LUSO: HÁ 60 ANOS AQUI FOI PRESO ÁLVARO CUNHAL

May 24, 2017 | Autor: Carlos Ferraz | Categoria: Portuguese «Estado Novo», História de Portugal, Biografias, Álvaro Cunhal
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LUSO: HÁ 60 ANOS AQUI FOI PRESO ÁLVARO CUNHAL




Dia 25 de Março faz 60 anos que o já então de facto dirigente máximo do
PCP, Álvaro Cunhal, em 1949 com 35 anos, foi preso no Luso, juntamente com
outro membro do Comité Central, Militão Ribeiro e, ainda, a sua camarada
Sofia Ferreira. Foi "um golpe grande, pesado, para o partido" (nas suas
palavras, em Março de 2007), de profundas consequências para o PCP e para a
desunida oposição. Foi, por outro lado, uma vitória para a então
relativamente recém redenominada PIDE e foi fruto do seu aprofundado e
laborioso estudo do modus operantis clandestino do PCP e, claro, da pidesca
colaboração do aparelho do Estado salazarista.





O AMBIENTE NA ALTURA


A II Grande Guerra tinha acabado em 1945. Antes (Guerra Civil de Espanha) e
durante ela fortes tensões estiveram subjacentes pelo manto pouco diáfano
da ditadura. Houve os germanófilos e os anglófilos e com a vitória dos
aliados pensou-se – sobretudo a oposição, mas até o regime – que teria que
haver uma abertura política, um caminho para uma democracia tipo ocidental.
Surge até o MUNAF (Dezembro/1943) e, depois, o MUD (Outubro/1945) e o
regime é obrigado a fazer eleições presidenciais (Fevereiro/1949), com
alguma abertura na férrea censura. Concorrem Carmona (alguns chegaram a
desejar que fosse o próprio Salazar) e o prestigiado Norton de Matos (com
grande apoio popular, de que é exemplo o comício da Fonte de Moura, no
Porto, a 23 de Janeiro com mais de 100.000 pessoas, naquela época e
naquelas condições!), vindo este a desistir à boca das urnas, por
insistência do PCP, por falta de garantias mínimas de liberdade e de
isenção.


Embora de modo surdo – que o regime outra coisa não deixava – os
comunistas, já sob direcção de Álvaro Cunhal, tentam condicionar e liderar
a oposição. Realizadas as eleições, criam mesmo (Março/1949) o MND –
Movimento Nacional Democrático, tentando aproveitar-se das estruturas de
apoio à candidatura de Norton de Matos; porém, de fraco êxito e pouca dura,
pois as demais forças da oposição ou lhe foram indiferentes ou até hostis e
o regime perseguiu acerrimamente os seus membros.


Acabou a Guerra, mas começou a guerra-fria: o Ocidente contra a URSS, os
comunistas. Combater os comunistas, isso Salazar e o seu regime – com
provas dissimuladas, mas explícitas, dadas em Espanha – não podia estar
mais de acordo.


E na aliança entre os Estados Unidos e a velha Europa Ocidental havia um
então muito largo Atlântico, que, mesmo a meio, tinha uma base e porto de
abrigo chamada Açores, que pertenciam a Portugal. A sua importância
estratégica foi vital para a vitória aliada, mas a sua cedência por Salazar
foi difícil, tendo este utilizado uma inteligência ingénua e manhosa, que
lhe permitiu ganhar tempo e ver qual o lado que sairia vencedor. Acabou por
ceder aos ingleses, ao abrigo do mais antigo tratado de Mundo (o de
Windsor, de Maio de 1386!), com a tolerância de operações dos americanos.
Estes com tantas delongas e com as suas necessidades operacionais, já
tinham perdido a paciência e decidido (soube-se há pouco), caso não
houvesse permissão, invadir os Açores (não foi por acaso que Salazar para
lá mandou um corpo expedicionário contra o "inimigo"). Eis porque – contra
toda a esperança da oposição – o Portugal de Salazar foi convidado pelo
embaixador inglês em Lisboa (Outubro/1948) a aderir às negociações para a
fundação da NATO, organização cujos membros se declaravam (preâmbulo do
Tratado) "decididos a salvaguardar a liberdade dos seus povos, a sua
herança comum e a sua civilização, fundadas nos princípios da democracia,
das liberdades individuais e do respeito pelo direito"!?


Reconhecido internacionalmente o regime e, assim, esbatidos os receios de
uma liberalização forçada pelo exterior, este – e particularmente alguns
dos seus órgãos como a então nóvel PIDE, assim rebaptizada em 1945 e
sucessora da PVDE – sentiu-se à vontade para "repor a ordem" depois da
"abertura" das eleições e regressar à repressão, quiçá ainda mais violenta.


Para já em 1945 foi instituído o habeas corpus, mas também os Tribunais
Plenários (absorvendo poderes dos Tribunais Militares, o que parecia ser
uma civilização do regime, mas em que não houve nenhuma civilidade), que
vieram a revelar-se mais papistas do que o Papa, mandando prender advogados
"por desrespeito ao Tribunal" e admitindo o espancamento dos presos em
plena sala de audiência (que isso não era desrespeito!).





O PCP NA ALTURA


Criado em 1921 o Partido Comunista Português foi o único da II República
que sobreviveu (na clandestinidade a que passou em 1929) ao Estado Novo. Em
1929 elege Bento Gonçalves como Secretário-Geral, que é preso, em 1935, com
José de Sousa e Júlio Fogaça do Secretariado. Em 1936 Álvaro Cunhal é
eleito para o Comité Central, o qual, em 1939, decide elegê-lo como
Secretário-Geral, o que ele recusa, pois Bento Gonçalves está vivo, mas
preso no terrífico Tarrafal (e o PCP ficará, nominalmente no "colectivo",
sem Secretário-Geral até 1961).


Tomando a palavra autorizada (mas parcial) de Álvaro Cunhal, "cabe dizer
que a reorganização (do PCP) de 1940/41 pecou inicialmente por partir de
uma conclusão não provada segundo a qual a causa fundamental das sucessivas
prisões que atingiam a direcção do Partido se deviam necessariamente à
provocação policial instalada entre os quadros dirigentes. Substimaram-se
as insuficiências dos métodos de defesa numa tão severa clandestinidade e o
resultado foi que já depois da reorganização novos golpes atingiram a
direcção até que a partir de 1942 se realizou uma transformação radical
desses métodos".


Em 1942 Bento Gonçalves morre no Tarrafal e, mesmo sob duras e repressivas
condições, há greves operárias (num País eminentemente rural)
incentivadas/dirigidas pelo PCP, em Julho/Agosto de 1942 e de
Outubro/Novembro de 1943 (estas, na região de Lisboa, em que Álvaro Cunhal
teve papel de relevo) e, ainda, em 8 e 9 de Maio de 1944.


Álvaro Cunhal conseguiu reerguer o partido e reestabelecer relações (após
viagens clandestinas à Jugoslávia, URSS, Checoslováquia e França) com a
Internacional Comunista (o PCP tinha sido fundado como a secção portuguesa
do COMINTERN, mas foi expulso em 1938).


Dando-lhe a sua autorizada palavra:


"No fim da 2ª Guerra Mundial, dada a aliança dos Estados Unidos e
Inglaterra com a União Soviética, generalizou-se em largos círculos a
crença de que a aliança no tempo de guerra poderia ter nova e duradoura
expressão no tempo de paz. Isto naturalmente antes do célebre discurso de
Fulton, de Churchill (5 de Março de 1946), que reacendeu a guerra-fria
contra a União Soviética. Difundiu-se a ideia de que o imperialismo tinha
mudado de natureza e de que os Estados Unidos, além da Inglaterra,
passariam a ter um papel progressista na libertação dos trabalhadores e dos
povos do mundo. No próprio movimento comunista apareceram tais ideias como
foi o caso do "browderismo", - de Browder, Secretário-geral do Partido
Comunista dos Estados Unidos, depois afastado do partido.


No PCP, tais concepções não vingaram, mas não deixaram de manifestar-se da
parte de alguns camaradas (reunião do Comité Central de Maio de 1945) e na
opinião de alguns outros que à data se encontravam no Campo de Concentração
do Tarrafal e defenderam a então chamada "política de transição". "Entre
nós esta facção seria liderada por Júlio Fogaça, mas esse "desvio interno"
saiu derrotado no IV Congresso do PCP, em 1946, em confronto com Álvaro
Cunhal (Júlio Fogaça, será, muito mais tarde, expulso do partido, acusado
por Cunhal de "desvio de direita").


Agora, com o apoio internacional o PCP cuida da sua instalação na
clandestinidade, cujas regras severas foram abaladas pelo apoio dado pelos
seus elementos à campanha presidencial de Norton de Matos. Vivia-se uma
"melindrosa situação conspirativa" pois "sentiram-se vigiados e
observados".


Vários membros estão cansados e doentes. Álvaro Cunhal tem de ser operado
em finais de 1946. O Partido opta por arranjar casas clandestinas em locais
sossegados e discretos, onde não desse nas vistas e onde não haja
actividade política que levantasse suspeitas e atraísse a PIDE (mas,
também, onde qualquer pequena alteração à pacata rotina de província, num
País rural e controlado, podia ser notada).


Por exemplo, conta o jornalista João Paulo de Oliveira uma história com
piada:


"Cunhal viveu algum tempo em Vila do Conde, antes da prisão no Luso, em
casa de António Simões, alfaiate e militante do PCP, de quem fui amigo, e
que esteve preso com o Agostinho Neto (processo dos 58). Nesta casa
chegaram a estar partes de uma tipografia do Avante. O pitoresco da
história é o seguinte:


Ao lado da casa do Simões havia um colégio religioso para raparigas,
dirigido pela Madre Botelho. Na esquina deste colégio, ou na da própria
casa onde vivia o Simões, já não me lembro, havia umas "alminhas". A madre
Botelho via o Cunhal sair de casa, o "primo" do Simões, com quem tinha
trato cordial e que sabia herege, e via-o tirar o chapéu, inclinar-se
perante as "alminhas" e benzer-se. E comentava para o Simões: "Ah, Sr.
Simões, que pena o senhor não ser como o seu primo, tão religioso!"."





A PIDE ESTUDA O PCP


Com a reorganização do PCP de 1940/1 e com a sua influência diluída pelo
País, a PIDE tem dificuldades de meios e, também, em um adaptar os seus
hábitos a uma oposição que já não é a do "reviralho", centrada em algumas
figuras e localizadas nos grandes centros urbanos, às vezes com tertúlias
em cafés.


Vai colhendo pacientemente dados, e - aqui sobressai a figura do inspector
Fernando Gouveia (de quem a historiadora Irene Flunser Pimentel publicou
recentemente a biografia) - vai descobrindo o modus operandi do PCP.


Assim, em 1947 (ou seja mais de 5 anos depois), a PIDE faz divulgar
amplamente – junto de governadores civis, administradores de concelho,
regedores, estruturas locais da União Nacional, padres, tudo gente de
confiança do regime – uma circular informativa – Como Identificar as
Actividades Clandestinas do PCP – sobre indícios de instalações do Partido,
apelando à sua denúncia, à boa maneira pidesca.


Por exemplo, veja-se por amostra, o detalhe:


- "Geralmente é um casal que se instala. O marido alega sempre uma
profissão que justifique a sua saída da terra onde se instalou, como,
por exemplo, negociante de artigos que se não vendam na localidade,
caixeiro-viajante, engenheiro, etc";


- "A mulher faz as compras sempre a dinheiro" (numa altura em que o
"rol da mercearia" era uma instituição);


- "Nos meios rurais ou vilas, usam bicicletas ou ciclomotores com chapa
de licença passada em Câmara Municipal diferente da que respeita ao
local onde se instalaram";


- "A mulher tem sempre uma função de vigilância constante aos arredores
da casa, sem sair à rua, utilizando para isso as janelas e por detrás
das cortinas. As casas alugadas – sempre andares altos – ficam sempre
nos extremos dos quarteirões, de preferência, finais de rua que deitem
para os campos, ou princípio de rua, desafogada do lado oposto, por
forma a permitir uma vigilância perfeita. Sempre que possível, em
meios mais pequenos, procuram casas isoladas e em pontos altos, de
onde dominem, à distância, todos os acessos";


- " A mulher pode ir a casa de qualquer vizinha com quem se relacione,
mas em sua casa não deixa entrar qualquer pessoa estranha. Quando
forçada, não passa da casa da entrada";


- "Não é hábito os habitantes dessas casas frequentarem cafés, cinemas,
tabernas ou qualquer lugar público de recreio. Geralmente, entram em
casa e não saem e quando saem é para fora da terra";


- "Costumam apresentar à vizinhança umas razões que justifiquem a falta
de convivência, de tal maneira singelas que são sempre acreditados";


Por aqui se adivinha a dureza da vida na clandestinidade, o cuidado do PCP
e a perspicácia da PIDE.


Jaime Serra, à altura responsável pela organização do PCP de Lisboa, falava
no "agravamento das condições conspirativas" e reconhecia a sofisticação da
repressão que já não prendia à primeira vista, mas procurava antes informar-
se do "complicado labirinto dos contactos saídos do trabalho eleitoral,
para mais facilmente encontrar os "fios condutores" que levassem ao
Partido".





A CASA DO LUSO


Nos inícios de 1949 a direcção do PCP encontra-se espalhada por casas
clandestinas no distrito de Aveiro:


- José Gregório/"Alberto", em Vale da Mó, perto do Luso;


- Manuel Guedes/"Santos", na Vacariça, entre o Luso e a Mealhada;


- Militão Ribeiro/"António", em Macinhata do Vouga, a Sever do Vouga;


- Álvaro Cunhal/"Duarte", no Luso.


A casa do Luso, ficava num extremo da povoação, no chamado "Luso d'Além",
mais precisamente era o Casal de Santo António, na rua Barbosa Cohen nº 55
e, na altura, era uma casa isolada, confiante com os campos (o que ainda
hoje acontece).


A escolha do Luso era natural. Vivia-se uma época áurea das termas e o Luso
era muito frequentado por aquistas e outras pessoas que queriam descansar
ou conviver – estar in, como hoje se diria. Havia uma larga tradição de
receber forasteiros e havia muitas pensões e hotéis e casas familiares para
alugar. O Grande Hotel das Termas – muito grande para a época – começou a
construir-se, sob a traça de Cassiano Branco, em 1938 e foi inaugurado em
Julho de 1940. Algumas pessoas de fora não causariam estranheza numa altura
em que, à falta de remédios mais eficazes, era recomendável "mudar de
ares".


A 10 de Fevereiro de 1949 a casa onde vivia Militão Ribeiro com Luísa
Rodrigues/"Maria" – a de Macinhata do Vouga – foi assaltada pela GNR, após
denúncia, talvez de um vizinho. A GNR – não habituada a estes "serviços" –
foi inábil e Militão Ribeiro conseguiu fugir, tendo sido presa Luísa
Rodrigues, não sem antes ter queimado os papéis mais confidenciais. Militão
Ribeiro refugia-se então na casa do Luso, que passa a ter 3 ocupantes.


Ao alugar a casa, em Novembro de 1948, Álvaro Cunhal apresentou-se como
Manuel Soares, estudante, justificando a necessidade de passar uma
temporada no Luso porque estava "fraco" e precisava de "bons ares".


De facto tinha problemas de saúde, agravados pelo trabalho compulsivo, às
vezes dia e noites e pelas condições da clandestinidade. Muito magro, bem
passaria por tuberculoso, doença grave e vulgar na época (e cujo tratamento
se fazia em sanatórios, exactamente com "bons ares").


Ajustou a casa por 250$00 mensais e aí passou a viver o "casal". A casa é
ampla: de frente tem dois pisos e, aproveitando o desnível, há outro,
inferior, para os terrenos atrás.


Nas palavras de Sofia Ferreira (em Março de 2007):


"Na clandestinidade tinha de haver uma vida muito resguardada pelo que
não podíamos conviver com as pessoas do Luso e passear".


Eram só as saídas essenciais. O local Alberto Penetra reconheceu-a, então,
na inauguração da lápide que regista a prisão, como a "D. Elvira", "uma
rapariguinha nova" que atendia diariamente na padaria do sogro, a do ti
Antero, situada no "Outeiro do Bodo", no "Luso da Igreja", do outro lado da
vila.


Apesar dos cuidados, a segurança não é absoluta, como se viria a criticar
dentro do próprio PCP: pessoas entravam e saíam, faziam-se reuniões fora
de horas, numa terra que no Inverno se deitava com as galinhas, luzes
acesas num tempo em que a electricidade ainda era quase um luxo, Cunhal a
teclar na máquina de escrever até altas horas, com o respectivo matraquear
a ser ouvido pela vizinhança.





A DENÚNCIA


Alertado pela circular da PIDE e confiante na reposição dos valores da
"ordem" o establishment do regime estava atento.


O Dr. José Feio (Soares de Azevedo, genro do pioneiro de hotelaria e do
turismo Alexandre de Almeida) era, desde 1947, Presidente da Câmara
Municipal de Águeda (então em Comissão Administrativa) e morava no Luso,
bem perto do Casal de Santo António, mais precisamente no que foi o chalet
Barbosa Cohen e era então (e ainda é) conhecida pela quinta Mici (do nome
da esposa, Maria Cecília).


A 22 de Março informa o seu homólogo da Mealhada Dr. Santos Louzada (que
viria a ser Governador Civil de Aveiro) "que no Casal de Santo António
vivia um indivíduo desconhecido na companhia de uma mulher e que se fazia
passar por estudante que estava a descansar. Vivendo esse indivíduo ali
desde Dezembro e sem nunca ser visto por ninguém, somente dele se tinha
conhecimento pela companheira, tornou-se suspeito. Fui no referido dia 22
passar no meu carro pelo Casal referido para o localizar convenientemente e
logo a seguir fiz uma comunicação telefónica para a P.I.D.E. do Porto,
conforme convinha.


No mesmo dia sou procurado às 10 horas da noite por agentes que me
encontraram na sede da Junta de Freguesia de Ventosa do Bairro onde estava
a trabalhar no recenseamento eleitoral.


Nessa mesma noite fui ao Luso dar indicações solicitadas e por prudência
combinou-se ir no dia 23 estudar melhor a topografia do local.


Neste dia, ao meio-dia, encontrava-se concluído o estudo feito pela chefe e
um agente idos na minha companhia e no meu carro.


Combinou-se o assalto para a madrugada do dia 24 a que não assisti por
motivos de saúde e também por ter que ir nesse dia ao Porto.


No dia 24 às 18 horas encontro no Porto, por acaso o Chefe a quem perguntei
pelo resultado e sou informado do adiamento para o dia 25, como na verdade
se realizou".


(Excerto da carta, que, em papel timbrado da Câmara da Mealhada e na
qualidade de seu Presidente, dirigiu, "A bem da Nação", ao "Exmo. Senhor
Governador Civil de Aveiro", datada de 4 de Abril de 1949).





A PRISÃO


Com o ainda recente insucesso, para as autoridades, da fuga de Militão
Ribeiro, em Macinhata do Vouga, e cientes de que tinham algo de muito
importante em vista, a PIDE preparou-se bem.


A GNR destacou uma força comandada pelo comandante Sena de Azevedo e pelo
tenente Mário Lopes Cruz, à qual coube o cerco da casa.


A PIDE destacou pessoal de relevo, chefiado pelo chefe de brigada Jaime
Gomes da Silva, com os agentes Sílvio Mortágua, Rego, Guerra e Pais, entre
outros. Não esteve presente (por certo com muita pena), o inspector
Fernando Gouveia, o "especialista" no PCP.


Conta Sofia Ferreira (em 25 de Março de 2007, na colocação da lápide que
desde então marca a efeméride):


"Uma brigada de 6 agentes da PIDE tomou de assalto a casa pelas
05.00, entrando de rompante, acompanhada pela GNR com metralhadoras
e não bateram sequer à porta.


Arrombaram-na e subiram logo ao primeiro andar onde estavam os
quartos. Estávamos na cama e mal tivemos tempo de nos levantar. O
Álvaro Cunhal e o Militão Ribeiro foram algemados logo em pijama e
encostaram o Álvaro Cunhal à parede, com uma arma apontada à cabeça,
tendo o Jaime Gomes Silva dado ordens para dispararem quando ele
mandasse".


Só depois de revistada a casa os dois homens puderam vestir-se, sendo
novamente algemados um ao outro, enquanto ela foi autorizada a vestir-se no
quarto de banho, mas sem fechar a porta. Depois foram todos levados numa
carrinha para o Porto.


"Eu não fui algemada porque não era preciso".


"Consta-se que Álvaro Cunhal tentou fugir, o que não é verdade".


Sofia Ferreira desmentiu que houvesse na casa equipamentos de transmissão:


"O trabalho que fazíamos aqui era político e quem conhece o que era
o PCP na clandestinidade sabe que tal não era possível. Até por
razões de segurança não interessava ter antenas em casa".


Como diz José Pacheco Pereira: "naquela casa do Luso … acabava uma era da
história da luta da oposição e do PCP".





NA PRISÃO


A PIDE encontrou muitas e comprometedoras coisas na casa do Luso; no fundo
era a "sede" do Secretariado Central do PCP e, apesar dos cuidados e da
consciência de que algo poderia acontecer e, portanto, seria necessário
estar preparado para a abandonar rapidamente, aí estava boa parte do
arquivo (cartas, relatórios, ficheiros,...), revistas, jornais, biblioteca.


Parte do material estava encriptado e a PIDE levaria muito tempo para o
decifrar e digerir.


Os presos foram levados para as instalações da PIDE, na Rua do Heroísmo, no
Porto.


Apesar do clamoroso êxito é decidido, pela situação, manter em segredo a
acção do Luso.


Mas esse segredo foi quebrado de dentro das próprias instalações da PIDE
por uma mulher da limpeza e por uma presa, as quais fizeram chegar a
notícia ao grupo de Ruy Luís Gomes e de Virgínia Moura, que, recorrendo à
criatividade que a censura estimulava, fizeram publicar em 2 jornais do
Porto ("Jornal de Notícias" e "O Primeiro de Janeiro") anúncios com o
seguinte texto:


"Álvaro Cunhal Duarte


Advogado (Rua do Heroísmo)


Vem por este meio agradecer a todos os seus Amigos os cuidados
manifestados pelo seu estado de saúde, na impossibilidade de o
fazer pessoalmente"


Foi precisamente a casa de Ruy Luís Gomes que se dirigiu Avelino Cunhal – o
pai de Álvaro – depois de, por este meio, lhe ter chegado a notícia,
buscando notícias do filho.


Finalmente, a 31 de Março, é publicada uma nota oficiosa da PIDE anunciando
a detenção "do dirigente da associação secreta subversiva que usa a
designação de "Partido Comunista Português" e de um "dos seus principais
auxiliares", apreendendo "grande parte do arquivo central da organização
comunista em Portugal". A PIDE refere provas da ligação a Moscovo e da sua
"interferência na condução da última campanha eleitoral".


O interrogatório dos presos começou logo na viagem entre o Luso e o Porto e
aqui continuou, conduzido pelo que de melhor aí dispunha a PIDE: o
inspector superior Catela, o inspector Porto Duarte, o capitão Graça, o
chefe de brigada Jaime Gomes da Silva e o agente Mortágua. Todos os presos
se recusaram a responder.


Mais do que tortura física, há grande dureza com a "incomunicabilidade mais
rigorosa", postos "em pequenas celas, mantidos no isolamento mais completo,
sem o mínimo de condições vitais".








Apenas Sofia Ferreira descreve "ameaças de cacete ... provocações e
esbofeteamento", o que veio a implicar ter de ser submetida a tratamento
médico, devido a derrame numa vista e a perturbações auditivas.


Entretanto novas prisões são feitas, nomeadamente as de Jaime Serra e de
Augusto Pereira de Sousa, da organização de Lisboa do PCP.


Em Abril Álvaro Cunhal e Militão Ribeiro são transferidos para a Cadeia
Penitenciária de Lisboa.


Álvaro Cunhal será julgado e condenado, ficando preso 11 anos, até à sua
célebre evasão de Peniche, em 3 de Janeiro de 1960.


Militão Ribeiro descreve, ele próprio, o seu estado:


"O meu assassinato começou no Porto, com a falta de dieta e de
medicamentos para o fígado. Tive duas intoxicações nos 46 dias que lá
estive; a segunda com febre elevadíssima … Foi num estado de fraqueza
geral que fui transportado para a Penitenciária. Nunca me deram nada
para o fígado … Estive 5 dias sem comer, como protesto … Passados
alguns dias, depois de estar na cela da enfermaria da Penitenciária, no
mesmo isolamento deixei completamente de comer."


E numa carta escrita com sangue ainda diz "… Mesmo já quase um cadáver
ainda fui esbofeteado por um agente … Dores, insónias, fome, agonias,
tudo tenho sofrido nestes sete meses, quase sempre na cama, sem me
poder quase mexer …".


Morre a 2 de Janeiro de 1950, de falta de assistência e de fome, pelo que
não chegou a ser julgado.


Sofia Ferreira foi julgada com Cunhal em Maio de 1950 e condenada a 18
meses, pena que foi depois agravada, pelo Supremo Tribunal de Justiça, para
20 meses e 1 ano de medidas de segurança. Acabará por ser libertada
condicionalmente em 4 de Fevereiro de 1953, passando, novamente, à
clandestinidade.

















O JULGAMENTO DE CUNHAL


Para Cunhal, é-lhe designado um advogado oficioso, o Dr. Mário Ferreira
que, aliás e apesar de oficioso, protesta contra as violações da lei, pois
não consegue falar a sós com o seu patrocinado e denúncia o "verdadeiro
regime de incomunicabilidade".


Cunhal vem, porém, a recusá-lo, convida o pai e prepara-se, apesar de
doente, para exercer a sua própria defesa.


Não tem condições para o fazer: não lhe dão os seus haveres, livros ou
sequer papel, caneta ou lápis (o que provocará interessante polémica entre
o Director da Penitenciária e a PIDE, com a intervenção do Tribunal). Chega
a usar cal da parede, como giz para escrever no chão!


Sobretudo usa a sua memória e, mais tarde, terá papel e lápis.


Fará uma declaração/discurso no Tribunal, na linha do célebre julgamento do
búlgaro Georgi Dimitrov, que ficou conhecido como "A defesa acusa", no
chamado "processo de Leipzig", na sequência do incêndio – de que é um dos
acusados pelos nazis acabados de chegar ao poder, mas de que sai inocente –
do Reischtag (o Parlamento alemão) em 27 de Fevereiro de 1933.


Da acusação deduzida pelo Ministério Público consta:


- São membros do Comité Central e do Secretariado do PCP;


- Dirigem o partido, "aplicando sanções disciplinares" e "fomentando
greves no meio operário fabril";


- "Infiltração nos Sindicatos e Casas do Povo";


- Criação de "grupos de revolucionários civis armados";


- Relações "com outras organizações congéneres estrangeiras";


- Porte de armas proibidas e uso de documentação falsa;


- "Conspiração ilícita".


O julgamento começou a 2 de Maio de 1950, na ainda hoje conhecida por "sala
do Plenário", do Tribunal da Boa Hora, em Lisboa.


O Tribunal Plenário era presidido pelo desembargador Abreu Mesquita, que
tinha por assessores os juízes Lucena e Vasconcelos e Marques do Carmo.


A acusação coube ao ajudante do Procurador-Geral da República Arlindo
Martins.





A defesa ficou a cargo do Avelino Cunhal (o pai de Álvaro), assistido por
Luiz Francisco Rebello e, na defesa de Sofia Ferreira, Manuel João de Palma
Carlos.


Os juízes permitiram que Cunhal falasse sem interrupções e sem limite de
tempo e ele "falou durante três horas … de improviso, sem ler papel nenhum
…" numa "intervenção incrível" (Luíz Francisco Rebello).


Eis um excerto da sua intervenção (numa das versões existentes, uma vez que
foi oral):


"Estou em condições de comparar, avaliar e aqui dizer que um ano de
isolamento não é menos duro que os referidos maus tratos. Não há, pois,
qualquer exagero ao dizer que o referido regime de isolamento é uma
nova forma de tortura. Há, entretanto, que sublinhar que, no meu caso,
se não trata dos célebres safanões a tempo para arrancar confissões
(…), mas, antes, das medidas tomadas pela polícia pelo despeito de não
ter podido obter tais confissões. De facto, na PIDE foram-me feitas
variadas perguntas relacionadas (umas directamente, outras
indirectamente) com a minha actividade política. A todas elas me
recusei a responder, com o fundamento – que mantenho – de que um membro
do Partido Comunista Português, força política de vanguarda na luta
pela Democracia a Independência Nacional e uma Paz Duradoura, não tem
quaisquer declarações a fazer à política, instrumento da repressão
violenta exercida contra os trabalhadores e contra os portugueses
democratas, patriotas e partidários da paz. Vamos ser julgados e
certamente condenados. Para nossa alegria basta saber que o nosso povo
pensa que se alguém deve ser julgado e condenado por agir contra os
interesses do povo e do país, por querer arrastar Portugal a uma guerra
criminosa, por utilizar meios inconstitucionais e ilegais, por empregar
o terrorismo, esse alguém não somos nós, comunistas. O nosso povo pensa
que se alguém deve ser julgado por tais crimes, então que se sentem os
fascistas no banco dos réus, então que se sentem no banco dos réus os
actuais governantes da Nação e o seu chefe Salazar".


Cunhal afirma-se "teoricamente" adversário do terrorismo e diz:


"Não se pode apontar um acto de terrorismo ao PCP. Não se pode apontar
um artigo nos seus numerosos jornais, uma passagem nos relatórios da
sua direcção, uma resolução dos seus Congressos em que o terrorismo
seja defendido".






"Terrorista" era a PIDE e lista as numerosas vítimas do regime – a
última das quais Militão Ribeiro, de cuja morte Cunhal só soube à
entrada do Tribunal - ameaçando que "o dia virá em que a consideração
de todos estes crimes terá lugar num outro julgamento em que serão
outros os réus".


A intervenção de Cunhal a todos impressionou fortemente: a assistência
(sala cheia – mas com muitos agentes policiais e da PIDE para ocupar
lugares), os juízes e até a própria PIDE.


O julgamento continuou a 9 de Maio e Avelino Cunhal aí leu uma extensa peça
a defender o filho. Álvaro Cunhal voltou a intervir.


No final, foi condenado em "quatro anos e seis meses de prisão maior
celular ou, em alternativa, seis anos e nove meses de degredo, com perda de
direitos políticos por quinze anos".


A sentença foi considerada "moderada" e (segundo a própria PIDE) "provoca
tal espanto que o réu se levanta e diz "agradeço o belo esforço do
Tribunal.""


Porém, o Ministério Público recorre e o Supremo Tribunal de Justiça agravar-
lhe-á a pena – em Dezembro de 1950 – em dois anos de prisão maior celular,
seguidos de oito anos de degredo ou, em alternativa, doze anos de degredo e
um ano de medidas de segurança.


Em 1958 é transferido para a prisão do Forte de Peniche, donde – como já se
disse – se evade em 1960.





Carlos Ferraz


FONTES:


EM PAPEL:

- "Álvaro Cunhal, Uma Biografia Política", de José Pacheco
Pereira, Temas e Debates, Volumes 2 e 3;

- "Os anos de Salazar", Centro Editor PDA/Cofina, Volume 8,
1949-50;

- "Pampilhosa – Uma Terra e um Povo" (Boletim do GEDEPA).

WEB:
- www.jb.pt (Jornal da Bairrada)
- www.pcp.pt
- www.vidaslusofonas.pt (Álvaro Cunhal)
- www.citi.pt (Álvaro Cunhal)
- http://pt.wikipedia.org (PCP; cronologia do PCP)
- http://caminhosdamemoria.wordpress.com
- http://subterraneodaliberdade.blogs.sapo.pt
- http://estudossobrecomunismo2.wordpress.com
- http://alvarocunhalbio.blogspot.com









































































Fonte: Arquivo da Câmara Municipal da Mealhada


Reproduzido de "Pampilhosa – Uma terra e um povo" (Boletim do
GEDEPA)





















Aspecto actual do Casal de Santo António
FONTE: foto do autor




























Lápide colocada no Casal de Santo António (foto do
autor)
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