MAGIA, POESIA E REALIDADE: O ACASO OBJETIVO EM ANDRÉ BRETON

July 23, 2017 | Autor: Claudio Willer | Categoria: Surrealism
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MAGIA, POESIA E REALIDADE: O ACASO OBJETIVO EM ANDRÉ BRETON[1]


Claudio Willer


O episódio é relatado por Roberto Piva no vídeo Uma outra cidade, de
Ugo Giorgetti[2]: a 28 de setembro de 1966, por volta das 16 h, Piva e
Roberto Bicelli caminhavam pela Avenida Rio Branco no trecho final, próximo
ao viaduto sobre os trilhos, em São Paulo. Viram passar a toda velocidade
um caminhão carregado de móveis e utensílios, encimados por um armário cuja
porta, impelida pelo sacolejar do veículo, abria e fechava, batendo com
força. Do móvel saía, esvoaçando, conduzido pelo vento, um longo lençol
branco. Apontando para o conjunto insólito, Bicelli exclamou: É o fantasma
de André Breton! Nem Bicelli, ao identificar desse modo a sacolejante
mudança ao surrealismo, nem Piva, lembraram-se, na hora, desta frase meio
solta no primeiro Manifesto do Surrealismo, em um parágrafo intitulado
"Contra a morte": "Não vos esqueçais de formular adequadamente vossas
disposições testamentárias: eu, por exemplo, peço que me transportem ao
cemitério num caminhão de mudança".[3] No dia seguinte, leram nos jornais a
notícia do falecimento de Breton naquela data e hora, às 16 h. de 28 de
setembro de 1966. O acaso objetivo assim prestava uma oblíqua homenagem ao
seu formulador.
Tratar do acaso objetivo requer uma reflexão sobre a relação
surrealista, em geral, e bretoniana, em especial, com o maravilhoso, o
esoterismo e os fenômenos da ordem do oculto, a flânerie ou deambulação
urbana; e sobre as conexões entre a poesia, o poético e a "realidade", o
mundo exterior ao sujeito.
Conforme examinado em outro ensaio desta publicação,[4] surrealistas,
herdeiros da fascinação romântica, simbolista e decadentista pelo oculto,
não estiveram afastados do estudo sistemático das disciplinas herméticas.
Há, contudo, uma vocação esotérica e ocultista mais acentuada em Breton,
que o distingue de outras figuras de frente do surrealismo, como Aragon e
Éluard. Isso, pelo modo como a simbologia comparece de modo recorrente em
sua obra, e, principalmente, por haver realizado uma relação mágica entre
poesia e vida, através do acaso objetivo.
Ocultismo já estava em sua formação. Marguerite Bonnet e Henri Béhar,
em suas biografias de Breton,[5] mostram que, entre suas leituras de
adolescência, estava o Sâr Joséphin Péladan, mago de prestígio, escritor
prolífico, freqüentado por simbolistas e decadentistas. Em 1921, procurou
René Guénon (a quem cita em seu último manifesto, Do surrealismo e suas
obras vivas). Na década de 1950, para aprofundar o exame das analogias
entre poesia e alquimia, intensificou o diálogo com especialistas como
Eugène Canseliet e René Alleau, cujas conferências sobre alquimia ele e
outros integrantes do movimento freqüentaram. Alleau, por sua vez,
colaborou em publicações surrealistas.[6]
Daí resulta, em sua obra, uma profusão de símbolos: pentagramas, casas
e planetas do zodíaco, operações alquímicas. Chegou, em 1941, a criar sua
própria versão do baralho do Tarô.[7] Antes, conforme relata nas páginas
iniciais de O Amor Louco, fascinara-se por um baralho com a bandeira da
Hamburg-America Linie, com a magnífica divisa: "Mein Feld ist die Welt"
(meu campo é o mundo), por achar que, nele, a dama de paus é mais bela do
que a dama de copas. Conta como dispunha as cartas para fazer consulta,
interpondo um objeto que se assemelhava a uma raiz de mandrágora.[8]
Parecia atribuir valor de verdade à astrologia, a ponto de, no Segundo
Manifesto do Surrealismo, colocar o surrealismo sob influência de uma
conjunção de Saturno e Urano, entre 1896 e 1898, coincidindo com seu
nascimento, e os de Éluard e Aragon.[9] O mapa dessa conjunção também
ilustrou em 1930 a capa do primeiro número de Le surréalisme au service de
la révolution. Em O Amor Louco, diria que a conjunção de Vênus e Marte em
seu dia de nascimento talvez o fizesse sofrer discórdias no seio do amor.
Dataria um acontecimento revelador, que lhe parecia corresponder à noção de
beleza convulsiva, deste modo: a 10 de abril de 1934, em plena "ocultação"
de Vênus pela Lua (episódio esse que só acontecia uma vez por ano).
O Segundo Manifesto do Surrealismo apresenta uma duplicidade. De um
lado, afirma com ênfase a adesão ao pensamento marxista, a um materialismo
dialético. De outro, propõe a exploração de certas ciências, valorizando o
conhecimento hermético e exigindo que a alquimia do verbo de Rimbaud fosse
tomada ao pé da letra. Mas distanciando-se igualmente da credulidade
ingênua e do reducionismo cientificista, ... em um espírito que desafia, ao
mesmo tempo, o espírito da barraca de feira e aquele do consultório
médico.[10] É como se houvesse dois pólos, o materialista e o esotérico,
instâncias contraditórias a constituírem, nas palavras de Jean-Louis
Bédouin, uma das mais vertiginosas interrogações que conheceu o
surrealismo, e, antes dele, espíritos tão diferentes e tão grandes quanto
Achim von Arnim e Rimbaud.[11] A capa já mencionada de Le surréalisme au
service de la révolution é um emblema dessa interrogação vertiginosa:
astrologia na capa da revista que veiculava uma posição mais militante do
surrealismo.
Manifestações do acaso objetivo foram uma resposta a essa fascinação:
como se houvesse reciprocidade, o mágico e o oculto pareciam procurá-lo. O
episódio mais expressivo é aquele da "noite do girassol" narrada em O Amor
Louco, o encontro em 1934 de Breton e Jacqueline Lamba, com quem viria a
casar-se, antecipado por um poema, Tournessol (Girassol), escrito onze anos
antes. Acontecimentos como este levaram Breton, nessa narrativa, e antes,
em Les vases communicants,[12] a apresentar suas reflexões sobre o acaso
objetivo.
Mas, bem antes, sua simpatia por aquilo que rompesse com noções
estabelecidas sobre o real e a causalidade o havia levado às mais diversas
investigações; até mesmo, a procurar videntes. Conta, em Nadja,[13] que
freqüentava uma delas, Madame Sacco. Sua foto, paramentada como cigana,
está nesse livro. Em um texto de 1925, Carta às videntes, depois agregado
aos Manifestos do Surrealismo,[14] comenta uma previsão de Madame Sacco: Ao
que parece, devo ir à China por volta de 1931, e lá correr, durante vinte
anos, grandes perigos. Duas vezes em duas ocasiões diferentes[15] deixei
que me dissessem isso, o que é bastante perturbador.
O que menos importa, argumenta, é o erro das profecias tomadas ao pé
da letra. De certo modo, está na China: Indiretamente, soube também que,
antes disso, haveria de morrer. Mas eu não penso que "das duas, uma". Tenho
fé em tudo o que me disseram. Por nada nesse mundo resistiria à tentação
que provocaram em mim, digamos: de aguardar-me na China. Tanto mais que,
graças a vós, já estou lá. Instigado pela vidente, via uma China de sonho,
signo de uma rebelião, de algo a perturbar o Ocidente, fonte de um sopro de
liberdade capaz de despertar a velha Europa. O interesse dessa freqüentação
não residiria na exatidão e certeza com que profecias iriam ocorrer, mas em
seu valor simbólico e no conseqüente poder para despertar da inércia e do
conformismo, ao levarem alguém a atribuir sentido ao remoto, enxergando-se
em uma revolução chinesa. Na mesma medida, argumentou no Segundo Manifesto
do Surrealismo, pouco importava o alquimista Nicolas Flamel não haver
enriquecido com a descoberta da Pedra Filosofal, diante da fortuna
espiritual que edificara.
Os parágrafos da Carta às Videntes em que Breton comenta sua viagem
nunca feita à China reservam uma surpresa. Para esclarecer o que procura
junto às videntes, declara-se capaz de prever o futuro: O grande véu que
tomba sobre a minha infância não me furta aos olhos senão a metade dos anos
estranhos que precederão minha morte. E eu falarei um dia da minha morte.
Dentro de mim, adianto-me várias horas em relação a mim. Diz que sua meta
não é o aprendizado derivado da experiência já vivida, porém a experiência
do que ainda não foi vivido: ... faço muitíssimo caso da experiência, visto
que tento obter a experiência daquilo que não fiz! Subentende, tomando
Rimbaud ao pé da letra, que o verdadeiro vidente é o poeta. Completa com a
seguinte frase: Há pessoas que pretendem que a guerra lhes ensinou alguma
coisa: no entanto, estão menos avançados do que eu, que sei o que me
reserva o ano de 1939. Assim, em um confronto de profecias, uma espécie de
relação especular, diante das previsões sugestivas, porém incorretas, das
videntes que freqüentava, respondia com uma profecia vaga, mas
cronologicamente exata, antecipando a catástrofe que sobreviria em 1939.
Estudos sobre surrealismo passam por essa surpreendente inserção, sem
se deterem nela. Quem alertou sobre seu sentido, mais tarde, foi Benjamin
Péret, no prefácio de 1942 de sua coletânea de mitos, lendas e contos
populares americanos,[16] com uma nota de rodapé à seguinte frase, na
seqüência de comentários sobre a "noite do girassol" de O Amor Louco,
qualificada como revelação profética: A Carta às Videntes, do mesmo autor,
oferece outra iluminação da mesma natureza, na qual provavelmente nem ele
reparou ainda.
A observação faz parte dos comentários de Péret sobre suas próprias
visões e alucinações (esse relato é examinado no capítulo sobre escrita
automática, nesta edição). Dentre elas, o modo como via a cifra 22,
refletida nas janelas da prisão em Rennes, onde estava detido em maio de
1940, em situação de risco por seus antecedentes como militante de esquerda
e combatente na resistência anti-fascista na Espanha. Crescia nele a
convicção de que esta seria a data de sua libertação. De fato, soltaram-no
a 22 de julho de 1940.
Na busca do além-fronteiras durante a "fase heróica" do surrealismo,
período da formação que precede o primeiro manifesto, também foram feitas
experiências com o "sono hipnótico". São comentadas em um capítulo da
coletânea Les pas perdus,[17] intitulado Entrée des Médiuns, sobre o
desencadear-se, nas palavras de Breton, de uma conspiração de forças
absurdas. A idéia de imitar sessões espíritas, mas rejeitando a hipótese da
comunicação com os mortos, foi de René Crevel. É transcrito um diálogo
entre Breton e Robert Desnos, em transe, respondendo por escrito, a 27 de
setembro de 1922:
- Desnos, é Breton quem está aí. Diga-lhe o que você vê.
- O equador (desenha um círculo e um diâmetro horizontal).
- É uma viagem que Breton deve fazer?
- Sim.
- Será uma viagem de negócios?
- (Faz sinal de não com a mão. Escreve:) Nazimova.
- Sua mulher o acompanhará nessa viagem?
- ???
- Irá ele reencontrar Nazimova?
- Não (sublinhado).
- Ele estará com Nazimova?
- ?
- O que mais você sabe sobre Breton? Fale.
- O barco e a neve – há também a bela torre telégrafo – sobre a bela
torre há um jovem (ilegível).[18]
Henri Béhar sugere uma interpretação: O leitor que conhece o triste
destino de Nadja é tentado a assimilar esses dois nomes russos, ainda que
Nazimova seja aquele de uma atriz de cinema célebre na época (Alla
Nazimova, atriz russa admirada por Desnos e que atuava no cinema americano,
protagonista de Salomé).[19] Mas há outra interpretação possível, que não
consta na bibliografia examinada: Nazimova podia ser uma recepção
distorcida de nazismo. Isso dá ao episódio um alcance efetivamente
profético, pois não havia como antever, em l922, a ascensão do nazismo na
década seguinte e as conseqüências de mais uma guerra mundial. Entre
outras, a viagem transoceânica de Breton em maio de 1941, como refugiado,
primeiro à Martinica e depois aos Estados Unidos. Detalhes do diálogo
reforçam essa interpretação: seria impossível "encontrar" Nazimova, e obter
resposta sobre a mulher de Breton (não estaria mais com Simone Kahn, porém
separando-se de Jacqueline Lamba). Dos presentes à sessão, quem acabou como
vítima do nazismo foi o próprio Desnos. Militante da resistência francesa,
morreria em um campo de concentração ao final da guerra.
As experiências com o sono hipnótico foram interrompidas depois de
situações constrangedoras e chocantes, como a insistência de Crevel no
suicídio coletivo (viria a suicidar-se em l935). Desnos ainda as continuou
por conta própria. Não consta, nos estudos sobre o assunto, a seguinte
pergunta: Por quê, do material disponível sobre sono hipnótico e estados de
aparente mediunidade, resultado de várias reuniões, Breton escolheu esse
trecho para a publicação em Les pas perdus? Qual critério o levou à seleção
do diálogo sobre Nazimova, profecia impossível de avaliar ou considerar
mais que devaneio? Pode-se falar em dupla premonição. Primeiro de Desnos
adormecido, antevendo tragédias que aconteceriam daí a décadas. Depois de
Breton, selecionando o trecho para figurar em L'entrée des mediums.
Breton e seus companheiros não foram os únicos a iniciar experiências
através de simulacros de sessões mediúnicas, interrogando as profundezas do
inconsciente ou a amplidão de outros mundos. A idéia da criação poética
associada a uma voz externa, dizendo algo ao poeta, é bem antiga, e muito
presente desde o primeiro romantismo alemão, passando por Gérard de Nerval,
pela bouche d'ombre de Victor Hugo e por episódios intrigantes como a
"escrita automática" de Yeats, o procedimento através do qual sua mulher,
Georgina Hide-Lees, escreveu A Vision, e ainda o modo como Fernando Pessoa,
em 1914, criou O Guardador de Rebanhos de uma enfiada só, como se Alberto
Caeiro houvesse "baixado".
Mas, conforme observou Michel Carrouges,[20] o sono hipnótico dos
surrealistas assemelhava-se em demasia a um sem-número de comunicações com
espíritos, elementais, emanações divinas, etc. Nelas, há uma divisão, uma
separação entre a consciência e essa "outra voz", ao contrário da escrita
automática, que procura somar, integrar a consciência e aquilo que lhe é
exterior. Sob o ponto de vista ocultista e esotérico, conforme as críticas
ao espiritismo e mediunidade de Éliphas Lévi, Papus ou René Guénon, a
transmissão de mensagens em transe seria a versão mais perigosa e
equivocada de comunicação com outro nível ou plano da realidade.[21] E,
para o budismo e doutrinas afins, se o mundo fenomênico, do real imediato,
é ilusório, o véu de Maya do bramanismo, tais manifestações pertencem à
mesma ordem da projeção da subjetividade.
Ademais, tais práticas, mesmo laicizadas, conflitam, no que têm de
programado, com a atitude surrealista por excelência, a disponibilidade. Já
em Les pas perdus, de 1924, Breton sustentava essa atitude ao abrir a
coletânea com o manifesto La Confession Dédaigneuse, onde declarava: Toda
noite, deixava bem aberta a porta do meu quarto, na esperança de finalmente
acordar ao lado de uma companheira que eu não tivesse escolhido. Disposto a
recomeçar a vida a cada dia, proclamou-se flâneur: A rua, que eu acreditava
capaz de entregar a minha vida seus surpreendentes desvios, a rua, com suas
inquietações e seus olhares, era meu verdadeiro elemento: lá eu recebia,
como em nenhum outro lugar, o vento do eventual.
O acaso objetivo é indissociável da disponibilidade, e de sua
conseqüência, a relação mágica com a cidade. A deambulação urbana do
flâneur, transformada em valor, signo da disposição de recomeçar a vida a
cada dia, já é magia propiciatória. É correta a observação de Michel
Carrouges sobre a espera sem objeto definido: Esse sentimento
extraordinário de espera, que brilha com todos os seus fogos no surrealismo
e principalmente no pensamento de Breton, é a chave de ouro da liberdade.
Não é uma vã impressão subjetiva, é já um ato interior, é uma abertura de
nossas ligações com as correias de transmissão do determinismo.[22]
Ao adotarem a disponibilidade e a flânerie, surrealistas foram, também
nisso, herdeiros de Baudelaire, poeta das correspondências e também das
cidades, ou, mais propriamente, de Paris. Na série Quadros Parisienses, que
compõem as Flores do Mal, é a Cidade a fervilhar, cheia de sonhos. Nela,
Flui o mistério em cada esquina, em cada fronde,/ Cada estreito canal do
colosso possante.[23] Em O Spleen de Paris – Pequenos poemas em prosa,
multiplica-se a captação de aspectos da vida urbana. Em um ensaio famoso,
Walter Benjamin mostrou que assim se inaugurava uma nova relação entre o
poeta e a metrópole, simbolizada pelo flâneur, o caminhante desgarrado:
Pela primeira vez, com Baudelaire, Paris se torna objeto da poesia
lírica.[24] E, como crítico de arte, Baudelaire argumentou em favor da
beleza nova e particular presente na cidade: A vida parisiense é fecunda em
temas poéticos e maravilhosos. O maravilhoso nos envolve e sacia como a
atmosfera; mas não o vemos.[25]
A relação de Baudelaire com Paris vem sendo bastante comentada, desde
os ensaios fundamentais de Walter Benjamin. Um texto recente de Eric Hazan,
Le sombre Paris,[26] permite maior clareza na comparação da relação
baudelairiana e surrealista com a capital francesa. Reconhece o pioneirismo
com que As Flores do Mal são parisienses antes de tudo, como (seguindo
Benjamin) primeiro livro a haver utilizado palavras de proveniência não
apenas prosaica, mas urbana, na poesia lírica. Em outras palavras,
Baudelaire fez poesia com os pés no chão, arrancando-a das nuvens. Mas o
ensaísta observa que não há, nessa obra, um único lugar parisiense que seja
precisamente nomeado ou descrito. Tanto em As Flores do Mal quanto em O
Spleen de Paris, o maravilhoso não tem endereço. Já nos surrealistas em
geral, e em Breton, especialmente, é possível fazer roteiros com indicações
precisas de lugares da sua manifestação: Torre Saint-Jacques em Arcano 17 e
outras de suas obras, Place Dauphine em Nadja, galerias da Ópera e o parque
das Buttes Chaumont em O Camponês de Paris, etc.
Faz parte da múltipla herança baudelairiana no surrealismo – junto com
a estética e cosmovisão das correspondências, a flânerie, a errância urbana
e o dandismo – a noção do maravilhoso. Sua adoção é declarada no texto de
Breton Le merveilleux contre le mystère;[27] e, de modo mais enfático, no
prefácio de 1962 para Le miroir du merveilleux de Pierre Mabille: O
maravilhoso, ninguém conseguiu defini-lo melhor (que Mabille) por oposição
ao "fantástico" que tende, infelizmente, cada vez mais a suplantá-lo junto
a nossos contemporâneos. É que o fantástico, quase sempre, pertence à ordem
da ficção sem conseqüência, enquanto o maravilhoso brilha na ponta extrema
do movimento vital e envolve em si, inteiramente, toda a afetividade [28]
Contudo, flânerie, deambulação, errância através de Paris, fazem parte
de uma tradição que antecede Baudelaire. A tradutora de O Camponês de
Paris, Flávia Nascimento, em um ensaio que prossegue seu prefácio para a
narrativa poética de Aragon,[29] mostra como surrealistas dão
prosseguimento a essa tradição, e em que a modificam. Vê a flânerie como
ponto em comum entre "escritores de Paris". Referindo-se a Tableau de Paris
de Sébastien Mercier e As noites parisienses de Restif de la Bretonne,
mostra como em tais obras, mesmo associadas ao iluminismo e enciclopedismo,
o acaso, que receberia tamanha atenção do surrealismo, já está presente,
pois ...diferem essencialmente do projeto dos enciclopedistas, posto que
nas duas coletâneas o acaso é primordial: tanto numa como noutra, o
narrador não tenta reduzir a cidade a um sistema de classificação, ao
contrário: em ambas constata-se a importância da desordem e da
descontinuidade. Utilizando o acaso, Restif e Mercier põem lado a lado
coisas que não têm absolutamente nada a ver entre elas, a não ser o fato de
existirem, todas, em Paris. E, reconhecendo um determinante infra-
estrutural, as reformas urbanas, fala em cidade-corpo, com um poder de
sedução tão mais eficaz quanto ela possui espaços ocultados, exatamente
como um corpo feminino velado pelas vestimentas. Nela, há duas topografias
que se fundem: uma real, outra onírica.
Também nisso, Apollinaire foi precursor imediato, por sua intensa
relação com Paris,[30] resultando nos topônimos em sua poesia: Ponte
Mirabeau, Saint-Merry e outros. Em Zone,[31] uma caminhada dessas - Agora
andas sozinho na multidão de Paris... - equivale a percorrer sua própria
vida e a história da humanidade em 24 horas. A metrópole é o lugar de
encontro da biografia pessoal e da história da humanidade, do macro e
microcosmo, em um cruzamento de coordenadas temporais e espaciais.
Contudo, surrealistas foram além nessa relação. Paris é inteiramente
onírica em La liberté ou l'amour! de Robert Desnos.[32] Em O Camponês de
Paris, de Aragon, a passagem da Ópera e o parque das Buttes Chaumont são
pórticos para suas iluminações profanas através do "erro" e da errância em
lugares eleitos. Conforme sua tradutora, ... o deslocamento do narrador
pela cidade também apresenta uma estrutura binária que opõe dois espaços
diametralmente opostos: primeiramente [...] a passagem da Ópera, lugar
fechado, quase poderíamos dizer subterrâneo, que se localizava num bairro
central da cidade; e depois o grande jardim, devassado, alto, da periferia.
Este lugar aninha, segundo Aragon, "o inconsciente da cidade" e assume na
narrativa os ares de labirinto iniciático dos surrealistas. [...] Errar
pelo jardim em plena noite funciona como técnica alucinógena cujo objetivo
é fazer aflorar o que há de mais primitivo no homem; e percorrer esta
topografia equivale a percorrer os caminhos sinuosos do inconsciente.[33]
Essa relação com Paris se intensifica e exacerba em obras de Breton
como Nadja, Les vases communicants, O Amor Louco e Arcano 17. Em Nadja, a
estátua de Étinenne Dolet, Praça Maubert, o atrai e lhe provoca mal-estar,
e a Praça Dauphine o faz sentir langor e opressão. Em O Amor Louco e no
poema Vigilance,[34] a Torre Saint-Jacques, ponto de partida das
peregrinações a Santiago de Compostela,[35] é o centro irradiador do
maravilhoso, assim como seu entorno onde, no século XIV, habitara Nicolas
Flamel, culminando, no final de Arcano 17, na ...exaltação que, de longa
data, a torre Saint-Jacques me causava e que comprovam vários dos meus
textos ou conversas anteriores. É verdade que meu espírito sempre rondou em
volta dessa torre, para mim poderosamente carregada de sentido oculto.[36]
Outro lugar mágico de Paris, para Breton, foi a Ilha da Cité. Está em
Peixe Solúvel,[37] e acabou por revelar-se entrada para o inferno em um
episódio dramático de Nadja. No texto intitulado Pont-Neuf[38] (a ponte que
une a ilha às margens do Sena), Breton reconheceria que a lassidão e
imobilidade que o atacavam na Praça Dauphine, ali localizada, correspondiam
a um sentimento de abandono diante do significado do lugar onde, em 1313,
haviam sido queimados os dirigentes da Ordem dos Templários, acusados de
magia e satanismo. Seu formato triangular o levou a chamá-la de sexo de
Paris, incandescente até hoje, o ponto pivotal de uma cidade não apenas
antropomorfizada, mas erotizada: o segredo do seu prestígio [...] reside
inteiramente na atração erótica que esse belo corpo oferece, lascivo até na
expressão de sua lassidão.
Vale, para essas designações de lugares, o comentário de Ferdinand
Alquié sobre Peixe Solúvel, em Philosophie du Surréalisme:[39] O paraíso
reencontrado deve ser aquele da vida cotidiana, da vida cotidiana
transfigurada. É, em Peixe Solúvel, aquele de Paris, e de uma Paris
transformada, incessantemente, na mais maravilhosa, na mais luminosa das
câmaras do amor. [...] Para os surrealistas, a verdadeira vida está lá. "Eu
sempre me proibi de pensar no futuro", diz Breton: Paris substitui portanto
Veneza e as florestas da América, o presente revela ao homem a totalidade
dos seus poderes.
No verbete Promenade do Dictionnaire Général du Surréalisme et de ses
environs,[40] também é comentado um itinerário iniciático realizado ao
nível do cotidiano: através da diversidade do espetáculo urbano, o poeta,
sob os impulsos complementares do acaso e da sua imaginação, na verdade
procura melhor definir sua própria identidade, interrogando os diversos
"enigmas" encontrados – objetos, situações ou seres – como outros tantos
sinais que lhe faz seu próprio desejo. É nas prosas de Breton que essa
concepção da caminhada encontra sua expressão mais acabada: a realização
última da busca, o encontro da mulher amada, é aqui igualmente uma grande
porta aberta para esses segredos do mundo – suas leis e suas
"correspondências" escondidas – que o caminhante solitário poderia apenas
pressentir e para as quais o amor oferece ao mesmo tempo o acesso e uma
imagem ampliada.[41]
Nadja, a obra surrealista de maior repercussão ao ser publicada,[42] é
inteiramente regida pelo acaso objetivo, embora a expressão só viesse a ser
utilizada por Breton mais tarde. Tem especial importância pelo modo como
funde gêneros e pela alta voltagem poética. É a transposição para a escrita
da identificação surrealista entre arte e vida, invertendo a relação entre
os dois planos. Logo na abertura, a pergunta feita por Descartes: Quem sou
eu? Acompanha-a outra: Com quem ando? Breton responde ser um fantasma,
tomando um rumo oposto ao do cartesianismo, e faz nova pergunta: A quem
assombro? O tema do fantasma em Breton remete ao duplo, o Doppelgänger do
romantismo alemão, e da alteridade, do eu como outro em Nerval e Rimbaud.
Mas pode-se localizar outra resposta em Nadja para as perguntas iniciais:
consiste em nova indagação, ao final do livro: Quem vem aí?[43] A
identidade, a descoberta de si, realiza-se através do encontro com o outro.
Nadja não é dividida em capítulos, mas se compõe de três partes. A
primeira lembra episódios significativos, dos quais sua protagonista
poderia ter sido participante, que talvez só precisassem dela como
catalisador para se completarem. Entre outros, o modo como Éluard dirigiu a
palavra a Breton no saguão de um teatro, em um intervalo da estréia de
Couleur du Temps de Apollinaire, antes de serem apresentados, iniciando a
amizade e parceria literária. É relatada, também, a busca de lojas que
vendiam carvão de lenha, bois-charbon, par de palavras que encerram,
símbolo da destruição ou consumação, isoladas e emolduradas como um
letreiro, o livro de escrita automática de Breton e Philippe Soupault, Les
champs magnétiques: seus autores, perambulando pela cidade, atingiram o
nível de alucinação que lhes permitia dizer antecipadamente em qual trecho
de rua apareceria a loja ostentando o letreiro, bois-charbon.
Há mais sub-enredos, relatos dentro da narrativa, como o encontro com
uma simpática leitora e anotadora de Rimbaud em um alfarrábio, outro sobre
a estranha atriz de uma peça insólita de teatro, considerações sobre
Huysmans e de Chirico. Mereceria mais estudos a recorrência e reiteração em
Breton. Em Les vases communicants e O Amor Louco, lugares e personagens
podem ser outros, mas essas situações e encontros irão repetir-se, às vezes
em versões mais complexas. Isso resulta de uma relação sui generis entre
vida e obra em Breton, com sua propensão, mais evidente em O Amor Louco,
mas também presente em outros textos, de referir-se a acontecimentos, ou
sugeri-los, antes de ocorrerem, ou sincronicamente a eles, assim
introduzindo o que está sendo ou irá ser vivido no escrito e projetando o
escrito na vida.
A parte central de Nadja tem forma de relatório, anotações diárias do
que aconteceu entre 4 e 12 de outubro de 1926. Três anos depois de haver
escrito as frases de abertura de Les pas perdus sobre disponibilidade,
continuava a caminhar pelas ruas ao sabor do mesmo vento do eventual.
Enquanto percorria a Rua Lafayette, no centro de Paris, em um fim da tarde,
teve seu interesse despertado pela mulher que caminhava na direção oposta à
da multidão na calçada, de cabeça erguida, ostentando, diz, um sorriso
quase imperceptível. Imediatamente, dirigiu-lhe a palavra. Sua aversão ao
relato realista deixou-nos sem saber muito sobre a aparência dessa mulher,
além dos detalhes que mais chamaram sua atenção: cabelos claros (cor de
aveia, observa) e despenteados, rosto maquiado pela metade, vestida de um
modo pobre e descuidado, acentuando o aspecto frágil. Do rosto, conhecemos
a fotografia publicada, na qual estão apenas os olhos. Foi o que mais o
atraiu - seus olhos exageradamente sombreados, que exibiam, ao mesmo tempo,
uma obscura miséria e um luminoso orgulho, levando-o a declarar: Eu nunca
havia visto olhos assim.
Breton nunca identificou essa mulher, mesmo referindo-se a seu modo de
vida (ou de problemática sobrevivência) em Paris. Sabemos, através de
Marguerite Bonnet,[44] que seu nome verdadeiro era Leona D, nascida em
Lille em 1902, internada em 1927 ao entrar em surto. Morreria de câncer em
1941, depois de passar o resto da sua vida em instituições psiquiátricas;
e, ainda segundo Bonnet, nunca chegou a ver o livro que protagonizou.
Nesse primeiro encontro, ambos sentados em um café, Breton ouviu-a
comentar a vida que levava e as dificuldades que enfrentava. À pergunta
sobre seu nome, respondeu que escolhera chamar-se Nadja por ser esse, em
russo, o começo da palavra esperança, e por ser apenas seu começo.[45]
Descreveu-se: sou uma alma errante. Ao se despedirem, disse a Breton que o
via caminhar em direção a uma estrela: Você não pode deixar de alcançar
essa estrela, insistiu. Enquanto o ouvia falar, senti que nada o impedirá -
nada, ninguém, nem mesmo eu... Você nunca poderá ver essa estrela como eu a
vejo. Você não compreende: ela é como o coração de uma flor sem coração.
O estranho da aparência e o enigmático da conversa bastaram para que
quisesse voltar a vê-la. Marcaram para o dia seguinte. Breton trouxe
consigo os já publicados Manifesto do surrealismo e Les pas perdus.
Apresentava-se através de seus livros; inscrevia aqueles encontros,
situações e diálogos, em sua continuação.
No terceiro encontro – nascido de um desencontro, pois, tendo marcado
para as cinco horas, encontraram-se por acaso às quatro – Breton observou
que Nadja havia cortado as dobras das páginas de um trecho de Les pas
perdus, a breve crônica intitulada L'Esprit Nouveau (referindo-se ao ensaio
de Apollinaire L'Esprit nouveau et les poètes, sobre a modernidade, mas
contradizendo-o implicitamente), relatando como uma moça atraíra a atenção
dele, de Aragon e do pintor André Derain, na região de Saint-Germain-des-
Près. Os três, separadamente, haviam passado por ela em diferentes lugares
do bairro, enquanto vinham, cada um, ao encontro do outro. Adolescente, de
uma desconcertante beleza, detinha-se para perguntar qualquer coisa aos
passantes com quem cruzava. Percorrendo novamente o bairro, não conseguiram
achá-la para descobrir quem era e que perguntas fazia. Admirou-se por Nadja
escolher primeiro, de todas as partes do livro, a que mais poderia ser
entendida como antevendo-a.
Margueritte Bonnet comenta essa passagem: Passante real e fugitiva,
trazida e recolhida pelo remexer-se vivo da rua, a desconhecida da rua
Bonaparte dá uma primeira figura ao enigma extraviado, extraviante, que
aflora no cotidiano. Em sua pessoa, anuncia Nadja, a quem a intuição guiará
em Les pas perdus rumo a esse texto, assim como o caráter da relação
anuncia o diário dos encontros com Nadja pela preocupação de circunstanciar
cuidadosamente os fatos e a neutralidade proposital do tom. A inadequação
aparente do título transforma o relato em manifesto implícito onde o não-
dito se torna ostensivo: não é a exaltação das mudanças introduzidas na
vida corrente pelas descobertas da ciência que pode constituir o espírito
novo; há que procurá-lo do lado das disposições sensíveis que tornarão o
homem capaz de espreitar e de captar os sinais singulares da existência,
tão subitamente interrompidos quanto emitidos.[46]
Nadja captava esses sinais singulares da existência e adivinhava que
seus encontros e diálogos comporiam um livro futuro. Comentou, no sexto de
seus encontros: André? André?... Você escreverá um romance sobre mim. Eu o
garanto. Não negue. Preste atenção: tudo se esvai, tudo desaparece. É
preciso que permaneça algo de nós... Ao dizer isso, talvez soubesse que
nesse livro estaria o episódio da Praça Dauphine, impressionante pelo modo
como nele se confundiram magia e loucura. Breton e Nadja chegaram à praça
triangular de plátanos e antigas fachadas na Ilha da Cité, lugar de
fundação da cidade, da Catedral de Notre-Dame e outras edificações
históricas, conduzidos por Peixe Solúvel, que ela acabara de ler, onde é
mencionado um hotel, o City Hotel, onde Breton havia morado. Pretendiam ir
adiante, até a Ilha de Saint-Louis, adjacente, também mencionada naquele
extenso poema em prosa, e ficaram no caminho, pararam na Praça Dauphine.
Ao chegarem à praça e se instalarem em um café, iniciou-se a noite
marcada por qualquer coisa de mal-assombrado, Nadja a ver fantasmas, mortos
circulando pela vizinhança, com o rumor do vento - o vento e o azul, o
vento azul, dizia - transformado em vozes anunciando a morte, enquanto um
bêbado os cobria de impropérios. Apontando para a janela de uma das casas
da praça, negra na escuridão, afirmou que em um minuto esta se iluminaria e
sua cor seria vermelha: em um minuto, a luz do quarto da janela acendeu-se,
exibindo cortinas vermelhas. Em seguida, a rememoração de cenas de outros
séculos: alucinada, Nadja agarra-se à grade do Palácio da Justiça e insiste
em que já havia estado lá, e que dali saía um túnel secreto que se
comunicava com outro palácio. Segundo Béhar,[47] escavações arqueológicas
de 1963 revelaram que esse túnel existe; contudo, também constava em uma
das narrativas do Fantômas de Leroux.
Prosseguindo a caminhada, Nadja enxergou uma mão em chamas pairando no
Sena, signo terrível, pois remete à mortífera main de gloire do conto A mão
encantada de Gérard de Nerval (que persegue quem dela se apoderou e acaba
por estrangulá-lo). A noite culminou com a chegada deles ao Jardim das
Tuileries, onde pararam diante de um chafariz. Ela observou que suas águas,
elevando-se, separando-se em dois jorros, desfazendo-se ao cair, retornando
com a mesma força, e assim indefinidamente, simbolizavam os pensamentos de
ambos. Breton espantou-se com esse comentário, pois Nadja citava, sem
saber, um trecho do que lia naqueles dias, uma vinheta da edição de 1750 do
terceiro dos Três Diálogos entre Hilas e Filônio de Berkeley, com a
seguinte legenda: Urget aquas vis sursum eadem flectit que deorsum,
ilustrada por um chafariz idêntico ao das Tuileries (conforme as
reproduções no livro). A tradução seria, aproximadamente: A força impele as
águas para o alto e ao mesmo tempo move a superfície. Um resumo, diz
Breton, do que Nadja comentava sobre o significado do chafariz à frente
deles.
Se Breton, durante a criação de Nadja, estivesse possuído pelo mesmo
furor da interpretação que o acometeria ao escrever Les vases communicants,
teria avançado nos paralelos entre o episódio da Praça Dauphine e Peixe
Solúvel. O trecho de Peixe Solúvel que os levou à praça é este: Querermos
ouvir mais longe que nós mesmos, mais longe que esta roda da qual um dos
raios, à minha frente, mal toca os sulcos da estrada, que loucura! Eu
passara a noite na companhia de uma mulher frágil e precavida, agachada na
relva alta de uma praça pública, nas imediações da Ponte Nova. Durante uma
hora inteira, ríramos dos juramentos imprevistamente permutados pelos
tardios transeuntes que vinham, uns após os outros, sentar-se nos bancos
mais próximos.[48]
Pretendiam, portanto, realizar essa passagem. Mas em Peixe Solúvel, o
narrador encontra logo em seguida a mulher dos seios de arminho; juntos,
vão de táxi encontrar o Encontro em pessoa. Querem sair de Paris (como o
fariam Breton e Nadja no penúltimo de seus encontros). Há uma cena teatral,
na qual um dos personagens é Satanás, que tem o seguinte diálogo com Helena
(com quem Nadja se identificava) e Lúcia:
Satanás. – Podeis ver, acima desses senhores e dessas senhoras, a Ilha
de São Luís? Lá é que encontrava o quartinho do poeta.
Helena. – É verdade?
Satanás. – Ele recebia diariamente a visita das cascatas, a cascata
púrpura, que estava sempre pronta para dormir, e a cascata branca, que
chegava pelo telhado, como uma sonâmbula.
Lúcia. – A cascata branca era eu.
Henri Béhar observa que Nadja, conhecendo a praça Dauphine, podia
saber que lá havia um quarto com uma cortina vermelha, no qual se acendia
uma luz a uma dada hora. Mas, como se vê, em Peixe Solúvel consta esse
quarto, do poeta, com uma cascata púrpura. A cena estava prefigurada no
texto; e mais, em uma encenação infernal, regida pelo diabo, que ainda
declararia: A cascata púrpura carregava revólveres cujas coronhas eram
feitas de passarinhos.
A série de alucinações, rememorações e profecias transforma a noite da
Place Dauphine em episódio capital. Suas janelas acesas, túneis, visões da
mão, chafariz, ventos, compõem um discurso delirante, semelhante ao suceder-
se das imagens no sonho. É como se, em um momento paroxístico da relação
surrealista com a cidade, esta, viva e animada, provocada e desperta pelo
casal que a percorria, passasse a responder-lhes através de sinais.
Exausto ao final daquela madrugada, Breton decidiu só voltar a ver
Nadja dentro de dois dias, para, no dia seguinte, dar com ela por acaso no
meio da tarde. Deve ter-se sentido prisioneiro de uma trama, sem
escapatória da condição de seu protagonista.
Três dias depois, no sexto dos seus encontros, acomodaram-se em outro
restaurante, cujo garçom, inexplicavelmente desastrado, quebrava pratos a
cada vez que se aproximava deles. Depois de onze pratos quebrados,
novamente saíram noite afora, em busca da mão de fogo, encontrada sob forma
de ilustração de um cartaz de rua, propaganda das lâmpadas Mazda. A mão é
um símbolo recorrente em Breton, freqüente em sua obra: mão da quiromancia,
mapa da vida e dos signos planetários, imagem do pentagrama. Quanto ao
cartaz, o primeiro Manifesto do Surrealismo já sustentava que o mundo
acabaria, não com um belo livro (como sugerira Mallarmé), mas com um belo
anúncio do inferno ou do céu. Nadja devolvia-lhe seus símbolos. Mostrava-
lhe imagens de seus poemas e ensaios, assim como, na mesma época,
Georgiana, a mulher de Yeats, espelhava, em sua escrita mediúnica, idéias
do poeta irlandês sobre a relação entre tipos humanos e a ordem cósmica.
Por alguns dias, Breton e Nadja avançaram pelas etapas de uma
perseguição sem destino. As idas e vindas à noite culminaram na viagem a
Saint-Germain-en-L'Haie, partindo de uma estação de trem onde todos os
olhavam e observavam, para chegar a outra estação onde pessoas jogavam
beijos para Nadja.
As visões, trechos de conversas, objetos encontrados, textos,
desenhos, os esboços a traço e colagens feitos por ela, engrossando a
torrente de símbolos citados ou graficamente reproduzidos no livro – mãos
negras e vermelhas, serpentes, máscaras, estrelas, cometas, flores,
sereias, esfinges, duendes, o diabo, torres e subterrâneos de castelos,
lâmpadas, amuletos, as chamas de uma fogueira, as cores do ar – levaram
Breton a vê-los, nos breves intervalos que nos deixava nosso maravilhoso
estupor, como cúmplices a contemplar os escombros fumegantes do velho
pensar e da sempiterna vida. E a perguntar-se, utilizando a expressão de
Mallarmé para intitular um poema em prosa: ... em qual latitude poderíamos
ficar sossegados, entregues desse modo ao furor dos símbolos, possuídos
pelo demônio da analogia?
Seus encontros se encerraram com uma dolorosa cena de separação. Houve
ocasiões em que voltariam a ver-se e que Breton não relata, à exceção de
uma, mencionada em nota de rodapé, sobre a fidelidade de Nadja a um
princípio de subversão absoluta: ele dirigindo um automóvel, ela beijando-o
e tapando seus olhos enquanto pisava em seu pé, premendo-o sobre o
acelerador.
Alguns meses depois, a notícia de que Nadja, em pleno delírio, havia
sido internada. Indignado, Breton escreveu as passagens do livro contra
psiquiatras e manicômios, afirmando que, se fosse internado, mataria
alguém, de preferência um de seus médicos, para que o deixassem em paz,
confinado no isolamento.
A companhia de Nadja pareceu a Breton uma prova da realidade do
surrealismo. Não só pela comprovação do inconsciente como fonte de imagens,
mas por estas interferirem no presente ou preverem o futuro. Ambos
trafegaram por um território crepuscular onde realidade e sonho, um mundo
sólido, estável, e outro volátil, da imaginação desencadeada, se
confundiam.
Haver rompido com Nadja, deixando-a entregue aos psiquiatras, valeu
reprovações e críticas a Breton. Não passou incólume pelo episódio: em Les
vases communicants, ela reaparece como fantasmagoria em seus sonhos e na
vida real. Há, sem dúvida, uma questão de responsabilidade, de até que
ponto alguém pode apropriar-se de uma pessoa real e torná-la personagem,
estimular seu delírio, para depois deixá-la. Sua aventura, argumentou
Breton, os levou à beira de um abismo que só poderia ser transposto pelo
amor. Mas não a amava, sentia-se apenas atraído por sua beleza frágil e
fascinado por sua condição de "espírito livre". O final de Nadja expressa
uma dúvida – talvez eu não estivesse à altura do que ela me propunha –
seguida por mais uma interrogação: mas, afinal, o que ela me propunha?
Em seus trechos finais, Breton percebeu que escrevia sobre um mundo
que se transformava durante o intervalo que separa essas últimas linhas
daquelas que, folheando o livro, pareceriam encerrá-lo duas páginas atrás,
pois a vida e a cidade não param de mudar. Pouco depois dos acontecimentos
que acabara de relatar, seus cenários já se haviam modificado. O teatro
onde assistira a uma peça insólita estava fechado, em reformas. A estátua
de Étienne Dolet na Praça Maubert, que lhe provocava mal-estar, cercada de
tapumes, em restauração. A cidade é um organismo mutante, vivo: Não serei
eu quem meditará sobre aquilo que acontece com a "forma de uma cidade",
mesmo da verdadeira cidade afastada e abstraída daquela em que habito pela
força de um elemento que seria, para meu pensamento, o que o ar representa
para minha vida. Sem lamentá-lo, agora a vejo tornar-se outra e até mesmo
fugir. Ela desliza, arde, soçobra no frêmito de relvas loucas de suas
barricadas, no sonho das cortinas de seus quartos, onde um homem e uma
mulher continuarão indiferentes a se amar.
Nesse trecho de poesia em prosa há um intertexto com Baudelaire e sua
visão do efêmero associado à modernidade. Conforme observa Flávia
Nascimento,[49] citando o trecho correspondente de O Cisne, de As Flores do
Mal[50] (e subentendendo o que Walter Benjamin escreveu sobre ruínas da
modernidade em Parque Central), Baudelaire já constatara, antes deles, que
a forma de uma cidade muda mais rapidamente que o coração de um mortal, o
que faz com que tudo transmude incessantemente em amontoados de ruínas, em
alegorias.
Nas páginas finais de Nadja, os acontecimentos relatados passam a ter
o sentido da predição. Breton dirige-se a uma nova companheira: Sem o fazer
de propósito, você se substituiu às formas que me eram mais familiares,
assim como a muitas figuras do meu pressentimento. O amor é invocado e
metaforizado por uma beleza especial, feita de sobressaltos. É a força que
anima o coração humano, belo como um sismógrafo (em uma referência aos
"belo como" de Lautréamont). Breton encerra proclamando que a beleza será
CONVULSIVA, ou então não será.
Assim, Nadja, história de um encontro antecipado em textos que falavam
de outros encontros, por sua vez anuncia novos encontros, respostas ao Quem
vem aí? Aponta para um livro futuro sobre o acaso objetivo e a beleza
convulsiva, que viria a ser O Amor Louco. Entre essas obras, como texto de
transição, está Les vases communicants. Breton esclarece o significado
desse título, citando uma passagem de Le Surréalisme et la Peinture:[51]
Tudo o que amo, tudo o que penso e sinto, me inclina a uma filosofia
particular da imanência segundo a qual a surrealidade estaria contida na
própria realidade (não lhe sendo nem superior, nem exterior). E
reciprocamente, pois o continente também seria o conteúdo. Tratar-se-ia
quase de um vaso comunicante entre o continente e o conteúdo.
Ensaio e autobiografia, Les vases communicants também funde os
gêneros. Seguindo Freud em A Interpretação dos Sonhos, Breton analisa dois
de seus próprios sonhos. Mas tenta dar um passo além ao mostrar, através do
que chama de psicanálise da realidade, como esses sonhos não apenas
reaproveitam o que houve, aquilo que Freud denominou de restos do
cotidiano, mas se projetam no mundo da vigília. Trata-se, portanto, não
apenas de interpretação do sonho, mas do real no sentido mais amplo,
compreendendo vigília e sonho, e defendendo a atribuição do mesmo estatuto
para ambos.
Mas essa obra de um novo gênero, como a designa Marguerite Bonnet,[52]
livro predileto do próprio Breton, conforme declararia em Entrétiens, é
pesada. Falta-lhe a elevada prosa poética de Nadja e O Amor Louco, exceto
nos parágrafos finais, dedicados a Paris. É o livro sobre a perda, de uma
intensa racionalização, elaboração do luto, como diriam os psicanalistas.
Conforme observa Béhar, atravessava um período de extrema depressão. Daí as
menções de poetas-suicidas, Nerval, Maiakovsky e Essenine. Embora isso não
o impedisse de escrever, no mesmo ano, o poema Union Libre, emblema da
lírica surrealista, e a série que comporia Le revolver aux cheveux blancs,
enfrentava, de novo, dificuldades financeiras, e um drama amoroso. Deixara
Simone Kahn, sua companheira desde o início dos anos 20, atraído por
Suzanne Muzard, a grande paixão anunciada ao final de Nadja. Mas sua
relação com Suzanne foi um fracasso, que terminou com ela voltando ao
companheiro anterior, o escritor Emannuel Berl. Não é gratuito que uma das
partes do livro tenha como epígrafe a frase de Aurélia de Nerval, obra sob
o signo da perda, da impossibilidade de recuperar Jenny Colon: Amei durante
muito tempo uma dama a quem chamarei de Aurélia e que perdi para
sempre.[53] Também poderia ter adotado outra frase desse livro: O sonho é
uma segunda vida.
As dificuldades pessoais coincidiram com um período dramático da
história do surrealismo, documentado no Segundo Manifesto: aquele da
adesão, não só ao marxismo, mas ao PC, à causa da revolução soviética;
conseqüentemente, da ruptura com figuras axiais como Artaud e Desnos.
Portanto, estava em curso uma crise. E mais: um impasse, pela tentativa de
conciliar um pensamento que se pretendia "científico", justificando um
regime centralizador, e o misticismo, o triunfo do pensamento mágico,
representado pelo predomínio da analogia e pelo acaso objetivo (embora
atribuísse o termo acaso objetivo a Engels, e Les vases communicants fosse
sua resposta à questão da atividade anti-religiosa no surrealismo).[54]
Por isso, em abril de 1931, ano de perspectivas extremamente sombrias,
tornara-se um alucinado em sua deambulação. Como resume Béhar: A certeza de
que Suzanne estava perdida para ele o arrasta a uma busca de substituição,
sem objetivo real. Com seus amigos, aposta que dirigirá a palavra a dez
mulheres, à exclusão das prostitutas, entre o Faubourg Poissonière e a
Ópera. De oito, cinco aceitam marcar encontro. Outro dia, assim como
Philippe Soupault dez anos antes, caminha com uma bela rosa vermelha na
mão, que oferece às transeuntes. Nada esperando em troca, teve toda a
dificuldade em achar uma que quisesse aceitá-la.
Nesse livro da busca para não chegar a lugar algum, de encontros que
não se realizam, é como se convertesse o texto em ritual propiciatório.
Diz, de uma das mulheres a quem abordou: Seus olhos (eu nunca soube dizer a
cor dos olhos; aqueles permaneceram para mim apenas olhos claros), como me
fazer entender, eram daqueles que não se revê jamais. Eram jovens, diretos,
ávidos, sem langor, sem criancice, sem prudência, sem "alma" no sentido
poético (religioso) da palavra. Olhos sobre os quais a noite deveria cair
de um só golpe. Multiplica assim o encontro com Nadja. Até um homem, a quem
dera dez francos, também se torna profeta. À semelhança de Nadja, diz:
Senhor, não sei quem é, mas peço-lhe que faça o que deve fazer e o que pode
fazer: algo de grande. Frase idêntica à de um livro, Le vieux baron
anglais, que Breton estava lendo, assim como Nadja repetira a frase de
Berkeley diante do chafariz, quase em uma paródia da narrativa anterior.
Também reencontra parceiros de aventuras passadas: relata diálogos com
André Derain, que o acompanhara na busca da moça misteriosa de L'esprit
nouveau.
Contudo, esse ritual tem um sentido e apresenta conseqüências. Nos
sonhos que narra, nas suas interpretações e nos relatos de como se
projetavam na vigília, Breton é antecipatório sem percebê-lo. Anuncia O
Amor Louco. Um dos episódios, real, reapareceria no primeiro dos sonhos
relatados: em um bar de saguão de hotel, uma moça na mesa ao lado escrevia
versos em um papel, assim como em seu primeiro encontro com Jacqueline
Lamba, daí a quatro anos. Outro foi com girassóis, a flor que desempenharia
um papel central em O amor louco.
Para sua crise, microcosmo de uma crise da sociedade, do mundo da
desigualdade e exploração, só havia uma saída: a equiparação de vigília e
sonho. Inverter as relações entre esses dois mundos foi uma de suas
obsessões; daí seu filme predileto ter sido Peter Ibbetson,[55] história de
amantes que só podem encontrar-se em sonhos, o que mantém vivo, por longos
anos, o protagonista encarcerado. E, na primeira página de Les vases
communicants, conta a história do homem que quis proceder a essa reversão,
fazendo da vigília um prolongamento do sonho: O Marquês de Hervey-Saint-
Denys, tradutor de poesias chinesas da época dos Tang, e autor de uma obra
anônima publicada em 1867 sob o título Os Sonhos e os Meios de dirigi-los -
Observações práticas, obra que se tornou rara a ponto de nem Freud e nem
Havelock Ellis, que a mencionam ambos, terem conseguido tomar conhecimento
dela, parece ter sido o primeiro homem a achar que não era impossível – sem
para isso recorrer à magia, cujos meios, em seu tempo, só conseguiam se
traduzir por algumas receitas impraticáveis - vencer em seu proveito as
resistências da mais amável das mulheres, e obter rapidamente que esta lhe
concedesse seus mais recentes favores. [...] Foi assim que a sucção de uma
simples raiz de íris, que, durante a vigília, teve o cuidado de associar a
um certo número de representações agradáveis cuja origem está na fábula de
Pigmalião, valeu-lhe durante o sono, uma vez deslizada essa raiz entre seus
lábios por uma mão cúmplice, uma aventura tentadora.
Nesta passagem, Breton se aproxima de um autor metafisicamente (e
politicamente) tão oposto a ele quanto Jorge Luis Borges. Mas com uma
diferença fundamental: em Borges, inversões e projeções do sonho, como em
As ruínas circulares, são o tema de narrativas de ficção. Breton, para expô-
las, foi buscar um personagem histórico. De modo conseqüente, vê o sonho
como crítica do "real": assim fazendo, por meio do sonho, o processo do
conhecimento materialista, [...] sendo, penso, admitido que o mundo do
sonho e o mundo da realidade não fazem senão um, ou, dito de outro modo,
que o segundo não faz outra coisa, para constituir-se, que verter-se na
"torrente do dado". Indaga se a distinção entre "realidade" e sonho é
fundamentada em todos os pontos, e de onde vem ao homem, a esse respeito, a
faculdade de discriminação que permite seu comportamento social normal.
Por isso, critica Freud pelo dualismo, a seu ver variante do
platonismo, ao separar dois mundos que, sob o ponto de vista materialista,
deveriam ser um só: ... mais desolador ainda é que o monista Freud tenha se
permitido chegar finalmente a essa declaração no mínimo ambígua, a saber
que a "realidade psíquica" é uma forma de existência particular que não se
deve confundir[56] com a "realidade material". E questiona o criador da
psicanálise por considerar o sonho exclusivamente a satisfação de um
desejo. Isso equivaleria à falta quase completa de concepção dialética,
pois o "real" da vigília está submetido à censura, enquanto o sonho, não;
por isso, é o território da liberdade, do possível, da utopia: ...uma parte
do sonho, considerada eminentemente não-sonhável, tem por objeto fazer de
uma coisa que não foi – mas que foi sentida violentamente como podendo ter
sido, em seguida como podendo e devendo ser - uma coisa que foi, que é
portanto em todos os pontos possível e que deve passar, sem choque, à vida
real como toda-possibilidade.[57] Daí que ...Freud ainda se engana, muito
certamente, ao concluir pela não-existência do sonho profético.
Argumenta com fatos. Acontecimentos do dia-a-dia obedecem aos
mecanismos do sonho. Por exemplo, na série de mulheres que vai encontrando,
para depois perdê-las. Trata-se de deslocamentos: Um personagem, assim que
é dado, é abandonado por um outro, - e, quem sabe, esse mesmo, por um
outro? Para quê, então, esse trabalho de expor? Mas o autor, que parecia
haver-se disposto a nos apresentar algo de sua vida, fala em um sonho! –
Como em um sonho.[58]
Há mais em Les vases communicants: uma interpretação do Omega do poema
As Vogais de Rimbaud, remetendo por cabala fonética a uma atraente Olga que
acabara de conhecer, além de outros encontros casuais com mulheres, das
quais invariavelmente descreve os olhos.[59] O autor da carta com
observações inteligentes sobre o Segundo Manifesto é Sanson, Sansão
(Georges Sanson, pacifista a quem conhecera durante a guerra e que
reaparecia, enviando-lhe a carta), e isso o remete à moça com quem havia
marcado encontro aquele dia, cujo olhar lhe havia lembrado a Dalila de
Gustave Moureau, um de seus pintores prediletos. Ainda por associação,
lembra o episódio burlesco ocorrido no mesmo dia, no cabeleireiro. Admite:
Que isso possa, para alguns, frisar o delírio de interpretação, não vejo
inconveniente nisso, tendo insistido, como o fiz, sobre as razões do meu
pouco equilíbrio de então. Seria possível até mesmo ir adiante nessa
argumentação desenfreada, paranóico-crítica: por exemplo, associando as
menções a Sansão (e Dalila, por extensão) e ao cabeleireiro à longa
cabeleira, extravagante para a época, parecendo uma juba, do próprio
Breton.
Mais que delírio interpretativo, preparação do método paranóico-
crítico de Dali, há, nesse e em outros ensaios de Breton, um primado do
pensamento analógico, da associação de coisas e símbolos distintos por
contigüidade ou afinidade. Escrevia ensaios do mesmo modo como criava
poesia. O mecanismo do sonho pode não ter tomado conta da realidade, mas
dirigiu seu modo de pensar: Deve ser impossível, considerando o que
precede, não se chocar com a analogia entre o estado que acabo de descrever
como tendo sido o meu naquela época e o estado de sonho, tal como concebido
geralmente.
A carta que havia recebido de Georges Sanson podia ser um comentário à
discussão da noite anterior, sobre o misticismo no Segundo Manifesto do
Surrealismo e uma religiosidade disfarçada no âmbito do surrealismo:
...repito que entre nós essa discussão havia acontecido na véspera, à
noite. Vê-se como os fatos dessa ordem podiam encadear-se em meu espírito.
E é isso que é taxado de misticismo em mim. A relação causal, vêm me dizer,
não poderia se estabelecer nesse sentido. Não há nenhuma relação sensível
entre aquela carta que lhe chega da Suíça e tal preocupação que poderia ser
a sua nas vizinhanças do momento em que essa carta foi escrita. Mas isso
não é, pergunto, absolutizar de uma maneira lamentável a noção de
causalidade? Não é deixar passar a palavra de Engels: "A causalidade não
deve ser compreendida senão em ligação com a categoria do acaso objetivo,
forma de manifestação da necessidade"?
É desse modo que aparece na obra bretoniana a expressão acaso
objetivo, associada a um Sansão, seu duplo, mas atribuída a Engels. No
entanto, como bem demonstrou Marguerite Bonnet, ela não se encontra em
lugar algum na obra de Engels:
Espanta que o problema da fonte dessa "categoria" assim atribuída a
Engels – e por conseqüência do exato alcance dos termos – não tenha sido
levantado na abundante literatura que Breton e o surrealismo já suscitaram.
No pensamento de Engels aparece com freqüência uma representação do acaso
como fenômeno de superfície, ocultando a necessidade escondida. [...] Mas a
palavra "objetivo", cujo sentido suscita uma interrogação, não aparece.
[...] As obras de doutrina de Plekhanov, de Bukharine, de Fréville, e
tampouco a imprensa revolucionária que examinamos, nada nos revelaram sobre
essa questão. [...] Quanto ao termo objetivo, sublinhemos em primeiro lugar
sua tonalidade marxista. O objetivo é independente da vontade e da
consciência do homem, ele pertence às leis da natureza exterior, mas
ninguém duvida que em Breton ele está carregado das ressonâncias que toma
ao final do Curso de Estética de Hegel, tal como lhe revelou a tradução
Bénard – nessa passagem para ele tão decisiva, onde é definido o humor
objetivo, culminação final da arte romântica, que marca, ele mesmo, o fim
da arte. [...] Se o marxismo, através da caução de Engels, assim dá ao
acaso uma base infinitamente mais sólida do que o poderia fazer para Breton
uma teoria como aquela de Cournot (duas cadeias causais que se encontram
acidentalmente), é a leitura pessoal e poética que ele fez das páginas de
Hegel sobre o humor objetivo que projeta sobre a idéia do acaso todo o
frêmito da vitalidade concreta e do sentimento agudo do moderno.[60]
De fato, em uma palestra de 1935, Situação surrealista do objeto,[61]
Breton voltaria a falar do acaso objetivo, mas, desta vez, sem remetê-lo a
Engels, porém apenas ao humor objetivo de Hegel, exemplificado através de
poemas de Rimbaud, Apollinaire e Jarry: A atenção que, em todas as
oportunidades, me esforcei , de minha parte, por chamar para certos fatos
perturbadores, para certas coincidências desnorteantes, em obras como
Nadja, Os Vasos Comunicantes, e em diversas comunicações ulteriores, teve
como efeito o levantar, com uma acuidade inteiramente nova, o problema do
acaso objetivo, ou, por outras palavras, dessa espécie de acaso através do
qual se manifesta ao homem, de modo ainda muito misterioso, uma necessidade
que lhe escapa, muito embora ele a sinta vitalmente como necessidade. Esta
região do acaso objetivo, ainda quase inexplorada, é, creio eu, a que mais
merece, no momento presente, que nela demos prosseguimento a nossas
investigações. É totalmente limítrofe da região que Dali escolheu para nela
exercer a atividade crítico-paranóica. Ela é, por outro lado, o lugar de
manifestações tão exaltantes para o espírito, nela se infiltra uma luz tão
próxima de passar pela luz da revelação, que o humor objetivo se despedaça,
até segunda ordem, contra suas muralhas abruptas.
Mas o que faz que realidade e consciência se subordinem ao sonho? Em
Les vases communicants, Breton dá a resposta. É o desejo: Muito mais
significativo é observar como a exigência do desejo em busca do objeto de
sua realização dispõe estranhamente dos dados exteriores, tendendo
egoisticamente a só reter deles aquilo que pode servir a sua causa. A vã
agitação da rua tornou-se pouco mais incômoda que o movimento das cortinas.
O desejo está lá, cortando o tecido que não muda com rapidez suficiente,
depois deixando correr seu fio seguro e frágil entre os pedaços. Ele não
cederá a nenhum regulador objetivo da conduta humana.
Se, de um lado, faz crítica marxista à psicanálise freudiana ao
questionar seu dualismo, de outro procede à freudização do marxismo, ao
colocar não só o comportamento humano mas o mundo todo sob a regência de
Eros. Sobrepondo-se ao estudioso de Hegel e Marx, bem como de Freud, está o
hiper-romântico.
É possível entender marxismo e surrealismo, revolução e revolta, como
sendo complementares. O surrealismo equivaleria à subversão e à revolução
no plano simbólico, na superestrutura, complementando ou antecipando a
transformação na base da sociedade. Mas isso nada tinha a ver com a
instalação do estado soviético. Era infrutífera a tentativa bretoniana de
dialogar com o PC, como na parte final de Les vases communicants, ao
defender o conhecimento intuitivo e uma atitude sintética na qual se
encontram conciliadas a necessidade de transformar radicalmente o mundo e
aquela de interpretá-lo do modo mais completo possível. Tanto é que
expoentes do marxismo francês, como Henri Lefebvre e Georges Politzer,
questionaram frontalmente esse livro.[62]
Por representarem a censura, a restrição à criação e à expressão,
tinham lógica as objeções de ideólogos e burocratas do PC ao surrealismo,
por eles diagnosticado como expressão e sintoma da decadência burguesa.
Imagine-se o que devem ter pensado militantes mais ortodoxos diante desta
passagem: Há toda espécie de meios de conhecimento, e certamente a
astrologia poderia ser um deles, dos menos negligenciáveis, à condição de
que sejam controladas as premissas e que seja tido por postulado aquilo que
é postulado. Isso, enquanto a ciência soviética adotava uma psicologia
estritamente pavloviana, banindo Freud e a psicanálise, além de oficializar
a biologia de Lisenko, fraude científica tida por coerente com a doutrina,
e expurgar formalistas.
Temas, enredos, obsessões, revelações através dos signos da cidade
como em Nadja e Les vases communicants, tudo isso reaparece em O Amor
Louco, porém agora na chave positiva, da realização do desejo. Os
acontecimentos nele descritos novamente invertem a relação habitual entre
narrativa e realidade, levando Breton a sentir o mundo transformar-se em
floresta de indícios, sinais do que viria. O livro começa onde Nadja
termina, comentando a beleza convulsiva do cristal, dos corais, da
vegetação do fundo do mar, dos "belos como" de Lautréamont, e de um
trocadilho, um desses indícios, ouvido em um restaurante que, a partir das
bijuterias de uma garçonete, torna-se microcosmo de um acontecimento
planetário:
A 10 de abril de 1934, em plena "ocultação" de Vênus pela Lua
(fenômeno esse que só acontecia uma vez por ano), almoçava eu num pequeno
restaurante, situado, bastante desagradavelmente, à entrada de um
cemitério. [...] A criada é muito bonita: ou melhor, poética. Nessa manhã
de 10 de abril trazia ela, sobre uma gola branca salpicada de bolas
vermelhas, muito a condizer com o vestido preto, um finíssimo cordão donde
estavam suspensas três límpidas gotas de água como que feitas de pedra
lunar, gotas redondas sobre as quais se destacava, na parte de baixo, um
crescente da mesma matéria, engastado do mesmo modo. Pude apreciar, uma vez
mais, a coincidência entre a jóia e o eclipse. Como tentasse situar a
rapariga, tão bem inspirada para aquela ocasião, ouvi, de repente, a voz do
lavador de louça: "Ici l'Ondine!", e a resposta estranha, infantil, quase
ciciada, perfeita: "Ah,! Oui, on le fait ici, l'On dîne!". Que cena poderá
haver de mais comovente? [...] A beleza convulsiva terá que ser erótico-
velada, explodente-fixa, mágico-circunstancial, ou não será beleza.[63]
Em O Amor Louco há um descompasso e trocas de lugar, até mesmo
inversões, entre o tempo da narrativa e as datas dos acontecimentos
narrados. Foi sendo escrito ao longo de três anos, de 1933 a 1936, à medida
que os acontecimentos nele relatados se desenrolavam.[64] Suas partes foram
publicadas separadamente, depois reunidas em livro, e o trecho citado é
anterior ao encontro com Jacqueline Lamba e à "noite do girassol". Mas o
jogo de palavras, "aqui, a Ondina" e "aqui se janta" (ici, l'on dîne), o
antecipa, pois Jacqueline se exibia em um número de mergulho em um aquário,
assim encenando uma ondina, ninfa das águas.
Nesses dias antecipatórios, nos quais, independentemente do que possa
acontecer, a espera é magnífica, Breton descobria objetos que pareciam
apontar além de si mesmos, despertando a atração do jamais visto, o oposto
do mesmo, do lugar comum. Assim consagrou o objet trouvé, o objeto achado,
como modo de criação artística. Ao percorrer o Mercado de Pulgas, a feira
parisiense de antiguidades e velharias, em companhia do escultor Alberto
Giacometti, este comprou uma estranha máscara gradeada. Breton, por sua
vez, ficou com uma colher de madeira com um cabo longo e um suporte, um
apoio semelhante a um salto, dando ao todo uma forma de sapato alongado.
A máscara acabou servindo a Giacometti como peça de que precisava para
completar uma das suas esculturas. E a colher, enquanto Breton, já em casa,
a examinava, transformava-se. Como em uma alucinação, ganhava em brilho, a
madeira assemelhando-se aos poucos ao vidro, até converter-se no sapato de
cristal perdido de Cinderela. Essa imagem vinha-lhe aparecendo em sonhos, e
à sua mente ocorria a aliteração le cendrier de Cendrillon, o cinzeiro da
Cinderela, levando-o a pedir a Giacometti que o modelasse. Antes que o
escultor o atendesse, a imagem do sonho foi encontrada na realidade. Assim,
dois objetos encontrados, a máscara e a colher-sapato, preencheram desejos
de seus possuidores, sem que estes o percebessem de imediato.
Breton observa que a transformação da colher-cinzeiro em sapato é
sincrônica com relação à metamorfose da abóbora em carruagem na história da
Cinderela. É um duplo objeto: o instrumento de cozinha que ela usava, e o
sapato de cristal, ligação ou veículo para a transformação em princesa,
revelando sua identidade. Adotando o pensamento analógico, o sapato existia
na colher, assim como a Gata Borralheira era, antes de vir a sê-lo, a
mulher eleita, símbolo da realização do amor único. Essa permuta prefigura
um dos jogos que os surrealistas viriam a praticar, o "um no outro",[65]
aplicação do princípio da analogia, pelo qual cada coisa partilha
propriedades de outras. Obedecem, portanto, ao mesmo princípio que os
deslocamentos e condensações do sonho. Mas, em O Amor Louco, tomam conta da
realidade, ou da surrealidade: O objeto "achado" desempenha aqui,
rigorosamente, a mesma função do sonho, no sentido em que liberta o
indivíduo de escrúpulos afetivos paralisantes, em que o reconforta e lhe
faz compreender que o obstáculo que ele tinha razões para crer insuperável
foi, finalmente, franqueado.
Já a máscara comprada por Giacometti revelou-se um instrumento de
guerra. Outro poeta, Joë Bousquet, contou-lhes que havia sido usada na
Primeira Guerra Mundial, mostrando-se ineficiente como proteção, causando a
morte de soldados. Vê-se que a colher-sapato e a máscara gradeada são
complementares, ligados à vida e à morte, a cada uma das dimensões
primordiais ou instintos básicos, Eros e Tanatos.
E, culminância do acaso objetivo, Breton, enquanto examinava a máscara
na feira, sem saber era observado por ninguém menos que Suzanne Musard, a
mulher que o abandonara, também impressionada com esse objeto, e seu
companheiro Emmanuel Berl. Daí que: A minha perturbação, e talvez, antes de
mim, perante essa máscara – sobre cuja utilização viriam a ser-me dados,
daí a pouco, tão penosos esclarecimentos –, a estranha figura (em forma de
X, meio claro, meio obscuro) formada por esse encontro, por mim, mas não
por ela, ignorado, encontro esse centrado precisamente sobre tal objeto,
levaram-me a pensar que ele, naquele instante, catalisava o "instinto de
morte" (instinto que, após a perda de um ser amado durante muito tempo me
dominou), por oposição ao instinto sexual que, uns passos mais à frente,
iria encontrar satisfação com a descoberta da colher. Assim se confirma, o
mais concretamente possível, a proposição de Freud: "Esses dois instintos,
tanto o sexual como o da morte, comportam-se como instintos de conservação,
no sentido mais estrito da palavra, pois tanto um quanto o outro tendem a
reinstaurar um estado que o aparecimento da vida veio perturbar." Tratava-
se, porém, de ser de novo capaz de amar, e não só já de continuar a viver!
Portanto, há, nesse episódio, em cuja interpretação se confundem
psicanálise e magia, um complexo jogo de encontros e desencontros, achados
e perdas. Breton encontrou na realidade o que Cinderela perdera na fábula.
Por sua vez, era observado, encontrado ao acaso, por Suzanne, a mulher que
havia perdido. Uma trama dessas fortalece a interpretação psicanalítica
sugerida por Jean-Luc Steimetz[66] para a associação da colher-sapato à
Cinderela e ao modo como essa lenda povoava as fantasias de Breton: a perda
de Suzanne Muzard fora o avesso da história da Gata Borralheira. Mas esses
encontros cruzados não foram apenas escritos, sonhados ou imaginados:
aconteceram. Trata-se de psicanálise, não só do texto, do simbólico, mas da
realidade, extrapolando a esfera do psíquico, de modo conforme ao que
Breton propôs em Les vases communicants.
O Amor Louco vai além do relato de encontros e descobertas de objetos
e símbolos. Seu tema é o acesso à revelação: É como se, de repente, fosse
desvendada a profunda noite da existência humana, como se, tendo a
necessidade humana aceito formar um só todo com a necessidade lógica, todas
as coisas adquirissem uma total transparência, tudo se ligasse entre si
como uma cadeia de vidro à qual não faltasse um só anel. Trata de nada
menos que a descoberta da lei de produção do misterioso intercâmbio entre a
matéria e o espírito. É, portanto, um livro sobre magia, embora Breton não
use a palavra ao tratar do modo como o sujeito, movido pelo desejo, altera,
inverte ou subverte a causalidade e a temporalidade.
No encontro, seja com a colher-sapato ou com a amada, resolve-se a
tensão entre a espera e a descoberta, o desejo e a realização. Um curto-
circuito quando é abolida a sensação do tempo, com a embriaguez da sorte.
Cresce, diz ele, a consciência de que existe esse homem vivo que, alguma
vez, tentou, ou tenta ainda re-equilibrar-se sobre o traiçoeiro trapézio do
tempo. Assim manifesta-se o acaso objetivo, através de acontecimentos sob o
signo da espontaneidade, da indeterminação, do imprevisível ou até mesmo do
inverossímil. Esta é a forma da necessidade exterior se manifestar, ao
abrir caminho através do inconsciente humano.
Abandonando o tom de relatório, quase diário, das passagens centrais
de Nadja, em favor de longos trechos de poesia em prosa, Breton quis
expressar sentimentos e emoções, minhas disposições mentais e afetivas. Ao
encontrar uma desconhecida, escandalosamente bela, diz, confunde-a com o
universo e a faz partilhar suas qualidades. Seus cabelos são chuva clara
sobre castanheiros em flor, da cor de um sol extraordinariamente pálido.
Aparece rodeada de um vapor - vestida de labaredas? - Tudo perdia a cor,
tudo gelava em presença daquela tez de sonho, perfeita concordância de tons
de ferrugem e de verde. O nome da mulher a quem Breton conheceu não é dito
em O Amor Louco. Sabemos, através dos biógrafos, tratar-se de Jacqueline
Lamba. Sua foto de corpo inteiro, publicada no livro, é pouco nítida,
embaçada, pois, ondina antecipada, ela foi fotografada debaixo da água, em
seu mergulho visto através do vidro de um aquário.
Breton pergunta o que ela estaria escrevendo: Aquela mulher que
acabava de entrar escrevia, pois, - já na véspera a vira escrever, e até me
agradou pensar que era para mim que escrevia, e até vim depois a dar comigo
à espera de uma carta sua. Logo saberia que o texto escrito por Jacqueline
à mesa do bar, na primeira ocasião em que a viu, era de fato uma carta para
ele (por recomendação de um primo, era sua leitora). Mais uma ocasião,
portanto, em que um texto precedeu acontecimentos. Marcaram de ver-se mais
tarde, à meia-noite, no Café des Oiseaux em Montmartre. Saindo dali,
caminharam conduzidos pelo vento: esse belo vento que nos impele e que
decerto não irá amainar. O vento do eventual, invocado em Les pas perdus,
os acompanhou enquanto desciam a Rua Montmartre, atravessando um bom pedaço
de Paris. Mas Breton não descreve o percurso completo. Seu relato recomeça
em Les Halles, onde passam pela porta dos bares de fim de noite e observam
o movimento de caminhões descarregando verduras no velho mercado.
Prosseguem pelo quarteirão dos alquimistas e da Torre Saint-Jacques, passam
pelo Hôtel de Ville, atravessam o Sena na altura da Catedral de Notre-Dame.
Antes de se perderem por ruelas do Quartier Latin, detiveram-se no Cais das
Flores, onde floristas descarregavam vasos de plantas e armavam suas
barracas. A cena inspirou-lhe novas passagens de exaltada poesia em prosa:
Límpida fonte, onde vem se refletir e dessedentar a vontade de arrastar
comigo um outro ser, desejo meu de percorrer a dois - e já que antes não me
fora possível fazê-lo - o caminho perdido ao sair da infância, o caminho
que entre prados se insinuava, rodeando de bálsamos aquela mulher ainda
desconhecida, a mulher que um dia haveria de me aparecer. Será você,
finalmente, essa mulher? Só hoje, enfim, você deveria aparecer?
Desconhecemos o restante da caminhada, por onde passaram depois de
enveredar pelo Quartier Latin, em uma rota que os conduziu ao casamento,
dois meses depois. Antes, enquanto deixava, como era seu hábito, o espírito
vaguear pela manhã, Breton lembrou-se de um de seus poemas, escrito em
1923, na época em que procurava cartazes anunciando carvão de lenha e
cruzava com moças misteriosas fazendo perguntas aos passantes em Saint-
Germain-des-Prés. Escrito no modo automático, publicado em Clair de Terre,
dedicado a Pierre Reverdy, intitula-se Tournesol, girassol, imagem de sua
predileção, a flor que se move acompanhando o sol. Dúvidas de Breton sobre
o poema foram respondidas onze anos depois, ao perceber que falava do
encontro com Jacqueline.
Por sua importância como "poema profético", cabe reproduzir
Tournesol:[67]

A viajante que atravessou os Halles ao cair do Verão
Caminhava na ponta dos pés
O desespero rolava pelos céus seus grandes arãos tão belos
E na valise de mão escondia-se meu sonho esse frasco de sais
Que só a madrinha de Deus aspirou
Os torpores pairavam como vapor de água
No "Chien qui fume"
Onde o pró e o contra acabavam de entrar
Difícil lhes era ver a moça só de soslaio a viam
Estaria eu diante da embaixatriz do salitre
Ou da curva branca sobre fundo negro a que se chama pensamento
O baile dos inocentes estava no auge
Nos castanheiros incendiavam-se devagar os lampiões
A dama sem sombra ajoelhou-se no Pont-au-Change
Na Rua Gît-le-Coeur outros eram agora os timbres
As promessas da noite cumpriam-se finalmente
Os pombos-correio os gritos de socorro
Vinham juntar-se aos seios da bela desconhecida
Dardejados sob o crepe dos significados exatos
Uma chácara prosperava em pleno centro de Paris
Com suas janelas viradas para a Via Láctea
Mas ninguém lá morava ainda por causa dos que viriam a aparecer
Dos que mais dedicados são que as almas do outro mundo
Alguns como esta mulher mais parecem nadar
E no amor insinua-se algo de sua matéria
Ela os interioriza
Não sou joguete de nenhuma força sensorial
E no entanto o grilo que cantava sobre os cabelos de cinza

Certa noite junto à estátua de Etienne Marcel

Lançou-me um olhar cúmplice
André Breton disse ele está passando

Breton mostra como o poema antecipa sua caminhada com Jacqueline, pela
coincidência das referências urbanas no texto e lugares por onde haviam
passado naquela noite. Na frase inicial, a travessia de Les Halles pela
viajante que, dançarina, caminha na ponta dos pés. E que, adiante, parece
nadar: a dançarina-mergulhadora. No final, a estátua de Etienne Marcel na
praça ao lado do Hôtel de Ville; o Pont-au-Change, que leva ao Cais das
Flores e ao Quartier; a Rua Gît-le-Coeur, no caminho do Quartier, vindo
pelo Pont-au-Change. Além das correspondências de trechos do poema com
etapas da caminhada, há outras, como na menção aos pombos-correio. O primo
de Jacqueline que já conhecia Breton e lhe indicara seus livros era André
Delons:[68] na época, prestava serviço militar e estava ligado a um centro
columbófilo, uma criação de pombos-correio. Breton acabara de receber uma
carta dele, em um envelope timbrado com o carimbo desse centro columbófilo.
Essas são as correspondências mais flagrantes. Mas Breton vê mais:
referências a seus estados de espírito na época, o desespero, torpores, a
sensação de ser um joguete de forças desconhecidas. Observa que, caminhando
lado a lado, só podia ver Jacqueline de soslaio, da forma como está no
poema. Relaciona imagens à prática da alquimia à sombra da Torre Saint-
Jacques e à emblemática figura de Nicolas Flamel. Associa o grilo do poema
a outro, figurante em Os Cantos de Maldoror (no Canto VI, aunciando a
chegada de Maldoror). Destaca a confluência de paixões que recebem
respostas de todo o Universo, das chácaras brotando inesperadamente em
Paris até a Via Láctea. Afirma, de modo conclusivo, ...que nada existe
nesse poema de 1923 que não seja um prenúncio daquilo que, em 1934, de mais
fundamental me viria a acontecer.
Conforme observa Jean-Luc Steinmetz,[69] o roteiro seguido pelos dois
e indicado em Girassol é previsível, um caminho entre a região boêmia de
Montmartre e o Quartier Latin, percorrido por inumeráveis noctâmbulos.
Apresenta uma hipótese: não foi o poema do girassol que antecipou os
acontecimentos, mas, por seu conteúdo simbólico (analisado em detalhe nesse
ensaio, associado a experiências de infância), por aquilo que suas imagens
evocavam, dirigiu os passos e a atenção de Breton.
De fato, comparar poemas e acontecimentos, do modo como Breton o fez
em O Amor Louco, pode acabar mostrando que inumeráveis encontros amorosos
já foram anunciados por outras tantas produções do lirismo romântico.
Quantos apaixonados não tiveram experiências semelhantes à revelação?
Quantos não se sentiram retratados em um poema inesperadamente descoberto
ou redescoberto? Não conflita com o pensamento de Breton identificar o
acaso objetivo à experiência poética em si, atribuindo uma dimensão mágica
à própria poesia; menos ainda, vinculá-lo à realização amorosa. É a
interpretação de Octavio Paz:[70] Todos nós fomos heróis ou testemunhas de
acontecimentos inexplicáveis. [...] E em nossa vida diária, não é o amor,
de maneira soberana, a ardente encarnação do acaso objetivo? As perguntas
que faziam Breton e Éluard na revista Minotaure: "Qual foi o encontro
capital de sua vida? Até que ponto esse encontro lhe deu a impressão do
necessário ou fortuito?, podemos todos repeti-las. E tenho certeza de que a
maioria responderia que esse encontro capital, decisivo, destinado a nos
marcar para sempre com sua garra dourada, se chama: amor, pessoa amada.
Para o poeta e ensaísta mexicano, acompanhando o pensamento bretoniano, o
encontro amoroso é a síntese do acaso e necessidade: Nenhum de nós poderia
afirmar com inteira certeza se esse encontro foi fortuito ou necessário.
[...] O acaso objetivo é uma forma paradoxal da necessidade, a forma por
excelência do amor: conjunção da dupla soberania de liberdade e destino. O
amor nos revela a forma mais alta da liberdade: livre eleição da
necessidade.
Se os capítulos iniciais de O Amor Louco são a crônica da espera –
quando, independentemente do que possa ou não acontecer, a espera é
magnífica – e se o trecho seguinte, da caminhada por Les Halles e da
evocação do Girassol, é a celebração do encontro e o triunfo do acaso
objetivo, então a continuação da narrativa corresponde à realização do
desejo, o único rigor que o homem se deve impor, e à suspensão do tempo: A
morte, cujo relógio feito de flores campestres, relógio belo como a minha
pedra sepulcral erguida ao alto, voltará a andar, na ponta dos pés, para
cantar as horas que não passam.
Como etapa de uma viagem a lugares onde havia manifestações
surrealistas, Breton e Jacqueline chegam às Ilhas Canárias em abril de
1935. Lá, em plena natureza reconciliada, possuído pelo delírio da presença
absoluta, vê no Pico de Teide, ponto culminante da ilha de Orotava, seu
Jardim do Éden, a Idade do Ouro reconquistada (a programação surrealista à
qual compareciam exibia L'Age d'Or de Buñuel). Tem uma experiência mística
– o contato involuntário com um só ramo de sensitiva é o bastante para
agitar, tanto fora quanto dentro de nós, o prado inteiro – à qual responde
com o melhor de sua poesia em prosa. Transcreve a música sobreposta aos
nossos passos sobre praias de areia branca e de areia negra, passando por
matizes e gradações da água do mar, por uma vegetação de figueiras de
raízes que mergulham na pré-história, sempre-vivas com folhas refletindo a
Unidade, eufórbias e pitangas, cactos de muitas formas.
É interessante como Breton, nessa passagem, apresenta um relato
detalhado de toda essa vegetação, acidentes geográficos, a paisagem e
natureza do Pico de Teide. Estaria, aparentemente, abdicando de sua postura
anti-realista, contrária à descrição. Mas Steinmetz, no ensaio já citado,
observa, com agudez, que esse lugar, cenário da plenitude amorosa de Breton
e Jacqueline, é concretização do sonho, surrealidade realizada. Daí a
mudança de foco a que Breton procede, substituindo imagens, ou
complementando-as, por uma prosa barroca. Faria o mesmo em Arcano 17, ao
descrever a paisagem do rochedo de Percé, na Gaspésia.
As flores de Orotava não são mais aquelas da feira no cais do Sena,
breve irrupção da natureza na cidade. Agora ocupam tudo, até que os amantes
se confundam com elas: A um sinal, que, por maravilha, tarda a aparecer,
irei juntar-me a ti no seio da flor fascinante e fatal. No interior da
flor, no seio da oblíqua claridade, experimenta a plenitude, pois a
suficiência total que, naturalmente, reina entre dois seres que se amam,
deixa de enfrentar, neste momento, o mínimo obstáculo. Dentro da flor e
dentro da nuvem, do puro informe: quando Orotava desapareceu, foi-se
perdendo pouco a pouco sobre nossas cabeças, até acabar por ser tragada; ou
então fomos nós que, a esses mil e quinhentos metros de altitude, fomos de
repente sorvidos por alguma nuvem.
Nuvens são um lugar do encontro entre desejo e realidade: levantar os
olhos daqui de baixo, da terra, para uma nuvem, é a melhor forma de
interrogar nossos mais íntimos desejos. E mais: é perceber que toda a
questão da passagem da subjetividade à objetividade se encontra aqui
implicitamente solucionada, pois a surpresa não é mais que a fusão do
natural e do sobrenatural no seio de um mesmo objeto. Leonardo da Vinci,
lembra Breton, pedia a seus alunos que olhassem as manchas em uma parede e
copiassem as formas que viam desenhar-se nelas. Nuvens de Orotava ou
manchas na parede são as telas em que se projetam imagens do desejo: O
homem só poderá ser senhor dos seus atos no dia em que, como o pintor,
aceitar reproduzir, com a máxima fidelidade, aquilo que uma tela apropriada
tiver sabido mostrar antecipadamente a esses mesmos atos. Ora, essa tela
existe. Qualquer existência comporta um todo homogêneo de fatos
aparentemente escalavrados e nebulosos, que bastaria encararmos mais
fixamente para que eles nos desvendassem o futuro.
Breton ainda lembra Baudelaire, que, no poema A Viagem, final da
primeira versão de As Flores do Mal, também associa nuvens ao desejo e ao
acaso: As maiores regiões, a mais pujante aldeia,/ Não continham jamais os
encantos secretos/ Dessas que o acaso com as nuvens delineia./ E eis que o
desejo nos fazia mais inquietos![71]
Essa projeção do desejo é magia, invocação do acaso objetivo: Uma vez
vencidos todos os princípios lógicos, virão então a nosso encontro - se
tiver valido a pena interrogá-las - as forças do acaso objetivo, que nada
querem saber de verossimilhanças. Tudo o que o homem pretende saber se
encontra escrito nessa tela em letras fosforescentes, em letras de
desejo.[72] [...] Onde poderei eu estar melhor que no seio de uma nuvem,
para adorar o desejo, único impulsionador do mundo, o desejo, único rigor
que o homem deve se impor?
O final do capítulo é uma apoteose: em mais uma das aproximações
bretonianas de opostos, evoca Almani, personagem da Nouvelle Justine de
Sade, masturbando-se no topo do Etna para misturar seu esperma à lava
incandescente; e, na página seguinte, o Pico de Teide é o diamante, Deria-i-
Noor e Koh-i-Noor, equivalente à pedra filosofal.
O Amor Louco se encerra com uma carta de Breton para sua filha Aube, a
ser lida em 1952, quando ela tivesse dezesseis anos. Texto para o futuro,
exalta o amor único e declara a esperança de que viesse a ser loucamente
amada. Mas a história dos encontros de Breton com Jacqueline e das
intervenções do acaso objetivo termina, depois da homenagem ao desejo entre
as nuvens de Orotava, com um capítulo sombrio, onde a tônica dominante é a
morte.
A complementaridade de Eros e Tanatos está presente no início do
livro, com a história do par de objetos encontrados, a máscara militar e a
colher-sapato, e em seu final, com o episódio da "casa das raposas".
Mudando de estilo, ou de registro, passa da fusão de reflexão filosófica e
poesia em prosa a um relato descritivo. Conta como ele e Jacqueline, já em
1936, passavam alguns dias no litoral da Bretanha, em Lorient, terra de
origem de sua família e de seu sobrenome. Em uma tarde de mau tempo,
caminham por uma praia deserta e perdem-se na desolação. Sentem que não
conseguirão mais sair dessa extensão sombria. Tomados por uma crescente
depressão e uma sensação de pânico, são incapazes de falar-se: De nada
servia esperarmos um pelo outro: impossível trocarmos uma palavra que
fosse, passar um pelo outro sem desviar a cabeça e estugar o passo. O mal-
estar chega ao máximo ao passarem por uma casa desabitada. Vê-a cercada de
grades metálicas. Atravessam um riacho que dá em um costão de praia, um
monte de pedras e, logo adiante, uma antiga fortaleza abandonada. À medida
que se afastam da casa e do desvio com o riacho, a paisagem se abre e passa
a sensação opressiva que os possuíra. Ao refletir sobre o ocorrido, percebe
que o mal-estar e a ruptura eram delirantes. E fica sabendo que a casa por
onde haviam passado fora o local de um crime famoso. Seu dono, Michel
Henriot, a quem pertencia o trecho até o velho forte, havia assassinado sua
mulher, para ficar com o dinheiro do seguro. Retornando ao lugar, Breton
reparou que a casa era rodeada por um muro alto de cimento, e não, conforme
havia visto pela primeira vez, por uma rede metálica, o cercado das
raposas. Subindo no muro, viu as redes metálicas que guardavam as raposas:
Foi, portanto, como se no dia 20 de julho (quando passou por lá a primeira
vez) esse muro se me tivesse apresentado transparente.[73]
Como leituras para a temporada no litoral norte francês, Breton e
Jacqueline haviam trazido dois livros emprestados por um amigo. Um deles, A
Raposa de Mary Webb;[74] o outro, A Mulher Transformada em Raposa de David
Garnett. A crise no relacionamento deles não se encerrou ao saírem dos
domínios da casa das raposas, como é dado a entender em O Amor Louco. Logo
teriam uma separação prolongada, para romperem de vez em 1943. E as causas
da separação não se resumiram à passagem pelos arredores de uma casa mal-
assombrada. Esta pode ter precipitado o que estava latente. Mas, assim como
o encontro deles já estava sugerido no poema do girassol, aquele pesadelo
estava antecipado em uma escolha de livros: É preciso reconhecer, quer se
queira, quer não, que esses dois livros por certo desempenharam, na
elaboração do que para nós foi esse longo pesadelo acordado, um papel mais
que determinante e decisivo.
Apresentado inicialmente em Les vases communicants, depois de O Amor
Louco o acaso objetivo vai desaparecendo da obra bretoniana. Deixa de ser
mencionado em seus ensaios, manifestos e entrevistas posteriores. Fica-se
com a impressão de uma perda de sua importância como categoria ou conceito,
apesar dos acontecimentos e textos fascinantes aos quais está ligado.
Talvez isso se relacione com outras mudanças no pensamento bretoniano.
Em O Amor Louco, Breton reapresentou sua interpretação materialista e
freudiana, já proposta em Les vases communicants, do que é atribuído por
alguns à intervenção do sobrenatural e negado por outros, que o reduzem à
mera coincidência em nome do bom senso ou do saber científico. Mas a sua é
a voz de um poeta, e não de um psicanalista ou cientista social. A
mobilização do pensamento dialético e da psicanálise não o impediu de
querer chegar, no Segundo Manifesto do Surrealismo, a um certo ponto do
espírito, onde vida e morte, real e imaginário, passado e futuro, o
comunicável e o incomunicável, o alto e o baixo, deixem de ser percebidos
como contraditórios. Em outras de suas obras, inclusive em O Amor Louco,
iria referir-se a um ponto sublime e um ponto ideal, encontrado em Orotava.

Até que ponto o surrealismo é mesmo um materialismo, como sustentava
Breton, ou um misticismo impregnado de idealismo, suscitou polêmicas,
alimentadas por André Breton et les donnés fondamentales du surréalisme de
Michel Carrouges. Acertadamente, esse ensaísta observou, no capítulo
dedicado ao acaso objetivo, que a idéia de um ponto supremo é importante no
esoterismo. No Zohar dos cabalistas, corresponde à letra Yod, ao Kéther,
coroa da árvore sefirótica, como ponto central, causa de todas as coisas.
Localiza-o em John Dee, como mônada hieroglífica; em Nicolau de Cusa, como
centro invisível do mundo e do Tempo; no texto atribuído a Christian
Rosenkreutz; e em René Guénon, que o considera equivalente ao centro da
cruz, síntese dos contrários. Carrouges ainda cita Éliphas Lévi para
confirmar que o ponto supremo é, na tradição esotérica, a instância
impalpável, central e ao mesmo tempo presente em todas as partes.
Mesmo contando com a simpatia de Breton, Carrouges, intelectual
católico, teve seu livro questionado quando de sua publicação em 1950. Com
sua argumentação, conforme observa Jean-Louis Bédouin, promoveu um
deslizamento da transfiguração alquímica à redenção.[75] Além disso, na
tradição, não apenas ocidental mas oriental, o ponto supremo é uma origem.
Equivale à unidade primordial, e a cisão dessa unidade corresponde à queda.
A noção de queda, tanto da teologia cristã quanto do gnosticismo, está
fortemente presente em Baudelaire ou em Huysmans, associada à compreensão
do mundo como emanação degradada a partir da separação do Todo, e constitui
a base ontológica do decadentismo literário. Mas as circunstâncias em que
foi escrita a passagem do Segundo Manifesto não permitem dúvidas de que,
para Breton, a superação das antinomias correspondia à solução das
contradições fundamentais. Portanto, é na história, na temporalidade, que
se realizaria, mesmo significando seu fim, e não em outro plano, dissociado
do mundo. Daí que, conforme a frase final de um dos seus poemas, O hino do
futuro é paradisíaco.
É correto afirmar que o surrealismo prossegue uma tradição hermética e
ocultista. Inverte-a, porém, em sua visão da história, do devir humano.
Grupos e seitas de eleitos e iluminados do século XVIII, liderados ou
inspirados por Louis-Claude de Saint-Martin, Lavater e Martinez de
Pasqually, seguidores de Böhme e Swedenborg, e que tamanha influência
exerceram sobre a poesia romântica, pretendiam-se, em seu confronto com a
Igreja Católica, avatares ou continuadores do cristianismo esotérico ou
primitivo, uma religião primeira, pura, não-degradada.[76] Apresentavam-se
como hiper-cristãos, porta-vozes do Evangelho e dos profetas. No
surrealismo há uma negação frontal, não só do monoteísmo judaico-cristão,
mas da herança greco-romana, acusada (à semelhança da crítica nietzscheana)
de haver inaugurado o racionalismo. O arcaico e primitivo foram valorizados
pelos surrealistas nas culturas estranhas ao Ocidente, nas sociedades
tribais da África e Oceania e em sua produção artística, nos Maia, nos
Hopi, e nos índios sul-americanos com Benjamin Péret. Mas o mundo mítico,
regido pelo pensamento analógico, é fonte de contribuições para a
realização futura da Idade do Ouro, e não o illo tempore idealizado, de
modo nostálgico e regressivo. Em acréscimo, o que impulsiona o homem, e,
por extensão, a história, é, para Breton, algo bem material, o desejo. De
modo coerente, politiza sua busca romântica do amor único. É a sociedade
burguesa, regida pela mercantilização e instrumentalização das relações
humanas, que conspira contra o amor. Encontros que se realizam e culminam
na consagração do amor único, com Jacqueline em O amor louco ou Elisa em
Arcano 17, são acontecimentos políticos, vitórias da poesia, amor e
liberdade.
Ainda assim, há ambigüidade no poeta que trafega na zona cinzenta
entre misticismo e materialismo, recusa do transcendentalismo e
religiosidade herética. Misticismo da imanência, sim, e religiosidade sem
Deus, mas que permite a Breton dizer, em O Amor Louco, que enxerga o
símbolo da busca surrealista, a síntese do racional e do real, em uma folha
de sempre-viva. É uma visão semelhante à de Jacob Böhme enxergando o
universo em um prato de estanho, e a tantos outros vislumbres de iluminados
que viram o macrocosmos no microcosmos, o todo em uma das partes. Claro que
seu misticismo é herético: Nunca houve qualquer fruto proibido. Só a
tentação é divina.[77] Mas leva a paradoxos como, no Segundo Manifesto,
sugerir a permanência física de Nicolas Flamel poucas páginas depois da
enérgica profissão de fé no materialismo dialético, e declarar-se fantasma,
entidade equivalente à sombra na caverna de Platão, no início de Nadja.
É possível enxergar em Breton uma deriva do marxismo para o
misticismo? A fundamentação enfática em Marx e Engels de Les Vases
Communicants já não está presente em O Amor Louco. A tensa relação com o PC
explodiria de vez em 1935, com as denúncias em Posição política do
Surrealismo, mostrando a equivalência do regime soviético com aquilo que a
sociedade burguesa tinha de mais retrógrado. Concomitantemente, o apoio a
Trotsky, a traduzir-se no manifesto Por uma arte revolucionária
independente, de 1937. Mas em 1942, em Prolegômenos a um terceiro manifesto
do surrealismo ou não,[78] Breton expressaria restrições ao racionalismo de
Trotsky, ao sustentar idéias como a dos Grandes Transparentes e do homem
não mais como centro do universo, porém como parte de um todo.
Em Arcano 17, a simbologia hermética desempenha papel central, a
começar pelo título, referência à carta 17 do Tarô, a Fortuna. Nesse
relato, Breton substitui Marx e Engels por Gérard de Nerval, seu
interlocutor imaginário. E em Prolegômenos a um terceiro manifesto do
surrealismo ou não, volta-se novamente contra o que denomina de pensamento
racionalista, e, frisa, sem dar atenção às acusações de misticismo de que
não serei perdoado, propõe-se a convencer o homem de que ele não é
obrigatoriamente o rei da criação, como se vangloria. Pergunta sobre a
oportunidade de revelar um novo mito, o dos Grandes Transparentes. Observa
que o homem não é talvez o centro, o ponto de mira do Universo, e critica
ao antropomorfismo, a crença de que o mundo encontra no homem o seu
acabamento. Dando sua palavra final em matéria de manifestos, diz, no
último parágrafo de Do Surrealismo em suas Obras Vivas, de 1953, que, a
esse respeito, sua posição [do Surrealismo] se uniria à de Gérard de Nerval
no famoso soneto Versos Dourados. Nele, o autor de Aurélia, expressando as
idéias de Fabre d'Olivet, duvida de que sejamos o centro do universo e os
detentores exclusivos da razão: Homem! livre pensador! serás o único que
pensa/ Neste mundo onde a vida cintila em cada ente? Expressando a visão
pagã do mundo animado, Nerval diz ainda que um mistério de amor no metal
reside dormente, e um espírito puro medra sob a crosta das pedras.[79]
Sem que por isso o surrealismo perdesse em combatividade, ou se
afastasse da discussão dos temas propriamente sociais e políticos, o mesmo
movimento, no sentido da sublimação, está presente em sua poesia da década
de 1940. Por isso, o livro que a reúne recebeu o título de Signe
ascendant,[80] signo ascendente. Um de seus poemas de maior fôlego é a Ode
a Charles Fourier, sobre o precursor do "socialismo utópico" e de uma visão
da sociedade regida pelo pensamento analógico, pelas correspondências. Em
outro poema da série, Les états géneraux, invoca Fabre d'Olivet e sua idéia
de uma linguagem universal, e Saint-Yves d'Alveydre e seus estados gerais,
reflexo mundano da ordem cósmica. No prefácio, expõe uma exigência que, em
última análise, poderia ser de ordem ética, de que não há reversibilidade
entre os dois termos de uma imagem, pois esta não equivale a uma equação.
Do primeiro de seus dois termos para o segundo, há uma tensão vital
ilustrada pelo apólogo Zen: Por bondade búdica, Bashô modificou um dia, com
engenhosidade, um haikai cruel composto por seu humorístico discípulo,
Kikakou. Este tendo dito: "Uma libélula vermelha – arrancai-lhe as asas –
uma pimenta", Bashô susbtituiu: "Uma pimenta- ponham-lhe asas – uma
libélula vermelha." Em outras palavras, a analogia entre dois termos tem
direção e aponta para o alto. A criação poética é assim equiparada à
sublimação.
Mas, entre a origem a ser recuperada dos místicos e esotéricos, ou a
utopia que irá acontecer dos políticos, entre passado e futuro, Breton dá
uma terceira resposta: é o agora, aqui, no presente. As cenas e episódios
reais de O amor louco também pertencem à ordem do onírico, do sonho, ou, na
passagem da casa das raposas, do pesadelo. O paraíso recuperado está em
Orotava, no Pico de Teide, no Cais das Flores e no restante do percurso
entre Montmartre e o Quartier Latin, na Gaspésia de Arcano 17, e em todos
os lugares e momentos em que acontece o encontro e, através dele, se
realiza o desejo. Então, o mundo se confunde com o sonhado.
Nessa perspectiva, não se pode propriamente falar em profecia e
antecipação, a propósito de O Amor Louco e de tantos outros registros na
crônica surrealista e em sua criação literária. Há, isso sim, uma
atemporalidade, uma supressão da série cronológica. O símbolo é recuperado
em sua plenitude, e supera nossas categorias de espaço e tempo, quando a
espera se completa no encontro, quer seja de objetos mágicos, de signos, da
pessoa amada, ou de todas essas instâncias, interligadas.
A prosa poética de Arcano 17 pode ser lida como fechando a série de
relatos poéticos, anunciada em Les Pas Perdus, composta por Nadja, Les
Vases Communicants e O Amor louco.
Em outro registro (e outro contexto, pois escrevia exilado nos Estados
Unidos), Breton, em Arcano 17, volta a celebrar a realização amorosa como
grande síntese, superação das antinomias, equivalente ao êxtase, ao estado
de graça, à iluminação. O corpo do livro se encerra com reflexões sobre o
sentido de uma frase de Éliphas Lévi, ao proclamar que Osíris é um deus
negro. Termina saudando a publicação do ensaio de Auguste Viatte sobre o
diálogo entre Éliphas Lévi e Victor Hugo, e comentando o modo como ambos, o
mago e o poeta, equipararam Lúcifer, o anjo rebelde – que, ao nascer, negou-
ser a ser escravo, dando à luz duas irmãs, Poesia e Liberdade – à estrela
da manhã, signo da liberdade e do conhecimento, equivalente à própria
revolta, a única revolta criadora de luz; uma luz que só pode passar por
três vias: a poesia, a liberdade e o amor.
E, no final de Arcano 17, em um apêndice escrito em 1947, os encontros
adquirem mais nitidamente o caráter de uma aventura intelectual. Não são
mais as mulheres, desconhecidas com olhos e olhares fascinantes, que vêm a
seu encontro movidas pelo acaso, porém obras, informações, mesmo quando
trazidas por pessoas. Já de volta a Paris, relata a experiência de
plenitude ao finalmente entrar na Torre Saint-Jacques. Um de seus amigos
lhe envia uma mensagem: O maravilhoso. – Atenção, reflexão, lógica não me
ajudam em nada. Não me possuo mais. Eu sou, plenamente. Encontra um
desconhecido. Segue-se um enredo através do qual chega a suas mãos o livro
de Jean Richer, Gérard de Nerval et les doctrines ésotériques. Nele foi
publicado, pela primeira vez, o retrato de Nerval com sua frase,
manuscrita, Eu sou um outro, acompanhada por signos cuja decifração é
proposta por Breton. Os episódios desses dias de abril de 1947 o fazem
convencer-se de que estivera de fato em companhia de Gérard de Nerval e de
Nicolas Flamel, nas imediações da torre. Os mais familiarizados com
simbologia hermética reconhecerão o sentido da subida à torre Saint-
Jacques: é a entrada no castelo iniciático onde está o cálice do Graal, que
equivale à pedra filosofal.
Como interpretar o acaso objetivo, e as idéias e acontecimentos que o
acompanham? O mais produtivo, evitando campos do conhecimento que não
interessam diretamente à literatura, é tomá-lo em seu valor simbólico. Mais
precisamente, como metáfora da poesia e da sua relação com o mundo. Isso,
dando atenção ao modo como se inverte a relação entre signos e coisas,
textos e acontecimentos, na obra de Breton. E à universalidade dessas
aventuras intelectuais, buscando superar o abismo entre palavras e coisas,
símbolos e acontecimentos, imaginação e realidade.
Sabe-se que previsões, antecipações e profecias ocorreram na vida e
obra de muitos poetas, surrealistas ou não, como que realizando o que
Rimbaud havia dito na Carta do Vidente. Pode-se distinguir dois níveis da
sua ocorrência. Um deles é o do macrocosmo, dos grandes acontecimentos
históricos e períodos temporais, como em William Blake e seus Poemas
Proféticos, ou em Baudelaire, antevendo a modernidade e descrevendo como
seria a vida nas metrópoles, bem como em Walt Whitman, com relação aos
Estados Unidos de hoje, ou no brasileiro Sousândrade vendo de modo
antecipatório Manhattan e uma utopia panamericanista. Exemplos não faltam,
e a constatação de Freud, de que poetas já conheciam o inconsciente, é caso
particular de todo um histórico de previsões e antecipações, no plano dos
acontecimentos ou das idéias.
A imaginação e intuição em poesia e as descobertas em outros campos do
conhecimento são muito mais próximas e interligadas do que supõe o desprezo
cientificista com relação a poetas. Certamente, relacionam-se com a própria
natureza da linguagem: sendo esta ativa, criadora, e não apenas um reflexo
do mundo das coisas, é capaz de produzir realidade, conforme admitem
estudiosos da linguagem e do signo que lhe dão precedência com relação à
consciência e à estruturação do real (a exemplo da "tese de Whorf-Sapir",
entre outras). Textos transgressivos, de ruptura, avançados para seu tempo,
de poetas "malditos" que demoraram a ser reconhecidos ao se colocarem fora
da perspectiva temporal, também captaram o que viria, iluminaram aspectos
desconhecidos do real, na mesma medida em que criaram linguagem,
revitalizando-a e ampliando seu alcance. Para a poesia, também vale a noção
de toda-possibilidade invocada por Breton a propósito do sonho em Les vases
communicants.
No microcosmo do biográfico, da experiência pessoal, as mesmas
circunstâncias, compulsões e aparentes delírios acabaram por revelar-se
representações da realidade, e não meras expansões da subjetividade. Se
nossa atenção fosse menos seletiva e a percepção mais aberta, haveria mais
a relatar sobre essas relações de idéias, fatos e símbolos, onde, nesse
limite já sob o comando do demônio da analogia de Mallarmé, tudo é signo de
outra coisa, remetendo a outro plano de realidade. O surrealismo chegou a
essas antecipações pelo fluir da vida passiva da inteligência, conforme
propunha Breton no primeiro Manifesto do Surrealismo: nos momentos marcados
pela disponibilidade, a espera sem objetivo definido; na escrita
automática, liberta de controles, permitindo que signos se encadeassem e
pessoas e objetos encontrados em caminhadas erráticas se articulassem de
modo espontâneo. Abolida a intencionalidade, a realidade acaba por revelar
sentidos insuspeitos.
Pode-se distinguir dois modos de relação entre criação poética e o
mundo do hermético e oculto. Um deles é o dos adeptos, a exemplo de Yeats,
Robert Graves, Pessoa. No outro, representado por alguns românticos e
simbolistas, e por surrealistas, ninguém é propriamente discípulo. Em vez
da adesão a doutrinas, há uma apropriação de símbolos e conteúdos do
hermetismo, a exemplo das correspondências em Baudelaire, ou da alquimia do
verbo e iluminação de Rimbaud, resultado de seu desregramento dos sentidos,
metáfora da criação poética.
Fernando Pessoa, comprovadamente um adepto e iniciado, associou, em
seus apontamentos e escritos íntimos, criação poética e intuição,
mencionando Milton, Goethe, Shakespeare e Keats: Um poeta é um intuitivo, e
faz versos por uma operação intuitiva. Distinguiu três caminhos para o
desenvolvimento da intuição: No caminho ritual busca-se o desenvolvimento
da intuição pela intuição mesma, ou, se preferir, pelo instinto (base da
ação, da ação perfeita). No caminho místico (?) busca-se a obtenção da
intuição pela abdicação da personalidade. No caminho mercurial busca-se
pelo desenvolvimento da inteligência, de que a intuição depois se
alimenta.[81] Observadas as diferenças fundamentais entre Pessoa e Breton
(diametralmente opostos nos quesitos amor e sexo, entre outros), o
surrealismo promoveu o desenvolvimento dessa operação intuitiva, trilhando
os caminhos místicos e rituais. Seus procedimentos, da anotação dos sonhos
até a deambulação, passando pela escrita automática, são um ritual.
Caracterizar o surrealismo e a contribuição de Breton como caso
particular no universo da criação e da intuição poética não é desqualificá-
lo, ou reduzir sua importância. Ao contrário, mostra, através das
manifestações do acaso objetivo, que foi tocado algo de essencial na
criação poética. Breton sabia disso. No parágrafo final de seu último
manifesto, Do Surrealismo em suas Obras Vivas, proclama a intuição poética
como o meio de conhecimento para compreender aquilo que o rodeia. Esta,
desencadeada enfim pelo surrealismo, quer ser, não apenas assimiladora de
todas as formas conhecidas, mas também ousadamente criadora de novas formas
– vale dizer, capaz de abraçar todas as estruturas do mundo, manifestas ou
não. Somente ela nos oferece o fio que nos reconduz ao caminho da Gnose,
enquanto reconhecimento da realidade supra-sensível, "invisivelmente
visível num eterno mistério". Os relatos sobre acaso objetivo são a prova
da realidade e do alcance da intuição poética, ou, melhor dizendo, mágico-
poética.

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[1] Em algumas passagens do texto a seguir – no relato de episódios do
surrealismo associados ao sono hipnótico e à consulta à videntes, e nos
comentários sobre Nadja e O Amor Louco –retomo minha narrativa em prosa
Volta, Iluminuras, São Paulo, terceira edição 2004.
[2] Produção da SP Filmes disponível em vídeo, exibido na TV Cultura de São
Paulo e TV Educativa.
[3] André Breton, Manifestos do Surrealismo, tradução de Jorge Forbes,
prefácio de Claudio Willer, Editora Brasiliense, 1985; ou André Breton,
Manifestos do Surrealismo, tradução de Sérgio Pachá, Nau editora, Rio de
Janeiro, 2001; esta, mais completa, segue André Breton – Manifestes du
Surréalisme, Jean Jacques Pauvert éditeur, Paris, 1962, incluindo a Lettre
aux Voyantes e Poisson Soluble, ausentes das edições Gallimard e
Brasiliense.
[4] Surrealismo e esoterismo: a alquimia da poesia, de Maria Lúcia Dal
Farra.
[5] Marguerite Bonnet, André Breton – Naissance de l'aventure surréaliste,
Librairie José Corti, Paris, 1988; e Henri Béhar, André Breton, Le grand
indésirable, Calmann-Lévy, Paris, 1990.
[6] Detalhes em Vingt ans de surréalisme, 1939-1959, de Jean-Louis Bédouin,
Éditions Denoël, Paris, 1961, com uma substanciosa discussão sobre poesia,
surrealismo e alquimia.
[7] Conforme a biografia por Henri Béhar, já citada.
[8] André Breton, O Amor Louco, tradução de Luiza Neto Jorge, Editorial
Estampa, Lisboa, 1971, ou André Breton, Oeuvres complètes, org. de
Marguerite Bonnet, Bibliothèque de la Pléiade, Éditions Gallimard, Paris,
1992, vol. II.
[9] Breton, Manifestos do Surrealismo.
[10] O exame do hermetismo e alquimia ocupa uma extensa nota de rodapé, de
algumas páginas, desse manifesto.
[11] No já citado Vingt ans de surréalisme.
[12] André Breton, Les vases communicants, collection Idées, Gallimard,
Paris, 1985; ou André Breton, Oeuvres complètes, vol. II, Bibliothèque de
la Pléiade, Éditions Gallimard, Paris, 1992, organizada por Marguerite
Bonnet.
[13] Nadja, Éditions Gallimard, Collection Folio, Paris, 1964; ou André
Breton, Oeuvres complètes, vol. I, Bibliothèque de la Pléiade, Éditions
Gallimard, Paris, 1988. Nadja foi reeditada no Brasil em 1999 pela Editora
Imago, na tradução de Ivo Barroso.
[14] Na edição brasileira da Nau dos Manifestos do Surrealismo, já citada
acima.
[15] Em duas consultas: outras visitas a médiuns-videntes, como Hélène
Smith, que afirmava comunicar-se com o planeta Marte, deram resultados
semelhantes.
[16] Benjamin Péret, Anthologie des mythes, légendes et contes populaires
d'Amérique, Éditions Albin Michel, Paris, 1960.
[17] Les pas perdus, Collection Idées, Gallimard, 1974, ou vol. I das
Oeuvres Complètes de Breton.
[18] Essa transcrição pode ser encontrada em Les pas perdus, na biografia
de Breton por Béhar, ou em Oeuvres de Robert Desnos, Gallimard, 1999.
[19] Em Béhar, no já citado André Breton, Le grand indésirable. Em Oeuvres
de Desnos foram incluídos comentários sobre cinema, nos quais a atriz
Nazimova é mencionada.
[20] Em André Breton et les données fondamentales du Surréalisme,
collection Idées, Gallimard, Paris, 1971
[21] Mais a respeito em Batache, Eddy, Surréalisme et Tradition, La pensée
d'André Breton jugée selon l'oeuvre de René Guénon, Éditions
Traditionelles, Paris, 1978.
[22] No já citado André Breton et les données fondamentales du Surréalisme
de Carrouges.
[23] Em Charles Baudelaire, Poesia e Prosa, organizada por Ivo Barroso,
Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1995; tradução de As Flores do Mal
por Ivan Junqueira.
[24] A Paris do Segundo Império em Baudelaire, em Walter Benjamin -
Sociologia, tradução e organização de Flávio R. Kothe, Editora Ática 1985,
pg. 38; ou na série Walter Benjamin - Obras escolhidas, da Editora
Brasiliense.
[25] Em Salão de 1846, na edição citada de Charles Baudelaire, Poesia e
Prosa.
[26] Publicado em uma edição do Magazine Littéraire com dossiê sobre
Baudelaire: nº 418 de março de 2003.
[27] Em La clé des champs, Societé Nouvelle des Éditions Pauvert – Le livre
de Poche, 1979.
[28] Pierre Mabille, Le miroir du merveilleux, Les Éditions du Minuit,
1962.
[29] Flávia Nascimento, Notas sobre o mito literário de Paris: de Restif
aos surrealistas, em Agulha, revista de cultura # 25 – Fortaleza, São Paulo
– junho de 2002, em http://www.revista.agulha.nom.br/ag25nascimento.htm
[30] Bem examinada por Marie-Claire Bancquart em Paris "Belle époque" par
sés écrivains, A. Biro, Paris, 1997.
[31] Edição brasileira em Escritos de Apollinaire, tradução, seleção e
notas de Paulo Hecker Filho, L&PM editores, Porto Alegre, 1984.
[32] Ed. Gallimard, coleção L'Imaginaire, 1986, ou no já citado Oeuvres.
[33] Louis Aragon, O Camponês de Paris, Imago, 1998, tradução e prefácio de
Flavia Nascimento.
[34] Em Le revolver a cheveux blancs, por sua vez na coletânea Clair de
terre, coleção Poésie, Gallimard, Paris, 1966.
[35] Em francês, São Tiago é Saint-Jacques.
[36] André Breton, Arcano 17, tradução de Maria Teresa de Freitas e Rosa
Maria Boaventura, Editora Brasiliense, São Paulo, 1985.
[37] Na já citada edição Nau dos Manifestos do Surrealismo.
[38] Publicado na coletânea de ensaios La clé des champs, já citada.
[39] Ferdinand Alquié, Philosophie du surréalisme, Flammarion Éditeur,
Paris, 1977;
[40] Dictionnaire Général du Surréalisme de Adam Biro e René Passeron,
Office du Livre, Lausanne, 1982
[41] Traduzi promenade por "caminhada", mais próprio, neste contexto, que
"passeio a pé".
[42] Sigo Marguerite Bonnet em Nadja – Réception de l'oeuvre, Vol. I de
Breton, Oeuvres complètes, e Patrick Née em Lire Nadja, Dunod, Paris, 1993.
[43] Traduzi assim o Qui vive? do original, o chamado das sentinelas quando
alguém se aproximava, pedindo que se identificasse.
[44] Em suas notas para Oeuvres Complètes de Breton, vol. I, pg. 1.509 e
segs
[45] Não exatamente, pois esperança, em russo, seria Nadedja.
[46] Marguerite Bonnet em André Breton – Naissance de l'aventure
surréaliste, já citado
[47] Na já citada biografia de Breton por Béhar, André Breton, -Le grand
indésirable.
[48] Conforme a edição Nau dos Manifestos do Surrealismo.
[49] Em seu prefácio para O Camponês de Paris de Aragon.
[50] Em tradução livre e literal: De uma cidade a forma muda mais depressa
que um coração infiel.
[51] Em uma prière d'insérer transcrita por Marguerite Bonnet, Breton,
Oeuvres Complètes, vol. II.
[52] Em suas notas para Les vases communicants, em Breton, Oeuvres
Complètes, vol. II.
[53] Na tradução de Augusto Contador Borges, na edição brasileira da
Iluminuras.
[54] Cf. Marguerite Bonnet, em Breton, Oeuvres Complètes, vol. II, pg.
1351.
[55] De Henry Hathaway, estrelado por Gary Cooper, de 1936, com o título
traduzido no Brasil como Amor sem fim.
[56] Uso itálicos nas citações; por isso, passagens grifadas por Breton,
impressas em itálico nos originais, vão em redondo nas minhas citações.
[57] Grifo de Breton.
[58] Grifo de Breton.
[59] Cabe lembrar o chavão os olhos são a janela da alma e sua origem em
Platão.
[60] Em Breton, Oeuvres Complètes, vol. II.
[61] Da edição Nau, já citada, dos Manifestos do Surrealismo, bem como de
Breton, Oeuvres Complètes, vol. II.
[62] Também conforme as notas de Marguerite Bonnet em Breton, Oeuvres
Complètes, vol. II.
[63] As citações são da edição da Estampa de O Amor Louco, já mencionada.
[64] Ver as notas por Marguerite Bonnet, no volume II de Oeuvres Complètes
de Breton.
[65] Ver, a respeito, o ensaio Surrealismo e esoterismo: a alquimia da
poesia de Maria Lúcia Dal Farra, já citado.
[66] Steinmetz, Jean-Luc, André Breton et les surprises de l'amour fou,
Presses Universitaires de France, Paris, 1994
[67] Utilizo a tradução de Luiza Neto Jorge, na edição citada de O Amor
Louco.
[68] Cf. Marguerite Bonnet nas notas para Oeuvres Complètes, vol. II, e
Jean-Luc Steinmetz, já citado.
[69] No já citado Les surprises de l'amour fou.
[70] Em La búsqueda del comenzo ou André Breton e a busca do início, seu
ensaio sobre Breton e surrealismo, já citada aqui.
[71] Conforme a tradução no já citado Charles Baudelaire, Poesia e Prosa.
[72] Os negritos são do próprio Breton.
[73] Aqui, e na citação seguinte, os negritos são de Breton.
[74] Mais tarde, seria filmado, protagonizado por Jeniffer Jones. É a
história de uma mulher que se identifica com raposas e acaba morta pelo
marido, um caçador.
[75] No já citado Vingt ans de surréalisme.
[76] Conforme o substancioso levantamento de Auguste Viatte, Les Sources
Occultes du Romantisme; Illuminisme – Théosophie; 1770 – 1820; 2 volumes,
Librairie Ancienne Honoré Champion, Paris, 1928
[77] Também em O Amor Louco.
[78] Também em Manifestos do Surrealismo, ed. Nau, assim como as citações a
seguir.
[79] Na tradução de Contador Borges no prefácio da edição já citada de
Aurélia.
[80] Gallimard, coleção Poésie, 1975.
[81] De O grau de adepto menor, em Fernando Pessoa: O amor, a morte, a
iniciação, de Y. K. Centeno, A Regra do Jogo Edições, Lisboa, 1985. A
ortografia foi atualizada na citação.
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