Mafra - do ocaso da Monarquia ao advento da República

July 14, 2017 | Autor: Manuel J. Gandra | Categoria: Historia, Mafra, Palácio Nacional de Mafra
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ManuelJ .Gandra

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ManuelJ .Gandra

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PRI MEI RAPARTE

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A Família Real e a sua comitiva alcançam a Praia dos Pescadores em 5 de Outubro de 1910. Pormenor de uma fotografia de José Maria da Silva. In Illustração Portugueza (17.10.1910)

As vinte e quatro derradeiras horas da Monarquia Portuguesa, em Mafra, e o embarque da Família Real, na Ericeira

Crónica sincera das derradeiras vinte e quatro horas da Monarquia Portuguesa Manuel J. Gandra

4 de Outubro de 1910 – Terça‑feira alvitre do tenente Raul de Meneses, seguiria pela estrada da Buraca, via Rua Maria Pia, Terremotos, Ponte Nova, Pimenteira e Cruz das Olivei‑ ras. Sendo impraticável a saída principal do Paço, em virtude da metra‑ lha que continuamente a atinge, o monarca e seus acompanhantes trans‑ põem o muro da propriedade com recurso a um escadote. D. Manuel, o marquês do Faial (capitão da guarda real dos archeiros) e o conde de Sabugosa (mordomo‑mor) seguem numa viatura, ocupando outra, o capi‑ tão‑tenente João Velez Caldeira e o tenente‑coronel António Waddington,

12.50 horas O cruzador Adamastor inicia o bombardeamento do Paço das Neces‑ sidades. São atingidas: a cornija da torre sineira e a Sala dos Espelhos, bem como a saleta vizinha da alcova real. 14.00 horas (ca.) Reunido conselho, sob bombardeio, no pavilhão da Rainha D. Amé‑ lia, na Tapada das Necessidades, D. Manuel decide partir para Mafra. Por

Quarto de D. Manuel II e sala anexa do Paço das Necessidades, após o bombardeamento pelo cruzador Adamastor. In Illustração Portugueza (7.11.1910) 3

Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

O atelier de D. Amélia no Parque das Necessidades. In Illustração Portugueza (2.10.1910)

Trecho do muro da Tapada das Necessidades transposto por D. Manuel II e comitiva para alcançarem os veículos que os transportariam a Mafra. In Illustração Portugueza (2.10.1910)

oficiais às ordens do monarca. No alto da Pimenteira o automóvel de D. Manuel sofre uma panne, obrigando o monarca e seus acompanhantes a apearem‑se. Retomada a marcha, uma granada rebenta no exacto local onde D. Manuel assistira às sucessivas tentativas para pôr o veículo em movimento.

como subalternos os tenentes Marrecas Ferreira e José de Sousa Correia Dias. Essa guarda segue imediatamente para o Paço, ocupando posições sob as arcadas da portaria do Sul. Para guarnecer a entrada meridio‑ nal da vila, envia para a Carapinheira (Porta vermelha, da Tapada) uma pequena força, comandada pelo tenente Garcia Gomes. D. Manuel chega desprevenido de tudo: comida (o Administrador do Concelho logo disponibiliza um açafate com uvas) roupa, tabaco, louças (oferecidas por Júlio Taveira Pinto), etc.

14.35 horas Chegada à Buraca, no sítio onde a estrada de Benfica toma a direc‑ ção de Sintra, a comitiva faz alto, despedindo‑se D. Manuel do pelotão da escolta, comandada pelo tenente Raul de Meneses, bem como dos seus oficiais às ordens. A viatura do monarca prossegue para Mafra, solitária.

Vinha pálido. De minha casa foi comida para Ele. Coitadinho! [Tomás de Mello Breyner, Diário de um Monárquico, 1908‑1910].

16.10 horas Telegrama expedido, pelo chefe da estação telegráfica de Mafra, às autoridades superiores dos Telégrafos:

16.00 horas Transitando pela Tapada (na qual entrara pela Porta Vermelha, na Carapinheira), D. Manuel II chega a Mafra, acompanhado pelo conde de Sabugosa e pelo marquês do Faial. Dirige‑se à entrada nobre do Sul que encontra encerrada. Apeando‑se, o monarca convoca o comandante da Escola Prática de Infantaria, coronel Pinto da Rocha, comunicando‑lhe o desejo de uma guarda de honra. O comandante, que não disfarça quão incómoda a situação é para si, revela‑se pouco cooperante, também não oculta que o último balu‑ arte da realeza não resistiria a um quarto de hora de ataque de quaisquer forças revolucionárias. Ainda assim, manda de imediato tocar a reunir e nomeia a guarda composta pelo maior número possível de praças (por‑ que no mês de Outubro a guarnição da Escola, no gozo de férias, era sem‑ pre diminuta), comandada pelo capitão António Vicente de Abreu, tendo

Sua Majestade El‑Rei acaba de chegar ao Paço de Mafra. 16.15 horas D. Manuel II recebe o bibliotecário Ayres de Sá, com quem troca confidências. – Vossa Majestade aqui, é que são graves os acontecimentos em Lisboa. – É muito grave, Aires de Sá. É muito grave. […]. Vim para aqui por conselho do governo. 4

As vinte e quatro derradeiras horas da Monarquia Portuguesa, em Mafra, e o embarque da Família Real, na Ericeira

Carta Topográfica do termo de Lisboa athé a villa de Mafra e de todos os caminhos que ha para a mesma Villa.

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Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

16.30 horas Telegrama de D. Manuel:

as cem praças que há aí em Mafra, constituírem um núcleo de resis‑ tência, e, por ventura, uma escolta que acompanhe Vossa Majestade por esse norte acima. Isto está muito mal exposto: o rei mandaria vir para aqui» [Salas do paço] «a força que está cá em baixo no paço». Deve ser lapso de redacção. O rei, ouvindo isto, teria dito: – Vou para o Porto. Vou para o Porto. E, logo, Azevedo Coutinho, tornaria: – Meu senhor, Vossa Majestade vai de terra em terra, leva consigo as forças que se lhe forem juntando e retira até encontrar uma base de operações. Se poder, como creio, firmar‑se no Porto, tanto melhor; senão, vai retirando. Mas, chegando a Valença, finca aí o pé e não sai de lá! Que nós lá vamos ter! Conclui‑se dizendo: El‑rei aprovava tudo quanto eu lhe dizia, repetindo: – Eu confio em você, João, e sigo os seus conselhos. Vou para o Porto.

Ao Presidente do Conselho de Ministros – Lisboa ­Cheguei bem. Desejo notícias. – Manuel Telegrama de D. Manuel: Sua Majestade Rainha – Pena – Cheguei bem aqui para onde vim por indicação governo. – Manuel. 16.40 horas

Telegrama expedido de Mafra: Condessa Sabugosa – Cascais – Estamos bons. – António – (António Sabugosa). Telegrama expedido de Mafra: Marquesa Faial – Cascais – Estamos bem. Viagem sem novidade. Dá notícias. – Luís – (Marquês Faial).

19.50 horas Proveniente da Pena, chega D. Amélia, acompanhada pela condessa de Figueiró, D. Maria Francisca de Meneses e pelo veador D. Vasco da Câmara Belmonte (neto da infanta D. Ana de Jesus Maria). Traz o decreto com vista à suspensão das garantias (declaração do estado de sítio) para D. Manuel assinar.

17.10 horas Telegrama do chefe do distrito telégrafo‑postal, expedido de Lisboa, mandando que todas as estações, onde haja forças militares fixas ou des‑ tacadas, passem imediatamente a serviço permanente, até nova ordem.

À noite chegou a Rainha Amélia com Vasco Belmonte e Maria de Meneses. Vinha com cara feroz e trazia um decreto […] para o filho assinar. El‑rei dormia, mas a Mãe acordou‑o!!

18.00 horas Encontro de D. Manuel com o Administrador do Concelho nos cor‑ redores dos aposentos régios. O monarca indaga se ele tem conheci‑ mento de algum dado novo sobre a situação em Lisboa. Nada lhe consta. À porta do Paço de Mafra continua a acorrer muita gente, aconselhada pelo farmacêutico Abílio Simões (de cartucheira à cinta), a armar‑se para a defesa do rei.

[Tomás de Mello Breyner, Diário de um Monárquico, 1908‑1910].

19.55 horas Telegrama expedido, de Mafra: Chefe da estação às autoridades telegráficas superiores­Sua Majestade Rainha D. Amélia chegou ao Paço de Mafra.

18.55 horas Telegrama expedido de Sintra: desde as 18.00 horas, as linhas tele‑ gráficas acham‑se cortadas para Lisboa.

Telegrama expedido de Mafra: Urgente – Administrador Concelho – Sintra – Estão aqui Suas Majes‑ tades El‑Rei e Rainha, peço que diga já se houve aí qualquer ocorrên‑ cia. – O administrador concelho – Batista Júnior.

19.00 horas (ca.) Proveniente de Sintra, João de Azevedo Coutinho, ajudante de campo de D. Manuel, chega a Mafra, num carro emprestado pela marquesa de Val‑Flor.

20.10 horas Telegrama, autógrafo, expedido de Mafra:

João de Azevedo Coutinho, disse que, em Mafra, expôs este plano militar, ao rei: – O melhor é Vossa Majestade mandar vir para aqui a força que está na Pena e a que está cá em baixo no paço, para conjuntamente com

Urgentíssimo – Presidente do Concelho – Lisboa ­A ssinei decreto. Peço notícias. Aqui bem. – Manuel. 6

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Telégrafo de Campanha de Sinais Morse O Sistema Morse, foi introduzido em 1857, na Rede Telegráfica do país, revelando-se de uma enorme fiabilidade e eficácia, apesar de se exigir o conhecimento do “Código Morse”, para a sua manipulação. A notícia da implantação da República foi divulgada para todo o país, através deste sistema telegráfico, bem como as notícias, sobre aos acontecimentos de Lisboa, que chegavam à Família Real. O Aparelho de Campanha em apreço foi fabricado em Lisboa (1866), na Oficina de Maximiliano Augusto Hermann, inventor português, que desenvolveu alguns projectos de inovação tecnológica nos domínios da Telegrafia e da Telefonia, entre as décadas de 1850 e 1880 [Fundação Portuguesa das Comunicações]

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Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

20.20 horas Trecho de telegrama expedido de Lisboa informa:

António da Silva Mendonça, João Pereira da Cunha e Costa, o farma‑ cêutico Abílio Freire Simões, o escrivão da Administração do Concelho, Augusto Taveira Pinto, o administrador do Concelho, etc.

[…] a revolta estava sendo dominada, porque os revolucionários esta‑ vam encurralados no alto da Avenida da Liberdade [...].

21.01 horas Telegrama expedido de Mafra, autógrafo:

20.24 horas Telegrama expedido de Lisboa:

Rainha Maria Pia – Sintra – Manuel o melhor possível Beijamos mão. – Amélia.

A Sua Majestade El‑Rei – Mafra – Nesta hora, posso informar V. Majestade que revoltosos não têm podido sair do alto da Avenida, onde se juntaram. Chegaram reforços de Santarém. Beijo respeitosa‑ mente mãos de V. Majestade. – Presidente do Conselho de Ministros.

21.02 horas Telegrama expedido de Mafra: Urgente – Conde Figueiró – Victor – Sintra – Rei melhor possí‑ vel. Inquieta dizem agitação Sintra. Estou à espera de uma resposta pedida para tomar resolução voltar ou não, não se admirem atraso. Lembranças. Amélia.

20.28 horas A esta hora, dizem da estação telegráfica de Lisboa que não podem receber serviço particular. 21.00 horas Telegrama expedido de Mafra, escrito pelo punho do rei:

21.03 horas Telegrama expedido de Mafra:

Urgentíssimo – Presidente Conselho – Lisboa – Muito agradeço seu telegrama. Peço podendo mandar notícias mais detalhadas, também sobre os navios e marinheiros. Aqui bem. Que Deus o ajude. Muito afectuosamente Manuel R.

Kerausch – Pena – Sintra – Roi le mieux possible. Attendez pas pour diner. – Amélie.

Mais de uma centena de populares de todas as classes, a maior parte armados, bem como os cabos de polícia das freguesias limítrofes, con‑ vocados pelo Administrador do Concelho, e os empregados da Tapada, montam guarda ao rei, pernoitando na sala do piso nobre que dá acesso à escadaria do lado Sul. Acham‑se presentes ainda: os notários João

Tomás de Mello Breyner e os filhos Francisco, Gonçalo e José, em 1903

21.15 horas Abandonado por alguns serviçais e prescindindo de outros, pró‑repu‑ blicanos, D. Tomás de Mello Breyner e os filhos Francisco, Gonçalo e José 8

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servem à mesa do Rei o jantar confeccionado pela governanta da família, D. Francisca da Mota, de Pindela, o qual consta de canja, galinhas cozi‑ das com arroz, perdizes assadas, ovos com paio e arroz doce.

22.01 horas Telegrama expedido de Sintra: Ex.mo Administrador Concelho – Mafra – Aqui não houve ocorrência alguma. Completo sossego. ­Administrador interino concelho – Vis‑ conde da Idanha. 22.43 horas Telegrama expedido da Pena, recebido por intermédio de Lisboa. A Sua Majestade A Rainha – Mafra – Telefona‑me António, dizendo ter recebido telegrama Vossa Majestade. Aqui tudo tranquilo aparen‑ temente, pelo menos. Faça Vossa Majestade o que melhor lhe parecer, ficando, se assim o entender, aí. – Tute. 22.45 horas Depois de jantar, D. Amélia regressa à Pena. 22.50 horas Telegrama expedido pelo chefe da estação de Mafra, às autoridades telégrafo‑postais e estação do paço de Pena: Sua Majestade A Rainha retirou para Paço Pena.

Planta dos aposentos de Tomás de Mello Breyner no Paço de Mafra, antes pertencentes ao pintor Vieira Lusitano

23.30 horas Telegrama do Presidente do Conselho com notícias animadoras. 21.28 horas Telegrama expedido de Mafra: Capitão Viegas – Paço Sintra – Sua Majestade El‑Rei está aqui muito bem. Sua Majestade a Rainha ainda tem aqui alguma demora. Estão jantando. – D. Vasco da Câmara – Veador de Serviço. 21.30 horas Chegam de carruagem, João Velez Caldeira e António Waddington. Notícia veiculada pelo conde de S. Lourenço (filho do conde de Sabu‑ gosa) assevera que corria que os revolucionários estão presos e, conse‑ quentemente, a revolução sufocada. 21.50 horas (ca.) Chega a Mafra o tenente da polícia especial do rei, Feijó Teixeira. O comandante da força de Lanceiros 2, estacionada na Pena, alferes D. Fer‑ nando Pereira Coutinho, acompanhado por 10 soldados, chega a Mafra, para onde seguira de moto próprio, a marchas forçadas, quase sempre a galope, logo que soube da estada ali de D. Manuel. Traz as lanças com bandeirola encarnada, espadas e carabinas e vestido o uniforme de ser‑ viço n.º2. A força fica aboletada na Escola de Infantaria e o alferes Couti‑ nho no Hotel Castro.

Feijó Teixeira, tenente da polícia especial do rei

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Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

Quarto da Rainha (D. Amélia) no Paço de Mafra, onde D. Manuel II dormiu na noite de 4 para 5 de Outubro de 1910 (aspecto actual)

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As vinte e quatro derradeiras horas da Monarquia Portuguesa, em Mafra, e o embarque da Família Real, na Ericeira

5 DE OUTUBRO DE 1910 – Quarta‑feira sinceramente deplorados, neste concelho, grande fineza fará V. Ex.ª com suas informações para tranquilizar este bom povo, que se orgu‑ lha ter no Real Paço Sua Majestade El‑rei. – O Administrador conce‑ lho ­Batista Júnior.

00.00 horas (ca.) D. Manuel recolhe aos seus aposentos. 00.45 horas D. Amélia chega à Pena.

07.00 horas (ca.) D. Manuel desperta do seu derradeiro sono em território português. Pouco antes, João de Azevedo Coutinho saíra para Sintra, onde vai tentar saber das rainhas, admirado de as não ver chegar a Mafra.

01.00 horas D. Manuel deita‑se. Deitei‑o eu [Tomás de Mello Breyner]. Emprestei‑lhe eu uma camisa de noite. Veio só com o fato que trazia vestido (à paisana). […]. Toda a força da Escola Prática de Infantaria está armada na arcada Sul. Na galeria à porta do quarto de El‑Rei no Torreão Sul estão os guardas da Tapada armados e alguns populares

Manhã Provenientes de Sintra, chegam a Mafra um destacamento de Lan‑ ceiros 2 e outro de Caçadores 5, bem ainda como 6 agentes da polícia de investigação criminal e 16 guardas do corpo da polícia civil de Lis‑ boa. Ayres de Sá observa soldados guardando o paiol da pólvora, em frente das janelas do lado Nascente dos seus aposentos. Não é comum tal dispositivo.

[Tomás de Mello Breyner, Diário de um Monárquico, 1908‑1910].

02.15 horas Telegrama expedido pelo chefe da estação telegráfica do paço da Pena, para o chefe da estação telegráfica de Mafra:

09.00 horas Telegrama expedido pelo administrador do concelho de Mafra:

Sua Majestade a Rainha D. Amélia, acaba de chegar este Paço. Exmo. Administrador – Sintra – Estamos todos sem notícias de Lis‑ boa peço‑lhe as obtenha aí pelo telefone e comunique para aqui onde são aguardadas com ansiedade rogando a possível urgência – O administrador concelho – Batista Júnior.

02.40 horas Telegrama expedido de Cascais, por intermédio de Lisboa: Ajudante campo serviço – Mafra – Iate Amélia perigoso ser tomado revolução Lisboa fundeei Cascais aguardando ordens Sua Majestade El‑Rei. – Moreira de Sá.

Telegrama expedido pelo Almoxarife do Paço de Mafra: Exmo. Almoxarife – Paço – Pena – Acabo saber Sua Majestade Rai‑ nha vem aqui ficar tenho poucas roupas cama e quarto rogo fineza dar suas ordens para que me sejam enviadas avisando‑me como vêm. Telegrafei igualmente Paço Sintra. – Almoxarife.

04.00 horas Proveniente do Porto, Martins da Rocha, proprietário das minas de S. Pedro da Cova, chega ao Paço de Mafra. 04.34 horas Telegrama expedido de Sintra:

Telegrama expedido pelo Almoxarife do Paço de Mafra: Exmo. Almoxarife – Paço – Sintra – Acabo saber Sua Majestade a Rainha vem aqui ficar rogo fineza mandar roupas camas bem como avisar‑me como vêm. Almoxarife.

Exmo. Administrador Concelho de Mafra. – Peço diga Suas Majes‑ tades chegaram bem. – Administrador interino concelho – Visconde da Idanha.

Telegrama expedido pelo Almoxarife do Paço de Mafra: 05.00 horas Telegrama expedido de Mafra:

S. Moreira – Real Paço – Pena – Peço mande 7 serviços copa sete bandejas seis toalhas vinte guardanapos dez panos e quatro serpenti‑ nas. Rogo avise como vem e o mais breve possível. – Costa.

Governador Civil Lisboa – Rogo V. Ex.ª se digne dizer‑me sendo pos‑ sível, qualquer notícia àcerca acontecimentos de hoje, os quais são 11

Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

Conde de Sabugosa

Condessa de Figueiró

António Waddington

D. Maria Francisca de Meneses

Dr. Eduardo Burnay

Telegrama expedido pelo conde de Sabugosa:

Procedente de Sintra, chega a Rainha D. Maria Pia, acompanhada pela marquesa de Unhão e o conde de Mesquitela.

Marquesa Sabugosa – Sintra – Estamos bem. – António. 10.00 horas D. Manuel pergunta novamente ao Administrador do Conce‑ lho se tem conhecimento de alguma novidade, ao que este responde negativamente. Proveniente de Sintra, chega a Rainha D. Amélia, acompanhada pela condessa de Figueiró, Vasco Belmonte, criados, malas, etc.

Telegrama expedido pelo conde de Sabugosa: Condessa Sabugosa – Cascais – Estamos bem. – Vasco aqui. – Antó‑ nio – (Sabugosa – Paço Mafra) [Vasco é o conde S. Lourenço, primo‑ génito do conde de Sabugosa]. 12

As vinte e quatro derradeiras horas da Monarquia Portuguesa, em Mafra, e o embarque da Família Real, na Ericeira

A galeria do andar nobre do lado principal do paço era uma série de salas sem mobília; aqui e ali uma mesa, uma cadeira do antigo con‑ vento cuja mobília viera substituir, em parte, a do paço. Ao canto Sueste [da Sala do Despacho, no torreão Sul], estavam sen‑ tadas, em cadeiras de madeira do Brasil, chamadas fradescas, por terem pertencido ao convento: de costas para o Sul, a condessa de Figueiró; de costas para o nascente, D. Maria Francisca de Meneses, damas da rainha [D. Maria Pia]. Passeando de um lado para o outro, rodeado de seus filhos que brin‑ cavam com um cãozinho da rainha, o meu velho amigo Tomás de Mello Breyner, médico da real câmara […]. O conde de Mesquitela, armeiro‑mor, era veador da rainha­‑avó e substituía, neste pedido, o veador da Rainha, que não estava ali. Os trabalhadores da tapada atravessavam as salas com colchões às costas. Na sala seguinte via passear, de chapéu na mão, o Dr. Eduardo Burnay. Lá, ao longe, Vasco Cabral da Câmara, veador da Rainha, estava imóvel. Não vi ali a marquesa de Unhão, dama da rainha D. Maria Pia. Aproximei‑me da porta da sala, onde passeava o vice­‑presidente da Companhia dos Tabacos, […]; olhei à direita e vi, junto de uma janela que dominava aqueles Campos tristes, limitados, ao poente pelo mar, que os navegadores portugueses, ali representados [Sala das Desco‑ bertas], conquistaram e dominaram, a rainha D. Maria Pia e o conde de Sabugosa, em conferência

achava em Mafra, e no caso destes embarcarem neste porto se havia algum obstáculo, ao que respondi que podia embarcar sem dificul‑ dade alguma, em seguida dirigimo‑nos para terra e enquanto este se dirigiu a Mafra, procurei alguns indivíduos mais em evidência do partido republicano na localidade pedindo‑lhe para no caso do Rei embarcar não lhe pusessem qualquer manifestação de desagrado, pedido que foi bem recebido. [Jacob Bensabat / AHM: Documentação Avulsa/Iates/Amélia I (1888‑1911), Cx. 636].

12.02 horas Telegrama expedido de Lisboa: Comandante militar – Mafra – Comunico a V. Ex.ª que terminou movimento revolucionário, sendo proclamada a República, tendo eu sido nomeado comandante provisório da divisão pelo governo provi‑ sório da República. – José de Carvalhal, general de brigada. Telegrama expedido de Lisboa: Administrador Concelho de Mafra – Sirva‑se arvorar bandeira repu‑ blicana e aguardar ordens. Comunique à Câmara e mais repartições públicas para devido cumprimento. – Governador Civil – F. Eusébio Leão. O telegrafista José Tomás confidencia a D. Tomás de Melo Breyner que está, de facto, proclamada a República em Lisboa.

[cf. Ayres de Sá, Rainha Dona Amélia].

Martins da Rocha que se apresentara no Paço de Mafra às 04.00 horas da madrugada, oferece‑se para conduzir o monarca até ao Porto. Uma vez que os planos da Família Real são coincidentes, partiria adiante para preparar os carros necessários a tal desiderato.

Começa a ideia da fuga [Tomás de Mello Breyner, Diário de um Monárquico, 1908‑1910].

12.33 horas Telegrama expedido da Ericeira:

11.00 horas Telegrama expedido de Mafra por António Waddington:

Exmo. Administrador Concelho de Mafra – Peço fineza de dizer alguma coisa com respeito aos acontecimentos de Lisboa. – Regedor Gomes.

Maria Waddington – Queluz – Dêem notícias telégrafo. Estou bem – António.

12.36 horas Telegrama expedido da Ericeira:

11.00 horas (ca.) Jacob Bensabat avista o iate Amélia a pairar diante do porto da Ericeira.

Ex.mo Administrador do Concelho de Mafra – D. Amélia fundeou embarque está bom. – Regedor Gomes […].

Cumpre‑me comunicar a V. Exa. que ontem, pelas 11 h (a. m.) pairou em frente deste porto o iate real Amélia, dirigindo‑me para bordo a meio caminho encontro‑me com uma baleeira do mesmo navio que conduzia a seu bordo o ajudante de ordens de El‑Rei, o qual me disse que pretendia vir a terra a fim de conferenciar com El‑Rei, que se

Chegando à praia, no escaler do iate real Amélia, o capitão de artilha‑ ria José de Melo (irmão do conde de Sabugosa e ajudante às ordens do Infante D. Afonso) sobe pelo caminho novo (lado Sul da praia dos Pes‑ cadores), cruzando‑se com José Pizani da Cruz, e, indagando da forma 13

Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

de condução para Mafra, o proprietário da Quinta dos Chãos (Santo Isi‑ doro), que está a cavalo, oferece‑lho. Sem hesitar, José de Melo galopa a toda a brida ao encontro da Família Real.

– O que há?! Perguntou Serrão Franco. – O que há, pergunto eu?! Respondeu o irmão do conde de Sabugosa. – Esperamos a notícia da chegada do iate. – No iate vim eu e mandei, umas poucas de vezes, aviso, sem resposta […]. Serrão Franco voltou para trás e foi, com José Sabugosa, ao paço; comunicando, ambos, o que se passava, com grande alegria para todos

13.00 horas […]. Serrão Franco foi a Mafra, naquele dia, porque quis, sem que o chamassem. Entendeu que era lá preciso e foi. […]. Serrão Franco lembrou que, naturalmente, os revolucionários teriam interrompido as comunicações telegráficas e que o melhor era ele ir à Ericeira, ver se o iate teria vindo terra a terra e, por isso, invi‑ sível de Mafra. […]. Saía, apenas, do largo de Mafra, em frente do palácio, quando avistou José de Mello, (Sabugosa), ajudante de campo do infante D. Afonso, que vinha a cavalo [emprestado na Ericeira por José Pizani da Cruz].

[cf. Ayres de Sá, Rainha Dona Amélia].

13.15 horas (ca.) No Paço de Mafra, há, à chegada do emissário, uma conferência sobre a conveniência do embarque, em vista de uma carta que El‑Rei,

Paisanos e militares junto à portaria do Sul do Paço de Mafra, na manhã de 5 de Outubro de 1910. Num postal fotográfico circulado em 6 de Novembro de 1910, intitulado Última Guarda d’Honra ao Rei D. Manuel em Mafra (col. António Ventura), o instantâneo vem creditado a Borja 14

As vinte e quatro derradeiras horas da Monarquia Portuguesa, em Mafra, e o embarque da Família Real, na Ericeira

Marquês do Faial

Manuel Caetano Baptista Ribeiro Júnior, Administrador do Concelho

por intermédio deste, recebe do Infante D. Afonso. À conferência assis‑ tem os dignitários presentes e o comandante da Escola de Infantaria, o qual, consultado por El‑Rei, declina o convite para se pronunciar. Porém, instado, dirá:

proclamada a República, e ordena que mande arvorar a bandeira repu‑ blicana e que participe o facto às autoridades. Ao restituir o telegrama, D. Manuel pede ao administrador que não divulgue o conteúdo dele, porque pode ser falso. O administrador compromete‑se a proceder em conformidade, porém, ao sair do Paço, já na vila se constata grande alvo‑ roço, em virtude da confirmação do seu telegrama por outros que entre‑ tanto haviam sido recebidos. Na montra da tabacaria de José Silves‑ tre fora já afixado um de tais telegramas anunciando a proclamação da República.

– Em minha opinião, as Rainhas devem embarcar e El‑Rei deve ficar. Serrão Franco, acrescentou: – Eu vou já para a Ericeira, preparar o embarque de Vossa Majestade e das rainhas. Depois dirigindo‑se à rainha‑avó, repetiu‑lhe o que dissera ao rei e à Rainha. […]. [A rainha D. Maria Pia] Tomou, alquebradamente, aquele ar altivo de quem fora majestade a valer, e perguntou: – Mas, é por ordem do governo que saímos? Na pergunta via‑se a abstracção em que estava e a exacta noção que tivera dos deveres dos reis constitucionais. Com a costumada ener‑ gia, extraordinariamente sugestiva, Serrão Franco, respondeu: – Nestas alturas, não há ordens nem governos. E, com a franqueza de homem do mar, deitava‑lhe a mão ao chapéu e voltava‑lho, na cabeça, onde tinha sido posto às avessas pelas mãos trémulas da rainha

[Serrão Franco] Rápido desceu a escada. Ao chegar ao largo, viu um grupo, onde estava o administrador do concelho, lendo o telegrama, do governador civil de Lisboa, em que se lhe mandava içar a bandeira revolucionária. Não convinha, por forma alguma, ao decoro da família real, que essa ordem se executasse antes da sua partida; Serrão Franco encontrou a resolução do problema, convidando o administrador a entrar no seu carro e levando‑o para a Ericeira, sem se importar com o perigo de ter a seu lado uma autoridade monárquica, raptando‑o a Eusébio Leão. Em rota batida percorreram os onze quilómetros de Mafra à Ericeira. Quando chegou ao largo da Ericeira [Jogo da Bola], havia ali muita gente. Chamou os mestres e as companhas das barcas de pesca; ven‑ cendo com a sua popularidade, a má vontade que se lhes notava. Entre o povo, os comentários eram pouco favoráveis; ouviam‑se vivas à República e sentia‑se cantar e assobiar a Portuguesa. Já fiz o que tinha a fazer, pensou Serrão Franco, não devo estar aqui mais tempo. Isto não está bom.

[cf. Ayres de Sá, Rainha Dona Amélia].

O Administrador do Concelho recebe telegrama, a caminho do Paço. Chegado junto de D. Manuel, e inquirido por este sobre o teor do dito, responde que o telegrama não tem importância. Como o monarca insistisse o administrador mostra‑lho bastante contrariado. É assinado pelo Dr. Eusébio Leão, governador civil de Lisboa. Participa haver sido 15

Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

veador D. Vasco da Câmara Belmonte); logo outro com D. Maria Pia e seu séquito (marquesa de Unhão e o conde de Mesquitela); e o terceiro com D. Manuel, conde de Sabugosa, marquês do Faial, João Velez Caldeira e António Waddington; todos escoltados por cavalaria. Vi a Rainha D. Maria Pia pela última vez em Mafra no dia 5 de Outu‑ bro último, no momento em que partia para o exílio. Beijei 2 vezes a mão quando já estava no automóvel e disse‑me: “Adeus Tomás, muito obrigado”. Coitadinha! […]. Partiu para o exílio com a mesma serenidade com que entraria para a Sala do Trono. [Tomás de Mello Breyner, Diário de um Monárquico, 1911‑1913, p. 54]

Largo da Princesa D. Amélia (Jogo da Bola), na Ericeira, ca. 1910

Dirigiu‑se á porta da casa de Turíbia Fialho, viúva de Jorge Fialho, e disse‑lhe: – Dá‑me água? Estou com muita sede. Ela pediu‑lhe que esperasse um momento, e, ele, entrado, disse‑lhe, logo: – Eu não quero água. O que quero é sair pela outra porta, do lado de traz; para me livrar desta gente. Assim saiu da praça

Caravana automóvel e escolta que conduziu a Família Real à Ericeira, vinheta in Ayres de Sá, Rainha D. Amélia (p. 317)

[cf. Ayres de Sá, Rainha Dona Amélia].

Ao estribo, do automóvel de D. Manuel, o alferes D. Fernando Pereira Coutinho. Atrás, alguns trens com uns quantos (poucos) mafrenses que não abdicam de acompanhar a Família Real. Telegrama expedido pelo chefe da estação telegráfica de Mafra para as autoridades telégrafo‑postais:

O capitão António Vicente de Abreu († 21.6.1911), militar e monár‑ quico dedicadíssimo, que comandara a guarda destacada para o Paço, na véspera, despe o uniforme, quebra a espada e perde a razão. 14.00 horas Dispostas as coisas para a partida de Mafra, a Rainha D. Amélia faz questão de seguir no automóvel dianteiro, para evitar expor o rei ao perigo de algum mau encontro. Assim decidido, o monarca e as rainhas abandonam o Paço de Mafra pela portaria do Sul. A escolta que acom‑ panha a Família Real, à Ericeira, é composta por 10 praças de Lancei‑ ros 2, de El‑Rei, com carabinas, espadas, bonés ou barretes de serviço, uniforme de serviço n.º 2, e da força de cavalaria da Escola, de diferen‑ tes regimentos, composta por 12 soldados e um sargento (José Rolo, de Cavalaria 4) somente de espadas desembainhadas, bonés, uniforme de serviço n.º 2, sem carabinas (tal qual como se em estado de guerra). Na frente, como guarda avançada, um cabo e 3 soldados de Lancei‑ ros. Em seguida, um automóvel com D. Amélia e respectivos acom‑ panhantes (D. Maria Francisca de Meneses, condessa de Figueiró e o

Suas Majestades El‑Rei D. Manuel e Rainhas D. Amélia e D. Maria Pia, acabaram retirar desta vila direcção estrada Ericeira. Os automóveis seguem em andamento moderado e a escolta a trote ou a galope, conforme as circunstâncias. Não ocorre qualquer incidente durante o percurso excepto à saída de Mafra, onde o automóvel de D. Manuel quase capota. 14.20 horas José de Melo (Sabugosa) está de volta à Ericeira com instruções para o embarque da Família Real. […]. Às 2h 20m (p. m.) regressava o referido ajudante de ordens o qual me disse que as Majestades vinham a caminho, mandei aprontar 16

As vinte e quatro derradeiras horas da Monarquia Portuguesa, em Mafra, e o embarque da Família Real, na Ericeira

duas barcas das armações, pertencentes à Firma Rosa & Comandita, visto o mar estar agitado e ser a hora do praiamar o que se torna perigoso o embarque em embarcações pequenas; […]. [Jacob Bensabat / AHM: Documentação Avulsa/Iates/Amélia I (1888‑1911), Cx. 636].

14.30 horas Quando os veículos chegam à rampa que constitui a entrada da vila da Ericeira, pelo lado do Nascente (Outeiro e Moinho Novo), afrouxam su­bitamente, detendo‑se. Serrão Franco, quase exausto de fadiga, coberto de pó e encharcado em suor, com o braço direito levantado, faz sinal para pararem. – Há alguma novidade? Perguntou o rei. António Serrão Franco

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Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

– Não, meu senhor, Vamos por outro caminho. E, entrando no primeiro automóvel, dirigiu o itinerário. […]. Mandou tornejar pela direita, encostando às propriedades dele, Ser‑ rão Franco, e ao cemitério, e entrando na rua do Norte. Assim, evitara passar pelo centro da vila. Os automóveis pararam junto à igreja de S. Pedro e organizou‑se um cortejo, indo o rei entre Serrão Franco e Faial, seguia‑se a rainha D. Maria Pia, pelo braço de Mesquitela, e a marquesa de Unhão; depois, a Rainha, acompanhada das suas damas, Figueiró e D. Maria Fran‑ cisca de Meneses, e dos seus veadores, Sabugosa e Belmonte; com eles, S. Lourenço, Velez Caldeira, Waddington, Feijó Teixeira, etc.

que teve um movimento de avanço, de curiosidade; mas, não invadiu a praia, que está num fundo poço, sem paredes do lado do mar. Há duas rampas que lá vão dar; uma, ao Sul, que Serrão Franco evitou; outra, ao Norte, por onde seguiu, rápido. A maior altura dos muros do poço é do lado do Nascente. Do terraço do forte, de onde se fazem os sinais às barcas, quando vol‑ tam e querem entrar com o mar levantado, as mulheres gritavam: – O nosso rei! – Beije, Vossa Majestade, uma criança. Disse Serrão Franco, ao rei, apontando‑lhe as crianças que estavam por ali, até à praia; e empur‑ rava‑o para uma delas, re­ceoso de que o rei não obedecesse a quem ali comandava. O rei beijou uma criança. Os clamores redobraram. – O nosso rei! […]. A onda humana desceu mais as rampas e veio apertar a família real contra as ondas. Serrão Franco não gostou de ver tanta gente precipitar‑se para o sítio onde as pessoas reais embarcavam. Como evitar que as duas ondas, a humana e a do mar, se chocassem? Habilmente, avançou para a turba, tirou o chapéu e, com aquela voz potentíssima que todos lhe ouviam na Bolsa, bradou: – Obrigado! Obrigado! Estou‑lhes agradecidíssimo pela sua dedica‑ ção para com o seu rei.

[cf. Ayres de Sá, Rainha Dona Amélia].

15.10 horas D. Manuel embarca na Bonfim com o conde de Sabugosa e Velez Caldeira. Nesta ocasião, o rei disse‑lhe [António Serrão Franco] que ia escre‑ ver, a bordo do iate, uma carta […]; que essa carta, seria remetida a António Tei­xeira de Sousa, ex‑presidente do conselho.

Forte da Ericeira, ca. 1910

15.00 horas Do adro da igreja de S. Pedro, a Família Real e comitiva seguem pela Rua Paroquial e Travessa da Estrela, cruzando a Rua do Norte e prosse‑ guindo pela Travessa do Ribeiro e Rua de Baixo. Passam pelo Forte da Ericeira, dirigindo‑se para o areal da Praia dos Pescadores pela rampa do Norte.

[cf. Ayres de Sá, Rainha Dona Amélia].

[…] chegaram à Ericeira as Majestades, sendo recebido por mim, muitas pessoas que aqui estão a banhos, muito povo e entre este mui‑ tos indivíduos republicanos os que acompanharam até à praia não se tendo dado um único facto de agrado ou desagrado; […]. [Jacob Bensabat / AHM: Documentação Avulsa/Iates/Amélia I (1888‑1911), Cx. 636]. Barca Bonfim, vinheta in Ayres de Sá, Rainha D. Amélia (p. 367)

Assim, passaram ao forte e, descendo a rampa Norte, acharam‑se na praia, com grande admiração da gente que enchia o alto das ribas e 18

As vinte e quatro derradeiras horas da Monarquia Portuguesa, em Mafra, e o embarque da Família Real, na Ericeira

[…] depois de se acharem dentro da primeira barca El‑Rei e comitiva, mandei deitar esta ao mar o que se fez com algum custo devido à maré e ao agitado do mar, depois desta se achar livre de perigo, embarca‑ ram na segunda as Rainhas, aias e mais comitiva, a qual foi lançada ao mar, aonde segui, chegado ao iate fez‑se o embarque com algum custo devido ao muito balanço do navio, mas sem novidade, […].

16.00 horas (ca.) O iate real Amélia levanta ferro, rumando ao Norte e perdendo‑se de vista. […] em seguida ao embarque [da Família Real] o navio [iate Amé‑ lia] começou a navegar para o Norte não sabendo para onde se des‑ tina […].

[Jacob Bensabat / AHM:Documentação Avulsa/Iates/Amélia I (1888‑1911), Cx. 636].

Jacob Bensabat [AHM/Documentação Avulsa/Iates/Amélia I (1888‑1911), Cx. 636]

15.30 horas (ca.) A Serrão Franco, que ficara na praia aguardando a volta da Bonfim, é entregue uma carta enviada por D. Manuel de bordo do iate Amélia.

Iate Amélia (1908), desenho a tinta da china (105 x 215 mm) de A. Pinto Basto. Pertenceu a D. Manuel II. Leilão do Correio Velho, Novembro de 1992 (cat. n.º 226) O iate real Amélia foi construído em Leith (Escócia), no ano de 1900, inicialmente para um milionário britânico, pelo que ainda recebeu o nome de Banshee, depois alterado para Amélia, quando no ano seguinte o Estado Português o adquiriu para substituir o anterior iate homónimo. O novo Amélia (Amélia IV) chegou ao Tejo em 2 de Novembro de 1901, tendo efectuado uma breve escala na baía de Cascais, onde D. Carlos embarcou, vindo fundear diante do Terreiro do Paço. Regressado de Gibraltar, onde desembarcara a Família Real, havia de ser classificado como Aviso e rebaptizado Cinco de Outubro, designação que manteve até 1938, ano em que foi desarmado e desmantelado. Significativa parte do seu histórico recheio acha-se, hodiernamente, no Museu da Marinha, em Lisboa, integrado na reconstituição dos aposentos reais a bordo, ali patente desde 1967 (cf. Diário de Lisboa, 21 Jan. 1967).

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SEGUNDAPARTE

AsNovasI ns t i t ui çõeseosAdes i vosdeMaf ra, oudecomoosmonárqui cosmaf rens es s erenderam àRepúbl i ca

Bandeira nacional segundo o projecto de Columbano, aprovado pelo Governo Provisório (1 de Dezembro de 1910) Inspirada no pendão que se arvorara na Câmara do Porto, durante a revolução de 1891, o qual pertencia ao Centro Democrático Federal, agremiação portuense que propugnava o federalismo ibérico. As cores da bandeira são o verde escuro e o vermelho vivo. A esfera e os castelos são contornados a preto pela parte interior. Relação entre o comprimento e a tralha: C/T= 1,5 /1. Altura do escudo e esfera: ½ da tralha. Relação entre os comprimentos do verde e vermelho: Ve /Vo = 5/8. O escudo e a esfera armilar são assentes metade na parte verde, metade na parte vermelha, e equidistantes das orlas superior e inferior.

As Novas Instituições e os Adesivos de Mafra, ou de como os monárquicos mafrenses se renderam à República

5 DE OUTUBRO José Relvas proclama a República, na varanda da sala nobre dos Paços do Município de Lisboa, pelas onze horas. Imediatamente a seguir é apre‑ sentado o Governo Provisório já praticamente constituído. Integram‑no as seguintes personalidades: na Presidência, o Doutor Teófilo Braga; no Interior, o Dr. António José de Almeida; na Justiça, o Doutor Afonso Costa; nos Negócios Estrangeiros, o Doutor Bernardino Machado; nas Finanças, o Dr. José Relvas, perante a escusa de Basílio Teles; no Fomento, o Dr. António Luís Gomes (substituído pelo Dr. Brito Camacho em fins de Novembro de 1910); na Guerra, o coronel Correia Barreto e na Mari‑ nha, o capitão‑de‑mar‑e‑guerra, Amaro de Aze­vedo Gomes. O Ministé‑ rio reúne‑se para tomar as primeiras decisões governativas e assegurar a ordem pública.

De tarde Novamente, comunicada ao comandante da Escola Prática de Infantaria, pelo ministro da Guerra, a proclamação da República e, uma vez mais, solicitada a sua adesão e dos seus oficiais e mandada hastear nas insta‑ lações da unidade, a bandeira republicana; concomitantemente, são‑lhe pedidas informações sobre a forma como procedera ao cumprimento das ordens recebidas e sobre as circunstâncias do embarque da Família Real. O comandante da Escola Prática de Infantaria responde ao ministro da Guerra que, tendo recebido o telegrama deste, fizera publicar a comuni‑ cação da proclamação da República e que lhe cumpre afirmar que ele, assim como os oficiais presentes, respeitariam o governo constituído e fariam cumprir, pontualmente, como sempre havia sucedido, as ordens do ministério da Guerra, ao qual a Escola está subordinada. Acrescenta que ainda não fora retomado o serviço de correio para Lisboa.

6 DE OUTUBRO No Porto, o Dr. Nunes da Ponte proclama a República, na varanda do Município. Grupos de cidadãos tomam a iniciativa de defender as Repartições Públi‑ cas e os Bancos.

15.00 horas É hasteada a bandeira republicana nos Paços do Concelho.

12.00 horas (depois) Na Câmara Municipal de Mafra, faz‑se a proclamação da República.

Ex.º Governador Civil – Lisboa – S. M. El‑Rei, Rainhas embarcaram ontem pelas três e meia da tarde sem qualquer incidente no iate D. Amélia o qual se

18.03 horas É expedido o seguinte telegrama:

Edifício dos Paços do Concelho na então Rua de Eduardo Burnay, rebaptizada Rua José de Elias Garcia pela 1.ª vereação republicana. Actualmente alberga a Biblioteca Municipal de Mafra 3

Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

Ofício do Governador Civil de Lisboa (6 de Outubro de 1910), comunicando a nomeação do Dr. António Emílio de Figueiredo Cardoso, como Administrador Interino do Concelho de Mafra AHMM] 4

As Novas Instituições e os Adesivos de Mafra, ou de como os monárquicos mafrenses se renderam à República

fez ao mar para Norte com destino para mim desconhecido. Vou dar conheci‑ mento do telegrama de V. Ex.ª aos interessados e, cumprido este dever, cum‑ pre‑me igualmente o de apresentar a minha demissão solicitando de V. Ex.ª a indicação da pessoa de sua confiança a quem devo entregar a administração deste concelho. – O administrador concelho – Manuel Caetano Batista Ribeiro Júnior.

almoxarife do Palácio e Tapada havia nomeado o general Luís de Vas‑ concelos Sobral. O recém‑empossado Administrador do Concelho nomeia a Comis‑ são Municipal Administrativa, constituída pelos cidadãos: José Freire de Andrade Pimentel, da Ericeira; Serafim da Paz Medeiros, de Mafra; Manuel Esteves, de Mafra; Manuel Franco, da Ericeira; António Cândido Duarte, da Póvoa da Galega; Manuel Jorge da Silva, de Mafra e Manuel Joaquim Estrela, de Monte Bom.

19.45 horas É recebido telegrama expedido pelo Governador Civil: Administrador concelho Mafra – vai tomar posse interina do cargo de adminis‑ trador do concelho o Dr. António Emílio de Figueiredo Cardoso – governador civil – F. Eusébio Leão. Ofício do Governador Civil de Lisboa comunica a nomeação do Dr. Antó‑ nio Emílio de Figueiredo Cardoso Administrador Interino do Concelho de Mafra.

Assinatura de António Emílio Figueiredo Cardoso

7 DE OUTUBRO De manhã O comandante da Escola Prática de Infantaria envia um telegrama, urgente, ao Chefe do Estado Maior da primeira divisão militar, infor‑ mando que a proclamação da República fora publicada na ordem esco‑ lar, logo que dela houvera conhecimento, pedindo‑lhe que comunicasse ao ministro da Guerra a adesão de todos os oficiais e anunciando que, ao meio dia, deste dia 7, ratificaria essa adesão, perante as forças militares e as autoridades civis. De tarde O Dr. Cardoso, telegrafa ao Governador Civil informando que acabara de tomar posse do cargo de Administrador Interino do Concelho de Mafra, que lhe fora dada pelo seu antecessor e que fora convidado pelo comandante da Escola Prática de Infantaria para assistir à inaugura‑ ção da bandeira republicana, facto que se dera na presença de toda a força da unidade militar, de muitos populares, autoridades e funcioná‑ rios públicos, com grande entusiasmo e vivas à pátria, ao governo e ao exército de terra e mar. E que a bandeira fora hasteada pelo próprio comandante da mencionada Escola. Conclui, comunicando que para

Facsimile do ofício n.º 529 da Administração do Concelho de Mafra, nomeando os cidadãos que hão-de tomar posse como membros da Comissão Administrativa Municipal

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Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

8 DE OUTUBRO Decreto‑Lei que expulsa os jesuítas e encerra as Congregações religiosas. Afonso Costa ordena a prisão pela Polícia dos padres que sejam encon‑ trados na rua “a fim de evitar abusos”.

Reunida em plenário, nos Paços do Concelho, a Comissão Municipal Administrativa decide eleger para seu presidente o cidadão mais velho, José Freire de Andrade Pimentel e para vice‑presidente, Serafim da Paz Medeiros.

Em 8 de Outubro de 1910 Ao Departamento Marítimo do Centro Da Delegação Marítima da Ericeira

Assinatura de José Freire de Andrade Pimentel Presidente da Comissão Municipal Administrativa

Cumpre‑me comunicar a Vossa Excelência que hoje pelas oito horas (a. m.) foi arvorada no mastro desta Delegação a bandeira Republicana, a qual foi muito vitoriada pelo povo desta locali‑ dade. Cumpre‑me mais felicitar Vossa Excelência, o Governo, pelo bom resultado da Revolução, obtida pelas tropas e povo por‑ tuguês. Viva a Pátria. O Delegado Marítimo José Jacob, Segundo Tenente Auxiliar [AHM/Documentação Avulsa/Iates/Amélia I (1888‑1911), Cx. 636]

9 DE OUTUBRO O Governo Provisório desloca‑se à Rotunda para cumprimen­tar Machado Santos. Libertação dos presos filiados em associações secretas. O Administrador do Concelho de Mafra oficia à Câmara Municipal infor‑ mando que deverão ser empossados no dia 10 do corrente, pelo meio‑dia, os cidadãos que compõem a Comissão Municipal Administrativa.

10 DE OUTUBRO Estão presos no Limoeiro 46 padres, no Forte de Caxias 82 e no Arsenal da Marinha 233 freiras. Assalto e destruição, dos jornais lisboetas Liberal (ex‑progressista) e Por‑ tugal (ultramontano). 12.00 horas (ca.) António Duarte Resina, vice‑presidente da Câmara cessante, empossa a Comissão Municipal Administrativa, constituída pelos cidadãos: José Freire de Andrade Pimentel, da Ericeira; Serafim da Paz Medeiros, de Mafra; Manuel Esteves, de Mafra; Manuel Franco, da Ericeira; António Cândido Duarte, da Póvoa da Galega; Manuel Jorge da Silva, de Mafra e Manuel Joaquim Estrela, de Monte Bom.

Retrato e assinatura de Serafim da Paz Medeiros Vice-presidente da Comissão Municipal Administrativa 6

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Capa do Livro de registo de Actas [da Câmara Municipal de Mafra] (1910-1911): facsimile da Acta de Posse da Comissão Municipal Republicana do Concelho de Mafra e primeira Acta da vereação recém-empossada (10 de Outubro de 1910) [AHMM]

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Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

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As Novas Instituições e os Adesivos de Mafra, ou de como os monárquicos mafrenses se renderam à República

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Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

12 DE OUTUBRO Decreto do Governo instituindo feriados nos dias 1 e 31 de Janeiro, 5 de Outu­bro e 25 de Dezembro. Criação da Guarda Republicana, em substituição da Guarda Municipal.

13 DE OUTUBRO A Câmara Municipal de Lisboa aprova voto de agradecimento à Câmara Municipal de Mafra, pelo telegrama que esta havia remetido, com “sau‑ dações ao povo da capital”.

A Câmara de Mafra delibera enviar à sua congénere de Lisboa um tele‑ grama de saudações ao povo da capital. Por proposta do Presidente da Comissão Administrativa, o plenário da Câmara Municipal de Mafra delibera “substituírem‑se os nomes de algu‑ mas ruas e largos da vila da Ericeira, a saber: o Largo actualmente deno‑ minado Largo da Princesa D. Amélia, doravante seja denominado Praça da República; a Rua Campos Henriques, Rua 5 de Outubro; a Rua do Príncipe, Rua Provedor Jorge Fialho; o Largo de Santa Marta, Largo do Almirante Cândido dos Reis; a Travessa de Santa Marta, Rua Doutor Miguel Bombarda”.

16 DE OUTUBRO A Falange Demagógica de estudantes de Coimbra assalta a Sala dos Cape‑ los e criva de balas os retratos régios ali patentes.

17 DE OUTUBRO Decreto de abolição do Conselho de Estado e da Câmara dos Pares do Reino, considerando nulos os privilégios, regalias e imunidades de que usufruíam os membros do pariato. Criação de uma Comissão para estudar a reorganização do Exército. A Polícia Civil de Lisboa adopta o nome de Polícia Cívica. São demitidos todos os funcionários do Estado ao serviço da Casa Real, tanto militares como civis, com excepção do pessoal menor, considera­do indispensável para a guarda e manutenção dos paços reais.

18 DE OUTUBRO Decretada a abolição do juramento religioso nos actos civis e o ensino da doutrina cristã. Extinção dos títulos nobiliárquicos e das comendas, com excepção da Torre e Espada.

19 DE OUTUBRO Em sessão ordinária e por proposta do vereador Manuel Esteves, a Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Mafra delibera reme‑ ter ao ministro do Interior, uma exposição, sublinhando “a conveniência de ser nomeada uma comissão para estudar a maneira de ser utilizado o edifício e Tapada de Mafra e bem assim para que o torreão do lado Sul

Placa toponímica do Largo da Princeza D. Amélia, na Ericeira, topónimo substituído pelo de Praça da República, por deliberação da Câmara Municipal, de 12 de Outubro [Arquivo‑Museu da Misericórdia da Ericeira]

Manuel Esteves (1876-1956) Retrato e assinatura

Por proposta do vereador Manuel Esteves, também a toponímia da vila de Mafra sofre alterações: a Praça D. Carlos Fernando passa a Praça da República; o Largo do Real Edifício a Largo do Almirante Cândido dos Reis; a Alameda D. Manuel a Alameda Doutor Miguel Bombarda. Mais delibera a Câmara que, como medida de austeridade, as novas pla‑ cas toponímicas sejam pintadas a tinta de óleo sobre as antigas. 10

As Novas Instituições e os Adesivos de Mafra, ou de como os monárquicos mafrenses se renderam à República

Facsimile parcial da Acta da Comissão Municipal Administrativa, de 19 de Outubro de 1910, de cujas deliberações consta uma ponderação sobre a eventual utilização do Paço e Tapada de Mafra para fins públicos

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Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

Panorama da vila de Mafra (ca. 1910). No edifício em primeiro plano no eixo da fotografia (Escola Conde de Ferreira) funcionou a Escola Real Feminina.

do mesmo edifício seja destinado à instalação das repartições públicas do concelho”. Por proposta do Vice‑presidente, a vereação delibera oficiar ao Director Geral da Instrução, lembrando “o estado caótico da instrução na vila de Mafra”, onde, com o advento do regime se havia encerrado a Escola Real do sexo masculino (instalada em dependências do Palácio), bem como a do sexo feminino (a funcionar no edifício da Escola Conde de Ferreira).

22 DE OUTUBRO O Brasil e a Argentina são os primeiros Estados a reconhecer oficialmente a República Portuguesa. 23 DE OUTUBRO Abolição do foro académico, assim como da obrigatoriedade do uso de capa e batina.

24 DE OUTUBRO Decreto declara sem efeito as eleições de 28 de Agosto de 1910, cessando automaticamente o mandato dos deputados então eleitos. Por portaria, o pessoal menor em serviço nos antigos Parlamento e Senado fica responsável pelos bens existentes no edifício de S. Bento. O Teatro D. Maria II, em Lisboa, torna‑se Teatro Nacional.

20 DE OUTUBRO O Núncio Apostólico, Monsenhor Tonti, abandona Lisboa. A Câmara Municipal de Lisboa oficia à Câmara Municipal de Mafra, comunicando haver sido aprovado um voto de agradecimento pelo tele‑ grama que a autarquia mafrense enviara com “saudações ao povo da capital”.

26 DE OUTUBRO Os dias santificados são abolidos, com excepção dos Domin­gos, pas‑ sando a ser considerados dias úteis.

21 DE OUTUBRO O bispo de Beja, D. Sebastião de Vasconcelos, é suspenso do cargo, em virtude de ter abandonado a sede episcopal, depois de ameaçado de morte. O comissário naval, Machado Santos, ocupa o Quartel de Artilharia 1, com o objectivo de constituir um “corpo de elite de fundadores da Repú‑ blica” com os soldados que haviam estado sob as suas ordens. É frus‑ trada a formação de tal Guarda Pretoriana.

27 DE OUTUBRO Início da publicação do Correio da Manhã, da responsabili­dade de jorna‑ listas assumidamente representantes das classes conservadoras. A Câmara de Lisboa oficia à de Mafra informando que, conforme solici‑ tação desta, a representou “nos funerais dos extintos paladinos da Repú‑ blica Portuguesa”. 12

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Ofícios remetidos pela Câmara Municipal de Lisboa à Comissão Administrativa Republicana de Mafra, em 20 e 27 de Outubro de 1910 [AHMM]

Paróquia a alienação de bens imóveis, sem prévio conhecimento do Ministério das Finanças.

28 DE OUTUBRO Decreto‑Lei que, em virtude do respectivo teor, se havia de tornar conhe‑ cido por Lei da Imprensa.

3 DE NOVEMBRO Promulgação da Lei do Divórcio.

30 DE OUTUBRO Prisão do conselheiro João Franco na sua casa de Lisboa. O Tribunal fi xa‑lhe a caução de 200 contos para poder sair em liberdade.

9 DE NOVEMBRO Por proposta do vereador Manuel Esteves, aprovada pela maioria dos membros da Comissão Administrativa da CM de Mafra, reunida em ses‑

2 DE NOVEMBRO O Ministério do Interior interdita às Câmaras Municipais e Juntas de 13

Mafra, dos alvores da Monarquia Constitucional ao advento da República

Novo Sebastianismo

(in Diário de Notícias, 14 Nov. 1910) O acaso ou a fatalidade oferecem coincidências que quase nos levam a acreditar no influxo de um agente sobrenatural ou de uma força miste‑ riosa. O mundo da realidade converte-se no mundo maravilhoso. A vila da Ericeira, essa laboriosa povoação de pescadores, essa modesta praia de banhos, vai receber pela segunda vez uma singular consagra‑ ção da história. Em 1585 ocorreu ali um episódio, a princípio um tanto burlesco, mais tarde lancinante e dramático, que bem se pode concatenar com o triste incidente que ali se deu há poucos dias. Um e outro sucesso parecem guardar entre si uma certa afinidade, posto que se caracterizem por diferente modo. Ambos, todavia, expressam o final de uma realeza. É o caso do rei da Ericeira. Em 1585, um homem ainda moço, natural da Ilha Terceira, de nome Mateus Álvares, abandonando o noviciado dos frades arrábidos do mosteiro de S. Miguel da vila de Óbidos, veio fazer-se ermitão junto da vila da Ericeira. Nos seus exercícios penitenciais dava a entender vagamente que era D. Sebastião, que havia escapado da batalha de Alcácer Quibir. Um lavrador do sítio, Pedro Afonso, homem abastado e ambicioso, tratou de explorar o visionário, honrando-o como rei, dando-lhe a filha em casamento, investindo-se a si próprio em títulos nobiliárquicos e formando uma corte que ia aumentando gradualmente. Dentro em pouco, a seita contava com mais de mil correligionários, orga‑ nizando-se como um ducado de Gerolstein e dispondo já de algumas forças militares. Pedro Afonso tomara o papel a sério e como tinha um génio despótico usava de crueldades contra aqueles que não reconheciam a veracidade do suposto D. Sebastião e não cumpriam as suas ordens. A propaganda já não se limitava à Ericeira e alcançara até algumas adesões importantes em Lisboa. As autoridades locais foram insuficientes para sufocar esse movimento revolucionário que chegou a inquietar o governo central, que se viu na necessidade de mandar o corregedor da corte, acompanhado de alguma tropa, a fim de estrangular aquela manifestação. Desta vez os fanáticos do falso monarca sofreram um golpe decisivo, sendo presos os principais actores da comédia que veio a desfechar, para uns, nas crueldades do patíbulo, para outros nos horrores das enxovias. O que se passou na Ericeira não era um facto único nem estranho. Um ano antes sucedera a mesma coisa em Penamacor e, depois disso, ape‑ sar de tão lastimáveis exemplos, ainda surgiram novos pretendentes. A crença de que D. Sebastião não perecera na guerra mauritana enraizara-se no espírito do povo, sendo não poucas as pessoas de elevada gra‑ dação que partilharam das mesmas ideias. O messianismo sebástico era uma fase moderna do messianismo judaico. Os cristãos novos, como o dr. Manuel Bocarro Francês, também acreditavam na vinda de D. Sebastião e no advento do Quinto Império ou monarquia universal, sob o ceptro da Lusitânia. Desculpa-se esta mono‑ mania digna até de louvor, porque era a vaga expressão de sentimento patriótico que desejava ver restaurada a autonomia e a coroa de Portugal. Obtida em 1640 a independência da Pátria, parece que esta espécie de alucinação deveria ter finalizado, mas não sucedeu assim, pois ainda nos princípios do séc. XIX vemos travada impetuosa a luta entre sebastianistas e anti-sebastianistas, nos últimos dos quais se alistava o padre José Agostinho de Macedo, que foi implacável contra aqueles pobres sonhadores. Depois de 1834, em seguida à retirada definitiva de D. Miguel, suscitou-se um novo sebastianismo entre os que se conservaram fiéis à causa legitimista, supondo que o príncipe exilado regressaria um dia a recuperar os seus direitos. Durante a Maria da Fonte um clarão de esperança ilu‑ minou o cérebro desses cortesãos da desgraça, mas esse clarão teve uma existência efémera como um fogo de palha. Na Ericeira terminou tragicamente uma realeza fictícia; da Ericeira partiu fugitivamente, caminho do exílio, uma dinastia verdadeira, a mesma dinastia que viera preencher a lacuna deixada pelo desvairamento de D. Sebastião. É possível que em volta deste acontecimento se venha a formar outra lenda e que um novo sebastianismo evoque saudosamente a imagem do derradeiro monarca português. O sebastianismo antigo é assunto próprio, como ponderava um grande escritor moderno, para a inspiração dum poema, à semelhança do Orlando de Ariosto, já que as profecias do Bandarra apenas se prestam para as cenas graciosas do Burro do Sr. Alcaide. Se ele para muitos não passa de matéria irrisória, para outros, e até para alguns pensadores, é digno de respeito, porque é a expressão ingénua dum sentimento patriótico, um dogma ou artigo de fé da religião do infortúnio.

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são ordinária, a Rua de Eduardo Burnay (antigo presidente da CM de Mafra), em Mafra, passa a denominar‑se Rua José de Elias Garcia. No mesmo plenário é deliberado oficiar ao Governo da República no sentido de este atribuir um prémio ao cabo reformado Firmino Alves, pelos serviços prestados à causa da República, nomeadamente no dia 5 de Outubro.

24 DE NOVEMBRO Greve dos ferroviários da Linha do Minho e Douro. Decreto n.º 63, de Magalhães Lima (Grão‑Mestre da Maçonaria) auto‑ riza José Bernardo Ferreira (Martim Moniz), obreiro do grau 33.º da Loja Liberdade, de Lisboa, a criar triângulos ou lojas na Ericeira e em Mafra (Rito Escocês Antigo e Aceito).

10 DE NOVEMBRO A República Portuguesa é reconhecida, de facto, pela Grã‑Bretanha.

25 DE NOVEMBRO No Intransigente, Machado Santos advoga que os monárquicos fiéis ao seu ideal devem ser tratados com respeito: “É preciso não praticar injustiças. Ninguém possui a pretensão estulta de querer que a República seja uni‑ camente para os republicanos”. Greve dos trabalhadores da Companhia do Gás e Electricidade de Lisboa.

11 DE NOVEMBRO Afonso Costa propõe a trasladação do corpo do marquês de Pombal para o Mosteiro dos Jerónimos. O ministro da Justiça do Governo Provisório sugere a divulgação dos nomes e das biografias dos jesuítas que residam em Portugal.

26 DE NOVEMBRO

12 DE NOVEMBRO Primeira Lei do Inquilinato. Início da publicação do jornal diário O Intransigente, fundado, em Lisboa, por Machado Santos, o qual é apresentado como órgão dos “verdadeiros carbonários combatendo o exclusivismo do Governo Provisório e os ade‑ sivos monárquicos”.

13 DE NOVEMBRO Caixeiros de Lisboa promovem comício no Ateneu Comercial exigindo o descanso ao Domingo e o horário máximo de 12 horas de trabalho.

14 DE NOVEMBRO Greve dos trabalhadores da Carris, exigindo redução do horário laboral e aumentos salariais.

15 DE NOVEMBRO Greve dos ferroviários da linha da Póvoa.

23 DE NOVEMBRO O Dr. Brito Camacho assume a pasta do Fomento, em virtude do titular da mesma, Dr. António Luís Gomes, ter pedido escusa do cargo para ir desempenhar, no Rio de Janeiro, as funções de ministro de Portugal. Cópia do telegrama enviado ao presidente do Governo Provisório, em 26 de Novembro de 1910, subscrito por António Rodrigues Moucheiro, Manuel Baptista Ribeiro Júnior e António Duarte Resina

Instalação, na Administração do Concelho de Mafra, da Comissão de Saúde, criada por Decreto do ministério do Interior, de 10 de Novembro. 15

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António Rodrigues Moucheiro (Presidente da Câmara até 5 de Outubro), Manuel Baptista Ribeiro Júnior (Administrador do Concelho até 5 de Outubro) e António Duarte Resina (Vice‑presidente da Câmara cessante e reconhecido talassa) encabeçam uma comissão de “numerosos cida‑ dãos do Concelho de Mafra” que visa deslocar‑se à capital para apresentar

cumprimentos ao Governo Provisório da República, no dia 6 de Dezem‑ bro, “das 2 para as 3 horas”. Enviam telegrama solicitando audiência, a qual é aprazada por intermédio de outro telegrama remetido por David Bensabat, Secretário do Governo Provisório, para as 15.00 horas do refe‑ rido dia.

António Rodrigues Moucheiro

Manuel Baptista Ribeiro Júnior, o Baptistinha 16

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Em resposta ao pedido de audiência ao Governo Provisório da República, o Governo Civil informa a Comissão que a delegação mafrense será recebida no dia 6 de Dezembro.

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27 DE NOVEMBRO Panfleto profusamente distribuído no Concelho de Mafra, anuncia a ida a Lisboa, no dia 6 de Dezembro para apresentar cumprimentos ao Governo Provisório da República.

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28 DE NOVEMBRO Decretada a proibição de militares e marinheiros participarem em sole‑ nidades religiosas, excepto quando requisitados pela competente autori‑ dade civil ou militar, com o fim de assegurar a ordem pública.

1 DE DEZEMBRO Adoptada a Bandeira Nacional segundo o projecto de Columbano Bor‑ dalo Pinheiro. Greve dos trabalhadores da Companhia do Gás e Electricidade do Porto.

3 DE DEZEMBRO Decreto n.º 67, de Magalhães Lima (Grão‑Mestre da Maçonaria) auto‑ riza José Lourenço de Almeida, obreiro da Loja Liberdade, de Lisboa, a criar triângulos ou lojas do Rito Escocês Antigo e Aceito, na Ericeira e em Mafra.

5 DE DEZEMBRO À folha volante distribuída no concelho de Mafra convocando a popula‑ ção para a manifestação em Lisboa, riposta a Comissão Paroquial Repu‑ blicana Histórica da Ericeira com um manifesto profusamente divulgado nos dias 5 e 6 de Dezembro de 1910, apelando à conveniente recepção aos adesivos de Mafra.

6 DE DEZEMBRO Reconhecido o direito à greve e ao lock‑out, regulamentado, porém, seve‑ ramente por decreto de Brito Camacho. Excursão de cidadãos mafrenses a Lisboa com o objectivo de “cumpri‑ mentar o Governo Provisório da República”, sintomaticamente estig‑ matizados de adesivos, ápodo firmado por Brito de Camacho no seu jor‑ nal A Luta, para designar, primeiro, os partidários de João Franco e, depois, todos os monárquicos (talassas) que corriam a ligar‑se ao novo regime. À chegada à Estação do Rossio, os manifestantes mafrenses são rece‑ bidos com uma chuva de batatas e cebolas arremessada pela multidão que ali se achava, convocada para desancar os “trapaceiros audaciosos e embusteiros talassas”. O episódio provoca muitos feridos entre os mani‑ festantes. Uns fogem, outros são dispersos pela Baixa, a soco e a pon‑ tapé. Alguns músicos da filarmónica que acompanhara os manifestan‑ tes despem o fardamento, vestindo‑o do avesso para passarem incógni‑ tos. Toda a imprensa da capital se reporta ao caso. O actor Chaby chega a levá‑lo à cena numa revista, na qual parodia a atrapalhação do tocador do bombo. A Illustração Portugueza (n.º 252, 19 Dez. 1910) editou as úni‑ cos instantâneos até ao momento conhecidos do evento.

Manifesto da Comissão Paroquial Republicana Histórica da Ericeira, convocando recepção aos adesivos de Mafra, em Lisboa 19

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A Excursão de Mafra Mais de 700 pessoas do concelho de Mafra vêm a Lisboa cumprimentar o governo (artigo publicado num jornal lisboeta do dia 7 de Dezembro de 1910)

Ontem de manhã apareciam em algumas paredes da cidade uns manifestos epigrafados “Batatas e cebolas de Mafra”, em que se avisava a popu‑ lação da capital de que, pelas 2 horas da tarde, devia ser organizado no Terreiro do Paço um cortejo constituído com republicanos de Mafra. Nesse mesmo manifesto dizia‑se que os manifestantes eram os mesmos que, no mês de Março de 1908, assaltaram os automóveis que condu‑ ziam os Srs. Alexandre Braga, dr. Figueiredo Cardoso, Soares Guedes, Sá Pereira, Lameiras, Firmino Alves e alguns reporters, quando regressa‑ vam dum comício efectuado na Malveira e se dirigiam à Ericeira, assalto esse de que resultou terem ficado feridos alguns daqueles republicanos e os automóveis bastante danificados. Muitas pessoas que leram os manifestos procuraram saber a que horas chegava o comboio especial com os excursionistas, mas não o consegui‑ ram saber, de forma que, quando ao meio‑dia, ele entrou na estação do Rossio, apenas um ou outro indivíduo ali se encontrava. Os excursionistas em número aproximado a 700, pertenciam num número limitado a Mafra. Os restantes eram da Malveira, Alcainça, Póvoa, Livramento, Vila Franca do Rosário e Venda do Pinheiro.

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A excursão segundo nos afirmam muitas pessoas que nela tomaram parte, foi promovida por alguns republicanos da freguesia do Livramento, aderindo logo muitos habitantes doutras localidades. Conhecedores da manifestação projectada, alguns indivíduos de Mafra, a quem se atribuía terem sido sempre monárquicos, trataram também de agregar‑se à excursão ontem chegada a Lisboa. O comboio entrou nas agulhas da estação do Rossio quando era meio‑dia, como acima dissemos, vindo com os excursionistas as bandas de música de Mafra e do Livramento. Logo que deixaram as carruagens, os manifestantes dispersaram, assentando em reunir‑se às duas horas da tarde, no Rossio. Uma grande sarrafusca no Rossio – Os excursionistas de Mafra são obrigados a fugir Próximo das duas horas da tarde, começou afluindo à estação do Rossio grande número de excursionistas, acompanhados pelas filarmónicas do Livramento e de Mafra e pouco depois o antigo Administrador deste Concelho, o Sr. Manuel Baptista, tratou de organizar o cortejo, à frente do qual foi colocada a abrir a banda mafrense e no coice a do Livramento. Assim que a primeira daquelas bandas se pôs em andamento, as muitas pessoas da capital que estavam assistindo à formatura do préstito irromperam numa grande manifestação de desagrado aos mafrenses, ouvindo‑se gritos de: – Fora o antigo Administrador de Mafra! – Fora o padre de Santo Estêvão!

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– Fora os talassas adesivos! Enfim os protestos foram de tal forma que a filarmónica daquela localidade que executava a Maria da Fonte, teve de emudecer. Depois, uma verdadeira chuva de batatas e cebolas caiu sobre os excursionistas de Mafra, fugindo em várias direcções os músicos da banda daquela vila. O do bombo, no meio duma grande risota queria por força guardar o instrumento num quiosque e alguns dos seus colegas refugiaram‑se na estação do Rossio, no que foram imitados por muitos dos excursionistas. Houve grossa permuta de socos e bengaladas. Aproveitando uma aberta, um dos republicanos da freguesia do Livramento subiu a um dos bancos do Rossio e disse ao povo de Lisboa que os excursionistas, com excepção de alguns deles, eram antigos republicanos, conseguindo serenar um pouco os ânimos, que se acalmaram defini‑ tivamente à chegada do Sr. Ministro do Interior, que sabendo no seu ministério, do que se passava, se apressou a dirigir‑se em automóvel à Praça de D. Pedro. Depois do Sr. António José de Almeida ter falado com alguns dos excursionistas, estes puseram‑se em marcha em direcção ao Terreiro do Paço, mas sem a filarmónica de Mafra e sem os habitantes daquela localidade que não mais foram vistos. Pela Rua Augusta notava‑se grande número de indivíduos que procuravam ver os excursionistas mafrenses. No Rossio esteva também procurando serenar o conflito um dos oficiais da polícia cívica, Sr. Capitão Coutinho.

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Nos ministérios da Justiça e do Interior Chegados ao Terreiro do Paço, os excursionistas aglomeraram‑se em frente do ministério da Justiça, vindo a uma das janelas do edifício o Sr. Dr. Afonso Costa que foi saudado com uma prolongada salva de palmas. Depois subiram ao gabinete do Sr. Ministro da Justiça os Srs. José Rebelo Pinho Ferreira Valdês, Francisco Pedroso e Eduardo de Almeida que felicitaram o SR. Dr. Afonso Costa, acentuando bem que os pseudo‑republicanos de Mafra haviam desaparecido e que a saudação que estava sendo feita no terreiro do Paço era pelos republicanos amigos e convictos de várias freguesias do concelho de Mafra. Após breves palavras do ilustre ministro, agradecendo a manifestação, os excursionistas seguiram para o ministério do Interior, onde foi entre‑ gue ao Sr. Dr. António José de Almeida uma representação na qual se pede que Mafra continuasse a ser sede de concelho e cabeça de comarca. Os excursionistas, sempre com a banda do Livramento à frente, seguiram para a Câmara Municipal. Visita aos Paços do Concelho Passavam das 4 horas da tarde, quando um grupo daqueles excursionistas, acompanhados de uma filarmónica, chegou ao Largo do Pelouri‑ nho, ao som da Marselhesa. Depois de se conservarem parados em frente do edifício dos Paços do Concelho, durante alguns minutos, com a música executando o hino nacional, subiram pela escadaria do edifício, sendo recebidos na sala nobre dos Paços do Concelho pelos Srs. Vereadores Nunes Loureiro, Carlos Alves, Dias Ferreira e Miranda do Vale. Uma comissão constituída pelos Srs. Pinho Ferreira, António Duarte Resina e Francisco Jorge dirigiu‑se aos Srs. Vereadores, declarando o primeiro destes senhores que os indivíduos ali presentes eram republicanos sinceros do concelho de Mafra e que os que, como ele, não eram anti‑ gos republicanos, haviam aderido à república com prazer. Em seguida, saudou a vereação da Câmara Municipal de Lisboa e o povo da capital, soltando um viva à República que foi muito correspondido. A vereação da municipalidade de Lisboa agradeceu a visita, soltando um viva ao povo republicano das províncias. Os excursionistas retiraram‑se ao som da Portuguesa e soltando vivas à República. No Governo Civil, Directório e jornais Da Câmara Municipal, os excursionistas seguiram para o Governo Civil, tocando a banda a Portuguesa e a Maria da Fonte. O Sr. Dr. Eusébio Leão apareceu a uma janela do edifício, agradecendo a manifestação que lhe era feita, como chefe do distrito. Depois foram ainda cumprimentar o Directório do Partido Republicano e alguns jornais, prolongando‑se os cumprimentos, em que não tomaram parte os mafrenses, até próximo da noite.

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