\"Luuanda\" há 50 anos: críticas, prémios, protestos e silenciamento

July 25, 2017 | Autor: Francisco Topa | Categoria: Literatura Angolana, Luandino Vieira
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LUUANDA HÁ 50 ANOS Críticas, prémios, protestos e silenciamento

Introdução, recolha e edição por Francisco Topa

Capa de Helena Gaspar Depósito legal 376787/14

ISBN 978-989-96206-7-4

A conclusão deste trabalho beneficiou do apoio da agência brasileira CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior), através do Programa Professor Visitante do Exterior

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Índice Luuanda, cinquenta anos depois

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I. A crítica 1. Roby Amorim 2. Roby Amorim 3. Rui Romano 4. Alexandre Pinheiro Torres 5. Luísa Dacosta 6. Urbano Tavares Rodrigues 7. Armando Pereira da Silva 8. Álvaro Salema 9. Alfredo Guisado 10. Manuel Ferreira 11. Armando Ventura Ferreira 12. Arnaldo Pereira 13. João Gaspar Simões

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II. Os prémios 1. O Prémio Mota Veiga 2. O Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores

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III. A rep(r)e(rcu)ssão política A) Do Prémio de Novelística da S.P.E. 1. Na metrópole 1.1. No Diário de notícias 1.2. No Diário da manhã 2. Em Angola 2.1. No Diário de Luanda 2.2. No ABC – diário de Angola 3. Em Moçambique 3.1. No Notícias

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| B) Do Prémio Mota Veiga O Processo dos Prémios Literários atribuídos a José Vieira Mateus da Graça (Luandino Vieira)

Apêndice 1. A notícia do New York Times 2. Um eco do programa da R.T.P

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Luuanda, cinquenta anos depois

o futuro é o que vem atrás, me persegue sempre Luandino Vieira

Há pelo menos duas boas razões para assinalar o cinquentenário da publicação de Luuanda, de José Luandino Vieira, embora uma delas não seja agradável: o facto de se tratar de uma obra superior que dá um passo decisivo no processo de construção da literatura angolana e que, por isso mesmo, se tornou um clássico, não apenas dessa literatura, mas das literaturas em língua portuguesa (só fatores extraliterários explicam que isso ainda não seja visível para todos); a triste circunstância de ter sofrido, ela e o seu autor, um dos processos mais nefandos da nossa – lusa e angolana – moderna história literária. A escolha do ano de 2014 para assinalar os 50 anos do volume de estórias é, por um lado, uma questão de rigor (a coletânea foi apresentada a concurso em 1963, mas o livro foi impresso e começou a ser distribuído em outubro do ano seguinte) e, por outro, uma questão simbólica: faz mais sentido comemorar a vitória no Prémio Mota Veiga, em Luanda, no ano de 1964 do que assinalar a campanha de maio de 1965 que se seguiu à atribuição do Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Autores. É verdade que o meio local acolheu a distinção de forma discreta, mas não podemos esquecer que Luandino estava então a cumprir um pena de 14 anos de prisão em Santiago de Cabo Verde, na colónia penal entretanto batizada com o nome de Campo de Trabalho de Chão Bom, devido à sua participação no movimento independentista. O volume que agora se apresenta – uma das iniciativas do colóquio De ‘Luuanda’ (1964) a Luandino (2014): veredas, a ter lugar na Faculdade de Letras do Porto, entre 10 e 11 de novembro – tem um propósito sobretudo

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documental: procura compendiar materiais de tipo diverso 1 – peças de jornal (críticas, notícias, editoriais, artigos) e documentos do arquivo da P.I.D.E. que nunca tinham sido publicados –, com o objetivo de reconstituir de algum modo o início destes cinquenta anos da vida de Luuanda, o que nos ajuda a compreender também certos aspetos deste nosso presente e desta relação ainda hoje não completamente normalizada entre portugueses e angolanos. A primeira parte reúne um total de 13 recensões ou resenhas, que constituirão o essencial da receção crítica de que Luuanda foi objeto aquando da sua publicação. Impressas em jornais de Luanda, de Lisboa e do Porto, entre outubro de 1964 e abril do ano seguinte, são assinadas por grandes figuras da crítica, do ensaísmo, da criação literária (Alexandre Pinheiro Torres, Álvaro Salema, Urbano Tavares Rodrigues, Luísa Dacosta, Alfredo Guisado, Manuel Ferreira, Armando Ventura Ferreira) e também do jornalismo (José Roby Amorim – durante a sua curta passagem por Angola –, Rui Romano – antes da sua vinda para Lisboa –, Armando Pereira da Silva, Arnaldo Pereira). A exceção cronológica é representada pelo texto de João Gaspar Simões, publicado em novembro de 1974, a propósito do aparecimento de outra obra de Luandino Vieira, No antigamente, na vida. Com a exceção, parcial, de Rui Romano, os críticos rendem-se à qualidade (alguns chegam a falar em «obra-prima») e à novidade de Luuanda, considerando estar-se perante «o maior acontecimento literário dos últimos tempos» e admitindo que «com a presente obra se inicia uma literatura angolana». Por outro lado, procedem a uma leitura mais ou menos detalhada do volume, antecipando as linhas de exegese que a crítica e o ensaísmo posterior iriam aprofundar. Há contudo uma linha, também apontada – com intenção e num tom diferentes – no célebre Panorama literário emitido pela Rádio Televisão Portuguesa em 27 de maio de 1965, que viria a ser esquecida e abandonada: a influência de Ernesto Cochat Osório (*Luanda, 1917 †Faro, 2002), concretamente do conto «Aiué» de Capim verde, publicado em 1957. A ela se referem Roby Amorim e Manuel Ferreira, escrevendo este último: «Claro, que existe um amplo percurso entre a inteligentíssima audácia de Luandino e a incursão cautelosa de Cochat Osório. De qualquer modo a lição de Cochat é de referenciar.» (p. 38). Hoje não parecerá talvez tão indiscutível essa ale1

A transcrição mantém a ortografia original, evitando corrigir gralhas, lapsos de acentuação e de pontuação e erros.

|7 gada filiação. Quem quer que leia o volume em causa percebe que «Aiuê» é de certo modo uma experiência isolada, embora bem conseguida: trata-se de um longo discurso interior de uma mulher negra, Dominga, que vem assistir à partida do vapor que levará para estudar num colégio da metrópole os três filhos da relação que manteve com o branco sô Gome. Ao mesmo tempo que é confrontado com a dor de uma mãe que sabe que não voltará a ver os filhos e que será apagada da origem deles, o leitor acompanha a evocação de momentos da vida da protagonista: a sedução do comerciante branco, a condenação da comunidade negra, a transformação do pai dos seus filhos em próspero agricultor que um dia decide regressar à metrópole. Se o tema representa alguma novidade no contexto da literatura da época, o que se destaca é o modelo narrativo e a tentativa de lhe fazer corresponder uma língua adequada: acontece que Cochat Osório se fica por um nível algo superficial daquilo que poderia ter chegado a ser uma nova língua literária. O discurso da personagem é ainda português: um português que só não é caricatural devido à tensão que o envolve. Na verdade, optando por uma espécie de escrita fonética que acentua os desvios sonoros face ao português padrão e dando conta também de irregularidades morfológicas ou de sintaxe, Osório não chega a dar o passo que Luandino Vieira se atreveu a concretizar: explorar a riqueza e a criatividade de um registo que já não é desvio – e muito menos erro –, porque tem identidade e autonomia plenas.

A nota dissonante no entusiasmo que domina a primeira crítica sobre Luuanda é representada por Rui Romano. Considera o jornalista (e poeta

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bissexto) que, embora se trate de «um livro notável, tomando-o no seu sentido puramente poético e na dimensão exacta da análise social» (p. 22), ele não traduz o início da expressão literária angolana, na medida em que o caminho para a valorização de Angola deve ser feito através da «universalidade que só a civilização portuguesa e as suas instituições lhe proporcionaram» (p. 23). Este postulado leva depois o autor a fazer uma previsão, coerente com a opção política que assumirá mais tarde, mas que o tempo viria a desmentir: escrita numa linguagem inaceitável, embora pitoresca e arremedando o “crioulo” da região de Luanda, a obra não atingirá os seus objectivos e terá um significado restrito, passando em breve a um modesto lugar puramente cronológico, na galeria das muitas tentativas (p. 23).

O outro caso distinto é representado pelo texto de Gaspar Simões, escrito quase uma década depois. Aproveitando para justificar a sua oposição ao Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores – «porque não considerara a sua obra uma genuína obra da literatura portuguesa» (p. 47) –, o crítico tenta acertar o passo, rendendo-se à mestria de Luuanda: Estamos diante de um mestre de línguas exóticas, de um manipulador habilíssimo de dialectos africanos, de um observador atento de costumes e formas de humanidade de que ele é dos primeiros a fazer letra impressa. (p. 49)

A segunda parte deste volume historia os dois prémios que foram atribuídos ao livro de Luandino Vieira – o Mota Veiga e o de Novelística da S.P.E. –, explicitando as respetivas cronologias, a constituição dos júris e o resultado das votações e reproduzindo a cobertura noticiosa do ABC – Jornal de Luanda e dois documentos com interesse simbólico: a foto da entrega do Mota Veiga (colhida desse periódico) e a ata da reunião do júri do galardão de Lisboa. A divisão seguinte é a mais longa, acompanhando a repercussão / repressão política da atribuição do prémio da S.P.E., que acabaria por atingir também a distinção Mota Veiga, outorgada no ano anterior. Conhecido nos seus contornos gerais e referido com frequência como exemplo da repressão do regime salazarista sobre as instituições de cultura, este caso assumiu contornos de verdadeira campanha: contra a S.P.E. e o júri, naturalmente, mas sobretudo contra – e esse aspeto é quase sempre secundarizado ou ignorado – José Luandino Vieira, isolado em Santiago de Cabo Verde, onde cumpria uma longa pena de prisão.

|9 A reprodução dos textos jornalísticos (notícias, editoriais, artigos) de cinco dos jornais da época (dois de Lisboa, dois de Luanda e um de Lourenço Marques) mostra bem a boa organização, a intensidade, a violência e os objetivos da campanha, que aliás se valeria de outros meios de comunicação, como a televisão. A reunião desse material – que é apenas ilustrativa, mas fornece uma imagem bastante precisa do que se passou – não visa nenhum acerto de contas, como é óbvio. Não custa contudo reconhecer que as posições assumidas por instituições e particulares, sendo embora condicionadas pelo momento que se vivia, não eram obrigatórias: ao lado da truculência do Diário de notícias e do Diário da manhã, que lideraram a campanha, há jornais que se mantiveram quase em silêncio (foi o caso do ABC, mas foi o caso também dos jornais do Porto); a demissão de diretores e sócios (geralmente figuras menores hoje esquecidas) da S.P.E. não foi geral, como não foi geral a pronta demarcação de organismos como a Fundação Calouste Gulbenkian, patrocinadora do prémio, ou a reação indignada dos particulares e das organizações que dirigiram telegramas e cartas aos principais ministérios envolvidos no caso. A um outro nível, esse material permite perceber, à distância (mesmo assim incómoda) de meio século, como certos entendimentos e posturas não despareceram totalmente: o conceito e o sentimento de pátria, as representações conservadoras e quase sacralizantes sobre a língua, a intolerância para com quem pensa e age de forma diferente e, sobretudo, a facilidade de acompanhar, sem maior reflexão, uma agressão coletiva, atitude que hoje vemos multiplicada na instantaneidade do e-mail e das chamadas redes sociais. A repercussão desta campanha sobre o Prémio Mota Veiga de 1963 era quase ignorada: os jornais noticiaram a abertura de «uma averiguação completa de assunto tão grave» determinado pelo Governador-Geral de Angola em 25 de maio, mas omitiram o desenvolvimento do caso. O inquérito, confiado à P.I.D.E. e depositado hoje na Torre do Tombo, não contém especiais novidades, mas mostra bem como a campanha iniciada em Lisboa atingiu Angola, forçando o governo local e os dirigentes da ANANGOLA a emendar a mão, corrigindo um comportamento agora tido como laxista. A transcrição completa que apresento desse documento permite ainda retirar do esqueci-

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mento a figura de Eugénio Bento Ferreira, destacado membro do meio intelectual e oposicionista de Luanda. Encerrando o volume, há um apêndice em que se apresentam dois documentos: uma notícia do New York Times sobre o prémio da S.P.E. que mostra bem como ela foi treslida pelo Diário da manhã de 27 de maio; um relatório de um inspetor da P.I.D.E. sobre uma visita, em 1967, ao Campo de Chão Bom que inclui a referência a uma breve conversa com Luandino Vieira, traduzindo um eco do programa Panorama literário, emitido pela Rádio Televisão Portuguesa em 27 de maio de 1965, a propósito do prémio da S.P.E. que consagrou Luanda.

O livro acabou por ficar mais volumoso do que inicialmente se previa e mesmo assim ficaram de fora vários aspetos e alguns episódios. Entre eles está o da edição contrafeita de 1965, apresentada como sendo de Belo Horizonte, da responsabilidade de uma editora chamada Eros, mas na verdade feita em Braga por dois agentes da P.I.D.E. 2. O caso chegou a ser julgado em 2 Uma sondagem recente revelou que a maioria dos portugueses está convencida da maior honestidade dos políticos e instituições do regime anterior à Revolução dos Cravos. Esquecem essas pessoas casos como este e o efeito da censura na construção da imagem do regime. A título de curiosidade, veja-se um outro exemplo: tendo a sua casa sido alvo de uma busca por parte de uma brigada da P.I.D.E., Ermelinda Graça apercebeu-se depois do desaparecimento de um relógico de pulso e narrou o episódio em carta ao marido, Luandino. Como a correspondência era censurada, a inconfidência valeu-lhe um processo de averiguações, em que, a 21-VII-1966, o chefe de brigada, Francisco Fernandes, acaba por concluir: «Dado que a arguida também declarou não trazer o relógio no pulso por se ter inutilizado a fivela da correia na véspera da busca, logo na véspera!, tudo indica, em-

| 11 tribunal, por iniciativa de Luandino Vieira, representado pelo Dr. Joaquim Pires de Lima, advogado que se destacou como defensor de presos políticos antes do 25 de Abril. Como seria de esperar, os acusados seriam absolvidos por falta de provas.

O Dr. Joaquim Pires de Lima, advogado e amigo de Luandino Vieira 3

Este episódio quase anedótico chama de resto a atenção para um aspeto estranho do ‘caso’ Luuanda: contra o que seria de esperar depois da campanha de maio de 1965, a circulação do livro não chegou a ser interditada. No arquivo da PIDE depositado na Torre do Tombo, há um ofício de 9-XII1966 dirigido por esta polícia ao Serviço Nacional de Informação perguntando se a obra estava proibida, ao que o diretor responde, por missiva de 21 do mesmo mês, que não existe despacho sobre o volume pelo facto de ele nunca ter sido submetido a apreciação (PIDE SC CI (2) 4236 NT 7330, f. 162). Apesar disso, só em 1972, depois de uma revisão feita pelo autor, Luuanda parece reunir condições para uma circulação normal, com a publibora se não possa afirmar, que o tivesse perdido e quisesse ser agradável ao marido, dizendo que teria sido a brigada desta Corporação que se apossara do relógio no decorrer da busca» (Torre do Tombo, PIDE SC CI (2) 4236 NT 7330 f. 215r e v). 3 Fotografia de Rui Marto, publicada no Boletim da Ordem dos Advogados. Lisboa. 62 (jan. 2010), p. 27. Agradeço à OA a autorização para reproduzir a foto.

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cação feita por Edições 70. Contudo, de forma inesperada, a obra viria a ser proibida, surgindo a ordem para que a edição fosse apreendida. A revolução de 1974 ultrapassou o recurso entretanto interposto e Luuanda passou finalmente a circular de forma livre.

Resposta do diretor do S.N.I. a consulta da P.I.D.E. sobre Luuanda (Torre do Tombo, PIDE SC CI (2) 4236 NT 7330, f. 162)

Ofício de 26-I-1973 do Comandante-geral da P.S.P. ao Diretor de Informação, comunicando o envio de três dos 25 exemplares apreendidos de Luuanda (Torre do Tombo, SNI DSC-13-7, 0534)

| 13 Olhando para os cinquenta anos que passaram desde a edição original e fazendo um balanço, não podemos deixar de reconhecer razão a Ana Paula Tavares, que, no seu poema «As portas de Luuanda» 4, fala a cerca altura em «A memória ferida de Luuanda». Este ano de 2014 poderia e deveria marcar a cicatrização definitiva dessa ferida. Uma série de pequenos sinais parece contudo indicar que a hora não chegou ainda: ficou sem resposta uma carta que dirigi ao atual presidente da Fundação Calouste Gulbenkian convidando-o para uma cerimónia que encerrasse o processo de 1965; foi atendido com silêncio um convite meu a determinada autoridade consular angolana; uma autoridade académica opôs-se a certa iniciativa… Pouco importa: Luuanda e Luandino estão bem acima deste tipo de coisas e são bem maiores que qualquer poder. Os próximos cinquenta anos serão seguramente melhores.

Assis, SP, 16 de maio de 2014

4 Publicado em Portuguese Literary & Cultural Studies. Dartmouth. 15-16 (2010). pp. 37-39.

I. A crítica

Roby Amorim

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ABC – diário de Angola. Luanda. 30-X-1964, pp. 3 e 7.

1. ROBY AMORIM «Luuanda» assinala o nascimento de uma literatura À excepção da poesia (aliás de uma poesia recente, pois, por exemplo, o caso de Vieira da Cruz não pode ser considerado) não se podia falar de uma literatura angolana. Contudo, o idioma português soubera já adaptar-se às condições particulares dos trópicos, desenvolvendo-se em novas línguas que haviam produzido autênticas literaturas diversificadas e autónomas: o brasileiro, o crioulo cabo-verdeano, o forro de S. Tomé. Ao contrário, em Angola e em Moçambique esse indispensável passo não havia sido tentado. Melhor, ainda não acontecera. Dizemos acontecer, porque não pode imaginar-se o escritor que decide inventar uma língua, com o seu léxico, a sua gramática, a sua lógica interna. Essa língua deverá existir na boca do povo, ter-se formado por necessidade a adaptações locais do português, da sua fusão com o ambiente, os problemas, as necessidades e as línguas locais. A ficção de Angola continuava a ser representada pelas produções de Castro Soromenho, de Henrique Galvão. Apesar da longa experiência africana de ambos, do nascimento africano de um deles (Castro Soromenho nasceu em Moçambique e toda a sua infância e juventude foram passadas em Angola), os seus trabalhos representam apenas uma visão europeia de África. É certo que isto não lhes limita o valor ou o interesse, mas é necessário pôr as coisas no seu devido lugar. Não podia falar-se de uma literatura brasileira em relação a Castro Alves, não obstante o patriotismo do poeta; não se podia acreditar em literatura brasileira com Machado de Assis, escrevendo com uma forma europeia sobre motivos do seu país. Essa nova literatura só nasceu quando os escritores sentiram a necessidade de utilizar a língua que o povo do seu país falava para a transformarem no seu instrumento de trabalho.

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| A crítica

O fenómeno acaba de suceder em Angola, com a publicação dos três contos de Luandino Vieira, «Luuanda» – com os quais, pode dizer-se, nasce a prosa de ficção neste território tropical. Aliás, podia adivinhar-se que o acontecimento estava prestes a sobrevir. Anunciavam-no várias tentativas poéticas, usavam-na já os escritores quando os seus personagens empregavam o discurso directo, tentava irromper nas colunas dos jornais e fizera mais que uma aparição através dos microfones das estações de rádio. Incontrolável, esta força de expressão que procurava acesso, cidadania, acabou por obtê-la – com o que temos a congratular-nos – com uma obra impecável. Luandino Vieira faz a crónica (no sentido neo-realista do termo) da cidade humilde do labirinto dos bairros de pau-a-pique que se opõem (como na capa que ele próprio concebeu) aos arranha-céus que se miram na baía. Uma crónica viva, humana e cheia de simpatia pelas figuras que retrata e acompanha. Estas considerações apressadas não nos permitem, hoje, uma atenção mais profunda aos problemas literários propostos por esta obra excepcional de Luandino Vieira. Prometemos, porém, que a ele voltaremos na próxima semana.

Roby Amorim

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ABC – diário de Angola. Luanda. 13-XI-1964, pp. 3 e 7.

2. ROBY AMORIM Uma língua que nasce (A propósito de Luandino Vieira) Esse comboio de Malanje… António Jacinto, Cochat Osório, António Cardoso glosaram o tema em poesia, tema que, aliás, se repete em muitos outros autores das modernas gerações de Angola. O condicionalismo económico, as regras de trabalho organizam, além de relações especiais entre as várias classes de homens, algo que serve para determinar essas próprias relações e as tornar explícitas – uma língua. Entre as duas classes humanas que tomaram o «comboio de Malanje» (para se citar um exemplo), uma conduzindo o comboio e os homens que ali seguem, outra mal aconchegada no vagão, indecisa perante um mundo novo que se lhe anuncia, foi necessário estabelecer convénios sociais, económicos, legais. Tornou-se imprescindível a utilização de uma língua comum, naturalmente a do homem que conduzia o comboio, não a do que era conduzido. O segundo termo da equação aprendeu a servir-se do instrumento do primeiro. Mal – dirão –, deformadoramente – acrescentarão –, mas, mais exactamente, acomodando uma língua afeita às suaves redondezas dos montados minhotos, à ligeireza de um clima que se convencionou chamar suave (e que se tenta transformar em turístico), às mudanças abissais dos trópicos, ao vigor de uma vegetação que lateja em cada planta, à aspereza da chama sem água, aos rigores das alturas planálticas. A língua, tanto como a pá ou a enxada, é um instrumento de trabalho. Se em Trás-os-Montes ou no Algarve não se sabe o que seja uma catana é porque nunca ali foi necessário decepar a cana do assúcar [sic] ou um cacho de bananas, apenas cortar a gramínea frágil, desnodar o cacho de uva sumarenta. Novas palavras foram, assim surgindo no português, que um bando errante e muito pouco civilizado de celtas tinha «desvirtuado» do latim, afeiçoando-se às condições locais do Brasil, de Cabo Verde, de S. Tomé, de Angola. Mas as palavras não chegam para formar uma língua, falta-lhes a lógica in-

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| A crítica

terna que as une entre si e que se denomina gramática. Coisa que austeros cavalheiros tentam codificar de tantos em tantos anos, mas que, ao mesmo tempo que escrevem as suas regras se vai metamorfoseando, ganhando novas capacidades de expressão, adaptando-se a novos condicionalismos. A literatura reside sobretudo no adjectivo que, de século para século, ganha novos significados. Estas adaptações gramaticais, sobretudo adjectivas, e por vezes substantivas explicam-se por si próprias, explicando simultâneamente as realidades sociais que as originam. Para a formação de uma nova língua é necessário que os escritores entendam debruçar-se sobre as realidades antropológicas e sociológicas do povo que retratam, afastando-se de uma cultura literária que, em si própria tende a ser académica, importada, pouco adequada a novas condições – numa palavra: morta. Em Angola, neste momento, estão em formação tanto uma língua como uma literatura, uma e outras resultantes do regime económico, dos sistemas de trabalho, da organização social (que se podem considerar equivalentes em Cabinda ou em Moçâmedes, em Luanda ou no Cuando-Cubando [sic], e que justificam uma unidade desta Angola diversificada em raças, línguas, climas e condições geográficas). Na nova literatura e na nova língua que surgem estão presentes duas constantes, embora uma seja largamente superior à outra: a cultura e a literatura europeias que os portugueses trouxeram consigo, e a cultura e as línguas locais, que os primeiros assimilaram muito dèbilmente, mas os segundos aceitaram a oferta, embora com diversificações apropriadas. O que está a nascer é pujante, viçoso, sobretudo jovem e cheio de ambições, como é natural a toda a juventude. Um dia destes, um intelectual brasileiro, muito sèriamente, inquiriu de Gaspar Simões (reporto-me a uma entrevista concedida por Joel Serrão ao «Diário de Lisboa») se a actual literatura portuguesa «não seria póstuma». Isto, que por um lado significa um desconhecimento do outro lado do Atlântico, do que hoje se está a fazer em Portugal, explica, por outro, a arrogância de uma literatura jovem, cheia de virtualidades e certezas presentes, que se interroga quanto a uma literatura condicionada por tanta circunstância que só muito dificilmente consegue corresponder às exigências e às realidades do seu tempo.

Roby Amorim

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O condicionalismo geral da actual cultura portuguesa, não obstante as excepções em contrário, justifica aquela interrogação, para nós dolorosa. Factor primacial numa literatura é esta ser capaz de descrever um estilo de vida social. Tudo aqui está reunido: gramática, literatura, língua. Quando Vieira da Cruz (e insistimos que, de maneira nenhuma menosprezamos o poeta) escreve que «batem palmas as palmas das palmeiras», não faz mais que repetir «a messe que enloirece a quermesse» de Eugénio de Castro. Era fundamental que algo mais acontecesse para o aparecimento de uma literatura que se pudesse chamar angolana. Abramos um parêntesis para certas explicações pertinentes referentes ao regionalismo: Camilo retratou quase exclusivamente o Entre-Douro-e-Minho, Aquilino a Beira, mas ambos estavam possuídos de uma consciência e serviam-se de uma língua que, eivada embora de regionalismos, era funcional para todo o contexto metropolitano. Um Manuel de Boaventura – por quem temos a maior amizade pessoal – não conseguiu ascender-se da classe de escritor regionalista, limitado como está à visão de um estilo de vida puramente minhoto. Os exemplos, escolhidos ao acaso, serão concludentes e podem tornar-se extensivos se se explicar que Wenceslau de Morais não é um escritor japonês, por muito que tenha revolvido a psique nipónica, mas em português; nem Castro Soromenho um romancista da literatura angolana, por mais que tenha escrito sobre certas realidades europeias dos trópicos, ou africanas na visão europeia. Os dois termos do binómio são imprescindíveis: uma língua com ductilidade própria e adaptada e um condicionalismo ao social. Foi precisamente a conjugação destas duas forças que Luandino Vieira conseguiu alcançar no seu «Luuanda» que, em princípio deveria justificar este escrito necessàriamente breve, mas que desastrada e pouco inteligente intervenção alheia forçou a deixar um tanto de parte, por exigir a explanação de um pensamento que se considerava suficiente[mente] explicado, embora não para os que raiam o analfabetismo, alcandorando-se, muito embora, à posição de juízes em matéria na qual só meteram a própria foice – como admitem – por mecenato (e em pagamento) político.

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| A crítica

Jornal de Angola. 1964-1965 – Número especial. Luanda. «Crítica Literária», p. 12.

3. RUI ROMANO «Luuanda» de Luandino Vieira Numa época em que se deliberou, por razões de pura especulação política redescobrir a natural ânsia de todos os homens, de serem livres e livremente se movimentarem entre os seus semelhantes, num intenso e indispensável trânsito moral e material, sem o que torna impossível o entendimento, aos níveis nacional ou internacional, Angola, pela voz de alguns dos seus poetas e escritores, apareceu despertada, num outro ciclo do tempo, através duma temática literária, de há muito abandonada pela civilização dos nossos dias, cujo carácter específico foge ao especulativo e às balbuciantes tentativas de reivindicação ultrapassada. Confundir qualidade poética, crónicas de circunstância, florilégios comprometidos ou não, manifestos asténicos e imaturos, com a força estuante duma terra que sendo velha, é jovem pela reinvenção dos seus destinos e pelo papel que esses destinos terão, neste tempo de mudança, no concerto africano e, necessàriamente, universal, tornou-se palavra de ordem e, o que é pior, tomou força de dogma. Qualquer território, seja africano, europeu ou asiático, de população pré-lógica ou ultra-avançada, possuirá sempre os seus artistas, os seus cronistas, os seus poetas, os seus cantores. O homem e as estruturas sociais a que dá origem, é no fundo o mesmo, na Patagónia ou nas ilhas de Sonda, em Bissau ou em Luanda. O homem porém, age diferentemente, perante as condições mesológicas em que, obrigatòriamente, se move, embora os factos sociais se repitam aqui e acolá. As conquistas particulares do homem, no campo das suas actividades, passam a constituir o motivo fundamento da palavra escrita e a comunicação das suas descobertas ou das suas perplexidades dá origem à vida literária, que se baseia na linguagem adulta do idioma nacional, partindo embora do tipicismo regional, condição primeira da interpretação duma cultura como, por exemplo, a portuguesa. «Luuanda» de Luandino Vieira, é um livro notável, tomando-o no seu sentido puramente poético e na dimensão exacta da análise social, que o coloca nas estantes do neo-realismo.

Rui Romano

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Mas, não exprime, na linguagem rebuscada – apesar da sua aparente singeleza – do seu autor, aquilo a que alguns pretendem, especiosamente, chamar o início da “expressão” literária angolana. Expressão literária angolana? Através duma contrafacção do português, intraduzível em línguas estrangeiras? Que espécie de literatura será essa que, em vez de se veicular, para o mundo, pela única ponte que a conduzirá ao mundo, procura bisonhamente, refugiar-se no livre arbítrio dos autores os quais, mau grado o seu talento, tão amplamente demonstrado, procuram situar-se entre aqueles que – raros embora – julgam valorizar Angola privando-a do carácter de universalidade que só a civilização portuguesa e as suas instituições lhe proporcionaram. Seria, então, preferível publicar «Luuanda», em quimbundo e, então, o livro sem dúvida, repetimos, de qualidade fora de série, estaria mais certo. Assim, escrita numa linguagem inaceitável, embora pitoresca e arremedando o “crioulo” da região de Luanda, a obra não atingirá os seus objectivos e terá um significado restrito, passando em breve a um modesto lugar puramente cronológico, na galeria das muitas tentativas e esta, apesar de tudo é das mais válidas – de focar uma literatura que sendo, naturalmente autónoma, singrará para o conhecimento externo como literatura de expressão portuguesa.

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| A crítica

Diário de Lisboa. «Vida literária e artística, O livro português da semana – Crítica», 14-I-1965, p. 8.

4. ALEXANDRE PINHEIRO TORRES «Luuanda» de Luandino Vieira Luuanda, colectânea de três novelas do jovem angolano Luandino Vieira, surge-me, de uma pilha de livros, em modestíssima edição de autor. Traz uma cinta: «Prémio Mota Veiga». Não sei francamente de que prémio se trate. Um prémio local de carácter particular? De Luandino Vieira nada mais me recordo conhecer senão um poema inserido no livro Poetas Angolanos, antologia da Casa dos Estudantes do Império, com prefácio de Alfredo Margarido. Um poema que tem por título Canção para Luanda. É com cepticismo, pois, que abro o seu livro de contos, ou melhor, «estórias», como lhes chama (o grande escritor brasileiro João Guimarães Rosa serve-se também de designação idêntica), o cepticismo de quem nada espera encontrar de novo, ou, pelo menos, de bom nível, a não ser por milagre. E que milagre se deu! Lido o primeiro extremamente sugestivo parágrafo de uma «estória» intitulada Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos não mais parei até esgotar as cem (para mim «maravilhosas») páginas que constituem na aparência modestíssimo livro de Luandino Vieira. Três histórias que são – tão-sòmente no meu modesto juízo que não pretende sobrepor-se aos dos mais competentes e ao do tempo – três obras-primas do nosso conto contemporâneo, e a enorme e imprevista revelação de um escritor de sensibilidade excepcional e de notável criação de um estilo: o estilo que resulta da sapiente fusão de regionalismos e latinismos (da mesma forma que Guimarães Rosa), o estilo que deriva de uma linguagem onde as tropelias fonéticas, sintácticas e semânticas sofridas pelo português em contacto com os linguajares tradicionais autóctones são aproveitadas de maneira superior para a obtenção de uma «escrita» que, durante a leitura, me foi, quase sempre, motivo de admirada e deleitada surpresa. A primeira das «estórias», cujo título já referi, fala-nos de Vavó Xixi Hengele, a velha dona Cecília Bastos Ferreira, que vive numa cubata com seu neto Zeca Santos. À míngua de tudo o magrizela do rapaz percorre a Baixa, à procura de trabalho. Inútil. A velha, cheia de fome, quase se enve-

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nena com bolbos de dália encontrados no lixo, enquanto o neto Zeca Santos, vaidoso na sua camisa amarela em que sacrificou o último ganho, persegue Delfina. Que magnífica e objetciva reconstituição plástica da vida do musseque luandense, da sua atmosfera, da sua chuva ou ausência de chuva, do seu vento («nessa hora de quase cinco horas, as folhas xaxualhavam baixinho e a sombra estendida estava boa, fresca, parecia era água de muringue»), do seu anoitecer, de seus estômagos vazios e de seu futuro sem esperança («Depois nada mesmo que ele podia fazer já, encostou a cabeça grande no ombro de vavó Xixi Hengele e desatou chorar um choro de grandes soluços parecia era monandengue, lágrimas compridas e quentes que começaram correr nos riscos teimosos as fomes já tinham posto na cara dele, de criança ainda»). Sou de opinião que Luandino Vieira revela nesta «estória», aparentemente banal, um talento que, entre nós, é raro. Mas é n’A Estória do Ladrão e do Papagaio, que desde já considero digna de figurar sem desdouro ao lado das melhores de José Cardoso Pires de Jogos de Azar, ou das melhores de Manuel da Fonseca de O Fogo e as Cinzas (e que maior elogio podia eu fazer-lhe?), é nessa «estória» que Luandino Vieira nos dá prova das suas extraordinárias possibilidades. Não exagero: as páginas (cerca de trinta) que vão desde a conversa de Xico Futa até ao final do conto são verdadeiramente excepcionais. Profunda humanidade no «toque» das figuras, riqueza de anotação psicológica, humor, um sexto sentido para significar tudo plàsticamente, eis algumas das «armas» com que o jovem angolano nos dá a vida dos «ladrões de galinhas» que são Lómelino dos Reis, «dos Reis para os amigos e ex-Lóló para as pequenas» e do coxo Garrido Fernandes Kam’tuta. O mesmo pano de fundo da «estória» anterior: o mísero musseque luandense, depósito de uma sub-humanidade que também quer viver. A par destas figuras, outras não menos sugestivas e significativas que dificilmente esquecem. O livro fecha com A Estória da Galinha e do Ovo, onde Luandino Vieira entra a fundo na recriação romanesca dos «figurantes» do musseque. Mais uma vez se comprova a facilidade do jovem angolano em insuflar vida autêntica nos mais insignificantes comparsas dessa fauna negra e mulata e até se verifica que é dotado de quase instinto na reconstituição do dinamismo próprio dos ambientes evocados, acompanhando-lhes a velocidade e o ritmo próprios (ou pelo menos disso nos convence).

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Luuanda: eis, pois, um livro que vivamente recomendo. A minha opinião tão favorável será fruto de um entusiasmo passageiro e infundamentado? Creio que não: os valores plásticos e estilísticos estão à vista. E quando são tão notórios como no caso deste para mim livro-surpresa parece que não haverá grande margem para se incorrer num erro crasso de juízo. Se há, porém, do meu lado entusiasmo a mais, o tempo mo dirá (ou as raciocinadas críticas alheias). Entretanto: que um editor da Metrópole se abalance a editar o livro completo, pois uma nota impressa no interior informa-nos que, devido ao regulamento do prémio com que foi distinguido, só três «estórias» num total de cerca de dez é que foram publicadas. Espero que esse editor apareça, mas desde já garanto que não tenho qualquer procuração do autor, pessoa que nunca vi nem mais gorda nem mais magra.

Luísa Dacosta

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O comércio do Porto. 26-I-1965, p. 6.

5. LUÍSA DACOSTA Movimento editorial – notas de leitura […] III – Luuanda – Luandino Vieira… Vavó Xixi e seu neto Zeca Santos; A estória do ladrão e do papagaio; A estória da galinha e do ovo. Três histórias. De gente pobre. Gente de musseque. De largo pé descalço com bitacaia. De barrigas roídas pela lombriga da fome. Vivendo em cubata alugada. Procurando «trabalho de trabalhar», mas precisando «arredondar o orçamento» com uns biscates de roubo. Armando guerra por um ovo, apetite do «mona» da barriga de Bina. Este livro, que já não é uma estreia do seu autor em ficção, mereceu muito justamente um prémio literário. De tudo – e teremos de deixar de lado a sabedoria realista de Vavó Xixi que dizia para o neto – «Se gosta peixe de ontem, deixa dinheiro hoje para lhe encontrar amanhã» – por não podermos referir-nos a tudo, destacaremos uma cena da segunda e toda a terceira história. A cena de provocação sensual e de troça, que Inácia Domingas, de colaboração com o «fidamãe» do papagaio Jacó, faz ao coxo Garrido. Aquele jogo cruel de aquece-arrefece, feito com perícia, «com devagar de gata» e todo o «açúcar-preto» da voz de Inácia, que fazia correr pelo sangue do Garrido «fósforo aceso», para alienar constantemente com «juras» de coração, atinge uma pungência rara. Quando por último entontecendo-o com a «catinga» de seu «corpo maduro», Inácia o obriga a correr o quintal «com o corpo pendurado para baixo», a perna aleijada «enrolada no pescoço», por um beijo que lhe nega, cuspindo-o de insultos, o autor consegue mais do que uma comunhão com a dor dum aleijado que tinha medo de mulher. Quem sai daquele quintal, somos nós os leitores, «puxando a perna aleijada, o coração rebentado, os bocados espalhados em todo o corpo, no sangue frio, mais frio

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que cacimba das lágrimas e da noite fechada». E a espantosa história de sabor tão popular e tão brechtiano da galinha Cabiri do ovo posto no quintal de Bina?! Aberta a guerra todo o mundo intervém para apaziguar, o que dá azo a algumas sentenças dignas de Salomão. A velha Bebeca sai-se com uma parábola: «A cobra enrolou no muringue! Se pego muringue, cobra morde; se mato cobra, o muringue parte. Você Zefa tem razão: galinha é sua, ovo de barriga dela é seu! mas Bina também tem razão dela: ovo foi posto no quintal dela, a galinha comia milho dela…» Depois sucessivamente sô Zé, que fiou o milho, e sô Vitorino, o senhorio da cubata, reclamam o ovo a que se acham com direito. Azulinho, o menino esperto que andava no seminário reclama-o para padre Júlio, uma vez que não podia dar a César o que era de César nem a Deus o que era de Deus, pois o mafarrico do ovo nem tinha a marca da galinha de Zefa nem do milho de Bina. «Vinte cinco Linhas», que já trabalhara num notário, chega à conclusão de que é impossível fazer justiça por falta de papelada: o título de propriedade da galinha e do recibo do milho… Por último vem a patrulha para apartar as vizinhas de novo engalfinhadas, e resolve pagar-se do incómodo com um churrasco sem pagar, confiscando Cabiri. Mas nesta altura Beto, o filho de Nga Zefa, faz de galo. E Cabiri alvoroçada acorre àquele chamado de amor, com grande fúria do sargento. Zefa, de novo na posse do seu tesouro pois Beto enganara Cabiri, mas não enganara a ela, torna-se generosa e oferece o cobiçado ovo à vizinha, pois sabia por experiência o que eram apetites reclamados «por mona na barriga». Maravilhosa de frescura, resultante duma mestiçagem de português, de quimbundo e cabo verde, muito próxima das falas populares, cheia de «mais pior» e «mais melhor», fonética, alternando constantemente a ordem do discurso, e conseguindo por via disso, como Guimarães Rosa, uma maior força, não lhe falta sequer gostosa oralidade: «vou pôr uma estória com bicho e pessoa». Mercê dessa linguagem, a vida palpita nas suas múltiplas teias de palavras, prendendo nas suas malhas, o cómico, o dramático, o insignificante, a fome, a sensualidade, o medo, a desconfiança, a amizade, o humor. Por essa qualidade literária, tudo é verdade, «mesmo que os casos nunca tenham passado».

Urbano Tavares Rodrigues

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República. Lisboa. «Das letras e das artes», 29-I-1965, p. 1.

6. URBANO TAVARES RODRIGUES Comentário Um escritor universal Há alguns anos, como membro do júri de um concurso literário da Casa dos Estudantes do Império, descobri um extraordinário narrador, que se chamava Luandino Vieira. Era um criador na plena acepção da palavra – verdadeiro demiurgo com o qual nascia ante os nossos olhos um mundo africano, quente e amargo, num estilo, direi mesmo, numa língua por ele forjada com a palavra viva do musseque, fala crioula, dinâmica, plástica, poética, de riquíssimas virtualidades. Vem agora a público Luandino Vieira na edição de três novelas reunidas sob o título comum «Luuanda», a anunciar-nos obra mais vasta, já elaborada e pronta para a impressão. O facto é de tal modo relevante no campo das letras de expressão portuguesa que justifica este breve comentário, a anteceder crítica mais detida e mais profunda. Trata-se, com efeito, do surto luminoso de um grande ficcionista, que encarna o povo de Luanda e lhe dá voz, que traduz os seus sonhos, a sua simpleza, as suas venturas breves e longos sofrimentos. Vavó Xixi e Zeca Santos, no quadro das barracas pobres, que não destroem o sorriso ingénuo de uma teimosa alegria de viver, são figuras universais. Tanto mais universais quanto mais fortemente radicadas. Tal como sucede com um Guimarães Rosa, que pela atenta e subtil pesquisa de uma realidade local, física e psicológica, fixada no próprio idioma oral brasileiro, opulento de formas clássicas e de matizes regionais, ascende ao plano das obras maiores do nosso tempo, assim Luandino Vieira, escritor que honra a língua portuguesa na sua variedade e riqueza dialetal, se impõe pela íntima união da matéria ficta – a vida do arrabalde negro – e da massa verbal por onde ela se coa. Amanhã – eis um vaticínio arrojado ante o qual não hesito – Luandino Vieira será não só um dos vultos eminentes da literatura portuguesa, mas

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ainda uma figura de realce mundial, por pouco que um eco dos seus contos tão belos, tão comoventes, de um tão límpido e ácido lirismo, chegue aos areópagos da literatura contemporânea.

Armando Pereira da Silva

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Jornal de notícias. Porto. «Suplemento literário», 11-II-1965, p. 9.

7. ARMANDO PEREIRA DA SILVA Luandino Vieira – o picaresco na literatura ultramarina É muito raro acabarmos de ler uma obra literária, em Portugal, e ficarmos com a agradável impressão de termos contactado com uma obra-prima. Pois foi o que nos sucedeu com o pequeno conjunto de contos de «Luuanda», que acabámos de ler, escritos por Luandino Vieira, jovem escritor angolano. Este volume, de modesta apresentação gráfica, reúne três das dez histórias que compõem o total da obra, e é, sem favor, um dos livros mais belos, mais conseguidos, mais densos, mais consentâneos com a ideia de «criação», que nos últimos anos apareceram na literatura portuguesa. E revela, sobretudo, um autêntico criador do picaresco, coisa tão rara na história das nossas letras. Luandino Vieira serve-se de uma técnica difícil, baseada e a partir da linguagem e tradição oral dos musseques angolanos. Mas dessa maneira se revela, contudo, não só um narrador de talento excepcional, como a riqueza poética e humana de um substracto social ignorado ou mal compreendido. Partindo de histórias simples em que são intervenientes pessoas simples a braços com problemas que, por força de muitos factores, se apresentam de difícil e complicada solução, Luandino Vieira dá-nos, num denso e colorido processo de criação, toda a densidade e cor, toda a ingenuidade, poesia, bondade natural e agudeza de espírito de um povo ao mesmo tempo ingénuo e arguto, lúcido e incompreendido, vítima de interesses e pontos de vista empregados numa generalidade defeituosa. «Luuanda» faz lembrar, quer pelo processo como está elaborado, quer pela própria linguagem reproduzida ou recriada, alguns autores da literatura brasileira, nomeadamente João Guimarães Rosa. Mas também as características humanas de base, até a forma de expressão e as raízes históricas das populações angolana e brasileira se relacionam, havendo ainda a hipótese muito provável de as culturas, ambas de expressão portuguesa, se aproximarem num futuro mais ou menos próximo. Atentemos também que Angola ainda

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não tem uma expressão cultural própria tão radicada, fecunda e adulta, digamos assim, como, por exemplo, essa surpreendente cultura cabo-verdiana, pelo menos no âmbito da nossa literatura ultramarina. Grande parte dos seus escritores é constituída por brancos radicados na província, que sentem os problemas «por fora», talvez, e alguns deles de modo mais objectivo e directo, mas longe da compreensão, aderência, comunhão de sentimentos, de problemas, de modos de pensar e de expressão próprios da raça. Angola é, por outro lado, uma terra onde os problemas são diferentes ou pelo menos mais imediatos. De tal facto resultará uma literatura diferente também, sendo, ao que julgamos, Luandino Vieira o seu primeiro grande escritor em potência, o primeiro a compreender o seu povo numa totalidade humana e social. Facto este que, diga-se desde já, é mais sugerido do que plenamente concretizado nas três belas histórias do livro «Luuanda». Saudemos pois o aparecimento de um raro escritor, com a coragem que normalmente falta para reconhecer um novo pouco conhecido. Saudemos o seu talento de narrador ao mesmo tempo autêntico e luxuriante, a sua poesia tão humana como a própria realidade, a sua preocupação essencial resumida na última frase da deliciosamente pícara Estória do Ladrão e do Papagaio: «… e isto é a verdade, mesmo que os casos nunca tenham-se passado.»

Álvaro Salema

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Diário de Lisboa. «Vida literária e artística», 18-II-1965, p. 1

8. ÁLVARO SALEMA Pontos de vista… […] A leitura de «Luuanda», de Luandino Vieira, é talvez a primeira revelação integral das possibilidades de uma autêntica literatura angolana em língua portuguesa ou dela derivada em evolução própria – tal como a literatura brasileira está a abrir novos rumos, já por outros aflorados anteriormente, na obra de Guimarães Rosa. O sabor castiço e específico da língua na pena de Luandino, a sua refracção literária de sensibilidades, temperamentos e mentalidades plenamente locais, a vibração exteriorizada de um mundo humano inconfundível, a originalidade de estilo, a intensidade dramática, a veracidade acessível – tudo se conjuga para desvendar no jovem escritor luandense um grande escritor a caminho. É já um «sonoro coração» da sua terra que se revela literariamente nestes contos de incrível frescura, de força ardente na sua intimidade que se entreabre, de naturalidade primaveril na expressão e na representação. A surpresa ante essa inesperada descoberta foi já testemunhada neste Suplemento por Alexandre Pinheiro Torres. Não pode deixar de a compartilhar, desde os primeiros contactos com as «estórias» do livro de Luandino Vieira, quem tiver uma réstea [sic] que seja de sensibilidade aberta para a significação humana da literatura.

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República. Lisboa. «Das letras e das artes», 5-III-1965, p. 2.

9. ALFREDO GUISADO O que se escreve e quem escreve «Luuanda» – Luandino Vieira «Luuanda» é um livro de contos da autoria de Luandino Vieira, livro editado em Luanda. Três contos extraídos de uma colectânea de dez que hão-de ser publicados sob o mesmo título. Estes, porém, que mereceram o «Prémio Mota Veiga» são o suficiente para se fazer ideia da importância da pena que os escreveu, do valor de quem os imaginou. Certo número de poetas de Angola «vêm afirmando – informa o volume a que me estou referindo – com a maior pujança o advento de uma Literatura Angolana». E Luandino Vieira, considerado como o primeiro prosador dentro dessa Literatura, acaba não só de prestar as suas provas com este pequeno tomo, como também de demonstrar como, efectivamente, dada a maneira como se apresenta e apresenta estas suas três curiosas histórias, não pode deixar de não ter dúvidas acerca da mencionada Literatura. Uma Literatura mais de acordo com as obras que nascem nesse ambiente em que os assuntos se mostram, as figuras se movimentam, os diálogos têm lugar, a sensibilidade das personagens se exterioriza e o cenário toma presença como moldura das telas em que se desenha tudo o que vai acontecendo. Nada do que nos conta Luandino Vieira teria tão forte projecção, tão acertada maneira de dar a conhecer almas e corpos a que se refere, de pintar caracteres e de tornar notados os episódios que a sua inventiva trouxe para as páginas deste volume, dando-lhe aspectos de plena realidade, se não fosse relatado da forma como o faz. Serve-se de um modo de falar, de sentir e de compreender, que vem dessas pessoas – porque tal como as apresenta são pessoas em verdade e não simples figuras de ficção – postas em frente dos leitores ao acaso, mas com a profundidade precisa que a realidade empresta àqueles que nela habitam. De outra maneira, as mesmas figuras e os mesmos acontecimentos submetidos à descrição e presença numa atmosfera criada noutra forma literária, teria sempre o sabor fictício, que iria prejudicar o trabalho literário apresentado por melhor ou maior feitura literária a que

Alfredo Guisado

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obedecesse. Quem o leia, se olhar em redor, reconhece que tudo aquilo é assim, dada a paisagem que o rodeia; as palavras que ouve; o modo de ser, de proceder e de conduzir, que dominam aqueles que intervêm nos casos que tão bem narrados são, como se os leitores assistissem a tudo quanto nestas páginas se vai passando. É que a atmosfera que os cerca é inteiramente verdadeira. Nada falta para que tal aconteça. Cada episódio faz parte de um todo que está certo. Nas figuras que o autor nos mostra há muito de humano, de verdade mesmo quando o ridículo se apodera de algumas das suas atitudes ou quando a hesitação se aproxima de várias das suas decisões. É um livro que se impõe, que define um autor, que o coloca em escolhido lugar da Literatura do nosso país. […]

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Diário de Lisboa. «Vida literária e artística», 11-III-1965, pp. 1 e 2.

10. MANUEL FERREIRA A propósito de Luandino Vieira Com «Luuanda» nasce a ficção angolana? «Luuanda assinala o nascimento de uma literatura» proclamava há tempos a página literária de um diário angolano e parece ter sido essa a impressão geral de todos os que ali estão intimamente ligados e sèriamente empenhados na criação de uma autêntica literatura regional, de expressão universal, embora um ou outro, por razões sobejamente conhecidas e extraliterárias, tivesse tentado contestar o direito ao entusiasmo com que o livro foi recebido em Luanda. De facto, Luandino Vieira, aos vinte e oito anos, com a publicação deste livrinho de três longas estórias (a designação é dele), tão insignificante na sua expressão gráfica, chama definitivamente a atenção sobre o seu caso que extravasa as fronteiras da sua terra para repercutir aqui na Metrópole, pelo menos, junto de uns tantos simultâneamente atentos às coisas daqui e do Ultramar. Para muitos mesmo a sensação foi de espanto. Sobremodo para aqueles que não conheciam o livro de estreia de Luandino Vieira e a colaboração que, ao sabor das circunstâncias, vinha dando, ao longo destes últimos anos, a revistas, antologias, colecções, etc. Para quem tenha acompanhado este contista, que é também poeta, na sua jornada desde «Cultura» (não confundir com o boletim da Casa dos Estudantes do Império, aliás onde também tem colaborado), embora se tenha dado conta da alta importância de um livro como Luuanda, a sua impressão não poderia ter sido já a de quem foi tomado de surpresa. Não que queiramos furtar-nos a dar ao livro o valor que ele tem, e bem grande é, sem discussão. É que «A Cidade a Infância» (1960 – CEI) era já um livrinho de dez contos que anunciava um autêntico escritor, com esta dupla qualidade, tão importante, diríamos essencial para um autor que pretende ser retintamente ultramarino: apreensão da realidade autóctone, logrando surpreender o homem angolano dentro do seu mundo específico. Isto, que parece, assim de relance, coisa fácil, em boa verdade se torna, como

Manuel Ferreira

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tivemos já ocasião de o dizer em crónica anterior, no maior problema para a estruturação de uma literatura que nasce, que rompe a golpes de audácia, em áreas tropicais, tão manietada pelos mais díspares condicionalismos, sem a ajuda de uma tradição, vazada na escrita, pois quase tudo o que se fez anteriormente a 1940-50, ou seja antes de Castro Soromenho, se inscreve numa tradição colonial onde se sobrepõe a visão europeia das coisas, mal de que enfermam ainda algumas outras tentativas até dos nossos dias, limitando-se ou deformando-se deste modo toda a agreste e riquíssima problemática humana e social. Podemos dizer que de certa maneira o que Luandino Vieira tinha feito em relação a Angola com «A Cidade e a Infância» o fez recentemente em relação a Moçambique Luís Bernardo Honwana, com «Nós matámos o cão tinhoso», e a quem nos referimos aqui na última crónica, embora cada um utilizando processos literários diferentes. O que se passou, então, agora de especial com Luandino Vieira? Nem mais nem menos do que uma descoberta sensacional: expressão do seu universo novelístico através de uma nova linguagem. Isto, e uma capacidade maior de construção, uma experiência e uma consciência literária e social mais sólida, permitiu-lhe a desenvoltura necessária para dar um salto extraordinário, escrevendo um livro impressionante que lhe dá, de pronto, um lugar próprio entre os modernos contistas de língua portuguesa. «Depois afastei-me devagar e fui bater com o povo, aos gritos, a canção rouca, na mesa da taberna. No seu cérebro persistia a menina loira, aquela mãe e o quarto miserável. «Bati, batuquei na mesa com raiva, com o povo e os meus amigos, roucos do vinho, uma canção de protesto, até despontar a madrugada.» Esta era a maneira de narrar de Luandino em «A Cidade e a Infância». Luandino agora narra deste modo: «Entrou meia-noite e meia já passava, o saco tinha ficado no piquete, os patos lá dentro a mexerem, cacuavam, cada vez estavam perceber tinham-lhe salvado o pescoço. Zazué dormia nessa hora e sempre ficava raivoso se lhe acordavam só para guardar um preso. Foi o que sucedeu. Cheio de sono, os olhos vermelhos parecia tinha era fumado liamba, deixou as mãos à toa revistarem o homem, resmungando, xingando só para ele ouvir. Dosreis nem que mexia nada, quieto, os braços em cima da cabeça, mas no coração a raiva

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desse sungaribengo do Garrido aumentava, crescia, arreganhava. Apostava quem queria, jurava mesmo, sabia, o coxo tinha-lhe queixado…». A lição de Guimarães Rosa? Em certa medida é evidente: «Compadre meu Quelemém me hospedou, deixou meu contar minha história inteira. Como vi que ele me olhava com aquela enorme paciência-calma de quem minha dor passasse; e que podia esperar muito longo tempo. O que vendo, tive vergonha, assaz». Mas no que respeita pròpriamente ao Ultramar português, não podemos nem devemos esquecer outras tentativas que foram ensaiadas na prosa, e que talvez estejam na base da redescoberta de Luandino. E sem termos a absoluta certeza de não estarmos a cometer qualquer injustiça lembramo-nos neste momento da experiência de Cochat Osório por exemplo, em «Aioué» 1, um dos contos de «Capim Verde» (1960): «Dominga migou co branco. E foi na casa do branco. Dominga não é mais negra de sanzala. Não é já como esses negros servage, esses negros de sanzala: migou co branco. E os negro, nessahora, já ta a le chingar. Que até le chama de desgraçada. Bandonou o sua raça. O Deus vai le castigar». Claro, que existe um amplo percurso entre a inteligentíssima audácia de Luandino e a incursão cautelosa de Cochat Osório. De qualquer modo a lição de Cochat é de referenciar. Ora, revertendo ao ponto inicial, a ficção brasileira já existia antes de Guimarães Rosa por muito importante que este escritor seja e importante a sua contribuição. Existia com Graciliano, Lins do Rego, Jorge Amado, Raquel de Queiroz, Sabino, Érico Veríssimo, sobretudo de «O Tempo e o Vento», etc. Guimarães Rosa trouxe o seu estilo, a sua maneira, levando até às últimas consequências o aproveitamento da oralidade da linguagem sertaneja, o que lhe possibilitou exprima [sic] com insuspeitável segurança certos tipos brasileiros e suas ambiências, ao mesmo tempo que nos deu da vida a visão do caboclo. Mas de modo nenhum Guimarães Rosa criou a ficção brasileira. Alargou-a, sim. Pois, adentro do ainda reduzido panorama ficcionista de Angola, bem se pode dizer que foi o que aconteceu em relação a Luandino. Mas, evidentemente, que esta prosa de Luandino Vieira, exemplar para determinadas zonas humanas da sua terra, exemplar até em todos os momentos quando utilizado por ele, porque saberá quando e onde se deverá dela servir – dificilmente poderá ser aplicada com êxito à totalidade da realidade humana e social de Angola, uma grandiosa extensão geográfica, habitada por 1

(Nota do Ed.) Na verdade, o título é «Aiué» e o livro é de 1957.

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diversos grupos humanos em diversos graus de progresso e até de civilização, a pedir o seu tratamento integral, mas que levará o seu tempo, diga-se a propósito. Por isso, outros caminhos já tentados também serão legítimos e poderão igualmente ajudar a criar uma ficção angolana. Estamos a lembrar-nos de Castro Soromenho, que principalmente (ou só?) em «Viragem» e «Terra Morta» movimenta personagens angolanas não apenas inspiradas no folclore angolano ou dadas sob a visão europeia dos homens e das coisas, mas sim com a visão de um autêntico escritor de raiz africana. Não nos parece, portanto, que Luandino Vieira tenha agora construído uma ficção angolana, até porque na sua estreia, como dissemos, em 1960, já ele soubera ser um escritor verdadeiramente luandense e até um escritor de negritude, embora seja um homem de pele branca, o que mais uma vez, e sempre, demonstra que o elemento étnico, em função do meio ambiente, se subordina ao elemento cultural. Luandino agora abriu horizontes à ficção nascente angolana: alargou-a, sem dúvida, apontou-lhe caminhos (e que grandes caminhos!), mas seria temerário iniciar todos os jovens escritores angolanos a trilhar pelo mesmo pé. Representaria uma limitação e o empobrecimento dos esperançosos rumos que, de per si, cada um terá de perseguir, depois de ter levado a cabo a reflexão que Luandino teve em relação a si mesmo: redescobrir-se. Seria o pior dos males a padronização dessa jovem literatura que tem agora, além de outros, e a quem teremos por certo ocasião de nos irmos referindo nestas crónicas, dois nomes já de primeira plana: Castro Soromenho e Luandino Vieira. E quando dizemos assim de modo nenhum ignoramos Mário António de Gente para Romance: Álvaro, Lígia, António, e a meia dúzia de contistas de mérito revelados em antologias ou plaquetes ou mesmo um ou outro escritor metropolitano radicado, procurando situações tipicamente angolanas.

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Jornal de letras e artes. Lisboa. Ano IV, n.º 184, 07-IV-1965, pp. 2 e 3.

11. ARMANDO VENTURA FERREIRA «Luuanda», de Luandino Vieira e «Nós Matámos o Cão Tinhoso»[,] de Luís Bernardo Honwana Parece que a literatura de ficção portuguesa, de expressão ultramarina, começa agora a ter os seus escritores locais com interesse mais do que local, mais além do folclore e da etnografia. De Angola fala Luandino Vieira, de Moçambique surge Luís Bernardo Honwana, e sendo diferentes os meios ambientes em que cada um deles situa as suas histórias (resistimos a empregar o termo «estória» de Luandino), sendo também diferentes os estilos literários que utilizam, há em ambos muitos pontos de contacto para que nos apartemos da ideia de que uma mesma realidade humana os une. Realidade evidentemente cheia de problemas: de situação no espaço geográfico e no tempo, que é o presente; de factores rácicos e culturais, e abrangendo tudo, os de ordem económico-social. Não podemos aqui, por motivos óbvios, destrinçar todos esses dados da realidade de que acima falámos; interessaria compará-los e, embora não sendo um amplo conhecedor dos movimentos culturais dos povos do Ultramar português, há pelo menos alguns factores que se nos tornam bem evidentes perante a leitura das duas obras de que nos ocupamos hoje. Um deles, de ordem cultural, ilustra-o Luandino Vieira. Grafe embora o autor como «estórias» o que nós chamamos «histórias», integre-se ele próprio, autor, na linguagem dos «musseques», que nem por isso saem da nomenclatura estabelecida para as histórias curtas, as três narrativas do seu livro. Há uma tradição oral do contador de histórias que é a maneira de contar de Luandino Vieira (de resto existente em todos os povos e respectivas literaturas). Àparte peculiaridades linguísticas ou dialectais, contar histórias parece ter sido sempre uma constante de todos os povos, desde os mais primitivos aos mais civilizados, – ou ditos como tal. Oralmente primeiro, por escrito depois. É escrevendo que nos contam as suas histórias Luandino Vieira e Luís Bernardo Honwana. Há nelas ressaibos, reminiscências dos contos orais e porque ambos escrevem tratando principalmente de homens negros, de tais reminiscências temos notícia. Homens de cor sendo, pois, as principais personagens de ambos os livros, interferem neles, assim,

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factores peculiares ao meio local e ao conjunto que forma a sociedade em que vivem, incluindo os rácicos. Se falo em factores rácicos não é, evidentemente, por os considerar como fazendo parte de um verdadeiro problema. Não haverá nenhum autêntico cientista que nos possa vir falar, hoje, de superioridade ou inferioridade raciais, sob os pontos de vista biológico ou mesmo antropológico. Sabemos todos que não existem raças puras e que as que no presente poderíamos encontrar, as toparíamos em sociedades isoladas, em pequenos grupos habitando zonas áridas ou selvagens, portanto socialmente pouco evoluídas, portanto deficientes sob o ponto de vista da sua plena expressão humana. A conclusão a que se pode chegar é a de que o que diferencia os indivíduos não é a cor da sua pele ou dos seus cabelos; ou a forma do seu crâneo e do seu nariz. O que os diferencia bem mais é a sua situação dentro do complexo social, económico e tecnológico a que pertencem. Daí o considerarmos que os chamados problemas raciais dos nossos dias têm muito mais a ver com a evolução dos problemas do complexo social a que aludimos do que com artificiais diferenciações rácicas. Lê-se Luandino Vieira e mais do que o neto de Vavó Xixi, Zeca Santos preto, sente-se o homem – de qualquer parte e de qualquer país que tem fome, mas que, humanamente, como qualquer jovem que se preza, gosta de agradar às raparigas com a sua gravata nova. Percorre-se «A Estória do Ladrão e do Papagaio», do mesmo Luandino Vieira, e o que é que nos aparece? O ódio dum homem por um papagaio que é o símbolo da sua frustração sexual; o complexo de outro homem por ter morto ocasionalmente um amigo num acidente ferroviário. E n’«A Estória da galinha e do ovo», tão saborosa e cheia de humor que é que sabemos?: que não adianta chamar este ou aquele para decidir um pleito fútil, pois quase sempre procederá como no «caso» do macaco que se armou em juiz na divisão do queijo e que, devido às eternas diferenças de peso entre um e outro prato da balança, comeu o queijo todo aos pleiteantes. O que adianta é o acordo entre os próprios interessados, quando não os dividem situações sociais intransponíveis. É o que decidem, inconsciente, mas sàbiamente, os dois miúdos da história que, usando de artimanhas, reatam o diálogo interrompido entre as duas mulheres desavindas. Luandino Vieira é um escritor muito lúcido, que sabe já perfeitamente manejar a trama das suas histórias e pena temos de não incluir este livro mais

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do que três narrativas. Mas ficamos com a impressão de que se trata de um escritor em procura do seu género definitivo, o qual nos parece ser o trânsito da novela longa para o romance, pois sente-se nele que necessita de espaço suficiente para dispor as suas personagens nos caminhos da vasta e diversa vida que conhece e está dentro de si. Já atrás insinuei que embora Luís Bernardo Honwana seja um escritor africano, de Moçambique, ele se mostra diferente de Luandino Vieira, quer nos temas tratados quer na forma de os dar. Com efeito, a linguagem de Honwana não se atarda, como a de Luandino, na transcrição literária de particularidades da linguagem oral. Embora em verdade devamos dizer que tal não lhe foi necessário para nos fazer interessar por uma colecção de histórias da mais funda humanidade. Não sabemos qual será o futuro deste escritor, nem isso interessará por agora, se bem que não tenhamos receio de lhe vaticinar o melhor. É que Honwana possui, para já, uma qualidade altamente estimável: a expressão directa, quase desabrida, do narrador que dá a «precisão» conveniente, física, às coisas e pessoas – e nisso ele se aproxima, talvez tendo-os lido, dos escritores da Norte América, de um Steinbeck, de um Hemingway da melhor época –, e ao mesmo tempo a sugestão poética, nimbando coisas, animais e pessoas de uma aura que é a que lhes está para além da sua realidade imediata. Honwana descobre quase sempre o pormenor significativo, ao mesmo tempo da realidade física e social e do que lhe é subjacente, portanto já menos visível aos olhos de qualquer observador desatento. E tudo isso escrevendo num correcto português, sem particulares modismos, intraduzíveis, mas possuindo já uma linguagem própria de escritor. Encontrar os equivalentes em linguagem cultivada para os modismos localistas que às vezes só os naturais da região entendem, parece-me tarefa mais importante a empreender pelo escritor e é exactamente isso que Honwana faz. Daí nas suas histórias se encontrar um quadro, que nos parece bem real, da situação do homem negro adentro de uma sociedade em que o branco predomina, não pela quantidade mas pela situação social. Aliás quadro esse muito subtilmente dado. É curioso salientar que os problemas da convivência entre brancos e negros no Ultramar não aparecem neste livro por qualquer dos processos habituais na literatura: análise psicológica ou longas páginas de laboriosa descrição da realidade social não existem. O que se passa é o que atrás disse: linguagem directa mas carregada dos pormenores essenciais de caracterização humana. E quem se atardar na análise deste livro verá que,

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a par do que é próprio da ficção narrativa, lá está a problemática humana das gentes do Ultramar português, que o mesmo é dizer – no caso de Honwana – das suas lógicas implicações sociais. E símbolos também lá encontramos. O Cão Tinhoso é um deles. O animal que se torna necessário abater, está a mais entre os outros cães, que é como quem diz em termos de linguagem pitoresca: é a ovelha ranhosa da família. Impressionante é essa cena de morte do cão tinhoso que os rapazes liquidam, fusilando-o, a mandado dos zeladores da higiene ambiente. Nem todas as histórias de Honwana têm o mesmo nível literário. São às vezes apressadas e descuidadas. Mas não há dúvida que se trata de um escritor com muitas possibilidades à sua frente. E, além das qualidades pròpriamente literárias, é largo o seu espírito e embora não dúplice, há nele uma compreensão que é todo um programa de novas relações humanas. E perdoarão os leitores a longa transcrição, mas queríamos deixar-lhes este trecho de «As Mãos dos Pretos», pelo qual se pode ter uma ideia muito razoável dos processos literários de que atrás falámos em Luís Bernardo Honwana e dos símbolos que ele encontra para nos transmitir a complexidade humana: «Deus fez pretos porque tinha de os haver. Tinha de os haver, meu filho. Ele pensou que realmente tinha de os haver… Depois arrependeu-se de os ter feito porque os outros homens se riam deles e levavam-nos para as casas deles para os pôr a servir como escravos ou pouco mais. Mas como Ele já os não pudesse fazer ficar todos brancos porque os que já se tinham habituado a vê-los pretos reclamariam, fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem, é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos. Depois de dizer isso tudo, a minha mãe beijou-me as mãos. Quando fugi para o quintal, para jogar à bola, ia a pensar que nunca tinha visto uma pessoa a chorar tanto sem que ninguém lhe tivesse batido.»

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República. Lisboa. «Das letras e das artes», 9-IV-1965, pp. 8 e 10.

12. ARNALDO PEREIRA Importante acontecimento literário Ao contrário do que se passa com certos jogadores de futebol ultramarinos (com talento a rodos… nos pés), no âmbito dum bem organizado sistema de alienação desportiva, a literatura e os escritores de além-mar são pouco conhecidos entre nós e esse pouco se deve à Casa dos Estudantes do Império e à meritória e curiosa iniciativa de Publicações Imbondeiro. Deverá concluir-se por um maior sentido comercial do empresário desportivo sobre os nossos editores e livreiros? Dir-se-á que, afora o caso de Cabo Verde, com uma literatura personalizada e expressiva e os seus movimentos Certeza e Claridade, não existe uma verdadeira literatura angolana e moçambicana. Digamos então: não existia, pois desde agora (opinião meramente pessoal) passa a existir. Inesperadamente, sem alardes publicitários, em edição modesta de bolso (dir-se-ia que para ser lido nos musseques que retrata) surgiu nos escaparates de algumas livrarias o livro «Luuanda», colectânea de três histórias («Vavó Xixi e seu Neto Zeca Santos», «A Estória do Ladrão e do Papagaio» e «A Estória da Galinha e do Ovo»), que, com toda a justiça e com a autoridade do grande crítico honorário dos nossos dias, Alexandre Pinheiro Torres logo classificou como dignas de figurar ao lado das melhores narrativas de Cardoso Pires e Manuel da Fonseca. Por meu lado, afirmo, na qualidade de leitor atento ao fenómeno literário, o maior acontecimento literário dos últimos tempos. Seu autor: Luandino Vieira. Dele se diz, em nota impressa na contra-capa do livro: é pela poesia que surgem as novas literaturas. E longo é já o rol dos Poetas de Angola que, desde «Mensagem», vêm afirmando, com maior pujança, o advento de uma Literatura Angolana. Poeta nos apareceu Luandino Vieira, o seu primeiro prosador. Mas o seu aparecimento não teria sido bastante para garantir a essa literatura promoção a nova fase se não fora a rápida evolução do autor de «A Cidade e a Infância», que nos aparece agora, em «Luuanda», em plena maturidade. Para a crítica rigorosa e bem intencionada ou, em sentido inverso, para os detractores de qualquer atitude deixemos a tarefa de julgamento literário

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exigente. Por mim, humildemente confesso: sinto-me perplexo e incapaz de análise objectiva e pormenorizada. A história desta pequena obra despertou em mim uma reacção de sentimentos em cadeia, tais como admiração, surpresa, entusiasmo que alienou irremediàvelmente o meu sentido crítico para dar lugar a um juízo emocional. E assim, creio que esta obra é a afirmação dum escritor que qualquer literatura evoluída de qualquer parte do mundo se orgulharia de contar entre os seus intelectuais. Não será exagerado dizer que com a presente obra se inicia uma literatura angolana. Com efeito, Luandino Vieira com estas suas «estórias», nimbadas de ternura, de emoção e de beleza, não se «debruça», à moda de certos escritores (como se estivesse no ar) sobre tais e tais problemas e acontecimentos. Melhor será falar de adesão. Dir-se-á mesmo que o autor é o próprio povo de que fala. É isso. Em Luandino Vieira há uma identificação total, exemplar, fraternal, através das três histórias que são três obras-primas do conto português contemporâneo, surpreendentemente narradas numa linguagem nova que resulta da fusão admirável de regionalismos como o capverde e o quimbundo, originária da linguagem oral do musseque luandense, de que surgiram as mais belas formas de expressão e até uma língua nova bàsicamente portuguesa, plena de encanto e rica das maiores possibilidades. Exemplo: «As cigarras calaram a cantiga delas e uma pisca fugiu do pau onde chupava as flores, o vento parece parou de soprar nessa hora em que Delfina, com toda a força dela…». Digna de figurar numa antologia dos melhores trechos literários a narrativa sobre o cajueiro, que termina deste modo: «… É assim o fio da vida. Mas as pessoas que lhe vivem não podem ainda fugir sempre para trás, derrubando os cajueiros todos e nem correr sempre muito já na frente, fazendo nascer mais paus de cajus; é preciso dizer um princípio que se escolhe: costuma-se começar, para ser mais fácil, na raiz dos paus, na raiz das coisas, na raiz dos casos, das conversas» (pág. 50). Sinceramente, creio que Sartre, na célebre entrevista de «Le Monde» em que afirmava que um escritor africano devia renunciar à sua vocação de escritor para se tornar professor, não tem razão na medida em que essas suas afirmações se possam relacionar com obras como esta colectânea de histórias, pois que numa base estética (característica da arte verdadeira) se fundem nelas o momento filosófico e predominantemente o momento cognoscitivo, dois componentes indispensáveis da obra de arte.

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É oportuno falar aqui em Luís Bernardo Honwana, o autor de «Nós Matámos o Cão-Tinhoso», outra grande revelação, esta da costa do Índico. Ele e Luandino Vieira são os escritores mais representativos da literatura ultramarina. A humanidade e profunda simpatia das suas figuras, a linguagem nova (especialmente no escritor angolano), a penetração psicológica a que não é alheia por certo uma vivência angustiosa e sofredora, embora numa escala diferente da de um James Baldwin, e uma possibilidade excepcional de recriação artística da realidade, na evocação de figuras e ambientes, são traços comuns que vêm colocar estes escritores no primeiro plano da literatura contemporânea e na senda dos mais prometedores escritores do futuro. Impõe-se por isso a publicação das restantes produções de Luandino Vieira e impõe-se igualmente que um escritor com as suas possibilidades prossiga na sua carreira tão brilhantemente iniciada. Seria de lamentar que assim não acontecesse.

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Diário de notícias. Lisboa. «Artes e letras», Crítica literária, 28-XI-1974, pp. 1 e 2.

13. JOÃO GASPAR SIMÕES Luuanda, estórias No Antigamente na Vida, estórias por Luandino Vieira A minha posição perante José Luandino Vieira, o autor de Luanda [sic] e de No Antigamente na Vida (Edição [sic] 70), precisa de ser esclarecida. Fiz parte do júri da Sociedade Portuguesa de Escritores que em 1965 lhe atribuiu o prémio da novela. Mas não lhe dei o meu voto. Creio ter sido mesmo o único membro do júri que o não fez. Porquê? Assim o disse na P.I.D.E., onde fui interrogado e estive preso: não porque o seu autor fosse «terrorista», mas porque não considerara a sua obra uma genuína obra de literatura portuguesa. Se outro tivesse sido o meu parecer, declarei, pouco me importaria que o seu autor tivesse esta ou aquela chancela política, diferente teria sido o meu voto: tê-la-ia, à obra apresentada ao júri, precisamente Luanda, Estórias, tê-la-ia premiado, como todos os demais membros do júri. E aqui principia a dificuldade da minha posição em face desta e das obras posteriores de Luandino Vieira. De facto, e as circunstâncias vieram a dar-me razão, Luandino Vieira, enquanto autor de Luanda e de No Antigamente na Vida (assim o declara, na contra-capa daquele livro, Jorge de Sena), é autor de um livro que «representou e representa um papel primordial no desenvolvimento da literatura angolana de expressão portuguesa». Ora, uma coisa é ser-se autor português, outra ser-se autor angolano, embora de expressão portuguesa. Eis o ponto em que desejo esclarecer a minha posição. Daria a Machado de Assis, se porventura essa hipótese fosse viável, sendo eu membro de um júri encarregado de atribuir um prémio de literatura de língua portuguesa, prémio a que concorressem, indiferentemente, autores brasileiros e autores portugueses, e fá-lo-ia sem qualquer relutância, um primeiro prémio de literatura de língua portuguesa. Machado de Assis é um mestre da literatura de língua lusíada. Não daria, porém, um prémio de literatura de língua portuguesa a um escritor

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brasileiro que o não fosse – que não fosse mestre de literatura de língua portuguesa. Era, por exemplo, o caso de José Lins do Rego ou de Guimarães Rosa. Uma coisa é a escrita portuguesa, portuguesíssima, vernácula, clássica, do autor do D. Casmurro, outra a escrita regional – brasílica, matuta, nordestina, mineira – dos autores do Menino de Engenho ou do Grande Sertão: Veredas. Friso «regionalística, matuta, mineira», friso algo que fará compreender ao leitor por que estes escritores, brasileiros, cuja língua ainda não é inteiramente outra que a portuguesa, tão-pouco ainda são escritores suficientemente nacionalizados para dizermos que são brasileiros, embora ao tempo em que eles escreveram – tanto Machado de Assis como Lins do Rego e Guimarães Rosa – existisse uma nação brasileira. E faço-o para que melhor se entenda a dificuldade em que estava (e estou) perante um escritor como Luandino Vieira, o qual, sendo português, escreve na língua de uma colónia portuguesa onde se fala um idioma que não é inteiramente outro que o nosso – lusitano –, embora não seja já o nosso – lusitano. O falar dos muceques – o quimbundo e semelhantes lingu[a]jares –, que é o falar das personagens de Luanda –, o falar das personagens e o falar do próprio autor das estórias da gente desses muceques, não o podendo eu considerar idioma diferente do nosso, tenho, necessariamente, de tomá-lo como ele é: um falar regional, o falar de um povo que, como o brasileiro, mais tarde ou mais cedo, independente, atingirá diferenciação dialectal suficientemente pronunciada para que se diga, como, aliás, o diz Jorge de Sena, que o livro de Luandino Vieira é a primícia do «desenvolvimento da literatura angolana de expressão portuguesa». Quanto a mim, não fazia sentido, portanto, que uma obra regionalista – não ainda nacional, mas já a caminho disso, como a história o está mostrando – ocupasse o lugar de obras que, num concurso, por definição, de concorrentes escrevendo em português, não sendo aquilo que estas eram – obras escritas em língua portuguesa mais ou menos vernácula –, não podia concorrer com elas. Nesse sentido claramente me manifestei quando um dos membros do júri sugeriu, mesmo, que Luanda abria um caminho novo à literatura nacional. Em minha opinião Luanda não podia apontar um caminho novo a escritores de língua portuguesa, a menos que, em vez de Angola se tornar independente de Portugal, como era de justiça, Portugal se tornasse dependente de Angola (e da sua língua indígena), como não era nem justo nem de prever.

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Vejo-me obrigado a pôr os pontos nos ii hoje que posso livremente exprimir o meu ponto de vista em público sobre uma obra que muito respeito, que é de um alto talento, mas que continuo a não considerar – hoje mais do que nunca –, obra intrinsecamente portuguesa. Caminho aberto para uma literatura angolana de expressão portuguesa nos seus primórdios, Luanda, já um desvio nesse caminho, No Antigamente na Vida, estas duas obras (as que me vieram às mãos, que outras o autor escreveu entretanto), basta-me reconhecer que tanto uma como outra desta[s] obras são a tradução literária de um engenho digno de atento estudo, sobretudo para etnógrafos e linguistas, para se compreender que não nego a Luandino Vieira, seu autor, os epítetos que ele merece. Estamos diante de um singular mestre de línguas exóticas, de um manipulador habilíssimo de dialectos africanos, de um observador atento de costumes e formas de humanidade de que ele é dos primeiros a fazer letra impressa. Eis o que só por si já é dizer muito para que se diga que não damos o seu a seu dono. Mas vamos por partes: entre Luuanda e No Antigamente na Vida há a distância que separa uma obra literária onde se procura a imagem linguística de um povo escravizado, de uma obra literária onde alguém que não foi escravizado nem é da raça daqueles que usam certa língua (Luandino Vieira nem sequer é angolano de nascimento, ao que suponho) aproveita os elementos primevos dessa língua para recriar, inventar, realizar linguisticamente um espaço literário, já não propriamente regional (uma vez que o seu propósito não consiste em recriar fielmente o que se vive e como se vive em determinada zona da sociedade angolana, os muceques), mas o ponto de partida para um riquíssimo exercido literário de clima exótico. Graças a um léxico tropical, a neologismos partindo desse léxico, a formações vocabulares novas, a aglutinações e sufixações inventivas, a ritmos frásicos procurados, a metáforas de jogo intelectual, Luandino Vieira passou de um regionalismo a que poderíamos chamar mimético – que era o regionalismo de Luanda – regionalismo paralelo ao de Catulo da Paixão Cearense, de Américo de Almeida, de Lins do Rego, no Brasil –, para um exercício linguístico de manufactura erudita como esse o caso de No Antigamente na Vida – exercício em tudo parecido com o que Guimarães Rosa realizou em obras como Grande Sertão: Veredas, Corpo de Baile, Primeiras Estórias. – Com desvantagem, porém, quanto a nós, desvantagem para o leitor – pelo menos o português –, que é a

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| A crítica

desvantagem que resulta de Luandino se exercitar sobre um plinto linguístico – o dos dialectos angolanos – muito mais alheio à vernaculidade portuguesa do que aquele sobre que se exercita Guimarães Rosa. Enquanto este, inspirando-se sobre o linguajar do sertão de Minas Gerais, onde são antigas e portuguesas as raízes da fala popular, consegue, retomando, inclusivamente, valores semânticos esquecidos, reatar, embora no plano da invenção linguística, uma tradição afim com a da língua portuguesa nativa, aquele, deixando-se penetrar pelo idioma de povos que nos são alheios na sua formação étnica, social e linguística, fascinado pelas suas virtualidades sonoras, morfológicas, sintácticas, afasta-se de qualquer possível tradição nossa, portuguesa, tornando-se, por isso mesmo, em não poucas páginas do seu No Antigamente na Vida, quase ilegível, quase impenetrável. (Eis por que recorre, inclusivamente, ao glossário e à tradução das frases usadas no texto na própria língua quimbunda.) Por que friso estes aspectos da obra literária de Luandino Vieira? Porque, hoje, com plena liberdade, me é permitido dizer o que me não era consentido em 65, à data em que me não solidarizei com o júri que lhe atribuiu o premio da Sociedade Portuguesa de Escritores. E faço-o com tanto mais à-vontade e com tanto mais legitimidade quanto é certo que, avizinhando-se a independência de Angola, a literatura do autor de Luanda e No Antigamente na Vida, agora, mais do que nunca, se perspectiva na ordem que cabe às obras literárias do seu género. O seu lugar estará na base do «desenvolvimento da literatura angolana de expressão portuguesa», primeiro passo para a criação de uma literatura angolana de expressão angolana. Tal como Mário de Andrade, com o seu Macunaíma ou os homens da geração brasileira de 22, com a sua «antropofagia», tentativa artificial de criação de uma literatura tipicamente brasílica, Luandino Vieira, um pouco mais naturalmente (não natural de Angola, ao que me parece, mas ali radicado desde a infância), em 63, com o seu livro Luanda, e agora, em 74, com o seu livro No Antigamente na Vida, ei-lo que cria, quanto a mim, legitimamente no primeiro livro, menos legitimamente no segundo, aquilo que fará dele o pioneiro de uma literatura tipicamente angolana, não portuguesa ou de expressão portuguesa, mas angolana, angolana de expressão angolana.

II. Os prémios

1. O Prémio Mota Veiga

O Prémio Mota Veiga

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Como é bem sabido, José Luandino Vieira ganhou, com o volume ainda inédito de Luuanda, o Prémio Literário Mota Veiga referente a 1963. O galardão, segundo o ABC – diário de Angola, de 1 de janeiro de 1962, p. 11, tinha sido instituído dois anos antes por Eurico Abrantes da Mota Veiga, «conhecido e importante comerciante da nossa Província, nela radicado há muito, bem como sua família – na qual se destacam comerciantes, industriais e agricultores», com o objetivo de distinguir «duas obras publicadas ou apresentadas durante o ano que no seu contexto destacassem a valia e a razão de ser da presença dos portugueses em Angola». O título constituía uma homenagem à mãe do patrocinador: D. Maria José Abrantes da Mota Veiga.

Os montantes do prémio eram significativos para a época: 20 e 10.000$00. A realização do concurso estava confiada ao ABC, prevendo-se que o júri integrasse «um delegado indicado pela Direcção da Associação Comercial de Luanda, outro indicado pelo Rotary Clube da mesma cidade e outro que represente conjuntamente a Associação dos Naturais de Angola e a Liga Nacional Africana. O chefe da redacção do «ABC – Diário de Angola» servirá de secretário do júri, sem voto.».

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| Os prémios

O júri era presidido por Eugénio Bento Ferreira, radicado em Angola desde 1943 e personalidade importante do meio intelectual e da oposição ao regime, integrando ainda Mário Corte-Real, Maurício Ferreira Gomes e Alfredo Bobela Motta, este último como secretário sem direito a voto. A decisão foi tomada no início de maio de 1964, por maioria: Mário Corte-Real classificara o volume de Luandino Vieira em segundo lugar. O prémio seria entregue, não pelo Governador, mas por um seu representante, a 22 de dezembro, no Museu de Angola, tendo Luandino Vieira – que estava preso em Santiago de Cabo Verde – sido representado pela sua esposa, Ermelinda Graça. Apesar do evidente desconforto das autoridades, não se registou nenhum movimento tendente a boicotar ou a por em causa o prémio.

Imagem da entrega do prémio: Joffre Pestana, administrador do 1.º Bairro, entrega o título a Ermelinda Graça 1

O livro foi posto à venda em outubro, como se pode ver pela notícia do ABC de 16 desse mês que adiante transcrevo, ainda que, como se sabe, apresente 1963 como data de publicação.

1

Fonte: ABC – diário de Angola. Luanda. 23-XII-1964, p. 1.

O Prémio Mota Veiga

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ABC – diário de Angola. Luanda. 4-V-1964, pp. 1 e 5.

Foi atribuído o Prémio Mota Veiga a Luandino Vieira e a A. Correia de Araújo LUANDA, 3 – Reuniu, ontem à tarde, o júri do Prémio Mota Veiga, constituído pelas individualidades que, nos termos do regulamento, foram indicadas pelo Rotary Clube de Luanda, pela Associação Comercial de Luanda e pela Liga Nacional Africana e a Associação dos Naturais de Angola, assistindo, como secretário sem voto, o nosso redactor A. Bobela Motta. Como já oportunamente anunciamos [sic], as representações daquelas associações foram por elas confiadas aos srs. dr. Eugénio Bento Ferreira, advogado e ensaísta, Mário Fernando Carvalho Figueiredo Corte-Real, gerente comercial, e Maurício Ferreira Gomes, funcionário superior das Alfândegas e vogal do Conselho Económico e Social. O júri decidiu, por unanimidade, excluir do concurso o trabalho do poeta Mário António «100 Poemas», por não estar nas condições de ineditismo exigidas pelo regulamento, e, por maioria, atribuir o primeiro prémio ao livro de contos «Luanda», de Luandino Vieira, e o segundo a «Aspectos do Desenvolvimento Económico e Social de Angola», de A. Correia de Araújo. O voto contrário que se registou apenas invertia a posição das duas obras premiadas.

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| Os prémios

ABC – diário de Angola. Luanda. 8-V-1964, p. 3.

O grande vencedor do Prémio Mota Veiga Pela primeira vez desde que a organização está a cargo deste Jornal, foi atribuído o primeiro prémio do concurso anual intitulado «Prémio D. Maria José Abrantes da Mota Veiga». Até agora, não obstante o valor dos trabalhos concorrentes, apenas o segundo prémio tem sido atribuído. Foi preciso, para tanto, que aparecesse ao concurso uma obra com o mérito de «Luanda», um livro de contos subscrito por Luandino Vieira, que é, hoje, sem dúvida, o caso literário mais sério, desta província. Já autor de uma vasta obra esparsa por jornais e revistas e do livro de contos «A Cidade e a Infância», editado pela Casa dos Estudantes do Império, Luandino Vieira acrescenta, agora, o Prémio Mota Veiga, a numerosas primeiras classificações conseguidas nos concursos a que envia trabalho seu, como os certames literários da Sociedade Cultural de Angola, o Prémio Alexandre Dáskalos, da C.E.I. e, ainda recentemente, obtendo o primeiro e o segundo prémios do Conto, no concurso da Associação dos Naturais de Angola. O livro de contos «Luanda», cuja edição vai ser confiada às oficinas deste Jornal, é, na opinião dos membros do júri, que o elegeu para o primeiro prémio do concurso «Prémio D. Maria José Abrantes da Mota Veiga», uma obra inteiramente invulgar, uma tentativa inteiramente nova pela sua concepção, capaz de marcar, decisivamente, uma nova era no panorama literário desta província. E os admiradores de Luandino Vieira aguardam, por conseguinte, o aparecimento da obra, com justificada ansiedade.

O Prémio Mota Veiga

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ABC – diário de Angola. Luanda. 16-X-1964, p. 3.

Prémio Mota Veiga: Foi posto à venda o novo livro de Luandino Vieira – três contos intitulados «Luuanda» Foi posto à venda o novo volume de contos de Luandino Vieira «Luuanda», ao qual foi, como é sabido, atribuído o prémio D. Maria José Abrantes Mota Veiga referente a 1963. Composto de três contos, por exigência do regulamento daquele concurso, o livro faz parte de um conjunto de dez histórias, a publicar posteriormente. Na «orelha» do volume o nosso camarada A. Bobela-Motta escreveu as seguintes palavras: «É pela Poesia que surgem as literaturas novas. E longo é já o rol dos Poetas de Angola que, desde a “Mensagem”, vêm afirmando, com a maior pujança o advento de uma Literatura com características acentuadamente regionais. Poeta nos apareceu Luandino Vieira, o seu primeiro prosador. Mas o seu aparecimento não teria sido bastante para garantir a essa literatura a promoção a nova fase, se não fora a rápida evolução do autor de «A Cidade e a Infância», que nos aparece, agora, em «Luuanda», em plena maturidade. O novo degrau está transposto. Mas transposto de forma magnífica por quem, plastizando da linguagem oral do musseque luandense as mais admiráveis formas de expressão, cria, para a literatura da sua terra, uma língua nova, cheia de encanto e rica de possibilidades. Luandino Vieira abre, realmente, os mais prometedores caminhos à Literatura de Angola, com o pórtico de uma verdadeira obra-prima, que lhe concede lugar cimeiro entre os escritores da sua geração».

2. O Prémio de Novelística da

Sociedade Portuguesa de Escritores

O Prémio de Novelística da S.P:E.

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A atribuição do Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores a Luuanda é bastante conhecida nos seus contornos gerais. O júri era constituído por Alexandre Pinheiro Torres, Fernanda Botelho, João Gaspar Simões, Manuel da Fonseca e Augusto Abelaira, este último em representação da S.P.E. e sem direito a voto. A decisão favorável a Luuanda foi tomada por maioria, com a oposição de Gaspar Simões, que se pronunciou a favor de um livro de Urbano Tavares Rodrigues. A notícia foi divulgada a 20 de maio de 1965 pelos jornais de Lisboa (a reunião do júri fora a 10 e o ABC, de Luanda, publicara um apontamento de congratulação a 16), tendo o Diário de notícias acrescentado uma nota dando contra da identidade civil do premiado e da sua condição à época, cumprindo pena de 14 anos por «terrorismo». Nos dias seguintes e até ao fim do mês – marcado pela comemoração de mais um aniversário do golpe de 28 de maio –, a generalidade dos jornais, na metrópole e nas províncias ultramarinas, difunde uma intensa campanha contra a atribuição do prémio, contra o júri, contra a Sociedade Portuguesa de Escritores e, sobretudo, contra Luandino Vieira. Os membros do júri chegaram a ser detidos para interrogatório e a Sociedade Portuguesa de Escritores acabaria por ser extinta pelo ministro da Educação, Galvão Teles. Alexandre Pinheiro Torres, numa entrevista que concedeu a Fernando Venâncio quatro anos antes da sua morte 1, revelou uma série de pormenores do processo, a começar pelo facto de a apresentação da obra a concurso ter resultado de uma ideia sua: E há outra coisa, que posso revelar agora, passados todos estes anos. De facto – e nisso o Paço d’Arcos tinha razão –, o livro não tinha sido enviado a concurso dentro do prazo. Fui eu que, ao ver que o livro não estava entre os concorrentes, fui à Casa dos Estudantes do Império e lhes lembrei que o livro podia ir a concurso. Convenci-os a desencantar os seis exemplares que era preciso entregar na SPE. (p. 48)

1

Todos mentem e fingem. Ler. Lisboa. 32 (out. 1995), pp. 42-51.

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| Os prémios

Ata da reunião do júri do Grande Prémio de Novelística (Torre do Tombo, Sociedade Portuguesa de Escritores, Livro de Atas, cx. 1, n.º 14, f. [10])

Outra revelação feita pelo ensaísta, romancista e poeta diz respeito à fonte da nota publicada pelo Diário de notícias sobre a identidade de Luandino Vieira: «Parece, pelo que me diz gente ligada ao jornal, que foi o próprio Amândio César a tornar conhecida a coisa. Era um salazarista convicto.» (p. 46). Relativamente à repressão sobre os membros do júri, distingue dois grupos: De resto, só o Abelaira, o Manuel da Fonseca e eu fomos presos. O Gaspar Simões foi detido, mas disse que não tinha nada a ver com aquilo. E quanto à Fernanda Botelho, veio o embaixador da Bélgica, de quem ela era secretária particular, dizer à Pide que, se queriam um incidente diplomático, era para já. A Pide assustou-se, libertaram-na logo. (p. 46)

Num outro momento, destaca a atitude de Augusto Abelaira: É, de facto, um homem que se porta à altura. Quando a Pide lhe pergunta se votou no livro de Luandino, ele, que não tinha votado, nem tinha precisado fazê-lo, responde, nobremente: «Votei». É uma atitude heróica. Ele não sabe quantos anos vai estar preso. E a Pide dizia: «Mas como, se os outros dizem que você não votou?» «Não, dizia ele, isso é erro, eu votei.» Isso é grande no Abelaira. E os pides faziam contas e mais contas, que nunca davam certo. Eu e os outros só soubemos disso, porque a Pide nos chamou, passados quinze dias, para se fazer uma acareação. (p. 48)

O Prémio de Novelística da S.P:E.

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Quanto à atitude dos outros dois companheiros de júri perante a polícia política, Pinheiro Torres deixa outra revelação, esta relativamente enigmática. À pergunta «Se o Abelaira diz que votou, a questão é só que, em vez de três votos pelo Luandino, há agora quatro. Onde estava a complicação?», responde: Olhe, meu caro: se nesse dia se escreve uma bela página de coragem, escreve-se também uma que nos destrói a todos. Levámos muito tempo a recompor-nos disso. Não lhe posso dizer mais. É demasiado doloroso. Não quero lembrá-lo. (p. 48)

Quanto ao encerramento da S.P.E., o autor de A nau de Quixibá afirma o seguinte: Eu disse-lhe que o encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores foi benéfico. Por isto: atravessava-se em Portugal um período de acalmia e de grande submissão dos escritores. E a Sociedade não servia para nada, como já disse. Era o mundaninsmo, as recepções, os cocktails. [...] De repente, vem um acto claro de nazismo. A Sociedade Portuguesa de Escritores, ao ser destruída e martirizada, presta um serviço formidável no esclarecimento dos objectivos do Estado Novo. É o estado totalitário que se desmascara. Que se assume, agora publicamente, no palco da Europa, como fascista, ditatorial, violento. Ao oferecer-se como mártir, a Sociedade presta um grande serviço à esquerda portuguesa, aos intelectuais portugueses que aspiram pela liberdade de expressão. A Sociedade só é falada no momento em que é destruída. Fala-se dela em todo o mundo, culpando Salazar. E Salazar não gosta. Sente o abalo. (48-49)

Não cabendo aqui o comentário às afirmações de Pinheiro Torres, um aspeto pelo menos deve ser sublinhado: Luandino Vieira é, ou parece ser, um fator quase inexistente em todo este processo. O texto que se segue, do ABC – diário de Angola, constitui, segundo suponho, a primeira notícia publicada sobre a atribuição do Prémio de Novelística da S.P.E. Anterior ao rebentar da polémica, a nota apresenta um tom que não será acompanhado pela restante imprensa.

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| Os prémios

ABC – diário de Angola. Luanda. 16-V-1965, p. 1.

«Luuanda», de Luandino Vieira – 1.º prémio de novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores Notícias de Lisboa anunciam que a Sociedade Portuguesa de escritores deliberou, ontem, atribuir o primeiro prémio de Novelística (50.000$00) ao livro «Luuanda», de Luandino Vieira, já anteriormente galardoado com o Prémio Mota Veiga. Trata-se de uma distinção tanto mais honrosa quanto é certo que, não se tratando da obra de um sócio daquela colectividade, o aparecimento de «Luuanda» no certame só pode ser atribuído ao prévio conhecimento do seu mérito literário pelo júri do Concurso.

III. A rep(r)e(rcu)ssão política

A) Do Prémio de Novelística da

S.P.E.

Do Prémio de Novelística da SPE

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A notícia da atribuição do Grande Prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores a Luuanda foi acompanhada, no Diário de notícias e noutros jornais, de uma nota dando cona da identidade civil do premiado e da sua condição à época, cumprindo pena de 14 anos por «terrorismo». Nos dias seguintes e até ao fim do mês, a generalidade dos jornais, na metrópole e nas províncias ultramarinas, difunde uma intensa campanha contra a atribuição do prémio, visando também o júri, a Sociedade Portuguesa de Escritores e, acima de tudo, Luandino Vieira. Promovendo a imagem de uma nação unida na indignação e no repúdio de uma atitude considerada antipatriótica e que serviria interesses estrangeiros, essa campanha incluiu a publicação de editoriais e artigos, discursos e numerosos telegramas indignados, dirigidos ao Presidente do Conselho, aos ministros da Educação, do Ultramar, do Exército e do Interior, assinados por pessoas com responsabilidades na administração do estado (deputados, governadores civis, presidente de câmara), dirigentes de movimentos como a Mocidade Portuguesa ou o Movimento Nacional Feminino, mas também professores de diversos escalões e estudantes, assim como militares, ex-combatentes e seus familiares. Lendo os jornais com o mínimo de atenção, percebe-se que parte do material publicado é fornecido pela agência de notícias Lusitânia, o que explica, por um lado, as repetições que se detetam entre as peças dos vários jornais e, por outro, a circularidade das citações: jornais da metrópole transcrevem editoriais e notícias dos seus congéneres de Luanda ou de Lourenço Marques para provar a repulsa das colónias, ao passo que estes se referem aos primeiros para dar conta da indignação que se vive na metrópole. O material que se apresenta de seguida é apenas uma ilustração, mas que tentei que fosse representativa, do movimento orquestrado que se viveu há quase meio século. Inclui as peças publicadas pelos dois diários da metrópole que lideraram o processo (o Diário de notícias e o Diário da manhã, este último órgão da União Nacional), por dois jornais de Angola (o Diário de Luanda e o ABC) e por um outro de Moçambique (o Notícias, de Lourenço Marques). A nota dissonante é fornecida pelo ABC, que quase silencia a

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| A rep(r)e(rcu)ssão política

polémica, limitando-se a incluir um artigo de Dutra Faria difundido pela ANI (Agência de Notícias e Informação) e um conjunto de textos sobre o Prémio Mota Veiga do ano anterior, que estava agora a ser objeto de uma contestação retrospetiva. Os restantes órgãos de informação alinham no coro de repúdio e de pedido de responsabilidades e de castigo, apresentando contudo algumas diferenças, designadamente quanto ao grau de relevo atribuído ao caso e ao número de dias por que se estende a sua cobertura.

1. Na metrópole

1.1. No Diário de notícias

Diário de notícias

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Diário de notícias. Lisboa. 20-V-1965, p. 2.

Atribuídos os prémios literários da Sociedade dos Escritores Foram revelados os nomes dos galardoados com os prémios literários instituídos e patrocinados pela Sociedade Portuguesa dos Escritores. O PRÉMIO CAMILO CASTELO BRANCO, instituído pelo Grémio Nacional dos Editores e Livreiros e patrocinado pela Sociedade Portuguesa de Escritores, foi concedido por maioria, à escritora Isabel da Nóbrega pela sua obra «Viver com os Outros». O júri era constituído pelos escritores António Coimbra Martins, José Palla e Carmo, José Régio, Mário Dionísio e Óscar Lopes. O GRANDE PRÉMIO DE NOVELÍSTICA, o mais alto galardão para a novela portuguesa, foi atribuído por maioria ao escritor Luandino Vieira pelo seu livro «Luanda». Este prémio, na importância de 50 contos, foi instituído pela Sociedade Portuguesa de Escritores com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian e concedido, pela primeira vez, em 1963 a José Régio. O júri era constituído pelos escritores Alexandre Pinheiro Torres, Augusto Abelaira, Fernanda Botelho, João Gaspar Simões e Manuel da Fonseca. O GRANDE PRÉMIO DE ENSAIO, o mais alto galardão para o ensaio português, foi atribuído por maioria ao escritor Armando Castro pelo seu livro «Evolução Económica de Portugal – séc. XII a XV». Este prémio, na importância de 50 contos, foi instituído pela Sociedade Portuguesa de Escritores com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian e concedido pela primeira vez em 1963, ao escritor Mário Dionísio. O júri era constituído pelos escritores Augusto Saraiva, Castelo Branco Chaves, José Cardoso Pires, Mário Sacramento e Teixeira da Mota.

Um dos premiados foi terrorista em Angola e está a cumprir pena pelos seus crimes LONDRES, 20 – Em telegrama de Lisboa, distribuído pelas agências noticiosas, anuncia-se que círculos da oposição portuguesa declararam que um

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| A rep(r)e(rcu)ssão política

dos escritores distinguidos com os prémios anuais da Sociedade Portuguesa de Escritores estaria a cumprir uma pena de catorze anos de cadeia por actividades subversivas. Pouco depois foram distribuídos outros telegramas, também de Lisboa, anunciando que um informador oficial declarara que Luandino Vieira (o escritor distinguido com o Prémio do Conto, pelo seu livro «Luuanda») era o pseudónimo de José Vieira Mateus da Graça, que foi condenado a 22 de Junho de 1963, num tribunal de Luanda, a catorze anos de prisão, por crimes de terrorismo praticados na província de Angola, e não por actividades subversivas. O mesmo informador oficial teria declarado que certamente a Sociedade Portuguesa de Escritores concedera o prémio em virtude de não conhecer a verdadeira identidade daquele indivíduo acusado e condenado por crimes tão repugnantes. – (ANI).

Diário de notícias

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Diário de notícias. 21-V-1965, pp. 1 e 2.

A Fundação Gulbenkian vai rever a sua política em matéria de patrocínio de prémios Do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian recebemos o seguinte comunicado: 1. Os grandes prémios de poesia, teatro, novelística e ensaio, da Sociedade Portuguesa de escritores, foram por esta instituídos, com o patrocínio da Fundação, em 1961; 2. A Fundação não tem, nem nunca teve, qualquer intervenção, directa ou indirecta, na constituição dos juris [sic] que atribuem os prémios e nas suas resoluções; 3. Essas resoluções só lhe são comunicadas depois de definitivamente tomadas e não carecem da homologação da Fundação para serem válidas e executórias; 4. Assim, a Fundação limita-se a subsidiar uma instituição cultural portuguesa, legalmente constituída e em plena actividade, na realização de um dos seus fins estatutários; 5. Do anteriormente exposto resulta que a Fundação não tem qualquer responsabilidade pela maneira como têm sido atribuídos os referidos prémios; 6. Tendo, porém, em atenção certas circunstâncias vindas a público a propósito da atribuição, no ano corrente, de um dos ditos prémios, a Fundação não deixará de rever a sua política em matéria de patrocínio de prémios a atribuir por outras entidades, em ordem a evitar, se possível, que a atribuição eventualmente se realize com desvio dos fins que ela teve em vista ao patrociná-los.

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| A rep(r)e(rcu)ssão política Diário de notícias. Lisboa. 21-V-1965, pp. 1 e 2.

Estranheza em Angola pela atribuição de um prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores LUANDA, 20 – Foi com uma atitude de desprezo que a população consciente de Angola reagiu à notícia de que a Sociedade Portuguesa de Escritores atribuíra, em Lisboa, o «Grande Prémio de Novelística», ao autor do livro «Luanda», José Vieira Mateus[,] que usa o pseudónimo de Luandino Vieira. A Imprensa e a Rádio desta capital (com excepção de um único jornal, o diário «ABC – Diário de Angola») não fizeram a mais pequena referência à concessão insólita deste prémio. Apenas o silêncio, a mágoa, em muitos, pela estranha inconsciência e incompreensão de individualidades da Metrópole, que parece terem esquecido o ano trágico de 1961. Apenas o desprezo. Esta a reacção digna dos portugueses de Angola. Esta tarde o «Diário de Luanda» em artigo de fundo subordinado ao título «Que é isto?! Quem nos está traindo?!» escreve: «Da Metrópole nos veio a notícia. E de espanto esfregamos os olhos: Pois é possível que um terrorista – um dos que fomentaram o drama tremendo que causou tantas vítimas e contra o qual os nossos soldados continuam a bater-se para o conter, para impedir que os crimes de 1961 se renovem – seja premiado em Portugal metropolitano como uma personalidade normal?». O articulista lembra a seguir que o indivíduo em questão foi condenado a 14 anos de prisão por um tribunal de Luanda por crimes contra a Pátria, contra a integridade de Portugal, contra a vida e segurança dos portugueses de Angola. «Pois na Metrópole – prossegue o articulista – há uma entidade que se considera de intelectuais e escritores e entrega-lhe 50 contos recebidos da Fundação Gulbenkian: Já sabemos, já sabemos: Foi o juri… Mas que espécie de juri escolheu a Sociedade de Escritores?! E como não anulou o concurso ao verificar que o juri era dessa qualidade?

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Num país onde houvesse em todos os sectores a noção das responsabilidades o “Luandino Vieira”, José Vieira Mateus da Graça, não poderia sequer assistir ao concurso. Ele não é oposicionista, como tão depressa se fez mandar dizer aos jornais estrangeiros: é um traidor da Pátria. Compreendemos que a Sociedade Portuguesa de Escritores pode ter sido colhida de surpresa e que nem haja verificado a personalidade dos concorrentes. Mas o juri sabia: e a Sociedade deveria saber quem são as personalidades que constituem o juri. E todavia escolheu esse juri. Cabe-lhe pelo menos essa responsabilidade. Cabe-lhe a responsabilidade de haver aceite semelhante veredicto. Porque onde houvesse um pouco de portuguesismo, este facto – a decisão do juri e o conhecimento da personalidade de quem fora beneficiado com o prémio de novelística – devia provocar um movimento imediato de repulsa e a anulação do concurso e a revisão do juri. «Estão os nossos soldados a bater-se em Angola – continua o jornal –, padecem trabalhos, fadigas e riscos mortais. Muitos deles têm deixado aqui a vida imolada ao serviço da Pátria e da defesa dos portugueses de todas as raças e credos que no Ultramar vivem. Pois bem: Estes soldados que em Angola se batem, pela nossa tranquilidade e segurança, são atraiçoados na Metrópole, são vilipendiados por um juri que dá a sua cumplicidade aos assassinos, incendiários e violadores. Consente-se?! Fica válido e impune?! Aqui em Angola todos nos sentimos afrontados, tomados de indignação! É uma afronta: Afronta para os nossos soldados! Afronta para todos os que em Angola permanecemos para que Portugal aqui continue. Ousamos dizer que se nos deve uma reparação. Não vale a pena continuar a resistir se a traição nos apunhala pelas costas. Que o basta fazer sem repressão nem sequer desaprovação. Por nossa parte, como portugueses e angolanos, protestamos, protestamos, protestamos!». – (L.)

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| A rep(r)e(rcu)ssão política Diário de notícias. Lisboa. 22-V-1965, pp. 1 e 5.

Por despacho do Ministro da Educação Nacional foi extinta a Sociedade Portuguesa de Escritores Demissão de directores e sócios e telegramas de protesto de todo o País Era inevitável. A atribuição do «Prémio Camilo Castelo Branco» [sic], por um juri da Sociedade Portuguesa de Escritores, a Luandino Vieira, pseudónimo de um indivíduo preso em Luanda, a cumprir pena de 14 anos por crime de terrorismo, provocou a mais viva repulsa de todos os portugueses. Na Metrópole como no Ultramar, e de maneira mais sentida em Luanda, que justamente considerou a decisão do juri daquela Sociedade como um ultraje à memória dos mortos e à bravura dos vivos que se deram e dão pela Pátria. De todos os lados e dos mais diferentes sectores da vida portuguesa nos chegam as manifestações da repulsa de quem apenas sabe cultivar sentimentos patrióticos. Já ontem de manhã alguns escritores, dirigentes e sócios daquele organismo, apresentaram a sua demissão e, ao fim do dia, o ministro da Educação Nacional, prof. Galvão Teles, exarou o seguinte despacho: «Considerando que a Sociedade Portuguesa de Escritores, através do júri designado pelos seus corpos gerentes, atribuiu o Grande Prémio de Novelística a um indivíduo condenado criminalmente a 14 anos de prisão maior por actividades de terrorismo na província de Angola; Considerando que, apesar de tornadas do domínio público a identidade e a situação do mesmo indivíduo, nem o juri revogou aquela decisão nem os corpos gerentes a repudiaram; Considerando, com efeito, que tal repúdio se não contém, nem mesmo de forma implícita, no comunicado remetido pela direcção da Sociedade à Imprensa, e de que a mesma direcção me enviou cópia; Considerando a gravidade excepcional dos factos referidos, que, além do mais, profundamente ofendem o sentimento nacional, quando soldados portugueses tombam no Ultramar vítimas do terrorismo de que o premiado foi averiguadamente agente; Considerando que a situação exposta é legalmente justificativa de extinção da Sociedade em referência;

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Determino, nos termos do art. 4.º do decreto-lei n.º 39 560, de 20 de Maio de 1954, a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores».

A atitude dos escritores Joaquim Paço d’Arcos e Luís Forjaz Trigueiros Os escritores demissionários, dirigentes da Sociedade a que acima aludimos são Joaquim Paço d’Arcos, presidente da Assembleia Geral, e Luís Forjaz Trigueiros, vogal da Direcção. Na manhã de ontem cada um tomou a atitude que a sua consciência lhes ditou: Joaquim Paço d’Arcos, ilustre escritor e homem de letras, enviou ao vice-presidente da Assembleia Geral da Sociedade a seguinte carta: Não me permitindo as circunstâncias que vim encontrar no meu regresso do estrangeiro continuar a desempenhar em paz de consciência e com a convicção da utilidade do esforço que durante tantos anos desinteressadamente consagrei à Sociedade Portuguesa de Escritores – não me permitindo essas circunstâncias continuar a desempenhar as funções de presidente da Assembleia Geral da Sociedade, rogo-lhe o favor de assumir as referidas funções até que em assembleia geral seja preenchido o cargo que entendo de meu dever deixar de ocupar. Por seu turno, Luiz Forjaz Trigueiros, nosso ilustre colaborador e amigo, desligou-se da Sociedade pelas razões expressas na carta que remeteu ao director do «Diário de Notícias»: Tendo prestado, em várias circunstâncias desde a sua fundação, a minha desvaliosa mas leal colaboração à Sociedade Portuguesa de Escritores, aceitei há meses, embora com sacrifício da minha vida particular, pertencer mais uma vez aos respectivos corpos gerentes, agora como vogal da sua Direcção, pois não enjeito nunca as minhas responsabilidades de português e de escritor. Exactamente na mesma consciência e dadas as implicações nacionais dos factos agora ocorridos, entendo que não devo continuar a pertencer à Direcção da S.P.E. e nessa conformidade apresentei hoje mesmo o meu pedido

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| A rep(r)e(rcu)ssão política

de demissão ao respectivo presidente, considerando-me, a partir desta data, desligado da sua actividade.

Cunha Leão demitiu-se de sócio da Sociedade dos Escritores O ilustre escritor sr. dr. Cunha Leão dirigiu à Sociedade de que era sócio e foi antigo Director, o seguinte telegrama: «Dolorosamente surpreendido notícias e falta pronta explicação pública pela decisão maioria juri novela peço demissão sócio imperativo minha consciência lembrando alto espírito Jaime Cortesão com quem fiz parte direcção confiado possibilidade agremiar escritores mas portugueses. Permito-me tornar pública esta resolução – Cunha Leão».

Esclarecimento da Sociedade Portuguesa de Escritores Recebemos a seguinte nota: «A Direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores sente-se no dever de informar o seguinte: 1) – Desconhecia inteiramente a identidade do autor do livro Luuanda, subscrito pelo pseudónimo de Luandino Vieira, agora revelado por um telegrama da Agência A.N.I. proveniente de Londres e publicado nos jornais de hoje; 2) – O valor literário da obra em questão é atestado, além do mais, pela atribuição anterior dos seguintes prémios a Luandino Vieira: 1961 – 1.º prémio do Conto da Sociedade Cultural de Angola – Luanda; 1962 – 1.º prémio João Dias da Casa dos Estudantes do Império – Lisboa; 1963 – 1.º e 2.º prémios do Conto da Associação dos Naturais de Angola – Luanda; 1964 – 1.º prémio D. Maria José Abrantes Mota Veiga – Luanda, atribuído este ao livro acima citado; 3) – Como resulta não só do que anteriormente se disse mas também das directrizes a que, estatutàriamente, obedece a Sociedade Portuguesa de Escritores, a atribuição do «Grande Prémio de Novelística» baseou-se exclusiva-

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mente no valor literário da obra, de modo nenhum significando um juízo referente às actividades de que o autor é acusado; 4) – A Sociedade Portuguesa de Escritores estudará, atenta e objectivamente, todos os elementos de informação que lhe sejam fornecidos para o exame do problema agora levantado».

Uma subscrição até ao montante do prémio foi aberta em Luanda a favor das famílias dos primeiros militares angolanos caídos na defesa da Pátria A Associação dos Naturais de Angola enviou ao sr. ministro do Ultramar o seguinte telegrama: «Corpo directivo da Associação dos Naturais de Angola, reunido extraordinariamente, depois de ouvidos os seus associados de maior prestígio, deliberou, unanimemente, solicitar de V. Ex.ª se digne ser intérprete junte de Sua Ex.ª o Presidente do Conselho, da repugnância e do mais veemente protesto dos autênticos portugueses naturais desta província contra a antipatriótica decisão do juri da Sociedade de Escritores que se intitula portuguesa, atribuindo prémio pecuniário a favor do terrorista traidor José Vieira Mateus Graça. Tal facto identificará aquele juri com os inimigos de Portugal, a menos que se retrate imediatamente, anulando a sua decisão que quereríamos pressupor assente na ignorância do “curriculum” do autor oculto sob o pseudónimo. A “Anangola” deliberou, também, abrir nas colunas do seu “Jornal de Angola”, uma subscrição até ao montante igual àquele conspurcado “Prémio”, para ser repartido pelas famílias dos primeiros militares angolanos caídos na defesa da nossa Pátria Eterna Portuguesa em Março de 1961. Respeitosos cumprimentos reafirmando a nossa lealdade. Em nome da Associação dos Naturais de Angola, o presidente, Augusto Pita Groz Dias.»

Militares que lutaram no Ultramar manifestaram a maior indignação em telegramas dirigidos ao Ministro do Exército Entre os numerosíssimos telegramas de protesto recebidos no gabinete do ministro do Exército contam-se os seguintes:

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| A rep(r)e(rcu)ssão política

«Mutilados ao serviço da Pátria em tratamento no Hospital Militar, sentem a vergonha praticada pela Sociedade Portuguesa de Escritores, dando um prémio ao traidor angolano Luandino Vieira.» «Um grupo de combatentes regressado de Angola protesta indignadamente contra a atitude inclassificável da Sociedade Portuguesa de Escritores, premiando o comprovado traidor angolano Luandino Vieira e pedem a V. Ex.ª providências severas para desagravo da ofensa sofrida por quantos deram o sangue pela Pátria. a) Joaquim Gomes da Silva.» «Foi ofendida a honra das Forças Armadas e cuspida a glória dos que perderam a vida na defesa da Pátria. Pelos que vivem e pelos que morreram solicitamos exemplar punição à Sociedade Portuguesa de Escritores, que deu prémio ao traidor Luandino Vieira, terrorista de Angola. Por um grupo de sargentos de uma unidade de Lisboa, a) Rafael Gomes da Silva, primeiro-sargento.» «Tendo combatido em defesa da Pátria, em Angola, sinto grave ofensa ao nosso sacrifício feita pelo juri que premiou Luandino Vieira, condenado por traição à Pátria. Sociedade de Escritores ou de terroristas? a) António Perestrelo, primeiro-sargento.» «Premiar um traidor à Pátria é cometer uma traição à Pátria. A Sociedade Portuguesa de Escritores cometeu este crime que não pode ficar impune. A consciência nacional aguarda a punição. a) Joaquim Rodrigues.» «Um grupo de estudantes, ao tomar conhecimento da atitude antinacional da Sociedade Portuguesa de Escritores consagrando um traidor que se propunha vender Angola, protesta em nome da juventude e pede que se responsabilize a referida entidade pelo crime praticado.» «Protestamos contra a notícia publicada referente ao prémio concedido pela Sociedade Portuguesa de Escritores a Luandino Vieira, que consideramos ofensa grave ao sentimento nacional, visto premiar um traidor à Pátria. a) Fernando Pinto Rui Silva.» «Velho lavrador do Congo Português vítima do terrorismo, de passagem por Lisboa, condena a criminosa atitude da Sociedade de Escritores Portugueses premiando o traidor Luandino Vieira, a soldo do comunismo internacional. a) Gaspar de Meireles.» «Um grupo de professores primários, considerando inconcebível a decisão da Sociedade Portuguesa de Escritores, protesta contra o prémio conce-

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dido ao traidor Luandino Vieira, solicitando o merecido castigo pela criminosa atitude e vergonha nacional. a) Almerindo Roque da Cunha.» «Constitui suprema vergonha o procedimento da Sociedade dos Escritores Portugueses premiando um réu de alta traição. Protesto indignadamente, lamentando não podendo cuspir nos judas do juri, que não podem considerar-se portugueses. a) Raimundo da Conceição Silva.» «Considero acto de terrorismo na frente interna o procedimento da Sociedade de Escritores, que praticou crime igual ao de Luandino Vieira, de traição à Pátria, devendo ser dissolvida e condenada. a) António Alves Simões.» «Não posso calar a indignação causada pela notícia referente ao prémio concedido pela Sociedade Portuguesa de Escritores ao traidor condenado Luandino Vieira. Vergonhoso procedimento, ofende a Nação inteira, exigindo castigo imediato. a) Manuel Rocha.» «Inacreditável a notícia referente ao traidor Luandino Vieira, que solicita providências rigorosas no sentido da condenação dos membros do juri e o encerramento imediato da Sociedade Portuguesa de Escritores. Portugal foi ofendido, esperando desagravo. a) António Augusto dos Reis.» «Castigue-se exemplarmente a traição. Comecemos pela Sociedade de Escritores e não paremos mais. a) Rui Pinto Matias.» «Protesto contra a atitude de meia dúzia de imbecis que formaram o juri da novela. Não há prémio para traidores. a) António Jordão.» «Pedimos providências pela atitude da Sociedade de Escritores cuja traição envergonha o País e avilta os Portugueses. a) Artur Álvares.» «Um grupo de frequentadores do Café Avis tomou conhecimento da indignidade cometida pela Sociedade Portuguesa de Escritores premiando o nefando traidor Luandino Vieira, vendilhão da Pátria. A referida Sociedade mostrou ser cúmplice do crime de traição. Pedimos providências urgentes e castigo exemplar. a) Raimundo de Carvalho.» «Pedimos a Deus que nos livre da cáfila que pulula nos arraiais da intelectualidade sem brio e sem honra. Viva Portugal. a) Leonor Beça.» «A Sociedade Portuguesa de Escritores causa repulsa ao espírito patriótico da Nação. a) Jorge Salvador.» «Indignação geral da vila de Sardoal pela traição da Sociedade de Escritores. Exige-se castigo dos traidores. a) Arménio Monteiro.»

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| A rep(r)e(rcu)ssão política Telegramas recebidos no gabinete do Ministro da Educação Nacional

Também no gabinete do ministro da Educação Nacional foram recebidos numerosíssimos telegramas de protesto, de entre os quais transcrevemos os seguintes: «A «Revista Itinerários[»], dos antigos combatentes e universitários de Coimbra, exprime a V. Ex.ª o mais vigoroso protesto pela tendenciosa atribuição do prémio novelístico pela Sociedade de Escritores.» «O Núcleo de Faro da Liga dos Antigos Graduados da Mocidade Portuguesa expressa a V. Ex.ª a mais inteira solidariedade com os Portugueses de Angola no seu desgosto pela atribuição do prémio ao autor do livro «Luanda», que consideramos traição aos princípios sagrados em que nos formaram e queremos ver formada a juventude.» «A Câmara Municipal de Viseu apresenta o mais veemente protesto contra a concessão do prémio pela Sociedade de Escritores a um destacado elemento de desagregação nacional. a) O vice-presidente da Câmara.»

«Sobre uma traição, outra traição» – diz-se num telegrama dirigido à Presidência do Conselho De igual modo chegaram à Presidência do Conselho os seguintes telegramas: «Velho lavrador Congo português vítima terrorismo passagem Lisboa condeno criminosa atitude Sociedade de Escritores Portugueses premiando traidor Luandino Vieira a soldo comunismo internacional. a) Gaspar de Meireles.» «Grupo combatentes regressado Angola protesta indignadamente contra atitude inclassificável Sociedade Portuguesa Escritores premiando comprovado traidor angolano Luandino Vieira e pedem V. Ex.ª providências severas desagravo ofensa sofrida por quantos deram o sangue pela Pátria.» «Indignação geral da vila de Sardoal pela traição da Sociedade dos Escritores. Exige-se castigo dos traidores. a) Arménio Monteiro.»

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«Como verdadeiro patriota protesto com violência contra ignóbil e criminosa atitude Sociedade Portuguesa Escritores distinguindo Luandino Vieira cumprindo pena traição à Pátria. Sobre uma traição outra traição.» «Recordando gloriosa epopeia nossos soldados em Angola levamos V. Ex.ª veemência nossa indignação ofensa praticada Sociedade Escritores Portugueses distinguindo miserável traidor Luandino Vieira. Rogo V. Ex.ª indispensável castigo.» «Não há fumo sem fogo. A traição da Sociedade de Escritores é o fumo do fogo que os soldados combatem em Angola. a) César Gonçalves de Sousa.»

Protestos dirigidos ao «Diário de Notícias» Recebemos de Almeirim os dois telegramas que a seguir transcrevemos: «As filiadas do Movimento Nacional Feminino de Almeirim associam-se de todo o coração à repulsa e indignação manifestada pelo povo de Angola contra a atribuição de prémio feita pela Sociedade Portuguesa de Escritores a um traidor à Pátria. Sentem que o seu querido morto Joaquim Colares Cardoso estremece no seu túmulo por ver galardoado um daqueles que contribuiu para o seu sacrifício e de tantos portugueses que na terra querida de Angola têm caído em defesa da integridade da Pátria. Pedem a anulação do prémio atribuído. A comissão concelhia.» «Juventude de Almeirim soldados de amanhã não podem ficar inertes com a atribuição do grande prémio novelística a um homem condenado por traição à Pátria em 14 anos de prisão. Apresenta veementes protestos pedindo a anulação de tal prémio. Unidos nos mesmos ideais fazer um Portugal maior protestamos. Juventude, desporto e alegria.»

Entidades de prestígio no jornalismo e nas letras em Angola enviam para Lisboa uma mensagem de protesto LUANDA, 21 – Um grupo de homem de letras de Angola vai enviar para as entidades superiores em Lisboa uma mensagem de vibrante protesto e

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| A rep(r)e(rcu)ssão política

repulsa contra a actividade do juri da Sociedade Portuguesa de Escritores, considerando a sua decisão um insulto à cultura portuguesa e uma afronta a quantos trabalham e lutam nesta província. A mensagem, até este momento, tem mais de uma dezena de nomes de prestígio no jornalismo e nas letras de Angola. – «L.»

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Diário de notícias. 22-V-1965, p. 5.

Últimas notícias Assaltada a sede da Sociedade de Escritores Cerca de cinquenta desconhecidos assaltaram ontem, à noite, cerca das 22 horas, a sede da Sociedade Portuguesa de Escritores. Os assaltantes começaram por afixar, numa das portas de entrada, um dístico onde se podia ler: «Agência dos terroristas na Metrópole». Nas várias salas, nas paredes, viam-se, ainda, outras frases. Uma delas: «M.P.L.A. Sucursal». Todo o mobiliário foi completamente destruído. Portas e janelas danificadas. Candeeiros e molduras partidas. Máquinas de escrever e ficheiros inutilizados. Os prejuízos são elevadíssimos. Duas salas foram, no entanto, respeitadas: a biblioteca e a sala de reunião da direcção. Um grande retrato a óleo de Aquilino Ribeiro (fundador e primeiro presidente da Sociedade) não sofreu qualquer dano. O mesmo aconteceu às fotografias de Jaime Cortesão e Joaquim Paço d’Arcos.

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| A rep(r)e(rcu)ssão política Diário de notícias. 23-V-1965, p. 8.

O caso do Prémio de Novelística A repercussão na Província de Angola da decisão do Ministério da Educação Nacional LUANDA, 22 – Foi com um sentimento de vibrante satisfação que a opinião pública de Angola tomou conhecimento, de manhã, através da leitura dos matutinos, da decisão do ministro da Educação Nacional de extinguir a Sociedade de Escritores, dita portuguesa, cuja atitude, no caso da atribuição do Prémio de Novelística ao terrorista Mateus Graça, provocou em Angola a mais viva repulsa. Durante o dia afluíram às redacções, sobretudo às do «Diário de Luanda» e de «O Comércio», numerosos telegramas de toda a província, de pessoas dos mais variados sectores do pensamento, da cultura e das etnias, mas todas sentindo do mesmo modo o insulto cometido contra a cultura nacional, pois a obra premiada, além do sentido claramente comunizante exposto através da consabida tese da revolta social das classes menos protegidas, constitui um verdadeiro atentado contra a língua portuguesa, que é acintosamente conspurcada e deformada. Não obstante, foi publicamente apresentada por pretensos críticos, claramente filocomunistas, como marcando «o nascimento de uma nova língua». Um grupo de homens de letras, residentes ou nascidos em Angola, entre os quais alguns nomes de prestígio dentro e fora do País, galardoados com prémios literários provinciais, nacionais e estrangeiros, manifestaram já, junto das entidades competentes, a sua repulsa, que vão transmitir ao Governo, numa mensagem telegráfica.

Vigoroso artigo de «O Comércio», de Luanda, acusando os responsáveis pela atribuição do prémio As repercussões da oportuna medida governamental começaram já a surgir. Com grande destaque, o jornal «O Comércio» escreve:

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«Houve manobra. Tudo denuncia a sua existência. Mas falhou. Pois que tinha na base uma deformação cavilosa, tão evidente que contra ela se manifestaram intelectuais de reconhecida posição anti-situacionista, mas realmente portugueses acima de tudo. É de admitir que o verdadeiro protagonista não seja José Vieira Mateus da Graça. O protagonista e, tanto quanto se supõe, o “juri” – estranho juri nomeado pela Sociedade Portuguesa de Escritores em que parece terem assentado arraiais sombrios elementos dispostos a ferir tanto quanto possível a cultura portuguesa, e através dela a causa da sobrevivência nacional, pela qual se trabalha, se luta, se sofre e se morre em Angola. A triste personagem condenada por delitos confessados apenas serviu talvez de pedra, de simples peão do xadrez de sectários, que não recuam diante de nenhum processo para expandir o seu rancor e, no fundo, a sua traição em potencial. Lentamente, a pedra foi movida no plano singelamente regional para aparecer em plano nacional. Uma vez aí, tratou-se de a lançar numa jogada que tinha o fim de criar, lá fora, atmosfera propícia a mais campanhas antiportuguesas. Pode o presidente da extinta Sociedade de Escritores (que se dizia portuguesa) alegar desconhecimento da verdadeira identidade do autor da brochura apresentada ao precário juri. Não iríamos ao ponto de desmentir um homem que, por sua posição de professor catedrático – com graves e pesados deveres – tem de manter o culto da verdade, seja ela qual for, e por mais que lhe provoque sabor a cinza… No entanto, não poremos de parte a hipótese de existir ao seu redor, neste caso, uma teia perversamente emaranhada, para se atingir um objectivo criminoso e poder, no fim, lavar as mãos, declinar as responsabilidades e formular hipócritas desculpas…»

A Sociedade – forja de cúmplices de traidores à Pátria, em convivência para alimentar no estrangeiro a sórdida campanha contra Portugal «Os dirigentes da Sociedade foram ludibriados? – prossegue o articulista –. Poderíamos supô-lo ante a rápida série de demissões, de um vogal da direcção e do próprio presidente da assembleia geral. E não parece que tenham outro significado – além do natural protesto e da irreprimível repulsa – as outras exonerações que se seguiram. Desta forma, a Sociedade de Escrito-

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res (dita portuguesa) estava num perigo sério, apontada pela opinião pública nacional como forja de cúmplices, explícitos ou implícitos, de traidores à Pátria, em conivência directa ou indirecta, num conluio para alimentar lá fora a sórdida campanha contra Portugal. Se explorarem o argumento da ignorância e da inconsciência, apenas teremos de retorquir: Quem padece de tal ignorância e de tamanha irresponsabilidade não pode ocupar posições de tanto melindre, não tem categoria representativa, não deve estar em posições chaves. O juri, eis o protagonista central desta peça triste, mal montada, embora arteiramente congeminada. A questão poderia ficar por aqui, se não tivesse, como tem, implicações que transcendem os indivíduos. A afronta foi cometida. O facto foi praticado. O intuito está diante dos olhos de quem queira vê-lo. Não há expedientes suficientemente ardilosos que possam mascarar o que tão rápida e gritantemente se percebeu. A Fundação Gulbenkian, a todos os títulos respeitável, já tomou atitude. Não apenas a de lavar as mãos, o que seria plausível e simples. Vai mais longe, denunciando que tomará medidas para, de futuro, evitar que os seus dinheiros sirvam para desvios… E a Fundação tem motivos, já averiguados de certo, para vir a público fazer esta afirmação. Até por esse lado – se mais arestas não houvesse – a Sociedade de Escritores, portuguesa ao que se dizia, estava em causa de maneira aflitiva. De qualquer modo, tem de prestar contas. E desde já se observa que elas não são apresentáveis sem apresentar desvio quanto ao espírito do patrocínio concedido pela Fundação Gulbenkian. A gravidade deste facto não pode ser dissimulada. O Governo, pelo Ministério da Educação, deliberou e aplicou a deliberação. Aguardemos agora o resto, porque tem de haver necessariamente um resto: A pública e completa desafronta devida não apenas a nós, os de Angola, civis e militares, mas a todos os portugueses dignos da sua condição. Quantos [sic] aos mabecos da estranja – que já erguiam uivos ante a falsa carniça que os seus cúmplices lhe serviram – têm de reconhecer que, mais uma vez, uivaram à Lua… Podem estar certos – eles e os seus lacaios (porque os há) – de que nós em Angola sabemos como domar animais dessa espécie. Já o demonstrámos. Voltaremos a demonstrá-lo se necessário». – (ANI e L.)

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Os intelectuais de Angola dirigiram um telegrama ao Presidente do Conselho, de apoio ao Governo pela extinção da Sociedade de Escritores LUANDA, 22 – Foi enviado ao Presidente do Conselho o seguinte telegrama: «Um grupo de homens de letras de Angola, galardoados com prémios literários provinciais, nacionais ou estrangeiros, apoiam calorosamente a atitude do Governo extinguindo a Sociedade de Escritores, dita portuguesa, como responsável por grave afronta cometida contra a cultura portuguesa, atribuindo o Prémio de Novelística a uma obra que consideram absolutamente inferior, tanto na sua temática, como na efabulação. Além disso, ultraja deliberadamente o sagrado património da língua portuguesa, não se podendo igualmente esquecer as visíveis intenções políticas da sobredita obra, cujo autor foi condenado por graves responsabilidades do terrorismo que, desde 1961, ensanguenta Angola, enlutando tantas famílias portuguesas. Respeitosos cumprimentos. Óscar Ribas, Reis Ventura, Gabriel de Altamira, Agnelo de Oliveira, Alfredo Diogo Júnior, Mesquitela Lima, Martinho de Castro, António Pires, Almeida Santos, Lagrifa Fernandes, Mário Milheiros, Mário Mota, Horácio Silva e Ferreira da Costa». – (L).

Reacção dos jornais de Lourenço Marques LOURENÇO MARQUES, 22 – O caso da Sociedade Portuguesa de Escritores foi hoje referido na Imprensa desta cidade. O «Diário», em nota da Redacção, pediu que se investigue se há alguém na Sociedade de Escritores que deva ir fazer companhia ao escritor Mateus Graça. E afirma: «Dizemos isto, em memória dos portugueses assassinados nas mais horríveis condições; dizemo-lo, em nome dos portugueses que cá e lá continuam todos os dias o combate instigado por toda a espécie de Mateus de dentro e de fora. Impõe-se às autoridades um rigoroso inquérito sobre o lamentável caso, porque é também benevolência e brandura de tratamento certas atitudes ditas “intelectuais”, em que se gera o vírus causador do pesado tributo de sangue e vidas que pagaram e estão pagando muitos dos nossos irmão[s]».

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«O Notícias», sob o título «Lamentável e infeliz», teve considerações sobre o assunto e escreve, a certa altura[:] «Estranhamos que [a] um terrorista confesso, cumprindo pena de prisão, tivesse sido possível apresentar-se a um concurso literário de projecção e nível nacionais como aquele. Aí, e unicamente aí, é que nos parece estar a raiz do problema. Quanto ao resto, com toda a especulação justa e injusta que à sua volta se faça, todas as explicações e justificações que a propósito surjam, jamais esquecerá o incidente profundamente infeliz, profunda e lamentavelmente infeliz». – (ANI).

As demissões apresentadas por membros da Sociedade de Escritores Ao sr. ministro da Educação Nacional foi enviado o seguinte telegrama: «Venho avisar V. Ex.ª de que pedi ontem à Emissora Nacional que desse a notícia da minha demissão da Sociedade Portuguesa de Escritores, notícia que de facto não foi dada. – Artur Lambert da Fonseca.»

Mantém-se o movimento de protesto pela decisão tomada pelo juri responsável pela atribuição do prémio Na Presidência do Conselho e nos gabinetes dos srs. ministros do Ultramar, do Exército e da Educação Nacional continuaram a ser recebidos ontem numerosíssimos telegramas e outras missivas de protesto pela decisão do juri da Sociedade Portuguesa de Escritores de atribuir o prémio de literatura novelística a um indivíduo condenado criminalmente a catorze anos de prisão maior por actividades de terrorismo na província de Angola. De entre os referidos telegramas, salientamos o seguinte: «O Instituto de Angola, reunido em sessão extraordinária da sua direção, tendo tomado conhecimento de que a Sociedade Portuguesa de Escritores resolveu galardoar uma obra publicada por um criminoso condenado a catorze anos de prisão, de nome José Vieira Mateus Graça, autor de actividades terroristas que tantos milhares de vítimas causaram à Nação, protesta com a maior indignação contra a leviandade com que aquele organismo procedeu

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premiando um indivíduo que não passa de ruim traidor à Pátria e que indignamente correspondeu à instrução e evolução que Angola lhe facultou.» Dos muitos telegramas ainda chegados ontem ao gabinete do sr. ministro do Exército deve acentuar-se o facto de advirem, na quase totalidade, de elementos militares que estiveram a cumprir serviço em defesa da Pátria nas províncias de Angola e da Guiné e que, combatendo assim no campo de batalha, pelas armas, os inimigos de Portugal, não puderam deixar de exprimir a sua repulsa pela decisão de distinguir de qualquer modo e seja a que título for quem mereceu condenação, exactamente por ter pactuado com esses inimigos do País e criminosos que deram morte horrorosa a muitas centenas de compatriotas indefesos.

Telegrama do Ministro do Interior ao seu colega da Educação Da Régua, o sr. dr. Santos Júnior, ministro do Interior, enviou ao seu colega da Educação Nacional o seguinte telegrama: «Com minha inteira solidariedade firme decisão tomada, felicito V. Ex.ª despacho publicado manifestando repulsa triste atitude Sociedade de Escritores.»

Remetido para a folha oficial o despacho do Ministro da Educação Nacional O despacho do titular da pasta da Educação Nacional, a determinar a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores, foi remetido para a Imprensa Nacional, para publicação no «Diário do Governo», em correspondência com a norma legal de aprovação, em Setembro de 1956, dos estatutos da referida Sociedade. Entretanto, a letra do mesmo despacho foi transmitida pelo gabinete à Inspecção do Ensino Particular, departamento ao qual competem os assuntos respeitantes a associações culturais particulares, para ser comunicado aos corpos gerentes da instituição.

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Diário de notícias. 25-V-1965, p. 7.

A propósito do Prémio de Novelística Entendem os meios intelectuais de Angola a necessidade de guarnecer a «trincheira» da cultura portuguesa e defendê-la das infiltrações do inimigo LUANDA, 24 – Os meios intelectuais de Angola entendem que o episódio registado com o juri da Sociedade de Escritores revela a necessidade imprescindível de guarnecer e defender a «trincheira» da cultura portuguesa, mormente nos sectores de maior contacto com as massas populares. Entende-se que esse baluarte não pode estar à mercê de infiltrações do inimigo ou dos traidores, quer se trate de jornais, emissoras, editoras, importadoras e distribuidoras de livros e publicações. Focando o assunto, «O Comércio» insere um editorial sob o título «Trincheira Abandonada», no qual, depois de ponderar pormenorizadamente os aspetos da grande batalha entre a civilização ocidental e o marxismo, afirma: «Não escapámos, nós, portugueses, a sermos envolvidos nessa batalha. E não havia como escapar, uma vez que a península hispânica é posição-chave da velha Europa e a nossa contextura de nação pluricontinental faz-nos no presente em dilatadas partes do globo. Por isso, nas fronteiras da Guiné, como nas de Angola ou Moçambique, nos batemos também contra as hordas aliadas do marxismo internacional, empunhando armas indiferentemente enviadas da Rússia, da Checoslováquia, da China ou da Argélia. Isto não é mera imagem literária, porque está largamente comprovado nos arsenais capturados ao inimigo.» Mais adiante, depois de analisar os aspectos da infiltração comunista e o esforço nacional para manter invioláveis as nossas fronteiras, o articulista pergunta: «Mas fizemos quanto devíamos? Consolidámos convenientemente todas as posições? Guarnecemos devidamente todas as trincheiras? Factos bem recentes provam bem que não! Combatemos, peito aberto, o inimigo de armas na mão. Cuidamos de que ele não nos surpreenda na retaguarda. Vigiamos estreitamente as fronteiras terrestres, marítimas, fluviais e aéreas. Mas deixámos-lhe, lamentavelmente, aberta a trincheira da subversão

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dos espíritos com a máxima amplitude em todas as camadas do pensamento e da opinião.» A terminar e depois de analisar as possíveis causas dessa infiltração, afirma: «Pois bem: cremos chegado o momento de operar abertamente a recuperação dessa tão valiosa trincheira! Tal como nos combates de armas na mão, nenhuma posição está definitivamente perdida, enquanto restarem as possibilidades de rectificação dos movimentos e se dispuser de forças capazes de as levarem a cabo. Para isso, não basta expurgar de umas quantas pretensas “Páginas Literárias” os fermentos vivos da subversão, quer se apresentem com os verdadeiros nomes, quer ocultos sob disfarce ou pseudónimos. Há que ir mais além, contrapondo-lhes a divulgação insistente dos valores positivos da cultura portuguesa – e não só do passado e não só aqueles que uma errada política contemporizadora tem permitido que se atirem para a prateleira como ultrapassados – mas também com uma colaboração activa de valores actuais e de novos valores. Há uma importante trincheira que deixámos cair em poder do adversário, apenas porque a abandonámos – por comodismo, por desinteresse, até mesmo só para não pareceremos reaccionários e para querermos dar a impressão de progressistas – factos recentíssimos, cuja gravidade ninguém ousará minimizar, demonstram de modo concludente a importância dessa trincheira, que tão levianamente abandonámos. Reconquistemo-la, pois!» – (L.)

Telegramas de protesto contra a atitude da extinta Sociedade de Escritores Continua[m] a ser em número elevado os telegramas, cartões e outras missivas chegadas à Presidência do Conselho e aos gabinetes dos ministros do Ultramar, do Exército e da Educação Nacional, enviados por pessoas das mais diversas representações e categorias sociais, de protesto contra a decisão do juri da Sociedade Portuguesa de Escritores pela concessão do prémio da literatura novelística a um indivíduo condenado criminalmente por actividades de terrorismo na província de Angola, e simultaneamente de inteiro apoio ao despacho ministerial que determinou a extinção da referida Sociedade.

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Quanto aos telegramas recebidos no Ministério do Exército, os seus signatários são, em grande parte, militares de todas as patentes que estiveram em comissão de serviço no Ultramar e de famílias de outros que ali perderam a vida em campanha na luta contra os terroristas. Entre as mensagens de aplauso dirigidas ao sr. prof. Galvão Teles, titular da pasta da Educação Nacional, pelo seu despacho, registamos hoje os [sic] dos srs. presidente da Câmara Municipal de Lisboa; deputados Gonçalves Rodrigues, José Alberto de Carvalho, António Santos da Cunha e Baptista Felgueiras; governadores civis de Aveiro e de Braga; vice-reitor da Universidade de Lisboa; governador e administradores do Banco de Fomento; direcção da Sociedade Histórica da Independência de Portugal; embaixadores José Nosoloni e Xara Brasil; profs. drs. Gustavo Cordeiro Ramos, Joaquim Silva Godinho e Rios de Sousa; presidente da Comissão Regional de Turismo de Leiria; Agência de Lisboa da Liga dos Combatentes, delegação do Movimento Nacional Feminino de Viseu, Núcleo de Faro da Liga dos Antigos Graduados da M.P., Casa da Mocidade da Covilhã e Grémio da Lavoura de Alcácer do Sal; comissário nacional da M.P.; reitores dos liceus da Póvoa de Varzim, de Setúbal e de Viseu; padre José Gonçalves, de Beja; escritores Rodrigues Cavalheiro, Henrique António Pereira, Goulart Nogueira, Luís Nozes Tavares, Aníbal José e Manuela Reis; César Augusto e Manuel Lereno, em nome do Grupo de Teatro Gil Vicente; padre Ferreira da Silva, em nome da Congregação dos Irmãos Maristas de que é provincial; direcções do Externato Paiva Couceiro, de Mira de Aire, do Colégio de Estarreja, da Escola Académica, do Colégio de S. Francisco de Assis e da Escola Asilo de S. Pedro de Alcântara; professores do ensino primário dos concelhos de Belmonte, de Castelo Branco, de Castro de Aire, do Fundão, de Idanha-a-Nova, de Oleiros, de Pampilhosa da Serra, de Proença-a-Nova, da Sertã e de Vila de Rei; professores e alunos da Escola do Magistério Primário de Évora; presidentes dos Municípios de Águeda, Albufeira, Aveiro, Anadia, Arouca, Albergaria-a-Velha, Vila do Conde, S. Pedro do Sul, Baião, Viseu, Vale de Cambra, Murtosa, Nisa, Ovar, Espinho, Ílhavo, Fundão, S. João da Madeira, Oliveira do Bairro, Vagos, Sever do Vouga, Castelo de Paiva, Oliveira de Azeméis, Feira, Estarreja e Mealhada; revista «Itinerários», jornal «Combate», professores catedráticos, oficiais dos três ramos das Forças Armadas, magistrados, etc. Muitos estudantes dirigiram, também, telegramas de aplauso ao ministro Galvão Teles, nomeadamente o presidente da Associação de Estudantes de Medicina Veterinária, em nome da colectividade; o secretário-geral da Acção

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Académica, em nome dos filiados do patriótico movimento estudantil; e um numeroso grupo de estudantes universitários de Coimbra, a manifestarem a «sua profunda indignação pela torpe manobra política que constituiu a atribuição de um prémio a um terrorista angolano».

O protesto dos homens de letras de Angola Um dos muitos telegramas recebidos na Presidência do Conselho: «Grupo homens letras Angola galardoados prémios provinciais nacionais estrangeiros apoia calorosamente atitude Governo extinguindo Sociedade Escritores dita portuguesa como responsável grave afronta cometida contra cultura portuguesa atribuindo prémio novelística obra “Lunanda” [sic] que consideram absolutamente inferior tanto sua temática como efabulação além disso ultraja deliberadamente sagrado património língua portuguesa não podendo igualmente esquecer visíveis intenções políticas sobredita obra cujo autor foi condenado por graves responsabilidades terrorismo que desde 1961 ensanguenta Angola enlutando tantas famílias portuguesas. Respeitosos cumprimentos. Óscar Ribas, Reis Ventura, Gabriello Altamira, Agnelo Oliveira, Alfredo Diogo Júnior, Mesquitella [sic] Lima, Martinho Castro, António Pires, Almeida Santos, Lagrifa Fernandes, Mário Milheiros, Mário Mota, Horácio Silva e Ferreira da Costa».

Um telegrama do presidente da Fundação Gulbenkian ao governador-geral de Angola LUANDA, 24 – O presidente da Fundação Calouste Gulbenkian dirigiu ao governador-geral de Angola o seguinte telegrama: «Tenho a honra de informar V. Ex.ª que a Fundação Calouste Gulbenkian não tem qualquer intervenção na constituição dos juris que atribuem os prémios literários da Sociedade dos Escritores Portugueses, nem nas suas resoluções que só conhece depois de definitivamente tomadas e publicadas. A Fundação limita-se a subsidiar uma instituição cultural portuguesa legalmente constituída para o efeito de exercer um dos seus fins estatutários. Afirmo

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mais uma vez a V. Ex.ª a minha repulsa pelos actos de terrorismo praticados nessa província e a minha inteira solidariedade moral com as suas vítimas. Respeitosos cumprimentos. – Azeredo Perdigão.» – (L.)

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Diário de notícias. 26-V-1965, p. 11.

De todo o Portugal continuam a chegar telegramas manifestando a maior repulsa pela atitude da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores Na Presidência do Conselho e nos Ministérios da Educação Nacional, do Interior e do Ultramar continuam a ser recebidos telegramas e cartas exprimindo repulsa e desgosto – e exigindo muitos deles ainda exemplar castigo – pela atitude de um juri da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, atribuindo um prémio literário a um indivíduo preso e condenado a 14 anos de cadeia por actividade terrorista em Angola. Entre os telegramas recebidos contam-se os dos presidentes da[s] Câmara[s] Municipais de Guimarães, de Torres Vedras, de Oliveira do Hospital, de Vila do Conde e de Esposende, da escritora Odette de Saint-Maurice, da comissão da União Nacional do concelho da Feira e de Esposende, do Grémio da Lavoura de Arcos de Valdevez, dos comandantes distritais da Legião Portuguesa do Porto e de Aveiro, dos oficiais e graduados da Legião Portuguesa de Aveiro, do tenente-coronel Abílio Ferro, da Junta Municipal de Monchique, da Causa Monárquica e da Junta Distrital de Faro. Por sua vez a direcção da L.A.G.M.P., num vigoroso telegrama afirma: «Liga Antigos Graduados da Mocidade Portuguesa participa viva repulsa nacional actividades antipatrióticas Sociedade Escritores e lamenta perda vigor institucional política nacionalista tenha permitido a um traidor beneficiar sucessivos prémios pseudo literários após seu vil comportamento terras portuguesas de África. Em nome camaradas caídos defesa de Angola e dos que servem e se aprestam para servir nas províncias ultramarinas o ideal lusíada de um humanismo cristão e redentor com o maior empenho solicitamos indispensável revigoramento doutrinário e urgente revitalização das estruturas político-sociais criadas Revolução Nacional.» Abel Condesso, um oficial de Caçadores, enviou o seguinte telegrama: «Com autoridade que me dá ter ombreado em Angola com aqueles que ali vertem seu sangue em defesa sagrado solo pátrio, reclamo V. Ex.ª exemplar punição cobardes traidores Sociedade Antiportuguesa Escritores.»

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Impressionante[s] também os telegramas dos srs. Manuel Francisco Martins e capitão Henrique Tomé. Diz o primeiro: «Pai furriel Manuel Francisco Martins, morto pelos terroristas combate Angola, também pai furriel António Martins actualmente combatendo Angola apoia com fervor nobre única atitude Governo dissolvendo Sociedade Escritores.» Em seguida lê-se: «Pai combatente aviador Angola apresenta V. Ex.ª protestos máxima repulsa procedimento vergonhoso Sociedade Escritores, classifica criminoso.»

Telegrama do governador do Banco de Angola Ao sr. ministro do Ultramar enviou o governador do Banco de Angola, Carlos Moreira Rato, o seguinte telegrama: «Ao chegar Luanda tomei conhecimento indigna atitude Sociedade Portuguesa Escritores desejando manifestar imediatamente Vossa Excelência inteiro caloroso apoio posição tomada Governo Nação através despacho sr. ministro Educação Nacional que traduziu mais viva repulsa todos portugueses perante inqualificável agravo memória quantos tombaram defesa da Pátria ofendendo profundamente sentimento nacional. Respeitosos cumprimentos.»

Moçambique protesta contra a afronta LOURENÇO MARQUES, 25 – A Imprensa de Lourenço Marques continua a referir-se ao caso da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, transcrevendo os discursos ontem proferidos na sessão do Conselho Económico e Social da Província, «condenando a desonrosa atitude», e que terminou com um telegrama enviado ao ministro do Ultramar pelo governador-geral, general Costa Almeida, cujo texto é o seguinte: «Tenho a honra de transmitir o seguinte: o Conselho Económico e Social na reunião de hoje decidiu levar até Vossa Excelência seu unânime sentir de repulsa e de indignação pela atitude tomada pela Sociedade de Escritores que representa uma afronta a todos os portugueses. Melhores e mais respeitosos cumprimentos.» Por seu turno, os deputados por Moçambique, dizem:

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«Deputados Moçambique residentes presentemente nesta província solicitam a V. Ex.ª seja legítimo intérprete seus sentimentos veemente repulsa junto Senhor Presidente do Conselho contra atribuição prémio literário pela Sociedade dita Portuguesa de Escritores ao terrorista e traidor angolano Mateus Graça. Melhores cumprimentos. – Custódia Lopes, Fernando Frade, Manuel João Correia, Videira Pires.» E a Comissão Provincial do M.N.F. declara: «Comissão Provincial do Movimento Nacional Feminino de Moçambique com autoridade de ter sempre cumprido seu lema por Deus e pela Pátria apoiando com maior solicitude moral soldados Portugal expressa V. Ex.ª a mais sentida repulsa prémio concedido terrorista condenado hediondo crime Angola consideramos mais um acto contra alta moral com que portugueses defendem Pátria e futuro Nação.»

Foi ontem publicado no «Diário do Governo» o despacho que extinguiu a Sociedade Portuguesa de Escritores Na terceira série do «Diário do Governo» de ontem vem publicado o despacho do ministro da Educação Nacional que declara extinta, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio de 1954, a Sociedade Portuguesa de Escritores, com sede em Lisboa.

Uma nota do Governo-Geral de Angola LUANDA, 25 – Acaba de ser recebida pela Imprensa de Luanda a seguinte nota oficiosa do gabinete do Governador-Geral de Angola: «1.º – Tem o Governo-Geral da Província acompanhado atentamente o caso da atribuição de um prémio pela extinta Sociedade de Escritores. 2.º – A luz logo feita à volta do caso revelou uma série de acontecimentos, alguns ocorridos na província em épocas de administrações sucessivas cujas inter-relações importa ao bem público detectar e esclarecer.

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3.º – Assim o entendendo desde início o Governo-Geral determinou, oportunamente, ao serviço competente, uma averiguação completa de assunto tão grave». – (L.)

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Diário de notícias. Lisboa. 27-V-1965, pp. 1 e 5

Divulgada a sentença que condenou Luandino Vieira a catorze anos de prisão Provou-se que o réu pretendia fazer explodir bombas de plástico em Luanda para aterrorizar a população civil e que queria separar da Metrópole a Província de Angola LUANDA, 26 – José Vieira Mateus da Graça, que também usa o nome de Luandino Vieira, e a quem um juri da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores atribuiu um prémio literário, era membro da organização terrorista denominada Movimento Popular de Libertação de Angola – ou M.P.L.A. – e, entre outros crimes, pretendeu fazer explodir bombas de plástico na capital da província, com o objectivo de atingir a população civil. A sentença do julgamento a que foi submetido – proferida por unanimidade em 22 de Julho de 1963 – revela também que o Luandino Vieira tinha em vista separar Angola da Mãe-Pátria. O José Vieira Mateus da Graça foi julgado juntamente com dois outros indivíduos, todos acusados de haverem cometido em comparticipação (10.ª agravante do artigo 34.º do Código Penal – «ter sido o crime cometido por duas ou mais pessoas») o crime contra a segurança externa do Estado, previsto e punido pelo artigo 141.º, n.º 1, do referido Código Penal (artigo 141.º, n.º 1 – «Intentar por qualquer meio violento ou fraudulento ou com o auxílio estrangeiro, separar da Mãe-Pátria ou entregar a pais estrangeiro todo ou parte do território português, ou por qualquer desses meios ofender ou puser em perigo a independência do País»). A sentença, cujos termos foram agora divulgados, analisa a acusação deduzida pelo digníssimo promotor de Justiça, tendo dado como provados os crimes que a seguir se mencionam, pelos quais José Vieira Mateus da Graça foi condenado a catorze anos de prisão maior e na suspensão de todos os direitos políticos por tempo de oito anos, além das medidas de segurança de internamento pelo período de seis meses a três anos.

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Em 23 de Julho de 1959, foi o José Vieira Mateus da Graça detido por distribuição de panfletos e ligações com o Movimento Popular de Libertação de Angola. Posto em liberdade um mês depois, voltou a ser detido em Novembro de 1961, tendo confessado que seguia as directrizes do M.P.L.A., movimento de que se considerava membro e com o qual se tinha comprometido a enviar para Luanda bombas de plástico destinadas a provocar o terror entre a população. Aquele criminoso encontrava-se em Luanda durante os acontecimentos terroristas que ocorreram naquela cidade em 4 de Fevereiro de 1961 e logo se desdobrou em actividades contra a soberania portuguesa, estabelecendo íntimos contactos com outros indivíduos, entre os quais os dirigentes do M.P.L.A., residentes no estrangeiro, aos quais solicitou que montassem uma emissora, editassem um jornal e enviassem bombas de plástico para aterrorizar a população. Pretendeu então, em Agosto daquele ano de 1961, sair clandestinamente para o estrangeiro a fim de ele próprio trazer para Angola as citadas bombas de plástico. Vindo nessa ocasião à Metrópole, a fim de alcançar o seu objectivo, foi impedido de seguir viagem para Inglaterra, já dentro do avião no aeroporto das Pedras Rubras. Impossibilitado de conseguir o seu objectivo, partiu para Lisboa onde estabeleceu contacto com o estudante Costa Andrade com o fim de partir clandestinamente do País, o que não conseguiu. Nos primeiros dias de Outubro, o citado Costa Andrade escreveu-lhe de Itália informando-o das suas diligências quanto à pretendida saída clandestina e pondo-o ao corrente da opinião dos dirigentes do M.P.L.A., que era a de, por enquanto, nenhuma acção política ser desenvolvida por elementos brancos, em nome do «movimento», visto decorrerem negociações entre o mesmo e a U.P.A. para formação de uma frente única, pelo que era necessário tomar precauções tendentes a fazer abortar o boato, espalhado pela U.P.A., de que o M.P.L.A. era um «movimento de colonos». O criminoso imediatamente transmitiu essas instruções a outros indivíduos, através de um primo seu, António Júlio dos Santos Carpinteiro [sic], que se encontrava prestes a partir para Angola. «Com todo este procedimento – diz a sentença proferida pelo tribunal de Luanda – intentaram os réus, em comparticipação, separar da Mãe-Pátria a

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província portuguesa de Angola, recorrendo a meios fraudulentos, ao auxílio estrangeiro e procurando mesmo utilizar meios violentos». Assinala-se ainda, no mesmo documento, que o José Vieira Mateus da Graça enviou à África do Sul um dos réus com ele julgados a fim de estabelecer contactos com um cuanhama de nome Nangenja, então a viver naquele país, com vista a revoltar as gentes daquela tribo. Ainda em 1961 ou seja na ocasião mais aguda dos morticínios levados a cabo pelos terroristas no Norte de Angola, os réus procuraram estabelecer ligações com vista a assaltar e tomar a cidade de Moçâmedes, com o objectivo de dispersar as forças do Exército que tão heròicamente se batiam na região do Congo. O julgamento do José Vieira Mateus da Graça e dos outros dois procedeu-se no decurso de seis audiências de acordo com as formalidades legais, tendo os réus delegado a sua defesa nos respectivos patronos. O tribunal deu «como provados os factos e actividades praticadas e desenvolvidas pelos réus, tendentes à consecução, por eles pretendida, da independência desta província portuguesa de Angola, ou seja, da sua separação ou desintegração da mãe-pátria, por meios violentos e fraudulentos, que só não atingiram a fase final de execução, por razões independentes da vontade dos réus e, sobretudo, por intervenção oportuna da Polícia Internacional». A citada sentença refere ainda que «todos os réus, que mantinham entre si relações de amizade, que vinham de longa data, e afinidades literárias e ideológicas, já tinham estado presos em 1959 e, a seguir, sublinha que «volvidos apenas dois anos, depois de restituídos à liberdade, voltaram a ter actividades, com assiduidade e intensidade, nomeadamente por ocasião dos acontecimentos anormais e trágicos de Fevereiro e Março de 1961». O tribunal assinalou, depois, as atenuantes, tais como não terem os réus antecedentes criminais registados no respectivo certificado; não terem estimado as funestas e danosas consequências que para eles adviriam da prática dos crimes que, aliás, conscientemente, praticaram; a espontânea confissão dos factos e actividades incriminadas o que facilitou a descoberta do crime e dos seus agentes e ainda de outras pessoas nele implicadas. Pelos motivos decorrentes do que acima se referiu, o tribunal considerou que as atenuantes neutralizaram a agravante militante contra os réus, pelo que usaram de atenuação extraordinária do art.º 94, n.º 1 do Código Penal, fazendo baixar a penalidade do art.º 55, n.º 1 de dois escalões, para se situar

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no n.º 3 do referido artigo. Assim, o José Vieira Mateus da Graça foi condenado naquela pena de catorze anos de prisão maior. * Na Presidência do Conselho e nos ministérios do Ultramar e da Educação Nacional, em Lisboa, continuam a ser recebidos telegramas protestando contra a atitude da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores. Entre eles contam-se os assinados pelas seguintes individualidades e entidades: coronel Vitória, sargento Manuel António Nascimento, capitão Ramos Boavida, major Sá Cardoso, Antero Nobre, José Pinto Oliveira, presidente da Câmara Municipal de Guimarães, Teófilo da Cruz, Goulart Nogueira, César Augusto e Manuel Sereno, presidente da Câmara [de] Cabeceiras de Basto, coronel Pacheco, Solano de Almeida, Junta de Freguesia de Penalva de Alva, Graça Reis, Centro Popular de Cultura de Leiria, Comissão Concelhia da União Nacional de Coimbra, Eleutério Simões, António de Almeida Braga, Manuel Paulo Ribeiro, professores, funcionários e alunos da Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra, dr. Gabriel Medeiros Galvão, Acção Católica de Carregal do Sal, Junta Distrital de Faro, Comando Distrital de Bragança, comandante de terço de Castelo Branco, comandante de lança Lobão Ferreira, Miguel Lopes, legionários do distrito de Viseu, comandante de lança José Miguel, comandante de lança Normando, Rui Sacadura, Lança Dimas Fonseca, oficiais de milícia, graduados e legionários de Vila Real, oficiais, graduados e legionários de Chaves, Daniel Castanheira, Matos Parreira, Ernesto Antunes, Viriato Lima, José Boaventura, José Nobre, José Alexandre, José Sebastião, Bernardino Nobre, José Luzia, Manuel Joaquim, pessoal, direcção e agentes do ensino do distrito escolar de Guarda, oficiais, graduados e legionários de Viana do Castelo; Augusto dos Santos; comandante, oficiais e legionários do distrito de Braga, entre os quais figuram muitos ex-combatentes em Angola e na Guiné; comandante de terço, oficiais, milícia e legionários de Barcelos, Carvalho Monteiro, Câmara Municipal de Vila do Conde, Câmara Municipal de Barrancos, legionários de Vila Pouca de Aguiar, delegado de Sabrosa e seus legionários. Também a Junta Distrital de Lisboa, na reunião de ontem, presidida pelo sr. eng. Ribeiro Ferreira, manifestou o seu protesto contra a forma como foi atribuído o prémio novelístico por um júri da Sociedade Portuguesa de Escritores e apoiou inteiramente a atitude tomada pelo ministro da Educação Nacional ao extinguir aquela Sociedade.

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Diário de notícias. 28-V-1965, p. 9.

Continuam a ser recebidos telegramas de repúdio pela atitude da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores Na Presidência do Conselho e nos Ministérios do Ultramar e da Educação continuam a ser recebidos telegramas de repúdio pela atitude da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, entre os quais um do Governo-Geral de Moçambique, cujo texto é o seguinte: «Honra transmitir V. Ex.ª seguinte telegrama aprovado unanimidade: Conselho Legislativo de Moçambique, na sua primeira sessão depois de conhecida inqualificável atitude da já felizmente extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, atribuindo e mantendo prémio a terrorista responsável e como tal condenado, em nome respeito nos merecem nossos mortos, em nome total apoio damos nossos militares e como afirmação nossa perene vontade resistir todas as formas envenenamento vontade nacional, apresenta V. Ex.ª seu total, completo e indignado repúdio àquela atitude». Entre outros, foram também recebidos os seguintes telegramas: «Câmara Municipal Inhambane seu nome e no da população cidade manifesta V. Ex.ª sua repulsa e maior indignação pela inqualificável afronta atitude Sociedade Escritores concedendo um prémio literário a um traidor condenado como tal. Respeitosos cumprimentos – Município». «Movimento Nacional Feminino Viseu lamenta atitude Sociedade Escritores e renova o seu incondicional apoio Governo». «Como macaense portanto português não posso deixar manifestar V. Ex.ª mais viva repulsa indignação contra atribuição prémio terrorista tamanha afronta todos portugueses qualquer cor tão abnegadamente defendem nossa Pátria quer terras Ultramar quer Metrópole incondicional apoio Governo oportuna extinção Sociedade Escritores. Respeitosos cumprimentos – Oliveira Hagatong».

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Diário de notícias. 29-V-1965, p. 2.

Continuam os protestos pela atitude da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores Em resposta a um telegrama do sr. dr. José de Azeredo Perdigão, enviado em 21 do corrente e oportunamente publicado, foi ontem recebido na Fundação Calouste Gulbenkian o seguinte telegrama do sr. governador-geral de Angola: «Doutor Azeredo Perdigão, presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. Os elevados sentimentos que conduzem a prestimosa actividade da Fundação Gulbenkian são obviamente incompatíveis com actos de terrorismo de que foi vítima esta tão portuguesa província. Assim, a repulsa e a solidariedade tão prontamente agora manifestadas por V. Ex.ª vêm ao encontro do alto lugar em que colocamos a Fundação. Aceite V. Ex.ª, com os melhores cumprimentos, os votos de gratidão de Angola.»

O Senado Universitário de Lisboa manifesta a sua repulsa O Senado da Universidade de Lisboa, em sessão de 28 do corrente, aprovou a seguinte moção: «O Senado exprime o sentimento de comovido respeito pela memória de quantos têm sido vítimas do terrorismo nas províncias de além-mar, e associa-se à mensagem que o reitor da Universidade há dias tornou pública, de fervorosa homenagem a todos os universitários que têm dado a vida em sagrada defesa da integridade da Nação. É neste espírito que o Senado, pronunciando-se sobre o caso lamentável da atribuição de um prémio literário a quem foi judicialmente condenado e está cumprindo longa pena maior pelos mais nefandos dos crimes – terrorismo e traição à Pátria – considera ser seu dever, como instituição portuguesa com responsabilidades em matéria de educação, afirmar a mais veemente repulsa por esse facto tão grave, que teve e está tendo funda repercussão na comunidade nacional portuguesa».

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Transcreve-se a seguir a mensagem do reitor Paulo Cunha, a que se faz referência na moção, e foi dirigida ao reitor da Universidade de Coimbra, que estava então em Luanda para assistir à homenagem prestada aos universitários de Coimbra caídos em Angola no campo da honra: «Quero exprimir ao meu caro colega todo o fervor com que participo na tocante cerimónia de hoje em que, além de representado pelo professor Amaro Monteiro, da minha Universidade, estarei plenamente presente em espírito, curvando-me reverente perante a memória dos universitários que a morte infelizmente ceifou mas foram felizes ao serem chamados por Deus a dar a vida pelo supremo bem que é a Pátria.» Tendo-se perguntado quem interveio na votação da moção, obteve-se o esclarecimento de que não puderam estar presentes, na sessão do Senado, os professores Raul Ventura e Delfim Santos. A moção foi aprovada por todos os restantes membros do Senado, com a ressalva de que o professor Germano Sacarrão, comungando aliás no espírito patriótico da moção, não lhe deu, todavia, o seu voto, por preferir outra formulação, que propôs ao Senado.

Mais telegramas recebidos na Presidência do Conselho e no Ministério do Ultramar A propósito da atribuição do prémio de novelística pela extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, continuam a ser recebidos telegramas de protesto na Presidência do Conselho, entre os quais se destacam os assinados pelas seguintes entidades: deputado Carlos Coelho; João Manuel Leite de Castro, pelos dirigentes da Casa da Mocidade da Covilhã; Carlos Coelho, vice-presidente em exercício da Comissão Distrital da União Nacional de Castelo Branco; comandante da Ala da Covilhã da Mocidade Portuguesa, Rui Cavaca Marcos; comandante do Centro Escolar N.º 2 da Mocidade Portuguesa, Carlos Rosa Marques; Carlos Coelho, presidente da Comissão Regional de Turismo da Serra da Estrela; Ranito Baltasar, pai de um militar em serviço no Ultramar, e Paulo Rato Rainho, pelo Núcleo de Estudos Ultramarinos da Covilhã. Ao Ministério do Ultramar chegaram, entre outros, os telegramas do sr. Manuel Toscano, pai da primeira vítima do terrorismo em Angola; Fer-

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nando Cruz Gomes, editor da revista «Trópico de Luanda», e Monteiro Costa, pelas comissões distrital e conselhias [sic] da União Nacional de Inhambane.

1.2. No Diário da manhã

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Diário da manhã. Lisboa, 20-V-1965, p. 3.

Os Prémios Literários da Sociedade Portuguesa de Escritores O Prémio Camilo Castelo Branco, instituído pelo Grémio Nacional dos Editores e Livreiros e patrocinado pela Sociedade Portuguesa de Escritores, foi concedido à escritora Isabel da Nóbrega pela sua obra «Viver com outros» [sic]. O júri era constituído pelos escritores António Coimbra Martins, José Palla e Carmo, José Régio, Mário Dionísio e Óscar Lopes. O Grande Prémio de Novelística, galardão para a novela, foi atribuído por maioria ao escritor Luandino Vieira pelo seu livro «Luanda». Este prémio, na importância de 50 contos, foi instituído pela Sociedade Portuguesa de Escritores com o Patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian. O júri era constituído pelos escritores Alexandre Pinheiro Torres, Augusto Abelaira, Fernanda Botelho, João Gaspar Simões e Manuel da Fonseca. O Grande Prémio de Ensaio, foi atribuído por maioria ao escritor Armando de Castro pelo seu livro «A Evolução Económica de Portugal – Séc. XII a XV». Este prémio, na importância de 50 contos, foi instituído pela Sociedade Portuguesa de Escritores com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian. O júri era constituído pelos escritores Augusto Saraiva, Castelo Branco Chaves, José Cardoso Pires, Mário Sacramento e Teixeira da Mota.

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Diário da manhã. 21-V-1965, p. 1.

Perante a traição O caso é extremamente grave e parece-nos que não pode ficar em simples manifestações verbais, que os culpados recebem com sorrisos de ironia. Vejamos o que se passa. A Sociedade Portuguesa de Escritores comunicou à Imprensa que, entre os lauréis monetários que atribuíra, relativamente ao ano de 1964 – o Grande Prémio de Novelística, o mais alto galardão para a novela portuguesa, foi atribuído por maioria ao escritor Luandino Vieira pelo seu livro «Luanda». E acrescentava: – Este prémio, na importância de 50 contos, foi instituído pela Sociedade Portuguesa de Escritores com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian e concedido pela primeira vez, em 1963, a José Régio. Finalmente: – O júri era constituído pelos escritores Alexandre Pinheiro Torres, Augusto Abelaira, Fernanda Botelho, João Gaspar Simões e Manuel da Fonseca. No mesmo dia as agências noticiosas apressavam-se a comunicar para o estrangeiro que um dos escritores distinguidos com as láureas da Sociedade estaria a cumprir uma pena de catorze anos de cadeia por actividades subversivas. Esta notícia obrigou um informador oficial a dar conhecimento de que se tratava de Luandino Vieira, pseudónimo de José Vieira Mateus da Graça, condenado a 22 de Junho de 1963, num tribunal de Luanda, a catorze anos de prisão, por crimes de terrorismo praticados na província de Angola e não por actividades subversivas. Ninguém se admirará de que a actividade da Sociedade Portuguesa de Escritores se desenvolva em sentido contrário aos princípios fundamentais do Estado, Tem sido mais do que evidente a sua inclinação para os sectores caracterizados pelo fracciosismo vermelho. Não se ignora, por exemplo, o cuidado com que foi premiado há dois anos um comunista homiziado em Paris; nem a distinção concedida em 1963 a um livro que na Imprensa comunista italiana se anunciava como tendo sido proibido cm Portugal (o que era mentira). Mas, enfim, a Sociedade tinha existência permitida pelas autoridades e ninguém poderia estranhar que ela procedesse de acordo com as suas

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tendências. Quem não procedia conformemente aos fundamentos da própria existência eram as autoridades que consentiam. Mas agora o desaforo foi além do concebível. O júri, que não será faccioso na sua totalidade, mas o é com certeza na sua maioria (como convém), deu o prémio, não a um simples praticante de actividades subversivas, mas a um réu condenado e cumprindo pena por crimes de terrorismo. Depois, veio a pressa em comunicar o facto às agências noticiosas – para que ele fosse conhecido e explorado no estrangeiro. Desta forma a) pretendeu glorificar, com escândalo antipatriótico, um criminoso reconhecido e condenado pelo tribunal; b) comprometeu ainda mais a Sociedade Portuguesa de Escritores, deixando-a na situação gravíssima de ré perante o sangue português que o criminoso fez derramar e perante o sangue que a juventude portuguesa generosamente oferece para defender a Nação de outros criminosos como o premiado; c) ensombrou a generosa munificência de uma instituição benemérita, que viu entregues ao criminoso traidor à Pátria o donativo destinado ao artista não desonrado pelo mais feio dos procedimentos humanos. O escândalo já fez levantar um clamor de protestos justificados. Em Angola, principalmente, onde está fresco ainda o sangue vertido pelas vítimas dos terroristas, a indignação atinge alturas que bem se compreendem. Nós estamos em guerra contra os que pretendem desintegrar a comunidade portuguesa e para isso têm tentado todos os meios, inclusivamente o terrorismo. Na defesa da vida e da integridade da Nação, não nos temos poupado a sacrifícios. Há uma geração de rapazes a guarnecer, dia e noite, as nossas fronteiras atacadas, não fugindo a trabalhos, a esforços, a perigos, ao derramamento de sangue, e deixando por vezes algumas vidas imoladas pelas metralhadoras dos terroristas. Há milhares de famílias, há um povo inteiro com uma juventude heróica a bater-se. Se o que sucedeu com este caso da Sociedade Portuguesa de Escritores só pode definir-se pela palavra traição, pois é indispensável que os responsáveis dêem contas das suas más acções e sejam impedidos de uma vez para sempre de abusar de boas vontades e com-

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placências para minarem a integridade da Nação e espalharem as sementes da felonia. É urgente que os culpados, sejam eles quem forem, apresentem as hipócritas explicações que apresentarem, sejam chamados à responsabilidade. Exigem-no os mortos no campo da batalha. Exigem-nos as mães de luto e as lágrimas das noivas e das irmãs. Impõe-no a juventude em armas. É a Nação quem o quer. Ainda esta vez vamos ficar de braços cruzados?

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Diário da manhã. 21-V-1965, pp. 1 e 3.

Indignação e repulsa pelo facto incrível LUANDA, 20 de Maio Foi com uma atitude de desprezo que a população consciente de Angola reagiu à notícia de que a Sociedade Portuguesa de Escritores atribuíra, em Lisboa, o Grande Prémio de Novelística ao autor do livro «Luanda», José Viera Mateus, que usa o pseudónimo de Luandino Vieira. Trata-se de um criminoso confesso, que julgado num tribunal de Luanda, foi condenado a 14 anos de prisão por actos de terrorismo. Este facto dispensa comentários justificando a pronta reacção de Angola. Só o desprezo pode substituir, entre gente civilizada, quaisquer outras atitudes não menos legítimas e de carácter activo. A Imprensa e a Rádio desta capital (com excepção de um único jornal, o diário «ABC – Diário de Angola») não fizeram a mais pequena referência à concessão insólita deste prémio. Apenas o silêncio. A mágoa, em muitos, pela estranha inconsciência e incompreensão de individualidades da Metrópole que parece terem esquecido o ano trágico de 1961. Apenas o desprezo. Esta a reacção digna dos portugueses de Angola. – L.

Quem nos está traindo? – pergunta o «Diário de Luanda» LUANDA, 20 – Angola ficou espantada e indignada. Não compreende a atitude da Sociedade dos Escritores Portugueses nem a posição do juri que atribuiu o prémio de «novelística» deste ano nem com a finalidade que se pretendeu alcançar com tão insólito procedimento. Premiou-se um responsável directo dos morticínios de mulheres e crianças e horrendas cenas de canibalismo. Foi isso o que o juri fez, partilhando de certa maneira da sangrenta traição de um renegado odiento. Com efeito o indivíduo que o juri preferiu é um fautor do terrorismo criminoso e de algum modo responsável pelo assassinato de milhares de portugueses de todas as etnias no Norte do Angola. Num tribunal militar, após

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demoradas audiências, ficou iniludivelmente demonstrada a culpabilidade do indivíduo agora laureado pela Sociedade Portuguesa de Escritores. Este facto, entre as gentes de Angola – na realidade preparadas para suportar as mais chocantes incompreensões – não pode, mesmo assim, passar despercebido sem que unânimemente se levantem protestos. Por outro lado, os meios conhecidos por meios intelectuais de Angola, conhecedores há dias, antes de se anunciar a decisão do juri, da suspeitosa atribuição, contestam vivamente qualquer mérito da obra em causa. Não obstante verificar-se, logo a seguir ao conhecimento da atribuição do galardão, a mais completa e desdenhosa indiferença, o livro premiado jamais poderá, por qualquer forma, integrar-se em qualquer tipo de literatura, mesmo pretensamente angolana. Dada a sua linguagem absurda destituída de qualquer significado literário, coloca a Sociedade Portuguesa de Escritores num bêco sem saída cujos prejuízos para a cultura são de momento imprevisíveis. Escrito na grafia da linguagem oral dos «muceques», desprezando quaisquer regras de ortografia, quer do português quer de qualquer dos dialectos tradicionais de Angola, a atribuição de um prémio nacional – com dinheiro da Gulbenkian – a tal chocarrice não pode deixar de levar a supor que se está em presença de um acto gratuito por parte de um juri tendencioso ou irresponsável. Angola protesta, com mágua [sic] e repulsa. E algum desprezo também. E a opinião pública responsável começou já a levantar a sua voz. Esta tarde o «Diário de Luanda» em artigo de fundo subordinado ao título «Que é isto?» «Quem nos está traindo?!», escreve: – «Da Metrópole nos veio a notícia. E de espanto esfregamos os olhos. Pois é possível que um terrorista – um dos que fomentaram o drama tremendo que causou tantas vítimas e contra o qual os nossos soldados continuam a bater-se para o conter, para impedir que os crimes de 1961 se renovem – seja premiado em Portugal metropolitano como uma personalidade normal?» O articulista lembra a seguir que o indivíduo em questão foi condenado a 14 anos de prisão por um tribunal de Luanda por crimes contra a Pátria, contra a integridade de Portugal, contra a vida e segurança dos portugueses de Angola. – «Pois na Metrópole – prossegue o articulista – há uma entidade que se considera de intelectuais, escritores e entrega-lhe 50 contos recebidos da Fundação Gulbenkian!»

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Já sabemos, já sabemos! Foi o juri… Mas que espécie de juri escolheu a Sociedade de Escritores?! E como não anulou o concurso ao verificar que o juri era dessa qualidade?

Ele não é um simples oposicionista Num país onde houvesse em todos os sectores a noção das responsabilidades o «Luandino Vieira», José Vieira Mateus da Graça, não poderia sequer assistir ao concurso. Ele não é um oposicionista, como tão depressa se fez mandar dizer aos jornais estrangeiros; é um traidor da Pátria. Compreendemos que a Sociedade Portuguesa de Escritores pode ter sido colhida de surpresa e que nem haja verificado a personalidade dos concorrentes. Mas o juri sabia; e a Sociedade deveria saber quem são as personalidades que constituem o juri. E todavia escolheu este juri… Cabe-lhe pelo menos essa responsabilidade. Cabe-lhe a responsabilidade de haver aceite semelhante veredicto. Porque onde houvesse um pouco de portuguesismo, este facto – a decisão do juri e o conhecimento da personalidade de quem fora beneficiado com o prémio de «novelística» – devia provocar um movimento imediato de repulsa e a anulação do concurso e a revisão do juri». «Estão os nossos soldados a bater-se em Angola – continua o jornal – padecem trabalhos, fadigas e riscos mortais. Muitos deles têm deixado aqui a vida emolada [sic] no serviço da Pátria e da defesa dos portugueses de todas as raças e credos que no Ultramar vivem. Pois bem! Estes soldados que em Angola se batem, pela nossa tranquilidade e segurança, são atraiçoados na Metrópole, são vilipendiados por um juri que dá a sua cumplicidade aos assassinos, incendiários e violadores. Consente-se?! Fica válido e impune?! Aqui em Angola todos nos sentimos afrontados, tomados de indignação! É uma afronta! Afronta para os nossos soldados! Afronta para todos os que em Angola permanecemos para que Portugal aqui continue. Ousamos dizer que se nos deve uma reparação. Não vale a pena continuar a resistir se a traição nos apunhala pelas costas.

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Que o pode fazer sem repressão nem sequer desaprovação. Por nossa parte, como portugueses e angolanos protestamos, protestamos, protestamos!» – L.

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Diário da manhã. 21-V-1965, p. 3.

A Fundação Gulbenkian expõe a sua posição O conselho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian torna público: 1.º) Os Grandes Prémios de Poesia, Teatro, Novelística e Ensaio, da Sociedade Portuguesa de Escritores, foram por esta instituídos, com o patrocínio da Fundação, em 1961; 2.º) A Fundação não tem, nem nunca teve, qualquer intervenção, directa ou indirecta, na constituição dos juris que atribuem os prémios e nas suas resoluções; 3.º) Essas resoluções só lhe são comunicadas depois de definitivamente tomadas e não carecem da homologação da Fundação para serem válidas e executórias; 4.º) Assim, a Fundação limita-se a subsidiar uma instituição cultural portuguesa legalmente constituída e em plena actividade, na realização de um dos seus fins estatutários; 5.º) Do anteriormente exposto, resulta que a Fundação não tem qualquer responsabilidade pela maneira como têm sido atribuídos os referidos prémios; 6.º) Tendo, porém, em atenção certas circunstâncias vindas a público a propósito da atribuição, no ano corrente, de um dos ditos prémios, a Fundação não deixará de rever a sua política em matéria de patrocínio de prémios a atribuir por outras entidades, em ordem a evitar, se possível, que a atribuição eventualmente se realize com desvio dos fins que ela teve em vista ao patrociná-los.

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Diário da manhã. 21-V-1965, p. 3.

Não nos surpreende a notícia – escreve «O Comércio» de Angola LUANDA, 21 – O jornal diário «O Comércio» publica um vigoroso editorial sobre o prémio atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores ao terrorista José Vieira Mateus Graça. Escreve: – «Não nos surpreendeu a notícia relativa a certo livro preferido por uns senhores da Sociedade de Escritores Portugueses. E não houve surpresa, porque dias antes do júri ter divulgado a sua decisão já esta aparecera em público, de onde se concluirá, sem exorbitar que a habitual coincidência mantida pelo júri foi, desta vez, considerada incómoda e posta de parte. Porquê? Para quê? Eis o primeiro ponto a anotar pois talvez contenha na essência a explicação do restante. Houve ligações e entendimentos. E daí a divulgação do que em princípio e segundo regra em concursos se deveria manter em sigilo. Eis um aspecto curioso que deverá ser apreciado por quem pretenda destrinçar o assunto. Depois temos a decisão do juri. Em primeiro lugar ele apreciou uma brochura firmada por alguém que utiliza o pseudónimo e não o seu verdadeiro nome: José Vieira Mateus Graça. Assim, o vulgo poderia supor que os respectivos componentes do júri ignoravam a identidade do autor e procederam segundo essa ignorância. No entanto, a questão é diferente. O nome exacto do autor da obra apresentada deve ser mencionado há [sic] data do concurso. E os membros do júri, por sua posição e suas responsabilidades, tinham necessàriamente de saber que se tratava de um indivíduo integrado em actividades contra a Nação Portuguesa e ainda responsável pelo hediondo massacre de homens, mulheres e crianças, pretos, brancos e mestiços, cometidos cm Angola. José Vieira Mateus Graça é pois um renegado, que além de renegado, atraiçoou, que além de traição foi cúmplice directo e demonstrado de crimes de genocídio pelos quais respondeu e foi condenado a 14 anos de prisão. Qualquer confusão, parôla ou intencional, entre oposicionismo e traição à Pátria Portuguesa, será diluída por quem possua dois dedos de senso comum. Os oposicionistas honrados não exprimem e não querem aceitar que desta forma cavilosa se pretende insinuar que a oposição é sinónimo de traição.

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Temos visto autores claramente não situacionistas premiados, distinguidos, por situacionistas e ninguém fez reparos. Não havia que fazê-los. Tratava-se, trata-se de portugueses, que discordando embora do regime ou de algum dos seus processos, mantêm honestamente, inflexivelmente, a fidelidade a Portugal, ao sangue que lhes corre nas veias, e à linguagem que os situa entre os intelectuais do Mundo culto. José Vieira Mateus Graça não é homem da oposição. É traidor confesso, implicado nos horrendos crimes cometidos em Angola. Só não distinguirá as diferenças, quem quiser ignorá-las. E é aqui que surge inevitavelmente a pergunta: Em que cilada perversa caiu o júri da Sociedade Portuguesa de Escritores, ou uma parte dos indivíduos que o constituíram?

A tese da ignorância não é aceitável A tese da ignorância não é aceitável. A da confusão apenas inspirará desdenhoso cepticismo de quantos, oposicionistas ou não, situam Portugal acima das divergências circunstanciais. Foi essa confusão realmente que se pretendeu estabelecer desde começo e na qual ainda caíram alguns ingénuos ou sectários irreflectidos. Mas depressa se destece a teia e os campos ficaram delimitados. O júri perdido em cisma literário não conhecia isto?» O articulista prossegue: – «Não avaliaram sequer o significado que poderá ser atribuído ao seu insólito gesto? São interrogações que certamente hão-de obter resposta no âmbito adequado, porque tudo isto salta para fora, muito para além dos temas puramente literários. Há na Sociedade de Escritores Portugueses professores catedráticos, altos funcionários, personalidades de relevo da vida pública nacional. São portugueses e, por conseguinte, com deveres elementares ante a Pátria, a sua cultura, o seu prestígio no Mundo, a sua defesa a quem tente lá fora, ou cá dentro, feri-la e amesquinhá-la». E o editorialista concluiu: «Resta um ponto: O júri decidiu por maioria. Houve, pois, quem recalcitrasse, quem discordasse, quem quisesse contrariar o que viria a ser anunciado com gáudio estranho e com inusitada antecipação. Sobre esse júri cai hoje, de maneira muito especial, a dúvida de todos nós os que trabalham e lutam em Angola. Até que ponto teve noção para ungir quem desferiu golpes,

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traiçoeiros e sangrentos, contra os portugueses de Angola e contra a integridade nacional? Até que ponto procedeu consciente de que se manchava também de sangue e de dor? Nós sabemos, porque muitas vezes tem sido dito que existe um terrorismo na retaguarda. Deveremos entender que o júri, em parte pelo menos lhe pertence? Acolhemos o caso com a viva repulsa que ele merece. E aos estrangeiros que por maldade ou parvoíce não hesitem em tragar a verdade impingida com propósitos já conhecidos apenas diremos: Não, esse sujeito não é um português discordante do regime, é apenas um traidor. Fautor de crimes sangrentos. E o júri que praticou o deslize grave de premiá-lo demonstrou, pelo menos, irresponsabilidade. Se mais intuitos houve é questão a esclarecer. Porque tem de ser esclarecida. Reclama-o a memória dos nossos mortos, esse milhar de inocentes trucidados pela sanha feroz de bandos alucinados. Reclama-o a memória dos militares que já caíram pela Pátria. Reclama-o quantos continuam aqui a combater e a labutar. Exige-o a própria consciência nacional.

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Diário da manhã. 21-V-1965, p. 3.

O protesto da Associação dos Naturais de Angola LUANDA, 21 – Reuniu hoje extraordinàriamente a direcção da Associação dos Naturais de Angola, que, perante a insólita atitude da Sociedade Portuguesa de Escritores ao atribuir o prémio literário de «Novelística» a José Vieira Mateus, terrorista condenado por um tribunal de Luanda a 14 anos de prisão, deliberou enviar o seguinte telegrama ao sr. Prof. Dr. Silva Cunha, Ministro do Ultramar: «O Corpo directivo da Associação dos Naturais de Angola, reunido extraordinàriamente, depois de ouvidos os seus associados de maior prestígio, deliberou unânimemente solicitar a V. Ex.ª que se digne ser intérprete junto de Sua Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho da repugnância e do mais veemente protesto dos autênticos portugueses naturais desta província contra a antipatriótica decisão do júri da Sociedade dos Escritores que se intitula portuguesa, atribuindo o prémio pecuniário a favor do terrorista e traidor José Vieira Mateus Graça. Tal facto identificará aquele júri com os inimigos de Portugal, a menos que se retrate imediatamente, anulando a sua decisão que quereríamos pressupor assente na ignorância do “curriculum vitae” do autor oculto sob pseudónimo. A Anangola deliberou também abrir nas colunas do “Jornal de Angola” uma subscrição até ao montante igual àquele conspurcado prémio, para ser repartido pelas famílias dos primeiros militares angolanos caídos na defesa da nossa Pátria eterna e bem portuguesa, em Março de 1961. Respeitosos cumprimentos reafirmando a nossa lealdade. Em nome da Associação dos Naturais de Angola, o presidente, Augusto Pita-Grós Dias». – L.

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Diário da manhã. 22-V-1965, p. 1.

As evidentes responsabilidades A reacção que desencadeou entre nós e sobretudo no Ultramar a atribuição do prémio de novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores constitui uma salutar demonstração de patriotismo que responde com magnífica espontaneidade à decisão inconcebível de um júri transviado, cego pela paixão facciosa e incapaz de medir a sua responsabilidade. É claro que a resolução não foi tomada por unanimidade, o que, dado o sigilo do voto, permite a cada um dos membros deste júri alegar uma inteira inocência neste assunto, designando por extremistas aqueles que o são menos e até aqueles que de todo o não sejam e que a rigor se não possam qualificar de vermelhos. É este um dos males dos órgãos colectivos que, pela própria lei da sua composição, geram os equívocos e favorecem as interpretações dúbias, ainda mesmo em casos de especial gravidade. Seria, no entanto, excesso de complacência admitir como boa esta forma de evasão quando se encontram em jogo interesses nacionais tão densos. Não se percebe que, considerando o significado da decisão, aqueles que votaram contra não se sentissem obrigados a marcar a sua posição, quebrando um segredo de Polichinelo para reconhecerem valores mais profundos e essenciais e rompendo uma solidariedade de silêncio que era excessivamente pesada. Mas seria injusto verberar apenas o procedimento do júri e esquecer que ele se insere num quadro e num clima em que são possíveis acidentes desta natureza e que até os postulam. Não se ignora de que lado sopram os ventos dominantes na Sociedade Portuguesa de Escritores, que se arroga uma espécie de representação para-corporativa relativamente a uma forma de labor intelectual que, também ela, deve ser a sua ética. Por isso mesmo, uma resolução tomada no seio dessa instituição não podia causar surpresa de maior. Até mesmo aquela que veio agora a lume e se tornou motivo legítimo de escândalo e repulsa. Não se esqueça o que é ainda mais importante: a atmosfera em que entre nós se processa quanto se refere ao fenómeno literário, na zona em que circu-

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lam as páginas e páginas da especialidade, nas quais pontificam os chefes de fila de uma crítica orientada toda ela para a arbitrária valorização dos representantes de tendências a respeito de cujo sinal ninguém pode equivocar-se. Assim se formou o mito de uma «inteligência» voltada para a negação do que há de mais alto e de mais nobre, como se o nosso panorama intelectual se reduzisse a esta expressão falsificada e como se não houvesse entre nós pessoas válidas que professem ideais portugueses. Não há razão para nos admirarmos porque se nos não revelou de repente aquilo que já tínhamos obrigação de saber. Sòmente poderá dizer-se que a impunidade conduziu a uma espantosa manifestação de imprudência e que desta vez se exagerou. No andar de baixo deste mundo confuso das artes e letras, onde só têm direito de cidade os que rejeitam os mais autênticos valores, ou, pelo menos, não admitem a ordem que os consagra, tudo se integra numa convenção que supostamente abstrai da substância das coisas e as qualifica exclusivamente em função de um mérito formal, sempre discutível. Por esse caminho se atingiu o ponto a que se chegou agora, conferindo um prémio ao qual se empresta categoria nacional a um terrorista confesso. Para tanto era preciso esquecer que, em África, a juventude portuguesa se bate e morre para sustentar a integridade da Pátria, dando a vida pelo que tem a marca do eterno e escrevendo com sangue uma epopeia, enquanto que outros, numa triste exibição, insultuosamente parodiam o seu gesto votivo. Factos como este colocam-nos em frente de uma realidade que não pode nem deve ocultar-se. A união dos portugueses de boa vontade só é possível na base do repúdio daqueles que são contra a Pátria e que diàriamente a atraiçoam, daqueles que não pertencem pela alma à comunidade nacional. E não se pretenda um estatuto de excepção para aqueles que praticam os malabarismos do estilo. Escrever bem pode ter sua importância, mas não basta para resgatar as culpas irredimíveis.

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Diário da manhã. 22-V-1965, pp. 1 e 3.

Quando nos traem Quando se fundou a Sociedade Portuguesa de Escritores nós fomos convidados para nela ingressar. Crentes de que se tratava, na verdade, de uma associação de escritores com mira exclusiva de promover, num plano do mais elevado espírito de convivência e de tolerância humanas, o prestígio das letras nacionais – para além das paixões políticas – aceitámos de boa fé o convite. Logo, porém, ao assistirmos a uma primeira reunião pública da referida Sociedade, verificámos, com tristeza, que o nível das discussões e as manobras políticas que as inspiravam estavam longe de corresponder à boa fé que nos levara a assinar o boletim de inscrição. Não acabámos a sessão, saímos da sala volvido pouco tempo, e nunca mais lá voltámos. Pretendemos então deixar de ser sócio, uma vez que nos havíamos enganado na porta. Não era ali com certeza uma Sociedade de Escritores. Aconselharam-nos camaradas nossos, nas letras e nas ideias, que ficássemos, pois era necessário não abandonar o campo (já que de uma sociedade literária se pretendia fazer barricada política) aos que dele desejavam tomar conta para atacar, directa ou indirectamente, um regime que havia restaurado e dignificado a Pátria Portuguesa. Limitámo-nos por isso, honestamente, a pagar, sem uma falha, as quotas (o que parece, pelo que ouvimos já naquela única sessão a que assistíramos, não ser feito por alguns dos mais apaixonados nas discussões acintosamente políticas) e a aguardar o momento de sermos úteis às boas letras e à causa nacionalista, quando para isso nos chamassem. Fomos agora perplexamente surpreendidos, como todo o País, como todos os portugueses que o são de facto, pela atribuição, através da Sociedade de que ainda éramos sócio, de um prémio literário a um traidor à Pátria. Traídos também, ontem mesmo, às primeiras horas da manhã, saímos de uma casa onde pràticamente nunca houvéramos entrado, e só lamentamos que o dinheiro das quotas que lá ficou não possa aumentar a subscrição aberta pela Anangola nas colunas do «Jornal de Angola», no montante do cons-

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purcado prémio, destinada a ser repartida pelas famílias dos primeiros militares caídos no campo da honra, em defesa da Pátria, no Norte da mui nossa província de Angola. J. P.

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Diário da manhã. 22-V-1965, pp. 1 e 7.

Extinta a Sociedade Portuguesa de Escritores O Ministro da Educação Nacional assinou, ontem, o seguinte despacho: Considerando que a Sociedade Portuguesa de Escritores, através de júri designado pelos seus corpos gerentes, atribuiu o Grande Prémio de Novelística a um indivíduo condenado criminalmente a 14 anos de prisão maior por actividades de terrorismo na Província de Angola; Considerando que, apesar de tornadas do domínio público a identidade e a situação do mesmo indivíduo, nem o júri revogou aquela decisão nem os corpos gerentes a repudiaram; Considerando, com efeito, que tal repúdio se não contém, nem mesmo de forma implícita, no comunicado remetido pela direcção da Sociedade à Imprensa, e de que a mesma direcção me enviou cópia; Considerando a gravidade excepcional dos factos referidos que, além do mais, profundamente ofendem o sentimento nacional, quando soldados portugueses tombam no Ultramar vítimas do terrorismo de que o premiado foi averiguadamente agente; Considerando que a situação exposta é legalmente justificativa da extinção da Sociedade em referência; Determino, nos termos do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio de 1954, a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores.

Comunicado da Sociedade Recebemos o seguinte comunicado: A Direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores sente-se no dever de informar o seguinte: 1) Desconhecia inteiramente a identidade do autor do livro Luuanda, subscrito pelo pseudónimo de Luandino Vieira, agora revelado por um telegrama da Agência ANI proveniente de Londres e publicado nos jornais de hoje;

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2) O valor literário da obra em questão é atestado, além do mais, pela atribuição anterior dos seguintes prémios a Luandino Vieira: 1961 – 1.º prémio do Conto da Sociedade Cultural de Angola – Luanda; 1962 – 1.º prémio João Dias da Casa dos Estudantes do Império – Lisboa; 1963 – 1.º e 2.º prémios do Conto da Associação dos Naturais de Angola – Luanda; 1964 – 1.º prémio D. Maria José Abrantes Mota Veiga – Luanda, atribuído este ao livro acima citado; 3) Como resulta não só do que anteriormente se disse mas também das directrizes a que, estatutariamente, obedece a Sociedade Portuguesa de Escritores, a atribuição do «Grande Prémio de Novelística» baseou-se exclusivamente no valor literário da obra, de modo nenhum significando um juízo referente às actividades de que o autor é acusado; 4) A Sociedade Portuguesa de Escritores estudará, atenta e objectivamente, todos os elementos de informação que lhe sejam fornecidos para o exame do problema agora levantado.

Telegramas de protesto recebidos na Presidência do Conselho Na Presidência do Conselho têm sido recebidos numerosos telegramas de protesto contra a atribuição de um prémio literário pela Sociedade Portuguesa de Escritores, entre os quais destacamos os seguintes: «Tendo combatido defesa da Pátria em Angola sinto grave ofensa ao nosso sacrifício feita júri que premiou Luandino Vieira, condenado por traição à Pátria. Sociedade de Escritores ou de Terroristas? a) 1.º sargento António Perestrelo.» «Excelência: Portugal inteiro – metropolitano, ultramarino e insular – está efervescente pela atribuição prémio Sociedade Portuguesa Escritores ao terrorista Luandino Vieira. V. Ex.ª não deixará de observar se estamos na presença de quem premeia o terrorismo. Portugal morre de desgosto se esse prémio se mantiver! Tem tempo de o premiar quando cumprida a sentença e depois de provar inequìvocamente que é um criminoso arrependido, para o que, algo de muito importante, é preciso ele fazer. Praticar o mal – e que mal! e dizer-se arrependido, é insuficiente! Com a mais elevada consideração a) António Gomes Pinto.»

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«Os traidores premiaram um traidor à Pátria. Fora com eles. a) António Sabino.» «Pedimos a Deus nos livre da cáfila que pulula nos arrais da intelectualidade sem brio e sem honra. Viva Portugal. a) Leonor de Beça.» «Grupo estudantes nacionalistas tomaram conhecimento atitude antinacional Sociedade Portuguesa Escritores consagrando um traidor que se propunha vender Angola nossa juventude protesta e pede se responsabilize referida entidade crime praticado.»

Antigos combatentes subscrevem telegramas enviados ao Ministro do Exército Entre os numerosíssimos telegramas de protesto recebidos no gabinete do Ministro do Exército contam-se os seguintes: «Mutilados ao serviço da Pátria em tratamento no Hospital Militar sentem a vergonha praticada pela Sociedade Portuguesa de Escritores dando um prémio ao traidor angolano Luandino Vieira.» «Um grupo de combatentes regressado de Angola protesta indignadamente contra a atitude inclassificável da Sociedade Portuguesa de Escritores, premiando o comprovado traidor angolano Luandino Vieira e pedem a V. Ex.ª providências severas para desagravo da ofensa sofrida por quantos deram o sangue pela Pátria. a) Joaquim Gomes da Silva.» «Foi ofendida a honra das forças armadas e cuspida a glória dos que perderam a vida na defesa da Pátria. Pelos que vivem e pelos que morreram solicitamos exemplar punição à Sociedade Portuguesa de Escritores, que deu prémio ao traidor Luandino Vieira terrorista de Angola. Por um grupo de sargentos de uma unidade de Lisboa, a) Rafael Gomes da Silva, 1.º sargento.» «Tendo combatido em defesa da Pátria em Angola, sinto grave ofensa ao nosso sacrifício feita pelo júri que premiou Luandino Vieira, condenado por traição à Pátria. Sociedade de Escritores ou de terroristas? a) António Perestrelo, 1.º sargento.» «Premiar um traidor à Pátria é cometer uma traição à Pátria. A Sociedade Portuguesa de Escritores cometeu este crime que não pode ficar impune. A

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consciência nacional aguarda a punição. a) Um ex-combatente da Guiné, Joaquim Rodrigues.» «Um grupo de estudantes, ao tomar conhecimento da atitude antinacional da Sociedade Portuguesa de Escritores consagrando um traidor que se propunha vender Angola, protesta em nome da juventude e pede que se responsabilize a referida entidade pelo crime praticado.» «Protestamos contra a notícia publicada referente ao prémio concedido pela Sociedade Portuguesa de Escritores a Luandino Vieira, que consideramos ofensa grave ao sentimento nacional, visto premiar um traidor à Pátria. a) Fernando Pinto Rui Silva.» «Velho lavrador do Congo Português vítima do terrorismo, de passagem por Lisboa, condena a criminosa atitude da Sociedade de Escritores Portugueses premiando o traidor Luandino Vieira, a soldo do comunismo internacional. a) Gaspar de Meireles.» «Um grupo de professores primários considerando inconcebível a decisão da Sociedade Portuguesa de Escritores, protesta contra o prémio concedido ao traidor Luandino Vieira, solicitando o merecido castigo pela criminosa atitude e vergonha nacional. a) Almerindo Roque da Cunha.» «Constitui suprema vergonha o procedimento da Sociedade dos Escritores Portugueses premiando um réu de alta traição. Protesto indignadamente, lamentando não podendo cuspir nos judas do júri, que não podem considerar-se portugueses. a) Raimundo da Conceição Silva.» «Considero acto de terrorismo na frente interna o procedimento da Sociedade de Escritores, que praticou crime igual ao de Luandino Vieira, de traição à Pátria, devendo ser dissolvida e condenada. a) António Alves Simões.» «Não posso calar a indignação causada pela notícia referente ao prémio concedido pela Sociedade Portuguesa de Escritores ao traidor condenado Luandino Vieira. Vergonhoso procedimento, ofende a Nação inteira, exigindo castigo imediato. a) Manuel Rocha.» «Inacreditável a notícia referente ao traidor Luandino Vieira, que solicita providências rigorosas no sentido da condenação dos membros do júri e o encerramento imediato da Sociedade Portuguesa de Escritores. Portugal foi ofendido, esperando desagravo. a) António Augusto dos Reis.»

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«Castigue-se exemplarmente a traição. Comecemos pela Sociedade de Escritores e não paremos mais. a) Rui Pinto Matias.» «Protesto contra a atitude de meia dúzia de imbecis que formaram o júri da novela. Não há prémios para traidores. a) António Jordão.» «Pedimos providências pela atitude da Sociedade de Escritores cuja traição envergonha o País e avilta os Portugueses. a) Artur Álvares.» «Um grupo de frequentadores do Café Aviz tomou conhecimento da indignidade cometida pela Sociedade Portuguesa de Escritores premiando o nefando traidor Luandino Vieira, vendilhão da Pátria. A referida Sociedade mostrou ser cúmplice do crime de traição. Pedimos providências urgentes e castigo exemplar. a) Raimundo de Carvalho.» «Pedimos a Deus que nos livre da cáfila que pulula nos arraiais da intelectualidade sem brio e sem honra. Viva Portugal. a) Leonor Beça.» «A Sociedade Portuguesa de Escritores causa repulsa ao espírito patriótico da Nação. a) Jorge Salvador.» «Indignação geral da vila de Sardoal pela traição da Sociedade de Escritores. Exige-se castigo dos traidores. a) Arménio Monteiro.»

Mensagens dirigidas ao Ministro da Educação Também no gabinete do Ministro da Educação Nacional foram recebidos numerosíssimos telegramas de protesto, de entre os quais transcrevemos os seguintes: «A Revista Itinerários», dos antigos combatentes universitários de Coimbra exprime a V. Ex.ª o mais vigoroso protesto pela tendenciosa atribuição do prémio novelístico pela Sociedade de Escritores.» «O Núcleo de Faro da Liga dos Antigos Graduados da Mocidade Portuguesa expressa a V. Ex.ª a mais inteira solidariedade com os Portugueses de Angola no seu desgosto pela atribuição do prémio ao autor do livro «Luanda», que consideramos traição aos princípios sagrados em que nos formaram e queremos ver formada a juventude.» «A Câmara Municipal de Viseu apresenta o mais veemente protesto contra a concessão do prémio pela Sociedade de Escritores a um destacado elemento de desagregação nacional. a) O vice-presidente da Câmara.»

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Mensagem de intelectuais de Angola LUANDA, 21 – Um grupo de homens de letras de Angola vai enviar para as entidades superiores em Lisboa uma mensagem de vibrante protesto e repulsa contra a actividade do júri da Sociedade Portuguesa de Escritores, considerando a sua decisão um insulto à cultura portuguesa e uma afronta a quantos trabalham e lutam nesta província. A mensagem, até este momento, tem mais de uma dezena de nomes de prestígio no jornalismo e nas letras de Angola. – L.

Demissões Pediram, ontem, de manhã a demissão dos cargos de presidente da assembleia geral e de vogal da direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores, respectivamente, Joaquim Paço d’Arcos e Luís Forjaz Trigueiros. Demitiu-se de membro do júri do Prémio da Revelação a escritora Ester de Lemos. Comunicou igualmente a sua demissão de sócio o Dr. Cunha Leão, antigo director da Sociedade.

A indignação manifesta-se Ao princípio da noite um grupo de populares, ao que se supõe constituído por estudantes e por antigos combatentes de Angola, manifestou-se em frente da sede da Sociedade Portuguesa de Escritores, dando largas, vibrantemente, à sua indignação pela atribuição do prémio literário a um terrorista. Em virtude desta manifestação resultaram alguns danos materiais.

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Diário da manhã. 22-V-1965, p. 1.

Consagrou-se o terrorista O Dr. Ângelo César enviou ontem a seguinte carta ao Prof. Dr. Jacinto Prado Coelho, presidente da direcção da Sociedade Portuguesa de Autores: «Aceitando um convite para tal recebido, inscrevi-me entre aqueles que constituíram o elenco inicial dos membros da Sociedade Portuguesa de Escritores. Sou o seu sócio n.º 236. Tenho observado as suas manifestações de objetivos políticos; a sua mal contida reacção contra o Estado; tenho verificado que nunca, nem sequer implicitamente, se mostrou atenta à guerra que Portugal mantém, defendendo-se, no Ultramar. Agora, culminando essa reacção e este silêncio, um júri por ela instituído atribuiu o Grande Prémio da Novelística ao escritor Luandino Vieira, pela sua autoria do livro “Luanda”. Luandino Vieira é o nome literário do português renegado José Vieira Mateus da Graça, condenado em pena maior (que está cumprindo) pela sua intervenção em crimes de terrorismo, praticados na província de Angola. Os membros do júri não poderiam ignorar que o premiado é aquele criminoso. E V. Ex.ª, se o não sabia, tem agora dessa identidade conhecimento bastante. Ninguém com um mínimo de discernimento e de seriedade intelectual, poderá não ver na atribuição do referido prémio uma forma positiva de solidariedade para com o premiado. Consagrando-se o escritor, consagrou-se, também, o terrorista! A atribuição do prémio foi um crime contra a Pátria. Esta qualificação é rigorosamente jurídica, porque na Comunidade Portuguesa a Moral é Lei – é a primeira Lei – e a Moral obriga-nos a sermos fiéis à Pátria, a sermos incompatíveis com os seus inimigos. Porque assim é, no sereno e firme cumprimento do meu dever de português, venho informar V. Ex.ª de que se cumprir o seu, sem demora e sem reticências, terá o meu aplauso de consócio e de concidadão; mas que, se o

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não cumprir, V. Ex.ª não é digno de ocupar o cargo de presidente da direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores. A V. Ex.ª apresento os cumprimentos que lhe forem devidos segundo a forma como proceder».

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Diário da manhã. 23-V-1965, p. 1.

Um despacho ministerial Impunha-se a decisão que foi tomada pelo Ministro da Educação, num tempo mínimo e em termos de uma inexcedível clareza. Chegadas as coisas ao ponto a que tinham chegado, não havia outro caminho a seguir e a resolução ministerial correspondeu plenamente ao que era lícito esperar. O assunto foi resolvido com desassombro e coragem, não subsistindo qualquer margem para equívocos. É o que só se consegue quando se enfrentam as responsabilidades com a energia que as circunstâncias requerem, optando-se pela cirurgia de preferência a recorrer aos emolientes, de efeito mais que falível. Neste caso, o tumor foi extirpado e ficou limpo o campo operatório. O que constitui resultado excelente pelo qual deve sem restrições felicitar-se o Governo. Em condições normais e se o escândalo não tivesse atingido as proporções que atingiu, invadindo uma zona em que não pode ser tolerada qualquer situação dúbia, porventura se admitiria que se confiasse da própria Sociedade a tarefa de depuração que tinha de ser executada, em ordem a restituir ao corpo colectivo um salutar equilíbrio, indispensável ao exercício da missão de utilidade comum, isto no caso de vir a concluir-se que esta deveria ser realizada através de uma associação desse tipo. A verdade, porém, é que a solução do assunto não podia ser retardada e que era impossível encarar outra hipótese que não fosse a de extinguir a Sociedade que se cobrira de vergonha através do seu procedimento inqualificável. Quando conferiu o prémio «nacional» de novelística ao terrorista Mateus da Graça, a Sociedade excedeu todos os limites e só a cegueira gerada pela constante impunidade evitaria que desse conta de praticar um gesto suicida. O comunicado pelo qual se encerrou com chave de ouro a carreira da Sociedade confirmou isso mesmo. Em face da reacção suscitada no público ao revelar-se toda a virulência do mal, o que fez a Sociedade? Repudiou a decisão tomada? Manifestou arrependimento? Reconheceu a sua culpa? Nada disso: limitou-se a uma tentativa de explicar o que não tinha explicação possível e fê-lo sem mostrar contrição de qualquer espécie. Quer isto dizer que

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se julgava inatingível ou que preferia correr todos os riscos a desiludir os extremistas que formavam a sua espinha dorsal e que lhe não perdoariam um acto público de arrependimento. O que nos diz o comunicado? Diz-nos que a Sociedade desconhecia qual fosse a verdadeira identidade de Luandino Vieira, o que, de resto, ninguém acredita, porque só por excesso de ingenuidade se admitiria que se não indicasse o premiado, ainda que mais não fosse para receber a quantia que lhe foi atribuída e desde que não tivesse de o fazer para o simples efeito de se candidatar à recompensa. Diz-nos mais que o valor literário da obra de Luandino Vieira foi atestado pela concessão de prémios anteriores, o que é um argumento de primeira qualidade porque não faz sentido e deve ser caso inédito um júri basear-se na opinião de outros júris para justificar uma decisão própria, de sua inteira responsabilidade. A Sociedade, porque falou em «valor literário», entendeu acrescentar que se baseava exclusivamente nesse critério de modo algum exprimindo uma opinião sobre «as actividades de que o autor é acusado» e acerca das quais, ainda mesmo à beira do fim, entendeu abster-se de pronunciar uma palavra de repulsa, não hesitando sequer em adoptar uma fórmula que esquivava o reconhecimento dos factos e chamava acusação à condenação. Nem mesmo houve concessão no parágrafo terminal do documento. A Sociedade estudaria os elementos que viessem a ser-lhe fornecidos, a título informativo, para o «exame do problema agora levantado». Nem mesmo na hora última a Sociedade capitulou, protestando rever o assunto. Limitou-se a deitar lastro, prometendo, evidentemente para efeitos futuros, estudar a matéria, provàvelmente para ratificar o que estava feito e proclamar a sua fidelidade ao princípio de que a Ética nada tem que ver com as Letras, pelo que amanhã poderia figurar, entre os seus laureados, o próprio Holden Roberto, com ou sem pseudónimo. Não. Não havia outra coisa a fazer que não fosse extinguir a Sociedade que teimava no erro e que se mostrava incapaz de escolher a linha recta. O despacho do Ministro da Educação era necessário e não podia ser outro. À Sociedade de Escritores resta agora o recurso de se reorganizar na clandestinidade, mas é natural que o condicionalismo particular de uma exis-

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tência secreta não favoreça o culto rendido aos intelectuais do Marxismo, não faça subir a cifra das tiragens e não reforce a convicção de que os extremistas possuem entre nós o monopólio da inteligência. Não podia declinar-se a obrigação de uma desafronta que correspondesse aos vivos sentimentos de indignação de quantos, pensem como pensarem, pensam portuguêsmente. A Pátria está acima das contingências de uma hora em que muitas coisas parecem em crise e não pode permitir-se que seja vilipendiada e escarnecida pelos que a rejeitam em nome de mitos que terão a sorte de tantos outros mitos que o tempo enterrou. A retaguarda tem de merecer a confiança que nela depositam aqueles que se batem e morrem nas três frentes da África Portuguesa, impelidos por uma certeza interior que se radica no sentimento e na razão. Atitudes como aquela que verberamos insultam o sacrifício dos combatentes, a sua dádiva suprema, o seu heroísmo espontâneo, a grandeza da sua missão. É preciso que os que morrem por Portugal saibam que Portugal os merece e merece as suas vidas moças e generosas. O despacho ministerial não foi sòmente uma intervenção de ordem pública entendida no seu mais largo significado. Teve, também, o sentido de uma reparação.

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Diário da manhã. 23-V-1965, pp. 1 e 8.

A Nação unida em defesa da sua dignidade De todos os pontos do País chegam a Lisboa protestos contra a decisão do júri da S.P.E. De todos os sectores da vida portuguesa continuam a chegar aos Ministérios da Educação Nacional, do Ultramar e a organismos representativos da província de Angola, telegramas e mensagens de protesto, pela atribuição do Grande Prémio de Novelística – 1964 pela Sociedade Portuguesa de Escritores. Na Presidência do Conselho e nos gabinetes dos Ministros do Ultramar, do Exército e da Educação Nacional continuaram a ser recebidos ontem numerosíssimos telegramas e outras missivas de protesto pela decisão do júri da Sociedade Portuguesa de Escritores, que um despacho ministerial mandou extinguir, como noticiámos, de atribuir o prémio de literatura novelística a um indivíduo condenado criminalmente a catorze anos de prisão maior por actividades de terrorismo na província de Angola. Dos muitos telegramas ainda chegados ontem ao gabinete do Ministro do Exército deve acentuar-se o facto de advirem, na sua quase totalidade, de elementos militares que estiveram a cumprir serviço em defesa da Pátria nas províncias de Angola e da Guiné e que, combatendo assim no campo de batalha, pelas armas, os inimigos de Portugal, não puderam deixar de exprimir a sua repulsa pela decisão de distinguir de qualquer modo e seja a que título for quem mereceu condenação exactamente por ter pactuado com esses inimigos do País e criminosos que deram morte horrorosa a muitas centenas de compatriotas indefesos. Ontem, de manhã, da Régua, o Dr. Santos Júnior, Ministro do Interior, enviou ao seu colega da Educação Nacional o seguinte telegrama: «Com minha inteira solidariedade, firme decisão tomada, felicito V. Ex.ª despacho publicado manifestando repulsa triste atitude Sociedade de Escritores.»

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| A rep(r)e(rcu)ssão política Apoio ao despacho do Ministro da Educação

Quanto aos telegramas dirigidos ao Ministro da Educação Nacional, destacamos a seguir alguns dos que manifestam absoluto apoio àquele membro do Governo na determinação que tomou de mandar extinguir a mencionada Sociedade: «Na qualidade de Prof. da Universidade Técnica de Lisboa, manifesto a V. Ex.ª a minha inteira concordância com a doutrina do despacho que extingue a Sociedade Portuguesa de Escritores. Respeitosos cumprimentos. a) Joaquim Silva Godinho.» «Associamo-nos aos protestos dos bons portugueses contra a Sociedade de Escritores e apoiamos a acção enérgica do Governo. a) Escola do Magistério Primário de Évora.» «Bravo, Sr. Ministro! Bem haja! Fora com esses traidores e com a cáfila dos seus comparsas. a) Joaquim Sousa Rios.» «Cumprimento respeitosamente V. Ex.ª pela terapêutica aplicada, que considero correcta e na dose desejada, de modo a evitar perigos de contágio. a) Fausto Castilho.» «Apoiado Sr. Ministro. Abaixo a traição. a) Manuel Castelo Branco.» «Manuel Caetano de Castro, professor primário, de 85 anos, felicita V. Ex.ª pela publicação do despacho que extingue a Sociedade Portuguesa de Escritores, castigo merecido por falta de patriotismo.» «O reitor do liceu de Setúbal cumprimenta V. Ex.ª no momento de tão justa decisão de extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores, após a sua inqualificável atitude, atentatória dos valores essenciais da Pátria e da Cultura portuguesa. a) Estêvão Ferreira Moreira.» «A Justiça não se agradece, mas não posso calar o meu apoio à única decisão a tomar contra pseudoliteratos traidores da nossa Pátria. a) António Fonseca Santos.» «Felicito sinceramente V. Ex.ª pela sua enérgica e patriótica atitude perante a Sociedade Portuguesa de Escritores. a) Manuel Lousada, governador civil de Aveiro.» Também numerosas pessoas enviaram ao Ministro Prof. Dr. Galvão Teles cartões de felicitações pelo seu despacho e outras ainda manifestaram o seu

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aplauso pelo mesmo despacho através de telefonemas directos para o seu gabinete. «Venho avisar respeitosamente V. Ex.ª de que pedi ontem à Emissora que desse a notícia da minha demissão da Sociedade Portuguesa de Escritores, notícia que de facto não foi dada. a) Artur Lambert da Fonseca.»

Protesto do Instituto de Angola O Instituto de Angola enviou ao Ministro do Ultramar a seguinte mensagem: «O Instituto de Angola, reunido em sessão extraordinária da sua direcção, tendo tomado conhecimento de que a Sociedade Portuguesa de Escritores resolveu galardoar uma obra publicada por um criminoso condenado a catorze anos de prisão, de nome José Vieira Mateus Graça, autor de actividades terroristas que tantos milhares de vítimas causaram à Nação, protesta junto de V. Ex.ª com a maior indignação contra a leviandade com que aquele organismo procedeu premiando um indivíduo que não passa de um ruim traidor à Pátria e que indignamente correspondeu à instrução e evolução que Angola lhe facultou.»

A opinião da Imprensa de Moçambique LOURENÇO MARQUES, 22 – O caso da Sociedade Portuguesa de Escritores foi hoje referido na Imprensa de Lourenço Marques, tendo o «Diário», em nota da redacção, pedido que se investigue se há alguém na Sociedade de Escritores que deva ir fazer companhia ao escritor Mateus Graça. E afirma: «Dizemos isto, em memória dos portugueses assassinados nas mais horríveis condições, dizemo-lo, em nome dos portugueses que cá e lá continuam todos os dias o combate instigado por toda a espécie de Mateus de dentro e de fora, impõe-se às autoridades um rigoroso inquérito sobre o lamentável caso, porque é também benevolência e brandura de tratamento certas atitudes

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ditas «intelectuais[»] em que se gera o vírus causador do pesado tributo de sangue e vidas, que pagaram e estão pagando muitos de nossos irmãos.» O «Notícias», sob o título «Lamentável e infeliz», tece considerações sobre o assunto e escreve a certa altura: «Estranhamos que [a] um terrorista confesso, cumprindo pena numa prisão, tivesse sido possível apresentar-se a um concurso literário de projecção e nível nacionais como aquele. Aí, ùnicamente, aí, é que nos parece estar a raiz do problema. Quanto ao resto, com toda a especulação justa e injusta que à sua volta se faça, todas as explicações e justificações que a propósito surjam, jamais esquecerá o incidente profundamente infeliz, profunda e lamentàvelmente infeliz». – ANI.

Os homens de letras de Angola perante a atribuição do prémio Foi enviado ao Presidente do Conselho o seguinte telegrama: «Um grupo de homem de letras de Angola, galardoados com prémios literários provinciais, nacionais ou estrangeiros, apoiam calorosamente a atitude do Governo extinguindo a Sociedade de Escritores dita portuguesa como responsável por uma grave afronta cometida contra a cultura portuguesa atribuindo o Prémio de Novelística a uma obra que consideram absolutamente inferior tanto na sua temática como na efabulação. Além disso, ultraja deliberadamente o sagrado património da língua portuguesa não se podendo igualmente esquecer as visíveis intenções políticas da sobredita obra, cujo autor foi condenado por graves responsabilidades do terrorismo que, desde 1961, ensanguenta Angola, enlutando tantas famílias portuguesas. Respeitosos cumprimentos. Óscar Ribas, Reis Ventura, Gabriel de Altamira, Agnelo de Oliveira, Alfredo Diogo Júnior, Mesquitela Lima, Martinho de Castro, António Pires, Almeida Santos, Lagriva [sic] Fernandes, Mário Milheiros, Mário Mota, Horácio Silva e Ferreira da Costa». – ANI e L.

O despacho vai ser enviado ao «Diário do Governo» O despacho do titular da pasta da Educação Nacional a determinar a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores, foi enviado à Imprensa Nacional para publicação no «Diário do Governo», em correspondência com a norma legal de aprovação, em Setembro de 1956, dos estatutos da referida

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Sociedade. Entretanto, a letra do mesmo despacho foi transmitida pelo gabinete à Inspecção do Ensino Particular, departamento ao qual competem os assuntos respeitantes a associações culturais particulares, para ser comunicado aos corpos gerentes da Instituição.

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Diário da manhã. 23-V-1965, p. 8.

Opinião em Luanda: a Sociedade Portuguesa de Escritores esqueceu que há homens que combatem e morrem LUANDA, 22 – Angola desde a primeira hora nunca duvidou que um acto de colaboração, de traição tão arteiramente cometido poderia passar impune ou, o que seria pior, mascarado com jogos de palavras ou titubeantes e descaradas meias-palavras. Isso não bastava! A boa fé das gentes de Angola foi já cruelmente ludibriada e as consequências ficaram profundamente marcadas no espírito de quatro milhões de portugueses. Angola não aceitaria. E a prova insofismável do seu protesto surgiu no primeiro minuto logo que alertada da personalidade do indivíduo a quem fora atribuído, tão hàbilmente, o prémio. E a sua voz levantou-se unânimemente denunciando colaboração na traição. Será difícil descrever, na justa medida, o que foi o protesto de Angola. No entanto bastará dizer que em todos, desde quem ocupa lugares de responsabilidade quer nos meios oficiais quer privados, ao simples homem da rua, se levantou uma onda de justificada indignação perante a triste resolução da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores. Angola não só apresentou o seu firme protesto como esperava ver surgir uma decisão firme e intransigente tomada por parte de quem cumpre responsabilidades superiores na defesa da cultura portuguesa, na própria salvaguarda dos invioláveis princípios da luta que se trava aqui, na Guiné ou em Moçambique. «A extinta Sociedade Portuguesa de Escritores esqueceu que há homens que combatem e morrem» – foi o comentário que ouvimos com mais insistência nesta cidade de Luanda, onde a vida de trabalho ordeiro e pacífico prossegue talvez com redobrado entusiasmo.

A manobra falhou A manobra falhou – não restam dúvidas. E se serviu para desmascarar mais um grupo de colaboracionistas – cuja responsabilidade será, por certo,

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esclarecida – teve no entanto o mérito de demonstrar, mais uma vez, a inabalável e intransigente unidade nacional. Ontem, por todos os meios, por todas as formas, Angola protestou com firmeza. Hoje poucas mas expressivas palavras bastam para traduzir a nossa resposta: Obrigado! Continuaremos a cumprir a nossa missão. Já esta manhã os mais lídimos representantes da cultura portuguesa, os Magníficos Reitores, ou seus representantes, das Universidades de Coimbra, Lisboa, Porto, Moçambique e Angola prestaram homenagem aos estudantes de Coimbra caídos em defesa da Pátria. Às cerimónias associaram-se as mais altas individualidades civis, militares e religiosas, e muito povo de Luanda, a marcar a sua sentida presença em reconhecimento por quantos tombaram por nós, na defesa da nossa terra, do património comum. E isso, para o povo de Angola, é razão mais do que suficiente, dever inalienável, para que se faça representar em pêso, macissamente [sic], tal como saberá sempre reagir, por todos os meios, a tudo quanto seja traição. Já o demonstrou e está sempre disposto a demonstrar. As repercussões da oportuna medida governamental começaram já a surgir. Esta manhã, com grande destaque, o jornal «O Comércio» escreve: «Houve manobra. Tudo denuncia a sua existência. Mas falhou. Pois que tinha na base uma deformação cavilosa, tão evidente que contra ela se manifestaram intelectuais de reconhecida posição anti-situacionista, mas realmente portugueses acima de tudo. É de admitir que o verdadeiro protagonista não seja José Vieira Mateus da Graça. O protagonista é, tanto quanto se supõe, o “júri” – estranho júri nomeado pela Sociedade Portuguesa de Escritores, onde parece terem assentado arraiais sombrios elementos dispostos a ferir tanto quanto possível a cultura portuguesa, e através dela a causa da sobrevivência nacional pela qual se trabalha, se luta, se sofre e se morre em Angola. A triste personagem condenada por delitos confessados apenas serviu talvez de pedra, de simples peão do xadrez de sectários que não recuam diante de nenhum processo para expandir o seu rancor e, no fundo, a sua traição em potencial. Lentamente a pedra foi movida no plano singelamente regional para aparecer em plano nacional. Uma vez aí tratou-se de a lançar numa jogada que tinha o fim de criar, lá fora, atmosfera propícia a mais campanhas antiportuguesas.

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Pode o presidente da extinta Sociedade de Escritores (que se dizia portuguesa) alegar desconhecimento da verdadeira identidade do autor da brochura apresentada ao precário júri. Não iríamos ao ponto de desmentir um homem que, por sua posição de professor catedrático, – com graves e pesados deveres – tem de manter o culto da verdade, seja ela qual for, e por mais que lhe provoque sabor a cinza… No entanto, não poremos de parte a hipótese de existir ao seu redor, neste caso, uma teia perversamente emaranhada, para se atingir um objectivo criminoso e poder no fim lavar as mãos, declinar as responsabilidades e formular hipócritas desculpas…». «Os dirigentes da Sociedade foram ludibriados? – prossegue o articulista –. Poderíamos supô-lo ante a rápida série de demissões de um vogal da direcção e do próprio presidente da assembleia geral. E não parece que tenham outro significado – além do natural protesto e da irreprimível repulsa – as outras exonerações que se seguiram. Desta forma a Sociedade de Escritores (dita portuguesa) estava num perigo sério, apontada pela opinião pública nacional como forja de cúmplices, explícitos ou implícitos, de traidores à Pátria, em conivência directa, ou indirecta, num conluio para alimentar lá fora a sórdida campanha contra Portugal. Se explorarem o argumento da ignorância e da inconsciência, apenas teremos um retorquir: Quem padece de tal ignorância e de tamanha irresponsabilidade não pode ocupar posições de tanto melindre, não tem categoria representativa, não deve estar em posições-chaves. O júri, eis o protagonista central desta peça triste, mal montada embora arteiramente congeminada. A questão poderia ficar por aqui se não tivesse, como tem implicações que transcendem os indivíduos. A afronta foi cometida. O facto foi praticado. O intuito está diante dos olhos de quem queira vê-lo. Não há expedientes suficientemente ardilosos que possam mascarar o que tão rápido e gritantemente se percebeu. A Fundação Gulbenkian, a todos os títulos respeitável, já tomou atitude. Não apenas a de lavar as mãos, o que seria plausível e simples. Vai mais longe, denunciando que tomará medidas para, de futuro, evitar que os seus dinheiros sirvam para desvios… E a Fundação tem motivos, já averiguados de certo, para vir a público fazer esta afirmação. Até por esse lado – se mais arestas não houvesse – a Sociedade de Escritores, Portuguesa ao que se dizia, estava em causa de maneira aflitiva. De qualquer modo tem de prestar contas. E desde já se observa que elas não são apresentáveis sem apresentar desvio

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quanto ao espírito do patrocínio concedido pela Gulbenkian. A gravidade deste facto não pode ser dessimulada [sic]. O Governo, pelo Ministério da Educação, deliberou e aplicou a deliberação. Aguardemos agora o resto, porque tem de haver necessàriamente um resto: A pública e completa desafronta que é devida não apenas a nós, os de Angola, civis e militares, mas a todos os portugueses dignos da sua condição. Quanto aos mabecos da estranja – que já erguiam uivos ante a falsa carniça que os seus cúmplices lhe serviram – têm de reconhecer que, mais uma vez, uivaram à Lua… Podem estar certos – eles e os seus lacaios (porque os há) – de que nós em Angola sabemos como domar animais dessa espécie. Já o demonstrámos. Voltaremos a demonstrá-lo se necessário».

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Diário da manhã. 24-V-1965, p. 1.

É preciso arrancar a árvore 1 – Bem sabemos que, em outras horas graves da nossa História, os portugueses viveram atribulados e ansiosos, como nós enfrentamos a que passa. Pode ser injustiça do presente, relativa ao passado, o dizermos que nunca a Pátria tanto precisou da união e da unidade dos seus filhos. Como delas careceu quando o Mestre de Avis foi proclamado Rei, para que Portugal se não perdesse na dissociação peninsular, pois que mais nunca seria! Quando delas necessitou na arrancada e na sequência do 1.º de Dezembro, ressuscitando ou acordando a independência adormecida, mantendo-a e impondo-a! Mas, sem engano, vendo e tocando as realidades adversas, podemos e devemos dizer que nesta hora muito carece a Pátria da nossa fidelidade activa e actuante, ardorosa e capaz, viril e intransigente. 2 – Toda a vida é um combate permanente contra a morte. A sobrevivência provém, continuadamente, do sucesso desse combate. Depor as armas, ou não as usar na eliminação dos inimigos, é mais do que morrer: – é suicídio. 3 – Perdemos Goa, Damão e Dio. Embora o portuguesismo das suas gentes nos mantenha a esperança de que voltarão à livre comunhão da Pátria, entretanto perdemos Goa, Damão e Dio. Em Moçambique, já tombaram muitos soldados nossos. Em Angola, os vivos sabem que com eles estão a legião de negros e brancos ceifados, trucidados pelo terrorismo e, também, os heróicos combatentes caídos na luta para eliminá-lo. Na Guiné, negros e brancos têm de defender a terra e as vidas, têm de fazer o quadrado da Pátria, formado ao redor da sua bandeira. 4 – A guerra e a vigília do nosso Ultramar consomem uma grande parte do pão nosso de cada dia e, mesmo, algum sangue generoso. Afastam dos lares e das carreiras muitos cidadãos. Nelas empenhamos – no duplo sentido da palavra – o património e a honra. Sem património, a vida é inviável; sem honra, seria melhor a morte. Quer dizer: – nelas empenhamos tudo!

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5 – O Governo é sempre mandatário da Nação. Com muitos ou limitados poderes, o Governo tem o encargo de servir o bem comum: só para tal é investido e apenas nesse labor é legítima a autoridade que exerce. Nos períodos de guerra, os poderes do Governo têm de ser totais porque, então, é històricamente total a sua responsabilidade. 6 – O tristíssimo caso do prémio concedido a um terrorista, pela extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, não pode considerar-se esgotado nem como simples caso isolado. Não pode, se o interesse do País for respeitado e se o bem comum não for desprezado. Foi o fruto de uma árvore que deixámos plantar e crescer. Não bastará o ter-se arrancado o fruto: – é nacionalmente imperativo arrancar também a árvore. 7 – Precisamos de não fechar os olhos e de não esquecer ou negar o que vemos! Como se admite que professores – os magistrados da Educação! – figurem entre aqueles que plantaram a árvore e dela cuidaram para dar os frutos que deu? Não podem isentar-se da terrível responsabilidade que lhes é imputável aqueles cuja intervenção, no caso e para o caso do prémio ao terrorista, foi determinante. Como haveria de ser possível que dela se desembaraçassem, nem sequer como Pilatos? – Nem sequer como Pilatos, pois, se passam apressadamente as mãos pela água é evidente que não limpam as mãos! Ângelo César

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Diário da manhã. 24-V-1965, pp. 1 e 8.

O caso da ANANGOLA A concessão do Prémio é reprovada pela actual direcção Como se sabe, a direcção da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, numa tentativa de justificação, distribuiu uma circular à Imprensa na qual afirmava que o seu premiado José Vieira Mateus da Graça já tinha sido galardoado em Angola. Não se diz, porém, nessa circular, que a direcção da Associação dos Naturais de Angola responsável por essa atitude foi, depois, dissolvida. É isto que a actual direcção esclarece agora, num comunicado que oferece uma visão bem diferente do facto. É do seguinte teor o comunicado da ANANGOLA: A comissão administrativa da Associação dos Naturais de Angola (ANANGOLA), reunida extraordinàriamente, deliberou, em aditamento ao seu telegrama de 20 do corrente dirigido a S. Ex.ª o Ministro do Ultramar, tornar público o seguinte: 1.º) Reitera o seu protesto e solidariza-se com todas as manifestações contrárias à atitude da Sociedade Portuguesa de Escritores quanto à atribuição de um prémio pecuniário a José Vieira Mateus da Graça; 2.º) Nunca foi solidária com a atribuição de qualquer prémio ao mesmo Graça, mas apenas passou um diploma e entregou um prémio pecuniário a quem se lhe apresentou, em representação de Luandino Vieira, nome dado como identidade do concorrente que sob o pseudónimo «Vinteoito» se candidatou e foi classificado num concurso literário, promovido e ultimado, pela gerência anterior, aliás dissolvida pelo Governador-Geral da Província. a) Augusto Pitta-Groz Dias – L.

Comentários do jornal «A Tribuna» de Lourenço Marques LOURENÇO MARQUES, 23 – A Imprensa de Lourenço Marques continua a referir-se com grande destaque à atitude assumida pela extinta Sociedade Portuguesa de Escritores.

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O jornal «A Tribuna», em editorial, afirma que algumas atitudes dúbias que se têm notado na vida portuguesa são, possìvelmente, fruto da nossa própria complacência. E acrescenta: «Desde o seu início até ontem, a Sociedade Portuguesa de Escritores foi uma associação suspeitíssima, talvez ao mesmo nível de outras associações semelhantes existentes e espalhadas por todo o território nacional, e que estão a pedir o mesmo justíssimo fim. «Os que têm morrido pela Pátria desde 1961 exigem que condenemos rigorosamente todos os actos, omissões ou intenções que gerem ou favoreçam a prática de crimes de lesa-Pátria.» – ANI.

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Diário da manhã. 25-V-1965, p. 1.

O que está em causa A questão pôs-se no plano nacional, o que excluía todas as oportunidades de equívoco. Por isso mesmo, os campos naturalmente, insensìvelmente, se extremaram, sem que fosse possível jogar às escondidas com os factos ou com as ideias. Se era desejável um teste, pode dizer-se que, apesar das circunstâncias adversas, ela permitiu atingir uma conclusão clara e definitiva. Não estavam em causa problemas de segunda ordem que se relacionassem com as variáveis políticas, e não dissessem respeito ao essencial e às constantes. Não eram para aqui chamados os factores de divisão relacionáveis com os regimes e com as formas de governo, com tudo aquilo que é, afinal, de natureza transitória e o será até ao dia em que se haja descoberto, no plano da teoria pura, a receita garantida para fabricar a felicidade dos povos. A opção incidiu sob o fundo das coisas e o que se propunha aos Portugueses era um quesito muito simples: estamos ou não estamos com a Pátria, reagimos ou não reagimos à afronta que foi feita a todos os valores morais da colectividade nacional? Afluíram de todos os lados as manifestações em que eram visíveis a sinceridade e a espontaneidade, tantas vezes de gente simples e ingénua, por isso mesmo mais próxima das raízes da emoção e menos aptas a controlar as expressões. Vieram de toda a parte, de todos os recantos de Portugal Peninsular e das Ilhas de sol e de bruma, que foram as primeiras conquistas da nossa ansiedade de infinito, assim como chegaram das extensões de Angola e dos confins de Moçambique. Por toda a parte a Imprensa reflectiu o clima moral da hora grande em que uma centelha provocou a explosão da cólera e da revolta. Os jornais de Luanda e de Lourenço Marques deram a mesma nota de indignação e fizeram-no com o mesmo ardor e com a mesma decisão. Do campo do inimigo partiu o desafio e do campo nacional a resposta não se fez esperar. Era preciso exautorar um procedimento inqualificável, denun-

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ciar os responsáveis e determinar-lhes as origens e as implicações. E a maneira como as pessoas acudiram à chamada autoriza a concluir com optimismo que nada está perdido. Houve – é claro – excepções, silêncios que se esperavam ou atitudes que revelavam estranhas e perversas cumplicidades, mas essas excepções não contavam numèricamente e só serviram para, aqui ou além, ser forçoso rectificar posições aparentes sem verdadeira correspondência na realidade. O que importa é o magnífico impulso que revelaram tantos jornais, como expoentes da opinião pública de que se fizeram eco e em nome da qual testemunharam com a maior dignidade. Os Portugueses podem, no quotidiano baço dos períodos sem História, parecer divididos em virtude de discrepâncias de segunda zona, mas, quando se debate o que é autênticamente profundo, reagem vigorosamente e acorrem a ocupar o seu posto, reafirmando a solidariedade de quantos liga a comunhão do ideal que há oito séculos explica o prodígio da nossa sobrevivência. Portugal está em guerra. Na periferia de três das nossas províncias ultramarinas, os soldados portugueses combatem pelos valores eternos que as gerações actuais receberam como herança e de que têm de dar contas perante aqueles que haverão de as julgar. Estamos em guerra e a guerra não permite vacilações nem desfalecimentos. Os sacrifícios alegremente se consumam sem teatralidade, porque os nossos soldados continuam um povo que, ao longo de oitocentos anos, viveu numa atmosfera de exaltação e de heroísmo. Estamos em guerra e a retaguarda não pode trair. Tem, ela própria, de fazer a guerra e opor às infiltrações do inimigo uma dureza implacável, uma intransigência total, uma decisão irrevogável. Não pode haver lugar para a complacência que é encobrimento, nem para a «compreensão» que é traição.

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Diário da manhã. 25-V-1965, pp. 1 e 2.

A Nação apoia a decisão do Governo no caso da Sociedade de Escritores À Presidência do Conselho e aos Ministérios do Exército, do Ultramar e da Educação Nacional continuam a chegar, enviados de todos os pontos do País, inúmeros telegramas e cartões de protesto contra a decisão do júri da Sociedade Portuguesa de Escritores, pela concessão do último Grande Prémio de Novelística. Dos telegramas recebidos na Presidência do Conselho destacamos os seguintes: «Grupo homens letras Angola galardoados prémios provinciais nacionais estrangeiros apoia calorosamente atitude Governo extinguindo Sociedade Escritores dita portuguesa como responsável grave afronta cometida contra cultura portuguesa atribuindo prémio novelística obra “Luanda” que considera absolutamente inferior tanto sua temática como efabulação além disso ultraja deliberadamente sagrado património língua portuguesa não podendo igualmente esquecer intenções políticas sobredita obra cujo autor foi condenado por graves responsabilidades terrorismo que desde 1961 ensanguenta Angola enlutando tantas famílias portuguesas. Respeitosos cumprimentos. a) Óscar Ribas; Reis Ventura; Gabriello Altamira; Agnello Oliveira; Alfredo Diogo Júnior; Mesquitella [sic] Lima; Martinho Castro; António Pires; Almeida Santos; Lagrifa Fernandes; Mário Milheiros; Mário Mota; Horácio Silva e Ferreira da Costa.» «Castigue-se exemplarmente a traição. Comecemos pela Sociedade de Escritores e não paremos mais. a) Rui Pinto Matias.» «Vivamente indignado decisão júri atribuição prémio novela a um assassino. Respeitosamente cumprimenta V. Ex.ª a) Jorge Ribeiro.» «Perante lamentável atitude júri Sociedade Escritores atribuindo prémio miserável terrorista Luandino Vieira exprimo minha reprovação. Respeitosos cumprimentos. a) Dias de Sousa.» «Não compreendo possa ser premiado Luandino Vieira assassino seus próprios irmãos. Respeitosos cumprimentos. a) Eurico dos Santos.» «Confrange que Sociedade Escritores atribua prémio novelístico bandido Luandino Vieira. Saúda V. Ex.ª a) Augusto Galvão.»

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«Impossível que a Sociedade Escritores tivesse galardoado um miserável depois de todas as suas traições contra Portugal. Cumprimenta respeitosamente V. Ex.ª a) António Eusébio.» «Apresento veemente protesto atribuição Grande Prémio Novelística a Luandino Vieira traidor província de Angola. Respeitosos cumprimentos. a) José Delgado Louro.» «Casal estudante indo-beirão afirma V. Ex.ª viva repulsa perante alta traição retaguarda perpetrada empresa dita de Escritores. a) Manuel Castelo Branco.» «Como foi possível atribuir grande prémio novelística traidor Angola Luandino Vieira? Respeitosos cumprimentos. a) Manuel António Jerónimo». «Junta Freguesia Santos-o-Velho vem junto de V. Ex.ª protestar enèrgicamente contra atitude tomada Sociedade Portuguesa de Escritores em seu nome e de todos os seus paroquianos. a) Presidente, Joaquim Tito Moreira Rato». «Portugueses jazem Angola erguem-se seus túmulos protestando inqualificável decisão júri Sociedade de Escritores. Respeitosos cumprimentos. a) António Carrilho». «Membro da Lag Eng.º Sobrinho dum falecido ministro do Ultramar aplaude despacho extinção Sociedade Portuguesa de Escritores. A memória dos mortos e a bravura dos vivos que se deram e dão pela Pátria assim o impunham. a) A. Belo Dias». «Perante a traição Sociedade Escritores reafirmo V. Ex.ª minha maior fidelidade e peço Deus guarde vida V. Ex.ª alta lição para todos serviço Portugal. a) João Manuel Leite de Castro». «Pedem-se averiguações rigorosas fim serem conhecidos traidores da Sociedade Portuguesa de Escritores que lavaram com sangue de mártires portugueses crimes terrorista Luandino Vieira e que se tornem públicos seus nomes vê-se que esses traidores querem impor a subversão como virtude que deve ser premiada. A Pátria foi ultrajada por indivíduos que se mostram solidários com o terrorismo e com a subversão no Ultramar e para que o exemplo se não repeta. a) Ernesto Ferro». «Patriota apoia patriótica decisão encerramento oito traidores Sociedade Escritores. a) José Tavares Ramalho».

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«Antigo combatente grande guerra estou sempre presente ao lado de quem defende a Pátria e tanto a honra que é símbolo dela contra manejos em que caem muitos de boa fé mas são intoleráveis pois nem vêem que a força dos russos está no seu patriotismo sempre inimigo do nosso. a) Fernando Correia». «Interpretando sentido povo concelho apoio sinceramente atitude governo dissolução Sociedade Portuguesa de Escritores. a) Presidente da Câmara Carregal do Sal». «Profundamente indignado veemente protesto contra atribuição do prémio novela a Luandino Vieira. Cumprimenta V. Ex.ª a) Pereira Soeiro.» «Indignado repúdio perante V. Ex.ª atribuição prémio novela a um terrorista. Cumprimentos V. Ex.ª a) Sousa Gomes.» «Lamenta momento em que foi atribuído prémio novela a traidor da Pátria com os meus respeitosos cumprimentos. a) Homem de Brito.» «Inadmissível critério júri Sociedade Escritores concedendo prémio a Luandino Vieira responsável autor terrorismo Angola. Cumprimenta respeitosamente V. Ex.ª a) Rogério de Carvalho». «Repúdio concessão prémio Luandino Vieira assassino confesso. Cumprimenta respeitosamente V. Ex.ª a) José de Meneses». «Na qualidade de portuguesa e professora manifesto viva indignação prémio atribuído Sociedade Portuguesa de Escritores. a) Maria Amélia Monteiro». «Incompreensível critério Sociedade Escritores enaltecendo quem tão indignamente actuou Angola meus sinceros cumprimentos a) Gaspar da Silva». «Indignado com o prémio conferido a Luandino, grande traidor da nossa Pátria apresento veementes protestos. Cumprimenta respeitosamente V. Ex.ª a) Torres Sequeira». «Conselho Administrativo Banco Fomento Nacional em sessão ordinária acaba deliberar por unanimidade exprimir junto de V. Ex.ª estrénuo defensor integridade da Pátria seu indignado protesto repugnante decisão júri Sociedade Portuguesa Escritores que atribuiu grande prémio novelístico. Respeitosos cumprimentos. a) Governador». «Foi ofendida a honra das Forças Armadas e cuspida a glória dos que perderam a vida na defesa da Pátria. Pelos que vivem e pelos que morreram solicitamos exemplar punição à Sociedade Portuguesa de Escritores que deu

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prémio ao traidor Luandino Vieira terrorista de Angola. Grupo de sargentos de uma unidade de Lisboa. a) Rafael Gomes da Silva – 1.º sargento». «Profundamente chocado pela inqualificável traição à Pátria praticada pela Sociedade Portuguesa de Escritores ao premiar o flagelo terrorista que tantas vidas generosas ceifou na portuguesíssima província de Angola apresento a V. Ex.ª o meu mais veemente protesto pedindo a Deus que guarde V. Ex.ª para bem de Portugal. a) Eduardo José Brasão». «Lamentável atitude concessão grande prémio novela a Luandino terrorista condenado. Respeitosos cumprimentos. a) Borges Prazeres». «Como cidadão português protesto contra atribuição grande prémio novela a Luandino. Cumprimenta respeitosamente V. Ex.ª a) Nóbrega de Lima». «Incompreensível Sociedade Escritores atribuir prémio novelístico ao terrorista angolano Luandino Vieira. Cumprimenta V. Ex.ª respeitosamente a) Fernandes Pereira». «Protesto concessão prémio novela a Luandino traidor Pátria. Respeitosos cumprimentos. a) Artur Pinto Benza». «Indignadamente protesto por incompreensível concessão grande prémio traidor de Portugal Luandino Vieira. Respeitosos cumprimentos. a) Epifànio de Sousa». «Apoio aplauso V. Ex.ª espírito cristão nacionalista de Braga defesa Pátria portuguesa justíssima condenação atribuição prémio literário Sociedade Escritores terrorista angolano clamor nacional. a) Luís Zuzarte». «Aceite V. Ex.ª minha repulsa pela atribuição do grande prémio novela a Luandino Vieira com os meus respeitosos cumprimentos. a) Roberto Pereira». «Repudio concessão prémio novela terrorista Luandino Vieira condenado prisão. Cumprimenta respeitosamente V. Ex.ª a) Gomes Fontão». «O sangue dos heróis não pode ser profanado. Mas foi pela Sociedade Portuguesa de Escritores premiando um terrorista. Em nome de mil esquartejados em Angola pedimos inexorável justiça. a) Roque de Vasconcelos». «Angola não pode aceitar decisão júri Sociedade Escritores alta traição conceder grande prémio condenado Luandino Vieira. Respeitosamente cumprimenta V. Ex.ª a) Augusto Pereira».

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«Lavro recentemente protesto contra concessão prémio novela terrorista Luandino. Cumprimenta sinceramente V. Ex.ª a) Lopes Ferro». «Sr. Presidente do Conselho nesta hora em que o brio coragem e valentia dos nossos soldados se patenteia diàriamente nas árduas e traiçoeiras lutas da Guiné e Angola causando espanto e admiração ao Mundo é verdadeiramente intolerável e inadmissível a inqualificável atitude do júri da Sociedade Portuguesa de Escritores premiando um dos responsáveis pelas chacinas de Angola 1961. Que Deus guarde V. Ex.ª por largos anos e continue fiel garante da nossa tradição história. a) Montenegro Carneiro». «Premiar um traidor à Pátria é cometer uma traição à Pátria. A Sociedade Portuguesa de Escritores cometeu este crime que não pode ficar impune. A consciência nacional aguarda a punição. Ex-combatente da Guiné a) Joaquim Rodrigues». «Pedimos providências atitude Sociedade de Escritores cuja traição envergonha o País e avilta os portugueses. a) Artur Álvares». «Não concebo atribuição do grande prémio novela a Luandino Vieira. Respeitosos cumprimentos. a) Silva Mascarenhas». «Incoerente atribuição prémio terrorista Luandino Vieira inimigo da Pátria. a) Augusto de Barros». «Enèrgicamente protesto júri Sociedade Escritores contra atribuição prémio novela traidor Vieira. a) Ribeiro dos Santos». «Manifesto viva repulsa concessão prémio novela condenado Luandino Vieira. a) Serrano de Matos». «Causou viva repulsa todos portugueses concessão prémio Luandino Vieira terrorista condenado. Apresento saudações V. Ex.ª. a) Joaquim Vinagre». «Com tantos e tão bons escritores não se compreende que tivesse escolhido para o prémio um antigo chefe dos terroristas. Respeitosos cumprimentos. a) Martinho Ribas». «Traição reprovo profundamente que júri Sociedade Escritores atribui grande prémio traidor Luandino Vieira. a) António Inácio Cardoso». «Portugal inteiro reprova distinção concedida terrorista Luandino Vieira júri Sociedade Escritores. a) Bruno do Canto». «Veemente protesto contra decisão Sociedade Escritores distinguindo Luandino Vieira terrorista traidor da Pátria. a) Luís Vaz Spencer».

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«Manifesto profunda indignação atribuição prémio novelista condenado Luandino. a) Marques Queirós». «É lamentável que se tivesse dado o prémio novela a um traidor da nossa Pátria. Com os meus cumprimentos. a) António Nunes Bonfim». «Portugueses de lei reprovam enèrgicamente atribuição prémio novela terrorista Luandino. a) Carlos Albuquerque». «Todo bom português se sente revoltado contra atribuição prémio novela a um conhecido traidor. a) Carlos Neves». «Protesto perante V. Ex.ª com indignação júri prémio novelístico atribuído terrorista Luandino. a) Dias de Almeida». «Tenebrosa insídia atribuição prémio terrorista Luandino Vieira. a) Oliveira Nunes». «Atitude Sociedade Escritores Portugueses denuncia presença de traidores internos pondo em perigo segurança nacional. Solicitamos intervenção V. Ex.ª formulando medidas punitivas que desagravem a honra da Pátria. a) Por um grupo combatentes, Manuel de Sousa». «Pouca conta tem Sociedade Escritores valores literários portugueses conceder prémio novela Luandino Vieira que nos envergonhamos seja português. a) Artur Tavarela». «Excelência, com devido respeito apresento V. Ex.ª veemente protesto contra atitude deplorável Sociedade Portuguesa de Escritores premiando obra traidor Vieira Mateus. Peço vossa sábia interferência anulação prémio castigo corja júri. a) Alencastre Telo, escritor madeirense.»

Militares antigos combatentes enviam telegramas ao Ministro do Exército Quanto aos telegramas recebidos no Ministério do Exército, os seus signatários são em grande parte, militares de todas as patentes que estiveram em comissão de serviço no Ultramar e de famílias de outros que ali perderam a vida em campanha, na luta contra os terroristas.

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| A rep(r)e(rcu)ssão política Telegramas recebidos no Ministério do Ultramar

Dos telegramas recebidos no gabinete do Ministro do Ultramar, destacamos os seguintes: «Vivamente indignadas famílias combatentes Ultramar Português de Aveiro protestam contra atribuição prémio a um traidor – Comissão Distrital M.N.F. Aveiro». «Excelência Artur Lambert da Fonseca vem respeitosamente declarar junto V. Ex.ª pediu demissão da Sociedade Portuguesa Escritores pelo telefone ontem 22 e 35 com mais alta consideração – Escritor Artur Lambert da Fonseca». «Núcleo Estudos Ultramarinos Covilhã, sentindo grande ofensa para todos que combatem e trabalham no Ultramar serviço Portugal pela atribuição prémio Sociedade Escritores terrorista angolano, protesta infame traição e confia acção Governo. Afirmo V. Ex.ª maior e inteira devoção destinos serviço Portugal. – Paulo Ratto Rainha». [«]Casa Mocidade Covilhã, orgulhosa seus filiados combatentes Ultramar, protesta infame traição Sociedade Escritores e reafirma V. Ex.ª sua inteira devoção causa Portugal. Respeitosos cumprimentos – Leite de Castro». «Como português e pai militar Guiné repugna-me aceitar título Portuguesa, Sociedade que galardoa o traidor – Ranito Baltazar». «Representante numerosa família com quatro dos seus membros batendo-se presentemente em terras de África venho protestar indignadamente junto de V. Ex.ª infâmia atribuição grande prémio novelística pela Sociedade Portuguesa de Escritores a um indivíduo condenado por actividades de terrorismo ferindo assim os mais altos sentimentos patrióticos de cada um – António Maria Pinheiro Torres». «Juntamos nossa repulsa todo o País protestando indigno procedimento extinta Sociedade Portuguesa Escritores. – pela Comissão Distrital do Movimento Nacional Feminino de Coimbra, Ricardina Saraiva de Moura».

Apoio à decisão do Ministro Galvão Teles Muitos estudantes dirigiram, também telegramas de aplauso ao Ministro Galvão Teles, nomeadamente o presidente da Associação de Estudantes de Medicina Veterinária, em nome da colectividade; o secretário-geral da «Ac-

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ção Académica», em nome dos filiados naquele movimento estudantil; e um numeroso grupo de estudantes universitários de Coimbra, a manifestarem a «sua profunda indignação pela torpe manobra política que constituiu a atribuição de um prémio a um terrorista angolano». Também um grupo de estudantes do Porto enviou ao titular da pasta da Educação o seguinte telegrama: «Estudantes da Universidade do Porto louvam a atitude firme de V. Ex.ª na repressão severa, que deve estender-se aos membros irresponsáveis do júri da Sociedade Portuguesa de Escritores. É tempo de acabar com atitudes complacentes». Entre as mensagens de aplauso dirigidas àquele membro do Governo, registamos hoje as dos Srs. presidente da Câmara Municipal de Lisboa; deputados Gonçalves Rodrigues, José Alberto de Carvalho, António Santos da Cunha e Baptista Felgueiras; governadores civis de Aveiro e de Braga; vice-reitor da Universidade de Lisboa; governador e administradores do Banco de Fomento; direcção da Sociedade Histórica da Independência de Portugal; Embaixadores José Nosolini e Xara Brasil; Profs. Drs. Gustavo Cordeiro Ramos, Joaquim Silva Godinho e Rios de Sousa; presidente da Comissão Regional de Turismo de Leiria, Agência de Lisboa da Liga dos Combatentes, Delegação do Movimento Nacional Feminino de Viseu, Núcleo de Faro da Liga dos Antigos Graduados da M.P., Casa da Mocidade da Covilhã e Grémio da Lavoura de Alcácer do Sal; Comissário Nacional da M.P.; Reitor[es] dos Liceus de Póvoa de Varzim, de Setúbal e de Viseu; Padre José Gonçalves de Beja; escritores Rodrigues Cavalheiro, Henrique António Pereira, Goulart Nogueira, Luís Nozes Tavares, Aníbal José e Manuela Reis; César Augusto e Manuel Lereno, em nome do Grupo de Teatro Gil Vicente; Padre Pereira da Silva, em nome da Congregação dos irmãos Maristas, de que é provincial; direcções do Externato Paiva Couceiro, de Mira de Aire; do Colégio de Estarreja, da Escola Académica, do Colégio de S. Francisco de Assis e da Escola Asilo de S. Pedro de Alcântara; professores do Ensino Primário dos concelhos de Belmonte, de Castelo Branco, de Castro de Aire, do Fundão, de Idanha-a-Nova, de Oleiros, de Pampilhosa da Serra, de Proença-a-Nova, da Sertã, e de Vila de Rei; professores e alunos da Escola do Magistério Primário de Évora; presidente[s] dos Municípios de Águeda, Albufeira, Aveiro, Anadia, Arouca, Albergaria-a-Velha, Vila do Conde,

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S. Pedro do Sul, Baião, Viseu, Vale de Cambra, Murtosa, Nisa, Ovar, Espinho, Ílhavo, Fundão, S. João da Madeira, Oliveira do Bairro, Vagos, Sever do Vouga, Castelo de Paiva, Oliveira de Azeméis, Feira, Estarreja e Mealhada; revista «Itinerários» e jornal «Combate».

Um telegrama do presidente da Fundação Gulbenkian ao Governador-Geral de Angola LUANDA, 24 – O presidente da Fundação Calouste Gulbenkian dirigiu ao Governador-Geral de Angola o seguinte telegrama: «Tenho a honra de informar V. Ex.ª que a Fundação Calouste Gulbenkian não tem qualquer intervenção na constituição dos júris que atribuem os prémios literários da Sociedade dos Escritores Portugueses, nem nas suas resoluções que só conhece depois de definitivamente tomadas e publicadas. A Fundação limita-se a subsidiar uma instituição cultural portuguesa legalmente constituída para o efeito de exercer um dos seus fins estatutários. Afirmo mais uma vez a V. Ex.ª a minha repulsa pelos actos de terrorismo praticados nessa província e a minha inteira solidariedade moral com as suas vítimas. Respeitosos cumprimentos. – a) Azeredo Perdigão.» – (L.)

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Diário da manhã. 25-V-1965, p. 2.

Tem de ser ocupada com urgência a «trincheira» da cultura por vezes deixada em mãos hesitantes – afirmam os intelectuais de Angola LUANDA, 24 – Os meios culturais desta Província entendem que o episódio registado com o júri da Sociedade de Escritores revela a necessidade imprescindível de guarnecer e defender a «trincheira» da cultura portuguesa, mormente nos sectores de maior contacto com as massas populares. Entende-se que esse baluarte não pode estar à mercê de infiltrações do inimigo ou traidores, quer se trate de jornais, emissoras, editoras, importadoras e distribuidoras de livros e publicações. Intelectuais cujas opiniões ouvimos declaram o seu respeito pelo primado no espírito da liberdade da criação literária, mas acrescentam nada poder ser tolerado nesta hora de luta nacional, que possa ferir o prestígio e a coesão de um povo inteiro, envolvido num combate de sobrevivência. A «trincheira» da cultura por vezes adormecida ou deixada em mãos hesitantes ou distraídas, tem de ser ocupada com urgência e energia combativa. O inimigo ou traidores tentam aproveitar a menor brecha para ocasionar perturbações com reflexo externo. O episódio agora ocorrido ocasionou tantas manifestações de defesa dos interesses nacionais que contém uma lição grave: Urge criar condições nas quais todos os intelectuais dignos da sua condição de portugueses possam construir as suas obras e servir a cultura de maneira a prestigiarem-se e a prestigiar a Nação no mundo sem risco de serem atraiçoados por elementos infiltrados nas fileiras com pretextos cavilosos. Todas as frentes têm de ser guarnecidas – desde a militar à económica e à cultural. Caso contrário seria deixar portas abertas para as incursões do adversário sob disfarces vários.

«Trincheira abandonada» Focando este assunto o diário «O Comércio», insere hoje um editorial sob o título «Trincheira abandonada», no qual depois de ponderar pormenoriza-

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damente os aspetos da grande batalha entre a civilização ocidental e o marxismo que ganha amplitude mundial após a Segunda Grande Guerra, afirma: «Não escapámos, nós, portugueses, a sermos envolvidos nessa batalha. E não havia como escapar uma vez que a Península Ibérica é posição-chave da velha Europa e a nossa contextura de Nação pluricontinental faz-nos no presente em dilatadas partes do globo. Por isso, nas fronteiras da Guiné como nas de Angola ou Moçambique, nos batemos e também contra as hordas aliadas do marxismo internacional, empunhando armas indiferentemente enviadas da Rússia, da Checoslováquia, da China ou da Argélia. Isto não é mera imagem literária, porque está largamente comprovado nos arsenais capturados ao inimigo.» Mais adiante, depois de analisar os aspectos da infiltração comunista e o esforço nacional para manter invioláveis as nossas fronteiras, o articulista pergunta: – «Mas fizemos quanto devíamos? Consolidámos convenientemente todas as posições? Guarnecemos devidamente todas as trincheiras? Factos bem recentes provam bem que não! Combatemos peito aberto o inimigo de armas na mão. Cuidamos de que ele não nos surpreenda na retaguarda. Vigiamos estreitamente as fronteiras terrestres, marítimas, fluviais e aéreas. Mas deixámos-lhe, lamentàvelmente, aberta a trincheira da subversão dos espíritos com a máxima amplitude em todas as camadas do pensamento e da opinião.» A terminar e depois de analisar as possíveis causas dessa infiltração, afirma: – «Pois bem: – Cremos chegado o momento de operar abertamente a recuperação dessa tão valiosa trincheira! Tal como nos combates de armas na mão, nenhuma posição está definitivamente perdida, enquanto restarem as possibilidades de rectificação dos movimentos e se dispuser de forças capazes de as levarem a cabo. Para isso não basta expurgar de umas quantas pretensas «Páginas literárias» os fermentos vivos da subversão – quer eles se apresentem com os seus verdadeiros nomes quer ocultos sob disfarces ou pseudónimos. Há que ir mais além, contrapondo-lhes a divulgação insistente dos valores positivos da cultura portuguesa – e não só do passado e não só aqueles que uma errada política contemporizadora tem permitido que se atirem para a prateleira como ultrapassados – mas também com uma colaboração activa de valores actuais e de novos valores.

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Há uma importante trincheira que deixámos cair em poder do adversário apenas porque a abandonámos – por comodismo, por desinteresse, até mesmo só para não pareceremos “demodés” ou reaccionários e para querermos dar a impressão de progressistas – factos recentíssimos e cuja gravidade ninguém ousará minimizar demonstram de modo concludente a importância dessa trincheira, que tão levianamente abandonámos. Reconquistemo-la, pois![»] – (L.)

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Diário da manhã. 26-V-1965, p. 1.

Transigimos de mais Este caso horrível da Sociedade Portuguesa de Escritores – apresentando-se, além do mais, como uma espécie de socorro vermelho, a canalizar os dinheiros dados de boa fé, desviando-os do seu destino normal, em benefício de traidores e terroristas – veio pôr a Nação perante uma circunstância que ultrapassa os limites do mísero evento a que nos referimos. Uma circunstância geral, a que A Tribuna de Lourenço Marques se referia, e muito bem, pela pena sagaz de A. D. Observou este: O sentido da actual manifestação unânime do povo português é bem claro. Estamos fartos das «pseudo-incompreensões», das «pseudo-ingenuidades», do espírito de «pseudo-boa-vontade», que servem geralmente para encobrir linhas de conduta contrárias ao sentimento colectivo da Nação, mais uma vez evidenciado neste momento. Na verdade, o processo tem decorrido perfeitamente assim: de um lado, o assalto organizado à vida mental portuguesa, através de uma rede cuidadosamente tecida, em que não há malhas largas nem pormenor esquecido; do outro, uma desatenção, uma condescendência pelos atrevimentos da rapaziada, uma auto-suficiência de pessoas que julgam estar muito seguras atrás da polícia ou sobre os títulos de capitais dos seus negócios. E desta forma sucede que, passando pelos intervalos de leis muito sábias, recheadas de boas intenções e de preceitos louváveis, e confiados na distracção (e em certos casos não será cumplicidade negociada?) dos que têm por dever principal a vigilância – os comunistas desenvolvem o ataque. Se nós não reparamos a tempo, se a consciência nacional não reage de repente, alertada por um caso de traição repugnante como é o de premiar um terrorista condenado, se o sangue dos heróis caídos por culpa daquele e de outros criminosos não se representa no grito alto de indignação, que por todo o País reboou – eles continuariam, já não na sombra, mas inteiramente às claras a sua obra nefasta. Que o alarme da Sociedade Portuguesa de Escritores nos leve a desfazer os outros redutos da traição. Já transigimos de mais. Temos de evitar novos

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erros e reparar a tempo os que já fizemos – com as nossas complacências. Como dizia o mesmo A. D. no artigo a que nos referimos: O marxismo não nasce das carências económicas; nasce muito natural e forçosamente, das carências espirituais, das nossas abdicações doutrinárias, das nossas fraquezas como políticos – e, no caso concreto português, de certa mentalidade de abdicação e fraqueza, que se tem infiltrado em alguns meios. É assim mesmo. E por isso não podemos transigir, nem com os tecedores da teia, nem com os que se aproveitam das nossas concessões distraídas para traírem a Pátria. Não podemos.

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Diário da manhã. 26-V-1965, p. 1.

Alerta? 1 – Não são muitos os que vivem alheios ao destino da Pátria e procedem como se o que se passa no Ultramar a todos não imponha concretas obrigações cívicas. Não são muitos, mas são bastantes. No Povo, se existem, são raros. Contam-se, marcadamente, entre usufrutuários de posições rendosas ou cómodas e na informe e confusa multidão daqueles que se dizem intelectuais e estetas ou afins de uns e de outros. Não são muitos, mas são bastantes. 2 – Dizia o nosso Francisco Manuel de Melo, na Carta de guia dos casados, que uma gota de tinta suja uma pipa de água e que, às vezes, uma pipa de água não basta pra limpar uma gota de tinta. As doenças propagam-se pelo contágio e a saúde não. O mal extravaza-se [sic] nas almas descuidadas e fracas, enquanto o bem, para se propagar, exige adesão voluntária e activa. Por isso, embora aqueles não sejam muitos impõem a promulgação e a execução de rígidas e rijas medidas sociais – verdadeiramente defensivas. Chamamos-lhes sociais e não políticas porque, não obstante estas sempre o serem também, as medidas em causa se destinam directamente a preservar a sociedade. 3 – As epidemias combatem-se, quando não foi possível evitá-las. Mas a boa prática sanitária é aquela que as inviabiliza pela prevenção organizada. Até o Povo diz que vale mais prevenir do que remediar. 4 – As premissas expostas têm a realidade e a evidência do que vemos e palpamos. A conclusão a que levam é, assim, irrecusável, a não ser que a consciência faça, não vista grossa pois que não chega, mas a traição de se recusar a formulá-la. E essa conclusão é a seguinte:

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– a todos, mas a todos, deve ser adequadamente imposta a obrigação de solidariedade activa para com os que defendem a Pátria. 5 – Este advérbio adequadamente deveria chegar para tudo dizer. A responsabilidade em causa é a de quem tem de agir. Quem governa não pode deixar de saber o que é preciso para bem governar. No entanto, ousamos fazer uma sugestão – que julgamos basilar para geral esclarecimento de todos e boa e cívica pedagogia. 6 – Não há, pràticamente, um só cidadão que não seja componente de qualquer agrupamento ou associação. Uns pertencem às escolas, ensinando ou aprendendo. Muitos e muitos são sócios de colectividades de desporto, de recreio, etc. Os estatutos das organizações corporativas já incluem a afirmação da fidelidade à Pátria, como básico princípio social. Mas em quantas escolas se apregoa solenemente e oportunamente esse princípio? Em quantas não está esquecido? Quantos professores, sobretudo cá por cima, o não combatem, nas explícitas possíveis e nas implícitas… impossíveis? Em que estatutos de que associações de qualquer tipo esse princípio foi consignado? Se tivesse sido exarado nos da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, seria possível ela ter feito a agulha que fez e seguir atrevidamente, como em comboio vermelho, até ao seu recente descarrilamento? 7 – Para que todos cumpram a obrigação de solidariedade activa que devem à Pátria, será necessário muito mais do que aquilo que vamos preconizar. Mas é fundamental, urgente e inadiável: – que em todos os estabelecimentos de ensino, públicos e particulares, se realizem periòdicamente, com solene dignidade e expressivo programa, sessões consagradas à ética da Pátria e particularmente, aos problemas nacionais instantes; – que em todos os estatutos de todas as colectividades seja afirmado o amor da Pátria, com a incondicional aceitação das obrigações que ele impõe,

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em artigos ou parágrafos de redacção inequívoca, a introduzir imediatamente nos das já existentes e a inserir nos das futuras. Se o não quiserem, nós é que devemos não as querer.

Ângelo César

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Diário da manhã. 26-V-1965, pp. 1 e 3.

Inquérito em Angola aos antecedentes da concessão do prémio da S.P.E. LUANDA, 25 de Maio – A Repartição do Gabinete do Governo-Geral distribuiu hoje à noite o seguinte comunicado: «1 – Tem o Governo-Geral da Província acompanhado atentamente o caso da atribuição de um prémio pela extinta Sociedade Portuguesa de Escritores. «2 – A luz logo feita à volta do caso revelou uma série de acontecimentos, alguns ocorridos nesta Província, em épocas e administrações sucessivas, cujas interrelações importa ao bem do público detectar e esclarecer. «3 – Assim o entendendo, desde o início, o Governo-Geral determinou oportunamente ao serviço competente a averiguação completa acerca de assunto tão grave». A Imprensa angolana, nomeadamente o «Diário de Luanda» e «O Comércio», continuam a dedicar ao caso largo espaço. – ANI.

Apoio à decisão do Governo Centenas de telegramas de protesto, pela concessão do Grande Prémio de Novelística a Luandino Vieira, pela Sociedade Portuguesa de Escritores, continuam a ser recebidos na Presidência do Conselho e nos gabinetes de vários membros do Governo, nomeadamente dos titulares das pastas do Interior, do Ultramar e da Educação Nacional. Na Presidência do Conselho foram recebidos entre outros os telegramas seguintes: «Com autoridade que me dá ter ombreado em Angola com aqueles que ali vertem seu sangue em defesa sagrado solo pátrio, reclamo V. Ex.ª exemplar punição cobardes traidores Sociedade Anti-Portuguesa Escritores. a) Abel Condesso, oficial Caçadores».

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«Indignadamente reprovamos decisão Sociedade Portuguesa Escritores manifestando máxima satisfação Governo alta chefia V. Ex.ª reprimindo acto traição. a) Oficiais e graduados Legião Portuguesa, Porto». «Câmara Municipal de Oliveira do Hospital protesta indignadamente inqualificável atitude Sociedade Portuguesa Escritores, apoiando desagravo Governo sua imediata dissolução. Apresento V. Ex.ª respeitosas homenagens. a) Presidente Câmara Oliveira Hospital». «Comissão União Nacional do Concelho Feira, protesta indignadamente contra antipatriótica afronta decisão júri, Sociedade Escritores, prémio novelista, exprimindo pessoa insigne V. Ex.ª, Governo Nação total solidariedade. Respeitosos cumprimentos. a) presidente Belchior da Costa». «As alunas da Escola Regentes Agrícolas, Coimbra, saúdam V. Ex.ª testemunhando sua indignação pelo prémio atribuído por traidores a um traidor terrorista». «Pai furriel Manuel Francisco Martins morto pelos terroristas combate Angola também pai furriel António Martins actualmente combatendo Angola apoia com fervor nobre única atitude Governo dissolvendo Sociedade Escritores. a) Manuel Francisco Martins». «Peço licença exprimir toda repulsa atitude Sociedade Portuguesa Escritores esquecendo elementares princípios dignidade e ofendendo gravemente elevado patriotismo toda Nação. a) Comandante distrital Legião Portuguesa Porto». «Liga Antigos Graduados da Mocidade Portuguesa participa viva repulsa nacional actividades antipatrióticas Sociedade Escritores e lamenta perda vigor institucional política nacionalista tenha permitido a um traidor beneficiar sucessivos prémios pseudo literários após o seu vil comportamento terras portuguesas de África. Em nome camaradas caídos defesa de Angola e dos que servem e se aprestam para servir nas províncias ultramarinas o ideal lusíada de um humanismo cristão e redentor com o maior empenho solicitamos indispensável revigoramento doutrinário e urgente revitalização das estruturas político-sociais criadas Revolução Nacional. a) A Direcção». «Protesto enèrgicamente acto indigno Sociedade Escritores que premiou trabalho de um traidor. a) Tenente-Coronel Abílio Ferro.» «Pai combatente aviador Angola apresenta V. Ex.ª protestos máxima repulsa procedimento vergonhoso Sociedade Escritores classifica criminoso. a) Capitão Henrique Tomé, Legião Portuguesa.»

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«Comandante distrital Legião Portuguesa Aveiro apresenta V. Ex.ª indignado protesto inclassificável procedimento Sociedade Escritores verdadeiramente criminoso merecendo maior repulsa. a) Coronel Ferrer Antunes.» «Grémio da Lavoura Arcos de Valdevez apresenta V. Ex.ª veemente protesto contra vendilhões da Pátria que procuram minar a retaguarda da frente portuguesa. Respeitosos cumprimentos. a) presidente padre Vidal Gachineiro.» «Em nome Câmara Municipal e Comissão Concelhia União Nacional vimos juntar o nosso ao mais veemente protesto que toda a Nação portuguesa viril e patriòticamente manifesta pedindo adequadas providências vil traição certos escritores que se dizem portugueses. Os mais respeitosos cumprimentos. a) António José Costa Leme presidente Câmara Municipal de Esposende.»

Telegramas e cartas recebidas [sic] no Ministério do Interior Dos telegramas recebidos no gabinete do Ministro do Interior, destacamos os seguintes: «Apresento a V. Ex.ª, em meu nome pessoal e no de todos os paroquianos da freguesia de Benfica o mais enérgico protesto contra a atribuição do prémio a um traidor, manifestando todo o apoio firme à atitude do Governo de extinção da Sociedade de Escritores, porque a batalha de defesa do Ultramar terá de ser ganha também grandemente na Metrópole. a) presidente Dr. Oliveira Hagatong.» «A inqualificável atitude da Sociedade Portuguesa de Escritores, atribuindo um prémio literário a um miserável traidor merece severo castigo em desagravo daqueles que foram massacrados pelo terrorista e ainda dos que perderam a vida ou se batem pela integridade da Pátria no Ultramar, e porque é indispensável severo castigo que obste de futuro a atitudes semelhantes. Premiar um traidor é também traição. a) Presidente da Câmara Municipal de Guimarães José Pinto de Oliveira.» «É tão traidor o galardoado como os que o galardoaram. A Nação exige seja desafrontada. a) Ranito Baltasar, Covilhã».

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«A Junta Municipal de Monchique da causa Monárquica repele a afronta feita à Nação pela Sociedade de Escritores. a) Diogo Sebastiana». «A Junta Distrital de Faro, em sua reunião extraordinária, manifesta decidido apoio ao Governo da Nação e apresenta os mais veementes protestos contra a acintosa decisão do júri do concurso da Sociedade Portuguesa de Escritores ao atribuir o prémio a uma obra que representa afronta e traição à dignidade da Pátria. a) presidente, Raul de Bivar». «Em nome da Câmara Municipal de Torres Vedras e no meu próprio, apresento sentido protesto pela atitude da Sociedade de Escritores e afronta à soberania portuguesa. a) Presidente da Câmara». De registar igualmente as duas seguintes cartas recebidas pelo titular da pasta do Interior: «Belmonte – Excelência: Como português, nacionalista e pai de um moço oficial miliciano, em serviço na província portuguesa de Angola, não posso deixar de protestar contra o crime de alta traição cometido pela Sociedade Portuguesa de Escritores, ao premiar um terrorista assassino. Portugal inteiro exige um severo e justo castigo aos traidores para que sirva de exemplo, a muitos encobertos, que estão penetrando em organismos responsáveis e até administrativos. Os meus respeitos. a) Manuel Martins». «Casal de Santa Teresinha (Bemposta – Leste) – Sr. Ministro do Interior: Homem mais de acção do que de palavras, que a vida rude do campo assim nos ensina, legionário de 1936, com funções de responsabilidade na organização do Batalhão 9 e Comando Distrital em Lisboa, e agora, não obstante os seus 65 anos, no Terço Independente 27, em Abrantes, não só pelo meu próprio sentir mas pelo sentir dos legionários do Terço, venho apresentar a V. Ex.ª, pedindo o transmita a Suas Ex.as os Srs. Presidente do Conselho e Ministro da Educação Nacional, o mais enérgico protesto contra os responsáveis na Sociedade Portuguesa de Escritores que ao atribuírem um prémio a um criminoso terrorista de Angola, não só desafiaram os nossos mortos ali tombados, mas todos os portugueses, tornando-se mais criminosos, e mesmo mais perigosos, que o premiado, pois maduramente terão bem pensado no efeito político que tal acto iria produzir nos meios internacionais afectos ao mesmo terrorismo. Pedindo o castigo implacável dos responsáveis, pronto para todos os sacrifícios sem qualquer remunerações [sic], que as não tenho que a Pátria de mim necessite, peço licença para me assinar, com os mais respeitosos cumprimentos, e subordinado humilde. a) Firmino Francisco Simões, chefe de secção ajudante».

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Mensagens de protesto enviadas ao Ministro do Ultramar Revestem-se de particular interesse, os seguintes telegramas recebidos no Ministério do Ultramar: «Câmara Municipal Vila do Conde junta seu clamor onde [sic] protestos contra inconcebível atitude Sociedade Escritores premiando um responsável terrorismo Angola – Presidente Carlos Pinto Ferreira». «Ao chegar Luanda tomei conhecimento indigna atitude Sociedade Portuguesa Escritores desejando manifestar imediatamente V. Ex.ª inteiro caloroso apoio posição tomada Governo Nação através despacho Ministro Educação Nacional que traduziu mais viva repulsa todos portugueses perante inqualificável agravo memória quantos tombaram defesa da Pátria ofendendo profundamente sentimento nacional. Respeitosos cumprimentos. Carlos Moreira Rato – Governador Banco Angola». «Deputados Moçambique residentes presentemente nesta província solicitam V. Ex.ª seja legítimo intérprete seus sentimentos veemente repulsa junto Sr. Presidente do Conselho contra atribuição prémio literário pela Sociedade dita Portuguesa de Escritores ao terrorista e traidor Angolano Mateus Graça. Melhores cumprimentos. – Custódia Lopes, Fernando Frade, Manuel João Correia, Videira Pires». «Comissão Provincial do Movimento Nacional Feminino de Moçambique com autoridade de ter sempre cumprido seu lema por Deus e pela Pátria apoiando com maior solicitude moral soldados Portugal expressa V. Ex.ª a mais sentida repulsa prémio concedido terrorista condenado hediondo crime Angola consideramos mais um acto contra alta moral com que portugueses defendem Pátria e futuro Nação».

Telegrama do Governo-Geral de Moçambique O Governador-Geral de Moçambique enviou ao Ministro do Ultramar o seguinte telegrama: «Tenho a honra de transmitir V. Ex.ª seguinte: O Conselho Económico e Social na reunião de hoje decidiu levar V. Ex.ª seu unânime sentir de repulsa

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e de indignação pela atitude tomada pela Sociedade Escritores que representa uma afronta a todos os portugueses. Respeitosos cumprimentos». Enviaram também, telegramas e cartas de protesto para os Ministérios da Presidência, do Ultramar e da Educação Nacional, José Catina, Ezequiel Martins Pereira, a escritora Odette de Saint-Maurice, e muitos professores, estudantes, escritores e jornalistas.

Reacções da Imprensa de Lourenço Marques LOURENÇO MARQUES, 25 – A Imprensa de Lourenço Marques continua a referir-se ao caso da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, transcrevendo os discursos ontem proferidos na sessão do Conselho Económico e Social da província, «condenando a desonrosa atitude», e que terminou com um telegrama enviado ao Ministro do Ultramar, pelo Governador-Geral, General Costa Almeida. Referem também os jornais os telegramas de protesto enviados pelos deputados da província e pelo Movimento Nacional Feminino. – ANI.

A extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores Na terceira série do «Diário do Governo» de ontem vem publicado o despacho do Ministro da Educação Nacional, que declara «extinta, nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio de 1954, a Sociedade Portuguesa de Escritores, com sede em Lisboa».

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Diário da manhã. 27-V-1965, pp. 1 e 3.

Um editorial do Diário da Manhã referido com relevo pelo New York Times NOVA IORQUE, 26 de Maio – O editorial de ontem do quotidiano de Lisboa DIÁRIO DA MANHÃ teve acentuada repercussão nos Estados Unidos. «The New York Times»1, por exemplo, transcreve parte desse editorial, dizendo que o DIÁRIO DA MANHÃ «anunciou que o Governo está disposto a agir severamente contra a Sociedade de Escritores». A correspondente do «Times» na capital portuguesa transcreve ainda as afirmações de que «Portugal está em guerra» – e de que se pede «firmeza implacável[,] intransigência total e determinação irrevogável» no caso de Luandino Vieira. A firme e pronta reacção do povo e do Governo à decisão da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores tem sido seguida com interesse nos círculos de influência norte-americanos e internacionais em Washington e nesta cidade. Particular atenção parecem ter merecido as reacções das províncias ultramarinas portuguesas especialmente de Angola e a sua resoluta condenação do júri. – ANI.

Telegramas de protesto De todos os pontos do País continuam a ser enviados à Presidência do Conselho e aos Ministérios do Interior, Ultramar e Educação Nacional elevado número de telegramas de apoio ao Governo pela firme decisão tomada acerca da concessão do Prémio de Novelística – 1964, pela extinta Sociedade Portuguesa de Escritores. Dos telegramas ontem recebidos naqueles departamentos do Estado, destacamos entre muitos outros os seguintes: 1

(Nota do editor) Cf. Apêndice, pp. 319-320.

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«Manifesto V. Ex.ª veemente protesto atitude antipatriótica Sociedade Portuguesa Escritores concessão prémio literário terrorista angolano. a) Coronel Vitória (Guarda)». «Protesto indignadamente contra acção antipatriótica da Sociedade Portuguesa Escritores ter galardoado o traidor à Pátria angolano Luandino Vieira. a) Sargento Manuel António Nascimento». «Profundamente indignado procedimento ignóbil Sociedade Escritores ofensivo nossa querida Pátria combatentes Ultramar elemento primeira linha solicita V. Ex.ª sanções drásticas crime cometido. a) Capitão Ramos Boavida». «Apresento V. Ex.ª veemente protesto contra malévola atitude Sociedade Escritores solicitando adequado castigo para tão insólita traição. a) Major Sá Cardoso». «Como português modesto escritor e pai dois militares combatentes Angola lavro meu protesto contra atitude inqualificável Sociedade Escritores atribuição prémio literário um terrorista. a) Antero Nobre». «Inqualificável atitude Sociedade Portuguesa Escritores atribuindo prémio literário a um miserável traidor merece severo castigo em desagravo daqueles que foram massacrados pelos terroristas e ainda dos que perderam a vida ou se batem integridade da Pátria no Ultramar é indispensável severo castigo que obste de futuro atitudes semelhantes premiar um traidor é também traição. a) José Pinto Oliveira Presidente Câmara Guimarães». «Coração pai 2 filhos Ultramar estala dor pelo sacrilégio contra Pátria praticado pela Sociedade Escritores. Até quando abusarão da nossa paciência os traidores de Portugal? a) Teófilo da Cruz». «Como antigos combatentes Ultramar repelimos afronta feita Nação Sociedade Escritores camaradas caídos e seus familiares exigem desafronta. aa) Diogo Sebastião, Manuel Gregório Vivaldo, João André Valentim, António Inácio Duarte Marreiros, António Duarte, João Catarino, José Viana, José Nunes e Manuel Gonçalves». «Decidido aplauso pela corajosa, pronta e eficaz actividade. a) Goulart Nogueira». «Em nome pessoal e do grupo Teatro Gil Vicente que dirigimos repudiamos grave traição à Pátria e à memória dos que nobremente caíram na sua defesa ultrajante atribuição prémio novela pela Sociedade Escritores a vendilhão confesso do sagrado território nacional. a) César Augusto e Manuel Lereno».

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Enviaram também telegramas: Presidente da Câmara Cabeceiras de Basto, Coronel Pacheco; Solano de Almeida; Junta Freguesia Penalva de Alva; Graça Reis; Centro Popular de Cultura de Leiria; Comissão Concelhia União Nacional Coimbra; Eleutério Simões; António de Almeida Braga; Manuel Paulo Ribeiro; professores, funcionários e alunos da Escola Regentes Agrícolas de Coimbra; Dr. Gabriel Medeiros Galvão; Acção Católica de Carregal do Sal; Junta Distrital de Faro; Comando Distrital de Bragança; Com. Sr. Terço Castelo Branco; comandante lança, Lobão Ferreira; Miguel Lopes; legionários distrito Viseu; comandante lança, Normando; Rui Sacadura; lança, Dimas Fonseca; oficiais milícia graduados e legionários Vila Real; oficiais graduados e legionários de Chaves; Daniel Castanheira; Matos Parreira; Ernesto Antunes; Viriato Lima; José Boaventura; José Nobre; José Alexandre; José Sebastião; Bernardino Nobre; José Luzia; Manuel Joaquim; pessoal direcção e agentes ensino distrito escolar Guarda; oficiais graduados e legionários de Viana do Castelo; Augusto dos Santos; comandante, oficiais e legionários distrito de Braga entre os quais figuram muitos ex-combatentes Angola e Guiné; comandante terço, oficiais, milícia e legionários de Barcelos; Carvalho Monteiro; Câmara Municipal de Vila do Conde; Câmara Municipal de Barrancos; legionários de Vila Pouca Aguiar; delegado Sabrosa e seus legionários. No gabinete do Ministro do Interior foi recebido o seguinte telegrama: «A Junta de Freguesia de Vale de Prazeres protesta veementemente contra a publicação e fotografias e a apologia feita no «Jornal do Fundão» de Luandino Vieira, terrorista de Angola. a) o presidente José Salvado Pereira». A Junta Distrital de Lisboa, presidida pelo Sr. Eng.º Ribeiro Ferreira, manifestou o seu protesto contra a forma como foi atribuído o prémio novelístico por um júri da Sociedade Portuguesa de Escritores e apoiou inteiramente a atitude tomada pelo Ministro da Educação Nacional ao extinguir aquela sociedade.

O Conselho Legislativo de Moçambique discorda por aclamação da decisão do júri da S.P.E. LOURENÇO MARQUES, 26 – O Conselho Legislativo na sua sessão aprovou, por aclamação, uma proposta do Dr. Gonçalo Mesquitela de repú-

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dio e protesto pela do júri da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, no caso que levantou justos clamores em todo o País. Estes sentimentos foram transmitidos por telegrama ao Ministro do Ultramar. A Sociedade de Estudos reunirá hoje para tratar também do lamentável caso. – ANI.

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Diário da manhã. 27-V-1965, pp. 1 e 3.

O caso da S.P.E. A reacção de Angola numa palestra radiofónica do escritor Ferreira da Costa Já por várias vezes se intentou, como é sabido, ocupar posições-chaves em organizações ditas literárias, em jornais, em emissoras, em editoriais, e até em organizações importantes de livros e publicações. Em todos esses sectores, e até noutros, rotulados, pomposamente, de puramente publicitários, o inimigo, ou quem com ele está disposto a entender-se, por ambição de poder, ou de aumento de fortuna, tem diligenciado ocupar posições que lhe consintam, sob disfarces vários, num esmero zeloso trair quem nesta terra portuguesa de Angola que [sic] luta e trabalha pelo povo português, multirracial em todas as manifestações do seu viver. E não se trate [sic], sublinhemos, de oposição, ou situação, questiúncula, que, entre nós, deixou de ter significado imediato, porque a todos nós une a ideia da defesa comum e da integridade portuguesa. Um intelectual angolano, aqui nado e educado, dizia-nos esta tarde: «A trincheira não pode continuar abandonada ou guarnecida, por gente incerta, hesitante ou suspeita[»]. Lancemos o nosso apelo, porque esta hora assim o exige, ao Presidente do Conselho, que tem os olhos postos em nós. Alarguemos o nosso apelo aos Ministros do Ultramar, da Educação, do Interior e dos Negócios Estrangeiros, já que se trata de uma arrancada com projecção internacional. Roguemos-lhes que nos ajudem a dar um passo em frente contra os que estejam a trair, a lesar por estupidez, ou simplesmente por culposa apatia. Se a luta é de âmbito nacional, não há lugar para apáticos, nem sonolentos, nem comodistas mais ou menos cobardes, mesmo ainda para traidores encobertos sob designações ambíguas, não pode continuar a haver a menor parcela de terreno em que se movam. Com efeito, sabemos que traduzido este apelo, que é sentido e sério, e que representa energias dispostas a entrar em acção e que não podem ser abandonadas, algo se vai empreender. Será novamente de Angola que partirá esse vibrante toque de clarim, a chamada às fileiras de quem ande extraviado, disperso, ou não tenha ainda entendido que nós não consentimos na reincidência em confian-

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ças excessivas nem na repetição de desleixos, na ocupação da trincheira da cultura nacional. A hora exige acção a peito descoberto, em todos os campos. Não há que perder tempo. Perdê-lo já seria não servir. E não servir, neste momento, seria uma forma de traição. Que se manifeste, quem tem o dever de manifestar-se. Nem o silêncio é atitude aceitável, neste momento.

Luanda reage O revoltante caso que levou à extinção da Sociedade de Escritores, dita portuguesa, está a suscitar em Luanda, depois dos enérgicos protestos já assinalados, um sério movimento de reacção contra certo abandono a que se tem chegado na defesa das trincheiras da cultura, sobretudo naqueles que mais directamente estão em contacto com as massas populares. Jornais, Rádio, Cinema, livros, são forças que não podem estar, neste momento, à mercê de infiltrações de elementos adversos à Nação, conluiados com o inimigo externo, ou mais ou menos disfarçadamente entendidos com factores de perturbação interna. Neste momento de luta em todas as frentes, desde aquela que as heróicas Forças Armadas ocupam, tão abnegadamente, até à da economia, o factor cultural deve merecer o mais extremo cuidado, digamos mesmo a mais atenta e sagaz vigilância, já que o inimigo (ou o traidor mais repugnante que o inimigo declarado) pretende aproveitar a menor frincha para se esgueirar até ao interior da praça e exercer a sua obra maléfica. Eis porque se afirmam os círculos intelectuais de Luanda, porque em Angola se reage sempre no sentido de não perder as lições, e extrair delas elementos favoráveis a uma indispensável contra-ofensiva vigorosa. Se alguém julgava, que por influência da problemática económica, ou por incidência das atenções na grandiosa obra de desenvolvimento geral, estamos distraídos do que suceda noutros terrenos da vida nacional, muito se enganou. As reacções imediatas que se observaram traduzem uma vigilância cautelosa porque todos nós sabemos aqui de que estofo é o adversário e de quanto são capazes os seus lacaios, mais ou menos conscientes, ou mesmo animados de traiçoeiros propósitos. É possível, que na articulação assaz complexa, das relações entre os vários departamentos estatais com responsabilidades específicas, nem sempre se torne muito fácil estabelecer programação comum, e, por consequência

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uma acção comum. No entanto cremos que, surgindo uma iniciativa de homens de incontestável posição nas artes, nas ciências e nas letras de Angola, essa iniciativa tem de merecer, deve merecer, o estímulo de todos os departamentos conjugados para a defesa nacional, em todos os terrenos onde o inimigo, ou o traidor, possam surdir. De contrário, estaremos a cometer negligências e imprudências, contra as quais temos, necessàriamente, de levantar protesto. Nós vimos, pelas notícias, a forma como os Ministros do Ultramar, do Interior, da Educação, do Exército, aparecem unidos na justa repulsa ante o comportamento da extinta Sociedade de Escritores, dita portuguesa. Isso nos anima a confiar em que um empreendimento no terreno cultural para defender a trincheira das artes, das Ciências e das letras, em Angola, com projecção clara e incontestável no resto da Nação e no Mundo, terá assegurado o apoio de quem pode e deve prestá-lo. A iniciativa vai surgir, ao que nos informam. Será uma consequência salutar e oportuna, e enérgica dos que em Angola querem defender essa trincheira, até aqui um tanto adormecida e um pouco aberta às infiltrações traiçoeiras como se viu pelo caso agora vindo a público, e que não deve repetir-se.

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Diário da manhã. 28-V-1965, pp. 1 e 6.

O terrorista pretendia fazer explodir bombas de plástico em Luanda e separar Angola da Pátria portuguesa Publicou, no seu número de ontem, o «Diário de Notícias» uma extensa notícia de Luanda, recordando a sentença que condenou a catorze anos de prisão, o terrorista Luandino Vieira, agora premiado pela extinta Sociedade Portuguesa de Escritores. Dado o grande interesse da notícia, transcrevemo-la na íntegra: LUANDA – José Vieira Mateus da Graça, que também usa o nome de Luandino Vieira, e a quem um júri da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores atribuiu um prémio literário, era membro da organização terrorista denominada Movimento Popular de Libertação de Angola – ou M.P.L.A. – e, entre outros crimes, pretendeu fazer explodir bombas de plástico na capital da província, com o objectivo de atingir a população civil. A sentença de julgamento a que foi submetido – proferida por unanimidade em 22 de Julho de 1963 – revela também que o Luandino Vieira tinha em vista separar Angola da Mãe-Pátria. O José Vieira Mateus da Graça foi julgado juntamente com dois outros indivíduos, todos acusados de haverem cometido em comparticipação (10.ª agravante do artigo 34.º do Código Penal – «ter sido o crime cometido por duas ou mais pessoas») o crime contra a segurança externa do Estado, previsto e punido pelo artigo 141.º, n.º 1 do referido Código Penal artigo 141.º, n.º 1 [sic] – «intentar, por qualquer meio violento ou fraudulento ou com o auxilio estrangeiro, separar da Mãe-Pátria ou entregar a país estrangeiro todo ou parte do território português, ou por qualquer desses meios ofender ou puser em perigo a independência do País»). A sentença, cujos termos foram agora divulgados, analisa a acusação deduzida pelo digníssimo promotor de Justiça, tendo dado como provados os crimes que a seguir se mencionam, pelos quais José Vieira Mateus da Graça foi condenado a catorze anos de prisão maior e na suspensão de todos os direitos políticos por tempo de oito anos, além das medidas de segurança de internamento pelo período de seis meses a três anos.

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Em 23 de Julho de 1959, foi o José Vieira Mateus da Graça detido por distribuição de panfletos e ligações com o Movimento Popular de Libertação de Angola. Posto em liberdade um mês depois, voltou a ser detido em Novembro de 1961, tendo confessado que seguia as directrizes do M.P.L.A., movimento de que se considerava membro e com o qual se tinha comprometido a enviar para Luanda bombas de plástico destinadas a provocar o terror entre a população. Aquele criminoso encontrava-se em Luanda durante os acontecimentos terroristas que ocorreram naquela cidade em 4 de Fevereiro de 1961 e logo se desdobrou em actividades contra a soberania portuguesa, estabelecendo íntimos contactos com outros indivíduos, entre os quais os dirigentes do M.P.L.A. residentes no estrangeiro, aos quais solicitou que montassem uma emissora, editassem um jornal e enviassem bombas de plástico para aterrorizar a população. Pretendeu então, em Agosto daquele ano de 1961, sair clandestinamente para o estrangeiro, a fim de ele próprio trazer para Angola as citadas bombas de plástico. Vindo nessa ocasião à Metrópole, a fim de alcançar o seu objectivo, foi impedido de seguir viagem para Inglaterra, já dentro do avião, no aeroporto das Pedras Rubras. Impossibilitado de conseguir o seu objectivo, partiu para Lisboa onde estabeleceu contacto com o estudante Costa Andrade com o fim de partir clandestinamente do País o que não conseguiu. Nos primeiros dias de Outubro, o citado Costa Andrade escreveu-lhe de Itália informando-o das suas diligências quanto à pretendida saída clandestina e pondo-o ao corrente da opinião dos dirigentes do M.P.L.A. que era a de, por enquanto, nenhuma acção política ser desenvolvida por elementos brancos, em nome do «movimento», visto decorrerem negociações entre o mesmo e a U.P.A., para formação de uma frente única, pelo que era necessário tomar precauções tendentes a fazer abortar o boato, espalhado pela U.P.A., de que o M.P.L.A. era um «movimento de colonos». O criminoso imediatamente transmitiu essas instruções a outros indivíduos, através de um primo seu, António Júlio dos Santos Carpinteiro [sic], que se encontrava prestes a partir para Angola. «Com todo este procedimento – diz a sentença proferida pelo tribunal de Luanda – intentaram os réus, em comparticipação, separar da Mãe-Pátria a

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província portuguesa de Angola, recorrendo a meios fraudulentos, ao auxílio estrangeiro e procurando mesmo utilizar meios violentos». Assinala-se ainda, no mesmo documento, que o José Vieira Mateus da Graça enviou à África do Sul um dos réus com ele julgados a fim de estabelecer contactos com um cuanhama de nome Nangonja, então a viver naquele país, com vista a revoltar as gentes daquela tribo. Ainda em 1961 ou seja na ocasião mais aguda dos morticínios levados a cabo pelos terroristas no Norte de Angola, os réus procuraram estabelecer ligações com vista a assaltar e tomar a cidade de Moçâmedes, com o objectivo de dispersar as forças do Exército que tão heròicamente se batiam na região do Congo. O julgamento do José Vieira Mateus da Graça e dos outros dois réus procedeu-se no decurso de seis audiências de acordo com as formalidades legais, tendo os réus delegado a sua defesa nos respectivos patronos. O tribunal deu «como provados os factos e actividades praticadas e desenvolvidas pelos réus tendentes à consecução, por eles pretendida, da independência desta província portuguesa de Angola, ou seja, da sua separação ou desintegração da Mãe-Pátria, por meios violentos e fraudulentos, que só não atingiram a fase final de execução por razões independentes da vontade dos réus, e, sobretudo, por intervenção oportuna da Polícia Internacional». A citada sentença refere ainda que «todos os réus, que mantinham entre si relações de amizade, que vinham de longa data, e afinidades literárias e ideológicas, já tinham estado presos em 1959[»] e, a seguir, sublinha que «volvidos apenas dois anos, depois de restituídos à liberdade, voltaram a ter actividades com assiduidade e intensidade, nomeadamente, por ocasião dos acontecimentos anormais e trágicos de Fevereiro e Março de 1964 [sic]». O tribunal assinalou, depois, as atenuantes, tais como não terem os réus antecedentes criminais registados no respectivo certificado; não terem estimado as funestas e danosas consequências que para eles adviriam da prática dos crimes que, aliás, conscientemente praticaram; a espontânea confissão dos factos e actividades incriminadas o que facilitou a descoberta do crime e dos seus agentes e ainda de outras pessoas nele implicadas. Pelos motivos decorrentes do que acima se referiu, o tribunal considerou que as atenuantes neutralizaram a agravante militante contra os réus, pelo que usaram da atenuação do artigo 94.º, n.º 1 do Código Penal, fazendo baixar a penalidade do artigo 55.º, n.º 1 de dois escalões, para se situar no n.º 3

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do referido artigo. Assim, o José Vieira Mateus da Graça foi condenado naquela pena de catorze anos de prisão maior. – (L.).

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Diário da manhã. 29-V-1965, p. 1.

Umas notas biográficas Teve o Diário de Notícias a oportunidade de trazer, em primeira mão, ao conhecimento do público da Metrópole o texto integral da sentença que condenou a 14 anos de prisão maior o autor do livro premiado pela ora extinta Sociedade (Portuguesa!) de Escritores. Já não restam dúvidas de que o feio nome de traidor aplicado ao autor distinguido, longe de poder ser levado à conta de excesso de linguagem, corresponde exactamente à situação. Trata-se de um indivíduo sobre quem se provou, em julgamento público que transcorreu em Luanda pelo espaço de seis audiências, pelo menos isto: a) era membro da organização terrorista denominada Movimento Popular de Libertação de Angola (M.P.L.A.), de reconhecida obediência comunista; b) pretendeu, entre outros crimes, fazer explodir bombas de plástico na capital da província, com o objectivo de atingir a população civil; c) teve actividades subversivas com assiduidade e intensidade, nomeadamente por ocasião dos acontecimentos anormais e trágicos de Fevereiro e Março de 1961; d) levou essas actividades ao ponto de ter enviado outro indivíduo à África do Sul, a fim de tomar contacto com um cuanhama, então residente naquele país, com vista a revoltar povos do Sul de Angola; e) procurou, no período mais difícil da luta no Norte da província, estabelecer ligações com o propósito de assaltar a cidade de Moçâmedes, de modo a fazer deslocar para ali parte das tropas que actuavam no Congo, deixando portanto enfraquecida esta região; e f) desenvolveu uma acção tendente a desintegrar da unidade portuguesa, por meios violentos e fraudulentos, a província de Angola. Tudo isto foi provado em audiências públicas. O réu confessou espontâneamente os factos e actividades incriminadas, o que facilitou a descoberta do crime e dos seus agentes e ainda de outras pessoas nele implicadas. Essa espontaneidade, aliás, assim como a falta de antecedentes criminais registados e uma certa subestimação das consequências dos crimes conscientemente praticados constituíram circunstâncias atenuantes que fizeram descer o grau da penalidade.

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Não vale a pena perguntar o que teria sucedido a um cidadão soviético que tivesse praticado em relação à pátria os crimes cometidos contra a sua pelo réu de Luanda. Como não vale a pena procurar saber como tratariam as justiças dos Estados Unidos, ou da Inglaterra, ou da França, ou da Checoslováquia ou da China, um cidadão deste jaez. Em Portugal foi condenado a 14 anos de prisão maior, depois de consideradas as atenuantes. Não há dúvidas, pois, sobre a pessoa do autor do livro, nem sobre a gravidade dos crimes. Só por falta de sensibilidade (quais as relações entre tal carência e o facto de traição em casos como este?) ou por deliberada manobra subversiva poderia ser atribuído o prémio a tal criatura. O que está dum lado é essa miséria e a agitação comandada de quem não acredita que a Nação, farta de todo um tripudiar, ao qual não faltam impudências de troça, se tenha decidido a enfrentar a ofensiva vermelha do assalto à inteligência. Ai de nós, se não aproveitamos a oportunidade do crime da Sociedade de Escritores para atacar na raiz as origens do mal e cuidar de contra-ofensiva em termos!

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Diário da manhã. 29-V-1965, p. 1.

A Universidade de Lisboa participa no movimento de repulsa O Senado da Universidade de Lisboa, em sessão de 28 do corrente, aprovou a seguinte moção: «O Senado exprime o sentimento de comovido respeito pela memória de quantos têm sido vítimas do terrorismo nas províncias de além-mar, e associa-se à mensagem que o Reitor da Universidade há dias tornou pública, de fervorosa homenagem a todos os universitários que têm dado a vida em sagrada defesa da integridade da Nação. É neste espírito que o Senado, pronunciando-se sobre o caso lamentável da atribuição de um prémio literário a quem foi judicialmente condenado e está cumprindo longa pena maior pelos mais nefandos dos crimes – terrorismo e traição à Pátria –, considera ser seu dever, como instituição portuguesa com responsabilidades em matéria de educação, afirmar a mais veemente repulsa por esse facto tão grave, que teve e está tendo funda repercussão na comunidade nacional portuguesa». Transcreve-se, a seguir a mensagem do Reitor Paulo Cunha a que se faz referência na moção, e foi dirigida ao Reitor da Universidade de Coimbra que estava então em Luanda, para assistir à homenagem prestada aos universitários de Coimbra caídos em Angola no campo da honra: «Quero exprimir ao meu caro colega todo o fervor com que participo na tocante cerimónia de hoje em que, além de representado pelo Prof. Amaro Monteiro da minha Universidade, estarei plenamente presente em espírito, curvando-me reverente perante a memória dos universitários que a morte infelizmente ceifou mas foram felizes ao serem chamados por Deus a dar a vida pelo supremo bem que é a Pátria.[»] Tendo-se perguntado quem interveio na votação da moção, obteve-se o esclarecimento de que não puderam estar presentes, na sessão do Senado, os Profs. Raul Ventura e Delfim Santos. A moção foi aprovada por todos os restantes membros do Senado, com a ressalva de que o Prof. Germano Sacarrão, comungando aliás no espírito patriótico da moção, não lhe deu todavia o seu voto, por preferir outra formulação, que propôs ao Senado».

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Diário da manhã. 29-V-1965, p. 6.

Mais telegramas de protesto contra o prémio atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores Na Presidência do Conselho continuam a ser recebidos numerosos telegramas de protesto contra a atribuição do Prémio de Novelística pela extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, entre os quais se destacam os seguintes: «Não basta a repulsa e indignação em situação de guerra desejamos e concedemos inteiro apoio e solidariedade impriosas [sic] medidas punitivas actos traição à Pátria. – Deputado Carlos Coelho.» «Com total repulsa infames actos ùltimamente tornados públicos vimos trazer inteiro aplauso e solidariedade medidas saneadoras retaguarda nossa frente batalha chamando especial atenção Vossa Excelência foco traição surgido determinado órgão imprensa regional – Carlos Coelho, vice-presidente em exercício Comissão Distrital União Nacional Castelo Branco.» «Manifestamos nossa indignação infâmias tornadas públicas actos traição à Pátria carecem exemplares medidas punitivas. – Carlos Coelho, presidente da Comissão Regional Turismo Serra Estrela.» «Dirigentes Casa Mocidade Covilhã protestam junto V. Ex.ª publicação n.º 984 «Jornal Fundão» hora de luta integridade nacional – João Manuel Leite de Castro.» «Comandante Ala Covilhã Mocidade Portuguesa futuro solado Pátria protesta elogios traidor Portugal publicados número 984 «Jornal Fundão» – Comandante grupo, Rui Cavaca Marcos.» «Comandante Centro Escolar 2 Mocidade Portuguesa Liceu Covilhã lembrando antigas colegas graduados actualmente combatentes ultramar protesta contra publicação 984 «Jornal Fundão» – Comandante Grupo, Carlos Rosa Marques.» «Como pai militar África e português aceite V. Ex.ª expressão minha indignação nefasta publicação número 984 «Jornal Fundão» impossível compreender neste momento histórico vida nacional – Ranito Baltazar.»

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«Núcleo estudos ultramarinos Covilhã lastima profundamente publicação número 984 «Jornal Fundão» elogioso para traidor Pátria terrorista angolano – Paulo Rato Rainha». Entre outros telegramas, chegados ao Ministério do Ultramar, destacamos os seguintes: «Signatário único profissional imprensa trabalhando norte Angola em sessenta e um sessenta e dois, tendo visto sangue correr esforço geral aplaude política governamental propósito concessão prémio novelística traidor – Fernando Cruz Gomes, editor revista “Trópico Luanda”». «Comissões Distrital concelhias União Nacional Inhambane manifestam perante V. Ex.ª profunda indignação atitude Sociedades Escritores premiando traidor Pátria. Apoiam inteiramente atitude Governo nome todos filiados. Respeitosos cumprimentos. – Presidente Monteiro Costa.»

Um telegrama do Governador-Geral de Angola Em resposta a um telegrama do Dr. José de Azeredo Perdigão, enviado em 21 do corrente e oportunamente publicado, foi ontem recebido na Fundação Gulbenkian o seguinte telegrama do Governador-Geral de Angola: «Os elevados sentimentos que conduzem a prestimosa actividade da Fundação Gulbenkian são òbviamente incompatíveis com actos de terrorismo de que foi vítima esta tão portuguesa província. Assim a repulsa e a solidariedade tão prontamente agora manifestadas por V. Ex.ª vêm ao encontro do alto lugar em que colocamos a Fundação. Aceite V. Ex.ª com os melhores cumprimentos os votos de gratidão de Angola.»

Protestos da Imprensa de Lourenço Marques LOURENÇO MARQUES, 28 – Sob o título «Um punhado de lama», o semanário «Renovação», publica, no seu número especial dedicado ao «28 de Maio», um artigo de protesto pela atribuição do prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores que tanta repercussão tem tido em toda a Nação. Por sua vez o «Diário» publica um artigo assinado por Amparo Baptista sobre o mesmo assunto. – ANI.

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Diário da manhã. 30-V-1965, p. 1.

Nós deixámos 1 – Quando nas represas a água sobe e não pára de subir, acaba por galgá-las e livremente prosseguir na sua carreira para o mar. A inércia do imobilismo das pessoas que parecem coisas é como os muros que retêm a água. Mas elas próprias acabam por ser submergidas. 2 – Nós deixámos – uns atraídos, outros distraídos e todos, em verdade, traídos – plantar a árvore do mal, cuidar da árvore do mal e frutificar a árvore do mal. Engrossou o tronco, alargou os ramos e afundou as raízes… Nós deixámos! 3 – O marxismo apoderou-se progressivamente, das páginas e tribunas da crítica. Dispõe das armas terríveis dos adjectivos e das sentenças opinativas, para embargar o passo aos que servem, apregoam, cantam e exaltam a Verdade e a sua natural irradiação que é a Beleza. Com a técnica e a teia dos elogios, proliferados em cadeia, um a um, o marxismo foi valorizando e alcandorando os seus adeptos – literatos, contistas, novelistas, romancistas, etc. Pouco a pouco, segundo as espaçadas imagens da cortina que encobre o palco, só eles passaram a figurar e a existir, só eles têm vulto, só eles são oferecidos à contemplação e à reverência da plateia. Noticiário, homenagens, consagrações, banquetes e prémios, tudo mobiliza e utiliza para os impor e para lhes assegurar a manutenção do espaço assim ocupado, de que os servidores da Verdade e da Beleza são agressivamente escorraçados. 4 – Há poucos anos, apareceu aí um livro sério, de cultura séria, de pensamento estruturado que, se fosse editado em Paris, impressionaria a crítica responsável. Chama-se «Vida e morte das formas» e é seu autor o português, quase desconhecido, Mário Alves Pereira.

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Usufruiu da crítica escassas linhas de referência anedótica. Foi deliberadamente abafado e afastado para a sombra do silêncio. Um novo – tem de ser moço e ardoroso – escreve duas novelas em que, com engenho e vida, faz a apologia da Verdade. Referimos «A palavra contra o muro» e «Os quadrilheiros da inteligência», de Mário César Ferreira, em que há, com literatura de expressão actual, a vibração da repulsa do comunismo. Quem os conhece e quem os leu? O arame farpado das páginas de crítica e das demais tribunas marxistas não os deixou dar um passo em direcção ao público. Entretanto, não há blasfémia contra o Espírito, não há qualquer miséria freudiana, de folheto ou livro, que não tenham a recepção dos aplausos que se representam e repetem, adormentando e intoxicando, até que são aceites, lidas, espalhadas e «admiradas». 5 – As covardias foram-se agregando ao redor da árvore do mal. Alguns cidadãos, que têm a missão sagrada de ensinar e educar, aí acorreram – uns solicitando os elogios enebriantes [sic] e outros erguendo os olhos para os ramos, como quem entre as nuvens procura vislumbrar o sol de um possível amanhecer. Perplexos e perturbados, os jovens olhavam a árvore do mal e estranhavam que ela, só ela, crescesse. Um ou outro que contra a árvore se encaminhava, logo era derrubado, nos primeiros passos, pelas pedras certeiras da crítica vigilante. Entre a mocidade foi alastrando a convicção de que só o marxismo é o caminho ou de que só o marxismo poderá ser o caminho. É assim e ninguém se esqueça de que é assim! 6 – Não pode contestar-se ao Estado o direito de policiar e de punir. Exercendo esse direito, são presos e julgados os que actuam ou tentam actuar contra a Ordem e os seus princípios. Assim se vai processando aquilo que devemos chamar, com rigor e propriedade, a guerra contra os efeitos. Mas se é legítimo estes combates, igualmente, pelo menos, o é fazer quanto se mostre necessário para eliminar as causas. Se as causas fossem intangíveis como seria legítimo condenar os seus efeitos?

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7 – Com dialéctica irrespondível, somos forçados a abrir os olhos e a ver! O caso da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores se é um fruto, mais parece uma folha caída dessa árvore do mal que nós deixámos plantar, crescer e frutificar. Com dialéctica irrespondível, afirmamos e teimamos em afirmar que, ou a árvore é desenraizada, tornada em achas e queimada votivamente no altar da Pátria ou, então, o que se fez nada foi, porque tudo é nada enquanto se não faz tudo! Ou eliminamos as causas, ou não valerá a pena só incriminar e só punir os efeitos. Ângelo César

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Diário da manhã. 31-V-1965, pp. 1 e 3.

O caso da S.P.E. Telegrama do Governador-Geral de Moçambique ao Ministro do Ultramar No gabinete do Ministro do Ultramar, foi recebido o seguinte telegrama do Governador-Geral de Moçambique: «Honra transmitir a V. Ex.ª seguinte telegrama aprovado por unanimidade: «Conselho Legislativo de Moçambique, na sua primeira sessão depois de conhecida inqualificável atitude da já felizmente extinta Sociedade Portuguesa de Escritores atribuindo e mantendo prémio a terrorista responsável e como tal condenado, em nome respeito nos merecem nossos mortos, em nome total apoio damos nossos militares e como afirmação nossa perene vontade resistir todas as formas envenenamento vontade nacional, apresenta V. Ex.ª seu total completo e indignado repúdio aquela atitude». Foram também recebidos mais os seguintes telegramas: «Movimento Nacional Feminino Viseu lamenta atitude Sociedade Escritores e renova seu incondicional apoio Governo». «Como macaense portanto português não posso deixar manifestar a V. Ex.ª mais viva repulsa indignação contra atribuição prémio terrorista tamanha afronta todos portugueses qualquer cor tão abnegadamente defendem nossa Pátria quer terras Ultramar quer Metrópole incondicional apoio Governo oportuna extinção Sociedade Escritores. a) Oliveira Hagatong». «Câmara Municipal Inhambane seu nome e no da população cidade manifesta V. Ex.ª sua repulsa e maior indignação pela inqualificável afronta atitude Sociedade Escritores concedendo um prémio literário a um traidor, condenado como tal». «Direcção Cooperativa Criadores Gado sua reunião 25 corrente resolveu transmitir V. Ex.ª sua repulsa inqualificável procedimento Sociedade Portuguesa Escritores distinguindo prémio literário um inimigo Pátria».

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Diário da manhã. 1-VI-1965, p. 1.

dia a dia… dia a dia… […] A cor da traição Não se calaram ainda os ecos suscitados pela escandalosa atribuição do prémio da extinta Sociedade Portuguesa (?) de Escritores ao novelista-terrorista Luandino Vieira. Há um pormenor, contudo, que muita gente inadvertida ainda ignora – é que Luandino Vieira é metropolitano, natural de Vila Nova de Ourém. Rádio Moscovo (que tem a particularidade de não acertar uma) chamava-lhe angolano – e preto. […]

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Diário da manhã. 1-VI-1965, p. 3.

O caso da S.P.E. Exemplo dos desvios a que pode conduzir a paixão política – Um editorial do deputado Dr. Bento Levy no jornal «O Arquipélago» da Cidade da Praia CIDADE DA PRAIA, 31 – Sob o título «O Feitiço contra o Feiticeiro», publica o jornal «O Arquipélago» um editorial do seu director, o deputado Dr. Bento Levy, que afirma: «O caso de Luandino Vieira, condenado por actos de terrorismo em Angola e recentemente premiado pela Sociedade Portuguesa de Escritores é um autêntico exemplo dos desvios a que pode conduzir a paixão política». «A atitude do Dr. Cunha Leão, pedindo a demissão de sócio “por imperativo de consciência”, pois “confiava na possibilidade de agremiar escritores, mas portugueses”, dá-nos a medida dos propósitos que teriam movido o júri que atribuiu o prémio. Na verdade, a tibieza da justificação fornecida em nota à Imprensa pela S.P.E., fundamentando a sua decisão “apenas no valor da obra” e “de modo nenhum significando um juízo referente às actividades de que o autor é acusado”, quando é certo que não se trata de um “acusado”, mas de um “condenado” – por crime provado, portanto, e em pena grave – leva à convicção de que se quis pôr em cheque a política do Governo, sem ponderar que o meio utilizado conduzia a conclusões que atingem os sentimentos profundos da Nação em guerra, lutando pela sua integridade. De resto, um possível erro impunha a anulação imediata da decisão, conhecida que fosse a personalidade do premiado.

Acompanhando o sentir unânime do País Não temos presente o despacho do Ministro da Educação Nacional, dissolvendo a S.P.E., mas os resultados foram contrários aos fins procurados pelo júri. Os clamores indignados da imprensa angolana e metropolitana, de que a Rádio nos dá notícia, e que nos chegam também de Espanha, revelam

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que a S.P.E. – melhor, alguns dos seus responsáveis – querendo fazer a apologia de determinada política – qual?… – caíram precisamente no campo oposto. Em vez de servirem essa política, só contribuíram para o seu descrédito e fortalecimento da que pretenderam atingir, indo, aliás, à cegueira extrema de atentar contra a própria dignidade dos escritores portugueses – seus agremiados – ao incluir na sua galeria um anti-português – agente activo de uma guerra que nos movem de fora. A reacção tinha de vir de todos os lados. A repulsa foi geral. É essa repulsa que deixamos aqui consignada, acompanhando o sentir unânime do País.» – ANI.

«Quem foi que nos traiu?» – pergunta o «Notícia» de Luanda LUANDA, 31 – O semanário «Notícia» desta cidade insere na sua última edição um comentário sobre o caso da extinta Sociedade de Escritores sob o título «Quem foi que nos traiu?», que transcrevemos na íntegra: «O que se tem lido durante a última semana prova que é difícil encarar com serena objectividade o caso da Sociedade Portuguesa de Escritores». O autor do livro premiado por aquele extinto organismo encontra-se cumprindo a pena de catorze anos em que foi condenado por Tribunal Militar, ao abrigo do artigo 141 do Código Penal que contempla as tentativas, mesmo não conseguidas, contra a integridade do território nacional. Para cima dele – que no caso não pôs, nem podia pôr, prego ou estopa – foi deslocado o eixo da questão, transformando em 48 horas um mau aventureiro político e um apenas razoável escritor, em pendão internacionalmente agitado por círculos ditos de oposição, por um “partido” de que ele, muito possìvelmente, nem nunca ouviu falar. Recordando que o autor do livro foi julgado por um Tribunal Militar legalmente instituído e constituído: foram-lhe feitas contas e ele está a cumpri-las. Tenhamos a dignidade de não o chamar para o caso e de o esquecer completamente: as contas que havia a fazer-lhe estão feitas e nenhumas outras podem exigir-se-lhe, moral ou jurìdicamente. De quem se falou muito pouco foi dos reais autores da manobra miserável: dos cavalheiros que, com conivências, ou não, dentro da Sociedade Por-

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tuguesa de Escritores, tiveram em Lisboa o estranho conhecimento prévio de que o prémio ia ser atribuído a «Luanda» e se precipitaram a maquinar o aproveitamento do nome dum preso – para fins dos chamados políticos. E isto seria o menos: o preso, podia, quando muito, mandar pedir responsabilidades aos tais oposicionistas que o nomearam como sendo dos seus. O mais, o pior é que a manobra obedeceu à velha e nunca por demais condenada táctica de provocar um escândalo internacional sobre assuntos que só a nós, cá dentro, dizem respeito. Esta maneira de vender a consciência e de vender o decoro da Pátria – isso é que deve, acima de tudo, ser desenterrado, cuidadosamente examinado e convenientemente punido. Pela nossa parte continuaremos a perguntar: quem foi que mandou as notícias para o estrangeiro? Quem foi que optou, miseràvelmente por um palco internacional para as suas acrobacias de política interna? Aí sim: quem foi que nos traiu, aos portugueses de todas as cores políticas, ou seja, simplesmente, aos portugueses?». – L.

A Moção da Sociedade de Estudos LOURENÇO MARQUES, 31 – O diário «Notícias» que se publica em Lourenço Marques, anuncia: «De acordo com informações chegadas até nós, sabemos que a direcção da Sociedade de Estudos decidiu dar conhecimento ao Governador-Geral da moção aprovada na sua última reunião, em que se lamenta a atitude assumida em Lisboa pela extinta Sociedade de Escritores, ao atribuir o Grande Prémio de Novelística ao terrorista angolano Luandino Vieira». – ANI.

2. Em Angola

2.1. No Diário de Luanda

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Diário de Luanda. 20-V-1965, pp. 1 e 12.

Que é isto?! Quem nos está traindo?! Da Metrópole, nos veio a notícia. E de espanto esfregamos os olhos: pois é possível que um terrorista – um dos que fomentaram o drama tremendo, que causou tantas vítimas e contra o qual os nossos soldados continuam a bater-se, para o conter, para impedir que os crimes de 1961 se renovem – seja premiado em Portugal metropolitano, como uma personalidade normal? Foi ele condenado a 14 anos de prisão num tribunal de Luanda, por crimes contra a Pátria, contra a integridade de Portugal[,] contra a vida e segurança dos portugueses de Angola. Pois na Metrópole há uma entidade que se considera de intelectuais, de escritores, que lhe entrega os 50 contos recebidos da Fundação Gulbenkian! Já sabemos, já sabemos: foi o júri… Mas que espécie de júri escolheu a Sociedade de Escritores?! E como não anulou o concurso ao verificar que o júri era dessa qualidade? Num país onde houvesse em todos os sectores a noção das responsabilidades, «Luandino Vieira», José Vieira Mateus da Graça, não seria sequer admitido ao concurso. Ele não é um oposicionista, como tão depressa se fez mandar dizer aos jornais estrangeiros; é um traidor à Pátria. Compreendemos que a Sociedade Portuguesa de Escritores pode haver sido colhida de surpresa, e que nem haja verificado a personalidade dos concorrentes. Mas o júri sabia; e a Sociedade deveria saber quem são as personalidades que constituem o júri. E todavia escolheu esse júri. Cabe-lhe, pelo menos, essa responsabilidade. E cabe-lhe a responsabilidade de haver aceito semelhante veredicto. Porque onde houvesse um pouco de portuguesismo este facto – a decisão do júri e o conhecimento da personalidade de quem fora beneficiado com o prémio de novelística – devia provocar um movimento imediato de repulsa e a anulação do concurso e da decisão do júri.

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Estão os nossos soldados a bater-se em Angola. Padecem trabalhos, fadigas, riscos mortais. Muitos deles têm deixado aqui a vida, imolada no serviço da Pátria e da defesa dos portugueses de todas as raças e credos, que no Ultramar vivem. Pois bem! Estes soldados, que em Angola se batem, pela nossa tranquilidade e segurança, são atraiçoados na Metrópole, são vilipendiados por um júri, que dá a sua cumplicidade aos assassinos, incendiários e violadores. Consente-se?! Fica válido e impune?! Aqui em Angola todos nos sentimos afrontados, tomados de indignação! É uma afronta! Afronta para os nossos soldados! Afronta para todos os que em Angola permanecemos para que Portugal aqui continue. Ousamos dizer que se nos deve uma reparação. Não vale a pena continuar a resistir, se a traição nos apunhala pelas costas e o pode fazer sem repressão nem sequer desaprovação. Por nossa parte, como portugueses e angolanos, protestamos, protestamos, protestamos!

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Diário de Luanda. 20-V-1965, pp. 1 e 11.

Simplesmente inacreditável! LISBOA, 20 – Causou espanto em toda a Metrópole a notícia ontem publicada de que a Sociedade Portuguesa de Escritores atribuiu o prémio da novelística ao livro «Luuanda» a um terrorista de Angola de nome completo José Vieira Mateus Graça, condenado por actos de terrorismo a catorze anos de prisão. Telegramas de Londres, que transcrevemos, dizem: «Em telegrama de Lisboa, distribuído pelas agências noticiosas, anuncia-se que círculos da oposição portuguesa declararam que um dos escritores distinguidos com prémios anuais pela Sociedade Portuguesa de Escritores estaria a cumprir uma pena de catorze anos de cadeia, por actividades subversivas». Pouco depois foram distribuídos outros telegramas, também de Lisboa, anunciando que o informador oficial declarara que Luandino Vieira, escritor distinguido com o prémio do conto, pelo seu livro «Luuanda», era pseudónimo de José Vieira Mateus Graça, que foi condenado em 22 de Junho de 1963 num tribunal de Luanda a catorze anos de prisão, por crimes de terrorismo, praticados na Província de Angola e não por actividades subversivas. O mesmo informador teria declarado que certamente a Sociedade Portuguesa de Escritores concedera o prémio, em virtude de não conhecer a verdadeira identidade daquele indivíduo, acusado e condenado por crimes tão repugnantes. – L.

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Diário de Luanda. 21-V-1965, pp. 1 e 11.

A imprensa metropolitana verbera enèrgicamente a decisão da Sociedade de Escritores sobre o prémio de novelística LISBOA, 21 – Com uma rara excepção, a Imprensa da Metrópole, faz-se eco da atitude saudável de protesto assumida por Angola e alguns dos seus principais jornais pelo facto de ter sido atribuído um prémio literário a um confessado terrorista. O «Diário de Notícias» transcreve o editorial do «Diário de Luanda» encabeçando a notícia a duas colunas com o seguinte título: «Estranheza em Angola pela atribuição dum prémio da Sociedade Portuguesa de Escritores». «A Voz», também a duas colunas, afirma em título: «Angola protesta com mágoa e repulsa contra a atribuição de um prémio a um terrorista». O mesmo jornal acrescenta à reportagem um notável editorial em que chama a atenção para os perigos de deixar cair nas mãos de pessoas que por política são capazes de tudo, mesmo de atraiçoar a Nação, e conclui afirmando: «O livro premiado não tem efectivamente categoria literária. É sofrível, entre os dez e os doze valores. Há muito disso por cá e não acreditamos, ninguém acredita, que o prémio não tenha tido objectivo político. Entretanto, o Mundo irá criando a imagem de um mártir, dum “grande escritor”, preso por cárceres dos “colonialistas”[.]. Chessman foi também um vil assassino e de todo o mundo comunista e afins surgiram mensagens para o livrar da cadeira eléctrica. Ao laureado e à Sociedade de Escritores bastará para os condenar o sangue dos nossos soldados, as lágrimas das mães portuguesas, o sentimento ancestral da grei. A traição foi premiada.» O «Diário da Manhã», com o título a quatro colunas «Indignação e repulsa pelo facto incrível», transcreve todo o noticiário distribuído pela «Lusitânia», incluindo os artigos do «Diário de Luanda» e de «O Comércio» e ainda o protesto da Associação dos Naturais de Angola. Por outro lado, o mesmo jornal publica um artigo de fundo intitulado «Perante a traição», no qual historia o que se tem passado, terminando com as seguintes palavras: «É urgente que os culpados, sejam eles quem forem e apresentem as hipócritas explicações que apresentarem, sejam chamados à responsabilidade. Exigem-no os mortos no campo de batalha. Exigem-no as mães de luto e as

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lágrimas das noivas e das irmãs. Impõe-no a juventude em armas. É a Nação quem o quer. Ainda desta vez vamos ficar de braços cruzados?» – L.

A Fundação Gulbenkian declina qualquer responsabilidade na atribuição do prémio LISBOA, 21 – O conselho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian entregou a seguinte nota: 1.º – Os grandes prémios de poesia, teatro, novelística e ensaio da Sociedade Portuguesa de Escritores, foram por esta instituídos com o patrocínio da Fundação, em 1961; 2.º – A Fundação não tem, nem nunca teve, qualquer intervenção directa ou indirecta na constituição dos juris que atribuem os prémios e nas suas resoluções; 3.º – Essas resoluções só lhe são comunicadas depois de definitivamente tomadas e não carecem da homologação da Fundação para serem válidas e executórias; 4.º – Assim, a Fundação limita-se a subsidiar uma instituição cultural portuguesa legalmente constituída e em plena actividade na realização dum dos seus fins estatutários; 5.º – Do anteriormente exposto resulta que a Fundação não tem qualquer responsabilidade pela maneira como têm sido atribuídos os referidos prémios; 6.º – Tendo, porém, em atenção certas circunstâncias vindas a público a propósito da atribuição, no ano corrente, dum dos ditos prémios, a Fundação não deixará de rever a sua política em matéria de patrocínio de prémios a atribuir por outras entidades, em ordem a evitar, se possível, que a atribuição eventualmente se realize com desvio dos fins que ela teve em vista ao patrociná-los». – L.

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Diário de Luanda. 22-V-1965, pp. 1 e 11.

O caso do prémio de novelística Por decisão superior foi dissolvida a Sociedade Portuguesa de Escritores LISBOA, 22 – Por considerar inadmissível a decisão do júri literário que atribuiu o prémio de novelística da Sociedade Portuguesa de Escritores a um traidor à Pátria, o Ministro da Educação Nacional acaba de exarar um importante despacho que se transcreve na íntegra: «Considerando que a Sociedade Portuguesa de Escritores, através de um júri designado pelos seus corpos gerentes, atribuiu o grande prémio de novelística a um indivíduo condenado criminalmente a 14 anos de prisão maior por actividades de terrorismo na Província de Angola; Considerando que apesar de tornadas do domínio público a identidade e a situação do mesmo indivíduo, nem o júri revogou aquela decisão nem os corpos gerentes a repudiaram; Considerando com efeito que tal repúdio se não contém – nem mesmo de forma implícita – no comunicado remetido pela direcção da Sociedade à Imprensa, e [de] que a mesma direcção me enviou cópia; Considerando a gravidade excepcional dos factos referidos que além do mais profundamente ofendem o sentimento nacional, quando soldados portugueses tombam no Ultramar, vítimas do terrorismo de que o premiado foi averiguadamente agente; Considerando que a situação exposta é legalmente justificativa da dissolução da Sociedade em referência; determino, nos termos do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio de 1954, a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores». O Ministro da Educação Nacional, Dr. Galvão Teles». – L. N. R. – A pronta e enérgica decisão tomada pelo sr. Ministro da Educação Nacional mostra de forma inequívoca quão fundados foram os protestos da nota que publicámos na nossa edição de anteontem; e quão legítima foi e é a indignação da gente portuguesa de Angola, ante tão insólita atitude do júri que atribuiu o prémio de novelística.

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Uma circular da Sociedade Cultural LISBOA, 22 – Assinada pelo presidente da direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores, sr. Prof. Dr. Jacinto do Prado Coelho, recebemos uma circular enviada à Imprensa, afirmando, em primeiro lugar, que «desconhece inteiramente a identidade do autor do livro “Luuanda”, subscrito com o pseudónimo Luandino Vieira, revelada, anteontem, em telegrama proveniente de Londres». Em segundo lugar, afirma que o valor literário da obra é atestado, além do mais, pela atribuição anterior ao autor, dos seguintes prémios: 1961 – 1.º prémio de conto da Sociedade Cultural de Angola, Luanda; 1962 – 1.º prémio «João Dias» da Casa dos Estudantes do Império, Luanda [sic]; 1963 – 1.º e 2.º prémios de conto da Associação dos Naturais de Angola, Luanda; 1964 – 1.º prémio «Mota Veiga»[,] Luanda – atribuído este ao referido livro. Em terceiro lugar, a circular afirma: «O grande prémio da novelística, baseou-se, exclusivamente, no valor literário da obra, de modo nenhum significando um juízo referente às actividades de que o autor é acusado». Em quarto lugar, o presidente da Sociedade Portuguesa dos Escritores afirma que a Sociedade estudará «atenta e objectivamente todos os elementos e informações que lhe sejam fornecidas para exame do problema agora levantado». N. R. da «Lusitânia»: – Angola saberá, melhor do que ninguém, responder a esta circular que, por nosso intermédio, chega aos seus órgãos de informação, se houver ainda alguma coisa a acrescentar à saudável acção testemunhada pelos artigos e manifestações de repulsa contra o infeliz acto do júri da Sociedade. Quanto a nós, surpreende-nos que, no terceiro capítulo, a circular da Sociedade Portuguesa dos Escritores, pareça considerar que o seu beneficiado é, apenas, «acusado» – e não de [sic] um condenado por crime provado. – L. Joaquim Paço d’Arcos deixa a presidência da Assembleia Geral da Sociedade de Escritores LISBOA, 22 – O escritor Joaquim Paço d’Arcos, presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Escritores, enviou ao vice-presidente da mesma sociedade, a seguinte carta:

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«Meu Ex.mo Camarada: Não me permitindo as circunstâncias que vim encontrar, no meu regresso do estrangeiro, continuar a desempenhar em paz de consciência e com convicção da utilidade, o esforço que durante tantos anos desinteressadamente consagrei à Sociedade Portuguesa de Escritores – não me permitindo essas circunstâncias continuar a desempenhar as funções de presidente da Assembleia Geral da Sociedade – rogo-lhe o favor de assumir as referidas funções até que, em Assembleia Geral, seja preenchido o cargo que entendo meu dever deixar de ocupar. Creia-me muito afectuosamente, Joaquim Paço D’Arcos». – L.

Protesto de antigos combatentes de Angola e da Guiné LISBOA, 22 – O Ministro do Exército recebeu numerosos telegramas de protesto contra a decisão da Sociedade Portuguesa de Escritores, subscritos, na sua maior parte, por militares que estiveram a cumprir missões em Angola e na Guiné e que através deles manifestam a maior indignação. Um desses telegramas foi enviado por mutilados que se encontram em tratamento no Hospital Militar Central. Assinaram outros telegramas: um grupo de combatentes regressados de Angola; um velho lavrador do Congo Português, vítima do terrorismo; um grupo de estudantes e professores primários, numerosos militares de todas as graduações, etc. – L.

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Diário de Luanda. 22-V-1965, p. 12.

Grupos [sic] de indivíduos assaltaram a sede da Sociedade Portuguesa de Escritores que foi totalmente depredada LISBOA, 22 – Foram dirigidas à Presidência do Conselho e Ministérios da Defesa, do Ultramar e Interior, vibrantes manifestações da mais viva repulsa pela Sociedade de Escritores, a quem alguns chamam de ingénuos intencionais e outros abertamente traidores. A Metrópole reage com a mesma energia exemplar, dando assim mais uma prova de unidade de sentimentos. Segundo a reportagem do «Diário de Notícias», o assalto à Sociedade Portuguesa de Escritores processou-se do seguinte modo: «Cerca de 50 desconhecidos assaltaram, ontem à noite, cerca das 22 h., a sede da Sociedade Portuguesa de Escritores. Os assaltantes começaram por afixar, numa das portas da entrada, um dístico onde se podia ler: “Agência de Terroristas na Metrópole”. Nas várias salas, nas paredes, viam-se, ainda, outras frases. Uma delas: “MPLA sucursal”. Todo o mobiliário foi completamente destruído, as portas e as janelas ficaram danificadas, os candeeiros e as molduras partidos, as máquinas de escrever e os ficheiros inutilizados. Os prejuízos são elevadíssimos. Duas salas foram, no entanto, respeitadas: a biblioteca e a sala da reunião da Direcção. Um grande retrato a óleo de Aquilino Ribeiro (fundador e primeiro presidente da Sociedade) não sofreu qualquer dano. O mesmo aconteceu às fotografias de Jaime Cortesão e de Joaquim Paço d’Arcos».

O Dr. Cunha Leão demitiu-se de sócio da SPE LISBOA 22 – O dr. Cunha Leão dirigiu à Sociedade Portuguesa de Escritores, de que era sócio, e foi antigo director, o seguinte telegrama: «Dolorosamente surpreendido com as notícias e a falta de pronta explicação pública pela decisão por maioria do júri da novela, peço a demissão de sócio por

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imperativo da minha consciência, lembrando o alto espírito de Jaime Cortesão, com quem fiz parte da Direcção, confiado na possibilidade de agremiar escritores, mas portugueses. Permito-me tornar pública esta resolução – Cunha Leão». – L.

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Diário de Luanda. 23 de maio de 1965, p. 12.

Multiplicam-se os protestos contra a decisão da Sociedade dos Escritores sobre o prémio de novelística LISBOA, 23 – O sr. dr. Santos Júnior, Ministro do Interior, enviou da Régua para Lisboa, ao seu colega da Educação Nacional, o seguinte telegrama: «Com minha inteira solidariedade firme decisão tomada, felicito V. Ex.ª despacho publicado, manifestando repulsa triste atitude Sociedade de Escritores». Telegramas recebidos no Gabinete do sr. Ministro do Ultramar: «Tendo o Conselho de Administração do Banco de Angola, na sua sessão de ontem, lavrado em acta um voto de vivo protesto e indignada repulsa pela insólita atitude da Sociedade de Escritores, galardoando um traidor com grave ofensa à memória das vítimas do terrorismo e ao sentimento pátrio, deseja exprimir a V. Exa. solidariedade à decisão do Governo através do despacho do Ministro da Educação Nacional, reparando o agravo feito à Nação. – Fernando Pessoa, vice-governador». «Coração da família Tenreiro da Cruz, com dois filhos em serviço militar no Ultramar, estala de dor pelo sacrilégio contra a Pátria praticado pela Sociedade Portuguesa de Escritores. – a) Teófilo da Cruz». – L.

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Diário de Luanda. 24 de maio de 1965, p. 6.

Ainda o caso do prémio de novelística da Sociedade de Escritores Do sr. Maurício Gomes recebemos, com o pedido de publicação, a seguinte carta: Sr. director: Tendo o signatário feito parte do júri que atribuiu o prémio literário «MOTA VEIGA» a um livro de contos do escritor Luandino Vieira, que não conhece pessoalmente, – vem declarar pùblicamente que, como é óbvio, apenas apreciou literàriamente as obras apresentadas pelos concorrentes em nada influindo no seu juízo as personalidades, as ideias ou as actividades dos candidatos àquele prémio regional, relativo ao ano de 1963. O declarante ignorava então, como aliás continua a ignorar, que na atribuição dos prémios literários anteriores que distinguiram em anos sucessivos o referido contista, tivesse havido qualquer propósito inconfessável a que é totalmente estranho e que, a ter existido, repudia em absoluto. Luanda, 22 de Maio de 1965. a) Maurício Gomes

Um esclarecimento da Comissão Administrativa da «ANANGOLA» A Comissão Administrativa da Associação dos Naturais de Angola, distribuiu ontem à Imprensa o seguinte comunicado: A COMISSÃO ADMINISTRATIVA DA ASSOCIAÇÃO DOS NATURAIS DE ANGOLA – «ANANGOLA» – reunida extraordinàriamente, deliberou, em aditamento ao seu telegrama de 20 do corrente, dirigido a Sua Excelência o Ministro do Ultramar, tornar público o seguinte: 1.º) – Que reitera o seu protesto e se solidariza com todas as manifestações contrárias à atitude da Sociedade Portuguesa de Escritores, quanto à atribuição de um prémio pecuniário a José Vieira Mateus da Graça;

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2.º) – Que nunca foi solidária com a atribuição de qualquer prémio ao mesmo Graça, mas apenas passou diploma e entregou prémio pecuniário a quem [se] lhe apresentou em representação de Luandino Vieira, nome dado como identidade do concorrente que, sob o pseudónimo «Vinteoito», se candidatou e foi classificado num concurso literário promovido e ultimado pela gerência anterior, aliás dissolvida pelo Governo-Geral da Província. Luanda, 22 de Maio de 1965. Pela Associação dos Naturais de Angola O Presidente da Comissão Administrativa, Augusto Pitta Groz Dias

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Diário de Luanda. 25-V-1965, pp. 1 e 11.

O Governo-Geral determinou que se proceda a completa averiguação sobre o caso do prémio atribuído pela Sociedade de Escritores A Repartição do Gabinete do Governo-Geral de Angola distribuiu hoje, ao princípio da tarde, a seguinte nota acerca do caso do prémio atribuído pela extinta Sociedade de Escritores: 1. – Tem o Governo-Geral da Província acompanhado atentamente o caso da atribuição de um prémio pela extinta Sociedade de Escritores. 2. – A luz logo feita à volta do caso revelou uma série de acontecimentos, alguns ocorridos na Província em épocas e administrações sucessivas, cujas inter-relações importa ao bem público detectar e esclarecer. 3. – Assim o entendendo desde início, o Governo-Geral determinou oportunamente ao Serviço competente averiguação completa de assunto tão grave. Repartição de Gabinete do Governo-Geral de Angola, em Luanda, 25 de Maio de 1965. O CHEFE da Repartição de Gabinete, JOÃO SALAVESSA MOURA Major

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Diário de Luanda. 25-V-1965, pp. 1 e 11.

O caso da Sociedade de Escritores Chegam à «ANANGOLA» dezenas de cartas e telegramas de aplauso e solidariedade Continuam a chegar à sede da «ANANGOLA» dezenas de cartas e de telegramas de solidariedade e de felicitações pela atitude assumida no caso suscitado pela decisão da extinta Sociedade de Escritores, ao atribuir o prémio de novelística a um livro de autoria de um indivíduo que atentou contra a segurança do Estado e que, por isso mesmo, se encontra a cumprir pena de prisão. Entre esses testemunhos, contam-se mensagens de todas as delegações da Associação dos Naturais de Angola e uma da Câmara Municipal de Benguela, participando que na sua sessão do dia 21 deliberou «solidarizar-se com a “ANANGOLA” e felicitar o seu presidente pela enérgica atitude assumida no caso do prémio literário atribuído ao terrorista Mateus da Graça». Também da Metrópole, quer de naturais de Angola ali residentes, quer de familiares de soldados que aqui prestam serviço, têm chegado à «ANANGOLA» expressivas cartas de repulsa pela decisão da Sociedade de Escritores.

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Diário de Luanda. 28-V-1965, p. 1.

Entrevistados pela TV, juntamente com o escritor Amândio César José Redinha, Bessa Vítor e Mário António consideraram que o prémio da Sociedade de Escritores foi concedido por motivos extra-literários LISBOA, 28 – (Da nossa Delegação) – Revestiu-se de grande interesse a «mesa redonda» realizada ontem à noite na Televisão, sobre o discutido caso do prémio de novelística da extinta Sociedade de Escritores. Participaram no programa, que foi conduzido pelo jornalista de Angola, José Mensurado, o escritor e crítico literário Amândio César, devotado investigador da literatura ultramarina; José Redinha, o maior etnólogo de Angola; e Geraldo Bessa Vítor e Mário António, dois dos maiores poetas de Angola. Foi escalpelizado o valor literário da obra premiada, concluindo todos os abalizados intervenientes que o prémio só pôde ser conferido por motivos extra-literários.

2.2. No ABC – diário de Angola

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ABC – diário de Angola. Luanda. 8-VI-1965, p. 10.

Ecos da extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores VINTILA HORIA E LUANDINO VIEIRA Dutra Faria LISBOA. Junho. – Em 1960 atribuía a ilustre Academia Goncourt o prémio anual que tem o nome dos dois famosos irmãos a um escritor romeno de expressão francesa, Vintila Horia, pelo romance «Dieu est né en exil». Era um livro singular, esse, misto de poderosa evocação histórica, de cântico nostálgico pela pátria longínqua e perdida – e de relato autobiográfico de uma evolução espiritual até esse Deus que, entre os homens, em Belém, «nasceu no exílio». Daniel-Rops, da Academia Francesa, prefaciara o romance, o que, sem dúvida, representava uma garantia aos olhos dos membros da Academia Goncourt, quanto à pessoa do escritor, acerca de quem apenas se sabia ser um exilado como o poeta romano Ovídio, protagonista do seu romance. Não convinha, porém, ao comunismo internacional que um escritor anticomunista de um país governado por comunistas recebesse o Prémio Goncourt – e fosse posto assim em evidência na França e no Mundo. A campanha desencadeou-se com rara violência e orquestrada por mão de mestre. Afirmou-se que Vintila Horia militara nas fileiras de uma organização fascista romena – a «Guarda de Ferro»; que em Roma, onde em 1940 desempenhara as funções de adido de Imprensa à embaixada do seu país, fora um entusiasta do fascismo italiano – e que, mais tarde, de regresso a Bucareste, colaborara com os «nazis». Tudo isto, provavelmente, era verdade, mas também o era que, ao terminar a guerra, Vintila Horia se encontrava na Alemanha encerrados (sic) pelos mesmos «nazis» num campo de concentração. E verdade era, ainda, ser o seu romance uma obra notável. Mas que importava isso aos comunistas? Implacável, feroz, a campanha prosseguiu. Contra a decisão da Academia Goncourt vieram protestar, sucessivamente, os sobreviventes dos campos de extermínio «nazis», as agremiações da Re-

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sistência, os intelectuais de todos os matizes das esquerdas, os governos comunistas, a Imprensa esquerdista de todo o mundo… Não era possível, era escandaloso, era intolerável que uma Academia – ainda reàccionariamente apegada ao critério de julgar os escritores só pelo valor da sua obra – ousasse premiar um colaboracionista, pôr em destaque e na montra de todas as livrarias, graças ao prémio literário francês de maior projecção mundial, um antigo fascista, um homem que aos vinte e poucos anos – no apogeu de uma juventude impetuosa – cometera o crime horrível e sem perdão de dizer, em artigos enviados de Roma para a Imprensa romena, quanto admirava Mussolini e quanto esperava do fascismo (e não sei se também do nacional-socialismo) para a renovação ideológica da Europa. Os académicos Goncourt são, quase todos, celebridades que ao tumulto dos debates e das discussões preferem temperar com os loiros da glória o mel da vida e saboreá-lo com o máximo de tranquilidade e de conforto, longe de todo o bulício, de toda a agitação; na sua demagógica violência, a campanha movida pelos comunistas intimidou-os – e já não me lembro se Vintila Horia nunca chegou a receber o prémio que lhe fora atribuído, ou se veio, afinal, a recebê-lo à capucha, pela porta das trazeiras [sic]… Ora bem. O caso de Luandino Vieira e da sua novela «Luuanda» parece-se e não se parece com o de Vintila Horia. Mas, de qualquer modo, se a uma Academia francesa (desligada, para mais, de quaisquer responsabilidades oficiais ou de representação da França) não era lícito premiar um escritor unicamente pelo facto de ele haver sido, a uma distância de vinte anos, fascista… em Roma, e pró-«nazi»… em Bucareste, então a uma Sociedade Portuguesa de Escritores (ligada e obrigada a responsabilidades que o seu nome lhe impunham: não era uma sociedade de escritores, era a Sociedade Portuguesa de Escritores) muito menos lícito era premiar um autor seu compatriota condenado não há ainda dois anos por actividades subversivas e terroristas no âmbito de um movimento cujo objectivo é separar da Pátria desse autor uma vasta parcela do território nacional. Se há, pois, uma coerência nas esquerdas, e se Vintila Horia não podia ser premiado como escritor na França, por haver cometido presumíveis crimes na Roménia e contra o interesse da Roménia, então, evidentemente, Luandino Vieira também não devia ser premiado como escritor em Portugal, em vista dos crimes por ele cometidos em território português e contra os interesses de Portugal.

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–X– Fui sócio da Sociedade Portuguesa de Escritores. Pensava e continuo a pensar que há lugar, em Portugal, para uma sociedade de escritores – qualquer que venha a ser o seu nome – e que, para os escritores que honradamente o são, só há interesse em que essa sociedade exista. Entendo que uma tal sociedade tem que existir e que funcionar à margem da política e com absoluta independência; mas funcionar à margem da política não é tomar partido por uma determinada política contra outra e menos ainda é tomar deliberadamente o partido anti-nacional. Lastimo que a Sociedade Portuguesa de escritores houvesse caído – até certo ponto por incúria nossa, dos escritores das direitas – nas mesmas mãos que souberam apoderar-se da maioria das editoriais portuguesas e da secção de crítica literária em quase todos os jornais de Lisboa e do Porto. Não quero e não posso discutir – até por não ter conhecimento de todas as peças do processo – se o caminho seguido pelo Ministério da Educação Nacional ao extinguir a Sociedade Portuguesa de Escritores era o único aberto a um Governo que soube na emergência (há que assinalá-lo) mostrar-se sensível a inequívocas manifestações de uma opinião pública indignada (e que exigia sanções) ou se haveria outros caminhos menos susceptíveis de facilitarem especulações, no plano internacional, que não deixarão de surgir. O que, todavia, tem de se acentuar é isto: os escritores portugueses, na sua grande maioria, não estão contra Portugal, nem contra a política de intransigente defesa do património ultramarino português. Se o estivessem, o facto seria, efectivamente, de uma incomensurável gravidade: com razão escreveu alguém que nas lutas políticas o escritor é sempre quem ganha a última batalha. A inteligência portuguesa não desertou, não se passou para o inimigo. Seria injuriá-la, se a confundíssemos e deixássemos que no estrangeiro viessem a confundi-la com a agitação de meia dúzia de extremistas histéricos… – ANI

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ABC – diário de Angola. 24-V-1965, pp. 1 e 12.

«LUUANDA» E O PRÉMIO MOTA VEIGA A recente atribuição do prémio de Novelística da Sociedade Portuguesa de escritores ao autor de um trabalho já galardoado com dois prémios angolanos – o do Concurso Literário da «Anangola», comemorativo do seu 50.º aniversário, que premiou dois dos três contos que a obra contém, e o Prémio D. Maria José Abrantes da Mota Veiga, que deu lugar à 1.ª edição do livro – provocou reparos que não se registaram quando o livro foi premiado em Angola, e no qual este jornal se encontra, naturalmente, envolvido, na qualidade de responsável pela organização do segundo daqueles certames. Achamo-nos por isso na obrigação de divulgar notas e documentos relativos ao referido concurso, principiando pelo regulamento que é textualmente o seguinte: «1.º – É mantido para o ano de 1963 o «Prémio D. Maria José Abrantes da Mota Veiga», a distinguir duas obras publicadas durante o referido ano e que contenham a explanação de motivos da presença portuguesa em Angola. 2.º – O prémio é formado por duas verbas – a primeira de 20.000$00 e a segunda de 10.000$00 – que serão entregues a dois autores graduados por um júri. 3.º – À concorrência do prémio, com a distribuição das verbas designadas, são admitidas todas e quaisquer obras, seja qual for a sua índole e forma literária, que versem a referida matéria, desde que sejam publicadas ou tenham os originais p[r]ontos para publicação durante o ano civil decorrente. 4.º – Para as obras serem consideradas pelo júri é necessária a remessa pelos autores ou editores de três exemplares à Direcção deste Jornal até 31 de Dezembro. 5.º – As obras que não tenham sido ainda impressas tipogràficamente, podem ser apresentadas com o texto dactilografado. Mas, neste caso, as verbas do prémio só serão entregues aos autores classificados depois das respectivas obras terem sido impressas em livro com uma tiragem nunca inferior a 1.000 exemplares. 6.º – A matéria deve ser explanada por forma a preencher o mínimo de 80 páginas de mancha tipográfica num formato usual de livros.

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7.º – O júri de classificação será formado por um delegado indicado pela Direcção da Associação Comercial de Luanda, outro indicado pelo Rotary Clube da mesma cidade e outro que represente conjuntamente a Associação dos Naturais de Angola e a Liga Nacional Africana. Um redactor do «ABC – Diário de Angola» a designar pela direcção do Jornal, servirá de secretário do júri, sem voto. 8.º – A decisão do júri deverá ser formulada – e tornada pública – até ao dia 28 de Fevereiro de 1964. 9.º – As quantias do prémio serão logo após esta decisão postas à disposição dos autores distinguidos, salvo a restrição do n.º 5. Neste caso ficará depositada na empresa deste Jornal até que se mostre satisfeita a exigência referida. 10.º – A decisão do júri será formulada em laudo de apreciação e apresentará os motivos que a determinam.» Constituído o júri para o concurso de 1963 – que, por sinal, foi reconduzido para o concurso de 1964 pelas entidades que o designam, sinal evidente de que essas pessoas continuam a merecer a confiança dos organismos que representam, os trabalhos presentes ao concurso foram apreciados e a 2 de maio de 1964, foi lavrada a seguinte acta:

ACTA Aos dois dias do mês de Maio do ano de mil novecentos e sessenta e quatro, nesta cidade de Luanda e sede da Sociedade Cultural de Angola, reuniu o júri nomeado para apreciar e classificar as obras concorrentes ao PRÉMIO DONA MARIA JOSÉ ABRANTES DA MOTA VEIGA, relativamente ao ano de mil novecentos e sessenta e três, com a constituição seguinte: em representação e por indicação do Rotary Club de Luanda, o doutor Eugénio Bento Ferreira; em representação e por indicação da Associação Comercial de Luanda, Mário Fernando Carvalho Figueiredo Corte-Real; em representação da Associação dos Naturais de Angola e da Liga Nacional Africana e acordo destas duas colectividades, Maurício Ferreira Gomes. Secretariou a

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sessão, sem voto, em representação do jornal «ABC – Diário de Angola», o seu redactor Jorge de Macedo Bobela Motta. Foram presentes, para apreciação do júri, cinco trabalhos, concorrentes ao prémio e entregues ao jornal «ABC – Diário de Angola», para esse efeito, dentro do prazo estipulado pelo regulamento, cujos títulos e autores são como segue: «Aspectos do Desenvolvimento Económico e Social de Angola», da autoria de A. Correia de Araújo (um volume copiografado); «Luuanda», da autoria de Luandino Vieira (um volume dactilografado); «Mamã Cabinda», da autoria de Emílio Filipe (um volume dactilografado); «100 Poemas», da autoria de Mário António (um volume impresso); e «Por que se bate Angola», da autoria de Norberto Gonzaga (um volume dactilografado). O júri, afirmando já ter lido e apreciado todos os trabalhos concorrentes, deliberou, por unanimidade, não admitir ao concurso o trabalho «100 Poemas», da autoria de Mário António, uma vez que o próprio prefácio do livro revela que a obra não é completamente inédita, e, também por unanimidade, escolher, para os dois prémios a atribuir, as obras «Luuanda», de Luandino Vieira, e «Aspectos do Desenvolvimento Económico e Social de Angola», de A. Correia de Araújo. Passando a apreciar, para atribuição do primeiro e do segundo prémio o valor de cada uma destas obras, uma em relação á outra, decidiu, por maioria (votos dos senhores doutor Eugénio Bento Ferreira e Maurício Ferreira Gomes) atribuir o primeiro prémio a «Luuanda», de Luandino Vieira, e o segundo a «Aspectos do Desenvolvimento Económico e Social de Angola», de A. Correia de Araújo. Estes dois membros do júri basearam a sua decisão no facto de a primeira obra constituir um trabalho literário excelente, com características que o tornam uma primeira tentativa para a criação de uma nova corrente literária, revelando notável poder de criação, enquanto o segundo apenas revela um trabalho exaustivo de compilação. Uma declaração do sr. Maurício Gomes que foi membro do júri do prémio «Mota Veiga» Tendo o signatário feito parte do júri que atribuiu o prémio literário «MOTA VEIGA» a um livro de contos do escritor Luandino Vieira, que não conhece pessoalmente, – vem declarar pùblicamente que, como é óbvio, apenas apreciou literàriamente as obras apresentadas pelos concorrentes, em

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nada influindo no seu juízo as personalidades, as ideias ou as actividades dos candidatos àquele prémio regional, relativo ao ano de 1963. O declarante ignorava então, como aliás continua a ignorar, que na atribuição dos prémios literários anteriores que distinguiram em anos sucessivos o referido contista, tivesse havido qualquer propósito inconfessável a que é totalmente estranho e que, a ter existido, repudia em absoluto. Luanda, 22 de Maio de 1965. as.) Maurício Gomes

3. Em Moçambique

3.1. No Notícias

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Notícias. Lourenço Marques, 22-V-1965, p. 1.

Um Prémio Literário da Sociedade de Escritores LISBOA, 21 – Causou espanto em toda a Metrópole a notícia de que a Sociedade Portuguesa dos Escritores atribuiu o prémio de Novelística ao livro «Luanda», de que é autor um terrorista de Angola, de nome completo José Vieira Mateus Graça, condenado a 14 anos de prisão por actos de terrorismo. Sobre este caso, o conselho de administração da Fundação Calouste Gulbenkian distribuiu a seguinte nota: «1.º – Os Grandes Prémios de Poesia, Teatro, Novelística e Ensaio, da Sociedade Portuguesa de Escritores, foram, por esta, instituídos com o patrocínio da Fundação, em 1961; 2.º – A Fundação não tem, nem nunca teve, qualquer intervenção, directa ou indirecta, na constituição dos juris que atribuem os prémios e nas suas resoluções; 3.º – Essas resoluções só lhe são comunicadas depois de definitivamente tomadas e não carecem da homologação da Fundação para serem válidas e executórias; 4.º – Assim, a Fundação limita-se a subsidiar uma instituição cultural portuguesa, legalmente constituída e em plena actividade na realização dum dos seus fins estatutários; 5.º – Do anteriormente exposto, resulta que a Fundação não tem qualquer responsabilidade pela maneira como têm sido atribuídos os referidos prémios; 6.º – Tendo, porém, em atenção certas circunstâncias vindas a público, a propósito da atribuição no ano corrente de um dos ditos prémios, a Fundação não deixará de rever a sua política em matéria de patrocínio de prémios a atribuir por outras entidades, em ordem a evitar, se possível, que a atribuição eventualmente se realize com desvio dos fins que ela teve em vista ao patrociná-los.»

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| A rep(r)e(rcu)ssão política Telegramas de protesto contra a atribuição do prémio a Luandino Vieira

LISBOA, 21 – O ministro do Exército recebeu numerosos telegramas de protesto contra a decisão da Sociedade Portuguesa de Escritores, subscritos, na sua maior parte, por militares que estiveram a cumprir missões em Angola e na Guiné, e que, através deles, manifestam a maior indignação. Um desses telegramas foi enviado por militares que se encontram em tratamento no Hospital Militar Principal. Assinaram outros telegramas: Um grupo de combatentes regressados de Angola; um velho lavrador do Congo Português vítima de terrorismo; um grupo de estudantes e professores primários; e numerosos militares de todas as graduações. * O escritor Joaquim Paço d’Arcos, Presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Escritores, enviou ao Vice-Presidente da mesma sociedade a seguinte carta: Não me permitindo as circunstâncias que vim encontrar no meu regresso do estrangeiro, continuar a desempenhar em paz de consciência, e com a convicção da utilidade do esforço que durante tantos anos consagreia [sic], desinteressadamente, à Sociedade Portuguesa de Autores [sic] continuar a desempenhar as funções de Presidente da Assembleia Geral da Sociedade – rogo-lhe o favor de assumir funções até que, em Assembleia Geral, seja preenchido o cargo que entendo de meu dever deixar de ocupar. Creia-me muito afectuosamente. * O escritor Luiz Forjaz Trigueiros, que era vogal da Direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores, comunicou que tinha pedido a demissão daquele cargo. – (L).

Última Hora Um despacho do Ministro da Educação LISBOA, 21 – Por despacho do Ministro da Educação Nacional foi dissolvida esta noite a direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores. – (L.).

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Notícias. 23-V-1965, pp. 1 e 8.

A Nação reage salutar e patriòticamente à lamentável decisão da Sociedade dos Escritores Regista-se em todo o País um movimento de protesto contra a atribuição do prémio a um indivíduo condenado por terrorismo, considerando-se o facto como uma ofensa ao sentimento nacional ∙ Angola, vítima do terrorista premiado, manifesta-se com veemência contra tão inaudita atitude dos dirigentes daquela associação literária LISBOA, 22 – De todos os pontos do País chegam notícias de que causou a maior indignação a decisão da Sociedade dos Escritores, atribuindo um prémio literário a um indivíduo condenado por actos de terrorismo contra as populações de Angola e de actividades contra a Pátria. Centenas de telegramas enviados à Presidência do Conselho e aos Ministros da Defesa, do Ultramar e do Interior, assinados por individualidades de todas as categorias sociais, manifestam a mais viva repulsa por uma atitude que alguns dos signatários não escondem em classificar de autêntica traição à Pátria. Pode dizer-se que toda a Nação está a reagir patriòticamente contra este caso inaudito: ser premiado um terrorista que tanto sangue fez correr na província de Angola. O país demonstra assim um salutar movimento de unidade, ao mesmo tempo que se manifesta contra aqueles que transigem conscientemente com os inimigos da Pátria. Impressionou vivamente os termos em que a Associação dos Naturais de Angola comenta e protesta contra a atitude da Sociedade Portuguesa dos Escritores. O seu telegrama enviado ao sr. Ministro do Ultramar é do seguinte teor:

A atitude da Associação dos Naturais de Angola «O Corpo directivo da Associação dos Naturais de Angola, reunido extraordinàriamente, depois de ouvidos os seus associados de maior prestígio,

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deliberou unânimemente solicitar a V. Exa. que seja, perante o sr. Presidente do Conselho, o intérprete do mais veemente protesto dos autênticos portugueses naturais desta Província contra a antipatriótica decisão do júri da Sociedade dos Escritores que se intitula portuguesa, atribuindo um prémio pecuniário a favor do terrorista e traidor José Vieira Mateus Graça. Tal facto identificará aquele júri com os inimigos de Portugal, a menos que se retrate imediatamente, anulando a sua decisão que quereríamos pressupor assente na ignorância do “curriculum vitae” do autor oculto sob pseudónimo. A Associação dos Naturais de Angola deliberou também abrir nas colunas de um jornal de Angola uma subscrição até ao montante igual àquele conspurcado prémio para ser repartido pelas famílias dos primeiros militares angolanos caídos na defesa da nossa Pátria eterna e bem portuguesa, em Março de 1961.»

Protestos dos que lutaram contra o terrorismo À tarde, foram recebidas mensagens de protesto enviadas por diversos soldados em tratamento e que estiveram lutando no Ultramar, de grupos de sargentos e soldados combatentes que regressaram já às suas terras e de várias delegações da Mocidade Portuguesa.

Artigos violentos da Imprensa Os jornais publicam artigos violentos contra a decisão da Sociedade de Escritores, todos eles salientando o seu significado anti-patriótico. O «Diário da Manhã», em editorial intitulado «Perante a traição», no qual escreve: «É urgente que os culpados, sejam eles quem forem e apresentem as hipócritas explicações que apresentarem, sejam chamados à responsabilidade. Exigem-no os mortos no campo de batalha. Exigem-no as mães de luto e as lágrimas das noivas e irmãs. Impõe-no a juventude em armas. É a Nação quem o quer. Ainda desta vez vamos ficar de braços cruzados?» Por seu turno, «A Voz» escreve: «A ré, e ré sem desculpa, é a Sociedade Portuguesa de Escritores, que nasceu sob um mau signo e sob um mau signo tem vivido. Ré sem desculpa não vá dar-se o caso de virem agora uns prudentes directores alegar a ignorância de circunstâncias. Claro que ninguém

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acreditaria em tal, mas eles são bem capazes de o dizer com o ar mais cândido. E depois disto, reservem-lhes lugar de honra nas páginas literárias, louvem-nos e prestigiem-nos.»

Escritores que protestam Além dos telegramas dos escritores Luís Forjás Trigueiros e Joaquim Paço de Arcos, o dr. Cunha Leão, que foi director daquela agremiação, enviou aos actuais dirigentes a seguinte carta: «Dolorosamente surpreendido com as notícias e a falta de pronta justificação pública pela decisão da maioria do júri de “Novela”, peço a demissão de sócio por imperativo da minha consciência e lembrando o alto espírito de Jaime Cortesão, com quem fiz parte da direcção, confiado na possibilidade de agremiar escritores, mas portugueses».

Assaltada a sede da Sociedade dos Escritores Ontem, à noite, um grupo de populares, em que figuravam antigos combatentes em Angola, assaltou a sede da Sociedade dos Escritores. O «Diário de Notícias» dá a notícia nos seguintes termos: «Cerca de 50 desconhecidos assaltaram ontem, cerca das 22 horas, a sede da Sociedade Portuguesa de Escritores. Os assaltantes começaram por afixar numa das portas da entrada um dístico onde se podia ler: “Agência de Terroristas na Metrópole”. Nas várias salas, nas paredes, viam-se, ainda, outras frases. Uma delas: “M.P.L.A. – Sucursal”. Todo o mobiliário foi completamente destruído. As portas e as janelas danificadas. Os candeeiros e as molduras partidas. As máquinas de escrever e os ficheiros inutilizados. Os prejuízos são elevadíssimos. As duas salas foram, no entanto, respeitadas: a da biblioteca e a sala de reunião da direcção. Um grande retrato a óleo de Aquilino Ribeiro (fundador

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e primeiro presidente da Sociedade) não sofreu qualquer dano. O mesmo aconteceu às fotografias de Jaime Cortesão e Joaquim Paço de Arcos». Desassombrada atitude dos escritores de Angola LUANDA, 22 – Foi enviado ao sr. Presidente do Conselho o seguinte telegrama: «Um grupo de homem de letras de Angola. Galardoados com prémios literários provinciais, Nacionais ou estrangeiros apoiam calorosamente a atitude do Governo extinguindo a Sociedade de Escritores dita Portuguesa como responsável por uma grave afronta cometida contra a cultura portuguesa atribuindo o prémio de novelística a uma obra que consideram absolutamente inferior tanto na sua temática como na efabulação. Além disso ultraja deliberadamente o sagrado património da língua portuguesa, não se podendo igualmente esquecer as visíveis intensões [sic] políticas da sobredita obra cujo autor foi condenado por graves responsabilidades do terrorismo que desde 1961 ensanguenta Angola, enlutando tantas famílias portuguesas. «Respeitosos cumprimentos. Óscar Ribas, Reis Ventura, Gabriel de Altamira, Agnelo de Oliveira, Alfredo Diogo Júnior, Mesquitela Lima, Martinho de Castro, António Pires, Almeida Santos, Lagriva [sic] Fernandes, Mário Milheiros, Mário Mota, Horácio Silva e Ferreira da Costa». – (L).

«Que é isto?» – pergunta o «Diário de Luanda» LUANDA, 22 – O «Diário de Luanda», em artigo de fundo, subordinado ao título «Que é isto? Quem nos está traindo?» escreve: «Da Metrópole nos veio a notícia e de espanto esfregámos os olhos. Pois é possível que um terrorista, um dos que fomentaram o drama tremendo que causou tantas vítimas, pelo qual os nossos soldados continuam a bater-se para a conter, para impedir que os crimes de 1961 se renovem, seja premiado em Portugal metropolitano como uma personalidade normal?». O articulista acrescenta: «Pois na Metrópole, há uma entidade que se considera de intelectuais escritores e entrega-se-lhe 50 contos recebidos da Fundação Gulbenkian. Já sabemos que foi o júri. Mas que espécie de júri escolheu a Sociedade de Escritores e como não anulou o concurso ao verificar que o júri era dessa qualidade. Num país onde houvesse em todos os sectores a noção das responsabilidades, o Luandino Vieira (José Vieira Mateus Gra-

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ça) não poderia sequer assistir ao concurso. Ele não é um oposicionista, como tão expresso se fez mandar dizer aos jornais estrangeiros. É um traidor à Pátria. «Compreendemos que a Sociedade Portuguesa de Escritores pode ter sido colhida de surpresa e que nem haja verificado a personalidade dos concorrentes, mas o júri sabia e a Sociedade deveria saber quem são as personalidades que constituem o júri e todavia escolheu esse júri. Cabe-lhe, pelo menos, essa responsabilidade, cabe-lhe a responsabilidade de haver aceite semelhante veredicto, porque onde houvesse um pouco de portuguesismo, este facto, a decisão do júri e o conhecimento da personalidade de quem fora beneficiado com o Prémio de Novelística, devia provocar um movimento imediato de repulsa e a anulação do concurso e a revisão do júri. «Estão os nossos soldados a bater-se em Angola – continua o jornal –, padecem trabalhos, fadigas e riscos mortais, muitos deles têm deixado aqui a vida imolada ao serviço da Pátria e da defesa dos portugueses de todas as raças e credos que no Ultramar vivem. Pois bem, estes soldados que em Angola se batem pela nossa tranquilidade e segurança são atraiçoados por um júri que dá a sua cumplicidade aos assassinos, incendiários e violadores. Todos nós nos sentimos afrontados, tomados de indignação. É uma afronta para os nossos soldados, afronta para todos os que em Angola permanecemos, para que Portugal aqui continue. Ousamos dizer que se nos deve uma reparação. Não vale a pena que continue a resistir-se, [se] a traição nos apunhala pelas costas. Que se pode fazer sem a repressão, nem sequer a desaprovação. Por nossa parte, como portugueses e angolanos, protestamos, protestamos, protestamos». – (Lusitânia)

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Notícias. 23-V-1965, p. 1.

O despacho ministerial que dissolve a Sociedade dos Escritores LISBOA, 22 – O despacho do sr. Ministro da Educação Nacional sobre a extinção da Sociedade dos Escritores é do seguinte teor: «Considerando que a Sociedade Portuguesa de Escritores, através do júri designado pelos seus corpos gerentes, atribuiu o Grande Prémio de Novelística a um indivíduo condenado criminalmente a 14 anos de prisão maior por actividades de terrorismo na Província de Angola; considerando que apesar de tornadas do domínio público a identidade e a situação do mesmo indivíduo nem o júri revogou aquela decisão nem os corpos gerentes a repudiaram; considerando com efeito que tal repúdio se não contém, nem mesmo de forma implícita no comunicado remetido pela direcção da Sociedade à Imprensa e de que a mesma direcção me enviou cópia; considerando a gravidade excepcional dos factos referidos, que além do mais profundamente ofendem o sentimento nacional quando soldados portugueses tombam no Ultramar, vítimas do terrorismo de que o premiado foi averiguadamente agente; considerando que a situação exposta é legalmente justificativa da extinção da Sociedade em referência; determino, nos termos do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 39 660, de 20 de Maio de 1954, a extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores. – Ministro da Educação Nacional, DR. GALVÃO TELES».

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Notícias. 24-V-1965, pp. 1-2.

A repulsa do País pela insólita atitude da extinta Sociedade dos Escritores LISBOA, 23. – Ainda não se apagaram os ecos da forte repulsa que causou em todo o País a inaudita decisão da extinta Sociedade dos Escritores, atribuindo um prémio literário a um indivíduo condenado por actividades terroristas. Porque o criminoso premiado praticou os seus actos de terrorismo em Angola, é, naturalmente naquela Província Ultramarina que os comentários e as reacções mais profundamente se registam. Ainda hoje vieram de Luanda várias mensagens de protesto e os jornais continuam comentando àsperamente a atitude dos dirigentes da famosa agremiação literária que tão insensatamente agiu. Na Presidência do Conselho e nos Ministérios da Defesa e do Ultramar foram recebidos muitos telegramas aplaudindo a decisão do ministro da Educação ao dissolver a Sociedade dos Escritores. Volta a registar-se que é sobretudo dos militares que estiveram no Ultramar em serviço de soberania que os protestos são mais veementes. Nos telegramas enviados manifestam a sua forte repulsa pela atribuição do prémio a um inimigo da Pátria. Entre muitas outras mensagens impressionantes foi recebida a seguinte: «O coração da família Teófilo da Cruz, com dois filhos em serviço militar no Ultramar, sangra de dor, pelo sacrilégio contra a Pátria praticado pela Sociedade dos escritores». No Ministério do Ultramar foi recebido o seguinte telegrama pelo [sic] Banco de Angola: «Tendo o Conselho de Administração do Banco de Angola, em sua sessão de ontem, lavrado em acta um vivo protesto e indignada repulsa pela insólita atitude da Sociedade de Escritores, galardoando um traidor, com grave ofensa à memória das vítimas do terrorismo e ofendendo o sentimento pátrio, deseja exprimir a V. Exa. a sua solidariedade pela decisão do Gover-

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no, através do despacho do ministro da Educação Nacional, reparando o agravo feito à Nação.»

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Notícias. 25-V-1965, pp. 1-2.

O caso do Prémio Literário a um traidor O Governador-Geral de Moçambique enviou um telegrama ao ministro do Ultramar dando conta do sentir de repulsa e indignação pela atitude da extinta Sociedade de Escritores que representa uma afronta a todos os portugueses O sr. Governador-Geral, general Costa Almeida, enviou ao sr. ministro do Ultramar o seguinte telegrama: «Tenho a honra de transmitir a V. Exa. o seguinte: O Conselho Económico e Social, na sua reunião de hoje, decidiu levar até V. Exa. o seu unânime sentir de repulsa e de indignação pela atitude tomada pela Sociedade de Escritores, que representa uma afronta a todos os portugueses. Respeitosos cumprimentos. Governador-Geral». Este telegrama dá conta do que, na sua reunião de ontem, o Conselho Económico e Social decidiu, após ter usado da palavra o vogal sr. José Luís Sampaio Torres Fevereiro, o qual afirmou: «Sr. Presidente: Por coincidência, sexta-feira passada, tornei a ler, e sempre com o mesmo interesse e encanto, um livro de um dos maiores escritores portugueses de todos os tempos. O livro tem por título “Viagens na Minha Terra” e o seu autor chama-se Almeida Garrett, grande figura da nossa literatura e que viveu intensamente um dos períodos mais per[tur]bados da nossa história. Fixei, desse livro, logo nas primeiras páginas, a propósito da sua admiração pelos “Lusíadas”, uma afirmação que profundamente senti e que se resume em poucas palavras: “O Português tem fé na sua Pátria”. De tal forma se gravou no meu espírito esta frase que ela me veio imediatamente à memória quando na referida sexta-feira tive conhecimento da insólita atitude tomada por uma Sociedade de Escritores (abstendo-me de incluir a palavra Portuguesa na sua designação), ao galardoar um criminoso confesso e condenado por actos de traição. Que longa distância separa os escritores dessa Sociedade do grande escritor português Almeida Garrett.

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Decidi logo também pedir a V. Exa., sr. Presidente, que me concedesse a palavra na primeira sessão que se efectuasse deste Conselho para, pùblicamente, manifestar a minha indignação de português por tal atitude que é um insulto à memória de todos que desde o início da nossa história verteram o seu sangue e deram a sua vida em defesa do património e da integridade nacional. Referi, no início desta minha intervenção, a frase de Almeida Garrett porque ela, vindo de quem vinha, trazia em si o testemunho insuspeito de alguém que marcou vincadamente a sua posição dentro dos ideais do liberalismo e que atravessou uma época em que portugueses discordaram uns dos outros mas sem nenhum deles deixar, em tempo algum, de ter fé na sua Pátria e de a colocar, quando em perigo de sobrevivência, acima das suas próprias paixões políticas. Podem haver [sic] pontos de vista diferentes, podem haver credos e até soluções diferentes para muitos problemas, mas não podem haver, quando de portugueses se trate, tomadas de posições que ponham em causa a Pátria de todos nós. Peço por isso a V. Exa., sr. Presidente, que se acaso todos os membros deste Conselho com isso concordarem, o que não me oferece dúvidas, seja enviado um telegrama de protesto veemente a Sua Excelência o sr. ministro do Ultramar contra atitudes como a assumida pela Sociedade de Escritores que nada mais representam do que traição a todos aqueles que se honram da condição de portugueses e que crêem e têm fé nos destinos da sua Pátria.»

Outros telegramas enviados de Lourenço Marques Os deputados sra. dra. Custódia Lopes, Fernando Frade, Manuel João Correia e Videira Pires também enviaram ao sr. ministro do Ultramar o seguinte telegrama: «Deputados Moçambique residentes, presentemente, nesta Província solicitam V. Exa. seja legítimo intérprete junto do sr. Presidente do Conselho dos seus sentimentos de veemente repulsa pela atribuição do prémio literário pela Sociedade dita Portuguesa de Escritores ao terrorista e traidor Mateus Graça». Por sua vez o Movimento Nacional Feminino enviou ao sr. ministro do Ultramar um telegrama concebido nos seguintes termos: «Comissão Provincial do Movimento Nacional Feminino de Moçambique, com a autoridade de ter sempre cumprido o seu lema “por Deus e pela Pátria”, apoiando, com a

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maior solicitude moral, os soldados de Portugal, expressa a V. Exa. o [sic] mais sentida repulsa por haver sido concedido um prémio a um terrorista, condenado por hediondo crime em Angola, considerando esse facto como mais um acto contra a alta e patriótica moral com que os portugueses defendem a Pátria e o futuro da Nação».

Comentário da Rádio Nacional Espanhola ao caso da Sociedade de Escritores MADRID, 24. – Numa crónica do seu correspondente em Lisboa, a Rádio Nacional de Espanha, referindo-se ao caso da Sociedade dos Escritores, diz: «Nunca, em nenhuma circunstância, o valor literário se pode afirmar impunemente contra o patriotismo forte, até à heroicidade forte, até ao sacrifício total duma nação em guerra e mais ainda, quando, como no caso de Portugal, essa guerra é condenada por ser forjada a partir do estrangeiro». – (L.)

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Notícias. Lourenço Marques. 26-V-1965, pp. 1 e 2.

Aqui é Portugal! Reafirma o Conselho Legislativo de Moçambique ao analisar a atitude da Sociedade de Escritores Patrióticos sentimentos de repúdio e indignação originam vibrante manifestação de apoio às reacções de Angola e da Metrópole Aprovado um expressivo telegrama a enviar ao Ministro do Ultramar por proposta do Dr. Gonçalo Mesquitela «O Conselho Legislativo de Moçambique, na sua primeira sessão, depois de conhecida a inqualificável atitude da já felizmente extinta Sociedade Portuguesa de Escritores atribuindo e mantendo um prémio a um terrorista responsável e como tal condenado, em nome do respeito que nos merecem os nossos mortos, em nome do total apoio que damos aos nossos militares e como afirmação da nossa perene vontade de resistir a todas as formas de envenenamento da vontade nacional, apresenta o seu total, completo e indignado repúdio àquela atitude» – é este o texto de um telegrama a enviar pelo Conselho Legislativo da Província ao Ministro do Ultramar, proposto na reunião de ontem pelo vogal dr. Gonçalo Mesquitela, que os vogais daquele Conselho legislador de Moçambique aprovaram por aclamação. Após a abertura da reunião, o dr. Gonçalo Mesquitela proferiu um patriótico discurso a propósito da atitude da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores que, por todo o País, tem dado origem a salutar e forte indignação, terminando a sua brilhante intervenção por pedir a aceitação e a votação do telegrama proposto, e o maior rigor naquilo que em Moçambique possa surgir, individual ou colectivamente contra a moral da população e o apoio inteiro a dar à resistência nacional ao terrorismo. A intervenção daquele ilustre membro do Conselho Legislativo de Moçambique, foi imediatamente secundada pelos vogais Padre Carvalho de Araújo, dr. Satúrio Pires, Manuel João Correia, Armando Pedroso de Lima, Moreira Longo e Felizberto Machatine que, representando os diversos secto-

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res da população da Província, deram o seu inteiro apoio às palavras proferidas pelo dr. Gonçalo Mesquitela. Antes da «Ordem do Dia», usaram ainda da palavra os vogais dr. Satúrio Pires – que se referiu ao plano de urbanização de Nacala, à sobrevalorização da copra e ao valor e interesse dos capitais estrangeiros –, eng.º Ferreira Martins – que apontou a necessária transformação em Sindicatos autónomos das secções respectivas existentes no distrito da Zambézia – e sr. Conceição Ribeiro, que abordou os problemas do fomento e povoamento do Vale do Zambeze e da rede rodoviária do distrito de Tete.

Ordem do dia Na «Ordem do Dia», foram aprovadas as propostas n.º 5 (Regulamento do Caçador-Guia), n.º 6 (Regulamento dos Troféus e Despojos) e n.º 7 (Regime de Vigilância da Fauna), tendo prestado informações aos membros do Conselho o vogal do Conselho Económico e Social eng. Camilo Silveira da Costa e [o] Subdirector dos Serviços Provinciais de Veterinária e Indústria Animal dr. Ernesto Ferreira de Abreu. Tomaram parte na discussão daquelas três propostas, os vogais srs. Procurador da República Juiz Desembargador dr. Melo de Gouveia, eng. Ferreira Martins, arquitecto Carlos Ivo, dr. Gonçalo Mesquitela, eng. Homero Branco, dr. Mascarenhas Galvão, Saúl Brandão, Marino Moreira, dr. Satúrio Pires, Felisberto Machatine, Vítor Gomes e Vasconcelos Júnior. O Presidente do Conselho Legislativo general Costa Almeida, depois de anunciar a prorrogação da presente sessão até ao dia 13 de Junho próximo por necessidade de serem apreciadas grande número de propostas, marcou nova reunião para a próxima terça-feira, dia 1 de Julho.

Intervenção do dr. Gonçalo Mesquitela Como primeiro orador inscrito antes da «Ordem do Dia», usou da palavra o dr. Gonçalo Mesquitela, cuja intervenção continuamente interrompida por «apoiado» e «muito bem», passamos a transcrever na íntegra.

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«Pedi hoje a palavra para comentar neste Conselho, como órgão representativo mais alto da Província, a atitude da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores que por todo o país tem dado origem a salutar e forte indignação. «Concedido um subsídio da Fundação Gulbenkian para um prémio literário, é aberto um concurso e o júri disso encarregado atribuiu o prémio à obra que entendeu. Conhecido o autor, imediatamente de Luanda, vem notícia de que a reacção é de indignação e é tornado público que ele está cumprindo a pena de 14 anos de cadeia por ter sido condenado, em tribunal português, como responsável por crimes de terrorismo naquela Província martirizada. «Perante isto, a opinião pública nacional aguardava que a Sociedade referida tomasse uma das atitudes que era lícito esperar: ou recusava o prémio, pura e simplesmente, dado que o vencedor do concurso era moral, criminal e nacionalmente menos idóneo para receber uma consagração, embora literàriamente pudesse ter mérito ou, não aceitando a decisão do júri com o mesmo fundamento, classificava de novo as restantes obras. E assim, com decência e respeito pela sensibilidade nacional e com o mínimo de patriotismo de qualquer português teria reagido normalmente. «Preferiu, no entanto, seguir um terceiro e antipatriótico caminho: o de apoiar o júri, protelando a solução do caso com razões de compreensão literária, de arte pela arte. Entretanto, claro está, de Londres, e aproveitando o protelamento, começa a especulação internacional contra a reacção viril e portuguesa que, de todos os lados se manifestava, considerando-se a atribuição do prémio e principalmente a sua manutenção depois de conhecida a verdadeira identidade criminosa do autor, como grave afronta aos mais respeitáveis sentimentos nacionais. «Perante tal hesitação e tal compreensão dos responsáveis pela Sociedade Portuguesa de Escritores, o Governo Central, pelo Ministério da Educação, agiu como lhe impunham os interesses duma Nação em luta: extinguiu por via legal a Sociedade, invocando o art. 4.º do Decreto-Lei 39 660 de 20 de Maio de 1954. «Este artigo confere à entidade competente para aprovar os estatutos o direito de extinguir as associações que exerçam actividade diversa da prevista naqueles estatutos ou que seja contrária à ordem social. Estes os factos que, na Metrópole e, em Angola principalmente, provocaram uma verdadeira onda de indignação contra a extinta Sociedade Portuguesa de Escritores e de vibrante apoio à firme acção do Governo.

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Tolerância inconsciente «Peço escusa ao Conselho por ter sido tão longo ao recordar os factos ainda recentes, mas as confusões que já se tentaram gerar na opinião pública desta cidade e talvez até do resto da Província, apresentando a extinta Sociedade como digna da maior compreensão por ter sido inocente em tudo isto, a tanto me obriga. Mas já entre nós, Senhor Presidente, há quem queira apresentar a Sociedade Portuguesa de Escritores como uma vítima de prepotências e – pecado feio para certos mentores conhecidos – de falta de compreensão das autoridades pelos elevados valores de espírito. Para tal, deturpam-se os factos, adoçam-se as asperezas do acto, esquece-se a reiteração antiportuguesa de um erro, se é que de erro inicial se tratou. «Já em Angola, que viu gente sua chacinada e martirizada, a reacção foi outra. Honra seja à Associação dos Naturais de Angola e a outras instituições privadas que reagiram portuguesmente repudiando a solidariedade com quem se furtava a condenar moralmente um dos responsáveis por tanto sangue e tanto crime naquela Província. Só é de lamentar que entre nós não tenham vindo a público reacções semelhantes. Mas é que em certos meios existe um ambiente de tolerância inconsciente, em que tudo se compreende desde que seja contra as necessidades da autoridade MANTER a sanidade do clima moral deste País, a quem impuseram uma luta na qual a arma mais eficiente é a vontade inquebrantável de resistir. «Ora é este o grave risco que corremos com atitudes como as da Sociedade Portuguesa de Escritores ou como as que já entre nós se deram, de impunidade por insultos à Bandeira Nacional ou ainda como as da prática impunidade dos que tentaram apelar para tropas estranhas para que apoiassem os terroristas em território Nacional. E tanta compreensão e tanta tolerância apenas beneficiaram um pseudo-intelectual que pouco tempo depois aderira em Londres às falanges antiultramarinas de portugueses renegados. É sempre onde acabam tais compreensões: no favorecimento de traidores ao que é exclusivamente nacional.

Traição pelo espírito «É assim que as Pátrias acolhem no seu seio os venenos letais que, para além de quebrar a determinação para se lutar, insultam a tenacidade e o sacri-

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fício dos que, de armas na mão em Angola, em Moçambique ou na Guiné defendem a integridade nacional. É por isso que entendi ser meu dever de consciência pedir hoje – e aqui – a palavra para estes breves comentários à traição pelo Espírito que cometem tais pseudo-intelectuais e pseudo-humanitaristas, que escondem uma cumplicidade íntima com criminosos por detrás da alegada alta compreensão dos motivos porque alguns cometem verdadeiras traições à integridade nacional. «Quase diria ser hoje mais grave a traição pelo Espírito do que a traição material por actos em campo de batalha. É nas massas populacionais que está a chave mais decisiva da resistência do ataque que nos fazem. É na sua saúde moral, na sua vontade de resistir, na convicção profunda das razões por que se morre e por que se mata, que está o apoio a cada militar, a cada cidadão que em todas as frentes dá luta ao inimigo. «Ao exprimirem a dúvida sobre a legitimidade da glorificação literária de um terrorista – (e que expressão mais clara de dúvidas se quer do que a manutenção por uma associação de intelectuais de um galardão ao mesmo criminoso mesmo depois de se saber quem era?) – ao afirmarem compreensões como as que citei, estão, Senhor Presidente, a apunhalar pelas costas os homens que pela Pátria lutam e que com tanta frequência morrem, ou ficam inutilizados em combate.

Força moral dos portugueses «Isto é, Senhores deste Conselho, trair as razões por que cerca de dois milhares de portugueses foram chacinados no Congo precisamente pelos agentes desse responsável a quem se atribuiu o prémio. Isto é trair a resistência moral da Nação, essa mesma Nação a cujas camadas intelectuais se destinava a servir a extinta Sociedade Portuguesa de Escritores. Isto é, quem sabe, acalentar os motivos que amanhã nos podem fazer sofrer as ondas de sangue que correram em Angola. «Ao afirmar-se a compreensão pelos i[n]sultadores da Bandeira Nacional, ao satisfazerem-se com as carícias com que se tratam os que pedem à ONU auxílio para os terroristas, ao negarem-se a tomar a única posição que corresponde à verdadeira reacção portuguesa que é de santa indignação, ao pretender-se desviar para coisas sem importância a explosão de bombas de plástico em monumentos representativos de figuras nas quais se apoia a força moral

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dos portugueses, ao chorarem comovidas lágrimas de solidariedade com responsáveis pelo assassinato de milhares de portugueses, ao constituírem frentes de desorientação e de amolecimento da opinião pública, os que o fazem solidarizam-se, consciente ou inconscientemente, com os autores dos crimes e com os inimigos da Pátria. «E é tempo, Senhor Presidente, de a Nação através do Governo, demonstrar, na Metrópole e aqui, que não está mais disposta a deixar envenenar a sua seiva de nacionalismo e de patriotismo, sem a qual não poderemos resistir mas que, quando vicejante e rica é a base fundamental da resistência. «Merece o mais formal repúdio a atitude da Sociedade Portuguesa de Escritores. Não há razões da Razão ou sem-razões da Política que devam impedir que cada português o manifeste. «A vida perdida pela Pátria, os sofrimentos daqueles que a ela os ofereceram, as lágrimas das Mães dos nossos mortos, as angústias das crianças e das mulheres que à mão dos agentes dos chefes terroristas sofreram horrores antes de serem esquartejadas e mortas, o sangue dos homens, das mulheres e das crianças que santificaram no seu massacre a terra de Angola, a firmeza das nossas forças armadas e o futuro que queremos altivamente português dos nossos filhos ditam-me, como dever de consciência, a proposta que tenho a honra de fazer a este Conselho. «Senhor Presidente, Senhores Vogais, não é hábito usarmos aqui esta linguagem. Mas também é inédita a atitude sobre que nos pronunciamos. É invocando os que sofrem e morrem e sofreram a tortura e os horrores desta luta para que Portugal seja português hoje e no futuro que peço a aceitação e a votação desta minha proposta e o maior rigor naquilo que em Moçambique possa surgir, individual ou colectivamente, contra o moral da população e o apoio inteiro a dar à resistência nacional ao terrorismo.» O dr. Gonçalo Mesquitela leu depois o teor do telegrama a enviar ao ministro do Ultramar, que todo o Conselho aprovou por aclamação. […]

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Notícias. 26-V-1965, p. 2.

Nota do Governo de Angola sobre o caso da Sociedade de Escritores LUANDA, 25 – Nota oficiosa do Governo-Geral de Angola: «1.º – Tem o Governo-Geral da Província acompanhado atentamente o caso da atribuição dum prémio pela extinta Sociedade de Escritores. 2.º – A luz logo feita à volta do caso, revelou uma série de acontecimentos alguns ocorridos na Província em épocas de administrações sucessivas, cujas interrelações [sic] importa ao bem público detectar e esclarecer. 3.º – Assim o entendendo desde o início, o Governo-Geral determinou oportunamente ao serviço competente uma averiguação completa ao [sic] assunto tão grave.» – (L.)

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Notícias. Lourenço Marques. 28-V-1965, pp. 1-2.

Ao recordar-se um passado recente mais se justifica a indignação do País pela atitude da extinta Sociedade de Escritores LISBOA, 27 – A Imprensa dá hoje o maior destaque à divulgação da sentença que condenou o traidor Luandino Vieira a 14 anos de prisão. José Vieira Mateus da Graça, que também usa o nome de Luandino Vieira e a quem um júri da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores atribuiu um prémio literário, era membro da organização terrorista denominada Movimento Popular de Libertação de Angola – M.P.L.A. – e entre outros crimes, pretendeu fazer explodir bombas de plástico na capital daquela Província, com o objectivo de atingir a população civil. A sentença de julgamento a que foi submetido – proferida por unanimidade em 22 de Julho de 1963 – revela também que Luandino Vieira tinha em vista separar Angola da Mãe-Pátria. José Vieira Mateus da Graça foi julgado, juntamente com dois outros indivíduos, acusados de haverem cometido em comparticipação um crime contra a segurança externa do Estado, previsto e punido pelo artigo 141.º, n.º 1 do Código Penal («intentar por qualquer meio violento[,] fraudulento ou com o auxilio estrangeiro, separar a Mãe-Pátria ou entregar a um país estrangeiro todo ou parte do território português, ou por qualquer desses meios ofender ou pôr em perigo a independência do país». A sentença, cujos termos foram agora divulgados, analisa a acusação deduzida pelo Promotor de Justiça, tendo dado como provados os crimes a seguir mencionados, pelos quais José Vieira Mateus da Graça foi condenado a 14 anos de prisão maior e na suspensão de todos os direitos políticos por tempo de 8 anos, além das medidas de segurança e internamento pelo período de 6 meses a 3 anos. A 23 de Julho de 1959, foi José Vieira Mateus da Graça detido por distribuição de panfletos e ligações com o Movimento Popular de Libertação de Angola. Posto em liberdade um mês depois, voltou a ser detido em Novembro de 1961, tendo confessado seguir as directrizes do M.P.L.A., movimento de que se considerava membro e com o qual se tinha comprometido a enviar para Luanda bombas de plástico destinadas a provocar o terror na população.

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O criminoso encontrava-se em Luanda durante os acontecimentos terroristas que ocorreram naquela cidade em 4 de Fevereiro de 1961 e logo desdobrou as actividades contra a soberania portuguesa, estabelecendo íntimos contactos com outros indivíduos, entre os quais os dirigentes do M.P.L.A. residentes no estrangeiro, aos quais solicitou que montassem uma emissora, editassem um jornal, enviassem bombas de plástico para aterrorizar a população. Pretendeu então, em Agosto de 1961, sair para o estrangeiro, a fim de ele próprio trazer para Angola as citadas bombas de plástico. Vindo nessa ocasião à Metrópole, a fim de alcançar o seu objectivo, foi impedido de seguir viagem para Inglaterra, já dentro do avião no aeroporto das Pedras Rubras. Impossibilitado de conseguir o seu objectivo, partiu para Lisboa onde estabeleceu contacto com o segundo-tenente Costa Andrade, com o fim de partir clandestinamente do país, o que não conseguiu. Nos primeiros dias de Outubro, o citado Costa Andrade escreveu-lhe de Itália informando-o das suas diligências quanto à pretendida saída clandestina, pondo-o ao corrente da opinião dos dirigentes do M.P.L.A. que era de, por enquanto, nenhuma acção política ser desenvolvida por elementos brancos em nome do «Movimento», visto decorrerem negociações entre o mesmo e a U.P.A. para a formação de uma frente única, pelo que era necessário tomar decisões tendentes a fazer abortar o boato espalhado pela U.P.A., de que o M.P.L.A. era um «movimento de colonos». O criminoso imediatamente transmitiu essas instruções a outros indivíduos através dum seu primo António Júlio Santos, carpinteiro, que se encontrava prestes a partir para Angola. Assinala ainda o mesmo documento que o José Vieira Mateus da Graça enviou à África do Sul um dos réus, a fim de estabelecer contactos com um membro da tribo cuanhama, Nangonja, então naquele país, com vista a revoltar as gentes daquela tribo. Ainda em 1961, ou seja na ocasião mais aguda dos morticínios levados a cabo pelos terroristas no Norte de Angola, os réus procuraram estabelecer ligações com vista a assaltar e tomar a cidade de Moçâmedes, com o objectivo de dispersar as forças do Exército que tão heròicamente se batiam na região do Congo. O julgamento de José Vieira Mateus da Graça e dos outros dois réus procedeu-se no decurso de seis audiências, de acordo com as normalidades legais, tendo os réus delegado a sua defesa nos respectivos patronos.

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O Tribunal deu «como provados os factos e actividades praticadas e desenvolvidas pelos réus, tendentes à consecução, por eles pretendida, da independência desta província portuguesa de Angola, ou seja a sua separação e desintegração da Mãe-Pátria por meios violentos e fraudulentos, e só não atingiram a fase final da execução por razões independentes da vontade dos réus, sobretudo pela intervenção oportuna da Polícia Internacional». A citada sentença refere ainda que «todos os réus mantinham entre si relações de amizade que vinham de longa data e afinidades e já tinham estado presos em 1959», e a seguir sublinha que «volvidos apenas dois anos depois de terem sido restituídos à liberdade, voltaram a ter actividades com assiduidade e intensidade, nomeadamente por ocasião dos acontecimentos trágicos de Fevereiro e Março de 1961». O Tribunal assinalou depois as atenuantes, tais como não terem os réus antecedentes criminais registados no respectivo certificado; não terem estimado as funestas e danosas consequências que para eles adviriam com a prática dos crimes que conscientemente praticaram; a espontânea confissão dos factos e actividades incriminadas, o que facilitou a descoberta do crime e dos seus agentes, e ainda de outras pessoas nele implicadas. Pelos motivos decorrentes do que acima se referiu, o Tribunal considerou que as atenuantes neutralizam a agravante militante contra os réus, pelo que usaram da atenuação do artigo 94.º, n.º 1 do Código Penal, fazendo baixar a penalidade do artigo 55.º, n.º 1, de dois escalões para se situar no n.º 3 do referido artigo. Assim, José Vieira Mateus da Graça foi condenado naquela pena de 14 anos de prisão maior. – (L.).

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Notícias. 28-V-1965, pp. 1 e 13.

Um gesto digno perante um acto condenável O escritor Joaquim Paço d’Arcos e o seu desassombrado depoimento sobre o infeliz caso do Prémio da extinta Sociedade de Escritores Como é já do conhecimento geral e, na altura devida, toda a Imprensa referiu, tomou o conhecido escritor Joaquim Paço d’Arcos a atitude firme e pronta de pedir a sua demissão de presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Escritores, ao saber da insólita decisão, pela mesma tomada, de atribuir o seu grande prémio de Novelística, anualmente instituído, ao livro «Luanda», da autoria de um terrorista confesso cumprindo pena de 14 anos por crimes contra a Nação e o Povo, em Angola. Não vamos, neste momento, recordar, ponto por ponto, todo esse tristíssimo caso que levantou Portugal inteiro num grito de indignado protesto e levou à extinção daquela mesma sociedade, já que, sobre o assunto, quase dia após dia as colunas da Imprensa largamente o têm feito. Mas porque nos parece de extraordinário interesse, para um melhor e mais completo esclarecimento do caso, trazermos ao conhecimento do público moçambicano o opúsculo há dois dias apenas vindo a lume em Lisboa, da autoria de Joaquim Paço d’Arcos, transcrevêmo-lo hoje, na íntegra, nas nossas páginas. «A Dolorosa Razão de uma Atitude – Para a História da Sociedade Portuguesa de Escritores e do seu fim», é o nome desse opúsculo que seguidamente apresentamos à consideração de todos os nossos leitores: «Foi no avião em que regressava de Paris, na quinta-feira, 20 de Maio, que li, num exemplar do «Diário de Notícias» dessa própria manhã, a notícia da outorga de três Prémios Literários pela Sociedade Portuguesa de Escritores, e a concessão de um deles, o de Novelística, a Luandino Vieira. Desconhecia inteiramente o autor e o livro. Mas uma nota em itálico, apensa à notícia, disfarçada em telegrama de Londres, prevenia-me da identidade do laureado e da acusação que sobre ele incidira e o tornara réu de pena maior. Medi, com a maior apreensão, o significado e as possíveis consequências da decisão acabada de tomar pela entidade a cuja Assembleia Geral presidia,

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cujos destinos dirigira e a que estava ligado, desde o início da sua existência, por laços constantes de sincera e desinteressada dedicação.

Por isso, logo ao desembarcar em Lisboa, procurei pôr-me em contacto com os membros da Direcção, para me informar do ocorrido e para saber como evoluía a situação que o itálico do «Diário de Notícias» sugeria prenhe de consequências. Pude chegar só à fala com um director, Luís Forjaz Trigueiros, que me disse ter o presidente da Direcção, Prof. Jacinto do Prado Coelho, convocado para as cinco da tarde uma reunião extraordinária daquele corpo gerente. Decidi comparecer a essa reunião, pois que a gravidade do caso permitia e aconselhava que o Presidente da Assembleia Geral juntasse o seu esforço ao da Direcção embora tão estranha e tão incerta. Eu poderia ter-me colocado na posição cómoda de observador distante, mas preferi dar a minha assistência, nunca negada e sempre devotada, aos meus camaradas e à Sociedade de Escritores, naquela conjuntura em que os próprios destinos desta poderiam ser jogados. O Dr. Jacinto do Prado Coelho compareceu à reunião, cuja presidência assumiu, vindo do Ministério da Educação, onde fora convocado. E sem

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preâmbulos, nem explicações, propôs «como a única coisa que tínhamos a fazer», a suspensão do Prémio a Luandino Vieira. Sentado à sua esquerda, ponderei-lhe a gravidade do assunto, a necessidade que tínhamos de ser esclarecidos, a precisão que tínhamos de saber o que lhe fora dito no Ministério da Educação. Sobre tal matéria não consegui arrancar uma informação ou esclarecimento útil ao Presidente da Direcção. Quase parecia que na entrevista no Ministério da Educação não se passara nada. A Direcção e os seus membros suplentes, chamados à efectividade do serviço, um membro do Júri, que fora convocado, um sócio a quem se requeriam as luzes de advogado, e a minha pessoa, constituíamos um grupo de treze indivíduos, número fatídico em volta daquela mesa. Na ausência de uma condução do debate pelo Presidente, expus os meus pontos de vista, que foram escutados com atenção e deferência pelos meus camaradas. No meu entender, não era só o valor absoluto ou relativo de uma obra literária que podia estar em causa. Havia outros valores na conjuntura portuguesa de que a Sociedade de Escritores não podia fazer tábua rasa. Quando cem mil famílias portuguesas tinham filhos em África a combater, quando centenas de combatentes mortos haviam pago já o tributo da nossa sobrevivência ultramarina, quando centenas de mutilados pagariam esse tributo para o resto dos seus dias, a Sociedade Portuguesa de Escritores não podia premiar a obra de um condenado por actos de terrorismo em Angola. Eram estes os aspectos do caso no plano moral. No plano prático era nosso dever proteger a Sociedade Portuguesa de Escritores, património cultural e moral que tínhamos herdado de gloriosos antecessores e tínhamos de transmitir intacto aos que nos sucedessem, era nosso dever protegê-la dos actos de represália que poderiam pôr até a sua existência em risco. Luís Forjaz Trigueiros apoiou inteiramente as minhas palavras e disse que para ele o problema ultramarino não era um problema político, mas um problema nacional. Prestara sempre a mais leal e desinteressada colaboração à Sociedade Portuguesa de Escritores e isso dava-lhe autoridade para pedir uma decisão rápida e inequívoca que afastasse as consequências que a decisão do Júri do Prémio de Novelística inevitàvelmente provocaria. A esse propósito informou os assistentes de que fora procurado por um alto funcionário do Estado, cujo nome só estava autorizado a revelar ao Presidente da Direcção, que oficialmente o prevenira da reacção gravíssima que se avolumava e dos perigos que pendiam sobre a própria existência da Sociedade. Não transmitia esses avisos para exercer qualquer pressão sobre os seus ca-

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maradas, mas para os elucidar sobre as circunstâncias em que a Direcção da Sociedade tinha de agir. O debate prolongou-se por demoradas horas. Não houve uma palavra violenta nem qualquer sombra de azedume. Houve consciências a debaterem-se. Alguns dos presentes – e não tenho de mencionar nomes – sustentaram o ponto de vista de que o Prémio era concedido pelo valor intrínseco da obra, independentemente das circunstâncias que pudessem macular o seu autor. A Direcção não podia desautorizar o Júri e não devia voltar atrás da decisão proclamada. Respeitando os pontos de vista contrários, mas pedindo igual respeito para os meus, proferi com comovida veemência palavras em reforço do que já dissera. E quanto à minha posição pessoal, afirmei quão honrado me sentia de ser Presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Escritores, mas que não podia ser Presidente de uma Sociedade que premiava um terrorista. Aceitava que nem todos sentissem o problema ultramarino da maneira como eu o sentia. Mas herdara de meu pai o amor à África Portuguesa, para lá fora com quatro anos, lá vivera e erguera parte da minha vida e à sombra do nome de minha família, numa obra que meus irmãos e eu tínhamos construído em dezenas de anos de labor, à sombra do nosso nome viviam muitas dezenas de famílias em harmonia racional, perante as quais eu não me ousaria apresentar se uma instituição da minha presidência premiasse um condenado pelos crimes de terrorismo. Eram esses motivos só meus, de ordem pessoal, como o facto de ter tido um filho meu a combater, voluntário, na defesa da terra portuguesa de Angola. Mas os meus motivos pessoais confundiam-se com os de ordem nacional, de que a Sociedade Portuguesa de Escritores não se podia alhear. E preocupação igual a essa era a minha no que respeitava à segurança e sobrevivência da Sociedade cujos destinos tínhamos de defender. As advertências que Luís Forjaz Trigueiros nos transmitira deviam abrir-nos os olhos para o dever de preservarmos o património a nosso cargo. Em meu entender, mais importante do que a outorga de um Prémio era a existência da Sociedade cujo papel na vida portuguesa era essencial para os escritores. Recordei o nome de Fernando Piteira Santos, bem insuspeito certamente para os presentes, porque está hoje na emigração e em Argel. Pois Piteira Santos, que nunca escondeu a sua maneira de pensar pessoal, foi, na Direcção a que presidi e de que era membro, o companheiro

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mais dedicado e mais cauteloso em não permitir que um único acto arriscado ou passo irreflectido trouxesse dificuldades, dentro do condicionalismo português, à Sociedade por cujos interesses e prestígio tínhamos de velar. Não encontrei cabal compreensão para os meus argumentos e escutei alguns depoimentos mais interessados na manutenção do Prémio do que na sobrevivência da Sociedade. Devo dizer que foi em duas senhoras presentes que encontrei maior compreensão para as realidades em jogo. Esgotado o doloroso debate em que concepções tão diferentes se enfrentaram – devo dizê-lo, sempre no maior respeito mútuo e em atmosfera de estima que a todos honrou – o Presidente e o Vice-Presidente da Direcção ausentaram-se para redigir o comunicado que se projectaria enviar para os jornais. Salientei a grande urgência na publicação desse comunicado e a imperiosa necessidade de ele aparecer na manhã seguinte. A tempestade avolumava-se, as ameaças concretizavam-se e a Sociedade de Escritores tinha ainda a seu favor o argumento de que as acusações ao premiado só haviam vindo a público num telegrama de Londres e não num documento oficial. Horas depois, confirmadas essas acusações em documento oficial, como não deixaria de acontecer, a posição da Sociedade seria muito mais penosa. Quando os dois autores do comunicado regressaram à sala com esse documento, foi ele alvo de exame e demorado debate. Não continha a suspensão do Prémio, como o Presidente da Direcção propusera na sua intervenção inicial. Mas continha o argumento de que o premiado fora distinguido em Angola, nos últimos quatro anos, portanto depois de preso e até de condenado, por quatro prémios literários. Embora esses prémios não tivessem categoria e responsabilidade comparáveis aos da Sociedade Portuguesa de Escritores, não haviam suscitado reacções conhecidas. Não era aquele o comunicado que eu escreveria. Mas eu nem sequer pertencia à Direcção que o publicaria e estava ali como conselheiro, a participar das dificuldades e das preocupações. Travara-se ali uma luta de conceitos e de consciências e eu não podia impor as minhas concepções e o drama da minha consciência à consciência dos meus camaradas. Aceitei o comunicado, como Luís Forjaz Trigueiros o aceitou, dizendo este, embora, que o achava insuficiente; aceitei-o na convicção de que publicado na manhã seguinte daria parcial satisfação à onda levantada e permitiria fazer evoluir o problema de maneira a não se afundar a Sociedade Portuguesa de Escritores. Sugeri

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que entregassem nessa mesma noite o comunicado em casa do Ministro da Educação Nacional e que o distribuíssem ainda naquela noite, ràpidamente, aos jornais. Voltei para minha casa pelas dez e meia da noite e, de moto próprio, telefonei ao Prof. Galvão Teles, Ministro da Educação Nacional. Disse-lhe que em breve ele deveria receber um comunicado que a Sociedade Portuguesa de Escritores publicaria nos jornais da manhã seguinte. Não enfraqueci a posição dos meus colegas dando a entender qualquer falha ou dubiez desse documento. Insisti só, persuasivamente, na necessidade e conveniência de nenhum obstáculo ser posto à sua publicação. Explicados os factos pela Sociedade Portuguesa de Escritores, ela deixaria possìvelmente morrer o Prémio e até só para o Outono faria a entrega dos restantes. Entretanto, frisei, o Governo só teria desvantagem em exercer qualquer represália sobre a Sociedade, pela repercussão desastrosa que isso poderia ter e porque desse modo o Governo iria fazer o jogo dos que dentro da Sociedade – não, de forma alguma, dentro da Direcção – poderiam ser partidários do «quanto pior melhor» e da política da terra queimada. Pela meia-noite o Prof. Galvão Teles telefonou-me dizendo que recebera havia instantes o comunicado, que o lera atentamente e que ele o desapontara. Não havia nele uma palavra de repúdio pelo terrorismo, motivo da condenação do premiado, e no último parágrafo a Sociedade de Escritores colocava-se olìmpicamente na posição de quem aguardava que o Governo lhe prestasse informações para deliberar só então sobre a atitude que tomaria. Procurei defender o comunicado o melhor que pude e grande esforço foi esse, em que verguei a minha consciência para defender a Sociedade sobre a qual tantas sombras se acumulavam. Insisti com o Ministro para que mesmo assim fosse facilitada a publicação do comunicado nos jornais da manhã, podendo depois ao longo do dia renovar-se a revisão do problema. Frisei-lhe que só me mantinha na Presidência da Assembleia Geral, onde apenas sacrifícios e dissabores colhia, na medida em que sendo útil à Sociedade dos Escritores tinha a consciência de servir o meu país. E despedimo-nos com a nota renovada do desapontamento do Prof. Galvão Teles. Na manhã seguinte procurei debalde nos jornais o almejado comunicado da Sociedade a cuja Assembleia Geral presidia. Receei que a Censura o tivesse absurdamente proibido e telefonei ao Ministro da Educação Nacional

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para me esclarecer. O Prof. Galvão Teles disse-me que os jornais e as entidades oficiais tinham estado até de madrugada à espera do comunicado, mas que não o tinham recebido. Desmentida assim a minha promessa da véspera, não soube que responder ao Ministro. Em comunicação telefónica imediata com o Dr. João José Cochofel, Secretário da Direcção da S.P.E., mostrou-se este muito surpreendido com a minha estranheza, dizendo que entregara na noite anterior uma cópia do comunicado em casa do Ministro da Educação Nacional e metera simplesmente no correio os exemplares destinados aos jornais, para serem recebidos no dia seguinte. Não percebera a necessidade da urgência da sua entrega. Não cheguei a poder iluminá-lo. Em conversa telefónica, logo em seguida, com o Presidente da Direcção, Prof. Jacinto do Prado Coelho, fiz-lhe ver o prejuízo gravíssimo que a imperdoável demora trazia à causa da Sociedade de Escritores. Em vez de publicar a defesa desta, incompleta que fosse, os jornais só publicavam as crescentes acusações. Falei com certa veemência. O Prof. Prado Coelho disse-me que na véspera à noite estava muito cansado e que não lhe ocorrera… o que eu tão insistentemente lhe recomendara (palavras estas últimas minhas). Indignou-me o contraste entre a actividade que eu estava desenvolvendo por mera dedicação à Sociedade e a displicência dos seus imediatos dirigentes. Entretanto, impunham-se ao meu espírito as provas de que a concessão do Prémio a Luandino Vieira não fora o puro acto de justiça literária a que alguns membros da Direcção, no doloroso debate da véspera, se haviam apegado. Afastados concorrentes que são grandes novelistas e escritores da língua portuguesa, como Fernando Namora e Urbano Tavares Rodrigues, fora buscar-se o livro de um escritor não concorrente para o distinguir com o galardão. E no instante em que este era anunciado as agências telegráficas estrangeiras comunicavam para o Mundo, em telegramas redigidos em inglês e francês, que meus olhos viram, ter a Sociedade Portuguesa de Escritores acabado de atribuir o Grande Prémio de Novelística a um preso condenado a catorze anos de prisão por actividades subversivas. Eu fora Presidente da Direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores e era Presidente da sua Assembleia Geral para servir, com a devoção com que o fiz, a causa e a dignidade dos escritores portugueses. Recusara-me sempre, nesses cargos, a ser instrumento de qualquer política, fosse ela qual fosse.

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Muito menos o seria de uma política que, justificada embora aos olhos de outros, não o era aos meus olhos de português. Travei nessa manhã de sexta-feira, 21, o mais doloroso debate de consciência da minha vida já longa e experimentada pelas dores mais fundas. Tudo fizera ao longo de anos para dignificar a Sociedade Portuguesa de Escritores, como tudo fizera agora para a defender, na hora em que as ameaças se acumulavam sobre ela. Prendiam-me a muitos dos seus componentes laços de amizade e de fraternidade literária. E como escritor fui sempre fiel à minha missão e à obra que ela me permitiu erguer. Por essa missão desprezei grandezas do Mundo, seduções políticas, tentações da vaidade. Mas a minha obra é a essência da minha vida e esta, por sua vez, tem tido uma trajectória única e a ela permanecerei sempre fiel. Essa trajectória levou-me muito novo para terras da África Portuguesa e lá ergui tudo o que constitui hoje a minha vida extraliterária. Nenhum interesse material me inspira ao escrever estas palavras: cheguei a uma altura da vida em que nenhuma ambição me anima senão a de prosseguir a obra literária e em que nenhuma cobiça me atormenta, porque na limitação dos bens materiais encontro a disciplina para não vender a alma do artista aos deuses que a corrompem e que a escravizam. Mas a trajectória da vida pôs em Angola, à sombra dos meus, e em Moçambique, sob a minha direcção, famílias inúmeras que nas cidades ou no mato olham para o meu vulto não como o do escritor que sanciona prémios, mas como o de um homem por elas responsável. Estão sós, no mato, muitas delas, e receiam talvez ameaças que não me atingem na vida cómoda de Lisboa. Que não atingem os membros do Júri que outorga prémios despreocupadamente, aceitemos, em mera diversão intelectual. Que não atingem o Presidente e o Secretário de uma Sociedade para quem não é motivo de pressa o esclarecimento que calaria a mágoa ou a indignação dessas famílias esquecidas no mato. Todos esses pensamentos e alguns mais mortificaram a minha consciência. E colocaram-me perante a opção mais dolorosa da minha carreira de escritor. Não tive um instante de mágoa quando, por coerência para comigo próprio, abandonei em final de 1960 o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a que parte da minha vida ficava ligada.

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Mas sofri um dos mais fundos desgostos da existência quando, por fidelidade aos princípios que me norteiam, tive de me afastar de camaradas que estimo e admiro, por não os poder acompanhar no equívoco ou na dubiez. Ao fim dessa manhã escrevi ao Vice-Presidente da Assembleia Geral a carta que a seguir transcrevo: «Não me permitindo as circunstâncias que vim encontrar no meu regresso do Estrangeiro continuar a desempenhar em paz de consciência e com a convicção da utilidade do esforço que durante tantos anos desinteressadamente consagrei à Sociedade Portuguesa de Escritores – não me permitindo essas circunstâncias continuar a desempenhar as funções de Presidente da Assembleia Geral da Sociedade, rogo-lhe o favor de assumir as referidas funções até que em Assembleia Geral seja preenchido o cargo que entendo de meu dever deixar de ocupar.» E enviei cópia dela ao Prof. Jacinto do Prado Coelho, acompanhada das seguintes palavras. «Entendo do meu dever enviar-lhe cópia da carta que dirigi ao Vice-Presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Escritores. Trata-se de uma decisão tomada após doloroso debate com a minha consciência, mas foi ela que ma impôs. Creia que é muito dolorosa para mim esta decisão que tomo e sabe bem como até ao último momento procurei auxiliar a Sociedade Portuguesa de Escritores neste passo difícil e infeliz. As delongas na acção que se impunha modificaram as circunstâncias e é à luz destas que entendo proceder.» Foi para mim esse um dia de fundo luto. Muito por que batalhara com devoção literária e dedicação cívica se esfrangalhava pelo gesto irreflectido ou propositado de um Júri irresponsável e pela inépcia de uma Direcção que, não ponderando devidamente os valores morais em causa e esquecendo o condicionalismo apertado da vida portuguesa, não soube ver os perigos nem afastar-se deles. A Sociedade Portuguesa de Escritores, que Aquilino Ribeiro fundou, a que Jaime Cortesão deu a altitude do seu nome, que eu procurei manter com dignidade e independência, que Ferreira de Castro dirigiu com generosidade modelar e nobre tolerância, – a Sociedade que era o Fórum amplo em que os

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escritores de todas as tendências deviam ter o seu lugar, veio a morrer às mãos inertes do Prof. Jacinto do Prado Coelho. É possível que a tenham querido matar. Mas ele não soube defendê-la. Quando, à noite, Luís Forjaz Trigueiros e eu soubemos da decisão de se extinguir a Sociedade, nós, que já não pertencíamos aos seus corpos gerentes, ainda fizemos junto de personalidades responsáveis, que das nossas palavras e argumentos se tornaram eco, diligências para paralisar o golpe, profundamente errado em nosso entender. Mais errado, porém, e deplorável, e degradante, foi o assalto que violou o recinto, património dos escritores portugueses, onde tantas cerimónias de elevação cultural tiveram lugar e de onde haviam saído os restos do português insigne que foi o Dr. Jaime Cortesão. As acções não são feias só de um lado. E se eu não o dissesse faltava à verdade que sempre servi.»

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Notícias. 30-V-1965, pp. 1 e 8.

O Senado universitário de Lisboa presta homenagem aos que tombaram no Ultramar e afirma a sua repulsa pela atitude da Sociedade de Escritores LISBOA, 29 – O Senado da Universidade de Lisboa, na sessão de 28 de Maio, aprovou a seguinte moção: «O Senado exprime o sentimento de comovido respeito pela memória de quantos têm sido vítimas do terrorismo nas províncias de além-mar e associa-se à mensagem que o Reitor da Universidade há dias tornou pública de fervorosa homenagem a todos os universitários que têm dado a vida em sagrada defesa da integridade da Nação. É neste espírito que o Senado, pronunciando-se sobre o caso lamentável da atribuição de um prémio literário a quem foi judicialmente condenado e está cumprindo longa pena maior pelos mais nefandos dos crimes – terrorismo e traição à Pátria – considera ser seu dever, como instituição portuguesa com responsabilidades em matéria de educação, afirmar a mais veemente repulsa por esse facto tão grave, que teve e está tendo funda repercussão na comunidade nacional portuguesa». A mensagem do Reitor, prof. Paulo Cunha, referida na moção e [que] foi dirigida ao Reitor da Universidade de Coimbra, quando este se encontrava em Luanda a fim de assistir à homenagem prestada aos universitários de Coimbra caídos em Angola no campo da honra, é do seguinte teor: «Quero exprimir ao meu caro colega todo o fervor com que participo na tocante cerimónia de hoje, em que, além de representado pelo prof. Amaro Monteiro, da minha Universidade, estarei plenamente presente em espírito, curvando-me reverente perante a memória dos universitários que a morte infelizmente ceifou, mas foram felizes ao serem chamados por Deus a dar a vida pelo supremo bem que é a Pátria.» Tendo-se perguntado quem interveio na votação da moção, obteve-se o esclarecimento de que não puderam estar presentes na sessão do Senado os profs. Raul Ventura e Delfim Santos. A moção foi aprovada pelos restantes membros do Senado, com ressalva do prof. Germano Sacarrão, que, comun-

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gando, aliás, no espírito patriótico da moção, não lhe deu, todavia, o seu voto por preferir outra formulação que propôs ao Senado. – (L.)

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Notícias. 31-V-1965, p. 2.

A Sociedade de Estudos e o caso da extinta Sociedade de Escritores Datado do dia 28, a Sociedade de Estudos de Moçambique enviou ao chefe da Repartição de Gabinete do Governo-Geral da Província, o seguinte ofício: «Tenho a honra de solicitar o obséquio de V. Ex.ª se dignar levar ao conhecimento de S. Ex.ª o Governador-Geral, que a Direcção da Sociedade de Estudos de Moçambique, em reunião extraordinária efectuada nesta data sob a presidência do signatário, por impedimento por doença do Presidente da Direcção, tomou a seguinte resolução: A Sociedade de Estudos de Moçambique – informada através do serviço noticioso distribuído pela imprensa de Lourenço Marques do que ocorreu na Sociedade Portuguesa de Escritores; – ciente de que, por via de obrigações estatutárias, não há-de intrometer-se em questões de carácter político; – ciente, também, de que quanto respeita a matéria atinente à Soberania Nacional está para além de tal articulado estatutário; – respeitando os direitos, por parte de um júri, ao reconhecimento dos méritos literários de uma obra; – fazendo distinção entre os valores estéticos reconhecíveis e a excepcional situação civil do escritor em causa, estranha que a um autor que nega a Sociedade Nacional e, portanto, a legitimidade das instituições portuguesas, precisamente uma destas o haja considerado idóneo para a recepção de um prémio literário. Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos. No impedimento, por doença, do Presidente da Direcção, o Vice-Presidente, V. H. VELEZ GRILO».

B) Do Prémio Mota Veiga

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Como ficou dito na introdução, o inquérito da P.I.D.E. que se apresenta de seguida é uma das consequências da campanha contra José Luandino Vieira surgida quando da atribuição do Grande Prémio de Novelística da S.P.E. Surpreendido pela dimensão dos acontecimentos, o Governador-Geral, Silvino Silvério Marques, vê-se forçado a mandar abrir um inquérito aos antecedentes da distinção literária atribuída pela instituição da metrópole, procurando assim contrariar a impressão de desatenção e de laxismo que se terá formado acerca da sua atuação. Elaborado em julho de 1965 pelo chefe de brigada Mário César Ferreira, o relatório constitui um documento de interesse, não apenas para a história luso-angolana, mas também para a história da literatura de Angola. De facto, Mário Ferreira – condicionado embora pelo propósito de provar a intenção política da atribuição dos prémios literários – acaba por fazer uma síntese da literatura angolana mais recente, desde o Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, tendo o cuidado de identificar os seus fundamentos estético-ideológicos e de articulá-la com os movimentos internacionais A parte do inquérito propriamente dita não trará novidades de maior, a não ser o destaque conferido à figura do Dr. Eugénio Bento Ferreira, intelectual ativo e militante da oposição que, como se pode ver num relatório individual apenso ao inquérito, havia sido demitido da Companhia de Diamantes de Angola pelo facto de ter casado com uma mestiça.

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Torre do Tombo – PIDE SC CI (2) 4236 NT 7330 [F. 669r-689v]

PROCESSO DOS PRÉMIOS LITERÁRIOS ATRIBUÍDOS A JOSÉ VIEIRA MATEUS DA

GRAÇA (LUANDINO VIEIRA)

Nota: – Foi despachado por Sua Excelência o Governador-Geral para ser submetido ao Conselho Económico e Social.

Folha de rosto do processo

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– RELATÓRIO –

Antes de entrar na apreciação dos factos que são matéria dos autos, penso ser da maior utilidade, embora em termos gerais, uma breve análise do surto literário que se denominou «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA», nascido em 1950, do qual foram figuras mais representativas ANTÓNIO JACINTO, VIRIATO CRUZ, MÁRIO DE ANDRADE, ANTÓNIO CARDOSO, ANTERO ABREU, LESTON MARTINS, COSTA ANDRADE, MANUEL LIMA, AGOSTINHO NETO, ERENESTO LARA, HELDER NETO, LUANDINO VIEIRA, etc.. Este movimento literário, à semelhança de muitos outros nos diversos países africanos, foi reivindicativo e revolucionário, com o objectivo de promover a consciencialização das massas nativas, preparando-as para as reivindicações de libertação e independência. A maioria, quase a totalidade das figuras mais representativas do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA», que surgiu com a revista «MENSAGEM», da ANANGOLA, em 1950, e depois de um período de crise ressurgiu na Sociedade Cultural de Angola, com o jornal «CULTURA», está hoje à cabeça dos movimentos subversivos e terroristas que tentam a desintegração da unidade da Nação Portuguesa. À semelhança dos movimentos literários que nos outros territórios africanos precederam os movimentos políticos e revolucionários que levaram à independência da maioria desses territórios, também em Angola os dirigentes do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA» procuravam dar às suas obras literárias uma problemática e uma imagética negro-africana. Levados pelas novas ideias e “slogans” que agitavam toda a África, eles pensavam, como diz Jack Woddis, no seu livro «ÁFRICA – AS RAÍZES DA REVOLTA», a págs. 290, que:

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| A rep(r)e(rcu)ssão política «O intelectual africano está sujeito a duas influências opostas. Por um lado, os imperialistas tentam seduzi-lo pelo suborno, oferecendo-lhe pequenos previlégios [sic] e enfraquecendo seu orgulho e lealdade nacionais por um subtil processo de desafricanização e ocidentalização. Por outro lado, como o imperialismo está ansioso de conservar todas as rédeas nas mãos, e porque os colonos brancos desejam as vantagens dos postos e profissões, o intelectual africano tem suas ambições, tanto as pessoais como as ligadas ao destino do seu povo, constantemente sufocadas e frustradas. Chega assim, finalmente, a compreender que nem os interesses pessoais ou grupais, nem a cultura geral do seu povo, podem progredir enquanto continuar o colonialismo e o domínio imperialista. É a natureza dupla das pressões sobre o intelectual africano – ter previlégios [sic] em relação à maioria do seu povo, mas continuar subordinado aos dominadores europeus – que explica as hesitações, indecisões ou súbitas mudanças de posição de um extremo ao outro, que caracterizam frequentemente seu papel no movimento nacional. No entanto, sua influência é muito importante, e não há um único partido político nacional do povo africano, em qualquer dos territórios, no qual os intelectuais não desempenhem um papel significativo, e frequentemente de liderança.»

Esta problemática, então vinda com os “ventos da História”, leva o «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA» a uma poesia que, mais tarde, CARLOS EVERDOSA, no seu livro «A LITERATURA ANGOLANA» (prémio de ensaio do concurso literário de 1963, da ANANGOLA), viria descrever como «… um movimento de poetas virados para o seu povo, utilizando nas suas produções uma simbologia que a própria terra exuberantemente oferece. O vermelho revolucionário das papoilas dos trigais europeus, encontram-no os poetas angolanos nas pétalas de fogo das acácias…». O mesmo aconteceu quanto à prosa que, segundo o mesmo autor, teve em LUANDINO VIEIRA o seu «maior contista e novelista de sempre», porque «colheu directamente do povo os ensinamentos que o tornariam no maior escritor neo-realista angolano, pois narra, sem intransigências, a vida dos seus heróis, que são sempre os filhos humildes do povo». Ora, toda esta problemática, escrita em letras de forma e atirada aos quatro ventos, através da revista intitulada «MENSAGEM» e do jornal «CUL-

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TURA», gerou uma corrente literária que teve os seus mestres e os seus discípulos, os quais se transformaram quase todos em “leaders” dos movimentos subversivos e terroristas hostis à soberania portuguesa. Isto significa que, fiéis às bases de que partiram e atrás referidas, os poetas e escritores do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA», depois de, sob o aspecto intelectual, terem cortado com aquilo que denominam de “vassalagem” à cultura metropolitana e europeia, resolveram mergulhar naquilo que designavam por “suas origens”, mais propriamente a “cultura negro-africana” ou simplesmente “negritude”. Esta africanização, segundo nos diz ALFREDO MARGARIDO, no seu trabalho intitulado «A EXEMPLARIDADE DE AGOSTINHO NETO» (primeiro prémio de ensaio do concurso de 1961, da Sociedade Cultural de Angola), processa-se da seguinte forma: «Assumindo a responsabilidade de representar uma sociedade dominada, sem acesso à sua liberdade, o escritor negro deve definir os problemas socio-económicos que se apresentam aos grupos sociais.» E mais adiante, depois de pôr a dúvida dessa definição, por virtude da equação colonizador-colonizado, confirma: «O intelectual não pode trair o seu grupo e, por isso, se lança no caminho da revolta, embora seja obrigado a reconhecer que toda a sua cultura depende, em primeiro lugar, do grupo opressor. Ao ser obrigado a examinar a sua temática, o seu estilo (quer dizer, a sua fonética, a sua sintaxe e a sua semântica), não tarda em descobrir que as palavras com que trabalha correspondem, quase só, ao lastro cultural do colonizador e que a renúncia às línguas e aos dialectos tradicionais lhe diminui, quando não elimina, as possibilidades de comunicar com o seu próprio grupo. O público a que deve dirigir-se é, necessàriamente, um problema que não pode deixar de ser examinado já que, querendo dirigir-se aos negros, acaba por só poder apresentar os problemas do negro dentro de um esquema de pensamento onde os instrumentos culturais são pertença do branco.»

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Com esta teoria pretende o autor fazer a condenação de todos os intelectuais de Angola que escreveram em língua portuguesa porque, como diz mais adiante: «A submissão complacente à escrita (língua portuguesa) seria uma renúncia na medida em que todo o conhecimento do processo histórico da negritude ficaria perdido em virtude de uma euforia inobjectivada. A única experiência verdadeira do português é a recusa da imitação; a linguagem do colonizador não pode servir os objectivos de quem procura recusar a alienação imposta e, por isso, Agostinho Neto tenta injectar no seu esquema linguístico o vírus da negritude.» Assim, ficamos a saber que duas barreiras separam o nativo do não-nativo em Angola – a língua e a cultura – porque, na opinião dos autores que se citaram, é necessário cortar com a “vassalagem” à língua e literatura metropolitanas, pois só assim o escritor africano se sente bem dentro do seu mundo e integrado no “seu povo”, donde partirá então para o “país” de que criou uma nova língua, uma cultura – uma nação! Estas as teses que também justificam, para os seus cultores, a linguagem dos muceques de que LUANDINO VIEIRA se serve – e que já tem seguidores e imitadores em Angola – como a futura língua de uma “nação” que se chamaria Angola, com uma literatura e uma cultura angolanas, da negritude, sem “vassalagens” à cultura e à literatura metropolitanas. –*– Os presentes autos tiveram origem na determinação verbal de Sua Excelência o Governador-Geral, transmitida por escrito a fls. 2 e confirmada por despacho exarado na “Nota de Gabinete” junto a fls. 152x o qual ordena que se averiguem as condições em que foram atribuídas a JOSÉ VIEIRA MATEUS DA GRAÇA, que usa o pseudónimo literário de LUANDINO VIEIRA, as distinções dos concursos literários de 1961 e 1963, respectivamente da Sociedade Cultural de Angola e da Associação dos Naturais de Angola, e o primeiro lugar do «PRÉMIO MOTA VEIGA», de 1963. Os membros dos juris destes concursos foram: Concurso literário de 1961, da Sociedade Cultural de Angola: Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA, presidente;

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Dr. MANUEL DIAS CARVALHEIRO, vogal; EDUARDO TEÓFILO BRAGA, vogal; EMÍLIO FILIPE, secretário; Concurso Literário de 1963, da Associação dos Naturais de Angola: Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA, presidente; Dr. ANTERO ERVEDOSA ABREU, vogal; ACÁCIO ANTÓNIO PEREIRA DE LIMA BARRADAS, vogal; ALEXANDRE HERCULANO DE CAMPOS, secretário; «Prémio Mota Veiga», de 1963: Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA, presidente; MAURÍCIO ALMEIDA GOMES, vogal; MÁRIO FERNANDO CARVALHO FIGUEIREDO CORTE REAL, vogal; ALFREDO JORGE DE MACEDO BOBELA MOTA, secretário. Os trabalhos premiados nos mesmos concursos foram os seguintes: Concurso Literário de 1961, da Sociedade Cultural de Angola: Poesia: Menção honrosa: – «REQUIEM PARA A DESAPARECIDA», de ARSÉNIO MOTA (LÍRICO NESÁRIO): Menção honrosa: – «AOS POETAS DO NORTE», de ERNESTO LARA (MANA KURILÁ); Menção honrosa: – «POEMA PARA A JUKE-BOX», de FERNANDO VIEIRA (ZERO); Conto: 1.º Prémio: – (Não foi atribuído); 2.º Prémio: – «A HISTÓRIA DA BACIAZINHA DE KITABA», de LUANDINO VIEIRA (EME MUENE); Menção honrosa: – «LENHA NO PINHAL» e «QUANDO A CHUVA CAI», de ARSÉNIO MOTA; Ensaio: 1.º Prémio: – «A EXEMPLARIDADE DE AGOSTINHO NETO», de ALFREDO MARGARIDO (BUANGA);

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Menção honrosa: – «PARA UMA VISÃO COMPREENSIVA DA LITERATURA ANGOLANA», de MÁRIO ANTÓNIO FERNANDES DE OLIVEIRA (JANIPE); Concurso Literário de 1963, da Associação dos Naturais de Angola: Poesia: 1.º Prémio: – «POEMAS DE APOCALIPSE», de CÂNDIDO DA VELHA (JUVENAL QUEIROGA); 2.º Prémio: – «ALGUNS POEMAS ESCOLHIDOS», de ANTÓNIO DIAS CARDOSO (KANGOLA); Ficção: 1.º Prémio: – «A HISTÓRIA DA GALINHA E DO OVO», de LUANDINO VIEIRA (VINTEOITO); 2.º Prémio: – «VAVÓ XIXI HENGELE E SEU NETO ZECA SANTOS», de LUANDINO VIEIRA (VINTEOITO); Ensaio: 1.º Prémio: – «A LITERATURA ANGOLANA», de CARLOS ERVEDOSA (KINJANGU); 2.º Prémio: – «CONSCIENCIALIZAÇÃO NA LITERATURA CABO-VERDIANA», de Onésimo Silveira (NH’OMBROSE); «Prémio Mota Veiga», de 1963: 1.º Prémio: – «LUUANDA», de LUANDINO VIEIRA; 2.º Prémio: – «ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E SOCIAL DE ANGOLA», de A. CORREIA DE ARAÚJO. Logo numa primeira apreciação dos trabalhos premiados nos concursos literários de 1961 a 1963, respectivamente da Sociedade Cultural de Angola e da Associação dos Naturais de Angola, que se encontram juntos aos autos de fls. 32 a 35 e de fls. 184 a 199, verifica-se terem sido distinguidos indivíduos como ERNETSO LARA (FILHO), LUANDINO VIEIRA, ALFREDO MARGARIDO, MÁRIO DE OLIVEIRA, ANTÓNIO DIAS CARDOSO, CARLOS ERVEDOSA e ONÉSIMO SILVEIRA, todos eles integrados no «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA». Este movimento literário pretendia, como já se disse atrás, estruturar e marcar o princípio de uma “literatura angolana”, a qual, segundo ALFREDO MARGARAIDO, CARLOS ERVEDOSA e ONÉSIMO SILVEIRA, deveria quebrar com toda a subordinação à cultura e língua portuguesas porque, co-

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mo afirma o primeiro daqueles autores, no seu trabalho «A EXEMPLARIDADE DE AGOSTINHO NETO» (primeiro prémio de ensaio da Sociedade Cultural de Angola): «Recusando o português como língua apenas do colonizador, submetendo-a a um ritmo angolano, adicionando-lhe expressões originais e intraduzíveis do quimbundo, Agostinho Neto procurava destruir, sistemáticamente, a pureza do português, enquanto mera representação da cultura do colonizador». Mas acontece que, como afirma o mesmo autor no citado trabalho: «Acompanhar a evolução das palavras portuguesas não é suficiente, pois que tais palavras não são suas. Usa-as apenas porque o colonizador lho permite, por um lado e, por outro, lho impõe (na verdade tal imposição é dupla, já que também lhe é imposta a estrutura sintáctica e semântica da frase; a primeira distorção que o português sofre nas áreas tropicais é a fonética)». E isto porque, como conclui mais adiante: «A objectivação estética dos problemas fundamentais do colonizado fornece a arma necessária para inverter a função da própria língua, de que é obrigado a servir-se, esvaziando-a da sua representatividade particularizada: é uma língua que, deixando de servir os padrões estético-culturais do colonizador, afirma a autonomia cultural do colonizado». E assim se justifica o claríssimo objectivo do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA» que pretendia, ao lançar uma corrente literária, criar uma literatura angolana cultural e linguisticamente autónoma, o que implicitamente seria secundado por um movimento revolucionário tendente à independência, como objectivamente analisa Jack Woddis na citação já atrás transcrita.

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Esta tese foi a que presidiu a todos os trabalhos premiados nos citados concursos literários e teve em LUANDINO VIEIRA o seu mais representativo escritor, como o afirma o próprio CARLOS ERVEDOSA, no seu livro «A LITERATURA ANGOLANA», que foi primeiro prémio de ensaio do concurso literário de 1963, da ANANGOLA. No livro «LUUANDA», de LUANDINO VIEIRA, primeiro prémio no concurso Mota Veiga, verificam-se todas as condições referidas por ALFREDO MARGARIDO – tanto fonética como semânticamente – por forma a integrar-se na corrente literária da referida cultura angolana autónoma. E isto é tão evidente, para o caso do livro citado, que o jornalista JOSÉ JUSTINO DE FARIA ROBY AMORIM vem, no jornal «ABC – Diário de Angola», em artigos que se encontram juntos a fls. 81, 85 e 86, respectivamente intitulados «UMA LÍNGUA VIVA», «LUUANDA ASSINALA O NASCIMENTO DE UMA LITERATURA» e «UMA LÍNGUA QUE NASCE (A PROPÓSITO DE LUANDINO VIEIRA)», nos quais se lê, a fls. 81: «Os poetas, para quem, normalmente, a sensibilidade vem antes de qualquer forma de racionalismo, já começaram a fazer as suas experiências no idioma básico de Angola, algumas delas muito válidas, acrescente-se. A prosa parece recear a aventura, mais ligada, como naturalmente está, a formalismos e compromissos. É, porém, a aventura que se impõe e para que parece ter chegado o momento próprio.» Continuando, a fls. 85, diz: «O fenómeno acaba de suceder em Angola, com a publicação dos três contos de Luandino Vieira, «LUUANDA» – com os quais, pode dizer-se, nasce a prosa de ficção neste território tropical. Aliás, podia adivinhar-se que o acontecimento estava prestes a sobrevir. Anunciavam-se várias tentativas poéticas, usavam-na já os escritores quando os seus personagens empregavam o discurso directo, tentava irromper nas colunas dos jornais e fizera mais que uma aparição através dos microfones das estações de rádio.

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Incontrolável, esta força de expressão que procurava acesso, cidadania, acabou por obtê-la – com o que temos de congratular-nos – com uma obra impecável.» E ainda a fls. 86: «Em Angola, neste momento, estão em transformação tanto uma língua como uma literatura, uma e outra resultantes do regime económico, dos sistemas de trabalho, da organização social (que se podem considerar equivalentes em Cabinda ou em Moçâmedes, em Luanda ou no Cuando-Cubango, e que justificam uma unidade desta Angola diversificada em raças, línguas, climas e condições geográficas). Na nova literatura e na nova língua que surgem estão presentes duas constantes, embora uma seja largamente superior à outra: a cultura e a literatura europeias, que os portugueses trouxeram consigo, e a cultura e as línguas locais, que os primeiros assimilaram muito dèbilmente, mas os segundos aceitaram a oferta, embora com diversificações apropriadas. O que está a nascer é pujante, vigoroso, sobretudo jovem e cheio de ambições, como é natural a toda a juventude.» E mais adiante termina esta explanação, dizendo: «Foi precisamente a conjunção destas duas forças que Luandino Vieira conseguiu alcançar no seu «LUUANDA» que, em princípio, deveria justificar este escrito necessàriamente breve, mas que desastrada e pouco inteligente intervenção alheia forçou a deixar um tanto de parte, por exigir a explanação de um pensamento que se considerava suficientemente explicado, embora não para os que raiam o analfabetismo, alcandorando-se, muito embora, à posição de juízes em matéria na qual só meteram a própria foice – como admitem – por mecenato (e em pagamento) político.» No seu livro intitulado «A CRÍTICA REALISTA», junto a fls. 272, o Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA, que foi presidente dos juris em que foi

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distinguida esta literatura nitidamente desnacionalizante, diz-nos a certa altura: «A literatura é uma forma ideológica integrada numa ideologia, isto é: num conjunto de ideias formando um sistema, uma teoria, uma cultura.» Noutra altura do seu trabalho, o Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA continua: «Mas não haverá literatura enquanto não se gerar no seio das massas a consciência de si próprias, em novas e peculiares formas de expressão.» E concretizando a sua tese com dialéctica verdadeiramente marxista-leninista, pois que, sendo materialista, se fundamenta em Feuerbach, onde Marx e Engels foram beber os processos dialécticos com que propuseram o Materialismo Dialéctico e o Materialismo Histórico, que são base das suas teorias, o Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA justifica-a, ao afirmar no seu livro: «Georg Lukacs, em “A Destruição da Razão”, faz avultar, ao longo de uma brilhante e poderosa análise, a natureza una, indivisível, totalitária, do fenómeno literário. A história da filosofia, escreve o pensador húngaro, como a história da arte ou da literatura, não é simplesmente – como consideram os pensadores burgueses – uma história das ideias filosóficas ou dos filósofos. Os problemas e as direcções das soluções são dadas à filosofia pelo desenvolvimento das forças produtivas, pela evolução da sociedade e pela amplitude da luta de classes.» Assim e claramente, o Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA aponta como solução para a literatura dita angolana um processo dialéctico materialista no qual todos os elementos do materialismo histórico entrem como factores fundamentais. E, em consequência, nós vemos que MÁRIO DE OLIVEIRA, no seu trabalho intitulado «PARA UMA VISÃO COMPREENSIVA DA LITERATURA ANGOLANA», distinguido com menção honrosa no concurso literá-

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rio de 1961, da Sociedade Cultural de Angola, vem apontar a necessidade de uma análise dialéctica do movimento literário, com vista à definição da sua literatura, para a qual considera contributo fundamental o trabalho do Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA. Quer dizer, destes pressupostos só se pode entender que a literatura dita angolana, para corresponder às premissas em que se fundamenta o movimento que a queria estruturar, teria de ser realista – isto é, os seus escritores e poetas teriam de estar integrados no realismo literário. Ora, segundo Roger Garaudy, no seu livro «D’UN RÉALISME SANS RIVAGES»: «La liberté n’est jamais abstraite. Elle ne surgit pas du “néant”. Il n’y a de liberté authentique qu’enracinée dans la culture du passé, dans les combats du présent, dans la tâche comme de ceux qui bâtissent l’avenir. L’artiste et l’écrivain n’échappent pas à cette ici. Le réalisme, en art, est la prise de conscience de cette participation à la création continuée de l’homme, forme la plus haute de la liberté.» E depois de afirmar que a posição do escritor realista perante a sociedade não é expectante, mas sim militante, querendo prová-lo dialècticamente pela relação entre a superestrutura (vida intelectual) e a infra-estrutura (vida material), acaba por concluir: «Cette dialectique complexe des rapports de l’œuvre avec la réalité et la vie, est l’object essentiel de l’esthétique marxiste.» –*– Ouvido de fls. 4 a 7, de fls. 243 a 250 e de fls. 256 a 260, ALFREDO JORGE DE MACEDO BOBELA MOTA começa por referir, a fls. 4 (verso), a composição do juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA», de 1963. Depois, a fls. 4 (versos) e 5, refere que o primeiro lugar do «PRÉMIO MOTA VEIGA» foi atribuído ao livro «LUUANDA», de LUANDINO VIEIRA, por maioria de votos (Dr. EUGÉNIO FERREIRA e MAURÍCIO GOMES). A esta votação opôs-se o vogal MÁRIO CORTE REAL, alegando não estar o livro de

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LUANDINO VIEIRA tão integrado no espírito do prémio, que exigia que o conteúdo das obras fosse uma explanação de motivos da presença portuguesa em Angola, como o de A. CORREIA ARAÚJO, intitulado «ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E SOCIAL DE ANGOLA», o qual preenchia essa exigência. A fls. 6 (verso), BOBELA MOTA reconhece que o livro «LUUANDA», de LUANDINO VIEIRA, não corresponde ao espírito do regulamento do «PRÉMIO MOTA VEIGA», nem na sua problemática nem na sua imagética, relegando para o júri a responsabilidade da sua atribuição. A fls. 244, ao ser-lhe posto o facto do livro intitulado «CEM POEMAS», de MÁRIO ANTÓNIO, ter sido excluído por não ser completamente inédito, quando a verdade é que o livro «LUUANDA», de LUANDINO VIEIRA, também não o era, por virtude de dois dos três contos que compõem este livro terem sido premiados em concurso anterior, da ANANGOLA, ALFREDO BOBELA MOTA reconheceu que o livro de LUANDINO VIEIRA também carecia da qualidade de ineditismo que excluiu o livro de MÁRIO ANTÓNIO. A fls. 244 (verso), reconhece também que o regulamento do «PRÉMIO MOTA VEIGA» não exige, taxativamente, que as obras concorrentes sejam inéditas, mas apenas que sejam publicadas no ano a que se refere o concurso. A fls. 245 (verso), declara ter tido conhecimento, em Agosto ou Setembro de 1964, de que contos do livro de LUANDINO VIEIRA haviam sido premiados no concurso anterior da ANANGOLA. A fls. 246, BOBELA MOTA afirma não ter denunciado este facto, antes da entrega do «PRÉMIO MOTA VEIGA», por não se julgar com competência para o fazer. A fls. 246 (verso) e 247, admite que o juri tenha praticado uma injustiça ao excluir o livro de MÁRIO ANTÓNIO por não ser completamente inédito, quando o regulamento não prevê tal facto e ainda porque o livro de LUANDINO VIEIRA se encontrava nas mesmas condições alegadas para o livro de MÁRIO ANTÓNIO. E a fls. 257 admite que tais factos constituem grave irregularidade. A fls. 247 (verso), afirma que a Administração do jornal «ABC – Diário de Angola», na pessoa de JOÃO PEREIRA DA SILVA LÚCIO, sabia da injustiça praticada pelo juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA», antes da entrega dos prémios, e que não reagiu nem pôs quaisquer obstáculos.

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Acareado com JOÃO PEREIRA DA SILVA LÚCIO que, a fls. 254 e 255, nega ter conhecimento de tal injustiça, ALFREDO BOBELA MOTA declara, a fls. 262, admitir que aquele teria conhecimento de que LUANDINO VIEIRA havia sido premiado, mas não com os mesmos contos do livro «LUUANDA». A fls. 248, admite ter redigido o elogio que, na contracapa do livro de LUANDINO VIEIRA, se faz à obra e ao autor, declarando tê-lo feito por ser amigo e compadre do mesmo autor. A fls. 257 (verso), descreve como se passou a reunião do júri, dizendo que fora muito rápida. O Dr. EUGÉNIO FERREIRA sentara-se, na sala da Sociedade Cultural de Angola, juntamente com MÁRIO CORTE REAL, MAURÍCIO GOMES e BOBELA MOTA. Depois o Dr. EUGÉNIO FERREIRA dissera ter escolhido para o primeiro lugar o livro de LUANDINO VIEIRA e para segundo o de A. CORREIA ARAÚJO. O MAURÍCIO GOMES concordara e o MÁRIO CORTE REAL afirmara que aceitava com a condição do livro de CORREIA ARAÚJO ser o primeiro e o de LUANDINO VIEIRA o segundo. Então o Dr. EUGÉNIO FERREIRA, na sua qualidade de presidente, teria decidido que, por maioria de votos, o primeiro seria o livro de LUANDINO e o segundo o de CORREIA ARAÚJO, encerrando a sessão. O MÁRIO CORTE REAL perguntou, então, quem era o LUANDINO VIEIRA, e o Dr. EUGÉNIO FERREIRA e o MAURÍCIO GOMES informaram-no tratar-se de JOSÉ VIEIRA MATEUS DA GRAÇA, inteirando-o das actividades políticas deste e dizendo que se encontrava preso. A fls. 260, BOBELA MOTA concorda que, ao serem publicados pelo jornalista JOSÉ JUSTINO DE FARIA ROBY AMORIM, no jornal «ABC – Diário de Angola», os artigos que se encontram juntos a fls. 81, 85 e 86, e proclamam e apoiam, a propósito de LUANDINO VIEIRA, o nascimento de uma nova língua e de uma nova literatura, são uma atitude desnacionalizante que tem de ser qualificada de traição e declara o jornal co-responsável com o autor de tais artigos. A fls. 261, JOÃO PEREIRA DA SILVA LÚCIO, ao tempo responsável pela publicação de «ABC – Diário de Angola», concorda também que o jornal é co-responsável com o autor dos artigos e alega que, na altura em que foram publicados, o conteúdo dos mesmos artigos o não chocou.

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Ouvido o vogal do júri do «PRÉMIO MOTA VEIGA», MÁRIO FERNANDO DE CARVALHO FIGUEIREDO CORTE REAL, de fls. 10 a 12, declara que, quando chegou, no dia da reunião, do juri, já ali se encontravam o Dr. EUGÉNIO FERREIRA e o MAURÍCIO GOMES, os quais falavam sobre o livro de LUANDINO VIEIRA. Afirma ter notado que ambos aqueles membros do juri estavam dispostos a dar o primeiro prémio a LUANDINO VIEIRA, pois o Dr. EUGÉNIO FERREIRA alegava ser um trabalho com características que o tornavam na primeira tentativa para a criação de uma nova corrente literária. O MÁRIO CORTE REAL declara ter votado, então, contra a atribuição do primeiro prémio a LUANDINO VIEIRA, por o livro não estar escrito em língua portuguesa nem corresponder ao espírito do prémio, o que ficou registado na acta. (Fls. 10 (verso) e 11). A fls. 11 (verso), MÁRIO CORTE REAL afirma não saber que LUANDINO VIEIRA era um traidor, porque se o soubesse teria feito registar isso na acta como razão mais poderosa para que o prémio lhe não fosse concedido, e declara que, nessas circunstâncias, tal autor não deveria ser admitido ao «PRÉMIO MOTA VEIGA». A fls. 12, considera que a atribuição do «PRÉMIO MOTA VEIGA» a LUANDINO VIEIRA foi uma valorização social do autor, a qual constitui um paradoxo, por se tratar de um traidor à Pátria. –*– Ouvido de fls. 13 a 20, de fls. 233 a 239 e de fls. 263 a 269, EUGÉNIO BENTO FERREIRA declara ter escolhido o livro de LUANDINO VIEIRA para primeiro prémio do concurso Mota Veiga pela singular imaginação criadora do autor, cujo fundo da obra retrata episódios anedóticos dos habitantes dos muceques, procurando recortar com certo realismo a psicologia dos chamados “calcinhas”, isto com linguagem típica dos muceques de Luanda. (Fls. 14). Depois de dar esta definição do estilo e forma da obra de LUANDINO VIEIRA, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA afirma, a fls. 15, não se recordar de no concurso literário anterior, da ANANGOLA, ter distinguido dois contos do mesmo autor, intitulados «A ESTÓRIA DA GALINHA E DO OVO» e

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«VAVÓ XIXI HENGELE E SEU NETO ZECA SANTOS», que constituem, com outro, o livro «LUUANDA». A fls. 17, continua a afirmar que não há forma de se lembrar de ter premiado tais contos, apesar de terem mediado entre a leitura que fez deles para o concurso da ANANGOLA e para o «PRÉMIO MOTA VEIGA» apenas cinco meses. A fls. 19 e verso, concorda que, actualmente, em que se definiram os objectivos dos movimentos subversivos que eclodiram no Norte da Província, não tem dúvida em afirmar que JOSÉ VIEIRA MATEUS DA GRAÇA traiu os seus concidadãos. Afirma, no entanto, que não imaginava que o livro fosse objecto, mais tarde, da extinção da Sociedade Portuguesa de Escritores e que o juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA» apenas teve o intuito de valorizar a obra literária e não o autor. A fls. 232, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA concorda que, aquando da reunião do juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA», já tinha trocado impressões com MAURÍCIO GOMES e tinham concordado em dar o primeiro prémio a LUANDINO VIEIRA, e isto antes de CORTE REAL chegar. A fls. 232 (verso), afirma que o livro de LUANDINO VIEIRA, pelo seu realismo psicológico, se filia na corrente literária neo-realista. A fls. 233, ao ser-lhe perguntado por que razão, tendo sido presidente do juri do concurso literário da ANANGOLA, que premiou os contos «A ESTÓRIA DA GALINHA E DO OVO» e «VAVÓ XIXI HENGELE E SEU NETO ZECA SANTOS», aquando do «PRÉMIO MOTA VEIGA», de cujo juri também foi presidente, distinguiu o livro «LUUANDA», em que constam aqueles contos, tendo excluído outro trabalho por não ser completamente inédito, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA declara que, no momento da concessão do «PRÉMIO MOTA VEIGA», tinha obliterado completamente os contos que premiara no concurso literário da ANANGOLA. A fls. 230, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA diz não se recordar das obras que premiou no concurso literário da Associação dos Naturais de Angola, mas confirma as que constam da cópia da acta junta a fls. 31, na qual figura como presidente do juri.

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A fls. 230 (verso), diz não ter havido reunião do juri do concurso literário da ANANGOLA, mas sim andar um elemento da direcção daquele organismo a colher as decisões de cada membro do juri, individualmente. Depois, a fls. 231, diz que se recorda de não haver unanimidade na atribuição dos prémios a LUANDINO VIEIRA, no concurso da ANANGOLA, mas não sabe qual foi essa falta de unanimidade. A fls. 263, ao ser convidado a analisar o poema de ERNESTO LARA (FILHO), junto a fls. 188, que premiou com menção honrosa no concurso literário de 1961, da Sociedade Cultural de Angola, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA concorda que tal poema pode, efectivamente, ser considerado subversivo de uma certa forma de governo ou de administração, mas não o considera antinacional, porque nem sempre os actos subversivos são antinacionais, havendo até alguns actos subversivos que se tornam mais tarde redentores de certas crises nacionais. A fls. 265, ao ser-lhe posto o problema de que tal poesia se refere ao terrorismo do Norte de Angola e que de todo ele transpira um desejo de libertação, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA declara que, quando fez a apreciação, não teve em conta nem atribuiu ao poema carácter maléfico ou antinacional. A fls. 265 (verso), afirma que, não declinando a quota parte de responsabilidade que tem na classificação do poema, como membro do juri que foi, o certo é que não foi ele que, individualmente, distinguiu o referido trabalho, mas sim um juri colectivo, não se recordando das condições em que foi distinguido. A fls. 268, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA concorda que pode admitir-se que o trabalho de ALFREDO MARGARIDO (fls. 197), que obteve o primeiro prémio de ensaio no concurso de 1961, da Sociedade Cultural de Angola, tem um conteúdo desnacionalizante, mas diz que não teve a repercussão que possa traduzir uma influência nefasta ou prejudicial à cultura portuguesa. A fls. 269, admite ter premiado obras que se integram na corrente da literatura angolana proposta por ALFREDO MARGARIDO e CARLOS ERVEDOSA, e não os autores do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA». –*– Ouvido de fls. 22 a 27, MAURÍCIO FERREIRA RODRIGUES DE ALMEIDA GOMES, vogal do juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA», refere, a fls. 22

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(verso), que foi o Dr. EUGÉNIO FERREIRA quem iniciou a apreciação literária do livro de LUANDINO VIEIRA. A fls. 23, MAURÍCIO GOMES afirma ter dito nessa altura ao Dr. EUGÉNIO FERREIRA que gostaria mais da técnica de as personagens se expressarem como realmente se expressam no livro, mas na parte descritiva do escritor que se empregasse o português corrente. A fls. 23, MAURÍCIO GOMES reconhece não ter havido unanimidade na atribuição do primeiro prémio ao LUANDINO VIEIRA, por virtude de MÁRIO CORTE REAL ser de opinião que tal livro não estava, tanto como o de A. CORREIA DE ARAÚJO, dentro do espírito do regulamento, que exigia que a obra premiada fosse uma explanação da presença portuguesa em Angola. A fls. 24, ao ser-lhe dada a ler uma passagem de um conto onde o único branco que surge é denegrido, MAURÍCIO GOMES concorda que, relendo nesse momento tal passagem, ela não encerra exactamente o espírito contido no regulamento do prémio. A fls. 25, MAURÍCIO GOMES afirma que foi o Dr. EUGÉNIO FERREIRA que elucidou o MÁRIO CORTE REAL da verdadeira personalidade de LUANDINO VIEIRA. A fls. 25 (verso) e 26, MAURÍCIO GOMES diz que, se na altura da atribuição do prémio soubesse as razões reais em que foi condenado LUANDINO VIEIRA, teria proposto que a obra fosse retirada do concurso. A fls. 26 (verso), ao ser-lhe dado conhecimento de que do livro «LUUANDA» constam dois contos que já tinham sido premiados num concurso anterior, MAURÍCIO GOMES declara-se perplexo ante tal atitude do Dr. EUGÉNIO FERREIRA, que levou a excluir uma obra por não ser inédita, quando a de LUANDINO VIEIRA estava nas mesmas condições, do que resultou que o juri fosse induzido a praticar uma injustiça, concedendo tratamento favorável a LUANDINO VIEIRA. –*– Ouvido de fls. 39 a 42, AUGUSTO PITAGRÓS DIAS declara que, ao verificar quem eram os autores das obras premiadas no concurso literário de 1963, organizado pela administração anterior da ANANGOLA, já depois de ter convidado Sua Excelência o Governador-Geral, resolveu dar tais prémios

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em sessão privada, e não na sessão pública marcada, tanto por discordar do conteúdo das obras como pelas actividades dos autores delas. Mais declarou que esta foi a única manifestação de desagrado que pôde ter, bem como a de não comparecer à sessão de entrega do «PRÉMIO MOTA VEIGA», de que também discordou. –*– Ouvido de fls. 63 a 66, ACÁCIO ANTÓNIO PEREIRA DE LIMA BARRADAS, membro do juri do concurso literário de 1963, da ANANGOLA, afirma, a fls. 64 e verso, que o mérito dos contos de LUANDINO VIEIRA, premiados naquele concurso, está no aproveitamento para a língua literária de certos valores fonéticos da linguagem rural em uso nos subúrbios de Luanda. Afirma não rejeitar a probabilidade de existir em certos meios a tendência de explorar este novo estilo como uma manifestação reivindicativa de carácter político. A fls. 65, afirma que, se em todos os contos uma das etnias surge desprestigiada (a branca), como no conto que lhe foi mostrado, se vê obrigado a considerar no conteúdo do livro um propósito com o qual não está de acordo, por ser avesso a admitir como justas as generalizações que se possam fazer relativamente a qualquer das etnias existentes em Angola, com base nas atitudes e nos conceitos pessoais de quaisquer elementos pertencentes a tais etnias. –*– Ouvido de fls. 158 a 171, ANTERO ALBERTO ERVEDOSA ABREU, membro do júri do concurso literário de 1963, da ANANGOLA, depois de, a fls. 159, fazer um elogio dos contos que premiou, da autoria de LUANDINO VIEIRA, que compara a JORGE AMADO, encontra sempre em todas as perguntas que lhe foram feitas uma forma de elogiar e desculpar cada um dos premiados, e isto verifica-se de fls. 160 a 161 (verso), para a fls. 162 se considerar um percursor [sic] do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA», a que pertencem também os premiados. No entanto, a fls. 162 (verso), considera da responsabilidade de CARLOS ERVEDOSA ser ele, ANTERO ABREU, considerado um elemento do

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«MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA», negando essa qualidade. Reconhece, contudo, a fls. 163, que no «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA» havia elementos animados de determinado espírito revolucionário, e cita apenas quatro elementos de tal movimento que não eram animados desse espírito. A fls. 164 (verso), admite que os poetas do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA» teriam, além da intenção de iniciar um tipo de poesia, determinadas intenções de ordem política, defendendo não só um extremismo de ordem puramente política como fortes sentimentos nacionalistas. A fls. 167, ao ser perguntado se considera ou não maléfica o tipo de poesia que vinha sendo difundida nesta Província, integrada nas obras premiadas, o Dr. ANTERO ABREU considera-a, em última análise, um jogo de intelectuais para intelectuais. De fls. 167 (verso) a fls. 169 (verso), o Dr. ANTERO ABREU aceita a valorização social do escritor, mesmo que ele seja um traidor à Pátria. Aceita mesmo esse caso para LUANDINO VIEIRA, de quem se afirma amigo, dizendo que o qualificativo de traidor não é justo quando aplicado àquele, até porque o Tribunal Militar Territorial de Angola foi, de certo modo, injusto, na medida em que alguns factos do libelo acusatório foram dados como provados em consequência de uma prova produzida que se lhe afigurou, e aos seus colegas, algo precária. A fls. 170, o Dr. ANTERO ABREU concorda que, no rigor dos termos, LUANDINO VIEIRA será um traidor. –*– Ouvido de fls. 251 a 253, MANUEL TEIXEIRA DIAS CARVALHEIRO, membro do concurso literário de 1961, da Sociedade Cultural de Angola, apesar de, a fls. 252 e verso, afirmar que o juri não teve intenções determinadas de premiar determinado tipo de literatura ou corrente literária, acaba por concordar, a fls. 253, que todos os trabalhos se integram numa corrente literária classificada por ALFREDO MARGARIDO, um dos premiados, de movimento de negritude.

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Ouvido, por precatória, de fls. 218 a 228, ALEXANDRE HERCULANO DE CAMPOS, que foi secretário do juri do concurso literário de 1963, da ANANGOLA, afirma que a reunião para a atribuição dos prémios decorreu sem grandes divergências. (Fls. 225). A fls. 226 e verso, reconhece sem qualquer dúvida que a atribuição de um prémio literário implica a valorização social do escritor e que, efectivamente, foi grave e antipatriótica a atribuição de prémios a JOSÉ VIEIRA MATEUS DA GRAÇA e a ANTÓNIO DIAS CARDOSO, no concurso da ANANGOLA. –*– CONCLUSÃO: Da análise das declarações feitas nos autos, destacam-se três indivíduos em diferentes escalas de responsabilidade. O primeiro que surge, com responsabilidades intelectuais de mentalizador, é o Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA. Apesar de nos autos ter recorrido frequentemente à falta de memória ou à sua inaptidão, mesmo quando se tratava de análises ou definições puramente literárias ou de filosofia da literatura, a verdade é que: 1 – Foi o presidente do juri do concurso literário de 1961, da Sociedade Cultural de Angola; do concurso literário de 1963, da Associação dos Naturais de Angola, e do «PRÉMIO MOTA VEIGA», de 1963; 2 – Nestes concursos foi premiado JOSÉ VIEIRA MATEUS DA GRAÇA: a) sob o pseudónimo de EME MUENE e o trabalho «A HISTÓRIA DA BACIAZINHA DE KITABA», com o segundo prémio de conto, no concurso da Sociedade Cultural de Angola; b) sob o pseudónimo de VINTEOITO e os trabalhos «A ESTÓRIA DA GALINHA E DO OVO» e «VAVÓ XIXI HENGELE E SEU NETO ZECA SANTOS», com os primeiro e segundo prémios de conto, no concurso da ANANGOLA; c) sob o pseudónimo de LUANDINO VIEIRA e o livro intitulado «LUUANDA» (que reune [sic] os contos «VAVÓ XIXI E SEU NETO ZECA SANTOS», «A ESTÓRIA DO LADRÃO E DO PAPA-

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GAIO» e «A ESTÓRIA DA GALINHA E DO OVO»), com o primeiro lugar no «PRÉMIO MOTA VEIGA»; 3 – Tendo dado o primeiro e segundo prémios descritos na alínea b) do n.º 2, tornou a conceder o primeiro lugar aos mesmos trabalhos no concurso descrito na alínea c) do n.º 2, onde outro concorrente foi excluído por virtude do juri considerar não ser o seu trabalho completamente inédito. Os outros membros do juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA» admitiram nos autos ter sido injusta tal decisão, na medida em que o livro de LUANDINO VIEIRA também não era completamente inédito. Além do mais, também os outros membros do juri concordam que o conteúdo do livro não correspondia ao espírito do regulamento do prémio, que exigia que ele fosse uma explanação dos motivos da presença portuguesa em Angola. 4 – É autor, o próprio Dr. EUGÉNIO FERREIRA, de um pequeno ensaio intitulado «A CRÍTICA REALISTA», publicado pela Sociedade Cultural de Angola, em 1961, o qual está dividido nos seguintes capítulos: «ALGUNS ASPECTOS SÓCIO-CULTURAIS DA PROBLEMÁTICA DA FICÇÃO LITERÁRIA EM ANGOLA» e «METODOLOGIA DA CRÍTICA REALISTA», integrados num conjunto intitulado «O REALISMO LITERÁRIO». Como nota curiosa, para apreciação das intenções e objectivos do trabalho do Dr. EUGÉNIO BENTO FERREIRA, transcrevo dois trechos, um dele, outro de Roger Garaudy, a fim de que se veja o paralelismo de ambos. Diz o Dr. EUGÉNIO FERREIRA, a págs. 6 do seu ensaio: «… embora do domínio das meras aparências, todos os conjuntos de ideias particulares e coerentes que constituem as ideologias tenham curso autónomo e independente, a superestrutura (vida intelectual) é o reflexo da infraestrutura (vida material). As ideias são o reflexo das coisas e é o nosso ser social que determina a nossa consciência. Certo, tal reflexo não é directo nem linear. Entre as duas estruturas, cuja evolução não é paralela, nem sincrónica, divisam-se, agindo e reagindo mutuamente, um regime social e político e uma psicologia do homem social, determinada em parte pela infraestrutura e em parte por aquele regime:»

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Roger Garaudy diz no seu livro «D’UN RÉALISME SANS RIVAGES», a fls. 250: «En évoquant le mythe comme “médiation” entre la base e[t] la superstructure, Marx souligne le rôle de la présence de l’homme comme élément capital de la définition de la réalité artistique. Il exclut par là même toute conception d’un réalisme clos. Car le réel, lorsqu’il inclut l’homme, n’est plus seulement ce qu’il est mais aussi tout ce qui lui manque, tout ce qu’il a encore à devenir, et dont les rêves des hommes et les mythes des peuples sont le ferment.» Resta dizer que Roger Garaudy é professor do Instituto Marxista-Leninista, em Paris, e que o Dr. EUGÉNIO FERREIRA é frequentemente citado por ensaístas da literatura da negritude, vulgarmente dita angolana. –*– O segundo indivíduo que se segue na escala de responsabilidades é o Dr. ANTERO ALBERTO ERVEDOSA ABREU, o qual se revelou, através dos autos, um defensor acérrimo de LUANDINO VIEIRA, tanto na sua personalidade real revolucionária como na sua qualidade de escritor. Ora, o Dr. ANTERO ERVEDOSA: 1.º – Foi um percursor do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA», cujas bases e objectivos foram definidos no início deste relatório. Os escritores do referido movimento consideram-no como integrado no mesmo, embora o Dr. ANTERO ABREU se considere apenas um percursor deles. 2.º – Não reconhece senão com certa relutância que LUANDINO VIEIRA seja um traidor e até o aponta como uma vítima de injustiça do Tribunal Militar Territorial de Angola, por este ter declarado como provado todo o libelo acusatório. Admite mesmo que não hesitaria em premiar obra literária de um traidor, tentando apresentar o dilema cidadão-escritor como dissociado, o que é absolutamente ilógico pois, segundo os mais elementares princípios, a personalidade do homem não pode divorciar-se da do escritor.

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3.º – Fez parte do juri do concurso literário de 1963, da ANANGOLA, que distinguiu com os primeiro e segundo prémios de conto LUANDINO VIEIRA. Afirma que a obra de LUANDINO VIEIRA é comparável «às magníficas novelas de JORGE AMADO», segundo sua própria expressão. Neste concurso foram premiadas outras obras, quase todas, que se integram na corrente desnacionalizante da negritude. –*– O terceiro na escala de responsabilidades é ALFREDO JORGE DE MACEDO BOBELA MOTA, o qual: 1 – Foi secretário do juri do «PRÉMIO MOTA VEIGA», sem voto, como delegado do jornal «ABC – Diário de Angola», tendo feito toda a propaganda a LUANDINO VIEIRA, após a concessão do prémio, inclusivé a contracapa do livro «LUUANDA», onde afirma: «… plastizando da linguagem oral do muceque as mais admiráveis formas de expressão, cria para a literatura da sua terra uma língua nova, cheia de encanto e rica de possibilidades…». 2 – Como encarregado da redacção do jornal «ABC – Diário de Angola», permitiu que o jornalista daquela redacção JOSÉ ROBY AMORIM, em vários artigos, afirmasse: «… Em Angola, neste momento, estão em transformação tanto uma língua como uma literatura…». E mais adiante: «… Na nova literatura e na nova língua que surgem…». Tudo isto a propósito do aparecimento do livro «LUUANDA», de LUANDINO VIEIRA. BOBELA MOTA tenta alienar de si esta responsabilidade e remetê-la para o jornal, afirmando até repudiar a ideia de uma língua nova, quando na verdade ele assina a contracapa onde diz que LUANDINO VIEIRA cria «uma nova língua». 3 – Apesar de ter tido conhecimento, depois da concessão do «PRÉMIO MOTA VEIGA» e antes da sua entrega, que fora este concedido em condições injustas, como ele e os outros membros do juri, excepto EUGÉNIO

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FERREIRA, o reconheceram nos autos, diz não o ter denunciado ao jornal que representava no concurso por não ser da sua competência. –*– E depois de definidas as posições dos três mais responsáveis, por escala de valores, resta esclarecer que todas as obras premiadas nos concursos a que se referem os presentes autos, com raras excepções, pertencem ao tipo de literatura desnacionalizante definido no início do relatório. Em grande parte, os trabalhos estão impressos e proibidos de circular no território nacional, por se tratar de literatura subversiva e de conteúdo que informa os movimentos separatistas e pró-independência. Na divulgação desta literatura desnacionalizante tiveram responsabilidades a revista «MENSAGEM», da ANANGOLA, e o jornal «CULTURA», da Sociedade Cultural de Angola, revista e jornal que já não existem. Têm presentemente responsabilidade os jornais «ABC – Diário de Angola» e «O PLANALTO», que a difundiram através das suas páginas literárias e aos quais, por determinação de Sua Excelência o Governador-Geral, está a ser organizado processo de averiguações. Tem a Casa dos Estudantes do Império, em Lisboa, que através da sua editorial vem publicando todos os autores do «MOVIMENTO DOS NOVOS INTELECTUAIS DE ANGOLA» e que atribuiu o «PRÉMIO ALEXANDRE DÁSKALOS» a LUANDINO VIEIRA. –*– Eis o que me cumpre submeter à elevada apreciação de V.ª Ex.ª. –*– Luanda e Delegação da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, aos 16 de Julho de 1965.

O CHEFE DE BRIGADA, (ass.: Mário César Ferreira)

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[F. 690r]

– CONCLUSÃO –

Aos dezasseis dias do mês de Julho do ano de mil novecentos e sessenta e cinco, faço conclusos os presentes autos. E eu, António Fernando de Almeida, agente servindo de escrivão, a dactilografei.

(DESPACHO:) “juntem-se aos autos os antecedentes dos principais responsáveis para melhor apreciação. 23/7/65 a) Aníbal Lopes.”

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| A rep(r)e(rcu)ssão política

[F. 691r-693r]

– INFORMAÇÃO –

ASSUNTO: Elementos biográficos do nacional EUGÉNIO BENTO FERREIRA. 1 – Em 10/2/943, desembarcou em Luanda, na qualidade de adjunto do representante da Companhia de Diamantes de Angola, assumindo funções de direcção dos serviços policiais da mesma companhia. 2 – Em Setembro de 1945, surge como vogal da comissão central provisória da «FRENTE NACIONAL ANTIFASCISTA PORTUGUESA», organização clandestina que se propunha actuar nesta Província com o nome de «ALIANÇA DEMOCRÁTICA DE ANGOLA», procurando ligações com a Metrópole e os portugueses exilados em vários países estrangeiros. Desta organização apareceu um manifesto que correu a cidade de Luanda, tendo o Dr. EUGÉNIO FERREIRA, em carta dirigida à mesmo organização, repudiado a sua adesão, afirmando pertencer ao «MOVIMENTO DE UNIDADE DEMOCRÁTICA». 3 – Em 13/4/947, deu uma entrevista ao jornal «A Província de Angola», a propósito do meio literário de Angola, na qual afirma que se impõe… … «um esforçado trabalho de autocrítica, de estudo presistente [sic] e honesto de cultura», para concluir, mais adiante, que … … «o fenómeno da criação é de natureza essencialmente dialéctica, quer dizer, é um efeito da oposição, da acção mútua, da luta do espírito com a realidade». O Dr. EUGÉNIO FERREIRA era, nesta data, presidente da direcção da Sociedade Cultural de Angola. 4 – Em 8/10/949, a Direcção-Geral desta Polícia informa, por ofício n.º 7565/SCI/CI, de que o Dr. EUGÉNIO FERREIRA cooperou nas sessões levadas a efeito pela oposição ao Regime.

O processo dos prémios literários

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5 – Em 14/11/953, a 2.ª Secção da P.S.P., em ofício n.º 3210/2.ª/953-SS, informa a Repartição de Gabinete do Governo-Geral de Angola de que o Dr. EUGÉNIO FERREIRA esteve preso na Polícia Internacional e de Defesa do Estado, no ano de 1931, por pertencer à organização subversiva denominada «PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS». Que participou em todos os movimentos da chamada oposição ao Regime, aquando das eleições para a Presidência da República e para a Assembleia Nacional. Que foi adjunto do representante da Companhia de Diamantes de Angola, tendo sido demitido por ter casado com uma mestiça. 6 – Em Outubro de 1957, publica na revista «Cazengo» o artigo intitulado «ALGUMAS CONSTANTES E UMA VARIÁVEL NA HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA EM ANGOLA», no qual diz a certa altura: «A colonização revestiu, assim, aspectos de conquista, de expansão, de hipertrofia imperialista, e é evidente que, se as descobertas marítimas fizeram precipitar a evolução da economia capitalista, foi o desenvolvimento capitalista que empurrou o Ocidente para a descoberta de novas vias de tráfico que, uma vez abertas, precipitaram, por sua vez, e ampliaram o ritmo da economia capitalista, em proporções que iriam transformar completamente o equilíbrio do mundo». 7 – Em 1958, fez parte da comissão de candidatura à Presidência da República do Dr. ARLINDO VICENTE, que sobejamente se provou ser apoiado pelo «PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS». 8 – Em 1960, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA continuava como dirigente da Sociedade Cultural de Angola, exercendo o cargo de presidente da respectiva assembleia-geral. 9 – Em 1961, inicia-se a publicação dos «cadernos culturais» da Sociedade Cultural de Angola, sendo o primeiro o trabalho do Dr. EUGÉNIO FERREIRA, intitulado «O REALISMO LITERÁRIO». 10 – ANTÓNIO DIAS CARDOSO e ROSSAN BRANDÃO confessam, no processo-crime n.º 662/61, que em Março de 1961 se realizaram reuniões na Sociedade Cultural de Angola e no escritório do Dr. EUGÉNIO FERREIRA, reuniões a que estiveram presentes, além daqueles três, o Eng.º TITO

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| A rep(r)e(rcu)ssão política

DE MORAIS, Dr. ANTERO ABREU, FERNANDO PORTUGAL ESTRELA e ALFREDO BOBELA MOTA. Nestas reuniões foram discutidos os acontecimentos do Norte e decidiu-se tentar estabelecer contactos com os presumíveis responsáveis dos movimentos subversivos, a fim de entabular negociações com vista a pôr termo às violências. 11 – Em 1962, o Dr. EUGÉNIO FERREIRA é assinalado como membro da Associação Internacional dos Juristas Democráticos, uma das 15 organizações internacionais nitidamente comunistas. 12 – Em 1964, é assinalado como membro do Conselho Mundial da Paz, outra das 15 organizações internacionais comunistas. –*– Luanda e Delegação da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, aos 5 de Agosto de 1965.

O CHEFE DE BRIGADA, (ass.: Mário César Ferreira)

O processo dos prémios literários

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[F. 694r-695r]

– INFORMAÇÃO –

ASSUNTO: Elementos biográficos acerca do nacional ANTERO ALBERTO ERVEDOSA ABREU. 1 – Em 1957, desembarcou em Luanda, procedente da Metrópole, para onde fora em criança. Veio assinalado como elemento activo da chamada oposição ao Regime, militando no sector dito liberal. 2 – Em 1958, foi elemento activo da candidatura à Presidência da República do Dr. ARLINDO VICENTE, que ficou provado ser apoiada pelo «PARTIDO COMUNISTA PORTUGUÊS». 3 – Em 1960, era vogal do conselho de direcção da Sociedade Cultural de Angola. 4 – Em 1961, foi arguido num processo de averiguações por ter redigido uma representação à Presidência da República, para a qual se angariavam assinaturas e em que se requeria: a) – o restabelecimento da liberdade de imprensa e de todos os meios de informação, com a supressão da censura prévia; b) – neutralização da acção da Polícia Internacional e de Defesa do Estado; c) – libertação de todos os presos políticos; d) – descentralização do Governo-Geral, assistido por um Conselho de Governo livremente eleito. Esta representação secundava outras que estavam a ser feitas na Metrópole, pela oposição dita democrática. 5 – ANTÓNIO DIAS CARDOSO e ROSSAN BRANDÃO, no processocrime n.º 662/61, referem que, em Março de 1961, se realizaram reuniões na Sociedade Cultural de Angola e no escritório do Dr. EUGÉNIO FERREIRA,

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| A rep(r)e(rcu)ssão política

a que assistiram também o Dr. ANTERO ABREU, Eng.º TITO DE MORAIS, FERNANDO PORTUGAL ESTRELA e ALFREDO BOBELA MOTA. Nestas reuniões foram discutidos os acontecimentos do Norte e decidiu-se tentar estabelecer contactos com os presumíveis responsáveis dos movimentos subversivos dos negros, a fim de entabular negociações com vista a pôr termo às violências. 6 – Em 1963, foi eleito presidente da direcção do Cine-Clube de Luanda. –*– Luanda e Delegação da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, aos 5 de Agosto de 1965.

O CHEFE DE BRIGADA, (ass.: Mário César Ferreira)

O processo dos prémios literários

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[F. 696r-698r]

– INFORMAÇÃO –

ASSUNTO: Elementos biográficos acerca do nacional ALFREDO JORGE DE MACEDO BOBELA MOTA. 1 – Foi funcionário administrativo desde 1924 a 1944, tendo sido preso e exonerado por desonestidade. 2 – De 1944 a 1945, foi funcionário do Instituto Nacional do Pão. 3 – De 1945 a 1951, foi chefe de secção do Instituto Pasteur de Lisboa. 4 – De 1951 a 1953, foi funcionário da Companhia do Açúcar de Angola. 5 – De 1953 a 1954, foi chefe de secretaria no Instituto de Assistência Social de Angola. 6 – De 1954 a 1956, foi secretário-geral do Automóvel e Touring de Angola. 7 – Em 1956, iniciou a sua carreira de jornalista profissional, tendo trabalhado sucessivamente nos jornais «O Comércio», «O Sul de Angola», «O Sul» e «ABC – Diário de Angola». 8 – Em 1958, desenvolveu activa campanha pró-candidatura de HUMBERTO DELGADO para a Presidência da República. 9 – Em 1959, fazia parte do grupo que publicou panfletos clandestinos de carácter subversivo, os quais circularam em Moçâmedes e no Lobito aquando das eleições para vogais do Conselho Legislativo desta Província. 10 – Em 1960, fazia parte da direcção da Sociedade Cultural de Angola. 11 – Em 1961, ANTÓNIO DIAS CARDOSO e ROSSAN BRANDÃO confessam, no processo-crime n.º 662/61, que em Março daquele ano se realizaram reuniões na Sociedade Cultural de Angola e no escritório do Dr. EUGÉNIO FERREIRA, a que assistiram também o jornalista ALFREDO BOBELA MOTA, Eng.º TITO DE MORAIS, Dr. ANTERO ABREU, FERNANDO PORTUGAL ESTRELA.

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| A rep(r)e(rcu)ssão política

Nestas reuniões foram discutidos os acontecimentos do Norte e decidiu-se tentar estabelecer contactos com os presumíveis responsáveis dos movimentos subversivos dos negros, a fim de entabular negociações com vista a pôr termo às violências. 12 – Em 1962, dirigiu uma exposição a Sua Excelência o Governador-Geral, queixando-se do censor Dr. Freitas de Lemos, na qual diz o seguinte, a propósito da Comissão de Censura: «A Censura à Imprensa, considerada um “mal necessário”, não afecta, simplesmente, como à primeira vista poderá parecer, as empresas jornalísticas. São suas vítimas, sobretudo, os redactores dos jornais, que, muitas vezes, por cortes e alterações, vêem as suas ideias deturpadas e – o que é pior – a sua semântica bàrbaramente assassinada, factos estes que, como é óbvio, só contribuem para o seu descrédito profissional.» 13 – Em 1963, esteve preso nesta Polícia por actividades como elemento do «MIPLA» («MOVIMENTO INTERNO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA»). Confessou ter sido abordado por MESQUITA BREHM para ocupar um cargo no sector de imprensa, dado que estava prestes a eclodir um movimento para derrubar o Governo da Província. Diz ter aceitado este convite, comprometendo-se na altura a arranjar novos elementos. Confessou ter feito a retroversão para inglês dum panfleto de que foram distribuídas várias cópias a jornalistas estrangeiros e em que se dizia: «Não acreditem no que lhes é mostrado; não acreditem no que se diz lá fora. A verdade acerca de Angola só pode surgir quando acabar a censura à imprensa e houver liberdade de expressão e de pensamento.» Confessou ter servido de intermediário para a entrega de uma carta a MÁRIO PINTO DE ANDRADE, a qual lhe fora entregue por MESQUITA BREHM. 14 – Em Março de 1964, facilitou a publicação, no jornal «ABC – Diário de Angola», de um artigo intitulado «PRETENDE-SE FORMAR UM ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA NOS E.G.U. DE ANGOLA», da autoria de

O processo dos prémios literários

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CARLOS ERVEDOSA, contribuindo assim para a agitação académica que então se esboçava nesta Província. –*– Luanda e Delegação da Polícia Internacional e de Defesa do Estado, aos 5 de Agosto de 1965.

O CHEFE DE BRIGADA, (ass.: Mário César Ferreira)

Apêndice

A notícia do N. Y. Times

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New York Times. 22-V-1965.

Lisbon Punishes Writer’s Group Disbands Unit That Honored Man Jailed as Terrorist Special to The New York Times LISBON, May 21 – The Government of Premier Antonio de Oliveira Salazar dissolved the Portuguese Writers Association tonight. The association had awarded a high literary prize to a man convicted of terrorism in Portugal’s African territory of Angola. The Minister of Education, Dr. Inocencio Galvão Teles, took the action against the association after a campaign against it by the pro-Government press here. Diário da Manhã, organ of Premier Salazar’s political movement, the National Union, accused the association of “treason” and declared that those responsible for having awarded the prize “must pay for their evil actions in undermining the integrity of the nation.” During the day the writers association issued a statement disclaiming knowledge of the real identity of Luandino Vieira, who was awarded the Grand Prize of the Novela earlier this week for his novel “Luanda”.

Author Used Pseudonym After the award had been made public a Government spokesman announced that Luandino Vieira was the pseudonym of José Vieira Mateus de Graca, who was condemned for “crimes of terrorism” in Angola in June, 1963. Vieira is a 28-year-old white Portuguese who emigrated to Angola as a child with his parents. He lived in a slum area outside Luanda, Angola’s capital, and used it as the background for most of his short stories. He was arrested in 1962, a few months after the outbreak of terrorism in Angola, where rebels are seeking the territory’s independence, and is now

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| Apêndice

serving a 14-year term in a penal colony on Portugal’s Cape Verde Island, off Senegal. The pro-Government Association of Natives of Angola called an extraordinary meeting in Luanda yesterday to protest the award. It charged that the writers association jury “would be identified with the enemies of Portugal if it did not immediately cancel its decision.” The writers association, which includes most of Portugal’s prominent authors and journalists, said in a statement that the prize had been given “for the literary value of the work exclusively and in no way reflected judgment on the activities of which the author was accused.” The Calouste Gulbenkian Foundation, which had sponsored the writers association’s Grand Prize of the Novela, disclaimed all responsibility for naming the jury or for its decisions. The foundation announced that it planned to revise its policy for subsidizing prizes to prevent their being awarded for other tan cultural achievements. Tonight, before the Government dissolved the writers association, Joaquim Paço d’Arcos, president of its general assembly, resigned.

Um eco do programa da R.T.P.

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Torre do Tombo – PIDE-DGS – CI-2-4236 – NT7330, pp. 138-140.

Polícia Internacional e de Defesa do Estado N.º 1061/67 – CI (2) Secção Central Confidencial

Excelentíssimo Senhor Director-Geral da Polícia Internacional e de Defesa do Estado Lisboa P.I.D.E. Gabinete do Ultramar Entrada 013655 – Rec. 16. Dez. 1967

Assunto: Visita ao Campo de Trabalho de Chão Bom na Vila do Tarrafal

Desloquei-me no passado dia 9 do mês corrente à Vila do Tarrafal ao posto desta Polícia naquela localidade a visitar, a convite do respectivo Director, o Campo de Trabalho do Chão Bom. Encontrei tanto o posto como a residência do agente ali destacado em boas condições e inteiramente funcionais. Posteriormente desloquei-me ao Campo de Trabalho onde pude contactar com o respectivo Director o Administrador Eduardo Vieira Fontes e com o Comandante do pelotão ali destacado, nada havendo de anormal. Após o almoço realizado na residência do Director do Campo pude verificar as condições existentes para os reclusos ali a cumprir pena por crimes contra a segurança do Estado ou com residência fixa. Este estabelecimento prisional está dividido em duas secções: uma destinada àqueles reclusos e outra para os de delito comum.

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| Apêndice

A primeira possui compartimentos separando os oriundos da Província de Angola com os da Guiné. Ambas se apresentavam limpas, arejadas e com os requisitos indispensáveis para higiene. Existe um pequeno pavilhão, ainda em construção, para se celebrar culto religioso e biblioteca com sala de leitura. A guarda interior está entregue a um destacamento da PSP de Angola. A externa é feita por guardas privativos apoiados pelo pelotão militar.

Página inicial do documento

Um eco do programa da R.T.P.

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Na companhia do Director do Campo pude trocar breves impressões com os ditidos [sic], especialmente com os que cumpriram a 1.ª parte da pena e estão agora submetidos ao regime de medidas de segurança prorrogáveis. Como é evidente todos se sentem «recuperados» e aptos para não fazer mal a ninguém. Não resisto à tentação de transmitir a V. Ex.ª um facto curioso lá sucedido durante a visita. Quando conheci o JOSÉ VIEIRA MATEUS GRAÇA – LUANDINO VIEIRA – e pela conversa verifiquei manter-se ele dentro do mesmo espírito de atitudes anteriores a sua prisão e antes de rematar o «colóquio» e como pretende ainda enquadrar-se no número dos literatos de nomeada, desejei deixar-lhe um ponto de meditação a fim de se compenetrar bem da sua situação actual. Disse-lhe que só deve futuramente contar consigo próprio e nada esperar dos seus amigos intelectuais narrando-lhe, então, o pormenor de ter sido discutida a sua categoria como escritor, aquando da pretensa dádiva do prémio da falecida Sociedade de escritores. Houve nessa altura um programa televisionado (a que assisti)1 em que escritores de diversas matizes se pronunciaram em mesa redonda. Um deles sobressaiu pela crítica mais mordaz aos seus escritos, quando anos passados, o tinha apresentado como promissor elemento das letras. Que visse agora com este facto, como é a vida… não lhe tendo revelado o nome do referido crítico, porque com certeza o devia conhecer. Quando me preparava para sair do salão onde se encontrava e voltando a passar junto dele, me pediu de novo para falar declarando-me, em face do facto narrado, ser só isso possível na pessoa do crítico literário AMÂNDIO CÉSAR. Tinha acertado em pleno e, ao mesmo tempo, pensei na triste figura do citado crítico.

1

Referência ao programa Panorama literário, emitido pela Rádio Televisão Portuguesa na noite de 27-V-1965, antes da final da Taça dos Campeões Europeus de Futebol, entre o Benfica e o Inter de Milão, disputada no Estádio de San Siro. Apresentado por José Mensurado, teve como convidados Amândio César, José Redinha, Geraldo Bessa Victor e Mário António Fernandes de Oliveira.

324

| Apêndice

Na verdade, cheguei ali à conclusão do conceito da pouca lisura mental em que é tido em meios intelectuais firmes de fidelidade nacionalista respeitante a AMÂNDIO CÉSAR e às suas duas faces que usa conforme lhe venha da esquerda ou da direita o sopro dos ventos. Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Ex.ª respeitosos cumprimentos.

A BEM DA NAÇÃO Praia, 13 de Dezembro de 1967

O CHEFE DA SUBDELEGAÇÃO José Vasco Meireles Inspector

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