Lutero e a Condenação: Uma Visão do \"jovem\" Lutero e do Lutero \"maduro\" sobre o castigo temporal e eterno.

June 1, 2017 | Autor: Moacyr Alves | Categoria: Luther, Damnation, Young Luther
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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL CURSO DE GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA

MOACYR ALVES JUNIOR

Lutero e a Condenação: Uma visão do “jovem” Lutero e do Lutero “maduro” sobre o castigo temporal e eterno.

Canoas 2016

Para meus amigos: Alex, Nauana, Alexandre, Thiago e Bruno

PARTE 1 O LUTERO “JOVEM” INTRODUÇÃO..............................................................................................6

1. Lutero “jovem” e a Condenação........................................................7 1.1. Conceito de Pecado................................................................... 8 1.2. Condeito de Graça.....................................................................12 1.3. Conceito de Fé ..........................................................................17 1.4. O Castigo Temporal e Eterno para o Lutero “jovem” ............ 19

2. Lutero “Maduro” e a Condenação...................................................21 2.1. Conceito de Pecado....................................................................21 2.2. Conceito de Graça......................................................................23 2.3. Conceito de Fé...........................................................................24 2.4. O Castigo Temporal e Eterno para o Lutero “maduro”............25

CONCLUSÃO.....................................................................................................26 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................27

RESUMO O trabalho trata sobre a condenação na visão de Martinho Lutero. Dentro deste tema residem os aspectos de castigo temporal e eterno. Estes, por sua vez, serão abordados dentro de três doutrinas: pecado, graça e fé. O foco está sob a teologia do Lutero “jovem”, ou seja, antes que ele tivesse a “experiência da torre”, que mudaria toda sua “teologia da Cruz”. Também é visto quem aplica esses castigos, assim como Lutero via o modo de escapar da condenação. Para compreendermos a teologia do Lutero “jovem”, será feita uma leitura nas suas anotações nas obras de Pedro Lombardo e Agostinho, assim como na sua primeira leitura nos Salmos. A respeito do Lutero “maduro”, será feito um apanhado dos escritos presentes no Livro de Concórdia com autoria de Lutero (Catecismos e Artigos de Esmalcalde), assim como da sua Leitura em Romanos e em Salmos, estas tendo sido feitas após a “experiência da torre”. Palavras-Chave: Condenação. Lutero “jovem”. Lutero “maduro”. Castigo Eterno. Castigo Temporal.

ABSTRACT This work speaks about the damnation in Martin Luther‟s view. Inside this topic resides the aspects of the temporal and eternal punishments. This, indeed, will be discussed inside three doctrines: sin, grace, and faith. The focus resides over the theology of the “young” Luther, namely, before he had the “experience of the tower” that would change all his “theology of the Cross”. Also is viewed who exercise this punishments and so how Luther see the way to fly of the damnation. To understand the theology of the “young” Luther will be made a lecture in his notes on the works of Peter Lombard and Augustine, so on in his first lectures on the Psalms. About the “mature” Luther will be made a summary of his writings present in the Book of Concord (Catechisms and Smalcald Articles) and in his Lectures on Romans and Psalms, this after he pass through the “experience of the tower”. Keywords: Damnation. “Young” Luther. “Mature” Luther. Temporal punishment. Eternal punishment.

ABREVIATURAS

WA

- D. Martin Luthers Werke. Kritische Gesamtausgabe; Weimar, 1883-.

LW

- American Edition of Luther’s Works. Philadelphia e St. Louis, 1955-.

6

INTRODUÇÃO A condenação sempre foi um assunto delicado, pois ela normalmente leva as pessoas ao desespero. Este trabalho deseja analisar a condenação na perspectiva de Lutero antes e depois da experiência da torre. Assim, analisaremos as ideias de castigo temporal e eterno, para que possamos chegar a uma conclusão sobre o que mudou na visão do Lutero referente ao tema. Analisaremos, por isso, apenas três aspectos dentro da condenação. O pecado, a graça e a fé. O pecado como mancha de condenação em nós, tanto em sua forma de pecado original quanto na de pecado atual. A graça como meio de “escapar” do julgamento ou encara-lo. E a fé agente regenerador do homem, capacitando as obras e ligando-nos a Cristo. O foco maior estará sob a teologia do Lutero “jovem”, veremos como algumas ideias sobre as doutrinas antes mencionadas sempre causaram estranheza para Lutero. Ao final poderemos traçar algumas semelhanças e diferenças entre a condenação para Lutero. Mãos à obra!

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1. Lutero “jovem” e a Condenação. Quando nos deparamos com esse tema precisamos ir com muita cautela. O castigo temporal e eterno são assuntos dificilmente tratados abertamente ainda nos dias de hoje. Para que possamos entender a relação entre ambos, precisamos identificar alguns conceitos básicos da doutrina de Lutero, tanto do “jovem” quanto do “maduro”. Sendo estes pontos o pecado, a graça e a fé (incluindo nisso a justificação, a fé e a obra vicária de Cristo), para então tratarmos do castigo temporal e eterno. As notas marginais nas obras de Pedro Lombardo e Agostinho são duas riquíssimas fontes da teologia do Lutero “jovem”, levando-nos a observar a fundação de seus princípios que desencadeariam a reforma1. O engatinhar para o seu breaktrhough fica mais evidente na sua Primeira Leitura nos Salmos. Lutero se utiliza de um jeito autônomo de exegese, onde a visão cristológica impera dentro dos quatro sentidos alegóricos2. O pensamento Neoplatônico “colore” as leituras de Lutero3. Antes de adentrarmos nos temas, é interessante notar a força que a Escritura tem no pensamento de Lutero. Nas suas notas marginais nas obras de Pedro Lombardo encontramos o seguinte: “A razão não é conclusiva, porque o Espírito Santo que diz o que é verdade, portanto, é verdade” 4. E ainda mais: “Ainda que muitos doutores famosos pensem assim, no entanto, porque eles não têm a Escritura ao seu lado, são apenas razões humanas; e eu tenho a Escritura ao meu lado [...] e digo com o Apóstolo: „Se um anjo do céu‟, isto é, um doutor da igreja „instruir outro conhecimento, seja anátema‟” 5.

Ou seja, para Lutero a Escritura já é o maior argumento sobre qualquer discussão. De dentro desta ideia emergirão os demais conceitos. 1

Cf. LOHSE, Bernhard. Martin Luther’s Theology: Its Historical and Systematic Development. Roy

Harrisville, edição e tradução para a língua inglesa. Minneapolis: Fortress Press. 1999. Pag. 45- 50. 2

LOHSE, pag. 61.

3

Cf. SAARNIVAARA, Uuras. Luther Discovers the Gospel: New Light Upon Luther’s Way from Medieval

Catholicism to Evangelical Faith. Saint Louis – MO: Concordia Publishing House. 1951. Pg. 59ss. 4

D. Martin Luthers Werke. Kritische Gesamtausgabe, 9 Band [WA 9]. Weimar. 1893. Pag. 35, 3-4:

“Rationes non concludunt, sed quia spiritus sanctus hoc dicit verum, ideo est verum”. 5

WA 9, 46, 16-20: “Licet multi inclyti doctores sic sentiant, tamen quia non habent pro se sctripturam, sed

solum humanas rationes et ego in ista opinione habeo scripturam, [quod anima sit imago dei,] ideo dico cum Apostolo „Si Angelus de celo‟ i. e. doctor in ecclesia „aliud docuerit, anathema sit‟”.

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1.1.

O conceito de Pecado.

Podemos dividir o pecado em duas partes, uma para o “jovem” Lutero e as suas notas nas obras de Pedro Lombardo e Agostinho e outra para a sua primeira leitura no livro de Salmos, esta muito mais radical do que a outra6. Sendo que nas notas ainda temos um Lutero influenciado pelo ocamismo (como podemos ver no seu pensamento sobre a escritura7), mas já adotando uma visão agostiniana do pecado. Ele até tentou harmonizar a doutrina escolástica com Paulo e Agostinho, mas desistiu ao ver que isto era impossível, tomando, por fim, uma visão mais radical sobre o pecado na primeira leitura nos Salmos8. Comecemos com uma análise nas suas notas. Lutero nos diz: “A vontade pode desejar algo absolutamente, isto é, porque é livre” 9, ou seja, a visão ocamista de liberdade de vontade ainda está presente. Em uma anotação sobre o pecado original, ele escreve: “É inclinação (fomes)

10

do pecado atual, é lei da carne, lei dos membros, concupiscência, [o] tirano, [a]

fraqueza da natureza, isto é, a falta da justiça original” 11. E aqui temos uma das tentativas de harmonização entre Lombardo e Agostinho feitas por Lutero. Ao encarar a “concupiscência” apenas como desejo, não como culpa (a visão de Agostinho12), torna possível para Lutero

6

LOHSE, pag. 53.

7

Cf. SAARNIVAARA pag. 54 e LOHSE pag. 45-46.

8

LOHSE pag. 46-47.

9

WA 9, 31, 8-9: “quod voluntas potest aliquid velle absolute i.e. quia est libera”.

10

A expressão “fomes” é usada no latim eclesiástico com o significado de: alimento, estimulante, fogo,

combustível, isca, incitamento (segundo Dictionary of Ecclesiastical Latin: Whith na Apendix of Latin Expressions Defined and Clarified. Leo F. Stelten, editor. Peaboy - Massachusetts: Hendrickson Publishers, Inc. 1995). 11

WA 9, 73, 22-27: “Fomes peccati scilicet actualis – lex carnis – lex membrorum – concupiscentia – tyrannus

– languor naturae – i.e carentia justitiae originalis[...]”. 12

Hägglund sobre a concupiscência para Agostinho escreve: “As más tendências volitivas do homem se

expressam como concupiscência, ou desejo. Mas, ao mesmo tempo, o primeiro pecado foi ofensa (culpa) com a qual o homem incorreu em culpa perante Deus. Por essa razão, o pecado original implica em uma condição perpétua de culpa (reatus). É esta culpa que é a essência do pecado, ou que torna o pecado, pecado (seu formale). A culpa herdada é removida pelo Batismo, de modo que o pecado original não é mais contado como pecado. Apesar disso, a condição pecaminosa permanece, mesmo depois do Batismo; a concupiscência atribuível à influência do pecado original, ainda está presente. A própria natureza humana é prejudicada pela corrupção implícita no pecado original; ela é, como resultado, uma „natureza viciada pelo pecado‟” (HÄGGLUND, Bengt. História da Teologia. 8ª Edição. Mário L. Rehfeldt e Gládis Knak Rehfeldt, tradução do inglês. Porto Alegre: Concórdia. 2014).

9

construir um conceito de “inclinação”. Ele escreve: “O pecado original, em si, não é concupiscência ou inclinação (fomes), porque nem tudo foi eliminado, mas apenas enfraquecido, no entanto, o pecado original é completamente abolido” 13. E mais: “A concupiscência da carne (concupiscentia in carne) não é nada se não desobediência carnal (inoboedientia carnis) para com o espirito (ad spiritum), que em si não é culpa, mas castigo (poena), porque, se de alguma maneira a culpa não é libertada no batismo, este fere gravemente a graça de Deus” 14.

Ou seja, o castigo, e aqui especificamente o castigo temporal (poenae temporali), é consequência do pecado atual, como uma fomes restante do que fora removido no batismo15. Uma declaração mais explicita destes castigos aparece na sua primeira leitura nos salmos (Sl 77), quando ele declara que Deus é quem dá tudo na nossa vida, inclusive a peste, a guerra e as punições16. Na teologia do Lutero “jovem”, neste caso nas suas anotações, temos uma ideia de “Deus retribuidor” (Deus est retributor) que remunera o “trabalho bem feito” (opus bene factum) 17 e que pune os pecados. Sendo que “a punição sempre é tão rápida quando o pecado. [Mas] é evidente que não idênticos” 18. Emoções perturbadoras (perturbatio passio), ganância (cupidas passio), sofrer (patimur), não são pecado enquanto as sofremos (inquantum patimur eis), isto é, enquanto castigos (sunt poenae)

19

. Estes são pecados quando são privações

voluntárias ou para constituir debito20. Nas notas em “sobre a Trindade” de Agostinho, Lutero escreve que devemos lutar contra o pecado e passar pelas penitências até a nossa ressurreição, 13

WA 9, 75, 11-13: “quod peccatum originale non est ipsa concupiscentia seu fomes, quia non tota aboletur,

sed tantum debilitatur, peccatum autem originale totum aboletur”. 14

WA 9, 75, 16-19: “concupiscentia in carne est nihil aliud nisi inoboedientia carnis ad spiritum quae de se non

est culpa, sed poena, quia si esset aliquo modo culpa et non dimitti in baptismo diceretur, injuria fierit baptismo et gratiae dei”. 15

WA 9, 75, 20-21: “tanquam poenae temporali quae omnio manet post baptismum”. Cf. WA 9, 75, 20-26.

16

LW 11, 12; WA 3, 531, 28-32: “Quia vero absolute dicit „opera domini‟, nulla specificando [...] debet hoc ad

omnia opera dei extendi [...] ut sunt punitiones, plage, bela, fames, aut contra fertilitas, benedictio, miracula &c”. 17

WA 9, 93, 17-18: “Deus est retributor non nominum, sed advierborum i. e. opus bonum non remunerat, sed

opus bene factum”. 18

WA 9, 78, 14-15: “Poena semper et tam cito quam ipsum peccatum. Patet, quia sunt idem”.

19

WA 9, 78, 20-24: “perturbatio passio[: i.e. poena.] – cupiditas passio[: i.e. poena. – cupiditate patimur: i.e.

poenam habemus. -] patimur [, non est: i.e. inquantum non est poena – ideo non sit peccatum: quia super hoc, quod est poena, est etiam culpa.] – inquantum patimur eis: i.e. inquantum sunt poenae”. 20

WA 9, 78, 1-2: “Dicuntur enim eaedem privationes peccata, quia sunt voluntariae carentiae boni, justi inesse

debiti”. WA 9, 80, 25-27: “i.e. actus volitionis qui est peccatum”.

10

onde o mundo está crucificado para nós e nós para o mundo, em Cristo. Esta já é uma visão bem mais agostiniana que ficará cada vez mais forte na sua teologia21. Quando Lutero faz sua primeira leitura nos Salmos, o pecado é algo radical. Lutero começa a abandonar a harmonização das notas e os conceitos ocamistas de pecado e concupiscência, embora não ataque-os explicitamente22. Lutero escreve: “Primeiro: Todos os homens estão em pecados diante de Deus e cometem pecado, isto é, eles realmente são pecadores. Segundo: Para isso, o próprio Deus deu testemunho através de seus profetas e estabeleceu, finalmente, pelo sofrimento de Cristo, que por causa dos pecados dos homens Ele O fez sofrer e morrer. Terceiro: Deus não é justificado em Si mesmo, mas nas Suas palavras e em nós. Quarto: Nós nos tornamos pecadores quando nos reconhecemos como tais, pois isso nós somos diante de Deus” 23.

Quanto ao pecado em si, Lutero o descreve de quatro maneiras ou estágios (Sl 1:1): “Que não anda segundo o conselho dos ímpios: [...] Este é o primeiro estágio, no qual todos os tipos de pecado estão inclusos. [...] Impiedade é contra Deus e contra Seu culto, o qual é pio. [...] A palavra conselho denota o vicio da vontade. [...] Alguns agem de uma maneira ímpia deliberadamente, de uma vontade má. [...] Mas esse segundo estágio é pior. Ele comete o primeiro pecado duplo. [...] ao tornar seu coração para palavras de maldade com o propósito de dispensar as desculpas pelos pecados, para justificar a si mesmo depois de ter pecado. [...] [e] repudiar Deus e moldar para si mesmo um ídolo, a obra de suas mãos, de recusar confissão e glória a Deus. [...] Então segue o terceiro [estágio], o qual já chegou aos outros [...] para corrompê-los com a mesma praga e arrasta-los juntamente para a mesma destruição. [Por fim] para negar que é um pecado ter crucificado o Senhor é pior do que ter cometido o pecado em si, isto é, fazer a crucificação” 24. 21

LOHSE pag. 47-48; WA 9, 18, 18-32: [20-21] “Est – sacramentum/Exemplum – quia – significat sic crucem

poenitentiae/horatur pro veritate corpus morti – in qua moritur anima peccato/offerre vel cruci”; [27-30] “Ut Mors Christi – redimat animam a morte, sic per mortem suam mortem momordit/faciat animam mori peccato, ut sic simus crucifixi mundo et mundus nobis”; [31-33] “Alind est mori – Christo/mundo – Et utrunque facit mors/Christi. Sic vivere – Christo/Mundo – est resurrectio”. 22

LOHSE pag. 53 e 55.

23

LW 10, 235. WA 3, 287, 32 – 288, 7: “Primo. Omnes homines sunt in peccatis coram deo et peccant, i.e. sunt

peccatores vere. […] Secundo. Hoc ipsum deus per prophetas testatus est et tandem per passionem Christi idem probavit: quia propter peccata hominum foecit eum pati et mori. Tertio. Deus in seipso non iustificatur, sed in suis sermonibus et in nobis. Quarto. Tune fimus peccatores, quando tales nos esse agnoscimus, quia tales coram deo sumus”. 24

LW 10, 11-13. WA 3, 15, 22-16, 36: “Qui non abiit in Consilio impiorum […]. Iste enim est gradus primus,

in quo includutur omnia genera peccatorum. [...] Impietas enim contra deum est et contra cultum cius, qui est

11

Lutero foca bastante no pecado contra o Espírito Santo, isto é, a incredulidade, em toda sua a primeira leitura nos Salmos. Bernhard Lohse escreve que esta é a radicalidade do conceito de Lutero sobre a concupiscência, a incredulidade25. Para Lutero, os pecados praticados em continuidade e seguidos por desculpas (como visto na exposição do Salmo 1) vão ocorrendo, enfraquecendo os olhos da fé26: “de modo que os olhos vão se fechando em sono e falham, enquanto o forte desejo [concupiscentia] assume o comando ou luta com mais chances. [...] Pois alguns conhecem excelentemente as coisas que devem ser cridas, mas eles podem crer e concordar com estas coisas de uma maneira doente, que eles parecem pessoas oprimidas por algum sono e com um coração pesado que eles não conseguem levanta-lo em direção ao Senhor” 27.

O ímpio está em “pecados de maldade ou concupiscência contra o Espírito Santo. [...] ele, portanto, não é convertido e não pode ser convertido, pois ele diretamente fecha a porta da misericórdia para si mesmo e resiste ao Espirito Santo [...]” 28. Para Lutero (apud LOHSE, 1999, pag. 55), as pessoas não podem lutar contra ela sozinhas, elas precisam da graça de Deus29, da justiça de Deus (Cristo) 30. Lutero especificará mais ainda sua definição de pecado quando fala no Sl. 51:6:

pietas. [...] „Consilium‟, notat voluntatis vitium [...]. Vel certe aliqui ex consilio impie agunt, ex mala voluntate [...]. Sed hic seccundus gradus est peior, qui facit primum peccatum duplex [...]. declinare cor in verba malitie ad excusandas exensationes in peccatis, seipsum iustificare, postquam peccavit [...]. negare deum et idolum fingere sibi, suarum manum opus, negare confessionem et gloriam deo. Ideo siquitur terceius, qui iam ad alios pertingit [...] inquam simili peste corrumpere secumque in perditionem candem tahere [...] Peius est enim negare, peccatum esse dominum cricifixisse, quam hocipsum, scilicet cricifigere, perpetrasse”. 25

LOHSE pag. 55.

26

LW 10, 359. WA 3, 422, 33: “et fidei oculus infirmatur et minuitur in tantis peccatorum tumultibus”.

27

LW 10, 360. WA 3, 423, 19-25: “ut oculi in somnum declinent et deficiant, concupiscentia autem fortior

dominetur aut saltem potiore sorte pugnet.[...] Quia optime quidem sciunt omnia, que credenta sunt, sed ita egre possunt credere et eis assentire, ut videantur velut quodam somno opprimi et grave corde dieri, nec sursum elevare ad dominum posse”. 28

LW 10, 12-13. WA 3, 16, 13-18: “malite vel concupiscentie contra spiritum sanctum. [...] ideo non convertitur

nec potest converti, quia directe claudit sibi portam misericordie et resist spiritu santo [...]”. 29

WA II 1, 7, 1-6 in LOHSE pag. 55.

30

LW 10, 144: “Pois eles se opõem ao Cristo justo e Sua justiça, como se ela não fosse necessária nem útil,

como se eles mesmos fossem o suficiente. Isto é mal e contra Deus”. WA 3, 170, 39-171, 1: “quia contra Christum iustum et iustitiam eius, quasi nin sit necessária nec utilis, quasi sua sibi sufficiat. Hoc enim est iniquum et contrta deum”.

12

“E ele diz [o salmista], „Contra Ti somente eu tenho pecado‟, exclui-se as justificações pela Lei, como se falasse: „Eu não estou falando de pecados contra cerimônias da Lei, para as quais o pecado é figurativo e capaz de ser removido pela Lei. Pelo contrário, estou falando dos pecados que a Lei não pode remover de jeito nenhum, nem por sacrifícios, nem por lavagens ou cerimônias. Portanto, contra Ti somente eu tenho pecado, porque eu estou fazendo uma confissão sobre pecados reais, não obscuros” 31.

Referindo-se a punição, ainda na sua análise do salmo 1(:2), ele diz: “Deve ser notado, entretanto, que a liberdade e vontade dos cristãos não são tal que eles estão sem medo (mesmo de punições) na Lei do Senhor, uma vez que isso seria falso. Para ele, que teme a punição futura e por esta razão observa a Lei, está fazendo isto, em qualquer caso, por fé, já que ele não temeria, a menos que acreditasse. E, portanto, ele não está longe do Reino de Deus (Mc 12:34). De fato, tal medo é puro e santo, por causa disto santifica não somente as mãos, mas também a alma. Pois com tal tipo de medo, ele guarda não somente a obra, mas certamente a vontade do pecado. Porém, medo induzido pela Lei não é assim, pois há punição corporal, ambas, presente e temporal, temia-se.”32

Lutero encara a punição como algo que mantém o cristão na fé, ajuda-o a não pecar com a vontade (voluntas), mantendo-o numa vida santificada pelo temor a Deus. E como visto anteriormente, é o próprio Deus quem a traz: “Isto deve ser estendido a todas as obras de Deus [...] como punições, pragas, guerra, fome, ou, ao contrário, fertilidade, bênçãos, milagres, etc.” 33. 1.2.

Conceito de Graça.

O conceito de graça de Deus (gratia dei) é mais evidente na sua leitura nos salmos. A presença deste termo é rara, divergindo dos escolásticos da época, que tinham inúmeras distinções entre graça. Lutero não a apresenta de forma sistemática, mas segue a ordem do 31

LW 10, 236. WA 3, 288, 17-21: “Et qui dicit „Tibi peccati soli‟, excludit iustificationes legis: q.d. Non

confiteor de peccati contra legis cerimonalia: quia talia sunt figuralia peccata et per legem anferibilia. Sed de iis, que lex nullo modo potest anferre, nullis hostis, nullis lotionibus aut ritibus. Ideo soli peccavi, quia de veris peccatis confiteor, non de umbraticis”. 32

LW 10, 14. WA 3, 17, 18-26: “Notandum tamen, quod Christianorum non sie est libertas et voluntas, quod

sine timore (etiam penarum) sit in lege domini, quoniam hoc falsum esset. Quia qui timet penam futuram et ideo legem servat, utique fide hoc facit. Quia nisi crederet, non timeret. Et ideo non est longe a regno dei. Immo talis est castus timor et sanctus, quia sanctificat non tantum manus, sed et animam. Quia isto timore non solum opus, sed et voluntatem utique custodi a peccato. Non autem sic timor legalis. Quia ibi timabatur pena corporalis et presens et temporalis”. 33

WA 9, 75, 16-19.

13

saltério, transmitindo-a em declarações sobre conhecimento e confissão de pecado ou na aceitação do julgamento divino34. Lutero destaca (apud LOHSE, 1999, p. 55-56): “Graça e a justiça de Deus são tudo de mais rico em nós (assim como existe muita transgressão), quando nós julgamos que temos menos da justiça. Quanto mais nós condenamos, perturbamos e amaldiçoamos a nós mesmos, mais ricamente a graça de Deus flui em nós 35

(influit)” .

Lutero cita diversas vezes Paulo enquanto interpreta os salmos. Como podemos ver: “Considerando que o apóstolo aqui [Rm 3:8], antes, quer ensinar como a justiça de Deus deve ser exaltada, a saber, através da ampliação de nossa própria injustiça e abundância de pecado. Pois [o] pecado só abunda na medida em que se sabe que abunda. Em si ele é um mal, infinito e incalculável, assim como também é graça de Deus. Portanto, a sua abundância é o seu 36

reconhecimento [...]. E este é o julgamento que o Senhor ama (Sl. 33:5)” .

A respeito do Salmo 34, Lutero escreve: “Porque o pecado em si não diz o quão grande ele é, e nem nós o reconhecemos. Entretanto, ele fala sobre isso de acordo com nosso entendimento. E, desta forma, o pecado, a saber, como reconhecido e confessado, magnifica e louva a graça de Deus, pois a menos que nós saibamos que nós temos pecado, nós não honramos a graça de Deus. Assim, o aposto chama a si mesmo de maior pecador (1Tm 1:15), pois ele era particularmente consciente de seu próprio pecado e da graça de Deus. Portanto, como eu disse, Deus não é honrado a menos que nos envergonhemos pela nossa confissão” 37

Ele ainda descreve o paradoxal julgamento divino: “Por esta razão é chamado o julgamento de Deus, pois é contrário ao julgamento dos homens. Ele condena o que os homens escolhem e escolhe o que os homens condenam. E esse julgamento foi nos mostrado na cruz de Cristo, pois como Ele morreu e foi feito o mais rejeitado do povo, então nós devemos ter um julgamento similar ao Dele, ser crucificados e morrer espiritualmente [...]” 38.

34

LOHSE pag. 55.

35

WA 55 II 1, 36, 26-30 (scholia no Sl. 1:5) in LOHSE pag. 55-56.

36

LW 10, 34. WA 3, 31, 23-28: “Cum potius Apostolus ibi velit docere, quomodo magniticetur iustitia dei:

seilicet per magificationem iustitiae nostre et abundantiam peccati. Quia vere tantum abumdat peccatum, quantum angoscitur abundae. In se enim est infinitum malum et non estimable, sient et gratia dei. Ideo abundantia eius est eius agnitio [...]. Et hoc est indicium quod deligit dominus”. 37

LW 10, 162-16.

38

LW 10, 405.

14

Para Lutero, a graça é algo necessário para a “manutenção” da vontade

,

a

graça

transforma o caminho dos Mandamentos mais espontâneo e aceitável à vontade. “Nós sempre precisamos mais e mais da graça de Deus” 39. A graça de Deus nos prepara para o bem, assim como éramos preparados para o mal40. “A graça é o mesmo que a força, pois a graça de Deus sobrepuja cada pecado, pecadores e demônios, seja por convertê-los ou por impedi-los de fazer o mal” 41. “A graça de Deus que foi recebida, como eu disse, é „justiça‟. Mas „misericórdia‟ ainda é recebida, pois Deus justifica aquele que agora é miserável. E uma vez que ele está aqui, rezando por alguma coisa que ainda não foi recebida, mas que será recebida, ele chama para si „misericórdia‟. E este é o estado dos justos, que [os que estão] mais e mais „famintos e sedentos por justiça‟ (Mt 5:6) estão, por essa razão, sempre justificados, sempre procurando „receber misericórdia‟, sempre reconhecendo a justiça recebida antes” 42.

E ainda mais: “Por conseguinte, a flagelação e a crucificação da carne e a condenação de tudo o que há no mundo, são juízos de Deus, que Ele efetua com Si mesmo através de julgamento, isto é, através do Evangelho e da Sua graça. E assim, a justiça recai. Ora, para aquele que é injusto com si mesmo e, assim, humilha-se perante Deus, Ele dá Sua graça. Esta forma é a mais frequentemente tomada pela Escritura. Assim, a justiça em um sentido tropológico é a fé em Cristo. Rm 1:17: „A justiça de Deus está nela revelada‟” 43

Por mais que possamos começar a ver uma mudança de pensamento em Lutero, devemos nos lembrar de que ele ainda acredita na retribuição via obras, como ele diz: “„Justiça‟, entretanto, é dito ser a restauração de cada uma das coisas que pertencem a ele. Consequentemente, a equidade vem antes da justiça e é, por assim dizer, o pré-requisito. E equidade distingue méritos, enquanto justiça retorna recompensas. Portanto, o Senhor „julga o mundo com equidade‟ (para Ele é tudo o mesmo, Ele deseja salvar a todos [1Tm 2:4]) e Ele „julga em justiça‟ (Sl 98:9), pois Ele dá para cada um sua própria recompensa. Um exemplo de

39

LW 11, 441.

40

LW 11, 301.

41

LW 11, 365.

42

LW 10, 53.

43

LW 10, 404.

15

ambos é da parábola evangélica, onde após os indivíduos tinham recebido o salário do dia, alguns se queixaram injustiça (Mt 20:10-12)”44

Lutero aborda, também, o castigo eterno, este, por sua vez, reflete a teologia do Deus est retributor. Pois não basta você não fazer o mal, você deve fazer o bem: “As pessoas que são chamadas de melhores porque não fizeram nenhum mal, mesmo se elas não fizeram nenhum bem. Mas certamente isso não é o suficiente. Pois o Evangelho não diz que o que banqueteava (epulo) 45fez algum mal para o Lazaro, mas ele foi condenado porque não o fez nenhum bem (Lc 16:19ss). „[...] no sentido de boas obras‟” 46.

O fazer boas obras, ou fazer o bem, é algo vital para a manutenção da graça e da fé, pois “a relutância em fazer o bem, do qual resulta, também, a carga pesada, sempre arrastará para mais pecados” 47. O que decorrerá, como já visto, em incredulidade48. Ele ainda escreve: “Um „sacrificio‟49, ele diz, não de gado ou de novilho, mas de „justiça‟ (isto é, o que é indicado por eles). Isto é: abater e cortar em pedaços, crucificar e deixar morrer os bestiais e vivos membros, então eles não irão servir o pecado para pecado (peccato ad peccatum), mas, pelo fogo do amor, eles serão completamente consumidos e transformados no espírito, então eles servirão a Deus. [...] Como Rm 12(:1) diz: „Apresentem seus corpos como sacrifício vivo, santo e aceitável a Deus.‟ Tal é certamente o sacrifício de justiça „de um odor agradável ao Senhor‟ (Lv 6:21)” 50.

Lutero diz em outra parte:

44

LW 10, 95. WA 3, 91, 10-16: “Iustitia autem dicitur redditio unicuique quod sum est. Unde prior est equitas

quam Iustitia et quase prerequisita. Et equitas merita distinguit, Iustitia premia reddit. Sic Dominus iudicat orbem terre in equitate (quia omnibus idem est, vult omnes salvos fieri) et iudicat in iustitia, quia reddit unicuique suum premium. Utriusque Exemplum in parábola Euangelii, ubi accepto denario diurno a singulis quidam de iniquitate murmurabant”. 45

Epulo: Refere-se ao rico. A LW traz “banqueter”.

46

LW 10, 160-161. WA 3, 189, 31-190-3.

47

LW 10, 178. WA 3, 215, 19-21: “[...] scilicet difficultate ad bonum, de qua et sequitur, quomodo sit ônus

grave sempre ad ampliora peccata trahens”. 48

Cf. nota 25 e 26 neste trabalho.

49

Lutero fala do Sl 4:5: “Oferecei sacrifícios de justiça, e confiai no Senhor”.

50

LW 10, 67. WA 3, 56, 21-27: “‟Sacrificium‟ inquit non pecorum aut vitolorum, sed „Iustitie‟ (id est quod illis

sinificabatur). Hoc est: bestialia et animália membra mactetis et concidatis, crucifigatis et mortificetis, ut non serviant peccato ad peccatum, sed per ignem charistatis totaliter absumantur et in spiritum transmutentur, ut serviant deo viventi. [...] sicut Ro 12. „Exhibere corpora mostra hostiam sanctam, viventem, deo placentem‟. Tale est utique sacrificium iustitie in adorem suavissimum domino”.

16

“Nesta vida ambos, ou seja, misericórdia e julgamento estão presentes apenas entre os santos. No inferno existirá apenas julgamento, no céu, apenas misericórdia, mas aqui, ambos ao mesmo tempo. Entretanto, atribui-se bênçãos espirituais, sim, tudo, a misericórdia de Deus e louva-se o Senhor nelas. Mas imputam-se males corporais e dificuldades temporais desta vida a si mesmo, como adequados e devidos. Considere a primeira como indevida e dada puramente por graça, então você não vai se orgulhar na primeira e nem se desesperar na segunda. Você não irá tornar-se vaidoso e esnobe na primeira, nem medroso e triste na última, para que, através da misericórdia e do julgamento, você possa vir do juízo sem misericórdia para a misericórdia sem julgamento. Amem.” 51.

Ao falar do Salmo 71:1952, ele escreve: “Neste verso, finalmente, a correta distinção entre justiça divina e humana é descrita. Pois a justiça de Deus chega até dos céus dos céus e faz-nos alcançar. É justiça mesmo para o mais alto, ou seja, de se chagar ao mais alto. Não é assim a justiça humana, senão que ela chega até o mais baixo. Isto é, pois, aquele que exalta a si mesmo será humilhado e aquele que se humilha, será exaltado. Mas agora, toda a justiça de Deus é esta: Humilhar a si mesmo na profundeza. Tal pessoa vai para o mais alto, pois ele primeiro desceu para a maior profundeza. Aqui ele fala corretamente de Cristo, que é o poder e a justiça de Deus através da maior e mais profunda humildade. Entretanto Ele está, agora, no mais alto através da suprema glória” 53.

E ele continua no Salmo 72 (:1): “O julgamento de Deus é tropológico [...]. Este é o julgamento em que Deus condena e faz condenar qualquer coisa que temos de nós mesmos, o velho homem por inteiro juntamente com seus atos (até nossa justiça, Is 64:6). Isto é propriamente humildade, sim, humilhação. Pois não é aquele que se considera um humilde que é justo, mas aquele que considera a sim mesmo detestável e condenável aos seus próprios olhos (e condena e compensa por seus próprios pecados), ele é justo. [...] Este é [o] dito julgamento de Deus, como a justiça ou força ou

51

LW 11, 284. WA 4, 133, 12-20: “[...] quod in hac vita utrunque solum in sanctis est, scilicet misericórdia et

iudicium. In inferno enim solum erit iudicium, in coelo autem sola misericordia: hic autem simul utrunque. Ergo bona spiritualia, immo quecunque, tribue misericordie Dei et lauda dominum in hiis. Mala autem corporalia huisque vite moléstias temporales tibi imputa ut própria et debita: illa autem indébita et mere grátis data. Et ita illic non superbies, hic non desperabis: illic non vanus fies et inflatus, hic non pusillanimis et tristes atque deiectus, ut sic per misericordiam et iudicium de iudicio sine misericórdia ad misericordiam sine iudicio perveneias. Amen”. 52

Um texto com uma frase que causou muita dificuldade para Lutero: E a tua justiça, Ó Deus. SAARNIVAARA

pag. 64. 53

LW 10, 402. WA 3, 457, 38-458, 7.

17

sabedoria de Deus. Ele é aquele pelo qual nós somos sábios, fortes e humildes, ou por quem nós somos julgados” 54.

Em suma, podemos usar as palavras de Lutero sobre no Sl 41(:2-3)55 para expressar seu entendimento sobre graça e justiça: “„O leito da enfermidade‟ é, em primeiro lugar, a consciência atormentada pelos seus pecados, pois é somente na consciência que a alma é confortada ou atribulada, através da graça ou da culpa. [...], portanto, é o leito da enfermidade que o pecador é forçado a deitar após pecar. E, de fato, ela deveria ser um leito para descanso. Mas, por causa do pecado, ela é um leito de enfermidade, pois um homem não pode fugir da sua própria consciência. [...] Ele também é chamado de „leito de enfermidade‟, pois, por meio do pecado, um homem vê a si mesmo feito fraco perante o bem e inclinado para o mal. E aqui há uma tomada de consciência do pecado e da fraqueza, que é a penalidade do pecado. E de ambos, o conhecimento sobre Cristo, isto é, uma vivida e verdadeira fé em Cristo, liberta-o. [...] O Senhor, entretanto, remove ambos, como Ele disse em Mt 11(:28): “Vem a Mim, todos os que estão cansados (isto é, a cama da doença) e sobrecarregados (isto é, o leito de enfermidade), e eu os aliviarei”. Isto é o significado de levar assistência e de transformar e mudar tudo, isto é, completamente. Mas isso só ocorre no fim da vida. O Samaritano sempre nos tem na hospedaria, na qual ele alivia as enfermidades com o óleo da graça e, gradualmente, o cuidado do proprietário cura a doença” 56.

De três pontos “imaturos” destacados por Uras Saarnivaara em relação ao ensino de Lutero, eu gostaria de destacar apenas um, que demonstra a paradoxal visão de graça Dele: “Ele [Lutero] entende a justificação como uma mudança no coração do homem, isto é, como uma renovação gradual. Entretanto ele ensina que o homem nunca poderá alcançar o ponto em que ele pode dizer que já é justo. Continuará a ser uma questão de tornar-se justo” 57.

1.3.

Conceito de fé.

O pensamento de Lutero nas notas já foi expresso acima. Ele acreditava em um “Deus retribuidor” 58. Para ele, “fé significa crer na humanidade de Jesus, que nos foi dada nesta vida

54

LW 10, 406-407. WA 3, 465, 1-35.

55

Sl 41.2-3: “O SENHOR o protege, preserva-lhe a vida e o faz feliz na terra; não o entrega à discrição dos seus

inimigos. O SENHOR o assiste no leito da enfermidade; na doença, tu lhe afofas a cama”. 56

LW 10, 191-192.

57

SAARNIVAARA pag. 71.

58

WA 9, 93, 4: “explicite – Quod deus est/Quod remunerator est”.

18

como a nossa vida e salvação. Pois ele mesmo, através da fé na sua encarnação, é nossa vida, nossa justiça e nossa ressureição” 59. Bernhard Lohse aponta o quão impressionante é o insistir de Lutero no solus Christus como causa e fundamento do perdão dos pecados60. Lutero diz que: “pecados são aquilo que nos afastam de Deus [...] todos estes pecados são perdoados através da fé em Cristo”

61

.

Lutero escreve: “„Substância‟ se refere a tudo pelo qual alguém subsiste nesta vida [...], „Fé é a substancia das coisas que nós esperamos‟ (Hb 11:1), isto é, a possessão e suprir das coisas que não são deste mundo (isto é, ver ou sentir), mas [que são] coisas que estão por vir. Eu acredito, entretanto, que o Espirito Santo usa substância, em conexão com as obras que têm sido devotas, de forma contrária aos filósofos [...] e [o homem] irá mostrar que a fé não se fundamenta na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus” 62.

Mais ainda: “O apóstolo diz (Gl 5:6): „Em Cristo Jesus nem circuncisão nem incircucisão tem valor algum, mas a fé trabalhando por meio do amor‟. Fé é o revestir de prata das asas. A Palavra de Deus é prata, porém, quando alguém se se apega, então este é coberto nas asas. E estes que são revestidos de prata, isto é, através da aceitação da fé para com a Palavra de Deus, crescem. Assim como Deus é incarnado, também a alma é revestida de prata. E então segue a atividade por meio do amor [...] „então você pode deixar sua luz brilhar entre os homens‟ (Mt 5:16)” 63.

Esta definição está profundamente relacionada com a definição de graça citada antes64. Para ele, “Cristo é fé, justiça, graça e santificação nossa”

65

. Bernhard Lohse escreve que

humildade e fé podem ser vistas como sinônimos na primeira leitura nos Salmos, pois “em fé

59

WA 9, 17, 1-19, citação em 12-15: “Sed hoc credere est in humanitatem ejus credere quae nobis data est in

hac vita pro vita et salute. Ipse enim per fidem suae incarnationis est vita nostra, justitia nostra et ressurrectio nostra”. 60

LOHSE pag. 56.

61

LW 10, 146. WA 3, 174, 34-175, 8: “peccatum autem, quo homo averitur a deo [...] [successionem] omnium,

quibus in fide Christi remitur peccata”. 62

LW 10, 356.

63

LW 10, 335.

64

Cf. notas 44, 46 e 50.

65

Lutero concorda com Agostinho. WA 9, 43, 1-2: “Sicut „Christus est fides, justitia, gratia mostra et

sanctificatio nostra‟”.

19

os cristãos aceitam o julgamento de Deus para compartilharem da justiça de Deus”

66

. “A

67

graça de Deus que foi recebida, como eu disse, é „justiça‟” , Ora, para aquele que é injusto com si mesmo e, assim, humilha-se perante Deus, Ele dá Sua graça. [...] Assim, a justiça em um sentido tropológico é a fé em Cristo. Rm 1:17: „A justiça de Deus está nela revelada‟” 68. “Se segue que ninguém pode magnificar a Deus e Suas dádivas, a não ser que ele mesmo já tenha sido engrandecido pelas dádivas de Deus. Pois quanto mais ele é esclarecido, muito mais ele preza as dádivas de Deus e Suas obras e, reciprocamente, quão menos ele é esclarecido, menos ele os respeita. Entretanto, isto é característico da alma engrandecida e esclarecida para magnificar a Deus em Suas obras individuais. [...] Fé Nele é, portanto, reconhecimento e beleza, o qual Ele coloca espiritualmente. Pois por meio da fé nós O confessamos, O honramos e O adornamos” 69.

A fé é algo que nos transforma, “nós O honramos com este tipo de reconhecimento e com louvor e honra. Pois Ele é tal pessoa em nós, como Ele é em pessoa” 70. Em suma, a fé é o que faz a graça de Deus transparecer em nós e para nós. Ela faz o julgamento de Deus ser aceitável. Faz com que reconheçamos nossa condição de ínfimos, por mais que somos gostamos de seguir o conselho dos ímpios. Sem Cristo não existe fé, Ele é quem nos dá ela e por meio dela somos regenerados71. 1.4.

O castigo temporal e eterno para o Lutero „jovem‟.

Para o Lutero “jovem”, o castigo é consequência do pecado. É o pagamento pela transgressão72. O ímpio teme as punições aqui, o cristão teme a punição futura, por isso ele observa a Lei por meio da fé. Mesmo que ele tema, a fé o mantém firme, santificando-o cada vez mais, guardando a boa obra e segurando a vontade de pecar 73. O cristão reconhece que tudo o seu sofrimento vem de Deus74. Assim também existem aqueles que creem, mas são 66

LOHSE pg. 60.

67

LW 10, 53. WA 3, 47, 11-12: “Gratia enim dei accepta ut dixi est iustitia”.

68

LW 10, 404. WA 3, 462, 37-463, 2: “Quia qui sibi iniustus est et ita coram deo humilis, huic dat deus gratiam

suam. Et isto modo frequentissime acciptur in scripturis. Sic Iustitia Tropologice est fides Christi. Ro 1. „Iustitia dei revelatur in com &c.‟”. 69

LW 11, 316-317.

70

LW 11, 317.

71

Cf. LW 10, 191-192; 317; 356. WA 9, 17, 1-19.

72

WA 9, 93, 1-18.

73

LW 10, 14. WA 3, 10, 18-26.

74

LW 11, 12. WA 3, 531, 28-32.

20

fracos. Estes precisam ter cuidado com os pecados, pois quanto mais pecam, mais o desejo (concupiscentia) o toma75. Assim ele acaba fechando a porta para o Espírito Santo e tornandose um incrédulo76. A salvação só pode vir por meio de Cristo. Ele é nossa vida, nossa justiça e nossa fé77. Ele nos resgata e nos capacita a regenerar pela fé78. Aquele que, porventura é condenado, pois afundou no lamaçal dos pecados: “Eles pereceram no segundo lamaçal e estão presos na segunda lama. Eles morreram não apenas a primeira morte, mas também uma segunda. Pois, assim como há uma primeira e segunda mortes, também há sofrimento, abismo, lamaçal, tempestade, etc., em dobro. [...] Também os santos vão à morte, dentro da boca do abismo, mas eles não serão engolidos por ela, pois eles irão ressuscitar dos mortos, e a fossa do inferno ou purgatório não os encerrará, nem os engolirá, como fazem com os ímpios, a quem a tempestade oprimirá uma segunda vez (isto é, em corpo e alma). [...] Mas quando algum dos justos morre, eles apenas morrem conforme a carne, ao qual conforme eles finalmente sairão. Por isso eles estão presos para que eles não fiquem presos, como Cristo, a cabeça deles. [...] Os eleitos não são permitidos ao desespero em pecados quando estão mortos e [estão] no lamaçal dos pecados. Mas eles não serão engolidos por esses, porém, através do arrependimento, a boca do inferno e o caminho para fora estão abertos.” 79.

Lutero continua mais adiante: “[...] Considere alguém foi morto ou morreu subitamente em seus pecados. [...] E se você soubesse que está prestes a perecer e você poderia se redimir desta destruição a custo do mudo todo, você faria com o maior prazer. [...] Eu acredito que você veria horror sobre horror e iria valorizar a grande bondade de Deus se ele o arrancasse de lá. [...] Mas imagine-se já condenado com todos os demônios (pois sem dúvida você está com um só para você). E, portanto, pondera a graça de Deus, quem te preserva da condenação na mesma medida que você mede a graça Dele, que te arranca do meio do inferno” 80.

Como podemos ver, para Lutero, refletir sobre a condenação é uma atitude para entender melhor a graça de Deus. Os santos têm o sentimento de entender e chorar por aqueles que estão condenados81. Então, como visto antes, o castigo temporal é uma espécie de 75

LW 10, 360. WA 3, 423, 19-25.

76

LW 10, 12-13. WA 3, 16, 13-18.

77

WA 9, 17, 1-19.

78

LW 10, 191-192.

79

LW 10, 363-364.

80

LW 10, 371-372.

81

Ibidem.

21

antecipação do castigo eterno. Refletir sobre os condenados ou sobre a condenação é uma atitude “santa”, que faz entender melhor a graça e a justiça de Deus.

2. Lutero “maduro” e a condenação Abordaremos os mesmos temas apresentados no capítulo anterior, mas, dessa vez, com a perspectiva do Lutero pós 95 teses e experiência da torre. 2.1.

O conceito de Pecado.

O pecado não pode ser reconhecido pela própria pessoa, ao menos não em sua real profundidade. A pecaminosidade é reconhecida apenas parcialmente, devido a Lei de Deus inscrita no coração82. “Pois absolutamente nenhuma pessoa pode descobrir ou compreender sua maldade, porque ela é infinita e eterna” 83. Se sua visão de pecado era considerada radical na sua primeira leitura em Salmos, agora ela está muito mais forte. Lutero abandonou sua visão antiga de pecado original. “O pecado se originou de um só homem, Adão, por cuja desobediência todos os homens se tornaram pecadores [...]. A isso se chama pecado hereditário ou pecado capital” 84, “muitos relâmpagos sagrados testemunham que o pecado e a paixão maligna permanecem após o batismo. São abertamente chamados raiva, lucúria, cobiça [...] Em consenso universal e em todas as línguas, são habitualmente usados para designar erros e pecados” 85. Mais ainda, o pecado está em todas as coisas: “[A escritura fala do pecado] como uma corrupção universal da natureza em todas as suas partes: um mal que nos inclina para o mal desde nossa mocidade, como está escrito em Gn. 6[:5] e 8[:21]. Tão grande é esta ira que não há nada proveitoso nestas coisas que parecem boas, por instância, artes, talentos, prudência, coragem, castidade e qualquer coisa natural, moral e que parece boa existente” 86.

Paul Althaus sumariza o pensamento de Lutero sobre o pecado, colocando-o sob a alcunha de um “roubo a Deus”. Citando Lutero, ele escreve:

82

LW 25, 187: “[...] Eles têm um conhecimento de bem e mal, pois quando eles são torturados nas consciências,

eles veem que fizeram mal”. 83

LW 32, 240.

84

Livro de Concórdia. Arnaldo Schüler, tradução. Porto Alegre: Concórdia; São Leopoldo: Sinodal; Canoas:

ULBRA. 2006. Pg. 323. 85

LW 32, 216.

86

LW 32, 224-225.

22

“Embora as pessoas tenham recebido os bens dessa vida de Deus, elas não os tratam como dons. [...] tratam como algo que obviamente lhes pertence ou como fruto do seu trabalho. „Usamos esses dons como se nós os criássemos, e não Deus‟. Mas possuir dons de Deus sem reconhecê-los é trata-los como tais, isto é, sem dar graças por eles, é a mesma coisa que [possuir] bens roubados e furtados” 87.

O pior, usamos esses dons de Deus para fazer o mal aos outros, levando do desprezo a Deus, para o desprezo às coisas de Deus, para o desprezo ao próximo88. Em tempos de desespero, o pecado fica cada vez mais forte e o amor cada vez mais escasso, acaba por se tornar um amor interesseiro, pois “ninguém acredita o quão profunda é a malícia da carne” 89. Aqui nós já podemos perceber uma mudança drástica na concepção de pecado, veremos o quanto ele muda a concepção de humilhação, antes de suma importância para a salvação. Ele escreve: “Nossa carne é tão má, que muitas vezes nos engana bem no meio da tribulação e humilhação, assim que nós nos agradamos de nossa humilhação e do desagrado a nós mesmos, e de nossa própria confissão de pecados; nós nos tornamos orgulhosos pelo acusarmo-nos a nós mesmos de nosso orgulho. Esta é a oculta presunção e a culpa do orgulho” 90.

Lutero não só muda sua ideia de humilhação, mas também de concupiscência. Esta é mais do que desejo contra a razão, é a total oposição do ser contra Deus. Ele escreve: “Tudo que é feito pela carne é carne, por mais profundo e secreto na alma. Qualquer coisa que o velho homem é com suas melhores e mais altas forças, externas e internas, incluindo seu egoísmo e profunda maldade, pensamentos, razão, sabedoria, o orgulho em suas boas obras, vida espiritual e outros dons de Deus que nele estejam [são carne]” 91.

A incredulidade passa a ser a raiz de todo o castigo, então “Deus tem que golpear e castigar de maneira tão dura [...] a fim de todos estacarem e verem que a coisa não lhe é brincadeira”

92

. Lutero vê o castigo temporal como resultado dos pecados cometidos pelo

mundo:

87

WA 31/1, 443; LW 14, 122 apud Althaus, Paul. A Teologia de Martinho Lutero. Horst Reinhold

Kuchenbecker, tradutor. Canoas: ULBRA. 2008. Pg. 161. 88

LW 14, 113-115.

89

LW 27, 374.

90

WA 5, 564.

91

WA 17/2, 11.

92

Livro de Concórdia pg. 400.

23

“O mundo anda pior que nunca, e não há autoridade, nem obediência, nem fidelidade, nem fé, senão apenas gente atrevida e rebelde em que nenhum ensino e repreensão produzem resultado. Tudo isso é ira e castigo de Deus em razão desse propositado desprezo do mandamento” 93.

As mudanças foram graduais, de suas notas até os documentos confessionais, podemos ver que o conceito de pecado foi cada vez mais se intensificando. Ele continua sendo a causa de todo o castigo, pois é uma transgressão a vontade de Deus. Este é o responsável por trazer este castigo. 2.2.

O conceito de Graça

Para o Lutero “maduro”, a graça de Deus é algo que precisa ser ouvido94. Ele escreve na explicação do apêndice do primeiro mandamento: “Quão bondoso e gracioso [Deus] é para com aqueles que confiam e creem de todo coração nele somente. A ira não cessa até a quarta geração ou grau; o favor ou a bondade, por outro lado, estende-se a muitos milhares [...]” 95. Comentando o salmo 51 novamente, agora “mais bem preparado” 96, Lutero escreve: “Lava-me completamente da minha iniquidade e purifica-me do meu pecado. Até agora ele vem pedindo por graça e remissão dos pecados, ou perdão, para que Deus seja favorável para ele e para todos nós, perdoe pecados e apague-los de acordo com a Sua misericórdia. Depois deste reconhecimento de pecado, esta é a primeira parte ou fase, a aceitar a graça, a ter um Deus de favor e bênção, para estar no colo da misericórdia de Deus e para ter confiança nas seguras promessas que têm sido dadas a nós sobre a graça de Deus. Assim como temos essas promessas no Batismo, eles tinham em Cristo, que foi prometido” 97.

Ele continua: “Estas são as duas partes da justificação: Primeiramente a graça é revelada através de Cristo, pois através de Cristo temos um Deus gracioso, então o pecado não pode mais nos acusar, pois nossa consciência encontrou paz por meio da confiança na misericórdia de Deus. A segunda parte é o dar do Espírito Santo com Seus dons, quem nos ilumina diante da corrupção do espírito e da carne (2 Co 7:1). Então nós somos defendidos contra as opiniões das quais o diabo

93

Livro de Concórdia pg. 404-405.

94

“Deus a ninguém dá o seu Espírito ou a graça a não ser por intermédio da palavra exterior precedente ou com

ela” (Livro de Concórdia pg. 336). 95 96

Livro de Concórdia pg. 399. LUTERO, Martinho. Pelo Evangelho de Cristo. Walter O. Schlupp, tradução. Porto Alegre: Concórdia; São

Leopoldo: Sinodal. 1984. Pg. 30. 97

LW 12, 327.

24

seduz

o mundo todo. Então o verdadeiro conhecimento de Deus cresce diariamente,

juntamente com outros dons, como castidade, obediência e paciência”98.

Podemos ver uma gritante diferença entre o conceito de graça antigo e o novo. A graça antiga capacitava o homem a lutar contra o pecado por conta própria. Nessa nova visão, nós somos defendidos das forças do diabo. As virtudes (ou obras) não são mais pré-requisito, elas são consequência da justiça de Deus atribuída em nós. Cristo não é o juiz temerário que traz a Lei sobre o pecado, mas é Ele quem revela o Deus gracioso, em qual nós temos paz. A justiça é trazida nessa graça e ela é alheia, um completo dom de Deus. Lutero escreve: “[...] Esta misericórdia e graça não são algo humano; não é algum tipo de disposição ou qualidade no coração. É uma bênção divina, que nos foi dada pelo conhecimento do Evangelho, quando se sabe ou acredita que nosso pecado foi perdoado pela graça e mérito de Cristo e quando eu espero por amor constante e misericórdia abundante por causa de Cristo, como diz o profeta aqui. Não é esta a justiça, uma justiça alheia? Ela consiste totalmente na satisfação de outro e é puramente um dom de Deus, que mostra sua misericórdia e favor por amor de Cristo”99.

Não mais méritos, não mais orgulho vestido de humildade, mas puramente a graça de Deus por amor de Cristo. 2.3.

O conceito de Fé

A fé é algo que não pode ser entendido100. “Sem a fé, sem o conhecimento de Cristo” 101

. A fé genuína se apega única e exclusivamente a Deus102, Deus triúno103, e é obra do

Espírito Santo: “O Espírito Santo efetua a santificação por intermédio das partes seguintes: a congregação dos santos ou igreja cristã, o perdão dos pecados, a ressurreição da carne e a vida eterna. Isto é, primeiro nos conduz à sua santa congregação e nos põe no seio da igreja, pela qual nos prega e leva a Cristo. Porque nem tu nem eu jamais poderíamos saber algo a respeito de Cristo ou crer

98

LW 12, 331.

99

LW 12, 328.

100

“Aqui se vê como a razão cega tateia insegura nas coisas de Deus, procurando consolo em obras próprias,

segundo a sua opinião subjetiva, incapaz de pensar em Cristo ou na fé” (Livro de Concórdia pg. 327). 101

Livro de Concórdia, loc. cit.

102

“[Fé] que vai certeiramente ao verdadeiro e único Deus e se apega exclusivamente a Ele”. Ibidem, pg. 395.

103

“Um só Deus, uma só fé, porém três pessoas”. Ibidem, pg. 447.

25

nele e conseguir que seja nosso Senhor, se o Espírito não no-lo oferecesse e presenteasse ao coração pela pregação do Evangelho” 104.

Novamente a ênfase da santificação cai sobre o Espírito Santo. Contrária à ideia antiga, em que a santificação tinha caráter de obra. A santificação é consequência. 2.4.

O castigo temporal e eterno para o Lutero „maduro‟.

Lutero ainda possui uma ideia de “ímpio” expresso na primeira leitura nos Salmos, mas agora o chama de “pecador consciente”

105

. Este é aquele que é dominado pela carne e

pelo próprio espírito, caindo na sujeira carnal106. Esse tipo de pecador “merece o mais profundo castigo e ira” 107. O castigo eterno é algo que Deus usa para nosso bem. Uma espécie de “aio” para a graça. Como Lutero escreve: “Se, portanto, você sabe que tem pecado, se você estremece, se você está atribulado por sentir a ira de Deus e o horror do Julgamento de Deus e do inferno, então tenha confiança. Você é um com quem Deus quer falar, para quem Deus quer mostrar Sua misericórdia e quem Ele quer salvar” 108.

O castigo temporal continua sendo uma penalidade do pecado, pelo qual sofremos. Mas as punições terrenas (temporais) podem ser utilizadas para repreender o mal, contando que sejam usadas por alguém instituído de autoridade109. Deus pode utilizar-se de outras pessoas, essas mesmo sem saber, para punir alguém110.

104

Ibidem, pag. 452.

105

LW 12, 332.

106

Ibidem, 331.

107

Ibidem, 332.

108

Ibidem, 335-336.

109

Livro de Concórdia, pg. 436.

110

“Deus castiga um velhaco por instrumentalidade de outro” (Ibidem, 419); “Porque Deus conhece

magistralmente a arte de castigar um ladrão por intermédio de outro” (Ibidem, 432).

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CONCLUSÃO Concluímos que, para Lutero, a condenação sempre se deu aos “ímpios”, aqueles que cometem pecados deliberadamente. Esta ideia perpassou desde suas notas nas obras de Pedro Lombardo e Agostinho até os Catecismos e além. Mudando apenas alguns pontos dentro dos conceitos doutrinários abordados, sendo alguns deles de maior importância. As punições, tanto a temporal quanto a eterna, sempre foram consequência do pecado e reconhecidas como obra de Deus. Porém, quanto ao caráter de “boas obras” dessas, estes não foram mantidos. Vimos que a visão cristológica de interpretação, assim como um conceito de Sola Scriptura, já estava na mentalidade de Lutero. Porém, Cristo toma aspectos diferentes a respeito da condenação, pois este era visto como “juiz”, aquele que começava o trabalho regenerativo para o escape das garras do pecado e da condenação. Vemos também que Deus pode utilizarse de meios para a punição. Na teologia “madura” de Lutero, encontramos um Cristo que nos abre as portas da graça e da misericórdia divinas. Esse é outro conceito que sofreu mudanças, porque de um caráter regenerativo de aceitação de julgamento, transformou-se em uma doutrina de consolo, uma doutrina de esperança. Lutero, ao amadurecer sua teologia, nos deixa a o ensinamento de que o castigo está sempre nas mãos de Deus, mas por mais que esse seja doloroso, Deus não se afasta de nós, e por amor de Cristo, nos oferece conforto e perdão.

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