Machado de Assis e o”sentimento íntimo”: Criação de uma literatura brasileira universal

July 4, 2017 | Autor: Mark Nelson | Categoria: Machado de Assis, PSicologia Social Crítica, Realismo Brasileiro
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Nelson 11

Mark Nelson
Dra. Fitzgibbon
Port. 652
10 de dezembro de 2012
Machado de Assis e o"sentimento íntimo":
Criação de uma literatura brasileira universal
O escritor Joaquim Maria Machado de Assis é considerado um mestre literato e o melhor autor brasileiro de todos os tempos. Isso não é por acaso. O escritor carioca muda o diálogo literário na segunda metade do século XIX com o seu realismo psicológico. Em uma época quando as escolas literárias estão preocupadas com as belezas naturais externas e as realidades físicas que se veem com os olhos naturais, Machado de Assis vê uma literatura sub-desenvolvida nacionalmente e bastante superficial. Para o gênio escritor, é preciso criar uma nova maneira de ver a literatura brasileira, e também estabelecer uma literatura mais madura e elevada que procura os temas universais do interior humano dentro da sociedade brasileira contemporânea do século XIX e XX.
Para entender o sentimento de Machado de Assis tem que se olhar ao seu tempo e os acontecimentos e pensamentos mais prevalentes da época. Os elementos bastante fortes na sociedade brasileira ao fim do século XIX são os tópicos da escravidão, do racismo e da teoria científica chamada eugenia. O escritor sendo uma mestiçagem das raças brancas e negras com certeza está consciente disso e vê a discriminação racial na sua vida pessoal. Ele luta contra esse pensamento porque ele próprio é testemunha que essas idéias sobre as raças inferiores e superiores não tem base nenhuma, e procura mostrar na sua obra que os indivíduos são produtos maiormente do sistema social onde se encontram. O autor demonstra essa posição com a inclusão de personagens como Prudêncio no seu romance Memórias póstumas de Brás Cubas. Esse personagen é um filho de escravo que vive com Brás Cubas desde criança. Machado escreve:
Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe
ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas aum e outro lado, e ele obedecia, – algumas vezes gemendo – mas obedecia sem dizer palavra ou, quando muito, um – 'ai nhonhô!' – ao que eu retorquia – 'Cala a boca besta'! (Machado de Assis 15).
Mais tarde Brás Cubas encontra um preto vergando outro na praça da cidade e relata:
Interrompeu-mas um ajuntamento: era um preto que vergava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: - 'Não, perdão, meu senhor; meu senhor, perdão!' – Mas o primeiro não fazia caso, e, cada súplica, respondia com uma vergalhada nova.
- Toma, diabo! Dizia ele, toma mais perdão bêbado!
- Meu senhor! Gemia o outro.
- Cala a boca besta! replicava o vergalho.
Parei, olhei... Justos céus! Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio o que meu pai libertara alguns anos antes (Machado de Assis 76).
Aqui se vê a crítica que o escritor faz ao sistema de escravidão no seu país. O ex-escravo Prudêncio aprende que assim como ele é vergalhado, ele pode tratar da mesma maneira os outros porque ele está livre e agora tem esse poder social de dominar outro ser humano (Lopes 2).
Então Machado de Assis vê que os literatos da sua época já têm um certo prejuizo e crença de raça que moldava seu pensamento e afeta as suas obras.
O próprio Silvio Romero que foi seu maior crítica contemporâneo mostrou seu prejuizo quando diz, " Machado é um dos nossos, um genuíno representante da sub-raça brasileira cruzada"(Jobim 10). Então sempre presente para muitos escritores das escolas do Romantismo e do Realismo/Naturalismo é a questão de raça e etnicidade.
Machado de Assis procura se distanciar desse tipo de diálogo e criticá-lo sutilmente na sua literatura psicológica. Segundo Eliane da Conceição Silva:
Entretanto, a influência das idéias cientificistas vai além dos espaços institucionais estudados por Lilia M. Schwarcz e dos embates por participação política da Geração 1870, analisados por Ângela Alonso. A literatura foi um meio de divulgação das idéias científicas em voga na Europa e, através da escola realista/naturalista, atingiram um público muito maior, influenciando sobremaneira o modo como os escritores representavam a própria Programa Nacional de Apoio à Pesquisa - FBN/MinC realidade social (SÜSSEKIND, 1984). Dessa forma, a posição crítica de Machado de Assis é emblemática. A interferência da ciência na literatura não era algo que agradasse o escritor e o levou a adotar uma postura bastante original naquele contexto em que todos "respiravam" ciência (115-116).
Na sua obra Machado de Assis sempre tenta mostrar a sociedade como é e não tenta enfiar idéias socio-políticas para serem divulgadas e usadas como propaganda científica. Para o autor, esse tipo de literatura não representa a realidade social da sua época, mas é uma campanha política que as elites da sociedade propõem para justificar a escravidão e o racismo institucional.
Muito desse pensamento sobre as raças inferiores e superiores e o Darwinismo social são adotadas e utilizadas pelos escritores brasileiros da escola de Realismo/Naturalismo. O Naturalismo tem uma origem europea e francesa, e tem como base principal a crença no determinismo que propõe que o ser humano é influenciado maiormente pelo seu ambiente e a sua genética. Machado de Assis tem sua própria opinião sobre essa escola literária e não fica tímido em denunciá-la:
Os livros de certa escola francesa [Realismo/Naturalismo], ainda que
muito lidos entre nós, não contaminaram a literatura brasileira, nem
sinto nela tendências para adotar as suas doutrinas, o que é já notável
mérito. As obras de que falo foram aqui bem vindas e festejadas,
como hóspedes, mas não se aliaram à família nem tomaram o governo
da casa. Os nomes que principalmente seduzem a nossa mocidade são
os do período romântico; [...] os Vítor Hugos, os Gautiers, os Mussets,
os Gozlans, os Nervals.29 (Jobim 12).
Então no começo da invasão realista/naturalista no Brasil, o autor já possui uma forte oposição a essa escola estrangeira. Além disso, a sua crítica da escola precedente, o Romantismo, não é menos dura. Logo no comeco da sua carreira de literáto, ele comenta a escola muito bem estabelecida no Brasil até então. Segundo o escritor:
Sem trilhar a senda seguida pelos outros, Gama escreveu um poema,
se não puramente nacional, ao menos nada europeu. Não era nacional,
porque era indígena, e a poesia indígena, bárbara, a poesia do boré e
do tupã, não é a poesia nacional. O que temos nós com essa raça, com
esses primitivos habitadores do país, se os seus costumes não são a
face característica da nossa sociedade? (Jobim 6).
A crítica que Machado de Assis tem a respeito da escola Romantista também tem a ver de certo ponto com a inseração da raça como o mais importante na literatura. Nessa citação o escritor está apontando que a literatura nacional brasileira não deve ser baseada em um grupo étnico como o índio e a sua antiga sociedade, mas na sociedade atual em que vivem. Ele continua com essa opinião com algumas alterânças pequenas. Em 1873 ele explica no seu "O ideal do crítico":
É certo que a civilização brasileira não está ligada ao elemento indiano, nem dele recebeu influxo algum; e isto basta para não ir buscar entre as tribos vencidas os títulos da nossa personalidade literária. Mas se isto é verdade, não é menos certo que tudo é matéria de poesia, uma vez que traga as condições do belo ou os elementos de que ele se compõe. (Jobim 7).
Aqui se pode ver que o autor faz uma mudança na sua atitude sobre o índio na literatura brasileira. Ainda acredita que a influência índia é pequena na sociedade brasileira, porém não é motivo para totalmente eliminá-la da cena literária e pode ser incluída na poesia nacional às vezes para dar um elemento de beleza. José Luis Jobim resume bem o pensamento do escritor quando escreve:
Trata-se, portanto, de uma atitude que, sem denegar o que Machado propôs no
passado, acrescenta novas facetas: não nega o Indianismo, mas recusa a possível
pretensão a absolutizar o índio como herói nacional, sempre ressalvando que o índio também pode ser apropriado literariamente, desde que esteticamente elaborado. Fica, então a ideia de que não há limites para a elaboração literária, a qual pode incorporar o tema que desejar, com a única restrição de que seja belamente desenvolvido (8).
Outro argumento que Machado de Assis tem com o Romantismo e o conceito de criar uma literatura nacional, é a preocupação com a natureza e a beleza tropical do Brasil. Para o autor, essa descrição pode ser importante e desenvolver uma obra literária, mas não deve ser o que o escritor brasileiro utiliza para manifestar sua brasilidade. Jobim fala mais desse respeito e cita Machado de Assis:
Em relação ao Romantismo, a tese de que os textos deveriam ter cor local era
generalizada, porque este movimento literário no Brasil veio no bojo de um
nacionalismo pós-independência, no qual de certa forma se pressupunha que falar das coisas do país (paisagens, flora, fauna, populações) era uma espécie de dever patriótico. E Machado produzirá argumentos que, embora aceitem a tematização da cor local como possibilidade, consideram não ser condição necessária e suficiente para um escritor ser visto como brasileiro que ele tenha de tratar de coisas do país, e muito menos que tenha obrigatoriamente de produzir descrições de lugares, habitantes, natureza nacionais: "Um poeta não é nacional só porque insere nos seus versos muitos nomes de flores ou aves do país, o que pode dar uma nacionalidade do vocabulário e nada mais."17 (8).
Voltando para a sua crítica do Realismo/Naturalismo, Machado de Assis não gosta da forma do Realismo/Naturalismo que existe no Brasil na sua época por dois motivos principais; o primeiro sendo a falta de moralidade nas obras literárias produzidas, e segundo a falta de profundidade e exploração interior dos personagens na literatura. A sua crítica de Eça de Queiroz depois da publicação de O primo Basílio tem a ver com essa falta de sentimento interior nos personagens no romance. Jobim explica:
Na crítica a O primo Basílio, isto aparece na acusação de que Luísa não apresenta sentimentos e motivações interiores que a façam agir como consequência deles – por isto, a acusação de que a personagem é "antes um títere do que uma pessoa moral". Por não ter "paixões nem remorsos; menos ainda, consciência", a personagem ficava reduzida a "nervos e músculos", sem vida psíquica e interior. (16).
Mais uma vez a visão de Machado de Assis é de criar uma literatura e escritores brasileiros que vêem mais do que a superfície do personagem. Deseja que abordem o aspecto interior humano para ter um personagem mais real e mais humano que pensa, em vez de animal levado pelos instintos.
Outra crítica de Machado de Assis do Realismo/Naturalismo é a preocupação com as mínimas detalhes no romance. Isso tem a ver também com o Romantismo onde tudo é descrito bem detalhado sobre a física do personagen e do local. Para o escritor esse tipo de literatura não permite que o leitor possa fazer parte da leitura. Jobim explica o sentimento do escritor:
E esta condenação parece fazer parte de um movimento do próprio Machado no sentido de cada vez mais se afastar da "poética do inventário", em favor de uma escrita menos detalhista e exteriorizante, mais preocupada com a vida interior dos personagens e mais aberta à participação do leitor na configuração do que não se apresenta explicitamente na narrativa (15)
Esse "interior" é o mais importante para o escritor desenvolver uma boa literatura e uma literatura nacional brasileira. O interior humano é algo universal de que todos os bons poetas escrevem. Machado fala do "sentimento íntimo" e a importância dele na criação de um autor nacional. Ele aponta para esse aspecto universal do "sentimento íntimo" da literatura quando escreve:
Mas, pois que isto vai ser impresso em terra americana e inglesa, perguntarei simplesmente se o autor do Song of Hiawatha não é o mesmo da Golden Legend, que nada tem com a terra que o viu nascer, e cujo cantor admirável é; e perguntarei mais se o Hamlet, o Otelo, o Júlio Cesar, a Julieta e Romeu têm alguma coisa com a história inglesa nem com o território britânico, e se, entretanto, Shakespeare não é, além de um gênio universal, um poeta essencialmente inglês. Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura
nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região; mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir de um escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.20 (Jobim 9).
Aqui nessa citação Machado de Assis faz o seu argumento que um bom poeta nacional não é equivalente a um poeta que escreve apenas sobre assuntos ou de história da sua própria nação, e dá o exemplo de Shakespeare sendo um poeta universalmente considerado um dos melhores literatos de todos os tempos e também se considera totalmente inglês. O que o autor carioca quer que outros entendam com essa citação é que a poesia bem desenvolvida é aquela que faz o escritor conhecido, e em torno nacional, e não o contrário. Shakespeare não é considerado um grande poeta porque escreve da Inglaterra ou assuntos ingleses, mas porque ele escreve com aquele "sentimento íntimo" que forma a sua literatura. Dessa forma Machado de Assis deseja que os literatos brasileiros escrevam em vez de procurar o superfícial nas suas obras literárias.
Como escritor realista no final do século XIX e do começo do século XX, Machado de Assis, não se considera um escritor realista na mesma forma que os da escola do Realismo/Naturalismo. O escritor deseja ultrapassar e deixar para trás as escolas nacionais da sua época no seu desenvolvimento como literato. Ele já possui uma outra visão muito além dos seus contemporâneos. Uma visão de expandir as mentes brasileiras, para conceitualizar uma nova escola e pensamento a respeito da literatura brasileira. Machado de Assis quer que os outros autores compreendam o que verdadeiramente é boa mais profunda literatura, e não se preocupam tanto com a aparência física e superficial.
O elemento do universal é predominate na obra de Machado de Assis e mostra o seu "sentimento íntimo" quando escreve. Diuvanio de Albuquerque Borges faz menção desse ponto quando explica:
Machado de Assis buscava assegurar aos brasileiros o direito à universalidade de seu período, por oposição ao ponto de vista que só reconhecia o espírito nacional nas obras que trabalhavam o assunto local. Buscou dar a ver a realidade brasileira, captando a lógica de seu período, contudo sem ter que se remeter a temas associados ao pitoresco e ao exotismo propostos pelos românticos – assim como afirma o próprio Machado de Assis, "o escritor pode ser homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço" (ASSIS, 1979, p. 817) (2).
Machado de Assis escreve para mostrar a realidade na sociedade através dos olhos interiores dos personagens. Usando personagens do Rio de Janeiro e descrevendo assuntos e normas sociais da sua época, ele consegue ir mais além do tempo e do espaço utilizando temas universais.
Essa forma de escrever verdadeiramente muda a literatura brasileira mais tarde quando os críticos conseguirem entender a sua obra nas suas complexidades. Essa tentativa do escritor brasileiro de criar uma sociedade literata mais desenvolvida não é feita em vão. Por causa da sua genialidade e visão antecedente, a acadêmica brasileira hoje em dia reconhece a sua grande influência na literatura nacional.
















Obras Citadas
Borges, Diuvanio de Albuquerque. "Machado de Assis: Literatura, História e Identidade".
Mestrando do curso de Literatura da Universidade de Brasília, integrante do grupo de pesquisa Literatura e Modernidade Periférica (UnB/TEL/CNPq) pp. 1-18.
Jobim, José Luís. "Machado de Assis: O crítico como romancista". Machado de Assis em linha
ano 3, número 5, junho 2010 pp. 1-20.
Lopes, Elisângela. "Machado de Assis – Homem do seu tempo e do seu país". LITERAFRO - www.letras.ufmg.br/literafro pp. 1-7.
Machado de Assis, Joaquim Maria. Memórias póstumas de Brás Cubas. Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. pp. 1-140.
Silva, Eliane da Conceição. "Estudos" da violência: uma análise sociológica dos contos de Machado de Assis". Programa Nacional de Apoio à Pesquisa Fundação Biblioteca Nacional – MinC pp. 1-187.




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