua.

2

Pinturas.

2

Arqueologia indígena.

1

Estudo do presente.

1

O que foi deixado.

1

Conhecimento.

1

159

Necessidades do povo.

1

Subsistência.

1

Habitações.

1

Fazer cerâmica.

1

O que está embaixo do solo.

1

Conjunto de técnicas e interpretações.

1

Análise de material.

1

Observação dos pesquisadores.

1

Ligações com as Ciências Sociais e as Ciências da Natureza.

1

Identidade e mito.

1

Identificação e demarcação de terras indígenas.

1

Registro.

1

Fonte: Dados da pesquisa.

O cotidiano do professor é lócus para a produção do conhecimento e as suas definições relacionam o tempo, as evidências e indícios, métodos, oralidade, análise e, sobretudo, a política na Arqueologia, portanto compreensão, apropriação e uso da Arqueologia.

6.1. Tempo

Discutir o tempo na Arqueologia, quando nossos interlocutores são indígenas, requer cuidado, pois ressalvas devem ser feitas entre o convencionalmente aceito e a realidade afirmativa indígena. Faço menção à pergunta de Lucas Ruriõ, em janeiro de 2002, sobre o teor discriminatório do prefixo “pré” na história do Brasil e a concepção de “altas” civilizações da América. Para a Arqueologia americana, assim como a brasileira, é aceita a ideia de que a Préhistória é o período anterior à chegada dos conquistadores europeus no Novo Mundo, Cristóvão Colombo na América Central, em 1492, e Pedro Álvares Cabral no Brasil, em 1500. Os termos ‘pré-colonial’, ‘pré-cabralino’, ‘pré-colombiano’ e ‘pré-contato’ também designam esse período (FUNARI e NOELLI, 2002; MARQUES PEREIRA e EREMITES DE OLIVEIRA, 2003). Esse marco cronológico separara a “História” da “Pré-história” a partir de concepções que vigoravam especialmente na Europa, mas também na Ásia e na África. Tal perspectiva associa a História à escrita e à produção de documentos, iniciados em diferentes momentos a partir de 8.000 anos atrás até os séculos iniciais do nascimento de Cristo, portanto, o que antecede a escrita é Pré-histórico (EREMITES DE OLIVEIRA, 2003). Nas Américas, esse tempo é compreendido como parte integrante de uma história maior conhecida como História indígena. Alinor (14.3, 21896), da etnia Bakairi, conceitua Arqueologia como a ciência que estuda os “seres humanos que viveram muitos anos atrás (milhões de anos)”. Dois renomados arqueólogos norte-americanos a definem “como a crônica completa da huma160

nidade desde seus começos há uns três milhões de anos” (RENFREW e BAHN, 1998, p. 10). Logo, trata-se de todo e qualquer registro histórico, escrito ou não, que informa sobre os aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais da trajetória humana. Para Pascoalina (14.3, 20219), da etnia Xavante, é a “ciência que estuda o conhecimento do passado, cultura e costume dos povos antigos através dos seus momentos, documentação e de objetos” [grifos meus]. O tempo demonstra os interesses pela Arqueologia enquanto uma busca para saber sobre o modo de vida das sociedades, seus estudos, objetivos e relação com as demais Ciências Sociais (FUNARI, 1988). Um dos problemas historicamente constituídos na Arqueologia é a sua imagem de disciplina auxiliar, que apenas forneceria, por meio de escavações e resgates, os fatos arqueológicos a serem interpretados por historiadores, antropólogos ou sociólogos. A estrutura teórica da disciplina vem sendo modificada nas últimas décadas, contudo a antiga e ultrapassada visão ainda perdura em alguns locais, inclusive na própria universidade. Contrariando esse empiricismo, Antonino (14.3, 20207), da etnia Xavante, assim a define: “Arqueologia é a busca da vida do passado, objetos deixados como: documentos e as construções; pelo que entendi, era desse jeito” [grifos meus]. A disciplina é apresentada em seus objetos e associa o cotidiano pretérito ao viver e morar, o que demonstra construtos intelectuais de várias ordens na produção dos padrões de ocupação e organização do mundo simbólico, manifestados por documentos. Comum em alguns aspectos à citação acima, Antonino Reginaldo (14.3, 20938), da etnia Terena, assim define a disciplina “Arqueologia, pra mim, é a ciência que estuda o passado de um povo através de vestígios, ruínas” [grifos meus]. Estes dois professores se referem ao tempo, objeto de estudo, e os objetivos da disciplina que constituem a ciência arqueológica. Por sua vez, a aula participativa de campo no Centro Histórico de Barra do Bugres (Figuras 77-84), em julho, pode ter direcionado o olhar para outra diversidade. Nessa aula, foram visitados, observados e analisados os seguintes locais: antiga cadeia (visualizada apenas horizontalmente pelos alicerces de pedra-canga), ruínas de casas (Figura 77); antiga sede da prefeitura de Barra do Bugres, atual Centro Educacional Santa Cruz (Figura 78); Paróquia de Santa Cruz de Barra do Bugres (Figura 79); antiga casa comercial e, hoje, residência (Figura 80); Monumento dos 15 Defensores (alusivo à defesa de moradores locais frente à passagem de um grupo da Coluna Prestes) (Figura 81); e o antigo cemitério (Figura 82).

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Figura 78. Aula participativa de campo: antiga sede da Prefeitura de Barra do Bugres, atual centro educacional, rua Frederico Josetti. Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural (2004).

Figura 81. Aula participativa de campo: Monumento dos 15 Defensores, às margens do rio Paraguai. Alusivo à defesa da cidade de Barra do Bugres frente a um grupo da Coluna Prestes. Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural (2004).

Figura 79. Aula participativa de campo: Paróquia de Santa Cruz de Barra do Bugres, antiga praça. Foto: Luciano Silva (2006).

Figura 80. Aula participativa de campo: atual residência no Centro Histórico. Foto: Luciano Silva (2006).

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Figura 82. Aula participativa de campo: Antigo Cemitério Municipal, acima em estado de abandono. Foto: Josiani Galvão (2004). Abaixo a observação do local, e a esquerda a marcação simulada em espaço estéril de uma quadra. Foto: Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural (2006).

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Durante a caminhada de, aproximadamente, 1.000 metros entre o Monumento dos 15 Defensores e o cemitério, a orientação foi para observarem atentamente as edificações, formas, dimensões dos terrenos e o uso do espaço. Nisso, constataram-se plantações diversas, criações de animais, casa de palafita e o tipo de paisagem criada dos quintais. A proposta da aula foi discutir o centro histórico como um sítio arqueológico urbano, mas em especial abordou o trato das diferentes sociedades com seu patrimônio histórico e cultural, assim como foi realizada a sua comparação com a “cidade alta”, parte nova da cidade onde está a Unemat, comércio local, centro social e administrativo. Arapawá Waurá (14.3, 20164) define Arqueologia como: “Ciência que estuda artefato de um povo antigo, fazendo escavação nos lugares, onde morava um povo ou mora; assim, faz descoberta de que povo e cultura é o artefato” [grifos meus]. O professor fala do tempo passado ao definir Arqueologia, mas também o presente, identificado na palavra “mora”, relaciona métodos adotados a partir da “escavação” e os espaços de investigação nos “lugares onde morava”, cujo objetivo é interpretar as informações para identificar a que cultura pertenciam. A análise do corpo documental arqueológico é vasta e estabelece interfaces com distintas disciplinas. As relações sociais estabelecidas entre as pessoas e o comportamento dos grupos moldam os padrões de ocupação e as formas de manejo ambiental. Essa vinculação entre homem e ambiente é o suporte para Rogério (14.3, 20161), da etnia Xavante, para o qual Arqueologia é “o estudo dos fatos, acontecimentos do passado ligados às Ciências Sociais, da cultura em que viviam. Arqueologia é conhecer o que as Ciências da Natureza nos oferecem, desde o passado para o presente” [grifos meus]. As constatações sobre a relação professor-comunidade apontam para a Etnoarqueologia, para a qual outras áreas do conhecimento fornecem elementos, a fim de conhecer e compreender o passado enquanto método e interpretação dos fatos arqueológicos. A compreensão do passado e seu uso no presente determinam o modo como se faz a ciência e a política na Arqueologia. Como estudo do presente, Genivaldo Tapirapé (14.3, 20143) conceitua: “A Arqueologia é uma ciência que estuda todos os objetos ou artefatos do passado e do presente” [grifo meu]. As tendências atuais sobre os estudos arqueológicos abrangem também os dias de hoje, como por exemplo, os objetos da Arqueologia industrial (FUNARI, 1988), ou aqueles do “Projeto Lixo” no Arizona, conhecidos como cultura material moderna (RATHZ, 1989), assim como a produção material indígena da atualidade. Os conhecimentos produzidos pelos professores configuram o registro arqueológico de, aproximadamente, setenta aldeias indígenas do Estado de Mato Grosso, em 2006. O material arqueológico, como passado e presente, analisado desde a aquisição de matérias-primas até o seu descarte, revela aspectos da organização espacial, corroborando a ideia de cotidiano. Para Ibene Kuikuro (14.3, 20183), “Arqueologia é uma 164

ciência que estuda sobre o passado e o presente. Também, ela estuda como era aldeia dos povos indígenas” [grifo meu]. Genivaldo e Ibene analisam a Arqueologia como representação sociocultural dos artefatos, habitações e tudo aquilo que envolve a materialidade em uma aldeia, suas estruturas físicas e morfológicas, por um lado, e, por outro, as simbólicas e cosmológicas. Contudo, as definições remetem-se também às instalações exógenas à cultura indígena, como a escola, posto de saúde e curral, entre outras. A ação de ligar o passado ao presente favoreceu o sentimento de afetividade e pertencimento a partir do estímulo da memória e troca de experiências. Esse efeito resulta em saberes essencialmente políticos que definem a ideia de patrimônio histórico e cultural. A identificação da comunidade com a pesquisa-ação do professor proporciona discutir gênero, faixa etária, organização social, política e econômica. Nas palavras de Júlio César Tapirapé: “Arqueologia é um estudo que traz os conhecimentos do passado e de atual sobre como é que os povos trabalhavam em dia a dia na aldeia construindo artefatos. Traz as memórias dos passados para nós conhecermos através da pesquisa” [grifos meus]. A relação com o passado é mediada pelos ritos, cuja marca é a repetição. Entre outros pontos, a eles estão associados os artefatos de uso ritual. As análises destes objetos demonstram aspectos sociais e culturais da organização social enquanto símbolo e representação étnica, evidenciados por novos contextos para antigos artefatos (Figuras 83 a 86).

Quadro 22. Arqueologia do Ritual, por Júlio César Tawy’i Tapirapé, da etnia Tapirapé. Artefato

Matéria-prima

Produção e significado

Cocar, ou akygetãra

Jaburu (Jabiru mycteria), ou wyrão

São utilizadas as penas do jaburu e do rabo da arara. Serve para o rapaz ficar bonito na festa e conhecer a pessoa que faz a sua festa.

Arara Máscara, ou capacete, ou orokorowa

Buriti

Pirosca (Hemisorubim platyrhychos), ou xexoo

Feita com a raiz desta árvore, o osso da pirosca é usado como os dentes do artefato. Significa que é um espírito sagrado, para ser utilizada na festa.

Pau-brasil (Caesalpinia echinata) ou o’iywaywa

Arma para defesa e mostra a característica do povo.

Barriguda (Chorisia glaziovii) Cara grande, ou tawã

Borduna, ou ywyrã

Significa que é uma máscara, para usar na festa pelo oxyga (espírito).

Fonte: Dados da pesquisa.

O cocar, a máscara, ou capacete, e a cara grande compõem parte da indumentária do ciclo cerimonial Tapirapé. Esse período é representado pelos seguintes rituais: Xepaanoga (fim de setembro e começo de outubro), quando se constrói a takara, ou 165

casa dos homens (dezembro), Kao e, logo depois, Marakayja (fim de fevereiro e início de março), e finaliza com Tawa (final de julho) (TORAL, 2004). O Marakayja é o mais longo e o ápice do ciclo cerimonial. Nele, ocorre a iniciação dos meninos e passagem para a categoria de homens. A sua realização, seguindo critérios de idade, faz com que os homens se desloquem para a serra do Urubu Branco, “local sagrado”, onde está a essencial “reserva” de almas de crianças, o que permite a continuidade do grupo. O objetivo dessa viagem é a caçada, a qual é controlada e guiada pelo pajé e executada pelas metades dos clãs wyra. Trata-se também de uma competição entre as partes, cujo objetivo é obter a maior quantidade de caça, de preferência o queixada. Nessa caçada, o pajé, em sonho, visita a “casa dos queixadas” e tem relações sexuais com as fêmeas da espécie, para aumentar o bando. A realização do Marakayja é sempre adiada até que se consiga o volume de carne necessário (TORAL, 2004). Xaopoko’i (14.3, 21843) afirma que o capacete (Figura 84) “só é feito quando homem vai na caçada dormi 10 dias, no mato, só ali que pode fazer esse, quando pessoal chegava na aldeia e vai muita gente com esse capacete significa que mato muito porção” [grifos meus]. Júlio César acrescenta que servia também para os participantes diferenciaremse ou não serem identificados, e ambos comungam que o seu uso é restrito para a festa. Relacionado aos ritos, situa-se também o cocar, ou akygetãra, usado no ritual de passagem do rapaz para a vida adulta. A interação cultural Tapirapé, anteriormente discutida no caso dos barcos, remete a técnicas e conhecimentos apreendidos com os Karajá. Por um lado, Xaopoko’i explica que a “cara grande (Figura 85) é um chefe da nossa festa [...] e significa para nós espírito de karajá”. A sua compreensão é cosmológica e fornece elementos circunstanciais para discussões sobre etnicidade. Por sua vez, outro aspecto de interação, porém de cunho não ritual, é a sua venda como artesanato. Os estudos empreendidos sobre a comercialização dos artefatos indígenas mostram que são estabelecidos traços diferenciados entre esses e aqueles usados internamente na aldeia. As informações sobre estas marcas podem ser obtidas de três formas: a partir da oralidade, na consulta de acervos etnográficos, bibliografia especializada e, conforme origem da matéria-prima, nas lojas que comercializam arte indígena. Por sua vez, a cara grande associa-se aos processos de desterritorialização e ressignificação, e a borduna, que tem por finalidade a caça e a defesa, detém também o forte caráter simbólico de alteridade, que, segundo Júlio César, “mostra a característica do povo”. O cruzamento dos dados de escassez da flora e fauna, agregado à Arqueologia do Ritual, é relevante para discussões sobre tradição e perpetuação dos ritos, oferecendo também elementos acerca das adaptações e ressignificações das perdas e (re)conquistas materiais. A Arqueologia e a memória indígena demonstram a capacidade de (re)estabelecer vínculos com distintas gerações; o reconhecimento destes atributos no presente com vistas ao futuro constitui laços sociais em transformação e interação. Para Kaman Nahukua (14.3, 20187), “Agora, Arqueologia, para mim, são coisas que utilizamos, fazemos, 166

trocamos: tanto no passado quanto no presente, visualizando e valorizando conhecimento melhor como culturas, costumes e tradições” [grifos meus]. Os Nahukuá habitam o Alto Xingu, onde cada um dos povos é reconhecido por alguma especialidade na produção de artefatos, cujas negociações de trocas normalmente ocorrem no evento conhecido como Moitará, realizado entre as casas de uma mesma aldeia ou entre diferentes aldeias. Esse grupo, por exemplo, para obter a importante panela de cerâmica que processa a mandioca amarga confeccionada pelos Wauja, Mehinako e Yawalapiti, as troca pelos apreciados colares de conchas grandes de caramujo terrestre (Figura 87) e os cintos de garras de onça (ISA, 2002; PICCHI, 2003). Segundo Kaman (14.3, 21852), esse colar é usado indistintamente por ambos os sexos durante a festa. A sua troca pode ser interna (entre parentes) e como forma de pagamento pela pajelança. Esse objeto é trocado também pela panela produzida pelos falantes da língua aruak (Wauja, Mehinako e Yawalapiti), usada no processamento da mandioca amarga (PICCHI, 2003). Acerca do contexto Yawalapiti (Figura 88), Yunak (14.3, 21856) narra: Os povos Waurá e povo Mehinako, esses povo que é dono de fábrica de cerâmica; agora, os povos Kuikuro, Kalapalo, Matipu, Nafukua e outros povos não é dono de fábrica de cerâmica de panela. Esses povos que faziam muito moitará com o dono de cerâmica, aquele tempo não tinha as panelas de não índio, por isso que os povo de antigamente utilizavam muito essas panelas de cerâmica. Tem seis tipos de panelas para utilizar naquele tempo, e hoje em dia os povos que fabricam essas panelas e outros povos que não tinham panelas eles não está mais utilizando duas panelas de cerâmicas para preparo de os alimentos. Os povos que fabricavam essas panelas de cerâmica, hoje em dia, eles só fabricam para vender, quase não usa mais, e todos os povos Xinguanos, hoje em dia, eles dependem das panelas do não índio, por isso que nós, índios, perdemos duas panelas que foi utilizado no passado [grifos meus].

A citação mostra quem fabrica, adquire e o espaço de troca socialmente constituído; demonstra a historicidade do artefato face ao contato e a aquisição das panelas de metal associada ao desuso, o qual está ligado também à sua produção para venda como artesanato. Pitoga Makne (14.3, 21864) explica que eram produzidos dois tipos de panela de barro, ou on muk ekyat tigapen (Figura 89), um similar em volume à panela de alumínio n° 50 (Figura 44) e o taço ou awyna, para fazer beiju. Pitoga afirma que, antes do contato, apenas duas pessoas sabiam confeccioná-las, “Nawaky e Tapanpo, mulher e homem”. As circunstâncias envolvem gênero na sua produção, dieta alimentar, contato, extinção e desterritorialização, simbolismo e ressignificação. A narrativa do professor deve ser discutida amparada por passagens da sua história. Os Ikpeng, quando supostamente habitavam a bacia do Teles Pires-Juruena (1850167

1900), tinham como inimigos os Tapaugwo, os Abaga (talvez os Apiacá) e os Kumari (talvez os Kaiabi). Por volta do ano de 1900, pressionados por seus inimigos e pelas frentes de colonização, atravessaram a Serra da Formosa, divisor das bacias dos rios Teles Pires-Juruena e aquela do Alto Xingu, local onde travaram novos conflitos com os dois velhos inimigos citados acima, além dos Bakairi de Paranatinga (MENGET, 2003). Até a primeira metade do século XX, foram identificadas, no Alto Xingu, doze aldeias Ikpeng, situadas nas proximidades de pequenos afluentes ou braços mortos do rio Jatobá ou Botovi, demonstrando intensos deslocamentos, com média de apenas quatro anos de permanência em cada aldeia. Em 1930, os Ikpeng iniciaram uma investida bélica contra as aldeias xinguanas meridionais dos Waurá, Nahukuá e Mehinako (ibid.). Em 1964, efetivaram um contato pacífico com os irmãos Villas-Boas. Isso aconteceu em decorrência de um processo iniciado em 1960, quando os Ikpeng sequestraram duas meninas Waurá portadoras de “doença branca”, a gripe, que, em alguns meses, reduziu a população pela metade. Somou-se a essa crise a sanha de vingança dos Waurá, que investiram com intensidade e armas de fogo no resgate, que não foi efetivado. Em 1964, foram encontrados doentes e em situação precária. Três anos depois, foram deslocados para o PIX, onde cada grupo familiar foi hospedado em uma aldeia. No início de 1970, se reagruparam para formar sua própria aldeia, próxima ao Posto Indígena Leonardo Villas-Boas, onde não se adaptaram. Ao findar essa década e nos primeiros anos da próxima, mudaram-se para o Médio Xingu (ibid.). Pitoga (14.3, 21864) afirma que, “após o contato, os Ikpeng deixaram de confeccionar a cerâmica devido à falta de argila e também não teve ninguém quem faz, as pessoas que confeccionavam morreram e os Ikpeng não aprenderam com eles”. Sobre a confecção desse artefato, o questionamento diz respeito ao número reduzido de seus produtores, assim como o legado de seus conhecimentos. É provável que a belicosidade, associada aos intensos deslocamentos, tenha interferido, mas também a aquisição das panelas de alumínio, pela troca ou outro mecanismo de obtenção, deve ter influenciado significativamente para essa situação. Sobre Nawaky e Tapanpo, seria necessário complementar as informações para melhor considerar pontos como gênero e parentesco. Acerca do processo de desterritorialização, Pitoga (14.3, 20760) explica que antes do contato, o Ikpeng residia na margem do rio Jatobá, afluente do rio Romuro, no município de Paranatinga-MT. [...] A transferência causou uma série de problemas: o Ikpeng deixou muito recursos naturais que pertencia, material de construção de casa, ervas medicinais e outros recursos, como rapyu (concha). Dela, o Ikpeng faz brinco. Esta cultura material não existe na atual região.

Além da história da cultura material, Pitoga (14.3, 21864) explica que o tempero, ou woropkie, misturado à argila fazia com que ela endurecesse com mais rapidez, e dava 168

“firmeza na hora de confeccionar”. Durante sua produção, era necessário “cantar a música da cerâmica” para que o objeto não se quebrasse ou fizesse mal ao oleiro. Segundo esse professor, até os dias de hoje, as cerâmicas são ainda trocadas ou compradas dos Waurá e Mehinaku. Ao discutir as mudanças materiais correntes entre as sociedades indígenas, Valdevino, da etnia Umutina, discute aspectos sobre a aquisição de técnicas para a confecção das armadilhas, sobre as quais Rosinete, Valdevino, Laelcio e Sílvia (14.3, 21833) afirmaram que “não há registros e nem pessoas que possam nos dar informações mais concretas, pois os Umutinas sobreviventes ao contato são órfãos, não se lembram de muitas coisas e nada podem afirmar a respeito das armas” [grifo meu]. Certamente, isso ocorreu em decorrência do contato e de suas consequências, como a alta mortalidade e a desestruturação social. Sob esse contexto, são investigadas as armadilhas Umutina (Figuras 90-96). Esses professores Umutina narraram que as armadilhas foram introduzidas por índios Pareci e Nambiquara a partir de 1940, quando chegaram ao território Umutina, assim como no contato com não índios. Valdevino (14.3, 21833) escreve que a armadilha da Figura 90, conhecida por jiki, é utilizada para capturar os peixes que são atraídos pela isca de milho ou mandioca em seu interior, ficando aprisionados porque a saída contém pontas. Com o tempo e as circunstâncias, a sua produção foi modificada, o talo de buriti foi substituído pelo arame devido à maior durabilidade. A segunda (Figura 91) se chama lata e é feita com uma lata de “leiteninho”, na qual é posto um ovo choco para atrair, em geral, os tatus na roça ou no “trilheiro do tatu” e, assim, evitar danos às plantações. O artefato da Figura 92 denomina-se xóça e possui tamanhos variados, sendo empregada na captura de aves nas roças. A armadilha de número quatro (Figura 93) chama-se caixote e prende os peixes que são “chamados por um milho inteiro ou pedaço de mandioca”. Ao serem comidos, cortam o fio que sustenta a tampa, efetivando-se a sua detenção. O laceiro (Figura 94) é armado na roça e nos trilheiros em que transitam aves e pequenos animais a serem apanhados. O zorrotê (Figura 95) é pouco confeccionado, devido à extrema violência com que leva à morte as aves capturadas. E, por fim, a aratáka (Figura 96), que é composta por um caixote maior “fincado” no chão sobre um menor, no qual é colocada uma galinha como isca viva para apanhar animais “como onça, jaguatirica, lobo e raposa”. Os processos sociais de aprendizado e produção das armadilhas dizem respeito às mudanças e à interação entre grupos distintos e que incidem no passado, no presente e no futuro. Atualmente, os Umutina possuem conhecimentos e técnicas sobre a produção de diferentes tipos de armadilha, cuja manutenção, para não esquecer, faz com que “os pais Umutina ensinam seus filhos, e os filhos ensinam os seus irmãos e amigos”, isso como garantia do legado desses saberes. O fazer diário e a convivência condicionaram a manipulação dos artefatos ao longo da história, em termos dos interesses e perspectivas do grupo. 169

O uso atual da Arqueologia estabelece vínculos históricos que engrandecem o passado no presente. A sua importância no campo institucional, segundo Daniel Tapirapé (14.3, 20221), remonta a disciplina como “uma área de conhecimento muito importante, apesar de não ter ensinado na escola desde a série inicial”. Ao associar a relevância da Arqueologia e a crítica por sua ausência, desde o princípio da escolarização, às narrativas Umutina, verifica-se que a perpetuação e a manutenção do conhecimento possuem distintos vieses que transitam entre o doméstico e o institucional. A experiência e o tempo da Arqueologia, nos conhecimentos produzidos, evidenciam a indissociação entre passado, presente e futuro. A pesquisa produziu concepções diferenciadas e subjetivas sobre o significado da Arqueologia. Nenhuma das definições é incoerente, incluindo aquelas que não foram apresentadas. Os conceitos se complementam a partir de diferentes ênfases e visões produzidas através das experiências pessoais e coletivas.

Figura 97. Yaconhongráti Suyá. Arqueologia. Base: A-4. Técnica: mista. Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural.

6.2. Objeto

A Arqueologia estuda os testemunhos materiais do presente, passado próximo e longínquo, que podem ou não resistir à ação do tempo, por um lado líticos (lascas e machados de pedra, por exemplo) e cerâmicos, e por outro aqueles de origem vegetal e ossos. Yaconhongráti Suyá (14.3, 20147) afirma que ela estuda mais sobre animais, aves e ser humano dos passados. Habitat eu conheci e entendi, todas coisas dos povos são nossos, mas conhecer mais habitações do meu povo.

Figura 98. Yaconhongráti Suyá. Arqueologia: armas. Base: A-4. Técnica: lápis de cor. Acervo Joana Saira / Faculdade Indígena Intercultural.

Mas, através da Arqueologia, conhecer outras habitações dos outros povos indígenas. Arqueologia estuda vários objetos, como arco, cesta, pedaço de cerâmica e outras matérias-primas deixadas pelos povos indígenas antigos. Arqueologia estuda objetos do povo indígena e dos não índios também, assim Arqueologia para mim [grifos meus].

A definição refere-se ao estudo do passado e sua relação com tradicionalidade, alteridade e interculturalidade; além disso, à diversidade de especialidades, como a Zooarqueologia, Arqueobotânica, Antropologia Biológica ou Osteoarqueologia e a cerâmica (Figuras 97). A convergência de tais fontes visa responder: Quem? Onde? Quando? Como? Por quê? Como, por exemplo, a produção da lança, ou ndojstxi, cuja ponta é produzida a partir do fêmur, ou ropkêsi, da onça, ou rowo (Figura 98).

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O conceito associa produção material, economia doméstica e subsistência, acesso e transformação dos recursos naturais, os quais relacionam paisagem, organização espacial e manejo ambiental. Por sua vez, as discussões sobre tradicionalidade e imemorialidade na Arqueologia vêm gerando intensos embates judiciais em torno da reivindicação de terras por parte dos índios. Esse é um terreno lodoso onde se defrontam laudos de identificação da Funai, relatórios de pesquisadores contratados por aqueles que supõem serem os proprietários das terras e perícias judiciais solicitadas pela Justiça Federal. Yaconhongráti cita as evidências materiais deixadas por antigos povos indígenas, o que pode diferir dos ancestrais e remeter-se à ocupação de distintos grupos em relação a esses atuais. O início da experiência Suyá, na região mais ao norte do PIX, ocorreu quando foram colocados nos limites da área demarcada para essa terra indígena. Por um lado, o material arqueológico encontrado em uma aldeia ou terra indígena não significa necessariamente corresponder à ocupação atual, já que pode se tratar de 171

períodos muito longínquos. Por outro, o contexto Suyá, assim como de vários outros povos, situa os frequentes deslocamentos e relocações diante das frentes de colonização. Tais circunstâncias diferem da concepção de terras imemoriais, que prevê uma ocupação contínua em um mesmo lugar desde tempos antiquíssimos, aqueles por vezes míticos. Contudo, em terras brasileiras e americanas, esse caso é pouco freqüente devido às mudanças sofridas pela pressão e perdas territoriais indígenas. Ao considerar tais questões, em última instância, a imemorialidade não deve ser decisiva na definição sobre a posse de terras; a relação deve pautar-se também pelo reconhecimento das terras tradicionais (MARQUES PEREIRA e EREMITES DE OLIVEIRA, 2003). Os cursos constituíram um importante instrumento de pesquisa ao associar conhecimento indígena e Ocidental, portanto, houve troca de conhecimentos. Por um lado, Yaconhongráti ressalta também as habitações de outros povos, contudo enfatiza o maior conhecimento em torno da sua cultura. A interculturalidade, alteridade e diversidade são destacadas na análise da planta baixa, corte longitudinal e fachada da casa e escola Suyá, ambas “tradicionais” (Figura 99), e que compõem parte dos documentos produzidos na disciplina Habitação Indígena. O questionamento sobre as edificações pertencentes ao único grupo da família Jê no PIX, onde o padrão de casa xinguano é bastante adotado, diz respeito à trajetória histórica entre aquelas Suyá e as de tradição Jê. Um destes aspectos é observado na relação entre os Kisêdjê e os Tapayuna. Esse último é um grupo isolado sobrevivente, que se considerava ancestral dos Kisêdjê, que o recebeu no Xingu, em 1969. Nessa interação, os Suyá orientais (Kisêdjê) conheceram, compararam e trocaram informações técnicas e culturais sobre a materialidade com os Suyá Ocidentais (Tapayuna). No prazo de um ano, os Kisêdjê haviam construído uma aldeia aos moldes Jê e seus cerimoniais passaram a ser realizados nessa tradição. Após dez anos, sentindo-se revigorados, os Tapayuna constituíram uma aldeia, mas devido a conflitos com os Kisêdjê, o pequeno número achou melhor viver entre os Metuktire (SEEGER, 2003). Reaprender técnicas e conhecimentos tradicionais com os Tapayuna foi importante, porém a aquisição e a apropriação de saberes alto-xinguanos eram bem aceitas, como, por exemplo, as mulheres Suyá aprenderem a fazer cerâmicas com as Waurá. Essa relação com o “outro” representa um aspecto mitológico da maioria dos grupos Jê, que implica em selecionar e adotar o que é “bom” e “útil” (ibid., p. 4). Ao analisar a casa tradicional, ou kikre, e a escola tradicional, ou hwĩsôsôktá, nota-se que ambas possuem planta baixa elíptica, entretanto a escola é mais alongada. As edificações são compostas de esteios centrais, esteios laterais, travessão, espigão, caibro, cumeeira e ripas; a casa possui parede e a escola não. A diferença entre elas está nesse último ponto e no esteio central a mais na escola, assim como os esteios laterais. O traço reto da cobertura da escola se distingue daquele semicircular das casas. Ela 172

não é incorporada ao círculo das unidades domésticas, estando na estrada de acesso à aldeia (Figura 100). Contudo outra leitura ressignifica o espaço de ensino dessa aldeia como “escola tradicional”, portanto incorpora interesses e objetivos na sua interação com a comunidade. As comunidades, ao definirem o modelo de escola indígena a ser adotado, podem também decidir sobre o tipo de matéria-prima desejada, o uso ou não de palhas, portas e janelas industrializadas ou naturais. Intrínseca é a responsabilidade sobre a manutenção destes estabelecimentos, seja do Estado ou da comunidade. Por um lado, a empreita para a reposição de um vidro quebrado é atada a processos de licitação e demais burocracias, que resultam em prazos muitas vezes largos. Por outro, algumas das matérias-primas locais seriam uma alternativa mais imediata, porém problematizam três questões: reconhecimento monetário do trabalho indígena por serviços prestados ao Estado; responsabilidade do poder público na garantia da integridade física das escolas indígenas; e gestão ambiental. As coberturas das casas e as paredes com material orgânico requerem matéria-prima em grande quantidade para sua confecção e manutenção; nestes termos, demandam gerenciamento. Segundo Yaconhongráti (14.3, 20147), esses “materiais de construção da casa [...] não ficaram longe, não buscamos longe, sempre tiramos esses materiais mais próxima da nossa aldeia onde nós moramos. Ainda tem bastante, sempre cuidamos eles para não acontecer risco de escassez” [grifo meu]. Já Pikuruk Kayabi (14.3, 20730) aponta outra realidade: o impacto de desterritorialização na cultura Kaiabi é a forma de casa que mudou bastante de uma casa de antigamente para atual, devido à palha que estão em risco de extinção, aliás tem pouca palha na área indígena Parque Indígena do Xingu [grifos meus].

Pikuruk e Yaconhongráti, por habitarem o PIX, experienciam pontos sobre áreas de domínio (onde e quem coleta, pesca e caça) e, por conseguinte, o tipo de manejo ambiental empreendido. Discussões como essa remetem a variáveis políticas nas negociações, em que pesem a reciprocidade, a historicidade e os acordos entre diversos grupos indígenas. Definir Arqueologia representa também as mudanças culturais associadas às dinâmicas de ocupação, que são representativas do ethos e da organização social do povo. Nas palavras de Feliciano, do povo Xavante (14.3, 20133), “eu entendi que Arqueologia é uma ciência que determina o estudo do passado da cultura no lugar de acampamento o uso de material artefato, desenho ou pintura de rupestre” [grifos meus]. A produção do registro arqueológico situa-se também nas instalações sazonais fora da aldeia. Trata-se dos acampamentos que associam possivelmente o passado tradicional nômade dos caçadores-coletores a’uwê. Os Xavante, de tempos em tempos, realizavam os conhecidos track dos grupos Jê, longas excurssões praticadas por grupos familiares antes 173

do contato. Assim, percorreram grande parte do Planalto Central, porém, na atualidade, esse estilo de vida mostra-se impraticável, apesar dos esforços pelos modos tradiconais em detrimento do presente fundiário entre os Xavante (GRAHAM, 2008) É possível sugerir que esse pode ser um contexto apresentado por Feliciano, “pela discussão dos mais velhos com os alunos e professores”. Por sua vez, a evidência rupestre abordada no curso de julho teve como atividade interpretar um conjunto destas imagens contidas na “apostila” (PROUS, 1991; 1992). O professor auxiliar Vicente Tsimrihu Rãi’rãté, da etnia Xavante, associou uma delas a determinada pintura corporal do clã, o que mostra uma das possibilidades desses estudos (idem, 1992). A Arqueologia, como fonte de conhecimento sobre os bens materiais e imateriais, a dinâmica histórica e as mudanças sempre constantes demonstram a preocupação de Valdez Teófilo, da etnia Xavante (14.3, 20209), ao explicar que a disciplina é “muito importante para conhecer, porque muita coisa desaparece: o nosso artefato, pintura, línguas e outras etc.” [grifo meu]. As inquietações do presente acerca dos riscos oferecidos pelo futuro quanto às “perdas” culturais motivam a investigação, que resulta também em conhecimentos que advertem. A Arqueologia protagonizada por indígenas fornece informações importantes para a revitalização do seu patrimônio histórico e cultural, seja pelo registro, ao discutir fatores ambientais, ou em torno do fundamental repasse de conhecimentos. Os conhecimentos produzidos demonstram a capacidade de transformar a natureza em cultura, biologicamente e simbolicamente, em circunstâncias diversas. A economia de subsistência praticada e observada na roça, locais de caça, coleta e pesca, e, hoje em dia, nas hortas, relaciona-se à definição de Loike Kalapalo (14.3, 20202): “Hoje, posso entender a Arqueologia como uma pesquisa de um povo, como era no passado, o que comiam, como habitavam e o que faziam” [grifo meu]. O mapa feito por Pikuruk Kayabi (Figura 101) indica os quatro caminhos que levam à roça e conduzem a forte tradição agrícola e rica horticultura, em termos de variedade de cultivos. Isso representa mais do que uma prática, diz respeito ao manejo e domesticação de espécies, característica forte entre os indígenas americanos (MORAIS, 2000). Entre os Kaiabi, existem as roças polivarietais de mandioca para fazer farinha, beijus e mingaus, e as de policultivo na terra preta para a cultura do milho, algodão, batata, banana, cará e melancia, entre outras. Estas roças são observadas no mapa de Sirakup Kaiabi (Figura 102). A roça de mandioca estaria mais à esquerda, próxima de uma plantação de milho ou abacaxi e, mais à direita, o plantio de melancia. Warnick Kerr (1987) identificou os seguintes lugares de cultivo da terra: ao redor das casas; locais distantes entre cinco a dez quilômetros da aldeia; trilhas que ligam as aldeias e as roças entre si; pequenas clareiras em trilhas, clareiras naturais de onde se extrai mel ou madeira; sítios em memória do pai ou mãe falecidos, próximos a rochas de basalto. 174

De acordo com o professor Pikuruk (14.3, 20730), a escolha do local da roça inicia quando “o cacique convoca uma reunião para falar sobre a roça e escolher o lugar onde vai fazer a roça ou saber se alguém conhece um lugar de terra preta” [grifo meu]. Sirakup (14.3, 20736) complementa que “a roça é cultivado numa terra fofa preta na capoeira é utilizado na terra fértil para produzir. A roça fica um pouco distância da casa e tem roça da aldeia depende de cada indivíduo” [grifo meu]. Pikuruk explica que, no início da queimada, o nome Kupeirup é chamado. Trata-se da senhora que deu origem às plantas da roça, e a intenção é avisá-la sobre a queimada, porque “as plantas da roça vão nascer saudável”. Os produtos coletados a partir do cultivo em regime de mutirão organizado pelo cacique pertencem ao coletivo. Aqueles pertencentes às famílias decorrem de plantios realizados ao término deste, quando “os grupos de família se organiza e fazem roça para não depender da roça da comunidade”. Portanto, a definição sobre a realização das roças se processa no interior da organização social do grupo, tipo de vegetação, qualidade do solo, vontade pessoal e cosmologia. Acerca do manejo de espécies, duas outras incidências são verificadas na aldeia Tuiarare (Figura 101): as frutíferas em marrom e as plantas medicinais em salmão, essas indicadas como CLEM (“capoeira é lugar de ervas medicinais”). Segundo Pikuruk, “estão localizadas na capoeira ou até mesmo próxima da aldeia. No lugar que foi feito a roça, aparecem muito as plantas medicinais e as pessoas aproveitam para levar na sua casa” [grifos meus]. Por sua vez, Sirakup se refere às fitofisionomias onde são encontradas, “no campo, no cerrado e na mata alta”, e situa seu uso “pelos pajés para purificar almas dos pacientes doentes” [grifos meus]. O uso das plantas medicinais representa conhecimentos legados e dominados ao longo do tempo. Entre as sociedades indígenas, estes saberes são específicos e relacionam fatores como os cosmológicos, religiosos e etários. Sirakup afirma que “o mais conhecedor das plantas medicinais são pessoas mais velhas e pajés” [grifo meu]. Por outro lado, a atualidade indígena na busca de alternativas econômicas (Figura 101) é revelada por dois apiários e a casa do mel, essa na extremidade inferior direita, com cobertura avermelhada situada entre quatro casas. Esse mel é vendido para um grande grupo de supermercado/hipermercado com sede no sudeste do país. O projeto “Cooperativa do Mel” é realizado por meio de uma parceria entre a Atix, Isa e as aldeias Suyá, Trumai, Ikpeng, Yudjá e Kaiabi (ISA, 2002). No contexto de interação entre sociedades, identifica-se também a escola em torno do pátio onde está o campo de futebol, alinhada às casas e ao lado da Unidade Básica de Saúde (UBS). Além destas edificações, o mapa mostra a caixa d’água e diversas torneiras próximas às casas. Uma, do lado esquerdo, está escrita, o que demonstra a materialidade das políticas públicas de saúde. Retornando às práticas de subsistência, agora associando fauna à classe dos peixes, observa-se o mapa de Yapariwá Yudja Kaiabi (Figura 103). Em sua parte inferior, ele 175

identifica os locais de pescas, denominados yubawa, yubawa (casca) e yubawa auhĩhĩ (lagoa comprida). Entre eles, é pescado o tucunaré (Cichla cf. monoculus), trairão (Hoplias lacerdae) e piranha (Pygocentrus nattereri). No curso de água situado à esquerda, abaixo da Lagoa da Anta, a pesca é feita com timbó, cuja raiz “batida” dentro da água asfixia os peixes, fazendo-os boiar e se tornarem presa fácil. A subsistência vinda de fora e que modifica o espaço e as estruturas da aldeia é observada também na criação de galinhas e no galinheiro, logo atrás da casa do cacique, que demonstra novos domínios sobre técnicas que visam à alimentação. Contudo o que mais chama a atenção são as relações afetivas, sociais e de parentesco, representadas na “roça do professor” Yapariwá, nas proximidades da casa da sua “querida vó”, que consiste no vínculo entre o passado e o presente, e concebe a ideia de patrimônio.

6.3. Subjetividade

As discussões abordaram os objetos, objetivos e métodos da Arqueologia a partir de um curso voltado para a experiência indígena, assim como para a interculturalidade. Os conhecimentos produzidos com a pesquisa refletem a compreensão da disciplina na vida das pessoas, sobre o presente e passado, mas também revela o olhar atento para outro aspecto dos procedimentos adotados e interesses almejados. Segundo Carmelo (14.3, 20186), da etnia Xavante, Arqueologia “é o conjunto das técnicas de pesquisa e da interpretação do que resulta nos artefatos subterrados e também estudo científico sobre o passado, testemunhos dos materiais que subsistem na terra” [grifos meus]. No caso, são enfatizados alguns procedimentos da investigação arqueológica, inicialmente com a escavação para, então, em especial, analisar os fatos arqueológicos para buscar sua compreensão. Essa relação remonta ao exercício da profissão. Para Fábio (14.3, 20192), da etnia Xavante, os arqueólogos “são as pessoas que faz pesquisa, dos ossos, dos homens, dentes e ossos de animais e dentro das cavernas e cerâmica; através disso, eles colocavam data e o mês, então faz estudo sobre isso” [grifos meus]. A definição relaciona especialidades como a Osteoarqueologia (dentes e ossos humanos), Zooarqueologia (ossos de animais) e os processos de datação. Essa última despertou bastante atenção dos professores, os quais receberam fotocópias explicativas acerca destas técnicas (DEVEREAUX, 2002). Ao considerar os processos de datação, ressaltou-se que, em muitos casos, ela não é exata, contudo, na datação tipológica como o ano e o mês de lançamento de um veículo, essa precisão é identificada ainda, por exemplo, nas lápides de cemitérios. Os exames laboratoriais e as técnicas físicas e químicas são fundamentais para o entendimento do contexto arqueológico, pela exatidão propiciada. Porém, compreender 176

a vida das pessoas, historicamente, vai muito além do que os “tubos de ensaio” oferecem; é de fundamental relevância a sensibilidade social do observador. Para Perankô Panará (14.3, 20143), “Arqueologia é uma das palavras que significa a observação dos pesquisadores para relatar todos os conhecimentos que ela oferece, Arqueologia estuda as estruturas de figuração e necessidade do povo do Brasil” [grifos meus]. A análise arqueológica reflete a experiência do profissional: por um lado, sua explicação acerca do sítio arqueológico em seus artefatos, estruturas, ecofatos, biofatos e manejo ambiental, portanto aquilo que supre o povo enquanto cultura. Por outro, demonstra o tipo de relação estabelecida entre o arqueólogo e a comunidade, em termos das expectativas sobre quem se beneficia com a Arqueologia, logo problematiza a ética e a participação indígena no mundo contemporâneo. Conhecer a cultura de uma sociedade, no tempo e no espaço, quando protagonizada por representantes dos povos indígenas, remete a concepções de patrimônio histórico e cultural em sua diversidade. Para Xaopoko’i Tapirapé (14.3, 20208), “Arqueologia é um estudo sobre a vida, cultura, costume e conhecimento tradicional de cada povo”. A apropriação destes conhecimentos, na vida pessoal e coletiva, discute a pluralidade histórica no cotidiano das pessoas em sociedade, que visam integrar o social, o cultural e o econômico para enunciar o todo. Mesmo que sejam recorrentes os recortes nas pesquisas por questões metodológicas, a análise arqueológica deve primar por compreender a vida dos diferentes grupos sociais. Os costumes e as culturas enfocam também as mudanças como fonte de informação histórica e de etnicidade. Adiel (14.3, 20184), do povo Terena, assim conceitua: “Hoje, sei que o estudo de Arqueologia é que nos dá o reconhecimento e valorização das mudanças dos costumes de antes e de hoje; é importante, pois mostra a identidade de um povo, os meios de sobrevivência e a organização desse povo, sendo assim a Arqueologia” [grifos meus]. Essa citação demonstra também o forte teor sobre a trajetória histórica desse povo que, nos quase vinte e cinco últimos anos, viveu em meio a deslocamentos, protestos e reivindicação de terra, conforme visto anteriormente. Corroborando com a afirmação acima, a relação com o passado gera envolvimento e vínculo, os quais se tornam afirmativos quando são sentidos no presente. Para Sérgio (14.3, 20149), da etnia Irantxe, Arqueologia é a Ciência que estuda o passado buscando cada vez mais conhecer as histórias do passado, mitos, artefatos de cerâmicas, restos mortais de nossos ancestrais [...] podemos conhecer mais sobre os primeiros habitantes desta terra, identificar pinturas corporais, sítios arqueológicos, os significados das pinturas rupestres e até mesmo comprovar os povos que foram extintos; estudo da Arqueologia podemos comprovar a existência de um povo e demarcar uma terra indígena; a Arqueologia estuda todos esses aspectos, estuda o passado e busca registrar e ensinar as populações a valorizar nossas histórias e mitos [grifos meus]. 177

O professor chama a atenção para a relação entre os aspectos materiais e imateriais da Arqueologia, a quem pertencia, ocupações primordiais, atestar a extinção e a permanência de povos e identificar terras indígenas. Portanto, preocupações da atualidade indígena e não indígena, que, em última instância, asseguram a relevância de estudar, reter e socializar o conhecimento sobre o passado. A associação entre o cosmológico e os espaços culturalmente constituídos é observada na aldeia Jaramurü, do povo Nahukuá (Figura 104). Segundo Aigi (14.3, 20753), “um lugar chamado Kuãtungu Tehugu (pedra de Kuãtungu)”, que, por ocasião da sua apresentação oral, citou ser o lugar do criador e complementa textualmente: Ela é considerando lugar sagrado, porque antigamente meu povo pegava peixe à noite,

Por Outra Arqueologia Indígena

com sua armadilha, porque o peixe entra na pedra para dormir, então eles aproveitavam. Antes de pegar o peixe, ofereciam o beiju para o dono da pedra armadilha, para que ele deixe o peixe para eles.

Além de tratar sobre um lugar mítico, situa uma armadilha natural, cujo “dono” recebe oferendas para conceder a captura dos peixes, desde o passado até os dias de hoje, e também a possibilidade de habitar, pois “nesse lugar sagrado não tem perigo, portanto nós estamos morando perto”. A situação de risco difere do “lugar sagrado” na área indígena Urubu Branco, dos Tapirapé, situado a cinco quilômetros da aldeia e que, nas palavras de Genivaldo, Josimar e Júlio César (14.3, 20734), é administrado pelos pajés. Nesse lugar, eles “dialogam, ou seja, se comunicam diariamente”, e advertem que “lá ninguém pode ir sozinho”, e ainda “todos os dias ou toda semana, na pedra da cachoeira, os espíritos colocam algumas coisas diferentes, como por exemplo banana, amendoim, abelha e etc.”. E ainda citam “a existência de várias pinturas rupestres na pedra, como por exemplo, rosto humano, de aves, animais”. Contudo houve casos em que a abordagem sobre estes espaços foi um interdito. Os Chiquitano Laucino e Benedito (14.3, 20735) afirmaram que “os lugares simbólicos, locais sagrados de origens significativas para o povo Chiquitano, não podemos relatar, não temos autorização das lideranças”. As várias definições mostram a diversidade de conceitos de Arqueologia que envolve símbolos, organização espacial e manejo ambiental, entre outros; porém é mais importante ressaltar que essa pesquisa-ação certamente fortaleceu os vínculos entre gerações, assim como auxiliou na formulação de concepções muito próprias que fundamentam uma identidade para a Arqueologia.

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O livro discutiu uma Arqueologia Indígena a partir do protagonismo de professores índios como pesquisadores e produtores de conhecimentos verdadeiramente científicos. A trajetória histórica da escolarização entre povos indígenas e o caráter reivindicatório de programas que visem à formação de professores manifestam, em primeiro plano, a afirmação étnica por meio de um ensino diferenciado. O sentido é adquirir, também, conhecimentos e instrumentos ocidentais que auxiliem e possam ser aplicados e adequados ao contexto da aldeia, tornando-os úteis para a resolução de problemas históricos, sociais e ambientais. A atuação do professor, a escola e o poder do conhecimento produzido identificam “lugares” de saberes científicos fundamentais para a política da ciência arqueológica do século XXI. Os locais definidos pelos professores para realizar a pesquisa demonstram formas de repasse do conhecimento constituído em ambientes arqueológicos, os quais relacionam organização social e historicidades, num mundo em contato, logo “lugares do saber” em interação. Por um lado, a partir dessas escolhas, são três as questões ressaltadas: o motivo da opção, a mediação para realizar a pesquisa e as implicações desse processo. A concepção dos distintos conhecimentos revelados diz respeito às diferentes especialidades, gênero, faixa etária e status social como condicionantes para a aquisição do saber. A metodologia aplicada permitiu também o acesso da comunidade, em maior ou menor grau, ao universo acadêmico, assim como o inverso é verdadeiro e foi imprescindível, pois a universidade tem muito o que aprender e ouvir da aldeia e de seus interlocutores. A relação dialógica permitiu analisar várias esferas comprometidas com o trabalho do professor em termos teóricos e metodológicos, estimulando novas percepções, ampliando e complementando conteúdos. A escola, como espaço social de participação comunitária, pressupôs a interação entre pais e parentes de alunos que conheceram, de certa forma, as atividades desenvol179

vidas pelos professores indígenas, mas também, direta ou indiretamente, estabeleceram contato com os assuntos acadêmicos na aldeia. Por vezes, os próprios alunos foram orientados a desenvolverem pesquisas em suas casas com pais e familiares, tornando-os ativos no processo de produção de conhecimentos. Mas, em especial, a participação dos anciãos, sobretudo em suas considerações políticas, é de extrema importância para pensar o ensino de Arqueologia entre alunos indígenas. Obviamente, não desconsiderando a fundamental, essencial e necessária importância do repasse do conhecimento no cotidiano, nas formas tradicionais e no ambiente doméstico. A importância da pesquisa para a comunidade reflete a sua condução, que resulta numa representação política e simbólica do presente sobre o passado, cujas narrativas evidenciam conhecimentos e reivindicações. As orientações dizem respeito ao registro, divulgação e retorno do conhecimento produzido para a aldeia, portanto trata do uso da informação; deste modo, as narrativas indígenas mostram caminhos. A avaliação do professor evidencia a premissa científica de estudante universitário, dever profissional e o compromisso de índio em contribuir para sua comunidade em um mundo multicultural. Por fim, as definições de Arqueologia mostram a diversidade dos objetos em seus aspectos físicos, mas, sobretudo, distintos aspectos culturais, simbólicos e afetivos. As conceituações também revelam a afinidade entre Arqueologia e política, devido ao reconhecimento e interesse dos professores, seus alunos e interlocutores pelos cursos e pela pesquisa, especialmente focados nos anseios da comunidade. O conjunto de métodos e abordagens adotados tem por objetivo compreender as relações sociais entre as pessoas a partir da cultura material, ecofatos e biofatos, buscando entender a peculiar ação social, cultural e intelectual do ser humano na transformação material do seu mundo.

REFERÊNCIAS FONTES ESCRITAS

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