MACHADO, Roberto. Capítulo Zero: Poética da tragédia e filosofia do trágico. In: _____. O nascimento do trágico: de Schiller a Nietzsche. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2006. p. 23-49. (RESUMO)

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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Faculdade de Letras Disciplina: Teoria Literária II (LEL110) Professor(a): Ricardo Pinto de Souza Estudante: Jônatas Ferreira de Lima Souza (DRE: 115044769)

RESUMO

MACHADO, Roberto. Capítulo Zero: Poética da tragédia e filosofia do trágico. In: _____. O nascimento do trágico: de Schiller a Nietzsche. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2006. p. 2349.

A poética da tragédia. A questão da poética da tragédia, menciona Peter Szondi, inicia com um embate conceitual entre dois autores de épocas e interesses distintos: Aristóteles e Schelling. Aristóteles lida com uma poética da tragédia, esta, de caráter mais empírico, observa os efeitos da tragédia (como a catarse), a arte trágica, mas não a ideia de tragédia. Sua influência transcendeu sua época e região, sendo piamente importante para o classicismo francês e para a Alemanha do século XVIII, com destaque para Schelling, sua filosofia do trágico e, ao período idealista, tanto quanto ao pós-idealista. Assim, para essa questão da poética da tragédia, destacam-se, para épocas e perspectivas diferentes: Aristóteles, Corneille e Lessing.

Aristóteles. A sua obra Poética, será aquela destacada, por marcar um início para a tradição de análise poetológica da tragédia, com ênfase sobre a técnica poética geral. Essa obra foi dividida em 26 capítulos, com quatro grandes temas: mimese (1-5), tragédia (6-22), epopeia (23) e epopeia e tragédia, uma comparação (24-26). A mimese é um dos temas centrais da Poética, mas sua definição está ausente. Há a percepção clara de que se trata de uma compreensão avessa àquela de Platão, ou seja, imitar não é algo que degrada o mundo sensível, não é uma simples cópia, pois a imitação corresponde a ação do homem, homens sujeitos da ação, muito mais como a representação dessa ação. A mimese é analisada, na Poética, segundo o caráter mimético das obras: seus meios, objetos e modos. Observando seus meios, isto é, enquanto imitam usando o ritmo (tragédia e comédia), a linguagem (epopeia, tragédia e comédia) e a harmonia (tragédia e comédia), separadamente ou conjuntamente; observando seus objetos, ou seja, enquanto imitam homens piores (comédia)

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ou melhores (tragédia); e observando seus modos, no sentido em que imitam pela forma narrativa, dramática (tragédia) ou mista (epopeia). A poesia lírica não é considerada mimética por Aristóteles, sendo uma lacuna na Poética, pois essa expressa, segundo ele, a pessoalidade, logo, não imita. O nascimento da poesia é explicado, na Poética (cap. 4), pelo caráter mimético inato ao homem. O homem surge como o único ser que sente prazer ao imitar e/ou admirar a mimese, aprende usando a imitação, além de possuir uma disposição natural ao ritmo e a melodia. O homem sente prazer ao aprender, ou mesmo, adquirir conhecimento pela mimese, e esta, possibilita sua elevação do particular para o geral. Todo esse conjunto, contido no íntimo do homem, possibilitou o nascimento da poesia. No Capítulo 6, demonstra as especificidades da tragédia, em relação ao conjunto das obras consideradas miméticas. É um bom exemplo do caráter analítico proposto na Poética. O principal objetivo da mimese da tragédia é, por meio de uma ação de caráter elevado, de uma linguagem ornamentada por ritmo, harmonia e canto, do ato da encenação dos atores e da suscitação ao medo e à compaixão, purificar, expurgar, isto é, estimular a catarse dessas emoções no espectador. Nos Capítulo 7 a 22, especifica os elementos estruturais da tragédia. Em suma: 1) o enredo ou história, ou, a alma da tragédia, elemento mais importante e estudado na Poética; 2) o caráter, ou, as qualidades dos personagens; 3) o pensamento, ou, o caráter do que fala; 4) a elocução, ou expressão, o sentido expresso por meio das palavras, uma ordem, uma súplica, uma ameaça, etc.; 5) o espetáculo cênico, o mais emocionante para Aristóteles, mas, também, descartável, pois, a tragédia, não depende de atores para manifestar os seus efeitos; 6) a melopeia, a música, principal ornamento da linguagem. Assim, a Poética caracteriza a tragédia: elocução e música (meios de imitação); enredo, caráter e pensamento (objetos); espetáculo (modo de imitar). Essa análise, interessada na forma, na estrutura formal, na organização interna, considera a tragédia ao lado de outras espécies de poesia, objetivando um tipo de classificação (semelhante, segundo muitos comentadores, ao fazer dos naturalistas). No entanto, há também, o interesse pela finalidade da tragédia. Essa finalidade especifica a espécie mimese trágica, diante das outras espécies poéticas do mesmo gênero. Logo, a Poética apresenta os elementos necessários a mimética trágica, para se chegar à produção do final correto: a catarse. A catarse é o efeito final correto da tragédia ao espectador. A catarse pode ter outras interpretações, em outras obras aristotélicas. Nos escritos zoológicos (História dos animais, A geração dos animais), há o sentido de eliminação natural de impurezas que podem causar distúrbios no corpo; na Política, Capítulo 7, Livro VIII, há o sentido das reações do corpo diante de tipos melódicos; na Poética, a catarse é o efeito

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purgativo causado ao espectador pela tragédia. A catarse é o tema mais discutido da filosofia aristotélica. Seria o mais enigmático deles, também. Pelo caráter de um trabalho incompleto, por parecer um caderno de anotações, como um escrito preparado para uma aula, sem o objetivo de publicação, a Poética pode ter sido esclarecida, principalmente quanto a catarse, em aulas, oralmente, ou em obras perdidas. Um dos seus significados, está no seu Capítulo 6. A catarse entendida como a purgação do medo e da compaixão suscitadas pela mimética trágica. Acerca do medo e da compaixão, a Retórica, de Aristóteles, busca esclarecer tais conceitos sociais: no Capítulo 5, Livro II, define o medo como o sentimento instigado pela representação de um mal futuro, que leva a sentir dor ou perturbações, ou ser destruído por isso; no Capítulo 8, Livro II, define a compaixão como o sentimento de dor, aflição, instigado por um mal visível que fere o homem que não merece ser ferido, sendo que, imagina-se que isso também possa ocorrer com o espectador ou com seus entes próximos. Por meio do Capítulo 13, da Poética, Aristóteles especifica o papel do medo e da compaixão, suscitados pela tragédia: sente a compaixão, o espectador que teme pelo o infortúnio do homem que não merecia o sofrimento; sente o medo, o espectador que percebe o sofrimento do homem e acha que isso pode ocorrer consigo. No geral, é o sofrimento do outro, mas, especificamente, o sofrimento injusto, que instiga os sentimentos de compaixão (pelo outro) e medo (por si) ao espectador. Aristóteles orienta que, para que o enredo trágico suscite a compaixão e o medo do espectador, o homem que sofre injustamente, não pode ser bom demais ou mal demais e reverter o quadro bruscamente, por exemplo, da fortuna para a riqueza, da felicidade para infelicidade. Deve indicar que o mal sobreveio, não por ser justo, virtuoso, ou vil, mas por causa de algum erro (hamartía) cometido pelo personagem, por ignorância. É o erro, o causador da queda do personagem. Na Poética, Capítulo 14, destaca que, medo e compaixão são as emoções que a tragédia deve despertar no espectador, suscitando não o sofrimento, mas o prazer. O prazer vem com a possibilidade da catarse, a purificação desses sentimentos. O prazer da tragédia encontra-se nos fatos do enredo, onde, a encenação dos sentimentos de medo e compaixão, não aparece. O sofrimento é substituído pela catarse que, ao final do espetáculo, o espectador sentirá prazer. Isso é possível pois, a tragédia é mimética, isto é, imita, representa. Os sentimentos suscitados, o medo e a compaixão, são produtos da mimese, representadas por meio do mythos, da história, do enredo, ou seja, dos objetos purificados por essa representação. O sentimento do espectador é fruto de uma emoção estética, por isso, acompanhada de prazer. O prazer é produzido pela catarse trágica, isto é, pela compreensão, entendimento e aprendizado das formas do medo e da compaixão. Lacoue-Labarthe destaca o

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elemento mimese, em Aristóteles, como algo que faz o espectador da tragédia pensar (perceber uma função), proporcionado prazer e alegria, como também a conversão dos opostos (negativo em positivo, sofrimento em prazer), ocasionado pela catarse.

Corneille. Pierre Corneille, francês (século XVII), foi chamado de o principal rival de Lessing (século XVIII), na constituição de um teatro burguês alemão. Sua principal teoria acerca do teatro trágico encontra-se nos “Discursos sobre a utilidade e as partes do poema dramático”. Nesses Discursos, argumenta sobre seu modo de interpretar Aristóteles, acreditando que, sua obra teatral, seguia as regras da Poética, mas sem pretensões de ser normativa. Contudo, não dizia seguir as regras à risca, admitindo que a Poética não era um guia infalível para a composição de uma tragédia. Sua concepção de catarse, está no “Discurso sobre a tragédia e sobre os meios de tratá-la segundo o verossímil ou o necessário”. Tomando por base uma leitura poética de Horácio, a catarse, uma utilidade da tragédia, evidencia um poema dramático impregnado de moralidade (utile dulci). Assim, por exemplo, a catarse purga, pela piedade e pelo temor, semelhantes paixões. Existem diferenças contextuais e conceituais entre Corneille e Aristóteles, na observação da catarse. Corneille torna, os elementos sem significado moral da Poética, em sentimentos profanos, uma paixão irracional (pathos, em Aristóteles), imoral ou perigosa, na medida em que cega a razão. A catarse do classicismo cristão francês, é para se purgar das paixões, que, na Poética, é para purificar as paixões. Ocorre uma mudança na maneira de conceber o objeto e o conceito da catarse. A tragédia só suscitará catarse, se for o temor, mais que a piedade, o mais bem trabalhado elemento. É o temor, muito mais que a piedade sozinha, que tem o espectador de cair na mesma desgraça do herói, que instiga a purgação da paixão. Isso, pois, Corneille entendia a catarse aristotélica como uma purgação moral. Dessa forma, há, para ele, catarse, muito mais na sua obra O Cid, do que nas tragédias gregas. Na peça, o espectador é sensibilizado pelas paixões exacerbadas dos heróis trágicos (Rodrigo e Ximena), e o medo de cair nas mesmas paixões, suscita o refreio dessas ações, que foram instigadas pelo medo de sucumbir nelas. Ou seja, há a possibilidade de haver catarse apenas com o temor, sendo a compaixão um elemento descartável.

Lessing. Trata-se do autor mais significativo para a formação de uma dramaturgia própria alemã, além de ser o principal crítico do teatro francês do século XVII (principalmente, Corneille). A região germânica era múltipla, dividida em principadosestados, ducados e condados, cuja unificação ocorrerá com a fundação do Império Alemão em

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1871, por Bismark. Lessing acreditava em Shakespeare como essencial para entender a catarse e a tragédia. Defendia as obras Otelo, Rei Lear, Hamlet, como exemplos reais de obras trágicas mais impactantes, depois do Édipo de Sófocles. Nenhuma de Corneille (ou francesa). Estudou a Poética, para descobrir os elementos da poesia grega, sua verdadeira posição e os princípios da tragédia. Lessing não confiava nas interpretações francesas (como as de Corneille), chamando-os de “não-clássicos” ou “não-gregos”). De seus estudos, publica obras entre 1755 e 1779, dentre algumas delas, Emília Galotti (drama burguês), Natã o sábio (uma mensagem humanitária) e Laocoonte (relações entre pintura e poesia, teoria inspirada em Horácio e na Eneida de Virgílio). Mas é na obra Dramaturgia de Hamburgo (1769), que há uma clara tentativa de contrapor a tradição francesa na Alemanha, além de sua aproximação com Aristóteles. Segundo sua interpretação, a catarse é o elemento da tragédia que exercita a compaixão do expectador. O temor é um elemento da compaixão, sentida pelo espectador, referindo-se a si, uma preocupação consigo, suscitada pela imitação trágica e seus personagens. O mal instigador, precisa fazer sentido para o espectador (na sua vida), gerando a catarse, a compaixão por si próprio. Lessing aproxima sua leitura da Poética, defendendo a ideia de que, temor e compaixão, precisam estar no mesmo afeto, para atingir a catarse verdadeira. Inspirado em Moses Mendelsohn (Cartas sobre o sentimento), define a compaixão como a mais elevada das sensações, que, na tragédia, é chamada de afeto, um alto grau de intensidade. Logo, a compaixão é o elemento primordial da tragédia e o temor, um auxiliar. A catarse purga, então, apenas as paixões que a tragédia estimula, a compaixão e o temor dos espectadores, tornando-os mais virtuosos (equilibrados). A poesia ou a arte, são entendidas como meios para melhorar o caráter humano, e a catarse é o efeito que purga os excessos dos afetos suscitados na tragédia.

A filosofia do trágico. Segundo Szondi, é apenas com Schelling que haverá a ideia de reflexão sobre o fenômeno trágico, a ideia de trágico, as determinações do trágico, o sentido do fenômeno trágico, a tragicidade. É com Schelling que nasce uma filosofia do trágico. Os três autores anteriores não vêm a tragédia como um tipo de visão de mundo ou sabedoria trágica (modernidade). Essa construção moderna insere o trágico como uma categoria, uma reflexão filosófica original, capaz de apresentar a situação, a essência e a dimensão fundamental da existência do homem no mundo e de sua condição humana. Mas isso não inibiu os filósofos e artistas modernos de se absterem da análise poética. A questão é que, o essencial nos trabalhos de autores como Schelling, Hegel ou Hölderlin, é estabelecer a essência do trágico, sem um estudo detalhado do seu enredo. Os filósofos do final do século

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XVIII possuem uma nova perspectiva com relação à atitude poetológica de Aristóteles, isto é, uma poética que não estava interessada no ponto de vista do poeta sobre o homem e seu lugar no mundo. Essa reflexão moderna, diferente da aristotélica, entende a tragédia superior à epopeia, por meio da visão trágica. A aristotélica entende da mesma forma, mas por outros motivos, como, por exemplo, pela tragédia ter mais elementos e acessórios, como a música e o espetáculo. No entanto, ainda há a semelhança dos teóricos da arte do século XVII e do século XVIII alemão, com elementos aristotélicos. Tal semelhança, incide na investigação e na busca pela verossimilhança entre a realidade dramática e empírica, tempo e lugar, tipos dramáticos da tragédia e da epopeia, ou a complexa questão da finalidade da tragédia. Na segunda metade do século XVIII, Winckelmann, na Alemanha, iniciou estudos sobre a arte grega. Mas o que estava em jogo, ao interpretar a Grécia, era a construção da própria Alemanha. Lessing, por sua vez, refletiu acerca de um teatro nacional, distinto do teatro clássico francês. Goethe e Schiller aprofundam essas questões. Schelling, Hegel, Hölderlin, Schopenhauer, desenvolvem um pensamento, uma tradição ou herança teórica sobre o trágico, que chegará até Nietzsche. Esse pensamento filosófico moderno, é uma proposta de interpretação ontológica da tragédia, ou seja, é dizer que a tragédia diz algo sobre o próprio ser, ou mesmo, sobre a totalidade do que existe. Jacques Taminiaux, em 1995 (Le théâtre des philosophes), destaca que, apesar das originalidades e diferenças de pensamentos observadas desde o final do século XVIII, há uma continuidade acerca da leitura do elemento grego da mimética trágica. Esse elemento é considerar a tragédia grega, como um documento ontológico. Essa tragédia é ontológica no sentido da mimese, que imita, apresenta a obra do próprio ser (identidade, unidade). Platão foi o elo que possibilitou essa continuidade. Trata-se de uma questão paradoxal, pois, Platão, um crítico ferrenho do poeta trágico, não via a tragédia como algo digno, portanto, contrário ao pensamento moderno. Platão busca separar a filosofia (o conhecimento) da poesia (arte), desqualificando a mimese em prol do modo de vida contemplativo, que representa a busca autêntica pelas essências. Mas não é toda mimese que é criticada por Platão. Há, para o sofista, a mimese filosófica (imita a essência) e a mimese que produz simulacros (enganações). Nesse sentido, a mimese ruim é aquela que imita mal. Na República, Livro X, Platão expulsa o poeta da cidade ideal. O poeta fabrica falsidades, pois, não tem conhecimento preciso (técnico, especializado). Seu ensinamento, logo, é falso e imoral, sendo Homero o primeiro de todos. A mimese poética é um simulacro (imitação ruim) e não tem compromisso com a realidade, apenas com a aparência. Entra na República, apenas os hinos aos deuses e os cantos em homenagem aos homens virtuosos. Tais

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cantos, substituem o trágico, pois formam homens autossuficientes, invulneráveis diante das adversidades e impermeáveis às emoções. Platão, ao fazer isso, contesta a tragédia utilizando uma visão metafísica (ou ontológica). A tragédia possuía uma relação íntima com a vida política (práxis), sendo plural, ambígua, frágil, e foi descartada por Platão por uma poiesis especializada, que exige existência teórica (a mais elevada). Por um lado, Platão critica o modelo de cidade ateniense, pela ausência de não-imitação e de poiesis, e estabelece as relações humanas como se estivessem na cidade ideal, sendo subordinadas ao paradigma da produção especializada, obra de uma mimese que é uma instancia última de verdade. Por outro lado, a tragédia é a mimese defeituosa, pois ignora a poiesis, reproduzindo um falso modelo. É falso, pois, imita aparências ambíguas e vazias. Platão estabelece três níveis de realidade: a ideia, a essência eterna; os objetos criados a partir da ideia; e a aparência, que capta um momento do objeto criado, criando uma ilusão. Essa questão platônica é paradoxal, pois, como mostra Taminiaux, os filósofos e artistas modernos ignoraram as críticas à tragédia, elaboraram uma teoria do trágico, abstraindo-as das críticas, e enxergaram as características do teatro filosófico (tragédia verdadeira). Esses pensadores modernos, inverteram as conclusões de Platão e usaram a tragédia para encontrar os elementos da oposição, da alternativa filosófica (metafísica, ontológica), apresentada à tragédia, pelo próprio Platão. Primeiramente em Lacoue-Labarthe e posteriormente em Taminiaux, há a questão da inversão da conclusão platônica entre os filósofos modernos, tendo identificado o privilégio dado a Platão, mais que às análises aristotélicas. No entanto, Lacoue-Labarthe, em 1978, discutia sobre a presença das análises da Poética sobre a tragédia. Como exemplo, menciona Schelling, nas suas Cartas sobre o dogmatismo e o criticismo. Schelling interpreta a tragédia segundo faz Aristóteles, fazendo assim, uma tradução ontológica de seu esquema, uma teoria do efeito trágico, o que é preciso evitar ou visar na construção do enredo trágico, objetivando o efeito da catarse. Isso seria uma reinterpretação especulativa da questão da catarse. Nesse caso, a interpretação filosófica da tragédia, na modernidade, é ontológica. Ontológica ou especulativa, é possível perceber novos aspectos nessa concepção filosófica da tragédia: a questão da oposição, contradição, dualismo, harmonia, conciliação, resolução da contradição, etc. Essa questão da contradição, conecta o trágico à dialética (o processo especulativo, o idealismo), podendo ser observada em Schelling, Édipo rei, 1795 e Hegel, Oréstia, 1803. No entanto, essa relação dialético-especulativa com a tragédia teve seus opositores: Hölderlin, Schopenhauer, Nietzsche. O elemento da contradição, também no trágico, mas não só nele, deve-se muito a Kant. O kantismo influenciou a reflexão alemã do final do século XVIII e

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início do século XIX. Schiller e Hegel sofrem influencias de Kant: a ideia da contradição, da superação ou reconciliação dos opostos (sujeito e objeto, beleza e verdade, sensível e ideal, finito e infinito, etc.). Alexis Philonenko mostra que, Hegel, acredita que o sistema kantiano deixa a negatividade e seu sistema trava em um idealismo formal, pois, o diverso e o “Eu penso”, são como pontos opostos sem meditação. A filosofia de Kant possibilita a compreensão do primeiro entendimento moderno sobre o pensamento dialético da tragédia. Na filosofia kantiana, a tragédia é vista, em primeiro lugar, como modelo de uma solução, uma antinomia (Crítica da razão pura, Dialética transcendental, Livro II, A antinomia da razão pura); em segundo lugar, a tragédia pensada na teoria do sublime, a questão dos juízos entre beleza e sublime, para a arte (Crítica da faculdade do juízo, Analítica do sublime). Isso possibilitou enxergar a tragédia, como uma arte que apresenta, de forma dramática, uma contradição.

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