\"Magia do Sensível\" de David Abram

June 4, 2017 | Autor: M. Antropologia | Categoria: Anthropology of Religion
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Relatório de Apresentação – "Magia do Sensível" de David Abram
Capítulo "Na Paisagem da Linguagem"
Tomás Coelho n.º 60939

A primeira questão que o autor nos coloca, logo no início da obra e que acho ser pertinente, é a seguinte: "Como é que as culturas ditas modernas se tornaram tão alheias à natureza não-humana, tendo esta alienação a consequência grave da destruição dessa mesma ecologia?".
A verdade é que o sentido de reciprocidade entre essas mesmas sociedades, culturas e a própria natureza não se perdeu, mas foi radicalmente alterada. O alfabeto, ou seja, a linguagem escrita, tomou em certa parte esse papel de relação entre o simbólico e aquilo que esse mesmo símbolo representa/nos diz; o alfabeto, tal como o autor nos diz, uma transformada forma de animismo.
O argumento principal desde capítulo é que grande parte das culturas orais, ou seja, por não terem formas de linguagem escrita e por isso mesmo terem sido e continuarem a ser categorizadas como sociedades humanas ditas primitivas, têm um sentido/sentimento de reciprocidade muito forte com o meio ecológico onde se inserem; ou seja, não perderam a relação íntima que existe entre a condição humana e a natureza não-humana, tão facilmente desvalorizada com a introdução da linguagem escrita.
No subcapítulo de nome "A Terra com História", o autor mostra como a interacção de certas sociedades de tradição oral com a própria Terra/terreno. No caso dos Apache do Oeste, as histórias que se contam entre as pessoas estão fortemente associadas ao próprio terreno. As histórias não podem ser separadas dos lugares, porque como os Apache ocidentais dizem, "foi lá que aconteceu". O contar destas histórias pode ter muitas funções, sejam elas para falar de certos comportamentos que se devem tomar ou não. Na maioria das vezes, estas histórias são contadas, no entanto, para fazer isso mesmo: para ensinar aquilo que se deve fazer, e o que não se deve fazer. Para ilustrar tal argumento, o autor fala-nos de uma senhora Apache que ao ver que a sua neta estava a adoptar demasiados costumes ocidentais, conta-lhe uma história; "disparei-lhe uma flecha", como a senhora diz.
Ou seja, as histórias, sejam elas contadas por que sociedade oral for, encontram-se sempre em algum lugar. Para estas culturas, esse locus não é abstracto, mas sim algo de muito concreto. Pelo facto desses sítios/lugares existirem mesmo, as pessoas que ouvem as histórias tornam-se de certa forma personagens principais no teatro da percepção oral; "Somos personagens dentro de uma imensa história que está a desdobrar-se visivelmente à nossa volta".
Decidi, na apresentação, focar-me no subcapítulo de nome "Terra dos Sonhos" (Dreamtime) porque achei bastante interessante a forma como os indígenas aborígenes australianas se relacionam com a própria natureza ao contar e recontar a sua tradição oral.
Tal como fiz na apresentação, acho importante fazer uma breve introdução ao que o Tempo dos Sonhos representa para os aborígenes australianos. O Dreamtime é uma espécie de tempo fora do tempo; é como uma dimensão que existe antes, durante e depois da nossa, num tempo diferente. Foi no Tempo dos Sonhos que os antepassados naturais do Homem e de todos os outros seres orgânicos vivos sonharam o mundo em que os humanos hoje habitam. Toda a Austrália está cheia de traços e trilhos de contos desse Tempo dos Sonhos, que contam a história do antepassado que por esse caminho, caminhou. Na cosmologia aborígene, a fecundação das mulheres aborígenes, por exemplo, não se dá no acto sexual, mas antes quando o primeiro pontapé é dado pelo bebé na barriga da mãe. Dependentemente do sítio geográfico onde isso aconteça, o bebé vai estar inevitavelmente interligado como essa parte do conto. Cada aborígene herda, assim, um pedaço da história do tempo dos Sonhos, garantido a reprodução e a continuidade dessa tradição/cultura oral.
Quando se viaja nesses trilhos e trecos de terra, não são os aborígenes que contam a história, mas sim, tal como o autor nos diz, a "própria terra que fala através deles". É importante ainda dizer que as histórias que certos trilhos contam não são apenas histórias de carácter moral, mas também poderosas ferramentas mnemónicas: recordam aos que as ouvem rotas viáveis através do terreno inóspito da Austrália.
Concluindo, as culturas orais permanecem ligadas à natureza não-humana. Na ausência de uma forma escrita da própria linguagem, esta relação entre o simbólico e a própria linguagem não se pode isolar do próprio meio ecológico em que se insere: "É a terra animada quem fala; a fala humana é apenas uma pequena parte desse discurso mais vasto".
Como o Terence McKenna dizia, o mundo é feito de linguagens, e dessas mesmas sociedades e culturas de tradição oral, podemos aprender muito sobre o mundo que nos rodeia, vendo como essas pessoas olham para aquilo que a própria natureza lhes, literalmente, diz.

Bibliografia

- ABRAM, David, 1997, "The Spell of the Sensuous: Perception and Language in a More-than-human World"





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