Luís dos Santos Vilhena: pensamento ilustrado na colônia

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Diálogos com a História 2 Trabalhos apresentados na 3ª Semana de História da UFF (março de 2015)

Márcia Maria Menendes Motta | Alan Dutra Cardoso Sarah Vanessa Santos Correia | Vanessa Costa Ferreira Organizadores

ISBN: 978-85-63735-20-1

Diálogos com a História 2 Trabalhos apresentados na 3ª Semana de História da UFF (março de 2015)

Diálogos com a História 2 Trabalhos apresentados na 3ª Semana de História da UFF (março de 2015)

Organizadores: Márcia Maria Menendes Motta Alan Dutra Cardoso Sarah Vanessa Santos Correia Vanessa Costa Ferreira

Niterói, PPGHistória-UFF 2016

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Reitor: Sidney Luiz de Matos Mello Vice-Reitor: Antonio Claudio Lucas da Nóbrega Coordenação do Programa de Pós-Graduação em História: Ana Maria Mauad de Souza Andrade Essus e Samantha Viz Quadrat Copyright © dos autores, 2016. Todos os direitos reservados. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright. Diagramação: Alan Dutra Cardoso Revisão: Alan Dutra Cardoso e Vanessa Costa Ferreira Apoios:

Ficha catalográfica

M319 Diálogos com a História 2: trabalhos apresentados na 3ª Semana de História da UFF (março de 2015) / Márcia Maria Menendes Motta, Alan Dutra Cardoso, Sarah Vanessa Santos Correia, Vanessa Costa Ferreira (orgs.). Niterói-RJ: PPGHistória-UFF, 2016. 540 páginas ISBN: 978-85-63735-20-1 1. História. 2. Teoria, Metodologia e Ensino da História. 3. Antiguidade 4. Idade Média. 5. Época Moderna. 6. Contemporaneidade. CDD: 902

Comissão Científica Prof. Dr. Alexandre Carneiro Cerqueira Lima Prof. Dr. Alexandre Santos de Moraes Prof. Dr. Carlos Gabriel Guimarães Prof. Dr. Cezar Teixeira Honorato Prof. Dr. Daniel Aarão Reis Filho Profa. Dra. Denise Rollemberg Cruz Profa. Dra. Giselle Martins Venâncio Prof. Dr. Guilherme Paulo Castagnoli Pereira das Neves Profa. Dra. Janaina Martins Cordeiro Prof. Dr. Jorge Victor de Araújo Souza Profa. Dra. Juniele Rabelo De Almeida Profa. Dra. Karla Guilherme Carloni Profa. Dra. Larissa Moreira Viana Prof. Dr. Marcelo Bittencourt Ivair Pinto Profa. Dra. Márcia Maria Menendes Motta Profa. Dra. Marina Monteiro Machado Prof. Dr. Mário Grynszpan Prof. Dr. Mário Jorge da Motta Bastos Profa. Dra. Nívia Pombo Cirne dos Santos Profa. Dra. Renata Rodrigues Vereza Profa. Dra. Renata Torres Schittino Profa. Dra. Tatiana Silva Poggi de Figueiredo

"Sei que meu trabalho não resolve os problemas dos pesquisadores que lidam com fenômenos ideológicos. Minha ambição é apenas ajudá-los a não se confundir, diante de um quadro tão impregnado de relativismo e tão pressionado por fetiches conservadores, como o que temos agora". Leandro Konder, filósofo e historiador.

SUMÁRIO Sobre a Semana de História e este livro ..................................................................... 11 Apresentação: CONHECIMENTO, AVALIAÇÃO E LIBERDADE! Márcia Maria Menendes Motta ....................................................................................... 13 Parte 1 – Teoria, Metodologia e Ensino da História Capítulo 1: E.P. THOMPSON E ARISTÓTELES: A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA ENQUANTO FONTE HISTÓRICA Antonio Lessa Kerstenetzky ............................................................................................ 18 Capítulo 2: A CRÍTICA ESTÉTICO-POLÍTICA DO SURREALISMO: UM DEBATE EM TORNO DE WALTER BENJAMIN, MICHAEL LÖWY E GEÖRGY LUKÁCS Cairo de Souza Barbosa ..................................................................................................... 26 Capítulo 3: OSCILAÇÕES NO TEXTO FICCIONAL: À CIÊNCIA OS LOUROS, À FICCÇÃO O ERRO Edson Silva de Lima ........................................................................................................... 35 Capítulo 4: AS HISTÓRIAS DE LÉVI-STRAUSS: A NOÇÃO DE HISTÓRIA A PARTIR DO PENSAMENTO LEVISTRAUSSIANO João Gabriel Ramos Mendes da Cunha ............................................................................. 47 Capítulo 5: DIÁLOGOS ENTRE CINEMA E HISTÓRIA: O FILME COMO FONTE E EM SALA DE AULA João Gomes Junior ............................................................................................................. 57 Capítulo 6: A HISTÓRIA SOCIAL E A BEGRIFFSGESCHICHTE. A COMPLEXA RELAÇÃO NO DIÁLOGO “INTER-HISTORIOGRÁFICO” João Victor da Mota Uzer Lima ........................................................................................ 69 Capítulo

7:

A

HISTORIOGRAFIA

BANDEIRANTE

E

O

PENSAMENTO

EVOLUCIONISTA Luiz Pedro Dario Filho ...................................................................................................... 84 Capítulo 8: OS USOS DAS MÚLTIPLAS LINGUAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA: REFLEXÕES SOBRE O CURRÍCULO DE HISTÓRIA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL NA ESCOLA CONTEMPORÂNEA Maria Aparecida da Silva Cabral, Emanoel Azevedo e Erika Maria Araujo .................. 96

Capítulo 9: ESCRITORES E/COMO INTELECTUAIS: O CASO DE HARUKI MURAKAMI EM NORWEGIAN WOOD. Mateus Martins do Nascimento ..................................................................................... 105 Parte 2 – História Antiga Capítulo 10: SEXUALIDADE FEMININA E REPRESENTAÇÃO DO EROS NO ÓIKOS ATENIENSE (SÉCULO V A.C) Juliana Magalhães dos Santos ........................................................................................ 115 Capítulo 11: OFERENDAS VOTIVAS E AGÓN NO SANTUÁRIO A DEMÉTER E KORÉ EM ACROCORINTO Mariana Figueiredo Virgolino ....................................................................................... 121 Capítulo 12: EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E ARQUEOLOGIA: O SAMBAQUI DA BEIRADA EM SAQUAREMA Marlon Barcelos Ferreira ............................................................................................... 129 Capítulo 13: SER GREGO EM HERÓDOTO Mateus Mello Araujo da Silva ......................................................................................... 140 Parte 3 – História Medieval Capítulo 14: IDENTIDADE E ALTERIDADE NO MUNDO ÁRABE-ISLÂMICO ATRAVÉS DA VIAGEM DE IBN BATTUTA (1304-1368) Afonso Celso Malecha Teixeira ...................................................................................... 147 Capítulo 15: PROBLEMÁTICAS DA HISTORIOGRAFIA DA ALQUIMIA Bruno Sousa Silva Godinho ............................................................................................ 159 Capítulo 16: A JUSTIÇA COMO PILAR DA REALEZA MEDIEVAL INGLESA – INÍCIO DO SÉCULO XV Caio de Barros Martins Costa ......................................................................................... 167 Capítulo 17: A PAZ DE DEUS E SEU PAPEL NA CONSOLIDAÇÃO DA ORDEM SENHORIAL FRANCESA Lucas Moreira Calvo ........................................................................................................ 178 Capítulo 18: UMA BREVE REFLEXÃO ACERCA DA RELAÇÃO CIDADE-CAMPO. O FORAL DE GUIMARÃES (SÉCULOS XI-XII) Matheus Godioli Pires Camacho .................................................................................... 190

Capítulo 19: RENASCIMENTO CULTURAL DO SÉCULO XII-XIII NA TÓPICA SATÍRICA DOS CARMINA BURANA Maycon da Silva Tannis .................................................................................................. 200 Capítulo 20: PATER PAUPERUM: A MANIFESTAÇÃO POLÍTICA DO AFFECTUS PIETATIS NA CONDUÇÃO DOS POBRES NA REALEZA CAPETÍNGIA (SÉC. XIII) Wanderson Henrique Pereira ........................................................................................ 211 Parte 4 – História Moderna Capítulo 21: VELHOS SELVAGENS, NOVAS TAPUIAS: JURISDIÇÕES IMPERIAIS IBÉRICAS E AS NOVAS HIERARQUIAS AMERÍNDIAS NA AMÉRICA PORTUGUESA (1545-1592) Bento Machado Mota ...................................................................................................... 222 Capítulo

22:

“CONHECER

PARA

DOMINAR”:

OS

SIGNIFICADOS

DE

EVANGELIZAÇÃO AMERÍNDIA PARA O FRANCISCANO BERNARDINO DE SAHAGÚN Daniella Fraga .................................................................................................................. 231 Capítulo 23: LUÍS DOS SANTOS VILHENA: PENSAMENTO ILUSTRADO NA COLÔNIA Gabriel de Abreu M. Gaspar ............................................................................................ 239 Capítulo 24: CRISTÃOS-NOVOS NA ÉPOCA MODERNA: A EMIGRAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE MANUTENÇÃO DA FÉ MOSAICA Gislaine Gonçalves Dias Pinto ........................................................................................ 246 Capítulo 25: O VILANCICO NA CAPELA REAL. O NATAL DE 1640 Laís Morgado Marcoje .................................................................................................... 259 Capítulo 26: MOURISCAS JUDAIZANTES NO PORTUGAL DO SÉCULO XVI Rachel Romano dos Santos ............................................................................................. 267 Capítulo 27: A INSERÇÃO DE MULHERES INDÍGENAS EM ESPAÇOS FRONTEIRIÇOS Suelen Siqueira Julio ....................................................................................................... 280 Capítulo 28: REPRESENTAÇÕES FEMININAS NO TEATRO DE ANTONIO RIBEIRO CHIADO Vanessa Gonçalves Bittencourt de Souza ...................................................................... 288

Capítulo 29: NA MIRA DA INQUISIÇÃO: AS RELAÇÕES INTERÉTNICAS DE PADRES SODOMITAS NO IMPÉRIO PORTUGUÊS Veronica de Jesus Gomes ................................................................................................ 296 Parte 5 – História Contemporânea Capítulo

30:

“DA

UNIVERSIDADE

‘MODERNIZADA’

À

UNIVERSIDADE

DISCIPLINADA”: NOTAS DE UM TRABALHO SOBRE EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX. Alan Dutra Cardoso ......................................................................................................... 309 Capítulo 31: LUGARES DE MEMÓRIA: CENÁRIOS DE DISPUTAS DE HISTÓRIA E IDENTIDADE: O MUSEU AFRO BRASIL E O SEU PAPEL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Ana Carla Hansen da Fonseca ......................................................................................... 318 Capítulo 32: HISTÓRIA, GÊNERO E LITERATURA NA SÉRIE PARADIDÁTICA ELES FIZERAM A HISTÓRIA DO BRASIL André Barbosa Fraga ..................................................................................................... 328 Capítulo 33: ÓRGÃOS DE VIGILÂNCIA E CONTROLE NA DITADURA MILITAR NA COMUNIDADE ACADÊMICA: ANÁLISE DOCUMENTAL A PARTIR DE OFÍCIOS CONFIDENCIAIS DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UFBA ENTRE 1971 A 1974 Anne Alves da Silveira, Ceci Bastos de Souza Pardo Casas e Louise Anunciação Fonseca de Oliveira ........................................................................................................................ 341 Capítulo 34: POLICIAMENTO EM SÃO PAULO: ADMINISTRAÇÃO DOS POSTOS DE COMANDO DAS GUARDAS POLICIAIS (1834-1850) Bruna Prudêncio Teixeira .............................................................................................. 352 Capítulo 35: A SOCIEDADE CEARENSE LIBERTADORA E UM PROJETO DE ABOLIÇÃO NO CEARÁ (1881-1884) Camila de Sousa Freire .................................................................................................... 364 Capítulo 36: O PROTAGONISTA DE CINEMA: OS HERÓIS MASCULINOS DA NOVA HOLLYWOOD Carlos Vinícius Silva dos Santos ..................................................................................... 372

Capítulo 37: HISTÓRIAS CONECTADAS E SANTOS NEGROS Caroline dos Santos Guedes ............................................................................................ 384 Capítulo 38: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LITERATURA DE VIAGEM EM DOMINGO F. SARMIENTO E PAUL GROUSSAC Daiana Pereira Neto ........................................................................................................ 392 Capítulo 39: MERCADÃO DE MADUREIRA: COMÉRCIO DE ANIMAIS E TRADIÇÃO Danilo Monteiro Firmino ................................................................................................ 401 Capítulo 40: BOTICAS, FUNCIONÁRIOS DO ULTRAMAR E INTERMEDIÁRIOS DO TRÁFICO A SERVIÇO DA CURA: FINAL DO SÉCULO XVIII E PRIMEIRA METADE DO SÉCULO

XIX

BRASIL/ANGOLA.

O

FORTALECIMENTO

DA

REDE

DE

CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS Fernanda Ribeiro Rocha Fagundes ................................................................................ 411 Capítulo 41: DE COMO FOI INVENTADO O FEUILLETON-ROMAN, E DO SUCESSO DE ALEXANDRE DUMAS (1836-1850) José Roberto Silvestre Saiol ............................................................................................ 422 Capítulo 42: RETRATOS DO BRASIL: A FOTOGRAFIA PÚBLICA NOS ARQUIVOS DO IBGE Marcus Vinícius de Oliveira ........................................................................................... 430 Capítulo 43: ENTRE CARTAS: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO DA REVOLUÇÃO DE 1924 EM SÃO PAULO E DE SUAS LIGAÇÕES COM A COLUNA MIGUEL COSTA PRESTES Maria Clara Spada de Castro ......................................................................................... 441 Capítulo 44: A OBRA “MÁXIMA” DO BRASILEIRO – PEQUENA ANÁLISE SOBRE O PROJETO DA ENCICLOPÉDIA BRASILEIRA DO INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO ENTRE O MODERNISMO E O NACIONALISMO (1937-1973) Mariana Rodrigues Tavares ........................................................................................... 452 Capítulo 45: A CAIXA ESTADUAL DE CASAS PARA O POVO – CECAP – E O INTERIOR PAULISTA:

A

ATUAÇÃO

DE

UMA

AUTARQUIA

GOVERNAMENTAL

NA

CONSTRUÇÃO DE CONJUNTOS HABITACIONAIS Michele A. Siqueira Dias ................................................................................................. 464

Capítulo 46: CONFLITO POLÍTICO EM QUADRINHOS: O EMBATE ENTRE CATOLICISMO E COMUNISMO NA OBRA TINTIM NO PAÍS DOS SOVIETES Morgana Oliveira Rocha da Silva ................................................................................... 473 Capítulo 47: EXTENSÃO RURAL E O II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO (II PND) – 1974-1979 Pedro Cassiano Farias de Oliveira .................................................................................. 482 Capítulo 48: A PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL NOS TEMPOS DE DODSWORTH: ADMINISTRAÇÃO E INTERVENÇÃO URBANA (1937-1945). NOTAS DE UMA PESQUISA EM ANDAMENTO Pedro Sousa da Silva ....................................................................................................... 498 Capítulo 49: A IDADE DA TERRA: A REVOLUÇÃO DO TERCEIRO MUNDO NA AMÉRICA LATINA DE GLAUBER ROCHA Quezia da Silva Brandão ................................................................................................. 509 Capítulo 50: VOZES DO ATLÂNTICO NEGRO: AUTOBIOGRAFIAS E MEMÓRIAS DA ESCRAVIDÃO NOS ESTADOS UNIDOS (1772-1897) Rafael Domingos Oliveira ............................................................................................... 518 Capítulo 51: O JORNAL DO COMMERCIO, O ABOLICIONISMO E O JOGO POLÍTICO IMPERIAL: NOTAS DE PESQUISA Roger Anibal Lambert da Silva ....................................................................................... 531

Capítulo 23: LUÍS DOS SANTOS VILHENA:

PENSAMENTO ILUSTRADO NA

COLÔNIA Gabriel de Abreu M. Gaspar1 Luís dos Santos Vilhena nasceu em 1744, na vila de são Tiago do Cassino, no Alentejo e no ano de 1787 foi designado para o lugar de mestre régio de grego na Bahia. Permaneceu em Salvador até 1799, quando retornou à Portugal para tratar de sua saúde e solicitar o seu jubilamento, alcançado em 1801 2. Logo depois deve ter retornado à Bahia, onde faleceu em 1814. É autor de 24 cartas3 que descrevem e analisam a América Portuguesa no final do século XVIII. As primeiras 20 cartas foram escritas na colônia e são destinadas a Filopono, que se pode traduzir por “aquele que aprecia o esforço do trabalho”, dedicadas ao príncipe regente D. João. As demais, foram completadas em Portugal e endereçadas a Patrífilo, o “amigo da pátria”, Rodrigo de Sousa Coutinho, Secretário da Marinha e do Ultramar. É possível identificar um alinhamento entre as ideias do professor régio e as do ministro, ambos em um espaço das Luzes portuguesas, preocupadas, sobretudo, em corrigir as deficiências da administração, em promover a expansão da agricultura na colônia por meio de conhecimentos práticos e de métodos mais racionais. Neste trabalho analisou-se a 24ª. Carta, publicada sob o título de “Pensamentos políticos sobre a Colônia”4 destacando seu caráter ilustrado sob os seguintes aspectos: suas considerações sobre a população, a proposta de uma lei de terras e as duras críticas ao comércio. AS COLUNAS MAIS SÓLIDAS E BASES ESTÁVEIS DA COLÔNIA População, agricultura e comércio são as colunas mais sólidas e a base mais estável das colônias que conservamos na América, compreendidas no Principado do Brasil. Carece

1

Graduando em História da Universidade Federal Fluminense. Desenvolve pesquisa sob orientação do Prof. Dr. Guilherme Pereira das Neves. Bolsista de iniciação científica (CNPq/PIBIC/UFF) vinculado a projeto coordenado pelo Prof. Dr. Luciano Raposo de Almeida Figueiredo. E-mail de contato: [email protected]. 2 Cf. NEVES, Guilherme Pereira das. "Luís dos Santos Vilhena". In: VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro, Objetiva, 2000. 3 A cartas estão disponíveis em duas edições: VILHENA, Luís dos Santos. A Bahia no século XVIII. Salvador, Itapuã, 1969, 3 v. e _____. Recopilação de notícias soteropolitanas e brasílicas. Bahia, Imprensa Oficial, 192122, 2 v. 4 VILHENA, Luís dos Santos. Pensamentos políticos sobre a Colônia. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Série Publicações Históricas 87, 1987.

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refletirmos se tem havido a precisa atenção à solidez destas colunas, se se acham em estado de sustentar o grande peso que sobre elas gravita e o modo por que poderão sustentá-lo, no caso de terem saído do seu equilíbrio5.

Segundo Vilhena, o essencial da economia brasileira podia ser descrito na frase supracitada, considerando que os pilares de sustentação da economia colônia eram população, agricultura e comércio, mas questiona se “tem havido a precisa atenção à solidez destas colunas”6. Entre as críticas e as propostas, o professor régio diagnostica que o Estado do Brasil está dividido em grandes capitanias gerais e capitanias subalternas, que, caso povoadas e cultivadas de acordo com a extensão e qualidade do terreno, nada teriam que invejar aos Estados da Europa. Contudo, este “país extensíssimo, fecundo por natureza e riquíssimo” é habitado por poucos colonos, em sua maior parte pobres e famintos: É a capitania da Bahia a mais povoada, não é porém a mais extensa, pois que algumas há que a sucedem; por consequência, têm logo todas as capitanias uma população extremosamente pequena em comparação do âmbito, não só do todo do Estado, como de cada uma de por si.7

Ao considerar que “sem homens não há sociedade, e sem meios de subsistência não pode haver homens”8, Vilhena afirma que a falta de população no Brasil é causada pela pobreza e considera a terra como “subsidiária dos viventes”. Ele vai além e constata que “quem gera o cidadão é a propriedade”9. Assim, conforme salienta Maria Sarita Motta, esta concepção de propriedade na obra de Vilhena assume uma “dimensão social e política”, pois ela emerge “como um principio organizador da sociedade liberal e burguesa em processo de construção de um e do outro lado do Atlântico”10. Outrossim, estabelece-se aí a correlação entre propriedade da terra, atividade agrícola e população e diagnostica o problema das grandes propriedades, como “causa dos vícios de um e da miséria de inumeráveis” e obstáculos para a população. Os pobres não são os únicos culpados pela decadência da agricultura, a concentração

5

VILHENA, Luís dos Santos. Pensamentos políticos sobre a Colônia. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1987, p. 39. 6 Ibidem, p. 39. 7 Ibidem, p. 51, grifo meu. 8 Ibidem, p. 51. 9 Ibidem, p. 54. 10 MOTA, Maria Sarita. “Propriedade e Pensamento Político na América Portuguesa em fins do século XVIII”. In: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História. São Paulo: ANPUH, 2011, p. 3.

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fundiária também o era, já que a lei do morgadio impedia que os demais filhos do senhorio tivessem terras para produzir: Quantos filhos segundos e terceiros estariam estabelecidos; seriam chefes de fecundas famílias se aquela reunião de propriedades vinculadas que privativamente passam à posse do primogênito fossem desanexadas e igualmente repartidas pelos irmãos a que o feio semblante da pobreza faz aborrecer o consórcio11.

O morgado era uma instituição tipicamente ibérica e esteve em vigor até as reformas legislativas liberais do século XIX. A despeito das diversas regras de sucessão e nomeação dos morgados, a instituição dos morgadios teria sido uma prática dos grupos dominantes agrários que poderia ter se estendido para outros grupos de lavradores. A instituição pressupunha a transmissão do patrimônio para o filho primogênito, para evitar a divisibilidade da terra12.

Assim, ele conclui que a Lei de terras é uma necessidade, ao considerar a agricultura como chave mestra para a subsistência dos homens e expansão da população. Vilhena propõe uma lei agrária com limitação de tempo que redistribuísse as terras entre a população marginalizada, porém respeitando a classe senhorial. Diz ele que “(...) poderiam dividir-se as terras pelas famílias que se achassem em cada um dos distritos”13, considerando não só o número, mas a qualidade delas, além de suas comodidades e serventias. Estas terras deveriam permanecer indivisas e à medida do aumento dessas famílias, outros lotes de terras deveriam ser concedidos. As terras improdutivas deveriam ser confiscadas em um prazo de dois anos se não fossem cultivadas e as florestas de madeira de lei permaneceriam sob controle da coroa portuguesa. Além disso, ele identifica a necessidade de nomeação de um ministro intendente para zelar pela prática e cuidar para que fosse cultivado o gênero de acordo com as propriedades das terras, pois as incoerências de “querer que dê tabaco o terreno que tem propriedade para algodão e vice-versa” impede um melhor desenvolvimento agrícola, em suma, “há precisão de plantá-las de que elas melhor 11

Ibidem, p. 53. MOTTA, Márcia Maria Menendes. Direito à terra no Brasil: a gestação do conflito, 1795-1824. São Paulo: Alameda, 2ª. ed, 2012, p. 49. 13 Ibidem, p. 57. 12

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produzem”14. Se, para o autor, o cidadão é gerado pela propriedade e esta lei tornaria proprietários um grande número de brasileiros, um grande número de pessoas se converteria em cidadãos. Não obstante, ele propõe outra lei para solucionar um problema colonial: a população ociosa, que terá “forças para fazer evacuar das cidades os preguiçosos vadios e povoar de agricultores as campanhas”15. Os vadios seriam convertidos em trabalhadores rurais, aproveitando-se os braços trabalhadores para o sucesso do projeto colonial. O COMÉRCIO PORTUGUÊS EM FINS DO SETECENTOS O comércio ocupou lugar importante na análise de Luís dos Santos Vilhena e foi considerado também um dos pilares sólidos para a conservação das colônias. O professor de grego afirma que a liberdade “é o espírito dominante do comércio, e que sem ela impossível é que este possa florescer”, mas defende que cada um entende esta palavra segundo seu modo de pensar. Mas, para ele, ela consiste na liberdade na autoridade das leis, sabedorias e prudência de governo e felicidade dos povos, já que é certo que em toda a parte deve a administração ser o sustentáculo da prosperidade dos povos, da opulência da nação; deve mostrar a sua influência na explanação das vidas por que os homens corram para a felicidade. [...] pelo que pertence ao comércio deve atender a que as províncias da sua dependência não sofram muito por causa da distância nem da proximidade, e que cada um tenha para a exportação e importação aquelas facilidades que forem relativas à sua posição16.

Ele diagnostica que o comércio da América é útil e vantajoso, já que por meio dele são fornecidos gêneros indispensáveis à Europa. Ao mesmo tempo, “de todos os estabelecimentos de Portugal é o Brasil não só o mais rico como o mais suscetível de melhoramento”17 e o mais interessante ao comércio, desde que povoado e cultivado o quanto deve e pode ser. Cabe destacar a consonância desta perspectiva com a de Rodrigo de Sousa Coutinho, considerado, por Guilherme Pereira das Neves, “um dos

14

Ibidem, p. 58. Ibidem, p. 59. 16 Ibidem, p. 73, grifo meu. 17 Ibidem, p. 74. 15

242

mais notáveis representantes da Ilustração portuguesa”18. Secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, entre 1796 e 1801, d. Rodrigo capitaneava um conjunto de letrados, denominados por Kenneth Maxwell de “geração de 1790”19, que buscavam reconhecer e mapear o império e percebiam a situação frágil em que se encontrava Portugal no fim do século XVIII. Vilhena destaca a importância da prudência na escolha dos governadores para cada uma das capitanias e dos ministros e oficias para a administração da justiça e da fazenda. Cabia também à metrópole, fechar “as infinitas portas por onde se introduz o ruinosíssimo contrabando”20 e não permitir muitas fábricas nas colônias do Brasil, pois elas absorveriam as finanças das exportações e desequilibrariam o comércio de Portugal com o Brasil. Além disso, não dever-se-ia incumbir os comerciantes estrangeiros de transportar e nem vender diretamente à Colônia, para evitar que as riquezas do Estado fossem parar na mão desses “comissários ausentes”. A perspicácia de Luís dos Santos Vilhena se revela ao identificar o comércio “passivo e ruinoso” de Portugal: Daquela época até o presente tem Portugal recebido do estrangeiro muito mais importações que expedido exportações, fazendo por isso um comércio pouco menos que passivo e por isso ruinoso, apesar do que é talvez Portugal a única nação a quem este gênero de comércio tem até o presente sido menos lesivo, pois que a moeda com que paga o excesso das suas importações é gênero de produção das suas minas do Brasil e não fruto da indústria, como nas outras nações, à exceção da Espanha21.

Contudo, apesar de afirmar que este comércio desfavorável tem sido “menos lesivo” devido aos ingressos do ouro, ele defende que em breve haverá necessidade de propor medidas para quebrar os “canos por onde a indústria estrangeira conduz

18

Cf. NEVES, Guilherme Pereira das. Rodrigo de Souza Coutinho. In: VAINFAS, Ronaldo (dir.). Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro, Objetiva, 2000. 19 Cf. MAXWELL, Kenneth. "A geração de 1790 e a idéia de império luso-brasileiro". In: Chocolate, piratas e outros malandros. São Paulo, Paz e Terra, 1999. 20 VILHENA, op. cit., p. 74. 21 Ibidem, p. 77, grifo meu.

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para fora a nossa moeda”22. Por fim, identifica que “é os estrangeiros nas mãos dos quais vai parar a riqueza toda das mesmas colônias”23. VILHENA E SEU LUGAR NAS LUZES IBÉRICAS Depois de apresentados seus “pensamentos políticos” e sem a pretensão de terem sido esgotadas todas as possibilidades, cabe refletir sobre o caráter ilustrado de tais pensamentos no contexto das singulares Luzes ibéricas. A Ilustração lusobrasileira possuiu um caráter peculiar, mas, segundo Guilherme Pereira das Neves24 devido à falta de uma análise precisa, continua a receber adjetivos variados, seja como católicas, tímidas, pálidas ou envergonhadas. Contudo, estudo recentes demonstram a complexidade da recepção dessas ideias ao perceber a oposição entre uma “pequena vanguarda iluminada” e um “setor obscurantista majoritário”, já outros identificam um discurso de “constitucionalismo antigo”, retomado com a Restauração de 1640, que coexistia com uma “linguagem absolutista” do marquês de Pombal. Esta perspectiva pode ser alargada com os estudos de Franco Venturi25, que destacam a oposição vívida nas Luzes entre “monarquia”, a tentativa de centralização, e uma “tradição republicana”, o sentimento de defesa da res publica, ao superar a interpretação puramente filosófica da Ilustração e propor extraí-la da sociedade, onde se enraízam as ideias, e da relação entre utopia e reforma. No mundo luso-brasileiro, “a recepção das Luzes (...) adquiriu uma tonalidade própria, de acordo com as características peculiares daquela sociedade”26. E, por isso, foi dotada de um caráter ambíguo: de um lado, “sombrio”, que se colocava a serviço da Coroa portuguesa, demonstrava uma secularização muito limitada e valorizava a religião como importante forma de conhecimento, de outro lado, “esclarecido”, que buscava conhecimentos úteis para propor medidas e “luminosas reformas”27. Em suma,

22

Ibidem, p. 77. Ibidem, p. 78. 24 Cf. NEVES, Guilherme Pereira das. Sociabilidades modernas e poderes tradicionais no Rio de Janeiro de 1794. In: Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: Poderes e Sociedades. Lisboa: Biblioteca Digital Camões, 2008. v. 1. p. 1-16. 25 Ver, principalmente, VENTURI, Franco. Utopia e reforma no Iluminismo. Bauru, EDUSC, 2003. 26 NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; NEVES, Guilherme Pereira das. A Biblioteca de Francisco Agostinho Gomes: a Permanência da Ilustração Luso-Brasileira entre Portugal e o Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; Rio de Janeiro, v. 165, n.425, p. 11-28, 2004. Citação extraída da p. 14. 27 Ibidem, p. 14. 23

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adotava-se uma atitude de mudança pontual e limitada quase sempre dirigida pelas conveniências da Coroa, mas que não implicava em uma transformação profunda na estrutura da sociedade28.

É nesta ambiguidade em que reside os pensamentos políticos de Luís dos Santos Vilhena e de outros memorialistas e administradores coloniais em fins do Setecentos. CONCLUSÃO Em sua racionalização, Vilhena conseguiu identificar as bases da colonização portuguesa: população, agricultura e comércio e propor medidas e leis para a manutenção da solidez destas colunas, propôs uma lei de terras que solucionaria diversos problemas como a pobreza, a ociosidade de parte da população e contribuiria para o progresso da agricultura e aumento da população. Além disso, diagnostica, com sucesso, a importância e os problemas do comércio lusitano, ao evidenciar o maior número de importações do que o de exportações e o quão lesivo isso era. Neste sentido, identificou a necessidade de “quebrar os canos” que conduziam para o estrangeiro a riqueza colonial. Encaixando-se, assim, como um representante do ambíguo pensamento ilustrado luso-brasileiro.

28

Ibidem, p. 14.

245

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