Luz e Trevas: Uma análise da representação da bruxaria e da magia nos jogos Bayonetta

May 29, 2017 | Autor: Leandro Vilar | Categoria: Witchcraft, Religion and Magic, Videogames, Bruxaria
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História, imagem e narrativas No 22, julho/2016 - ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br

Luz e Trevas: Uma análise da representação da bruxaria e da magia nos jogos Bayonetta

Leandro Vilar

Mestre em História e Cultura Histórica - UFPB
 Escritor, poeta, mitólogo, diretor e autor do blog Seguindo os Passos da História

Resumo: A série Bayonetta foi lançada em 2009, por Hideki Kamiya, em cuja história narra-se a aventura de uma bruxa conhecida pelo apelido de Bayonetta; uma mulher sensual, debochada, maliciosa e com poderes mágicos, com os quais combatem os anjos do Paraíso, em uma guerra que remonta conflitos iniciados há mais de cinco séculos, travando-se um embate entre Céu e Inferno, entre Luz e Trevas. Optamos em adotar uma metodologia embasada na história cultural, no intuito de se analisar elementos do imaginário relacionados aos conceitos de bruxaria, “magia negra”, transformações em animais, noite, trevas, sabá, pacto com o Diabo e a sexualidade das bruxas. Com a análise de tais conceitos relacionados à bruxaria e seus estereótipos, passamos para compreendê-los como tais características foram representadas na cultura visual dos videogames no século XXI, neste caso, nos jogos da série Bayonetta, chegando a algumas conclusões nas quais revelam a manutenção de alguns desses estereótipos e ressignificação de outros. Palavras-chaves: Bruxaria, magia, Bayonetta, videogames. Abstract: The Bayonetta series was launched in 2009 by Hideki Kamiya, whose story narrates the adventure of a witch known for Bayonetta nickname; a sensual woman, mocking, mischievous and magical powers, which fight the angels of Heaven, in a war that dates conflict started more than five centuries, locking up a struggle between Heaven and Hell, between Light and Darkness. We chose to adopt a methodology grounded in cultural history, in order to analyze the imaginary elements related to the concepts of witchcraft, "black magic", transformations in animals, night, darkness, Sabbat, deal with the Devil and sexuality of witches. With the analysis of these concepts related to witchcraft and its stereotypes, to understand them as such characteristics were represented in the visual culture of video games in the XXI century, in this case, the games Bayonetta series, coming to some conclusions on which reveal maintenance some of these stereotypes and reframing others. Keywords: Witchcraft, magic, Bayonetta, videogames.

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Introdução: A série Bayonetta foi criada por Hideki Kamiya1, possuindo dois jogos e um filme animado: Bayonetta2 (2009), Bayonetta: Bloody Fate (2013) e Bayonetta 2 (2014). Para este estudo usamos as histórias dos dois jogos, pois o filme é um resumo da trama do primeiro jogo, embora usamos algumas imagens referentes ao filme. Bayonetta é um jogo de ação e aventura em terceira pessoa, o qual possui cenas com violência, sangue e conotação sensual, além de possuir um humor sarcástico e irônico. O jogo conta a história da bruxa Bayonetta, uma mulher bela, sensual, debochada, atrevida e maliciosa; especialista em combate com várias armas, além de ser habilidosa com o uso da magia e ter capacidades sobre-humanas como força, velocidade e agilidade aumentadas, além de poder voar, se transformar em animais e manipular o tempo.

! Figura 1: Capas dos dois jogos na versão para o Nintendo Wii U, 2014. Imagem montada pelo autor. 1

Hideki Kamiya possui outros importantes trabalhos na indústria dos videogames. Dirigiu Resident Evil 2 (1998), criou e dirigiu Devil May Cry (2001) e dirigiu Viewtiful Joe (2003). Destes jogos, Devil May Cry é o que mais se aproxima de Bayonetta, por seguir o mesmo estilo de jogo e tratar-se da história de Dante, o qual caça demônios. De fato alguns elementos para criar a história de Bayonetta advieram da série Devil May Cry. 2

O jogo originalmente foi lançado para o Playstation 3 e o Xbox 360 em 2009/2010. Em 2014 foi relançado para o Wii U. Por sua vez, Bayonetta 2 é exclusivo do Wii U. 2

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A história do jogo é baseada em eventos de origem, destruição e renovação. É dito que há muito tempo, a Luz e as Trevas lutaram entre si e quase aniquilaram o universo ainda recém-formado, todavia, neste momento o Deus do Caos interviu e separou a Luz e as Trevas, personificadas em divindades femininas. Do lado da Luz estava Jubileus, a Criadora, do lado das Trevas, Sheba, a Rainha do Inferno. A partir da intervenção do Deus do Caos foi instaurada a Trindade da Realidade, e assim o planeta Terra foi criado. Com essa Trindade da Realidade foi instituído um pacto entre os três deuses, o qual ditava que a Luz e as Trevas jamais poderiam voltar a se unir, pois se isso ocorresse, o mundo entraria novamente em caos, e um novo Amargeddon poderia ocorrer. Assim, Jubileus entrou em estado de suspensão no Paraíso, onde governava; por sua vez, Sheba se retirou para o Inferno. Quanto ao Deus do Caos, ele criou a Terra e sua vida, e passou a ser chamado pelos homens de Aesir. A história do segundo jogo conta que durante a criação, Aesir, o Deus do Caos dividiu seus poderes em duas joias, chamadas de Os Olhos do Mundo ou os Olhos de Deus, sendo o Olho Direito o poder da Luz, por sua vez, o Olho Esquerdo, era o poder das Trevas. Tais joias foram escondidas no planeta, para quem não pudessem ser reunidas, e assim manter o equilíbrio. Passado as eras, surgiram na Europa, dois clãs os quais se tornaram os guardiões dos Olhos do Mundo. Do lado da Luz estavam os Lumen Sage, e do lado das Trevas, as Umbra Witches. Os Lumen Sage tiravam seus poderes do Sol, como também poderiam invocar anjos do Paraíso, e possuíam a guarda do Olho Direito. Já as Umbra Witches tiravam seus poderes da Lua, e poderiam invocar demônios do Inferno, e possuíam a guarda do Olho Esquerdo. A trama do jogo não explica como os dois clãs obtiveram as joias, mas diz que eles possuíam acesso aos poderes delas, pelos quais usavam para desenvolver seu conhecimento sobre magia e ciência, além de intervirem na História da humanidade, procurando manter o equilíbrio como ditado por Aesir. Por séculos os dois clãs conviveram em harmonia, até que no século XV, um sábio chamado Balder, apaixonou-se por uma bruxa, chamada Rosa. Ambos sabiam que pelas regras de seus clãs, era restritamente proibido que eles se relacionassem, nem por 3

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amizade. Mesmo sabendo da proibição, ainda assim eles acabaram cedendo à paixão e o amor, e desse relacionamento nasceu Cereza, a qual viria no futuro a se chamar Bayonetta. Apresentado esse resumo introdutório sobre o plano de fundo do jogo, partiremos nos tópicos a seguir para analisar como essa história entre deuses, joias mágicas, magia, e o confronto entre Luz e Trevas foi relacionado com o conceito e imaginário cultural acerca da bruxaria e da magia, lembrando-se que ainda hoje são questões que permeiam a sociedade contemporânea, gerando opiniões conflitantes. Assim, num primeiro momento será apresentado alguns conceitos sobre o que seria magia e se falará a respeito do desenvolvimento da bruxaria, a qual surgiu na Idade Média europeia por volta do século XIV. Apresentando estes dois conceitos, nos tópicos seguintes passaremos aplicá-los a partir de comparação, procurando identificar o que foi mantido desse conceito original, o que foi reelaborado, e quais foram às diferenças apresentadas nessa nova reinterpretação.

Contextualizando o que seria magia:

A ideia de magia é algo que remonta desde os primórdios das civilizações, embora não houvesse um conceito claro do que seria magia entre aquelas sociedades e culturas. Foi a partir da segunda metade do século XIX, que alguns antropólogos como Edward Tylor (182-1917) e James Frazer (1854-1941), propuseram conceitos e teorias para definir o que seria a magia, no entanto, suas considerações estavam permeadas pela influência do positivismo e do evolucionismo (AGNOLIN, 2013, p. 20-23). Com isso, para Tylor e Frazer, magia seria algo relacionado à superstição, crendices e a ignorância de “povos primitivos”. Já para James Frazer os povos primitivos adotavam a magia como uma forma de compreender o mundo e a natureza, por sua vez, os “povos mais avançados” possuíam mitologias e religiões para explicar os fenômenos naturais, a vida e a morte, até finalmente chegarem ao pensamento filosófico e científico. Aqui se percebe uma concepção evolucionista “magia-religião-

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ciência”, a qual também deprecia as sociedades antigas, chamadas por estes antropólogos de “primitivas” (CÂNDIDO, 2008, p. 7-8). Ao longo do século XX novos conceitos surgiram para se contrapor as opiniões de Tylor e Frazer e de outros que compartilhavam de tais posicionamentos. Hoje em dia a magia não é vista como um pensamento meramente supersticioso, infundado e praticado apenas por “povos primitivos”, os quais tentavam através de práticas mágicas manipularem o sobrenatural a seu favor. Para Winfried Nöth (1996, p. 32-33, 37-40), magia seria a crença em forças invisíveis às quais atuariam sobre o mundo natural e sobrenatural, as quais seriam manipuladas pelos praticantes de magia, no intuito de obter algum benefício ou se causar algum malefício. A magia também era e é usada para fins medicinais, fins de adivinhação do futuro, entre outras atividades. No caso, Nöth chama bastante atenção para a singularidade das práticas mágicas estarem pautadas no uso de palavras (signo), ícones (representações diretas) e símbolos (representações abstratas), pois como estudioso de semiótica, para ele magia essencialmente é realizada através dessa mediação entre signo, ícone, símbolo e destinatário. Segundo os estudos da doutora Núbia Hanciau, magia seria: Arte encantatória, a magia inclui o conhecimento dos grandes princípios que regem o universo, a certeza de que os elementos podem ser movidos pelo pensamento, por uma operação cognitiva, um trabalho interior de espírito e força. Assim como o universo poderia ser modificado, modificados também poderiam ser os acontecimentos, as doenças, o tempo e o destino, primeira pretensão dos profissionais do futuro. Embora se encontrem infinitas diferenças na concepção do mundo e nas mentalidades dos pensadores, sábios, médicos e teólogos, prevalece uma espécie de platonismo vulgar, que acreditava em um universo instável, impenetrável, pleno de mistérios. (HANCIAU, 2009, p. 77).

A conceituação apresentada por Hanciau assemelha-se em alguns aspectos com a de Nöth, em se reforçar esse caráter intervencionista sobre o natural e o sobrenatural, no intuito de provocar alterações ou revelações, no entanto não basta apenas dizer que magia resume-se a tal aspecto de manipulação; para Marcel Mauss e Henri Hubert (2003) a magia seria interpretada a partir de três aspectos: o agente, o ato e a representação. Chamamos mágico o indivíduo que efetua atos mágicos, mesmo quando não é um profissional; chamamos representações mágicas, idéias e as crenças que 5

História, imagem e narrativas No 22, julho/2016 - ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br correspondem aos atos mágicos; quanto aos atos, em relação aos quais definimos os outros elementos da magia, chamamo-los ritos mágicos. (MAUSS; HUBERT, 2003, p. 55).

Sendo assim, a magia é feita através de agentes (feiticeiras, bruxas, xamãs, magos, etc.) os quais realizam práticas mágicas e/ou ritos mágicos (danças, cantos, sacrifícios, etc.), os quais possuem distintas formas de serem realizados como o uso de palavras, de ícones, de símbolos, de animais, plantas, objetos, substâncias, etc. E por sua vez apelar-se-ia a convocação ou intervenção de espíritos, seres sobrenaturais ou de divindades para que concedessem a efetivação de tal ação (CÂNDIDO, 2008, p. 6-7). Essa condição de magia e religião andarem unidas foi algo bastante importante não apenas para se entender porque tais crenças se espalharam entre distintos povos e culturas do mundo, mas também para compreender a origem da bruxaria, pois como assinalado por Mauss e Hubert (2003, p. 126), magia e religião teriam em comum a necessidade de se crer. Ou se crê ou não se crê. Aquele que não acredita que a magia seja real ou que funcione, verá como superstição e crendice, no entanto, durante a Idade Média, muitas pessoas acreditavam na funcionalidade da magia, e isso levou ao surgimento da bruxaria quando se mudou o posicionamento religioso em respeito a tolerar o uso da magia.

A bruxaria:

O historiador italiano Carlo Ginzburg em seu livro História noturna (lançado em 1989), apresentou após uma longa e profunda pesquisa, várias hipóteses, conjecturas, dados, fontes e fatos pelos quais explicariam as origens da bruxaria, entretanto, para este estudo assinalaremos o fator principal que levou a origem da ideia de bruxaria: a demonização da magia e de seus praticantes. A magia já era referenciada na tradição judaico-cristã, pois na própria Bíblia existem citações como em Deuteronômios 18: 9-13; Levíticos, 20: 27; Isaías, 18: 19 e Gálatas 5: 20. Em todos estes casos nota-se uma crítica ao uso de magia associada principalmente para a adivinhação e a comunicação com os mortos e outros seres sobrenaturais. De fato essas duas práticas mágicas ainda continuaram a serem vistas 6

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com desconfiança pelos judeus e cristãos nos séculos seguintes, mas isso não significou que a magia deixou de ser praticada. As conversões à nova religião, seja na época da Igreja primitiva ou sob os auspícios de missionários de tempos mais recentes, são frequentemente reforçadas pela crença dos conversos de que estão adquirindo não só um meio de salvação no além, mas também uma nova magia mais potente. Assim como os sacerdotes do Antigo Testamento empenhavam-se em confundir os devotos de Baal, desafiando-os publicamente a realizarem atos sobrenaturais, da mesma forma os apóstolos da Igreja primitiva atraíam seguidores operando milagres e realizando curas milagrosas. (THOMAS, 1991, p. 35).

Por mais que nos primeiros séculos da Igreja Primitiva houvesse críticas de padres, bispos, papas e de santos sobre a permanência de práticas pagãs entre as comunidades cristãs, ainda assim, eles não conseguiram abolir totalmente tais crenças. Foram necessários séculos para que isso ocorresse e em outros casos a própria Igreja assimilou crenças pagãs, como exemplo a data do Natal ser celebrada em 25 de dezembro, data que consiste no Mitraísmo o dia do nascimento do deus Mithra, importante divindade oriental bastante em voga no Império Romano. No período medieval um exemplo bem conhecido foi à apropriação do culto celta do Samhain, celebrado desde a Antiguidade, no dia 31 de outubro, consistindo num festejo de passagem de ano, do final do outono e começo do inverno, e de culto aos mortos, etc. (POWELL, 1974, p. 145). No século VIII, o papa Gregório III transferiu o Dia de Todos os Santos que era celebrado em 13 de maio, passando-o para a data de 1 de novembro, e com isso o Samahin transformou-se no All Hallows Eve (Véspera de Todos os Santos). Posteriormente o termo tornou-se Halloween e depois foi associado às bruxas. (BONWICK, 1984, p. 87). O Halloween que antes se cultuava os antepassados, passou a cultuar os santos. Todavia, nestes dois exemplos nota-se a política de conversão da Igreja em ao mesmo tempo tentar abolir crenças pagãs, mas quando se percebia que elas eram bastante enraizadas e não seriam fáceis de serem proibidas, optava-se em reaproveitalas para o uso da doutrina católica. Tais medidas se mantiveram ao longo da Idade

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Média, havendo em dados momentos críticas por alguns clérigos acerca de se conceder liberdade para os fiéis mantiverem superstições e práticas pagãs 3. No entanto, foi a partir da Idade Média Central (sécs. XI-XIII) que surgiram algumas reações mais rígidas quanto à manutenção de crenças pagãs e o uso da magia. Em 1232, o papa Gregório IX publicou o decreto Vox in Rama, no qual ordenava o combate às heresias e os heréticos. No caso deste decreto o que chama a atenção foi o fato do papa condenar o uso de gatos em uma prática mágica que era realizada no norte da Alemanha, na qual feiticeiras, segundo consta em seu relato, teriam que beijar gatos pretos. O papa começou a associar essa prática como sendo ação demoníaca. (LANGER, 2014, p. 11-12). Na Inglaterra do século XIII, os bispos e padres começaram a excomungar as feiticeiras e feiticeiros, assim como ameaçar de também excomungar as pessoas que recorressem a tais praticantes de magia ou decidissem fazer magia por conta própria. Todavia, os clérigos já apresentavam o intuito de combater a magia a qual necessariamente não era associada ao demônio, mas era vista como supersticiosa e subversiva. Era preciso acreditar na “magia da Igreja” e não na magia de outros. (THOMAS, 1991, p. 215). Em 1326, foi publicado um dos documentos fundamentais para abrir caminho ao surgimento da bruxaria: a bula Super Illius Specula, decretada pelo papa João XXII. Na época que a bula foi promulgada, a França e o norte da Itália passavam por um momento tenso e de histeria coletiva, envolvendo um suposto plano maléfico entre leprosos e judeus que estariam conspirando para matar os cristãos (GINZBURG, 1991, p. 41-42). Em alguns casos mencionou-se que um misterioso “pó venenoso” era jogado nos reservatórios de água, em rios e lagos, para matar as pessoas. Em meio a esse cenário conturbado, o papa decretava por sua bula que a feitiçaria estava associada às artimanhas de Satanás, o qual com suas mentiras e promessas iludiam homens e mulheres. Nessa época a inquisição episcopal já existia,

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Em 906, o clérigo Reginone di Prüm escreveu De synodalibus causis et disciplinis ecclesiasticis libri duo, documento que consistia numa lista de recomendações para os bispos, padres e párocos. E entre as recomendações estava-se combater as crendices pagãs. (GINZBURG, 1991, p. 83-84). 8

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então João XXII ordenou empenho de se combater à feitiçaria, a qual passava a ser associada a “magia negra” ou “magia maléfica”. Quando se chega ao século XV, à bruxaria finalmente foi instituída, sendo dois documentos triviais para isso, a bula Summis Desiderantes Affectibus, decretada em 1484, pelo papa Inocêncio VIII, o qual afirmava a existência da bruxaria, sendo essa relacionada com a “magia negra”, servindo aos propósitos maléficos de Satanás. Com isso, o papa a decretava como uma heresia grave e deveria ser fortemente combatida. (OBICI; SKALINSKI, 2003, p. 24). Dois anos depois da bula Summis Desiderantes Affectibus, era publicado o livro Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas), escrito pelos teólogos dominicanos alemães Heinrich Kramer (1430-1505) e Jacob Sprenger (1436-1495), os quais haviam sido autorizados pelo próprio papa Inocêncio VIII, como expressado em sua bula, que estes dois teólogos escrevessem uma obra explicando o que era a bruxaria e como ela deveria ser combatida. O Malleus Maleficarum é estruturado da seguinte maneira: na primeira parte são colocadas e discutidas as três condições necessárias para a bruxaria: o diabo, a bruxa e a permissão de Deus; na segunda, os métodos pelos quais se infligem os malefícios e de que modo podem ser curados; e, finalmente, na terceira as medidas judiciais, no tribunal eclesiástico e no civil, a serem tomadas contra as bruxas e todos os hereges. Discorrendo sobre diversas questões dentre dessas três divisões, os monges buscam fundamentar a "doutrina científica" acerca da bruxaria, contribuindo para a institucionalização do conhecimento sobre o tema. (OBICI; SKALINSKI, 2003, p. 25).

Embora não tenha sido nem o primeiro o último livro que abordasse a bruxaria4, o que torna o Malleus Maleficarum importante, foi o fato de ter sido a primeira obra com viés doutrinário, respaldado em estudos teológicos, filosóficos e demonológicos para justificar a bruxaria, a qual era pautada a partir de três aspectos: a mulher, o pacto com Satanás e a permissão de Deus. Não obstante, os padres Kremer e Sprenger também instituíram a opinião de que a bruxaria seria essencialmente praticada apenas por mulheres, embora que as bulas de

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"No período compreendido entre o século XIV e meados do XVIII, a Igreja Católica construiu e apresentou de maneira pretensiosamente científica sua doutrina acerca da bruxaria. Dentre os vários documentos da Igreja relacionados ao tema - segundo Delumeau (1989), foram publicados ao todo 41 tratados sobre feitiçaria entre 1320 e 1487 (ano de publicação do Malleus Maleficarum)". (OBICI; SKALINSKI, 2003, p. 23). 9

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1326 e 1484, não definisse o gênero dos praticantes de magia, apenas dizendo que os praticantes de magia deveriam ser combatidos. No entanto, com essa associação ao feminino, foram poucos os casos de bruxos condenados, sendo a maioria das vítimas da bruxaria, mulheres, pois elas seriam naturalmente, mentalmente, intelectualmente e espiritualmente mais fracas e susceptíveis a serem tentadas, isso como alegavam os autores de O Martelo das Bruxas. Fala-se de “caça às bruxas ou feiticeiras”, mas não de “caça aos bruxos”. Voltaire já havia registrado a desproporção, a história, o nome e o destino lamentável de grandes figuras de feiticeiras – Circe, Hécate, Medéia, Joana d’Arc, La Voisin, Tituba, Corriveau – desde a Antiguidade até hoje. Todas eram mulheres, franca maioria entre as vítimas da “caça”. Para um feiticeiro, nove feiticeiras, triste privilégio, que se explica por muitas razões. A primeira, de ordem biológica, determina que a mulher, mais sensível a diversas influências, mais infeliz do que o homem, nos lares camponeses dos séculos passados sofreu maiores inquietações, penas, dramas e tumultuada sexualidade. (HANCIAU, 2009, p. 82).

A Caça às Bruxas:

Apresentado de forma introdutória os conceitos de magia e as origens da bruxaria, a qual consistiu na demonização da feitiçaria europeia medieval, retornaremos a história dos jogos, a fim de iniciar o estudo de alguns aspectos que a bruxa Bayonetta manteve em relação ao imaginário cultural concebido no final da Idade Média, mas propriamente formado no século XV, já no período moderno. Devido a terem cometido um crime ao se apaixonarem e ter uma filha, Balder foi banido dos Lumen, e Rosa foi aprisionada pelas Umbra. Todavia, Rosa pôde ter sua filha Cereza 5 a qual foi acolhida pelo clã como uma “criança maldita”, pois as profecias diziam que caso a Luz e as Trevas se misturassem isso traria caos e ruína ao mundo. Cereza foi criada pelas bruxas, mas longe do carinho de sua mãe, embora a pudesse vêla na cela. Todavia, proibiu-se que ela aprendesse magia e as habilidades das bruxas Umbra, no entanto, Jeanne6, herdeira do trono do Clã Umbra, acabou se tornando amiga de Cereza e lhe ensinou as artes das trevas.

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Cereza nasceu em 19 de dezembro de 1411. A Caça às Bruxas ocorreu cerca de vinte anos depois.

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O nome Jeanne é uma referência a Santa Joana D’Arc, sentenciada a morte em 1431, acusada de bruxaria. 10

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Enquanto as duas meninas cresciam, as Umbra entraram em conflito com os Lumen, pois um começou a acusar o outro de ter quebrado a lei. As batalhas prosseguiram por anos num impasse, até que os Lumens Sage foram derrotados, e Balder tornou-se o último de seu clã. Visivelmente a ordem havia acabado. Posteriormente Balder iludido pelos anjos, decidiu salvar Rosa e Cereza, mas para isso, ele teria que destruir as Umbra. Tal acontecimento ocorrido há 500 anos antes do presente do jogo foi chamado de Caça às Bruxas. Um exército de anjos invadiu Vigrid e começou a matar as bruxas, ao mesmo tempo em que Balder pressionou a população local a matar as Umbra, alegando que a destruição da cidade era culpa delas, e por isso o Paraíso havia se revoltado.

! Figura 2: Cena de Bayonetta 2 (2014), mostrando Balder e Rosa durante os acontecimentos da Caça às Bruxas. Na cena em questão, Rosa se encontra a beira da morte. Fonte: https://i.ytimg.com/vi/KUd5BqBDuz8/maxresdefault.jpg.

Balder acabou falhando em salvar Rosa, a qual morreu durante a guerra. Por sua vez, ele fugiu. Quanto a Jeanne e Cereza, as duas tornaram-se as últimas sobreviventes do seu clã. Jeanne descobrindo que sua amiga era portadora do Olho Esquerdo da Escuridão, e temendo que Balder tentasse se apossar dele, decidiu proteger Cereza, lançando um feitiço sobre ela e a aprisionando num lago, por 500 anos.

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O conflito entre o último Lumen Sage, apoiado pelos anjos, contra as Umbra Witches, apoiadas pelos demônios, e com a participação da população enfurecida de Vigrid, foi chamado de a Caça às Bruxas, uma alusão direta ao movimento de perseguição, combate e execução em massa de mulheres acusadas de bruxaria. Por mais que as feiticeiras já fossem perseguidas ainda no século XIV, o fenômeno da caça às bruxas somente surgiu no século XV, perdurando até o XVIII, mas vivenciando seu auge entre os séculos XVI e XVII (ECO, 2007, p. 207). Tomar a bruxaria como algo sem importância, trivial é outro erro, em muitos sentidos. Durante as perseguições às bruxas, entre 1450 e 1750, aproximadamente 110 mil pessoas foram torturadas, sob a acusação de bruxaria, sendo que 40 mil a 60 mil delas foram executadas. Este fato cruel certamente não é trivial. (RUSSELL; ALEXANDER, 2008, p. 13).

Como apontado por Carlo Ginzburg (1991), a bruxaria parece ter surgido na região alpina que engloba as fronteiras sudeste da França, norte da Itália, sul da Suíça e sul da Alemanha. Nesta região encontram-se relatos das primeiras acusações, condenações e julgamentos contra praticantes de “magia negra”, ainda no século XIV. Todavia, a perseguição em massa começou décadas de depois, sendo mais ativa na Europa central e ocidental, especificamente em três países: França, Inglaterra e Alemanha (LOYN, 1997, p. 139). Três elementos constituem o conteúdo essencial do sistema mental que legitima a caça às feiticeiras: uma crença cristã, fundada ao mesmo tempo sobre a tradição eclesiástica e sobre os inumeráveis exemplos de uma jurisprudência sem falhas; uma experiência visível, oferecida a todos, do processo judiciário que implica um consenso fácil de todos os participantes, juízes, testemunhos e acusados; enfim e, sobretudo sentenças e confissões, fogueiras e confisco, representando o julgamento de Deus e dos homens, a apresentar o melhor testemunho em favor do crime. (MANDROU, 1979, p. 63).

Mas além da Europa, perseguição às bruxas também foram vistas nas colônias europeias nas Américas, África e Ásia, embora os casos mais conhecidos advenham do continente americano, como o ocorrido em 1692, na comunidade de Salém, no estado de Massachusetts, hoje nos Estados Unidos. No caso das Bruxas de Salém, a população delatou supostas 19 bruxas às autoridades civis (ECO, 2007, p. 207). Diferente do que se pensa, não foram apenas às inquisições que perseguiram e executaram as bruxas, qualquer autoridade religiosa como bispos e padres, poderiam efetuar a perseguição e até presidir os julgamentos, sendo preferencialmente os clérigos 12

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que detivessem profundo conhecimento sobre direito, teologia e nos casos de bruxaria. Logo, em muitos territórios europeus não houve inquisições, sendo estas na Idade Moderna, estando restritas a Portugal, Espanha e Itália, assim, as autoridades eclesiásticas locais promoviam tais condenações e julgamentos. Mas além da Igreja Católica, as igrejas protestantes também perseguiram as bruxas. O mencionado caso de Salém ocorreu em território protestante. Além disso, Inglaterra e Alemanha locais onde ocorreu intensa perseguição à bruxaria, eram na Idade Moderna, países protestantes. Todavia, além das autoridades eclesiásticas, autoridades civis7 também poderiam efetuar a caça, a prisão e até mesmo julgamento e condenação (MANDROU, 1979, p. 91). .

No caso dos jogos, podemos fazer o seguinte paralelo: os anjos representariam o

poder da luz, sendo uma referência à autoridade eclesiástica, a qual condenava a bruxaria. Os cidadãos de Vigrid seriam a população em geral de diferentes países, a qual instigada por esse imaginário diabólico sobre a magia e a bruxa, passou a sentir ódio, pois nos jogos é dito que os habitantes de Vigrid não eram contrários ao Clã Umbra, porém foram instigados por Balder a atacar as bruxas, pois elas seriam responsáveis pela guerra que estava destruindo a cidade.

Bruxas e Magos:

O Clã Umbra e o Clã Lumen aparentam traços de ser uma espécie de credo. Apenas homens eram aceitos para os Lumen, e apenas mulheres eram aceitas para as Umbra, embora os jogos não forneçam informações de como seria feita a escolha de tais indivíduos. Todavia é dito que a maioria dos humanos não possuiriam poderes, e assim não conseguem enxergar os anjos e demônios, os quais andam pelo mundo, ocultos pelo “Véu do Purgatório”. Neste sentido, as pessoas sem poderes não conseguiriam vê-los, mas conseguiriam sentir seu odor e ouvi-los.

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No ano de 1532, o imperador alemão Carlos V promulgou o novo código penal do império, intitulado Constitutio Criminalis Carolina. Entre os crimes referidos neste código, estava o crime de bruxaria. Neste ponto percebe-se que a bruxaria não era apenas um problema de ordem religiosa, sendo considerada uma heresia, mas passava a ser um crime laico. 13

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Essa ideia de “credo”, de “ordem” nos faz lembrar as ordens monásticas da Igreja Católica, aqui simbolizada pelos Lumen Sage, e o sabá, representado pelas Umbra Witches. No caso das bruxas o sabá foi algo bastante discutido ao longo do século XX, como assinalado pelo historiador Carlo Ginzburg (1991), ele apontou vários estudiosos que ao longo do século XX procuraram compreender se o sabá, as seitas e os clãs de bruxas, foram algo real, ou uma construção feita pela Igreja. Brujos y brujas se reunían pela noche, generalmente en lugares solitários, en los campos o en los montes. Unas veces llegaban volando, tras haberse untado el cuerpo com unguentos, cabalgando sobre bastones o mangos de escoba; otras veces montados en animales o transformados en animales ellos mismos. Los que acudían a la reuníon por vez primera tenían que renunciar a la fe Cristiana, profanar los sacramentos y render homenaje el demônio, presente en forma humana o, más a menudo, en forma animal o semianimal. Seguían a continuácion banquetes, danzas y orgías sexuales. Antes de volver cada uno a su casa, brujas y brujos recebían unguentos maléficos elaborados con grasa de niño y otros ingredientes. (GINZBURG, 1991, p. 11).

Para Ginzburg (1991, p. 11, 17-25) o sabá consistiu numa construção imagética pautada no folclore, em lendas, na inquisição e na demonologia. Aqui temos de acordo com o autor, o uso de uma “cultura popular” e da “cultura douta” eclesiástica para compor essa noção sobre o sabá. Juntando tais elementos encontramos no começo do século XV, os primeiros vestígios que aludem ao sabá, como consistindo numa reunião noturna, profana, sanguinária, sombria e diabólica de bruxas e bruxos. Além dessa analogia entre os Lumen = igreja, e as Umbra = sabá, encontra-se também a analogia com o conceito de “magia branca” e “magia negra”. A “magia negra” foi considerada de uso maléfico, voltada para causar dor, sofrimento, problemas, destruição e morte, passando posteriormente no século XIV a ser associada com Satanás. A “magia negra” estava relacionada a práticas animistas, canibalescas, transformistas e a ritos e crenças pagãs. Por sua vez, a “magia branca” consistia em seu completo oposto: A magia branca, com suas inúmeras manifestações por toda a Europa, estava frequentemente associada, o que não deixa de ser uma ironia, aos símbolos sagrados e poderes mágicos da Igreja, e suas celebrações persistiram mesmo depois do advento do Iluminismo. (LOYN, 1997, p. 137).

Sendo assim, enquanto a “magia negra” estava associada ao mal, ao pagão e ao Diabo, a “magia branca”, estava associada ao bem, ao cristão e a Deus. Embora que nem sempre essa divisão fosse seguida ao pé da letra. 14

História, imagem e narrativas No 22, julho/2016 - ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br Na verdade, a magia, sobretudo em sua forma popular, nunca é completamente branca, pois fazer o bem a alguns por meio de determinados métodos pode, em contrapartida, significar fazer o mal a outros... Também não é completamente negra, pois se fosse francamente diabólica ou assim se apresentasse, não teria reunido padres, adeptos de uma pequena mágica/ feitiçaria inocente, à qual se convertiam para fazer o bem. É interessante salientar que, ao pronunciar alguns encantamentos para vencer a esterilidade feminina ou curar pequenos problemas, esses religiosos, movidos por bons propósitos, redobravam os sinais da cruz com o intuito de reforçar a fé. (HANCIAU, 2009, p. 76).

Por esse comentário de Nubia Hanciau, podemos fazer um paralelo com o jogo Bayonetta. As bruxas Umbra necessariamente não eram maléficas, e tão pouco, os sábios Lumen fossem totalmente bondosos, e como exemplos temos o fato de Bayonetta e Jeanne serem heroínas, e Balder um dos vilões. Entretanto é importante sublinhar outro diferencial; enquanto as Umbra são bruxas (witches), os Lumen não recebem a mesma definição, mesmo sendo usuários de magia, mas são sages. Por que eles não são chamados de bruxos ou feiticeiros? Para responder isso, é preciso entender a definição de feiticeiro.

! Figura 3: Imagem do primeiro jogo, representando as Umbra Witches e os Lumen Sage. Fonte: http:// somosnintendo.com/wp-content/uploads/2014/11/Bloody_Fate_Clans.png.

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Ainda hoje feitiçaria é sinônimo de bruxaria, por sua vez, feiticeira é sinônimo de bruxa, porém, quando se estuda a história da magia, percebe-se que na Europa havia diferenças, embora que em dados momentos ambos também fossem usados como sinônimos. No caso do feiticeiro esse seria o indivíduo do campo e de uma comunidade que teria um pequeno conhecimento sobre a magia, por sua vez, o mago seria o “feiticeiro erudito”. Iniciado nos grandes mistérios, além de mestre o mago era considerado um homem de ciência, enquanto o feiticeiro, um aprendiz das aldeias, conhecedor apenas dos pequenos mistérios. Em consequência, a magia aparece em muitas obras de referência como arte ou pré-ciência, entre as formulações avançadas. No mago haveria conhecimento real; no feiticeiro, vulgarização. (HANCIAU, 2009, p. 76). ((5

Tal caso é visível quando tomamos como exemplo a história. Os druidas eram considerados magos celtas, por se tratarem de um clero organizado e erudito, com conhecimento mágico. A partir do século XIII, a magia começou a sofrer uma separação, entre “magia popular”, a qual corresponderia à magia realizada pela população em geral, tanto rural quanto urbana, também chamada de “baixa magia”, e o surgimento da “magia natural” ou “alta magia”, praticada pelos eruditos (HANCIAU, 2009, p. 77). Até então as feiticeiras e feiticeiros eram homens que viviam no campo, porém alguns deles começaram a migrar para as cidades e burgos, e ali se estabeleceram nos bairros pobres, oferecendo seus saberes mágicos. No entanto, algumas dessas pessoas, especialmente os homens, conseguiram contato com membros da aristocracia, burguesia e até da nobreza, pois tais grupos passaram a verem a magia não apenas como uma crendice associada aos habitantes do campo, mas que poderia ser um saber que talvez tivesse uma utilidade de verdade (LOYN, 1997, p. 137). Os feiticeiros que passariam a serem chamados de magos, na prática eles exerciam as mesmas funções: eles atuavam como curandeiros, como conciliadores, como videntes, como conselheiros. Também poderiam realizar feitiços para se arranjar

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amor, dinheiro, poder, sorte, proteção, etc. Isso levou a origem dos “magos de corte” os quais sobreviveram até o século XVII 8 (SELIGMANN, 1948, p. 66). No século XV foi à época na qual a “magia natural” como ficou mais conhecida, se estabeleceu. [A magia] circulou mais ou menos ocultamente durante a Idade Média e voltou a agir às claras durante o Renascimento, período em que muitas vezes foi considerada complemento da filosofia natural, ou seja, como a porte desta que possibilita agir sobre a natureza e dominá-la. Era assim considerada por Pico della Mirandola (De hominus dignitate, fl. 136v.) e por todos os naturalistas do Renascimento. (ABBAGNANO, 1998, p. 636).

Assim o mago tornava-se o praticante de magia erudito e de boas intenções. O famoso Merlin das lendas arturianas é sempre chamado de mago (magician ou wizard)9, não o vemos ser referido como bruxo ou feiticeiro, inclusive Merlin sempre aparece com um homem inteligente, justo, cortês e sábio. Com base nessa interpretação dada à visão positiva sobre o mago, os Lumen seriam magos e não feiticeiros ou bruxos, pois a palavra sage é normalmente traduzida como sábio ou erudito. No jogo assinala que tanto as Umbra como os Lumen, possuíam conhecimento profundo em magia e até nas ciências, embora que ironicamente, as Umbra fossem mais avançadas em termos tecnológicos, no entanto, isso se apresenta como correlação a ideia de “magia natural” como sendo uma pseudociência, como foi sugerido entre os séculos XV e XVII.

Os poderes de uma bruxa:

No presente, Cereza depois de despertar de um longo sono, ela acorda sem memória, e posteriormente é encontrada por um homem chamado Enzo, o qual a leva

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Nostradamus (1503-1566) foi médico e vidente, e há quem o chamasse de mago. De fato ele foi bastante próximo da rainha Catarina de Médici da França, que estimava seus conselhos e profecias. Na Inglaterra, o matemático, astrônomo, geógrafo, astrólogo e alquimista John Dee (1527-1608), foi conselheiro da rainha Elizabeth I. 9

“Wizard” [mago ou mágico], diferentemente de “witch”, realmente deriva da palavra wis do inglês médio, hoje “wise” [sábio]. A palavra “wizard” surgiu por volta de 1425, significando um homem ou mulher de grande saber, os quais, acreditava-se, possuíam certos conhecimentos e poderes extranormais. Durante os séculos XVI e XVII designou um “high magician” [“alto mago”]. Foi somente a partir de 1825, e raramente, que o termo foi usado como sinônimo de “bruxo(a)”. (RUSSELL, 2008, p. 14). 17

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até seu amigo, Rodin10, um misterioso demônio em forma humana, dono do Bar Os Portões do Inferno (The Gates of Hell), além de ser um fabricante de armas mágicas. Vinte anos se passam desde o despertar, e Bayonetta, apelido dado por Rodin, torna-se uma exímia caçadora de anjos, pois o pacto das Umbra com os demônios as obrigava a ter que matá-los regularmente, pois caso não fizessem isso, suas almas seriam tragadas para o Inferno. Para combater os anjos Bayonetta dispõe de várias habilidades as quais são ampliadas devido ao pacto com os demônios, no caso dela, seu demônio familiar é chamado de Madama Butterfly. Com este pacto demoníaco algo que recorda o imaginário cultural sobre a bruxaria surgido no final do medievo, Bayonetta possui força, velocidade e resistência sobre-humanas, podendo saltar bastante alto, ficar temporariamente flutuando no ar, inclusive no segundo jogo ela consegue voar em dados momentos, projetando asas a partir de sua roupa mágica (ver figura I). Além de tais habilidades físicas, Bayonetta é uma exímia lutadora, sendo especialista em combater com quatro armas de fogo, chamadas no primeiro jogo de Scarborough Fair, e no segundo jogo as armas se chamam Love is Blue11. Além desses quatro revólveres que consistem em seu armamento básico, a bruxa utiliza em ambos os jogos, várias outras armas, todas fornecidas por Rodin. Bayonetta também possui habilidades para invocar distintos demônios, os quais em geral possuem a forma de animais e monstros, como também possui a capacidade de deixar o tempo lento por alguns instantes, habilidade essa chamada de Witch Time. E completando as listas de poderes dessa bruxa, está a capacidade de se transformar em animais, sendo que ela consegue se transformar em quatro tipos. Percebe-se que Bayonetta por ser uma heroína, possui habilidades compatíveis com essa condição, diferenciando-se das habilidades comumente atribuídas as bruxas,

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Referência ao escultor Auguste Rodin (1840-1917), cuja uma das principais obras é chamada de Portão do Inferno. 11

Scarborough Fair é o nome de uma balada medieval inglesa datada do século XII. Na balada repete-se as palavras parsley, sage, rosemary e thyme (salsa, sálvia-comum, alecrim e tomilho), os quais são os nomes de ervas usadas para tempero, e para fins medicinais e mágicos. Por sua vez, Love is Blue é o nome de uma música composta por Al Martino em 1968. 18

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que em geral era voar, transformar-se em animais, fazer poções ou venenos, e usar distintos tipos de feitiços para causar maldades (GINZBURG, 1991, p. 11). No caso dela, algumas dessas características estão presentes: ela consegue saltar grandes distâncias e até mesmo voar, mas faz isso sem o uso de vassouras ou outro tipo de objeto similar como bastões e forcados, algo que ficou associado ao imaginário sobre as bruxas (RUSSEL, 2008, p. 10).

! Figura 4: Artes conceituais dos jogos, as quais mostram os quatro animais que Bayonetta consegue se transformar. Imagem montada pelo autor.

No que se refere a se transformar em animais, como visto acima, ela pode se transformar em quatro tipos deles: uma pantera12, um corvo, morcegos e uma cobra marinha13. Neste caso a pantera negra consiste numa referência ao gato preto, animal profundamente associado à bruxaria.

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Os magos Lumen se transformam em lobos brancos.

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Cada bruxa se transforma em animais diferentes. Por exemplo, Jeanne se transformar num gato selvagem, coruja, borboletas e em cobra. Por sua vez, Rosa se transforma em tigre, falcão, abelhas e cobra. Apenas as cobras-marinhas é que mantém o mesmo tipo, mas isso devido a sua funcionalidade para o propósito do jogo, por ser necessária em algumas fases aquáticas. 19

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Nas terras escandinavas (Noruega, Dinamarca, Suécia e Islândia) e na Alemanha, era comum o culto a deusa Freyja, divindade associada à magia e que tinha como animais de estimação, gatos. De fato, algumas feiticeiras usavam os felinos em suas práticas mágicas, como enfeitiçar cabeças de gatos, ou usar luvas feitas de pelos de gato branco. Tal condição foi condenada pelo papa Gregório IX em sua bula de 1232, e posteriormente o gato preto tornou-se animal associado à bruxaria, ao azar e ao mal (LANGER, 2014, p. 10-11). No que se refere a transformar-se em corvos e morcegos, estes não eram animais tão habituais que apareciam nos relatos sobre bruxas, no entanto, Cardini (2014, p. 11), assinala que na Roma antiga, acreditava-se que algumas feiticeiras (incantatrix) poderiam se transformar em aves de rapinas como corujas e em morcegos durante a noite, para sugar o sangue de gente inocente. O corvo não é uma ave de rapina, mas é associado a maus presságios, além de ser uma ave carniceira (LEXICON, 1990, p. 67). No caso da serpente-marinha, Bayonetta ganha esse poder de Loki no segundo jogo, aqui a relação advenha da mitologia nórdica, pois Loki nos mitos era pai de monstros, entre os quais Jormungand, a Serpente do Mundo (LINDOW, 2001, p. 216). Nos relatos sobre bruxaria curiosamente não vemos bruxas transformadas em cobras, sendo muito rara a menção deste animal, no entanto, como a cobra era para o Cristianismo medieval uma criatura associada a Satanás, algo que recorda o Pecado Original, daí ela figurar no contexto do jogo, devido à influência cristã que a história dos jogos possui. Um último aspecto que envolve os poderes mágicos, diz respeito ao uso de algumas plantas e outros itens para se criar “produtos mágicos”. Tradicionalmente seriam poções, mas nos jogos, Bayonetta cria “pirulitos mágicos”, os quais utilizam Além destes itens, Bayonetta também usa perfume feito de alecrim, o qual ela diz ajudar a proteger contra os anjos. Desses ingredientes, comentaremos acerca da mandrágora e do alecrim, por se tratarem na realidade de importantes plantas com atribuições mágicas, já que os demais elementos apresentados nos jogos são mais fictícios do que reais. A mandrágora (Atropa mandrágora) é uma planta bastante associada à magia desde a Antiguidade devido a sua raiz ter um formato humanoide, o que levou a ser 20

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dotada de características mágicas, sendo usada para distintos usos relacionados à proteção, fertilidade, prosperidade, saúde e o amor (CUNNINGHAM, 2000, p. 167-168). No caso do jogo, a mandrágora é usada para se criar alguns itens de cura então se percebem essa associação com a saúde. Mas por outro lado, a planta consumida em alta dosagem pode causar dores, convulsões e até a morte, além de possuir atribuições alucinógenas. Algumas bruxas ingeririam poções ou fariam uso de pastas para ficaram em estado de transe e alterado (CAMPOS, 2014, p. 6). No caso do alecrim (Rosemarinus officinalis) foi outra importante planta associada à magia e eventualmente a bruxaria. Na língua inglesa a planta é chamada de rosemary (“Rosa de Maria” ou “Flor de Maria”), uma alusão a uma lenda bíblica que a relaciona a Virgem Maria (SILVA, 2014, p. 84). O alecrim foi usado para fins mágicos, medicinais e até culinários, no entanto, no âmbito mágico ele é usado para proteção, cura, rejuvenescimento, purificação, exorcismo e até mesmo para o amor e a sedução em forma de incenso. Normalmente é usado em companhia de outras ervas para se fazer incenso, poções, etc. (CUNNINGHAM, 2000, p. 218-219). No caso dos jogos, Bayonetta usa um perfume de alecrim, a qual ela diz que ajuda a protegê-la dos anjos. Ironicamente no medievo, pensava-se o oposto, o alecrim em companhia do zimbro (Juniperus communis) serviria de proteção contra demônios e sortilégios. (SILVA, 2014, p. 84).

Bruxas: belas e fatais:

Mas se por um lado, os magos (ou sábios) Lumen representam essa visão “positiva” da “magia branca”, as bruxas Umbra, de fato personificam o completo oposto deles. Por mais que as Umbra não fossem totalmente más, a ideia de elas estarem associadas ao Inferno e a demônios encarna a noção medieval-moderna da demonização da “magia negra”. A ideia da mulher como estando propensa a ser tentada por Satanás foi mais bem desenvolvida pelos autores de O Martelo das Burxas (1486), sendo nesta obra que os padres Kramer e Sprenger dedicaram várias páginas a argumentar os motivos pelos quais a mulher teria essa tendência. 21

História, imagem e narrativas No 22, julho/2016 - ISSN 1808-9895 - http://www.historiaimagem.com.br Os motivos elencados pelos dois dominicanos baseiam-se, de forma geral, na constituição moral do ser feminino. A própria etimologia do termo femina constitui-se de fe e minus, ou seja, menos fé, pois se acreditava que a mulher fosse mais fraca na preservação da fé. Essa característica levaria a outros comportamentos femininos reprovados pela Igreja. (BERNARDO, 2003, p. 63).

Para os autores de O Martelo das Bruxas não foi apenas o fator de “pouca fé” que imperou contra as mulheres, mas uma série de outros fatores, e para isso os autores foram recorrer tanto a Bíblia, quanto a escritos de Santo Agostinho, Santo João de Crisóstomo, São Bernardo, São Tomás de Aquino e até mesmo filósofos greco-romanos como Sêneca, Cícero e Aristóteles. Destes homens, Kramer e Sprenger extraíram pensamentos que definiam a mulher tanto em termos biológicos, morais e intelectuais. Para eles a mulher por si só era uma criatura inferior ao homem, devido a Eva ter nascido de uma costela e não ter sido criada como Adão. A ideia da costela, a qual é um osso recurvo, foi bastante empregada pelos dois dominicanos para simbolizar que enquanto Adão teria retidão, Eva por ter nascido de um osso recurvo, não teria “retidão” (OBICI; SKALINSKI, 2003, p. 30). E essa falta de compostura expressar-se-ia pelo fato de Eva ter sido facilmente tentada por Satã, e assim provar do “fruto proibido” e por sua vez oferecê-lo ao seu marido, o qual na ingenuidade de querer atender a solicitação de sua esposa acabou caindo também no pecado. Embora o Diabo haja tentado a Eva com o pecado, foi Eva quem seduziu Adão. E como o pecado de Eva não teria trazido a morte para nossa alma e para o nosso corpo se não tivesse sido também cometido por Adão, que foi tentado por Eva e não pelo Demônio, é ela mais amarga que a morte. (BERNARDO, 2003, p. 65 apud KRAMER; SPRENGER, 2000, p. 120).

Assim, a mulher personificava não apenas a falta de fé, mas também era considerada uma farsante, uma mentirosa. A mulher também era considerada como sendo uma pessoa de falta de bom senso, infiel, ambiciosa, pouco inteligente, sendo mais motivada pelos sentimentos do que pela razão; invejosa, ciumenta, rancorosa, vaidosa e vingativa (BERNARDO, 2003, p. 73). Para Kramer e Sprenger, um dos motivos das mulheres procurarem a bruxaria seria para se vingar, pois devido a se deixarem conduzir pelos sentimentos, algumas mulheres que acabaram sendo abandonadas pelos maridos, noivos ou amantes, ou que

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acabaram sendo iludidas, caiam em tristeza, depressão e raiva, e esse ódio às levava a se vingar e para isso, procurariam o Diabo (OBICI; SKALINSKI, 2003, p. 39). Todavia, outro fator importante pelo qual as mulheres teriam maior tendência a serem corrompidas pelo Diabo, era devido à sexualidade. No período medieval sexo era um grande tabu, e a sexualidade feminina era um tabu ainda maior. A mulher irá pagar em sua carne o passe de mágica dos teólogos, que transformaram o pecado original em pecado sexual. Pálido reflexo dos homens, a ponto de Tomás de Aquino, que às vezes segue o pensamento comum, dizer que "a imagem de Deus se verifica no homem de uma maneira que não se verifica na mulher", ela é subtraída até mesmo em sua natureza biológica, já que a incultura científica da época ignora a existência da ovulação, atribuindo a fecundação apenas ao sexo masculino. "Essa Idade Média é masculina, decididamente", escreve Georges Duby. "Pois todos os discursos que chegam até mim e sobre os quais me informo são feitos por homens, convencidos da superioridade de seu sexo. É apenas a eles que ouço. No entanto, eu os escuto falando antes de tudo de seu desejo e, por conseqüência, das mulheres. Eles têm medo delas e, para se afirmarem, desprezam-nas." (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 55).

Para a Igreja Católica no medievo e na modernidade, a “mulher ideal” teria que ser casta, ou seja, casar-se virgem; ser devota a fé, ser modesta, ser obediente ao pai e ao marido; ser uma boa dona de casa, esposa e mãe (BERNARDO, 2003, p. 71). Logo, a bruxa representava o oposto desse modelo de “mulher ideal”. As bruxas não eram apenas as praticantes de magia, mas eram mulheres “não cristãs”, as quais abjuravam o cristianismo e faziam um “pacto com o Diabo”; eram mulheres independentes, subversivas, desobedientes, não costumavam ter cônjuges ou filhos, ou quando os tinham, os matavam (HANCIAU, 2009, p. 83). As bruxas eram consideradas sexualmente ativas e libertinas, tendo relações sexuais com vários homens, participando de orgias nos sabás, e fazendo sexo com demônios, algo recorrente nos relatos sobre bruxaria daquele tempo. As bruxas também eram mulheres vingativas e rancorosas, as quais causariam danos às pessoas, animais, plantas e propriedades alheias (OBICI; SKALINSKI, 2003, p. 54-55). Para a literatura sobre a bruxaria na Idade Moderna, a mulher teria maior tendência à luxúria, daí acabar sendo estuprada por demônios ou ceder à tentativa deles, por sua vez, sua beleza e poder de sedução seria usado para tentar os homens bons, neste ponto surge certa contradição com o imaginário que possuímos sobre as bruxas.

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! Figura 5: Bayonetta e Jeanne, as últimas bruxas Umbra. Fonte: http://img13.deviantart.net/074c/i/ 2013/355/8/b/bayonetta__red_and_black_by_kainenier-d6bbsyp.png.

Na imagem acima vemos que tanto Bayonetta quanto Jeanne são mulheres jovens e belas, embora que Bayonetta seja uma mulher mais sensual e com mais “curvas”. Tal representação das duas quebra com o estereótipo das bruxas seriam velhas e feias, com corcundas, verrugas e narizes grandes. “A afirmação de que bruxas são mulheres velhas é igualmente uma distorção da verdade e um exagero leviano. Tanto no passado como no presente, muitos homens praticaram a bruxaria, além do que muitas bruxas eram bastante jovens – muitas delas eram até crianças”. (RUSSEL, 2008, p. 10-11). A ideia de bruxa sendo uma velha e feia, é algo que em parte adveio da imagem da hag (haxe em alemão), denominação usada para se referir a feiticeiras que viviam solitárias nas florestas e eram mulheres sábias, todavia com a difusão da bruxaria, a hag deixou de ser aquela velha mulher sábia, para se tornar o estereótipo da velha bruxa malvada. Entretanto Le Goff e Truong (2006, p. 103-105) salientam que no período medieval houve um pensamento ambíguo quanto à velhice. Um homem velho, de

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preferência um clérigo, nobre, aristocrata, erudito ou que fosse importante era visto como um homem sábio. O caso das mulheres velhas é diferente. Antes de se tornar uma feiticeira em potencial, a velha tem, com efeito, má reputação. Um termo que se encontra com freqüência nos textos, e em particular nessas histórias edificantes chamadas de exempla, ilustra essa reprovação: vetula, a saber, a "velhinha", que serve sempre para designar uma personagem maléfica. (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 104).

Em O Martelo das Bruxas (1486) e outros livros, as bruxas necessariamente não eram representadas como sendo apenas mulheres velhas, mas tendo distintas idades, em geral eram mulheres jovens, entre seus 15 e 30 anos. Além disso, os autores da obra enfatizavam que algumas bruxas eram especialistas em seduzir os homens, logo, pensase que devessem ter um pouco de beleza para isso. Quanto à idade, não se comprova nenhuma regularidade entre as feiticeiras condenadas. Se a jovem fazia parte do imaginário – afinal era preciso que a confidente do demônio fosse dotada de um mínimo de sedução para que pudesse perverter os homens – essa beleza, mesmo que comprovada em algumas gravuras, contradiz a representação clássica, que perdura até hoje e que a identifica ao portrait-robot no período da grande caça: uma vítima idosa e horrorosa, afirmativa na maioria das vezes reforçada pelas estatísticas e exemplos. De fato, as mulheres mais velhas eram as mais culpabilizadas, mais perigosas, maior alvo do ódio coletivo, provavelmente pela correspondência ao estereótipo dominante. (HANCIAU, 2009, p. 83).

Não obstante, o fato de Bayonetta e Jeanne serem mulheres belas, não advém propriamente apenas da condição de as bruxas não fossem apenas velhas, mas também advêm de outros dois fatores: a feiticeira bela e a sexualidade como propaganda. Entre diferentes povos no mundo, existem histórias de lindas mulheres praticantes de magia, conhecidas por usarem seu charme e sedução para enganar os homens e lhe causar mal com seus feitiços. Pelo fato da bruxaria ser uma criação europeia, tomaremos alguns exemplos daquele continente, sendo um dos exemplos clássicos, o da feiticeira Circe, mencionada na Odisseia. Uma das figuras mais fascinantes do mundo homérico é Circe, hábil em toda sorte de encantamentos e quem dava à espécie humana muito pouco valor. Por outro lado, amava a luz, e em honra dela colocara o nome de Aurora [Eos] na ilha em que reinava, abundante em carvalhos e outras espécies de árvores. Tecia e, às vezes, cantava nos terraços de seu palácio, situado em uma clareira do bosque cercado por leões e lobos que não haviam nascido de feras, mas homens que haviam sido transformados em animais pela força de seus feitiços. [...]. Conhecia o vigor secreto das ervas e praticava os mais delicados deleites do erotismo. Sua sensualidade também a levou a desfrutar os prazeres gastronômicos e a perceber, sem dificuldades, os desejos de seus visitantes através dos matizes de suas vozes e da profundidade de seus olhares. (ROBLES, 2006, p. 113). 25

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Circe era uma semideusa, filha do titã Hélios e da oceânide Perseis. Era descrita por Homero como sendo uma mulher muito bela, de lindos cabelos louros como o sol; charmosa, sedutora, simpática, poderosa e ardilosa, uma femme fatale. Circe vivia na ilha de Eéia, onde iludia e transformava os homens em animais. No caso dos companheiros de Odisseu, quando ali foram aportados, eles foram bem recebidos no palácio da feiticeira, e depois transformados em porcos. Odisseu teria o mesmo destino se não tivesse sido a intervenção de Hermes em alertá-lo sobre o caráter de Circe, e aconselhá-lo em como não se transformado em porco. Quando passamos para a Idade Média, encontramos outros exemplos de feiticeiras belas como a deusa Freyja, adorada na Escandinávia e no norte de Alemanha, sendo a deusa do amor, da sexualidade, da fertilidade e da magia (LINDOW, 2001, p. 126). Embora Freyja não fosse uma mulher cruel e de péssimo caráter como Circe. Nas lendas arturianas já em meados do medievo, encontramos as figuras da rainha Morgana, meia-irmã do Rei Arthur; de Vivien, amante de Merlin; e da Dama do Lago, senhora das fadas. Essas três mulheres são feiticeiras lindas, inteligentes, ardilosas e poderosas, embora que Morgana e Vivien fossem mulheres invejosas e traiçoeiras. Logo, a ideia de que haveria bruxas belas, e a sedução delas seria uma forte tentação, não é uma invenção do imaginário cultural da bruxaria, mas algo que remonta desde a Antiguidade na Europa, o que acabou sendo reutilizado através dos séculos. No caso dos jogos, Bayonetta é uma mulher bela, altiva, inteligente, engraçada, irônica, sarcástica, poderosa, mas não é má. Isso rompe com a ideia da feiticeira e bruxa malévola, a qual a cultura acabou nos legando através dos mitos, lendas, literatura e na própria história. Embora Bayonetta lute contra anjos, mas na sua história, os seres alados são os vilões e ela a heroína. Além disso, Bayonetta salva pessoas e em momento algum ela usa seus poderes para causar problemas aos demais. Sendo assim, o estereótipo da bruxa bela e má não existe na personagem, mas o estereótipo da bruxa bela, sedutora e perigosa, existe. E neste ponto entramos o terceiro aspecto pelo qual faz Bayonetta ser uma mulher linda e sensual: a propaganda.

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Bayonetta é uma mulher formosa, que usa vestes que acentuam sua sensualidade; anda rebolando, gosta de dançar de forma sensualmente explícita, enfatizando os seios e a bunda, inclusive dança pole dance. Além disso, Bayonetta também fica seminua e até mesmo nua, pois seus poderes para invocar os demônios advêm dos cabelos, os quais também formam seu traje mágico. Toda vez que ela usa bastante seus poderes de invocação, o traje encolhe, ganhando a forma de maiô, de “biquíni”, até chegar ao ponto dela ficar nua, embora que a nudez não seja explícita, pois os cabelos ficam girando ao redor dela, ocultando as partes sexuais.

Figura 6: Nessas imagens vemos a sensualidade de Bayonetta, que transforma a personagem

Mas além dessa sexualidade explícita nos jogos e no filme, Bayonetta é maliciosa, principalmente quando está na presença de Luka Redgrave, o qual protagoniza vários momentos bem humorados, além de fazer o papel do “par romântico” da bruxa. Embora Luka diga que “odeie” Bayonetta, mas na verdade ele a admira e se sente atraído por ela. Inclusive ele diz que é galanteador, e Bayonetta debocha disso e

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fica jogando charme e flertando com ele. Neste ponto, percebe-se a ideia da bruxa sedutora que levaria os homens para a perdição, como contam algumas histórias da Idade Moderna. A diferença é que Bayonetta apenas se diverte em flertar com Luka e deixá-lo constrangido.

! Figura 7: Cena do filme Bayonetta Bloody Fate (2013). Nesta cena, Bayonetta como de costume, fica provocando e flertando com Luka, o qual se sente constrangido. Fonte: http://gamona-images.de/ 620445/37e69f41d18d2d5b9bf184ddddecd0e1.jpg.

O autor Hideki Kamiya concebeu Bayonetta para ser uma mulher independente, forte e feminista, deixando de ser a “mocinha em perigo” para se tornar a heroína, só que uma heroína com forte apelo sexual. Pois assim como nos quadrinhos as heroínas tornaram-se símbolos sexuais, nos videogames o mesmo ocorreu (FORTIM, MONTEIRO, 2013, p. 246). Grimes acredita que na maior parte dos jogos as personagens são feitas para a escopofilia masculina, ao invés de propiciar uma identificação feminina. Mostra que as personagens são vistas como atrativas para o sexo masculino: são caucasianas, tem formas curvilíneas, e as roupas deixam o corpo à mostra, em conformidade com os ideais de beleza do mundo ocidental. Apesar do aumento das personagens femininas, a imagem predominante ainda parece ser a das personagens “hiperssexualizadas”: caracteres sexuais marcados, corpos desproporcionais, roupas minúsculas e inadequadas para a luta (“armaduras-biquíni”), representação da personagem seminua ou nua. Essas personagens parecem não prover um modelo de identificação adequado para as mulheres. (FORTIM, MONTEIRO, 2013, p. 246).

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A maioria das personagens femininas dos videogames são sexualmente apelativas, principalmente em jogos de luta. Bayonetta é mais uma das heroínas “hiperssexualizadas” dos videogames, pois da mesma forma que a nudez, a sensualidade e a sexualidade “vendem” revistas, filmes, séries e programas de televisão, isso também aplicasse aos videogames. Inclusive no filme Bayonetta: Bloody Fate (2013) há vários momentos eróticos, os quais Bayonetta aparece quase nua, além do fato de que as capas dos jogos (ver figura I), a mostra em posição sensual, o que revela esse apelo sexual como marketing (CORREA [et. al.], 2013, p. 191).

Considerações finais:

Bayonetta é um dos exemplos mais recentes sobre jogos cujo tema aborda a bruxaria, pois normalmente bruxas e feiticeiras aparecem como personagens secundários em jogos de aventura ou como personagens de jogos de RPG (Role Playing Game), sendo heroínas ou vilãs, ou não tendo uma função de destaque na narrativa digital. No entanto no caso de Bayonetta ela se apresenta como protagonista de seus próprios jogos, além de ser a principal personagem feminina da série. No que diz respeito aos elementos mágicos e o imaginário cultural sobre a bruxaria, apresentamos tais aspectos de forma introdutória assinalando os principais pontos que definem o que seria magia e bruxaria, para depois analisar com isso foi utilizado na construção da narrativa e dos personagens dos jogos. Assim, percebe-se que as Umbra Witches personificam em alguns sentidos a ideia tradicional de bruxa, em sua associação com a noite, a lua, as sombras e os demônios, embora que a ideia de maldade não seja algo exato do caráter de tais bruxas, pois elas necessariamente não eram más. Por sua vez, os Lumen Sage personificam os praticantes de “magia branca”, mas especificamente o que ficou conhecido no final do medievo e na modernidade de “magia natural” e “alta magia”, entendendo aqui que seus adeptos eram vistos como eruditos e não apenas meros praticantes de magia, daí alguns serem chamados de magos, conceito esse como apresentado se encaixa no sentido de sábio (sage) nos jogos. As habilidades mágicas que Bayonetta, mas que também Jeanne e Rosa compartilham, possuem algumas características em comum com os poderes atribuídos 29

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as bruxas na Idade Moderna: como voar, se transformar em animais, conjurar feitiços, preparar poções e invocar demônios e espíritos, no entanto, por ser uma heroína aos moldes atuais, Bayonetta ganhou novos atributos como força, velocidade e resistência sobre-humanas, além de técnicas de luta desarmada e com armas de fogo e armas brancas. No que se refere à definição de bruxa, vimos como ideias (hoje consideradas machistas e até mesmo misóginas) do medievo e da modernidade foram utilizadas para criar a figura da bruxa, tornando-a o oposto da boa mulher cristã, assim como, transformando-a numa pária social, numa ameaça, num apostata e até mesmo num monstro, se aqui considerarmos que algumas bruxas teriam fisionomia grotesca, pois se criou a ideia que o feio, o horrendo e o assustador sejam algo negativo, perigoso, maléfico (ECO, 2007). Não obstante a ideia da bruxa como a mulher libertina era reflexo de uma sociedade pautada na reclusão da sexualidade, e na sua vulgarização como pecado (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 41-42). O sexo puro (virgindade) e o sexo correto (para procriação), na figura da bruxa tornavam-se a lascívia e a luxúria. A beleza tornava-se vaidade e tentação. Assim quando passamos para o visual e caráter de Bayonetta, vemos que na construção da personagem velhos estereótipos foram mantidos, mas embora o autor procurasse excluir alguns destes como a imagem da bruxa velha e malévola, ele acabou caindo nos estereótipos contemporâneos, bastante em voga na cultural visual das histórias em quadrinhos e dos videogames. Bayonetta surge como uma representação da bruxa para o século XXI, mesclando elementos tradicionais da bruxaria, surgidos no final do medievo e ao longo da Idade Moderna, mesclados com os estereótipos atuais sobre o corpo, sexualidade e sensualidade das mulheres na cultura visual dos videogames.

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Referências:

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Artigos: 32

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