Lulu, Dudu, Digimom e os que \" sifu \"

June 3, 2017 | Autor: Def Yuri | Categoria: Hip-Hop/Rap, Artigos, Viva Favela
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Lulu, Dudu, Digimom e os que “sifu” Autor: Def Yuri | 16/04/2004 | Seção: Def Yuri

Eu tinha um outro artigo para publicação e realmente não pretendia abordar os fatos ocorridos na Rocinha, até por que esse tipo de situação acontece diariamente em vários lugares do Rio de Janeiro e se esse rumo fosse por mim seguido nunca mais escreveria sobre outro assunto. Só que a pressão via correio eletrônico e as interpelações pessoais (para que eu falasse a respeito) foram tantas que resolvi atender e tentar de maneira resumida expor minhas idéias sobre o cenário de guerra e suas principais vítimas. Para início de conversa, devemos ou deveríamos entender a razão da disputa: os dois grupos se confrontam pelo privilégio de abastecer os “Desgraçados”, digo os abastados usuários da zona sul carioca e seus “comparsas” de menor poder aquisitivo; juntos estes despejam altas somas que servem principalmente para a compra de armamentos com alto poder de destruição. Segundo informes, 80% dos lucros são destinados para esse fim. Servem também para o pagamento de propinas e reza a lenda que financiam algumas campanhas políticas... Esses acionistas aos quais me refiro alimentam o seu prazer egoísta com o sangue de muitos inocentes e de muitos outros que foram (e são) levados à guerra contra seus iguais. Depois certamente assistirão ao resultado do estrago pela televisão, jornais e certamente se esconderão (são covardes por natureza) e seguirão com sua fúria consumidora para outra comunidade, onde, tal qual parasitas, continuarão institucionalizando as ditaduras do medo, dor e opressão. Alguns podem falar que existem inúmeros fatores para a violência armada, concordo. Até existem, porém o x da questão, digo o m (de merda) na minha opinião são os acionistas, e esses se dividem em dois grupos: crônicos e eventuais. No primeiro caso, concordo que sejam doentes e precisem de tratamento (se quiserem); já no segundo, julgo que estes até tenham o direito de fazer o que quiserem, porém a partir do momento que se mostram tão irresponsáveis, inconseqüentes e desconhecedores do resultado dos seus atos e seguem desgraçando a vida de muitos, essa verdadeira escória eu chamo e continuarei chamando de Desgraçados. Esses geralmente são os detentores do poder econômico e do conhecimento, agem de maneira cruel e meticulosa, articulando mudanças de leis em beneficio próprio. Para se ter uma idéia, os Desgraçados ricos, além de terem muitas coisas para barganhar: sua soltura em caso de prisão, se forem detidos estes serão enquadrados apenas como usuários, aparecerão familiares pontuando que existe todo um futuro pela frente, que são universitários... E gozarão de toda a passividade e conivência dessa sociedade de merda. Já no caso dos Desgraçados pobres a coisa muda de figura; estes não terão direito à prisão especial, não contarão com a compreensão dos promotores, delegados e policiais em geral, que mostraram o quão “competentes” são nesses casos. O enquadramento no maior número de artigos penais possíveis será uma realidade, a começar pelo de tráfico ou associação para o mesmo; e terão direito ao acesso às carceragens da Polinter. Se já não forem filiados, terão que se filiar a algum grupo demencial não-oficial para simples sobrevivência, e a partir desse intenso período de capacitação, e em alguns casos qualificação, é que nascerão os futuros “soldados”, “gerentes” e “donos”. Todos estes ganharão marcas que carregarão para toda a vida. De uma maneira geral, os Desgraçados podem não ser a origem, mas são o que dá sustentação ao caos que infecta as comunidades, estas que já vivem sufocadas pelo descaso governamental que se soma à necessidade de viver em meio à ditadura que as obriga a escolher não pelo “melhor dono” (no caso da Rocinha quem pode responder é quem lá vive) até porque na minha opinião esse não existe, pode-se também seguir a lógica do menos filho da puta, aquele que não estupra, não mata inocente, e “ajuda” (?)

toda a comunidade com reles migalhas tais como cestas básicas, remédios... Estes são paliativos que obviamente serão aceitos em decorrência do desespero e da necessidade, porém queria ver se os “donos” assumiriam os postos de saúde, educação, transportes, saneamento básico... Óbvio que não, só que diante da ausência do governo (eleito pelo próprio povo) em atender ou possibilitar essas demandas, o mais fácil prevalece, ou seria o menos difícil? Também existem os que ganham a partir da venda de drogas ilícitas sem estarem envolvidos diretamente com isso; são os casos dos que amenizam a larica dos Desgraçados, entre outros... A verdade é que os vulgos ganham notoriedade a partir da falta de perspectiva que insere obrigatoriamente alguns no crime ou que se torna o sonho de outros naturalmente entorpecidos pelo poder e consumo. Então, leitor, a essas alturas você já sabe, ou deve saber, quem é o falecido Lulu, quem é o Dudu e tantos outros envolvidos. Agora pergunto: vocês sabem quem é o Digimom? Este que, após a morte do Lulu, ganhou destaque e virou tema de debates acalorados; em todos os locais de concentração popular da cidade, pessoas discutiam o destino do Digimom. Uns diziam que ele estaria sendo torturado, outros que o fato dele ter sido exibido como um troféu era um tratamento cruel e desumano. Reinvidicavam os direitos desse transgressor. Pediam que ele levasse umas bordoadas e que fosse levado de volta à Rocinha para denunciar algum cúmplice. Falaram inclusive em resgate ou que já teria mudado de lado. No meio de tanta falação, posso dizer que todos os lados só concordam nas seguintes questões: ele sabia demais, somente ele ouviu e viu tudo o que acontecia de negativo ou não na Rocinha comandada pelo Lulu e seguiu seu líder e amigo até a morte, quando foi capturado. Esse é o Digimom, mais uma vítima inocente dessa guerra... Para quem não sabe, era o Pit Bull de estimação do traficante morto. Será que os mesmos que torcem para que o apocalipse chegue mais cedo à comunidade, já pensaram em conhecê-la de fato? Esse lugar majoritariamente habitado por gente trabalhadora, que apesar de tudo e de todos luta bravamente para sobreviver e poder exercer a sua cidadania. De lá são oriundos ótimos exemplos de resistência nos esportes como o Jiu Jitsu, Surf, nos projetos sociais como o Balcão de Direitos, Cooperativa de Costureiras, nos trabalhos realizados pela TV ROC e pelo Jornal Rocinha Notícias que amplificam e dão visibilidade às iniciativas que ainda se encontram escondidas da maior parte da população carioca, que deve ou deveria estreitar os laços e isso começa pelo fim dos rótulos, pois “comunidade” são todas, seja de favela ou do asfalto, não importa, de uma maneira ou de outra todas democraticamente estão se fudendo. E no Hip Hop? Não podemos esquecer do GBCR (Gang de Break Consciente da Rocinha), do grafiteiro/ bboy Reis e de tantos outros que seguem lutando em prol da cultura Hip Hop, esta que tem como principal representante aquele que considero a grande revelação do REP carioca na atualidade, o verdadeiro cronista desse cotidiano conturbado; me refiro ao rapeador WEELF. Acredito que as munições traçantes assustam ao iluminar o céu, que o poder dos mais pesados calibres destroem tudo o que encontram pela frente, que alguns indivíduos da polícia confundem suas atribuições e tentam concorrer com os ditadores na competição de quem humilha mais, ou age de maneira mais coercitiva. Existem várias denúncias de abusos por parte dos policiais para com a comunidade: são espancamentos, xingamentos e todos os tipos de abusos... E não podemos também deixar de entender alguns fatores além do conhecido despreparo, e que servem de estopim para esses desvios de conduta ou revolta; posso citar as condições de trabalho, má alimentação, estresse... Enquanto isso os governos municipal, estadual e federal seguem brincando de governar e focando suas iniciativas apenas dos benefícios políticos que podem extrair dessa situação. E o pior de tudo é ter certeza de que, na próxima eleição, os que mais “sifu” votarão justamente nestes; é um triste círculo vicioso. Tudo isso é fato, porém acredito que rimas, escritas e falas tenham mais poder de reação e libertação. Mesmo que aqueles que ousarem fazer isso não fiquem para visualizar e/ou vivenciar as tão esperadas mudanças, a grande maioria já não agüenta ser fodida das mais diferentes formas, não agüenta mais só “sifu”.

“Por todos os meios necessários / By any means necessary” Malcom X

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