Lula em \" pratos limpos \"

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Grupo de estudos pós-foucaultianos

Lula em “pratos limpos” Por Rogério Mattos: [email protected]

Introdução Por muitos anos tentam incriminar Lula, bani-lo da vida pública. Desde os sequestradores de Abílio Diniz e que foram presos e mostrados aos jornais vestidos com a camisa do PT, passando pelos “aloprados”, pelo “mensalão”, pelo “triplex” do Guarujá, etc. Como de origem pobre, nordestino, bebedor de cachaça, não poderia ser diferente. Quando Foucault escreveu sobre a “sociedade disciplinar” o que estava em jogo era a “guerra das raças”, se criar a lei para benefício de uma elite e assim controlar, normalizar, os “loucos e degenerados”. Com o advento da biopolítica, no pós-guerra, a procura do ordo ou neoliberalismo é criar uma espécie de sociedade civil, sem Estado, onde um marco legal iria regular as relações entre os cidadãos. Não é a intenção desse artigo abrir o marco histórico onde estas relações

puderam mais e mais se efetivar, porém ela fica flagrante depois dos atentados de 11 de setembro, da criação do “ato patriota”, que levou não só a um sistema de vigilância em escala global (como no caso das espionagens relatadas por Edward Snowden, mas também da capacidade de se utilizar indiscriminadamente do instrumento da prisão preventiva (que passou a ser indefinida), e do tipo de acusação política que só a alcunha de “terrorista” poderia pressupor. O caso é que esse sistema legal, uma sociedade de controle, como bem previu Gilles Deleuze já no final de sua vida, atinge escalas assombrosas com os novos mecanismos legais criados e utilizados com cada vez menos pudor ultimamente. Importados dos EUA, de seu Departamento de Estado, são os novos instrumentos dos Assassinos Econômicos, como nem sequer um dia iria imaginar John Perkins. Esse é o sistema da biopolítica que deixa cada vez mais os pobres com os pratos limpos e com fome. Ao contrário de Lula, que deixou pratos limpos à frente de pessoas saciadas. Quem é o nosso Assassino Econômico?

Lula em “pratos limpos” Desculpe  a  expressão,  mas  a  referência  é  essa  mesmo:  a  Lava­Jato  não  é  Java­Jato,  mas  Mãos  Limpas,  ​mani  pulite.  Nela  podemos  ver  o  genial  Sérgio  Moro  vivenciando  seu  "momento  extraordinário  na  história  contemporânea  do  Judiciário".  O  "grande  encarceramento"  volta  à  baila,  só  a  prisão  dos  "loucos  e  degenerados"  pode  trazer  a  sanidade  à  nação:  "Dois  anos  após,   2.993  mandados  de  prisão  haviam  sido  expedidos;  6.059  pessoas  estavam  sob  investigação,  incluindo  872  empresários,  1.978  administradores  locais  e  438  parlamentares,  dos  quais  quatro  haviam  sido  primeiros­ministros",   diz  Moro  em  seu  artigo  talvez  já  com  sonhos  de  grandeza.  Maravilha!  Os acentos foucaultianos do início desse texto servem também para destacar uma situação  histórica:  o primeiro "monstro humano" é o rei (não sei se foi o Foucault ou eu que estou dizendo  isso,  mas  a  ideia  é  essa).  Isso  é  um  processo  que  se  inicia  na  Reforma,  mas  pode  ser  visto  nas  tentativas,  durante  a  Revolução  Francesa,  de  dar  bases  legais  à  acusação  ao  rei:  como  infringir  uma  pena  a  quem  não   fez  parte  do  pacto  social?  O  rei   está  fora  do  pacto,  como  enquadrá­lo?  Segue  toda  uma  discussão que, para não sermos acadêmicos como o genial Moro, prefiro ignorar 

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olimpicamente.  O  marco  histórico,  mais  concretamente,  foi  a  acusação  a  Maria Antonieta de ser  incestuosa.  toda  uma  literatura  bizarra  foi  escrita  em  cima  disso.  Você  tem  no  mesmo período o  início  dos  romances  de  terror.  O  "Castelo  dos  Pirineus",  ou  seja,  o  castelo  como  lugar  da  civilidade,  em  meio  à  natureza  selvagem  (no  alto  de  um  penhasco),  onde  crimes  macabros  acontecem;  tem  também  o  Jack,  o  Estripador;  toda  uma  literatura  popular  ou  produzida  nos  meios  institucionais  para  caracterizar  o  "monstro  humano",  o  que  Foucault  irá  estender  também  para  as  "crianças  masturbadoras".  O  que  não  deixa  de  ser  uma  ótima  comparação,  tudo   isso  exposto no curso dele intitulado ​Os Anormais.  Essa  tradução  da   confissão  de  Mario  Chiesa  se  aplica  a Lula ou ao aliado de Moro,  o  mil  vezes  ​recabaçado  Eduardo  Cunha,  o  novo Maquiavel agora caído em desgraça? "Em substância,  para  entender  as  razões  pelas  quais  eu  tive  de  me  expor  diretamente  no  esquema  de  propina,  é  necessário  entender  que  eu  não  me  mantinha  como  presidente  de   uma  organização  como  Trivulzio  simplesmente  porque  eu  era  um  bom  técnico  ou  um  bom  administrador  da  área  da  saúde,  mas  também  porque  de  certo  modo  eu  era  uma  força  a  ser  considerada  em  Milão,  tendo  um  certo  número  de  votos  a  minha  disposição.  Para  adquirir  o  que  atingiria  no  final  sete  mil  votos,  eu  tive,  durante  minha  carreira  política,  que  sustentar  o  custo  de  criar  e  manter  uma  organização  política  que  pudesse  angariar  votos  por  toda  Milão".  Ou  será  que  o  Thomas  Jefferson  de  Curitiba  surfou  nas  águas  do  outrora  afamado  JB?  Ainda  falta  os  sociólogos  confirmarem  essa  tese  da  continuidade  democrática  ser  possível  apenas  através  de  corrupção  e  populismo.  Um  povo  não  pode  ser  minimante  maduro.  Queria  seguir  passo  a  passo  o  artigo  de  Moro  mas  corro  o  risco  de  não  conseguir  chegar  ao  fim.  Desculpe,  até  me  perdi  no  meio  das  gargalhadas.  Quanta  sapiência!  Será  que  ele  não  daria  um  bom  sociólogo  ou  historiador,  tipo  o  ilustre que apresenta o jornal da noite?  De  um  modo  geral,  a  fé  do  juiz  em  acabar  com  os  crimes  de  colarinho  branco  de  forma  alguma  tem qualquer relação com os objetivos da Lava­Jato, muito menos com  o  realizado com a  mani  pulite.  Como  não  tem  nada  a  ver,  pelo  menos  no  sentido  mais  amplo,  com  a  lavagem  de  dinheiro,  se  explica  o  fato  (que  não  deixa  de  causar  estranheza  ao  juiz  no  seu  artigo)  da  eleição  de  Berlusconi.  Se  a  nova  criminologia  tivesse  alguma  coisa  a  ver  com  dinheiro  ilegal,  o 

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ex­presidente  do  Milan  não   teria  sido  eleito.  É  uma  operação  para  desacreditar  políticos,  e  só.  Uma  caça   a  incestuosa  Antonieta, ao monstro Luís XVI. E acaba por aí. Na  Itália ­ o artigo não é  explícito  sobre  isso,  o  que  é  sintomático  de   sua  incompetência  generalizada  ­  pode  ter  havido  uma  relação  com  a  máfia.  De  qual  máfia  se  trataria  no  Brasil?  Supostas  ligações  do  PT  com  as  FARC,  ou  pior,  com  Cuba?  Ou  a  simples  fabulação  do  "lulo­petismo"?  Faz­me  rir,  de  novo.  O   lugar  fundamental  do  colarinho  branco  foi  a  Privataria.  Mas  "não  vem  ao  caso".  O  PT  montou  todo  esse  maquinário  para   se  perpetuar  no  poder  sem  o  auxílio  de  bancos,  sem  o  auxílio  de  agentes,  como  Youssef,  E  esse  doleiro  entra  no  jogo  no  caso  Banestado.  Se  a  Mãos  Limpas  foi  para  acabar  com  a  corrupção  no  partido  cristão  e  no  comunista,  onde  a  isonomia  aqui?  São  perguntas de ordem geral, mas vamos voltar ao texto.  Mas  calma  aê,  tenho   que  voltar um pouco. São pontos "fundamentais". Logo no início do  texto,  o  caráter   "new  age"  da  conduta  morinha:  "a)  uma  conjuntura econômica difícil, aliada aos  custos  crescentes  da  corrupção;  b)  a  integração  europeia,  que  abriu  os  mercados  italianos  a  empresas  de  outros  países  europeus,  elevando  os  receios  de  que  os  italianos  não   poderiam,  com  os  custos  da  corrupção, competir em igualdade de condições com seus novos concorrentes;  e c) a  queda  do  “socialismo  real”, que levou à deslegitimação de um sistema político corrupto, fundado  na  oposição  entre  regimes  democráticos  e  comunistas".  O  primeiro  ponto  é  sobre  o  sexo  dos  anjos  e  a  queda  na  carne.  Nada  mais  abstrato.  No  segundo  e  no  terceiro  dá  para  se  ver  porque  ficou  tão  feliz  com  a  visita  do  presidente  da  Anistia  Internacional,  organismo  que  também  patrocinou  a  ​mani  pulite.  Queria  não  reivindicar  a  soltura  de  presos  políticos,  as  infrações  aos  direitos  humanos,  etc.  Pelo  contrário,  criou  em  série,  patrocinou,  uma  lista  imensa  de  presos  políticos e de abusos aos direitos humanos.  A  caça  às  bruxas  na  Itália  acabou  por  levar  diversos  prisioneiros  ao   suicídio  (e  isso  é  encarado  com  certa  naturalidade  no  artigo  de  Moro, como uma  consequência, algo que possa ser  sentida  à  flor  da  pele  como  efeitos  do  que  consideram  justiça),  e   promoveu  em  massa  a  prisão  política  porque  o  objetivo  não  era  sanar  o  sistema  político  italiano.  Como  se  com  condenações,  com  o  uso  puro e simples da penalidade,  se pudesse chegar a tanto. O que a Anistia Internacional  ajudou  a  promover  na  Itália  foi,  com  a derrubada dos partidos políticos tradicionais, a imposição 

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do  sistema  euro.  A  eleição  de  Berlosconi  é  somente  espuma,  a  parte  mais  evidente  da  história.  Caberia  aqui  algumas  considerações  sobre  a  união  de  forças  transnacionais  para  se  impor  o  sistema  euro,  quais  seus  objetivos,  etc.,  mas  acabaria  tendo  que  abrir  um  tópico  à   parte.  Mas  o  euro  era  algo   não  visto  com  bons   olhos  pela  população  e  precisavam  de  alguma  coisa  para  legitimá­lo,  principalmente  a  questão  das  privatizações,  um  dos  objetivos  maiores  da  "operação  euro".  Na  verdade,  precisavam  retirar  as   referências  tradicionais  para  se  poder  impor algo novo.  Esse o objetivo maior da ​mani lipute.  Falar  de  Berlusconi,  colocar  "três  pontinhos"  depois  de  seu  nome,  como  se  fosse  uma  aporia,  quase  que   um  momento  trágico,  de  certa  forma  necessário  ou  inevitável,  como  parece  afirmar  Moro,  não  é  o  que  importa.  Como  dito,  Berlusconi  é  espuma. Mario Draghi dirigiu todo  o  processo  de  privatização  italiano  no  pós  Mãos  Limpas  como  diretor  do  Comitê  de  Privatizações.  Em   2   de  junho de 1992, Draghi à bordo do iate real Britannia, frente a uma plateia  de  financistas  e  especuladores,  deu  uma  palestra  como  diretor  geral  do  Ministério  da  Fazenda  italiano,  onde  disse  que  o  maior   obstáculo  para  se  criar  um  mercado   financeiro  "moderno"  na  Itália,  ou  seja,  a  venda  de  todo  o  setor  público  ao  mercado  de  ações,   era  o  sistema  político  do  país.  A  Mãos  Limpas  ao  mesmo  tempo  que  dava  boas  vindas  ao  euro,  dava  adeus  às  empresas  públicas nacionais.  A  "força  tarefa"  da  ​mani  pulite,  composta  pelos   procuradores  milaneses  Antonio  Di  Pietro,  Piercamillo  Davigo,  Gerardo  d'Ambrosio  e  Gherardo  Colombo,  se engajaram na  política,  à  exceção  de  Davigo.  Este,  junto  a  Colombo,  foram  membros  fundadores  da  Anistia  Internacional  na   Itália.  Ainda  que  a TI tenha sido fundada nos país apenas em 1997, sua diretora,  no  mesmo  ano,  em  entrevista  ao  Il  Glornale,  disse  que  os  procuradores  recebiam  documentos  diretamente   do   quarte­general  da  Transparência  Internacional,  em  Berlim. Nos quadros políticos  tradicionais,  Antonio  Di  Pietro  se  tornou  ministro  e  criou  seu  próprio  partido,  enquanto  D'Ambrosio e Colombo foram eleitos ao Parlamento pelo Partido Democrático.  O setor político que começou a ganhar voz em meio à caça as bruxas (Giuliano Amato,  Carlo Azeglio Ciampi, Lamberto Dini e Romano Prodi) fez o alerta sobre a necessidade de  "reformas estruturais", reduzir o déficit orçamentário para 3%, liberalização da economia ­ tudo 

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isso para atender aos requisitos para se entrar na zona do euro. Segue trecho do ​memorandum da  Executive Intelligence Review, traduzido em português de Portugal:    

O setor público inteiro foi privatizado: notavelmente, quase todos os grandes bancos italianos, o setor do aço, o sistema de autoestradas, companhias de seguros, estaleiros navais, parte da companhia petrolífera nacional e da companhia de eletricidade. Isto ajudou a criar uma bolha no mercado bolsista italiano, no contexto da bolha do mercado bolsista global. Em 2000, sete companhias privatizadas capitalizaram mais de um terço da bolsa. As famílias italianas, que historicamente tinham investido em certificados de aforro da dívida soberana italiana (a dívida italiana era 100% nacional antes do Mãos Limpas), foram induzidas a mover o seu dinheiro para o mercado bolsista. Como resultado, quando a bolha rebentou em 2001, juntamente com o rebentamento da bolha da nova economia global, essas famílias perderam 216 bilhões de euros. Responsáveis por esse desastre foram economistas de "prestígio" tais como Carlo Azeglio Ciampi, o antigo chefe do Banco de Itália, que foi Primeiro-Ministro em 1993-94, Ministro do Tesouro em 1994-99 e Presidente da República em 1999-2006; e Mario Draghi, que dirigiu todo o processo de privatização como chefe do Comité de Privatizações. Ele demitiu-se em 2001 e foi a trabalhar para a Goldman Sachs. Em 2005 Draghi foi nomeado chefe do Banco de Itália e em 2011 foi nomeado presidente do Banco Central Europeu, desde onde ele tem ditado a política económica que tornou a União Europeia na economia mais deprimida do mundo. O sistema político italiano não recuperou ainda do golpe Mãos Limpas. A classe política italiana é constituída por amadores e incompetentes que obedecem cegamente a decisões tecnocráticas tomadas em Londres, Bruxelas e Frankfurt. A economia italiana está num estado de grande confusão, tendo perdido um quarto do PIB desde 2008, tendo-se movido da posição de quinta para a de nona maior economia do mundo.    Nenhuma  relação  com  os  objetivos  econômicos  pós­Dilma...  É  bom  lembrar  que  com  toda  a  caça  às  bruxas  promovida  pelos  agentes  oligárquicos curitibanos não encontram nada que  possa incriminar Lula,  nem a delação de Marcelo Odebrecht aponta nessa direção. Pelo contrário,  acharam,  como  ficou  relativamente  bem  esclarecido,  a  OAS  envolvida,  a  partir  do  condomínio  no  Guarujá,  com  a  Mossack  Fonseca  ­  daí  a  soltura  imediata  da  empresária  que  supostamente  lavaria  dinheiro para a empreiteira e, logo, para Lula, e o posterior envolvimento da mesma firma  na  construção  da   "mansão  de  Parati"  da  família  Marinho.  Acharam  até  o  Aécio!  E  Gilmar  novamente  negou  duas  vezes,  como  fez  anteriormente  com  Dantas.  Moro  procura  Lula  e  não 

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acha:  será   que  o  procura  com  o  mesmo  desvelo  com  que  fez com as imorais contas cc­5 do caso  Banestado?  Será  tão  bom  detetive  (mas  ele  não  é  juiz???)  assim?  Lula  novamente  sai  limpo,  totalmente. Mesmo com o sistema da crueldade implantado:    ​A publicidade conferida às investigações teve o efeito salutar de alertar os investigados em

potencial sobre o aumento da massa de informações nas mãos dos magistrados, favorecendo novas confissões e colaborações. Mais importante: garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados, o que, como visto, foi de fato tentado. Há sempre o risco de lesão indevida à honra do investigado ou acusado. Cabe aqui, porém, o cuidado na desvelação de fatos relativos à investigação, e não a proibição abstrata de divulgação, pois a publicidade tem objetivos legítimos e que não podem ser alcançados por outros meios. As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela operação m ​ ani pulite.  

  Sim,  Moro  sempre  cuidou  devidamente  da  honra  das  pessoas  com  seu  sistema  da  crueldade;  cuidou  do  corpo  físico  também,  como  no  caso  das  figuras  sempre  abatidas  quando  saem  em  suas  fotos,  o  caso  mais  emblemático  talvez  seja  o  de  José  Dirceu   ou   o   do   herói  nacional,  o  septuagenário  almirante  Othon.  Agora,  o  sistema  de  tortura  não  funciona  para  quem  delata  certo,  delata  petista,  delata  o  Lula.  Deve  ser  muito  bom  viver  numa  mansão,  ainda  que  com  algumas  restrições,  mas  milhões  devidamente  guardados  no  bolso  ­  regalia  do  sistema  de  compensações  curitibano.  Não  só  Lula,  mas  até  seus  advogados  saem  lisos  dessa  história  ­  verdadeira vergonha nacional ­ ainda que sofram com os grampos ilegais e ilegalmente vazados.   O  sistema  da  crueldade  (o  sistema  punitivo,  como Foucault entendia) é exposto no talvez  mais  belo  texto  de  Nietzsche,  sua  Terceira Dissertação da Genealogia da Moral. Colocamos aqui  alguns  enxertos  do  aforismo 14 de seu texto para caracterizar o homem do ressentimento e da má  consciência,  "​Grosso  modo,  não  é  absolutamente  o  temor  ao  homem,  aquilo  cuja  diminuição  se  poderia  desejar:  pois  esse  temor  obriga  fortes  a  serem  fortes,  ocasionalmente  temíveis  ­  esse  mantém  ​em  pé  o  tipo  bem  logrado  do  homem.  O  que  é de temer, o que tem efeito mais fatal que  qualquer  fatalidade,  não  é  o  grande  temor,  mas  o  grande  ​nojo  ao  homem,  e  também  a  grande 

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compaixão  pelo  homem.  Supondo  que  esses  dois  um  dia  se  casassem,  inevitavelmente  algo  de  monstruoso viria ao mundo, a 'última vontade' do homem, sua vontade do nada, o niilismo".   O  homem  da  má  consciência,  do  ressentimento,  são  os  doentes  ­  na  perspectiva  nietzschiana,  os  poderosos  ­   os verdadeiros monstros morais. Continua: "Ao menos representar o  amor,  a  justiça, a superioridade, a sabedoria ­ eis a ambição desses ínfimos,  desses enfermos! (...)  Eles  agora  monopolizam  inteiramente  a  virtude,  esses  fracos  e   doentes  sem  cura,  quanto  a  isso  não  há  dúvida:  'nós  somente  somos  os  bons,  os  justos',  dizem  eles,  'nós   somente  somos  os  homines  bonae  voluntatis  [homens  de  boa  vontade]'. Eles rondam entre nós como censuras vivas  [o  escândalo  de   até  de  chegar  ao  que  aproximadamente  possa  corresponder  a  uma  defesa  do  "criminoso"  lulopetismo],  como  advertências  dirigidas  a  nós  ­  como  se  saúde,  boa  constituição,  força,  orgulho,  sentimento  de  força  fossem  em  si  coisas  viciosas,  as  quais  um  dia  se  devesse  pagar,  e  pagar  amargamente:  oh,  como  eles  mesmos  estão  no  fundo  dispostos  a  fazer  pagar,  como  anseiam  a  ser  carrascos!".  Moro  se  desembaraça  de  qualquer  escrúpulo moral ao enfatizar  a  importância   da  "cruzada  judiciária",  da  justiça  utilizada  como  meio  de  se  exercer  a  vingança.  No caso nietzschiano, a cruzada dos doentes contra os são:    

Um acontecimento da magnitude da operação mani pulite tem por evidente seus admiradores, mas também seus críticos. É inegável, porém, que constituiu uma das mais exitosas cruzadas judiciárias contra a corrupção política e administrativa. Esta havia transformado a Itália em, para servirmo-nos de expressão utilizada por Antonio Di Pietro, uma democrazia venduta (“democracia vendida”)    E  vendeu,  de  fato,  a  partir  de  Curitiba,  nossa  democracia.  Vendeu  para  interesses  inconfessáveis  de  todos  aqueles  que  o  apoiam.  O  primeiro  delator  da  história  é   Moro;   delata  o  nordestino,  o  pobre,  o  bebedor   de  cachaça  (nenhuma  conta  no  exterior,  Moro!  Quanta  pobreza  esse  Lula  tem!),  para  se  sagrar  herói,  efêmero  e  perverso  como  seu  antecessor  de  roupas  pretas,   Barbosa.  A  forma  de  se  utilizar   da  justiça  como  meio  de  se  exercer  a   vingança,  é  um  tema  foucaultinano  e  nietzschiano  por  excelência:  "Entre  eles  encontra­se  em  abundância   os 

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vingativos  mascarados  de  juízes,  que  permanentemente  levam  na  boca,  como  baba  venenosa,  a  palavra  justiça  e andam sempre de lábios em bico, prontos a cuspir em todo aquele que não tenha  olhar  insatisfeito  e  siga  seu  caminho  tranquilo".  Essas  são  as  "almas  belas",  não  só  Moro,  mas  todos  os  que  se  indignam  quando  não  repetimos como robôs os mantras anti­corrupção, todos os  versos  desse  pessimismo  quase  sublime  com  que  tentam  recobrir  a  esperança  natural  do  povo  brasileiro,  ainda  mais  acentuada,  exercitada,  depois  dos  governos  nacionalistas,  de  afirmação  nacional,  do  Partido  dos  Trabalhadores.  "Nunca  antes  na  história  desse  país",  e  segue  o  outro  mantra, etc.   Como  descrever,  portanto,  o  neomacartismo  ­  essa  nova  "nobre   indignação"  ­  que  toma  conta  de  parcela  considerável  de  nossa  população?  Vamos  volta  ao  texto  do  século  XIX:  "Olhe­se  o  interior  de  cada  família,  de  cada   corporação,  de  cada  comunidade:  em  toda  parte  a  luta  dos  enfermos  contra  os  sãos   ­  uma  luta  quase  sempre  silenciosa,  com  pequenos  venenos,   com  agulhadas,  com  astúcia  mímica  de  mártir,  por  vezes também com esse farisaísmo de doente  de  gestos  estrepitosos,  que  ama  mais  que  tudo  encenar  a  'nobre  indignação'.  (...)  Estes são todos  homens  do  ressentimento,  estes  fisiologicamente  desgraçados  e  carcomidos,  todo  um  mundo  fremente de subterrânea vingança [ah, os coxinhas...], inesgotável, insaciável em irrupções contra  os  felizes,  e  também  em  mascaramentos  de  vingança,  em  pretextos  para  vingança:  quando  alcançariam  realmente  o  seu  último,  mais  sutil,  mais  sublime  triunfo  da  vingança?  Indubitavelmente,  quando  lograssem  introduzir  na  consciência  dos  felizes  sua  própria  miséria,  toda  a  miséria,  de  modo que um dia começassem a se envergonhar da sua felicidade, e dissessem  talvez  uns  aos outros: 'é uma vergonha ser feliz" ​existe muita miséria!'". E assim se tenta inculcar  toda  a  atmosfera  derrotista,  neocolonialista,  viralatista,  na  mente  de  boa  parte  da  população.  O  rancor,  o  ressentimento,  a  má  consciência  tentando  se  estabelecer,  tentando  fazer  dos  sãos  pessoas  doentes.  É  o  que  queremos  com  este  texto:  "Ar  puto,  portanto!  Ar  puro!  E   afastamento  de  todos  os  hospícios  e  hospitais  da  cultura!  E  portanto  boa  companhia,  nossa  companhia!  Ou  solidão,  se  tiver  de  ser!  Mas   afastamento  dos  maus  odores  da  degradação  interna  e  da  oculta  carcoma  da  doença!...  Para  que  nós,  meus  amigos,  ao  menos  por  algum  tempo  ainda   nos  defendamos  das  duas  mais  terríveis pragas que podem estar reservadas para nós  precisamente ­ ​o  grande nojo do homem e a grande compaixão pelo homem!...". 

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Lula  na  verdade  fez  o  Brasil  ver  o futuro, quase senti­lo em suas mãos... Sair do mapa da  fome  da  ONU,  uma  taxa  de  desemprego  que  chegou  a  4,5%  em  2014,  toda  a  questão  social  tão  ressaltada,  a  soberania  quando  se  trata  de  política externa.  "Nunca antes na história desse país"...  Disse  o  FMI  que  a  Lava­Jato  impactou  em  pelo  menos  2%  o  PIB  de  2015.  Olha  quem  diz!  As  perdas são incontáveis e vai numa espiral cujas consequências não estão somente nos números do  economês,  mas  também  na  subida  ao  poder  do  "governo  ilegítimo,  interino  e  provisório",  como  Dilma  sempre  destaca.  A  venda  do  país  de  novo  nos  noticiários,  quando  os  canalhas  perderam  todo  o  pudor.  Privatização  de  tudo,  até  das  universidades,  defendidas  sem  qualquer remorso nas  manchetes  e editoriais dos jornais; aumentos descarados (junto à criação de  inúmeros privilégios)  ao  judiciário,  à   Polícia  Federal;  a  maluquice  da  limitação  dos  gastos  da  União  em  saúde  e  educação;  a  dilapidação  do  pré­sal,  já  iniciada...   Tantas  loucuras  que  é  impossível  numerar  (quantos  mais  podemos  falar,  loucuras  do  governo  e  loucuras  dos  fascistas  espalhados em  todos  os  cantos  do  país,  sempre  se  utilizando  de  sua  arma  favoria,  a  violência), fora os casos clássicos  de  corrupção  que,  como  ocorreu  com  Jucá,  se  tirou  um  ministro  não  foi  capaz  de  retirá­lo  das  articulações  do  governo,  das  propostas  de  governo,  como  o  "sombra"  Moreira  Franco,  nunca  derrubado,  sempre  "eminência  parda".  Personagem  deplorável agora com ainda mais poder  (teve  sua  cota  no  governo  do  PT,  caso   clássico  das  exigências  quase  imorais  da  democracia  de  coalizão,  da  parceria  com  o  PMDB),  e que faz lembrar das razões porque o novo túnel no Rio de  Janeiro,  por  debaixo  da  antiga  Perimetral,  ter  ganho  o  nome  de  outro  neo­fascista,  Marcelo  Allencar,  responsável  pelo  desmonte  dos  CIEPs,  anti­brizolista,  entreguista  clássico  como  o  Moreira  acima  citado,  que  infelizmente  não  tem  como  sobrenome  "da  Silva",  para  lembrar  de  uma figura iluminada de nossa cultura popular.   O  Brasil  do  atraso  e  não  o  do  futuro  é  o que  foi tão bem expresso por Uílian Homer (não   sei se pseudônimo), publicado no Conversa Afiada:     

Notícias do Jornal Manipulacional - Ex BBB Kleber Bambam confirmado pra acender a pira olímpica devido a sua contribuição ao esporte e cultura. 10

- Discurso de Temer terá 1 segundo na abertura dos jogos: "Welcome" e será lido por Alexandre Frota em português. - Vila Olímpica foi construída por empresa que fez a ciclovia do RJ e edifícios Palace, mas prefeitura garante a segurança. - Coréia do Norte diz que vai bombar nos Jogos Olímpicos. - Estado Islâmico diz que criar galinhas e jogar paintball melhora desempenho de seus homens bomba. - Brasil vai crescer 5% no segundo semestre e 15% em 2017. Em 2018 PIB brasileiro deve ultrapassar o da China. - Feijão ficou caro porque brasileiro passou a comprar mais depois que a crise acabou. - Automóveis no Brasil são caros por que vem com todos opcionais: quatro rodas, um volante, motor e três pedais, diz cartel das montadoras. - Brasil descobriu que tinha US$ 370 bilhões em reservas que o PT tinha escondido no cofre do Banco Central em Fortaleza. - Dilma diz que impeachment foi bom pro Brasil ver que há coisas piores que o governo FHC e que confia no Senado americano pra reverter o Golpe. - Cunha propõe delação premiada pra entregar todo mundo que o traiu desde que cumpra a pena na Suíça. - Aécio diz que aeroporto na fazenda do tio é do Lula e que nunca andou de helicóptero na vida. - Trabalhar 80 horas semanais até os 70 combate o sedentarismo e doenças do coração diz ministro da saúde. - Temer diz que Marcela se apaixonou por ele devido a suas poesias. - Economistas são presos por manipular mercados ao afirmar que a crise acabou. É com você Caju...    Com a nova jornada semanal proposta, as novas regras para a aposentadoria, são um exemplo bem clássico do país do atraso, do passado, em que querem novamente nos jogar. O inferno novamente para os pobres: "Ó, vós que entrais, abandonai toda a esperança", como escrito nas portas do Inferno de Dante. Não mais o Brasil do futuro, aquele que vemos, que quase sentimos em nossas mãos... Sem mais esperanças. Nada. Somente "medidas impopulares", duras, e tão aguardadas pelo governo ilegítimo, interino e provisório. A cara de pau é tão grande que até do programa de governo retiraram a "distribuição de renda", "fortalecimento dos programas sociais" e as "políticas sociais redistributivas". O país do passado, novamente, como cantado na

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música Pobre Aposentado, de Bezerra da Silva, e que serve para toda classe trabalhadora, na ativa ou aos inativos. O país do passado novamente. Mas enquanto Moro, em seu artigo de 2007, talvez ainda não esperasse que pudesse tornar real seus sonhos mais íntimos, Lula fazia história, fazia o governo mais bem sucedido de toda história de nosso país. Deixava os brasileiros com os pratos limpos, saciados da fome. Enquanto Moro - ah, Moro! promoveu a paralisação das obras públicas, a criminalização de qualquer atividade política nacionalista, e se saciou com o ódio criado entre o povo brasileiro. Moro deixou os brasileiros com os pratos limpos, sem nada para comer, sem a esperança sequer de talvez conseguir um trabalho. Depois de quantos anos o pessimismo voltou a nos assolar? Será coincidência que ele aconteceu ao mesmo tempo da entronização do juiz de província como herói nacional? Ainda há muito a se saber sobre as metamorfoses do que uma vez foi chamado de Assassino Econômico.

​BIBLIOGRAFIA 

  MORO,  Sérgio.  ​Considerações  sobre  a  Operação  Mani  Pulite.  Brasília:  R.  CEJ,  n.  26,  jul./set. 2004    NIETZSCHE,  Friedrich.  ​Genealogia  da  Moral:  uma  polêmica.  São  Paulo:  Companhia  das Letras, 2009.    

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