Mandado de injunção como instrumento de acesso à Justiça

July 11, 2017 | Autor: Renata Jaber Maneiro | Categoria: Direito Processual Civil, Direito Constitucional, Acesso à Justiça
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MANDADO DE INJUNÇÃO COMO INSTRUMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA







Renata de Marins Jaber Maneiro[1]




Revista Âmbito Jurídico
Caderno: Direito Processual Civil



Resumo: O presente trabalho tem por objetivo pesquisar o instituto do
mandado de injunção nos moldes em que foi concebido na Constituição de
1988, observando suas peculiaridades, bem como o contexto constitucional e
político, para ao final traçarmos o nosso entendimento quanto à melhor
interpretação e aplicação, principalmente com relação à natureza da
sentença e efeitos subjetivos da coisa julgada, com vistas a garantir o
efetivo acesso à Justiça. Nesse diapasão, pretendemos enfatizar os aspectos
processuais do instituto, mas sem nos afastarmos de certos aspectos
constitucionais que consideramos essenciais para um estudo completo,
principalmente em razão da atual era neoconstitucionalista, em que todos os
ramos do Direito merecem releitura em face da Constituição.



Palavras-chave: Mandado de Injunção. Aspectos Processuais. Sentença e Coisa
Julgada. Acesso à Justiça.



SUMÁRIO: Introdução. 1. Premissas do mandado de injunção. 1.1. Origem 1.2.
Natureza jurídica 1.3. Objeto 1.4. Causa de pedir. 2. Peculiaridades e
delineamentos do mandado de injunção. 2.1. Competência. 2.2. Legitimidade
ad causam. 2.3. Litisconsórcio passivo. 2.4. Procedimento. 3. Teorias sobre
natureza da sentença e coisa julgada. 3.1. Generalidades. 3.2. Teoria da
subsidiariedade. 3.3 Teoria da resolutividade. 3.4. Teoria da independência
Jurisdicional. 3.5. Teorias mistas. 3.5.1. Teoria mista menor. 3.5.2.
Teoria mista maior. Conclusão.







Introdução

O mandado de injunção foi previsto pela primeira vez na Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, como forma de controle concreto
da inconstitucionalidade por omissão. A partir de então, juristas empenham
esforços para interpretá-lo; é o que pretendemos realizar no presente
estudo, sobretudo sob seus aspectos processuais, com intuito de traçar a
melhor interpretação do Instituto com vistas ao acesso à Justiça.
Na primeira etapa, intitulada "premissas do mandado de injunção",
faremos uma abordagem sobre a origem e a natureza jurídica do instituto,
objeto do processo e causa de pedir, momento em que analisaremos as
similitudes com o Direito comparado, fixaremos a sua posição no ordenamento
jurídico pátrio, bem como será definido o conteúdo da pretensão processual
do impetrante e respectivo fundamento constitucional.
Na segunda parte, denominada "peculiaridades e delineamentos do
mandado de injunção", será observado uma série de aspectos processuais,
tais como, competência, legitimidade ad causam, litisconsórcio e
procedimento. A abordagem é de extrema importância, principalmente porque
até a presente data não foi elaborado lei sobre processo e procedimento de
mandado de injunção; sendo certo que da análise dessas peculiaridades e
delineamentos processuais, poderemos extrair com maior firmeza a sua
finalidade precípua, o que facilitará o enfrentamento da maior controvérsia
que envolve o instituto, a ser analisada no terceiro capítulo.
E assim, na terceira e última parte, intitulada "teorias sobre
natureza da sentença e coisa julgada", abordaremos a controvérsia sobre
conteúdo e eficácia da sentença e efeitos da coisa julgada em mandado de
injunção, em que cada posicionamento doutrinário e jurisprudencial será
analisado dentro de suas respectivas teorias, a saber: teoria da
subsidiariedade, teoria da resolutividade, teoria da independência
jurisdicional, teoria mista menor e teoria mista maior.
Fecharemos o presente estudo com o nosso posicionamento, como sendo
aquele que mais se adequa à garantia do efetivo acesso à justiça; sendo
que, ao final, concluiremos com um resumo dos pontos principais de cada
capítulo.










1- Premissas do mandado de injunção

1.1- Origem:
O mandado de injunção previsto na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 não guarda qualquer relação com o Direito
alienígena[2]; entretanto, identificamos algumas similitudes no Direito
inglês, norte-americano e alemão, senão vejamos:
A injuntion surgiu na Inglaterra no fim do século XIV, como um
remédio amparado pelas regras de equidade (equitable remedy), a ser
utilizado em hipótese de ausência de regulamentação ou ausência de decisões
semelhantes (sistema common law) para a solução do caso concreto. Apesar de
o Brasil adotar o sistema civil law[3], não há como negar a semelhança do
instituto no que se refere ao mecanismo de decisão, que será baseada não na
fonte direta do direito (lei, no sistema civil law; decisões judiciais, no
sistema common law), mas em razão da ausência desta, o julgador deverá
buscar em outras fontes (juízo de equidade, analogia, princípios gerais do
direito) a solução para o caso sub judice.
O writ of injunction do Direito norte-americano também tem seus
alicerces em um juízo de equidade, visto que a ordem não precisa constar de
uma lei escrita (Borges, 2009, pp. 604-605); sendo certo que será impetrado
com objetivos cominatórios, sempre que o fazer ou não fazer puder violar
direitos fundamentais do cidadão[4]. No caso americano, podemos verificar
as semelhanças principalmente a partir da análise de casos concretos, em
que o writ teve importante papel na consecução da política de integração
racial por intermédio do judicial review, cuja base doutrinária teve origem
no pensamento progressista[5].
No Direito Alemão, há o Verfasungsbeschwerde, que se trata de ação a
ser ajuizada perante o Tribunal Constitucional sempre que houver afronta a
direito fundamental do cidadão por ato ou omissão do Poder Público, como um
mix entre mandado de segurança (no caso de ato de autoridade) e mandado de
injunção (no caso de omissão de autoridade). Assim, o instituto é apto a
tutelar o direito constitucional violado por omissão do Legislativo ou por
omissão de autoridade administrativa, sempre quando houver algum dever
imposto diretamente pela Constituição Alemã.
Alguns doutrinadores citam o Direito luso e iugoslavo como fonte de
influência do mandado de injunção no Brasil[6]; sendo que a semelhança é
retirada de dispositivos que preveem a ação de inconstitucionalidade por
omissão. Discordamos de tal posicionamento, uma vez que o Brasil também
inaugurou a previsão de ação de inconstitucionalidade por omissão na
Constituição de 1988, tratando-se de instituto diverso, concebido no seio
do controle abstrato de constitucionalidade. Por tais razões deixamos de
realizar maiores comentários acerca do Direito comparado dos referidos
países.
Traçadas as principais semelhanças com o Direito alienígena, sendo
inegável que elas existem, impende, no entanto, reconhecer que o mandado de
injunção concebido no Brasil de forma inédita pela Constituição de 1988
possui certas peculiaridades e requisitos próprios, motivo pelo qual não
seria totalmente seguro tomar o ordenamento jurídico de outros países como
paradigma.
Nesse sentido, oportuno citar as lições de Piovesan, verbis:


A confrontação que se possa fazer com a injuction do
direito americano, ou com a equity do direito inglês, ou
ainda com o verfasungsbeschwerde do direito alemão, aponta
a singularidade do mandado de injunção, que, por sua vez,
tanto envolve um juízo de equidade (equity dos ingleses)
como se volta à proteção dos direitos fundamentais da
pessoa humana (injunctio dos americanos e
verfasungsbeschwerde dos alemães), mas com características
próprias e peculiares, já analisadas nos tópicos
anteriores. De fato, nos moldes em que foi concebido, o
mandado de injunção não encontra similar no direito
alienígena. Trata-se de verdadeira inovação da
Constituição de 1988. (2003, p. 178)


Portanto apenas alguns aspectos são similares ao Direito comparado;
sendo certo que o mandado de injunção foi concebido de forma singular no
ordenamento jurídico pátrio, de forma que iniciaremos a seguir o seu estudo
nos moldes em que foi previsto na Constituição de 1988, observando suas
premissas e peculiaridades.

1.2- Natureza jurídica:

O Mandado de Injunção está localizado no Título II (Dos Direitos e
Garantias Fundamentais), Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e
Coletivos), inserido no art. 5º, inc. LXXI, da Constituição da República
Federativa do Brasil promulgada em 1988, cuja norma contém o seguinte
texto: "conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania
e à cidadania".
Antes de fixarmos a natureza jurídica do instituto em estudo, convém
tecermos breves comentários acerca dos direitos fundamentais, garantias
constitucionais e remédios constitucionais.
Direitos fundamentais são aqueles considerados essenciais para a
existência digna da pessoa humana e estão previstos em normas
constitucionais de cunho declaratório, enquanto as garantias
constitucionais asseguram o exercício desses direitos e, consequentemente,
estão previstas em normas constitucionais de cunho assecuratório (divide-se
em garantia material e garantia instrumental); os remédios constitucionais
são instrumentos processuais que têm por objetivo concretizar o exercício
do direito garantido, previstos, pois, em normas constitucionais de cunho
instrumental (garantia instrumental).
Oportuno transcrever as lições do constitucionalista português
Miranda, a seguir:
[...] os direitos representam por si só certos bens, as
garantias destinam-se a assegurar a fruição desses bens;
os direitos são principais, as garantias são acessórias;
os direitos permitem a realização das pessoas e inserem-se
direta e imediatamente, por isso as respectivas esferas
jurídicas; as garantias só nelas se projetam pelo nexo que
possuem com os direitos [...] os direitos declaram-se, as
garantias estabelecem-se. (Apud PAULO, 2012, p. 103)
Ou seja: a todo direito fundamental corresponde uma garantia
constitucional que o assegura; e a toda garantia corresponde um remédio que
a instrumentaliza. Mas nada impede, e não raro ocorre, que uma única
disposição normativa encerra direitos fundamentais e garantias
constitucionais, ou garantias (materiais) e remédios constitucionais
(garantias instrumentais), ou, ainda, direitos fundamentais, garantias
constitucionais (materiais) e remédios constitucionais (garantias
instrumentais)[7].
Traçadas tais premissas, verificamos que o mandado de injunção tem
natureza de garantia e remédio constitucional (ou, ainda, ação
constitucional), à medida que é um instrumento processual que tem por
objetivo assegurar direitos fundamentais inseridos na Constituição, cujo
exercício esteja obstado em razão da ausência de norma regulamentadora
(SANTOS, A.M.A. 1989. p. 25).
Nesse diapasão, o estudo do mandado de injunção está inserido na
disciplina de Direito Processual Constitucional ou Direito Constitucional
Processual, podendo ser analisado sob o enfoque constitucional em Direito
Constitucional ou sob o enfoque processual em Direito Processual Civil[8].
In casu, pretendemos enfatizar os aspectos processuais do instituto, mas
sem nos afastarmos de certos aspectos constitucionais que consideramos
essenciais para um estudo completo, principalmente em razão da atual era
neoconstitucionalista, em que todos os ramos do Direito merecem releitura
em face da Constituição.

1.3- Objeto:

Com o objetivo de cumprir o anteriormente mencionado sobre a intenção
de explorarmos os aspectos processuais do mandado de injunção, antes de
fixarmos o seu objeto, cabe-nos discorrer sobre o conceito de objeto do
processo, bem como a respectiva diferença entre os conceitos de objeto da
cognição e objeto da demanda.
Sem embargo de posicionamento contrário[9], a melhor doutrina entende
que o objeto do processo é a pretensão processual[10] (exigência de
submissão do interesse alheio ao interesse próprio), a qual é materializada
na demanda por intermédio do pedido do autor; assim, não havendo nenhuma
questão preliminar a ser acolhida, o juiz passará à análise das questões de
mérito (incluídas as questões prejudiciais), para, ao final, julgar o
pedido, cujo mérito recairá sobre essa pretensão processual. Em outras
palavras, o objeto do processo é o mérito da causa (e não as questões de
mérito), visto que a própria pretensão processual consiste no mérito da
causa.
No que se refere ao objeto da cognição, adotamos o posicionamento de
que este é formado por um trinômio, mas não como doutrina que se refere às
condições da ação, pressupostos processuais e mérito[11], e sim como sendo
as questões preliminares (que se subdividem em condições da ação e
pressupostos processuais), questões prejudiciais e mérito da causa (CÂMARA,
1995, p. 208). Portanto, o objeto de cognição é amplo, abrange questões
processuais, questões de mérito, e até mesmo o próprio mérito da causa,
apenas este último entendido como objeto do processo.
Por fim, quanto ao objeto da demanda, importa salientar que demanda é
ato de impulso inicial à atuação do Estado-juiz, cujos elementos
identificadores são as partes, a causa de pedir e o pedido. Assim, o pedido
é o objeto da demanda, por intermédio do qual a pretensão processual é
materializada, traçando-se, assim, os limites do mérito da causa. Em última
análise, o objeto do processo (mérito da causa) recairá sobre o objeto da
demanda (pedido), sendo certo que a tarefa precípua do juiz é justamente
aplicar o Direito ao caso concreto para, em não havendo questões
preliminares a serem acolhidas, julgar o mérito da causa e solucionar o
caso concreto.
Traçadas tais premissas processuais básicas, cabe-nos, outrossim,
breves comentários sobre a base teórica e filosófica da Constituição da
República Federativa do Brasil promulgada em 1988, para melhor
compreendermos o objeto do processo de mandado de injunção, senão vejamos:
A Constituição de 1988 adotou o Constitucionalismo Democrático,
inspirando-se em valores humanos de isonomia material, solidariedade e
justiça social, e consagrando expressamente em seu texto direitos sociais
(direitos fundamentais de segunda geração, também denominados direitos
prestacionais); nesse contexto, possui caráter Dirigente, à medida que
impõe certos deveres de atuação positiva aos Poderes constituídos com a
consequente redução do campo reservado à deliberação política majoritária.
Por isso, o constituinte originário preocupou-se com as hipóteses de
omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional – pois de nada
adiantaria consagrar direitos prestacionais sem a respectiva garantia –
prevendo, assim, os seguintes instrumentos para a solução da questão: ação
direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção.
O primeiro instrumento é identificado como ação constitucional
pertinente ao controle abstrato/concentrado, não sendo por ora objeto de
nossos estudos; enquanto o segundo instrumento, objeto de nossos estudos, é
identificado como ação constitucional pertinente ao controle
concreto/difuso, atuando como verdadeiro remédio constitucional, previsto
no art. 5º, inc. LXXI, da CRFB. Nesta última hipótese, como bem salienta
Mendes, busca-se a "declaração incidental de inconstitucionalidade sem
pronúncia de nulidade" (et al, 2009, p. 1257).
Por todo exposto, concluímos que o objeto do processo de mandado de
injunção é a pretensão processual de declaração da inconstitucionalidade da
omissão com a respectiva regulamentação da norma constitucional, para a
viabilização do exercício de direitos e liberdades fundamentais ou
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (solução
de um caso concreto), cujo conflito de interesses é caracterizado pela
ausência de norma regulamentadora que inviabilize o exercício desses
direitos e liberdades ou dessas prerrogativas[12], em que de um lado temos
o suposto titular de um direito fundamental de eficácia limitada e, de
outro, o sujeito ou órgão com o dever de editar a norma regulamentadora
deste direito fundamental, supostamente em mora, e, ainda, o ente público
ou privado com o dever de cumprir o mandamento constitucional
regulamentado[13].
Assim, tecnicamente, ousamos discordar das seguintes lições de
Mendes:


O mandado de injunção há de ter por objeto o não-
cumprimento de dever constitucional de legislar que, de
alguma forma, afeta direitos constitucionalmente
assegurados (falta de norma regulamentadora que torne
inviável o exercício de direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes á soberania
e à cidadania. (et al, 2009, p. 1259)


Isso porque o descumprimento do dever constitucional de legislar não
configura o objeto da injunção, mas sim a causa de pedir, assunto que
reservamos para ser explanado autonomamente no item seguinte.


1.4- Causa de pedir:

O Brasil adotou a teoria da substanciação, que "vê na causa de pedir
um conjunto de fatos, ou seja, o suporte fático da pretensão manifestada
pelo demandante em juízo" (CÂMARA, 2003, p. 232); dividindo-se em causa
remota, identificada pelo fato constitutivo do direito alegado pelo autor
(fato jurídico relevante), e, em causa próxima, identificada pela lesão ou
ameaça ao direito alegado (repercussão jurídica do fato).
Diante desses conceitos, não há qualquer dúvida que a causa de pedir
remota do mandado de injunção é a existência de um direito subjetivo diante
de um comando constitucional que imponha o dever de regulamentar esse
direito; por sua vez, a causa de pedir próxima do mandado de injunção é a
ausência de regulamentação que inviabilize o exercício desse direito
subjetivo constitucional. Assim, em sentido amplo, causa de pedir é o
descumprimento de um dever constitucional de legislar capaz de inviabilizar
o exercício de um direito fundamental de eficácia limitada.
Quanto à causa de pedir próxima, embora não com essa denominação,
Piovesan esclarece sobre a relação de causalidade entre a ausência da norma
regulamentadora e a inviabilidade do exercício dos direitos e liberdades ou
prerrogativas, conforme a seguir transcrito:


Para que se compreenda o alcance do novo instituto,
importa destacar que a concessão da injunção está
condicionada a uma relação de causa e efeito. Vale dizer,
a uma causa – a falta de norma regulamentadora – a ordem
jurídica atribui uma consequência – a inviabilidade do
exercício de direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania. (2003, p. 134)


Mazzei parece compartilhar do mesmo entendimento com relação à
existência dessa relação de causalidade ao concluir que "se a carência de
norma reguladora não impedir o exercício e fruição do direito, não caberá
mandado de injunção (já que se tratará de norma auto-aplicável)" (in DIDIER
JR., 2011, p. 217).
No entanto, cabe aqui apenas uma ressalva. É que consideramos que a
análise dessa relação de causalidade deve ser realizada como questão de
mérito e não como questão preliminar, isto é, a ausência de inviabilidade
de exercício de direitos e liberdades constitucionais ou prerrogativas não
resultará no descabimento do mandado de injunção (extinção do proceso sem
resolução de mérito), mas sim na não concessão da ordem de injunção
(improcedência do pedido).
Apesar de entendermos que o objeto do processo de mandado de injunção
consiste no mérito da causa, e que este mérito é a pretensão processual
materializada na demanda através do pedido, não abarcando a causa de
pedir[14], não conseguimos desvincular a análise desse pedido com a causa
de pedir, uma vez que não há como examinar o mérito sem o fato jurídico e
sua respectiva repercussão deduzida em juízo. Outrossim, segundo José
Carlos Barbosa Moreira, toda questão relacionada à causa de pedir será
considerada questão de fato, visto que constitui o suporte fático da
demanda, embora podendo ser considerada como questão jurídica ao ser
examinada sob a perspectiva do objeto do processo (1989, p. 208); motivo
pelo qual não há como rechaçar a causa de pedir ab initio sem análise de
provas (ainda que pré-constituídas) ou sem um exame mais profundo da
questão, salvo se, aplicando a teoria da asserção (entendemos que sua
aplicação não está restrita ao exame das condições da ação), seja possível
verificar a inexistência de inviabilidade de exercício dos direitos e
liberdades ou garantias nos limites da própria afirmação do impetrante.
Neste último ponto, cumpre esclarecer que, em verdade, a causa de pedir
exerce função dúplice, qual seja: em um primeiro momento, exerce a função
de aferir pressuposto processual de existência de uma demanda ou
pressuposto processual negativo de validade desta demanda, hipóteses em
que, de fato, o processo poderá ser extinto na forma do art. 267, inc. IV,
do CPC, em razão da respectiva inexistência ou nulidade do processo[15]; no
segundo momento, e este o mais relevante, exerce a função de conduzir o
julgamento do mérito sem, necessariamente, se confundir com ele.
Portanto, somente podemos concordar com a nomenclatura "requisitos"
(ideia de pressuposto processual) que os doutrinadores costumam utilizar
para designar a existência do dever regulamentar e a respectiva violação
que inviabilize o exercício dos direitos e liberdades ou prerrogativas,
quando se tratar do primeiro momento de função da causa de pedir acima
mencionado. Ultrapassado esse momento, a ausência do dever regulamentar
(que reflete na ausência de direito subjetivo constitucional), ou de
ausência de violação que inviabilize o exercício desses direitos e
liberdades ou prerrogativas, representa questões de fato (ainda que
jurídica), a ser analisada como questão de fundo, influenciando no
julgamento do mérito do mandado de injunção, cujo pedido deverá ser julgado
improcedente[16].
Seguindo esse raciocínio, a ordem de injunção deve ser concedida com
base em: 1) um comando constitucional que imponha o dever regulamentar
(ainda que de forma implícita); e, 2) a violação de direitos e liberdades
constitucionais ou prerrogativas, cujo exercício se tornou inviável em
razão da mora legislativa[17].
Cumpre esclarecer que todos os Poderes têm a função de legislar,
ainda que de forma atípica, como no caso do Executivo e do Judiciário;
sendo certo que as normas constitucionais devem ser interpretadas sem rigor
técnico e de maneira a conferir uma maior eficácia aos seus comandos.
Portanto, a expressão "falta de norma regulamentadora" constante do inc.
LXXI do art. 5º da CRFB, deve ser interpretada de forma ampla e
sistemática, em consonância com o art. 103, parágrafo 2º, da CRFB (no que
se refere à expressão "omissão de medida"), e entendida como "toda e
qualquer medida para tornar efetiva norma constitucional, o que inclui leis
complementares, ordinárias, decretos, regulamentos, resoluções, portarias,
dentre outros atos" (PIOVESAN, 2003, p. 135).
Nessa esteira de raciocínio, podemos incluir no conceito de norma
regulamentadora qualquer ato normativo, inclusive normas programáticas de
cunho material[18] que, muito embora dependam de legislação e políticas
públicas para serem implementadas, não podem se transformar em "promessas
constitucionais inconsequentes"[19]. No entanto, o controle da
inconstitucionalidade será realizado tão somente nos limites do mínimo
essencial assegurado a esses direitos sociais não originários, já que em
contrapartida temos o princípio da reserva do possível e da separação dos
poderes, cuja harmonização decorre da teoria do grau mínimo de
efetividade[20]. Impende salientar que é justamente dentro desse mínimo
social que extraímos o direito constitucional subjetivo de normas
programáticas e, correlatamente, o dever constitucional implícito de
legislar.
Com relação à omissão legislativa parcial, trata-se de questão
controvertida, em que vislumbramos a formação de duas correntes, senão
vejamos: a primeira, entende que não há possibilidade de controle da
omissão parcial, sob o argumento de que nesse caso existe regulamentação,
não sendo o mandado de injunção a via própria para o exame de
constitucionalidade ou justiça da regulamentação[21], cujo mecanismo
próprio seria a declaração de inconstitucionalidade por ação de forma
incidental ou principal[22]; a segunda, a qual nos filiamos, defende a
possibilidade de controle da omissão parcial[23], principalmente nos casos
de exclusão legal de um grupo ou pessoas em idênticas condições, ao
fundamento de que a regulamentação inconstitucional por afronta ao
princípio da isonomia é equiparável à ausência de norma regulamentadora
para a parcela do grupo ou pessoas discriminadas.
Como defensor dessa segunda corrente doutrinária, vale citar os
ensinamentos de Mendes, a seguir transcritos:


A omissão parcial envolve, por sua vez, a execução parcial
ou incompleta de um dever constitucional de legislar, que
se manifesta seja em razão do processo de mudança nas
circunstâncias fático-jurídicas que venham a afetar a
legitimidade da norma (inconstitucionalidade
superveniente), seja, ainda, em razão da concessão de
benefício de forma incompatível com o princípio da
igualdade (exclusão de benefício incompatível com o
princípio da igualdade. (2009, p. 1259).


Ressalta-se, no entanto, que não somos a favor do cabimento de
mandado de injunção para o controle de regulamentos inconstitucionais. Os
defensores dessa possibilidade sustentam que a invalidade da norma
inconstitucional deve ser equiparada à falta de norma regulamentadora[24],
fazendo alusão, inclusive, ao princípio da economia processual[25]. Não
concordamos com esse raciocínio, tendo em vista que, a teoria da nulidade
das normas inconstitucionais é, na maioria das vezes, relativizada por
questões de interesse social e segurança jurídica (técnicas de modulação
dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade previstas no
art. 27 da Lei 9868/99), em que a declaração de inconstitucionalidade pode
ter efeitos ex nunc ou prospectivos, hipótese em que a norma declarada
inconstitucional chega a produzir efeitos no ordenamento jurídico[26], o
que torna incompatível a equiparação.
Parte da doutrina assume posição que considera possível que a
violação ensejadora de impetração de mandado de injunção seja por via
indireta, nos casos em que a autoridade coatora deixa de conferir um
determinado direito sob o argumento de que ele não estaria regulamentado,
v.g., autoridade administrativa que deixa de analisar requerimento de
aposentadoria especial sob o argumento de que este direito não foi
regulamentado; sendo que a Suprema Corte possui alguns julgados com esse
entendimento (vg. STF. AgRg no MI 4842 e MI 4484. Pleno. Relatora Min.
Cármen Lúcia. DJ: 01.04.2013 e 02.04.2013, respectivamente. Acesso em
14.02.2014, ementa). No nosso ponto de vista, porém, não há de se falar em
omissão do dever constitucional de regulamentar, mas sim em ato ilegal ou
abusivo de autoridade coatora passível de ser atacado mediante a impetração
de mandado de segurança.
Finalizamos o presente item concluindo que a causa de pedir próxima
do mandado de injunção é a falta de norma regulamentadora, capaz de
inviabilizar o exercício de direitos e liberdades ou prerrogativas, podendo
essa omissão ser total ou parcial; bem como, a causa de pedir remota é a
existência de qualquer direito subjetivo constitucional pendente de
regulamentação, incluindo-se os direitos prestacionais, desde que nos
limites do mínimo social de garantia, podendo o dever constitucional de
legislar estar previsto expressa ou implicitamente.

2- Peculiaridades e delineamentos do mandado de injunção

2.1- Competência:

A competência para julgar mandado de injunção está expressamente
prevista no art. 102, inc. I, Alínea q; art. 105, inc. I, alínea h, todos
da Constituição da República; art. 121, parágrafo 4º, inc. V; e art. 125,
parágrafo 1º, da Constituição da República c/c art. 161, inc. IV, alínea g,
da Constituição do Estado do Rio de Janeiro[27]. Trata-se, pois, de
competência absoluta.
O critério utilizado pelo Constituinte Originário levou em conta o
órgão ou autoridade com atribuição para a elaboração ou expedição da norma
regulamentadora. Nesse sentido, oportuno transcrever as lições de Piovesan,
verbis:


Ora, quando o texto constitucional fixa ao Supremo
Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça tais
competências, não está com isso, a apontar ao pólo passivo
da ação do mandado de injunção. Trata-se tão-somente de um
critério de partilha de competências entre os órgãos
jurisdicionais. A adoção deste critério de fixação de
competência se pauta no órgão competente para a adoção da
norma regulamentadora. (Grifo Nosso. 2003, p. 146)


Assim, é competente o Supremo Tribunal Federal para julgar
originariamente o mandado de injunção quando a atribuição para a adoção da
norma regulamentadora for do Presidente da República, do Congresso
Nacional, da Câmara dos Deputados ou de sua respectiva Mesa, do Senado
Federal ou de sua respectiva Mesa, do Tribunal de Contas, de um dos
Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo.
Por sua vez, é competente o Superior Tribunal de Justiça para julgar
originariamente o mandado de injunção quando a atribuição para adoção da
norma regulamentadora for de órgão, entidade ou autoridade federal da
administração direta ou indireta, salvo os casos de competência da Suprema
Corte, dos órgãos de competência da Justiça Federal e da Justiça
especializada.
No que se refere aos órgãos jurisdicionais estaduais, o Constituinte
Originário deixou a cargo do Poder Constituinte Derivado Remanescente a
tarefa de fixação de competência (art. 125, parágrafo 1º da CRFB); ocorre
que a Constituição do Estado do Rio de Janeiro seguiu o mesmo critério do
Constituinte Originário ao disciplinar que o julgamento do mandado de
injunção será de competência originária do Tribunal de Justiça quando a
elaboração do regulamento for de atribuição de órgão, entidade ou
autoridade estadual da administração direta ou indireta (at. 161, IV, g, da
CERJ). Sem muito esforço, entendemos que o Governador do Estado foi
abrangido pela hipótese em comento, incluindo-o no conceito de autoridade
estadual.
Embora o referido dispositivo da Constituição do Estado do Rio de
Janeiro não faça alusão à omissão regulamentar do próprio Tribunal de
Justiça, da Assembleia Legislativa ou respectiva Mesa, do Tribunal de
Contas do Estado e do Prefeito da Capital e dos Municípios com mais de
200.000 eleitores, somos de entendimento que o mandado de injunção é também
de competência originária do Tribunal de Justiça nesses casos. A uma porque
essa interpretação extensiva está em consonância com a Constituição
Federal, pois, ainda que não se possa falar propriamente em norma de
repetição obrigatória garantidora do pacto federativo, traça-se um paralelo
com os órgãos estaduais da administração com os órgãos do Legislativo e
Judiciário. A duas porque, as normas referentes ao mandado de segurança são
aplicáveis por interpretação analógica ao mandado de injunção[28], no que
couber; motivo pelo qual o art. 161, inc. IV, alínea e, itens 2, 3 com
ressalva, 4 e 7 são perfeitamente aplicáveis. Salienta-se que o item 1 –
governador do Estado – já está abrangido pela própria alínea g, conforme
acima mencionado, os itens 3, segunda parte, 5 e 6 – Presidente da
Assembleia, Secretários de Estado e Procuradores Gerais da Justiça, do
Estado e da Defensoria, respectivamente – não se aplicam ao mandado de
injunção por não guardarem qualquer relação com a Constituição Federal.
As omissões regulamentares provenientes de órgãos, entidades ou
autoridades municipais da administração direta ou indireta constituirão
causa de pedir de mandado de injunção a ser processado e julgado em
primeira instância, no caso do Estado do Rio de Janeiro, nas Varas de
Fazenda Pública, de acordo com o disposto no art. 86, inc. I, alínea a, do
CODJERJ. Seguindo a mesma linha de raciocínio acima esposada, aqui também
deve ser traçado um paralelo para abranger a hipótese de omissão da Câmara
Municipal ou sua respectiva Mesa, sendo inconcebível que a matéria seja
julgada em Vara Cível, dado o interesse público que envolve a questão,
salvo nas comarcas em que não há Vara de Fazenda.

2.2- Legitimidade ad causam:

O art. 5º, inc. LXXI, da CRFB prevê o mandado de injunção como
garantia constitucional para "o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania
e à cidadania", não fazendo qualquer restrição quanto à legitimidade; razão
pela qual o referido dispositivo deve ser interpretado amplamente com o fim
de extrair a máxima efetividade da norma.
Com relação à legitimidade ativa, o mandado de injunção pode ser
impetrado por qualquer pessoa – natural ou jurídica – ou até mesmo os
chamados sujeitos processuais descritos nos incs. III, IV e V do art. 12 do
CPC, desde que estejam na condição de titular de direito fundamental, cujo
exercício esteja inviabilizado em razão da falta de norma regulamentadora
(NERY et al, 1996. p. 252).
Outrossim, em se tratando de mandado de injunção coletivo, o writ
poderá ser impetrado por pessoa, órgão ou entidade representante do grupo
ou classe atingida com a mora legislativa. No ponto, cumpre esclarecer que
o Supremo Tribunal Federal fixou posicionamento a favor da possibilidade de
impetração de mandado de injunção coletivo (STF. MI 361-RJ. Pleno. Relator
p/ Acórdão Min. Sepúlveda Pertence. DJ: 17.06.1994 e MI 472-DF. Pleno. Min.
Celso de Mello. DJ: 02.03.2001. Ementa. Acesso em 20 fev. 2014, ementa);
sob o fundamento, em síntese, que o texto constitucional não realizou
qualquer restrição nesse sentido, devendo a garantia instrumental
instituída no art. 5º, inc. LXXI, da CRFB, ser interpretada em consonância
com os arts. 5º, inc. XXI; 8º, inc. III; e 5º LXX, todos da CRFB.
O mandado de injunção é uma garantia instrumental que visa conferir
efetividade aos direitos fundamentais, não podendo afastar a tutela de
direitos coletivos, até porque, atualmente, verificamos o crescente
fenômeno de reivindicações de índole social e a presença de demandas
massificadas, o que acarretou a necessidade de "molecularização" dessas
demandas como forma de otimizar o acesso à justiça e garantir a realização
da justiça social por todos almejada[29]. Ou seja, a Constituição de 1988
possui vários dispositivos voltados à declaração e tutela de direitos
coletivos, de forma que o mandado de injunção, ao pretender garantir o
exercício de direitos e liberdades ou prerrogativas, não poderá deixar de
fazê-lo em âmbito coletivo.
Sob essa perspectiva teleológica e sistemática, a legitimidade
coletiva do mandado de injunção deve ser equiparada à legitimidade coletiva
do mandado de segurança, aplicando-se, pois, o art. 21 da Lei
12.016/2009[30]. Mas não é só. Como se sabe, hodiernamente, podemos falar
na existência de um microssistema processual coletivo, isso significa que
no ordenamento jurídico pátrio há diversos diplomas legais dispondo sobre
tutela coletiva, cada qual com princípios e regras próprias da matéria que
pretendem normatizar, mas que devem ser aplicados de forma conjunta e
harmônica, com o objetivo de maximizar a intercomunicação dos ditames
comuns ao sistema, criando-se uma espécie de teoria geral do processo
coletivo (AZEVEDO, 2012, pp. 111-129).
O Superior Tribunal de Justiça, em diversas ocasiões, manifestou-se a
favor da aplicação conjunta e harmônica da legislação sobre processo
coletivo[31]; sendo certo que as Leis 7.347/1982 e 8.078/1980 constituem o
núcleo desse microssistema, em razão não só da intertextualidade e
complementariedade entre esses dois diplomas (art. 21 da LACP e art. 90 do
CDC), mas também pela respectiva irradiação para os demais, em razão do
caráter conceitual e principiológico deles. Assim, não há como negar a
aplicação da Lei de Mandado de Segurança (Lei 12.016/2009), da Lei de Ação
Civil Pública (Lei 7.347/82), do Código de Defesa do Consumidor (Lei
8.072/90) e demais diplomas processuais coletivos ao mandado de injunção,
no que couberem; motivo pelo qual entendemos que tanto o Ministério
Público[32], quanto a Defensoria Pública, possuem legitimidade
extraordinária para figurarem no polo ativo do mandado de injunção, de
acordo com o art. 5º da Lei 7.347/82, e nos limites de suas respectivas
funções institucionais (art. 127, caput, e art. 129, inc. II, da CRFB c/c
art. 6º da LC 75/93, no que se refere ao MP; e art. 134 da CRFB c/c art.
4º, inc. VII da LC 80/94 com redação dada pela LC 132/2009, no que se
refere à DP).
Dessa forma, as regras de legitimação ativa do mandado de injunção
coletivo devem ser extraídas dos diplomas legais pertencentes ao
microssistema de tutela dos direitos coletivos, sendo estes considerados de
forma ampla para abranger os interesses individuais homogêneos, interesses
coletivos stricto sensu, e também os interesses difusos. Nesse último
ponto, pedimos vênia para discordar da posição de Piovesan, que sustenta o
cabimento de mandado de injunção tão somente para a tutela de interesses
coletivos stricto sensu, negando-o para a tutela de interesses difusos, e
ficando omissa quanto ao cabimento para tutela de direitos individuais
homogêneos[33]. Ao nosso sentir, a negativa não se justifica[34], pois,
conforme será desenvolvido no item 3.5.2, defendemos a possibilidade de a
sentença do mandado de injunção vir a produzir efeitos erga omnes
(abstrativização do controle incidental), a depender do caso concreto; e
isso não transforma o mandado de injunção em instrumento de tutela de
direito objetivo, uma vez que a eficácia normativa da sentença é
provisória, a regulamentar e possibilitar o exercício dos direitos e
liberdades tão somente no período de vácuo legislativo. In casu, aplica-se
o brocardo "quem pode o mais, pode o menos", isto é, se a sentença de
mandado de injunção individual pode vir a ter eficácia erga omnes, com
maior razão a sentença de mandado de injunção coletivo produzirá eficácia
erga omnes quando tiver por objeto a viabilização de exercício de um
direito difuso.
Com relação à legitimidade passiva, vislumbramos a formação de três
correntes, cujos fundamentos passaremos a expor, a seguir:
A primeira corrente sustenta que é parte legítima para ocupar o polo
passivo do mandado de injunção o órgão, entidade ou autoridade que detenha
o dever constitucional de regulamentar os direitos e liberdades
constitucionais ou prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania ou
à cidadania. Esse entendimento somente poderia ser aplicado paralelamente
ao entendimento de eficácia da sentença de injunção de caráter meramente
declaratório (teoria da subsidiariedade), o que justificaria a participação
da relação jurídica processual tão somente daquele a quem se imputa a
omissão e contra quem a mora será declarada em caso de procedência do
pedido. Não é, porém, o que ocorre na prática. O Supremo Tribunal Federal
adota esta corrente para fins de legitimidade desde seus primeiros
julgados, e continua com a mesma linha de raciocínio mesmo depois da virada
jurisprudencial que passou a admitir caráter normativo (teoria da
resolutividade), e até mesmo em casos de eficácia erga omnes (teoria da
independência jurisdicional)[35].
No nosso ponto de vista, equivoca-se a Suprema Corte ao tomar o
critério de legitimidade passiva pelo critério de competência (art. 102,
inc. I, alínea q; e art. 105, inc. I, alínea h), sendo que a não
participação processual da pessoa pública ou privada que suportará o ônus
da concessão do mandado de injunção viola a garantia de devido processo
legal.
A segunda corrente entende que parte legítima para ocupar o polo
passivo do writ é tão somente a pessoa pública ou privada que suportará o
ônus da concessão de injunção, podendo o órgão, entidade ou autoridade
morosa ser, eventualmente, intimada para prestar esclarecimentos. Como
adepta desta corrente, podemos citar Piovesan (2003, p. 145)[36],
ressaltando que a doutrinadora defende o caráter normativo, provisório e
inter partes da sentença de injunção (teoria da resolutividade). Não nos
afastamos completamente desse entendimento, mas por considerarmos que em
algumas situações seria mais prudente a participação também do órgão,
entidade ou autoridade omissa, preferimos adotar a terceira corrente, sob
os fundamentos que serão expostos a seguir.
A terceira corrente entende que tanto o órgão, entidade ou autoridade
com atribuição para a regulamentação dos direitos e liberdades ou
prerrogativas, quanto à pessoa pública ou privada que suportará o ônus de
eventual concessão da ordem de injunção, deverão participar da relação
jurídica processual no polo passivo da demanda. Mazzei (in DIDIER JR, 2011,
pp. 257-265) admite essa corrente, em casos específicos, quando a sentença
tiver dois comandos sucessivos, isto é, quando a primeira parte do
dispositivo reconhece a mora e fixa prazo para a atividade regulamentar, e
a segunda parte do dispositivo cria o regulamento para o caso concreto
somente sob a hipótese de descumprimento do referido prazo (teoria mista
menor); assim, nos dizeres do Ilustre doutrinador, haveria a formação de um
litisconsórcio secundário (ou sucessivo).
Quanto a esse entendimento, fazemos uma pequena ressalva, qual seja,
a existência de litisconsórcio entre o órgão, entidade ou autoridade omissa
e a pessoa pública ou privada que suportará o ônus da regulamentação não
está condicionada à adoção da teoria mista menor. Explicando: seja qual for
a teoria adotada, com exceção da teoria da subsidiariedade, a sentença
constitutiva regulamentará o direito fundamental do impetrante. Assim, de
um lado, não há qualquer dúvida quanto à legitimidade da parte que
suportará o ônus daí decorrente, pois os efeitos da sentença constitutiva
atingem sua esfera patrimonial e/ou extrapatrimonial, a depender do Direito
regulamentado. E, de outro lado, não há qualquer dúvida quanto à
legitimidade da parte omissa, tendo em vista que qualquer sentença, até
mesmo as constitutivas, possui parcela declaratória (no caso em tela o
reconhecimento da omissão), sendo de bom alvitre que o órgão, entidade ou
autoridade que detenha o dever constitucional regulamentar e responsável
pela situação de inconstitucionalidade não figure apenas como uma espécie
de amicus curiae para prestar esclarecimentos, mas sim como parte e com
todos os poderes e ônus a ela inerentes, tais como, produção de provas,
chamamento ao processo, reconhecimento da procedência do pedido com a
respectiva edição da norma regulamentar, ou até mesmo podendo influir
decisivamente na escolha dos parâmetros escolhidos pelo Judiciário para a
elaboração do regulamento provisório.
Este último, o posicionamento que, para nós, mais se adequa aos
ditames da garantia de devido processo legal (art. 5º, inc. LIV, da CRFB),
por possibilitar ampla defesa para todos aqueles que, de alguma forma,
possam ser atingidos com os efeitos da decisão; o que demonstra a
existência de litisconsórcio passivo, cujo tema será desenvolvido no item a
seguir.

2.3- Litisconsórcio passivo:

Ao adotarmos posicionamento que exige a presença tanto da parte a
quem cabe o dever constitucional de legislar, como da parte que terá o seu
patrimônio atingido pelos efeitos normativos da sentença, conclui-se pela
inegável presença de litisconsórcio (necessário), cabendo-nos então
prosseguirmos em sua classificação, embora encontremos alguns empecilhos na
legislação para a sua configuração.
O litisconsórcio passivo pode ser simples ou unitário e facultativo
ou necessário.
Considera-se litisconsórcio passivo simples (ou comum) aquele em que
a sentença pode ser diferente para cada um dos réus, os quais são tratados
como partes autônomas, em razão da natureza cindível da relação jurídica
material ou pela autonomia desta entre cada um dos réus e o autor. Ao
contrário, litisconsórcio passivo unitário é aquele em que a sentença deve
ser uniforme para todos os réus, os quais são tratados como uma única
parte, em razão da natureza incindível da relação jurídica material, que é
una e indivisível (DIDIER Jr., 2009, pp. 308-309).
Outrossim, considera-se litisconsórcio passivo facultativo aquele em
que pode ou não ser formado a critério da parte autora que escolherá com
quem litigar, desde que os réus sejam parte legítima para figurarem no polo
passivo da demanda. Por outro lado, litisconsórcio passivo necessário é
aquele em que há obrigatoriedade de formação para a integração do polo
passivo, exigindo-se, pois, a presença de todos os sujeitos que de alguma
forma possui relação jurídica com a parte autora (DIDIER JR., 2009, pp. 309-
312).
Portanto, o litisconsórcio passivo somente é necessário quando a
natureza da relação jurídica material for incindível (litisconsórcio
unitário) ou por exigência de lei; de onde se extrai que todo (ou quase
todo) litisconsórcio passivo unitário é necessário, mas a recíproca não é
verdadeira, pois o litisconsórcio necessário em decorrência da lei pode ser
simples[37].
Oportuno transcrever as precisas lições de Didier Jr. sobre a relação
entre litisconsórcio unitário e necessário, verbis:


É o art. 47 do CPC que trata mais especificamente das
hipóteses em que o litisconsórcio será, ou não,
necessário. Por duas razões, diz o dispositivo aludido,
ter-se-á o litisconsórcio necessário: a) quando o exigir a
própria natureza da relação jurídica deduzida em juízo (ou
seja: quando for unitário) ou b) quando o exigir a lei,
independentemente da natureza da relação jurídica deduzida
em juízo. Assim, percebe-se que o art. 47 do CPC
pretendeu, corretamente, ligar a necessariedade, em
princípio, à unitariedade. Mas será necessário também,
disse-o agora sem muita clareza, quando assim o dispuser a
lei. O que em certos casos deriva de específica disposição
de lei é, portanto, a necessariedade do litisconsórcio e
não a sua unitariedade. (2009, p. 309-310).[38]


O que pretendemos defender é a necessariedade do litisconsórcio
passivo no processo de mandado de injunção; entretanto, por tudo o que foi
acima exposto, e de acordo com o art. 47 do CPC, o litisconsórcio somente
será necessário em razão da natureza incindível dos efeitos da sentença ou
em razão da lei. É nesse ponto que surgem os empecilhos legislativos para a
configuração de litisconsórcio passivo necessário entre o órgão, entidade
ou autoridade omissa e a pessoa pública ou privada que suportará os efeitos
da sentença, mas que deverão ser ultrapassados com base em interpretação
sistemática dos princípios de direito processual constitucional e até mesmo
utilizando o Direito comparado como fonte do Direito Processual Civil
pátrio.
Antes de iniciarmos o esforço interpretativo para a conformação da
existência de litisconsórcio passivo necessário no processo de mandado de
injunção ao sistema processual brasileiro, cabe-nos explicar a posição de
Mazzei, para quem o litisconsórcio é sucessivo (ou secundário), caso seja
adotada a teoria mista menor da natureza da sentença de mandado de
injunção.
Como mencionado no item anterior sobre legitimidade passiva, o
doutrinador acima admite a possibilidade de litisconsórcio entre o órgão,
entidade ou autoridade omissa e a pessoa pública ou privada que sofrerá os
efeitos de eventual sentença de procedência nos casos em que esta tiver
dois comandos sucessivos em seu dispositivo: O primeiro reconhecendo a mora
e fixando prazo para a atividade regulamentar, cujo comando é direcionado,
por óbvio, ao sujeito processual responsável pela edição da norma
regulamentadora; e o segundo, sob a condição de descumprimento do primeiro,
criando o regulamento para o caso concreto, cujo comando é direcionado, por
óbvio, ao sujeito processual que suportará o ônus do regulamento provisório
criado pelo Judiciário. Por isso, a conclusão de existência de
litisconsórcio sucessivo (ou secundário), uma vez que a parte legítima
sucessiva somente será atingida pelos efeitos da sentença em caso de
descumprimento da sentença pelo legitimado passivo principal (ou primário),
justificando-se ab initio a sua integração no polo passivo em prol da ampla
defesa e do contraditório.
Conforme acima explicitado, importante destacar os dizeres de Mazzei,
ao confrontar os ensinamentos de Fredie Didier sobre situação assemelhada
de litisconsórcio existente entre a sociedade empresária e seus sócios, em
caso de desconsideração da personalidade jurídica, a seguir:


A exemplificação, ainda que não seja idêntica, possui
similitude com a decisão proferida no mandado de injunção
na posição intermediária (sic. teoria mista menor): a) não
resolvida a pretensão de direito material exposta no writ
através da elaboração legislativa para o exercício do
direito, então b) o litisconsórcio secundário terá de ser
aplicado, pois haverá a construção da norma (judicial)
concreta que se direcionará diretamente ao mesmo. De outro
giro, impetrado o mandado de injunção e resolvido o vácuo
pelo litisconsorte principal (aquele que deveria editar a
legislação regulamentadora), não haverá qualquer motivo
para que se profira decisão contra o litisconsorte segundo
(aquele que terá que cumprir a regulação judicial), que
estará figurando no pólo passivo apenas para o caso de
impossibilidade de emanação de provimento normativo pelo
ente estatal.[39] (In DIDIER JR., 2011, p. 260).


Portanto, adotando-se a teoria mista menor, é brilhante o raciocínio
de Mazzei quanto à existência de litisconsórcio sucessivo (ou secundário).
Entretanto, por não adotarmos a referida teoria, prosseguiremos a abordagem
para demonstração de existência de litisconsórcio necessário.
A necessariedade do litisconsórcio passivo em processo de mandado de
injunção não decorre da unitariedade da relação jurídica material das
partes envolvidas, havendo total separação entre o sujeito que detém o
dever constitucional regulamentar e o sujeito que deverá cumprir os deveres
regulamentados na sentença; trata-se, pois, de deveres distintos, com
origens distintas, cuja sentença será diferente para cada réu (declaratória
para o primeiro e constitutiva para o segundo)[40].
Por sua vez, a necessariedade do litisconsórcio passivo também não
decorre de lei, simplesmente porque não há lei que regulamente o
procedimento de mandado de injunção. Já tivemos a oportunidade de mencionar
que a lei de mandado de segurança poderá ser aplicada ao procedimento do
mandado de injunção, no que couber; sendo certo que não se aplica o art.
7º, inc. II e III da Lei 12.016/2009 ao caso em tela, uma vez que não se
trata de relação entre autoridade coatora e órgão de representação judicial
da pessoa jurídica da qual faz parte.
No entanto, sobressai das regras de experiência comum que tanto
aquele que é responsável pela situação de inconstitucionalidade, quanto
aquele que terá a sua esfera de direitos atingida pelos efeitos da
sentença, deverão participar do processo que tem por objetivo justamente
sanar essa situação de inconstitucionalidade; motivo pelo qual, tanto um
quanto o outro deverão ser incluídos no polo passivo, em respeito ao devido
processo legal, ampla defesa e contraditório, consagrados no art. 5º, incs.
LIV e LV da CRFB.
Mas não é só. Entre os processualistas, muito se discute sobre a
existência ou não da chamada intervenção iussu iudicis no sistema
processual brasileiro, que nada mais é do que o ingresso de terceiro no
processo por determinação do juiz.
O Código de Processo Civil de 1939 previa a hipótese em seu art. 91,
o qual concedia ao juiz o poder de trazer ao processo terceiros que
tivessem interesse na causa, ainda que indireto, sempre que conveniente a
sua participação na relação jurídica processual. Nos dizeres de Costa, à
época de vigência do referido dispositivo, este tinha por finalidade
"trazer para o processo um terceiro que pode ser prejudicado pela sentença
a proferir entre as partes originárias ou ao qual se pretende estender a
eficácia dessa sentença" (1961, p. 133).
Sustenta Greco Filho que o instituto da intervenção iussu iudicis
está previsto no parágrafo único do art. 47 do Código de Processo Civil de
1973 (2003, p. 124). Diversamente, entendemos que esse dispositivo não
consagrou o referido instituto, tratando-se a hipótese de relação
processual jurídica incompleta em razão da ausência de litisconsórcio
necessário, em que o magistrado, atendendo aos princípios de aproveitamento
dos atos processuais e economia processual, intima a parte autora para que
esta promova a citação do litisconsorte necessário, de forma a sanar o
vício de invalidade causado pela ausência de parte no processo, sob pena de
extinção do processo sem resolução do mérito, na forma do art. 267, inc.
IV, do CPC (ausência de pressuposto processual de validade para o regular
desenvolvimento do processo).
Isso não significa, porém, que o instituto da intervenção iussu
iudicis não possa ser utilizado pelo magistrado no ordenamento jurídico
pátrio, fazendo-se valer do Direito comparado como, por exemplo, o art. 107
do Código de Processo Civil Italiano[41]. Muito embora ainda não exista lei
prevendo a necessariedade do litisconsórcio passivo entre o órgão, entidade
ou autoridade omissa e a pessoa pública ou privada que sofrerá os efeitos
da sentença no mandado de injunção, o magistrado ad cautelam deverá se
valer da intervenção iussu iudicis para trazer ao processo um ou outro
sempre que o impetrante indicar como réu apenas um dos dois.
Oportuno transcrever as lições de Silva sobre o instituto em comento,
como forma de garantir o contraditório e o acesso à justiça, a seguir:


Outrossim, a intervenção iussu iudicis garante a
efetivação do direito fundamental do contraditório e de
acesso à justiça. Pela dimensão publicística do direito
processual e relevância do contraditório, em especial no
processo civil, essa atuação de ofício do juiz cumpre
efetivamente as garantias constitucionais processuais e os
direitos fundamentais, legitimando, pois, o processo e a
própria jurisdição. (SILVA, N.F. 2008. pp. 197-198)


Essa é, para nós, a única forma de adequar a finalidade do mandado de
injunção com a natureza da sentença sem ferir o devido processo legal, como
uma espécie de litisconsórcio necessário sui generis, em que parte da
sentença necessariamente atinge o responsável pelo descumprimento do dever
constitucional de legislar, e outra parte da sentença necessariamente
atinge aquele que irá sofrer as consequências da regulamentação criada pelo
Judiciário[42]. Portanto, enquanto não seja aprovada e promulgada a lei que
regulamentará o procedimento de mandado de injunção com expressa previsão
de existência de litisconsórcio passivo necessário[43], quando ambos não
forem indicados como réus pela parte autora, a integração deverá ser
realizada por intermédio de intervenção iussu iudicis, com base em
interpretação sistemática dos princípios e garantias processuais
constitucionais acima mencionados, bem como, socorrendo-se do art. 107 do
CPC italiano.


2.4- Procedimento:

Como já tivemos a oportunidade de mencionar, até a presente data não
há lei processual específica que regulamente o procedimento de mandado de
injunção, a qual deverá ser elaborada pelo Congresso Nacional, na forma do
art. 22, inc. I, da CRFB; entretanto, firmou-se o entendimento de que a Lei
de Mandado de Segurança é aplicável analogicamente no que couber[44]; e,
assim como no mandado de segurança, o Código de Processo Civil,
subsidiariamente.
O referido entendimento tem por fundamento o fato de o mandado de
injunção constituir uma garantia constitucional de aplicação imediata, ex
vi do art. 5º, inc. LXXVI c/c 5º parágrafo 1º, da CRFB, conforme podemos
verificar do julgamento da questão de ordem levantada no MI 107 (leading
case), a seguir:


Assim fixada a natureza desse mandado, e ele, no âmbito da
competência desta Corte - que esta devidamente definida
pelo artigo 102, i, 'q' - auto-executável, uma vez que,
para ser utilizado, não depende de norma jurídica que o
regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável
que lhe é analogicamente o procedimento do mandado de
segurança, no que couber. Questão de ordem que se resolve
no sentido da auto-aplicabilidade do mandado de injunção,
nos termos do voto do relator. (STF. MI 107 QO-DF. Relator
Min. Moreira Alves. Pleno. Julgamento: 23.11.1989. DJ:
21.09.1990. Ementa. Acesso em 09 mar. 2014)


A Lei 8.038/1990 (art. 24, parágrafo único) eliminou qualquer dúvida
a respeito da questão, ao determinar expressamente a aplicação da Lei de
Mandado de Segurança ao procedimento do mandado de injunção, no que couber.
Assim, aplica-se a Lei 12.016/2009 no que se refere à petição inicial (art.
6º), no que se refere à citação e prazo de resposta (art. 7º), quanto ao
recurso cabível nos casos de indeferimento da inicial (art. 10, parágrafo
1º), quanto ao ingresso de litisconsorte ativo após o despacho liminar
positivo (art. 10, parágrafo 2º), quanto à intimação pessoal dos réus da
sentença (art. 13), com relação ao recurso cabível da decisão que concede
ou denega o writ impetrado em primeiro grau de jurisdição (art. 14) ou em
única instância no Superior Tribunal de Justiça (art. 18), com relação à
legitimidade ativa coletiva e os direitos a serem protegidos nesse tipo de
demanda (art. 21 e 22), assim como no que se refere à impossibilidade de
interposição de embargos infringentes e ausência de condenação em
honorários advocatícios (art. 25).
Considerando que muitos dos dispositivos acima mencionados não serão
aplicados ipse literis, mas sim adaptados à realidade do mandado de
injunção, faz-se mister realizarmos alguns comentários, senão vejamos:
A petição inicial deverá conter os requisitos de que trata o art. 282
e 283 do CPC, conforme determina o art. 6º da Lei 12.016/2009. Dessa forma,
muito embora não se possa falar em direito líquido e certo, assim como não
haja necessidade de prova pré-constituída, devemos atentar para o fato de
que o mandado de injunção possui procedimento sumário (no sentido de
célere), sem espaço para dilação probatória, até porque a causa de pedir é
baseada na existência de direito constitucional subjetivo cujo exercício
esteja inviabilizado em razão do descumprimento do dever constitucional de
legislar, bastando prova documental ou documentada de que o impetrante é
titular do direito, liberdade ou prerrogativa, bem como demonstração da
respectiva inviabilidade de exercício em razão da omissão legislativa.
Trata-se, pois, de documentos ad substantia, a serem apresentados em
conjunto com a inicial, na forma do art. 283 e 396 do CPC; eventualmente,
será possível complementação probatória a depender do caso concreto, que
também deverá consistir em prova documental ou documentada, sempre visando
a aceleração e compressão dos atos processuais. Nesse sentido, oportuno
transcrever as lições de Mazzei:


No mandado de injunção, por aplicar – em adaptação – a Lei
12.016/09 (que 'substituiu' a Lei n.º 1.553/51 no mundo
jurídico), ocorre a compressão dos atos processuais,
seguindo via procedimental sumária, com agilidade no plano
temporal.
Evitam-se no mandado de injunção dilações probatórias,
devendo a prova documentada ser carreada desde logo com a
peça vestibular. [...]
Na verdade, tanto a prova documental, quanto a prova
documentada propiciam o encurtamento dos atos processuais,
com cognição probatória mais curta, em apego à essência da
Lei 12.016/09. Bem é verdade que há risco da prova
documentada não ser hígida ou incontroversa o suficiente,
fazendo com que seja necessário reclamar a complementação
probatória e, via de talante, causando embaraço. [...]
De todo modo, fixa-se no mandado de injunção identidade
com os processos documentais, expressão essa que deve ser
lida como ação constitucional que deve ser nutrida de
prova documental e/ou documentada" (in DIDIER JR, 2011, p.
219-220).


Os impetrados (órgão, entidade ou autoridade responsável pela
situação de inconstitucionalidade e pessoa pública ou privada que sofrerá
as consequências do regulamento provisório criado na sentença) assumem a
condição de parte ré (e não simples informantes), e, por isso, deverão ser
citados (e não meramente notificados), bem como deverão apresentar
contestação (e não mero esclarecimento)[45]. Isso ocorre porque, em
verdade, o denominado mandado de injunção é instrumento que tem por
finalidade garantir o exercício de direitos e liberdades constitucionais ou
prerrogativas, e, para tanto, tem por objeto a declaração da situação de
inconstitucionalidade por omissão com a respectiva normatização provisória;
verifica-se, assim, uma situação de conflito de interesses a ser
solucionada pelo Judiciário.
Embora com outra justificativa, Santos também compartilha do
entendimento de que os sujeitos passivos do mandado de injunção deverão
integrar a relação processual por intermédio de citação, verbis:


Ao contrário do que ocorre nos casos de mandado de
segurança, em que os sujeitos passivos são notificados
para prestar informações, no mandado de injunção
entendemos que deverão ser citados por oficial de justiça,
ou carta dos escrivães ou secretários. E assim deve ser
porque, nesse caso, são chamados para se defender [...].
(SANTOS, U.P. 1988. p. 51)


Nesse diapasão, fica evidente a necessidade de oportunizar a defesa
dos impetrados mediante citação e prazo para apresentação de defesa (10
dias a contar da citação). No ponto, cumpre esclarecer que no mandado de
injunção, em regra, não cabe exceção de incompetência, tendo em vista que
as regras de competência estão previstas na Constituição Federal,
Constituição Estadual e CODJERJ, e, portanto, eventual incompetência será
absoluta; bem como, não cabe reconvenção, não havendo qualquer pretensão
por parte dos impetrados em face do impetrante que se pudesse fazer conexa
com a ação principal ou fundamento de defesa, até porque essa modalidade de
resposta não se coaduna com o procedimento sumário em que o processo de
mandado de injunção se desenvolve. Ademais, embora os impetrados possam
apresentar defesas indiretas e acostar documentos na contestação, "não
haverá réplica, nem abertura de prazo de vista para as partes se
pronunciarem sobre documentos apresentados pela autoridade pública, para
não prejudicar a rapidez com que a ordem deve ser decidida" (SANTOS, U.P.
1988. p. 78).
No que se refere à possibilidade de impetração de Mandado de Injunção
Coletivo, remetemos o leitor ao item 2.3, onde tivemos a oportunidade de
discorrer sobre a matéria.
Quanto aos recursos cabíveis, vejamos as seguintes possibilidades:
1) Se o mandado de injunção for de competência de Vara de Fazenda ou
Vara Cível nas Comarcas em que não há Vara de Fazenda, caberá apelação da
sentença que indeferir a inicial (art. 10, parágrafo primeiro, primeira
parte, da Lei 12.016/09) e da sentença que conceder ou denegar a ordem de
injunção (art. 14, caput, da Lei 12.016/09); sendo que a sentença que
conceder a ordem deverá ser submetida ao reexame necessário, aplicando-se,
pois, o parágrafo primeiro do art. 14 da Lei 12.016/09 c/c art. 475, caput,
do CPC[46]. Julgado o recurso no Tribunal, e esgotadas todas as
instâncias[47], a decisão colegiada poderá ser atacada por recurso especial
ou extraordinário (art. 18, primeira parte, da Lei 12.016/09), desde que
revele alguma das hipóteses do art. 105, inc. III, ou art. 102, inc. III,
da Constituição Federal, respectivamente[48]. Por sua vez, da decisão
colegiada de provimento do recurso por maioria não cabe embargos
infringentes, na forma do art. 25 da Lei 12.016/09[49].
2) Se o mandado de injunção for de competência de um dos Tribunais
Estaduais, caberá agravo da decisão do Relator que indeferir a inicial
(art. 10, parágrafo primeiro, in fine, da Lei 12.016/09)[50]; esgotadas
todas as instâncias, a decisão colegiada poderá ser atacada por recurso
especial ou extraordinário (art. 18, primeira parte, da Lei 12.016/09),
desde que revele alguma das hipóteses do art. 105, inc. III, ou art. 102,
inc. III, da Constituição Federal, respectivamente. Não caberá recurso
ordinário para o Superior Tribunal de Justiça, por ausência de previsão
constitucional[51].
3) Se o mandado de injunção for de competência do Superior Tribunal
de Justiça, da decisão do Relator ou Presidente do Tribunal que indeferir a
inicial caberá agravo regimental (art. 10, parágrafo primeiro, in fine, da
Lei 12.016/09 c/c art. 258 do RISTJ), da decisão colegiada que conceder a
ordem caberá recurso extraordinário (art. 18, primeira parte, da Lei
12.016/09), desde que revele alguma das hipóteses do art. 102, inc. III, da
CRFB; bem como, da decisão que denegar o mandado de injunção, caberá
recurso ordinário (art. 18, in fine, da Lei 12.016/09 c/c art. 103, inc.
II, alínea a, da CRFB). Não caberá embargos de divergência, já que o
mandado de injunção é julgado originariamente pela Corte Especial (art. 11,
inc. III c/c art. 266, a contrario sensu, do RISTJ).
4) Se o mandado de injunção for de competência do Supremo Tribunal
Federal, em regra, somente caberá agravo regimental da decisão do Relator
ou Presidente do Tribunal que indeferir a inicial (art. 10, parágrafo
primeiro, in fine, da Lei 12.016/09 c/c art. 317 do RISTF), tendo em vista
que não haveria interesse jurídico para a interposição de qualquer outro
recurso, já que o mandado de injunção é, em regra, julgado originariamente
pelo Plenário (art. 5º, inc. V, do RISTF, por analogia). No entanto, se
tratar de caso excepcional de julgamento de mandado de injunção por turma
em única Instância (art. 9º, inc. I, alínea e, do RISTF – contra ato
omissivo do Tribunal de Contas da União e dos Tribunais Superiores), em
tese, caberá recurso extraordinário; mas não caberá embargos de
divergência, pois se trata de ação originária em única instância e não
recurso (art. 330 do RISTF). Quanto ao recurso de embargos infringentes,
além da vedação expressa do art. 25 da Lei 12.016/09, o art. 333 do RISTF
não prevê hipótese de cabimento do referido recurso para atacar decisão em
mandado de injunção, não sendo, portanto, cabível esse tipo de recurso[52].

5) Nunca é demais lembrar que caberá embargos de declaração em todos
os itens (1 a 4) e hipóteses acima mencionados.
Por fim, discute-se a possibilidade de medida liminar em sede de
mandado de injunção. Parte da doutrina entende pelo cabimento, desde que
haja possibilidade de dano irreparável enquanto se aguarda a decisão
final[53], contudo a jurisprudência da Suprema Corte tem negado tal
possibilidade. Oportuno transcrever a seguinte ementa:


MANDADO DE INJUNÇÃO - LIMINAR. Os pronunciamentos da Corte
são reiterados sobre a impossibilidade de se implementar
liminar em mandado de injunção - Mandados de Injunção nºs
283, 542, 631, 636, 652 e 694, relatados pelos ministros
Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Ilmar Galvão, Maurício
Corrêa, Ellen Gracie e por mim, respectivamente. AÇÃO
CAUTELAR - LIMINAR. Descabe o ajuizamento de ação cautelar
para ter-se, relativamente a mandado de injunção, a
concessão de medida acauteladora" (STF. AC 124 AgR. Pleno.
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 23.09.2004.
Ementa. Acesso em 12 mar. 2014).


Ao nosso sentir, não haveria qualquer empecilho para o deferimento da
medida liminar, desde que esta consista na suspensão de processos judiciais
e/ou administrativos, à semelhança da medida prevista no art. 21 da Lei
9.868/1999; sendo certo que o art. 124, parágrafo único, do REGITJRJ prevê
hipótese de agravo regimental da decisão que concede ou nega liminar em
mandado de injunção, o que corrobora com o nosso entendimento.

3- Teorias sobre natureza da sentença e efeitos subjetivos da coisa julgada

3.1- Generalidades:

O estudo da eficácia da sentença definitiva em mandado de injunção
tem por objetivo a verificação dos efeitos decorrentes do conteúdo da
resolução do mérito da causa; sendo que cada teoria pretende fixar a
natureza da sentença (classificação quanto ao conteúdo) e pontuar os
efeitos daí decorrentes, assim como, algumas incluem, também, a análise dos
efeitos da coisa julgada.
De acordo com os ensinamentos de Câmara há distinção entre conteúdo e
efeitos da sentença, verbis:


"A sentença definitiva (isto é, a sentença que contém
resolução do mérito, aquela que dá uma definição ao objeto
do processo) se classifica em três espécies segundo o seu
conteúdo. Note-se, porém, que esta é uma classificação das
sentenças de procedência do pedido, uma vez que a sentença
que rejeita o pedido do autor (dita "sentença de
improcedência" ou "de rejeição") será, sempre, meramente
declaratória da inexistência do direito afirmado pelo
autor.
Assim sendo, distinguem-se quanto ao conteúdo das
sentenças definitivas, três espécies: meramente
declaratórias, constitutivas e condenatórias. Note-se que
preferimos falar aqui em classificação das sentenças
quanto ao seu conteúdo, e não quanto aos seus efeitos,
como preferem alguns dos autores que adotam esta forma de
distinguir as sentenças definitivas. Por esta razão,
parece-nos de bom alvitre iniciarmos esta parte da
exposição apresentando a diferença entre conteúdo e
efeitos da sentença.
A sentença, como qualquer ato jurídico, tem um conteúdo,
assim entendidas as notas essenciais que a distinguem dos
outros atos jurídicos. Além disso, é a sentença, em tese,
e também aqui como todos os atos jurídicos, suscetível de
produzir efeitos no mundo do direito. Designa-se por
eficácia esta aptidão para produzir efeitos. É certo que
os efeitos de um ato jurídico guardam correspondência com
o seu conteúdo, o que se dá por imputação. [...]
O efeito, porém, não se confunde com o conteúdo do ato
jurídico, uma vez que este se localiza dentro do ato,
enquanto aquele é necessariamente extrínseco. Como muito
bem dito por Barbosa Moreira, 'conteúdo e efeito são
entidades verdadeiramente inconfundíveis. Aquilo que
integra o ato não resulta dele; aquilo que dele resulta
não o integra" (Grifo Nosso. 2003, p. 437/438).


Dessa forma, as sentenças definitivas são classificadas, quanto ao
seu conteúdo, em declaratórias, constitutivas e condenatórias[54]. Em
verdade, o que determina a natureza do conteúdo da sentença de procedência
é justamente a natureza do pedido, pois, em homenagem ao princípio da
congruência (arts. 128 e 460 do CPC), o juiz não poderá proferir sentença
de procedência de natureza diversa da pedida, de onde se extrai que a
sentença de procedência está atrelada à pretensão do autor (objeto do
processo), que por sua vez nada mais é do que o mérito da causa
exteriorizado e delimitado no pedido constante da demanda. Portanto, é
correto afirmar que "a decisão guarda intrínseca relação com a demanda que
lhe deu causa. Há entre elas um nexo de referibilidade, no sentido de que a
decisão deve sempre ter como parâmetro a demanda e seus elementos". (DIDIER
JR., 2012, p. 312).
Assim é que, v.g., a ação de divórcio tem natureza constitutiva, uma
vez que o pedido do autor consiste na desconstituição da situação jurídica
de casado (determinação da dissolução do casamento), cujo efeito é o
rompimento do vínculo matrimonial e demais implicações que essa modificação
jurídica pode gerar (extinção de direitos e obrigações entre as partes).
Parece simples, até óbvio; entretanto, o pedido exteriorizado também deve
guardar relação com a própria pretensão (porque aquele é manifestação desta
- v. item 1.3). Do contrário, poderá ser considerado juridicamente
impossível ou improcedente, a depender do caso concreto.
Com relação ao mandado de injunção, por se tratar de um remédio
constitucional de garantia de direitos e liberdades constitucionais ou
prerrogativas que estejam inviabilizados em razão de omissão regulamentar,
para que a pretensão seja legítima e o pedido procedente, não pode esbarrar
em outras garantias constitucionais tais como a separação dos poderes. Em
razão desta peculiaridade, foram criadas diversas teorias que têm por
objetivo delinear a essência do mandado de injunção a partir do conteúdo e
efeitos da sentença, tais como, teoria da subsidiariedade, teoria da
independência jurisdicional, teoria da resolutividade e teoria mista menor
e maior[55], sendo que algumas incluem, também, a análise dos efeitos da
coisa julgada, o que passaremos expor a seguir.

3.2- Teoria da subsidiariedade:

A teoria da subsidiariedade parte da premissa de que o mandado de
injunção tem por essência a declaração de inconstitucionalidade por
omissão, razão pela qual, para que a pretensão do impetrante seja legítima
(pedido procedente) deve estar limitada à respectiva declaração e,
consequentemente, a sentença tem conteúdo meramente declaratório, cujo
efeito é a certeza de determinada situação jurídica[56]; no caso do mandado
de injunção, é a certeza da situação de inconstitucionalidade decorrente da
omissão regulamentar que inviabilize o exercício de direitos e liberdades
constitucionais ou prerrogativas.
Para os adeptos desta teoria, cabe ao Judiciário tão somente declarar
a inconstitucionalidade da ausência de norma regulamentadora e, por sua
vez, cientificar o órgão, pessoa ou autoridade omissa de sua mora
"legislativa" [57].
O Supremo Tribunal Federal, desde o julgamento dos primeiros mandados
de injunção, e durante longo tempo, esteve afeito a este posicionamento,
assumindo uma postura tímida diante deste remédio constitucional inédito,
criado na Constituição Federal de 1988. No julgamento do MI 107 (leading
case) – em que foi levantada questão de ordem para resolver diversas
questões processuais e procedimentais, a depender da definição da natureza
e significado do mandado de injunção – chegou-se à conclusão de que o
Tribunal "deveria limitar-se a constatar a inconstitucionalidade da omissão
e determinar que o legislador empreendesse as providências requeridas"
(MENDES et al, 2009, p. 1.260).
Oportuno transcrever trecho da ementa do MI 107 QO, conforme a
seguir:


[...] é ação que visa a obter do poder judiciário a
declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se
estiver caracterizada a mora em regulamentar por parte do
poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela dependa,
com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa
declaração, para que adote as providências necessárias, à
semelhança do que ocorre com a ação direta de
inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, par-2., da
carta magna) [...] (STF. MI 107 QO-DF. Relator Min Moreira
Alves. Pleno. Julgamento: 23.11.1989. DJ: 21.09.1990.
Ementa. Acesso em 09 mar. 2014).


À época, a Suprema Corte conferiu natureza meramente declaratória ao
conteúdo da sentença, cujo efeito era certificar a situação de
inconstitucionalidade e comunicar a mora ao órgão competente para a edição
da norma regulamentadora. No ponto, cumpre esclarecer que, embora alguns
doutrinadores, diante dessa constatação em questão de ordem, afirmem que se
trataria então de ação mandamental/sentença mandamental[58], ousamos
discordar desse posicionamento, tendo em vista que os efeitos da declaração
de inconstitucionalidade não ultrapassava o âmbito da certeza jurídica da
referida situação, visto que não havia (pelo menos na época) qualquer
sanção pelo descumprimento da ordem judicial de injunção, que tão somente
servia para fins de cientificação da mora[59]. O STF admite – não obstante
a natureza declaratória do mandado de injunção (MI 107 - QO) – que, no
pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas, de
atendimento impossível, contenha o pedido, de atendimento possível, de
declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao
órgão competente para que a supra (MI's 168, 107 e 232).
A teoria da subsidiariedade foi alvo de muitas críticas, o que
passamos a enumerar:
Primo, essa interpretação leva-nos a crer que o mandado de injunção
teria a mesma finalidade da ação direta de inconstitucionalidade por
omissão, de forma que o constituinte teria criado dois instrumentos
idênticos, em dispositivos diversos, apenas havendo uma única distinção
quanto à legitimidade.
Nessa linha de raciocínio crítico, destaca-se as precisas lições de
Piovesan:


Ora, faltaria qualquer razoabilidade ao constituinte se
criasse dois instrumentos jurídicos com idêntica
finalidade. A duplicidade de instrumentos jurídicos
afastaria a logicidade e coerência do sistema
constitucional, mesmo porque não haveria sentido em
centrar a legitimidade ativa no caso de ação direta de
inconstitucionalidade por omissão nos entes elencados nos
incs. I a IX do art. 103 e, ao mesmo tempo, admitir a
ampla legitimidade do mandado de injunção, que pode ser
impetrado por qualquer pessoa, se ambos instrumentos
apresentassem idênticos efeitos. (2003, p. 151)


Secundo, essa orientação leva-nos à conclusão de que o mandado de
injunção, que deveria ser remédio constitucional contra a ineficácia de
algumas normas constitucionais que dependem de regulamentação para serem
efetivadas, por si só, seria destituído de eficácia social. Logo, estar-se-
ia ignorando o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais
e, por conseguinte, qualificando o mandado de injunção como um instrumento
"capenga".
Ao criticar a teoria da subsidiariedade, Barbosa Moreira utilizou
expressão semelhante, ao mencionar que seria "reduzir a inovação a um sino
sem badalo. Afinal, para dar ciência de algo a quem quer que seja, servia –
e bastava – a boa e velha notificação" (Grifo Nosso. MOREIRA Apud. BARROSO,
2003, p. 263).
Tertio, o magistrado ao proferir uma sentença de procedência
meramente declaratória cumpre a sua função jurisdicional à medida que
satisfaz a pretensão autoral. Assim, por exemplo, na ação de investigação
de paternidade, a sentença que declara a relação jurídica entre as partes,
por si só, produz os efeitos almejados pelo autor, tais como, a inclusão do
nome do genitor na certidão de nascimento, a condição de herdeiro quando do
falecimento do genitor. Outro exemplo, na ação declaratória de inexistência
de débito tributário, a sentença que declara a inexistência de relação
jurídica entre o Fisco e o não-contribuinte também basta em si, produzindo
o efeito de impedir ou deslegitimar qualquer cobrança. Não raro, tais
ações, de cunho declaratório, são cumuladas (ou cumuláveis) com outras
ações, de cunho constitutivo ou condenatório: no primeiro exemplo,
geralmente é cumulada com ação de alimentos; no segundo exemplo, quando
tiver ocorrido o pagamento ilegítimo do tributo, normalmente é cumulada com
ação de repetição de indébito. Mas isso não significa que o conteúdo da
declaração e os efeitos daí decorrentes não bastam em si, mas sim que,
diante da declaração, o autor também almeja outros efeitos, próprios de uma
constituição-desconstituição ou condenação.
Mutatis mutandis, no mandando de injunção a simples declaração de
inconstitucionalidade por omissão e notificação do órgão, pessoa ou
autoridade responsável pela regulamentação da norma não bastam para a
solução da controvérsia. Não podemos conceber que o constituinte originário
criou um mecanismo judicial que não se presta a exercer a finalidade
jurisdicional. Por sua vez, não é possível cumular qualquer outra pretensão
ao mandado de injunção, que possui procedimento próprio, em analogia à Lei
de Mandado de Segurança.
Perfeita é a conclusão de Mazzei, ao criticar a teoria da
subsidiariedade, verbis:


Em nosso sentir, a presente teoria não absorve o espírito
de garantia constitucional do writ, porquanto a declaração
do estado de inércia – assim como a mera cientificação
desse estado – não é apta a satisfazer a pretensão do
autor prejudicado pela omissão legislativa. É por isso que
afirmamos: segundo a teoria da subsidiariedade, o mandado
de injunção pouco tem de mandado – já que apenas
cientifica – e menos ainda tem de injunção – pois, a
declaração que deveria ser injuntiva (concedendo a
integração normativa), se limita a certificar o estado de
inércia do órgão responsável. (in DIDIER JR, 2011, p.
228)


Por todo exposto, entendemos que a presente teoria não se coaduna com
os fins pelos quais o mandado de injunção fora criado; sendo certo que a
própria jurisprudência da Corte Suprema evoluiu nesse sentido.

3.3- Teoria da resolutividade:

A teoria da resolutividade é, atualmente, a mais aceita entre os
doutrinadores e os Tribunais. E isso representa uma vitória. Explicando:
desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em
1988, e durante longo período, o embate principal entre os juristas era
sobre a possibilidade ou não de se conceder efeitos concretos em conjunto
com o reconhecimento da omissão legislativa, ou, em outras palavras, sobre
a possibilidade de o Poder Judiciário assumir uma postura ativa e adotar
solução normativa, vindo a proferir decisão a que o Direito italiano
denomina sentença aditiva.
É certo que a Constituição brasileira possui caráter inegavelmente
iluminista, em que o ser humano passa a ser o epicentro do sistema
jurídico, isto é, o texto constitucional positivou princípios ligados aos
valores da pessoa humana, com garantia de igualdade material, solidariedade
e justiça social, bem como uma série de promessas políticas e sociais para
implementação desses valores.
Convém esclarecer, no entanto, que a atual Constituição inaugurou o
Estado Democrático de Direito, ao menos no que diz respeito à forma pela
qual atualmente é visto (Estado pós-moderno com adoção de filosofia pós-
positivista e concepção neoconstitucionalista) após longos 21 (vinte e um)
anos de ditadura militar (1964-1985). Isso significa que no início de sua
vigência a mentalidade jurídica da época ainda tinha muitos resquícios
ditatoriais, inclusive, a composição da Suprema Corte continuou a mesma
após a promulgação da Constituição atualmente vigente; motivo pelo qual,
não é difícil concluir o porquê, inicialmente, a referida Corte mantinha
reservas em adotar uma postura ativa no exercício de sua função
jurisdicional, sobretudo no que se refere ao julgamento do mandado de
injunção.
Contudo, com o decorrer do tempo, a composição do Supremo foi se
modificando, passando a integrar juristas com uma mentalidade mais moderna
e mais adequada aos ideais constitucionais; assim, foi somente a partir do
julgamento dos Mandados de Injunção n.º 670, 708 e 712 (STF. MI 670-ES.
Pleno. Min. Relator Maurício Corrêa. Min. Relator p/ Acórdão Gilmar Mendes.
Julgamento: 25.10.2007. DJ: 31.10.2008.; STF. MI 708. Pleno. Min. Relator
Gilmar Mendes. Julgamento: 25.10.2007. DJ: 31.10.2008 MI 712-PA. Pleno.
Min. Relator Eros Grau. Julgamento: 25.10.2007. DJ: 31.10.2008; todos com
acesso em 21 fev. 2014). que o Supremo Tribunal Federal passou a adotar a
teoria da resolutividade, conferindo verdadeira efetividade ao mandado de
injunção, da maneira como a grande maioria dos doutrinadores vinham há
muito defendendo, da forma como os impetrantes verdadeiramente pretendiam
ao ingressar com o referido remédio constitucional e, em última análise, da
maneira como o próprio constituinte originário almejava ao prever essa
garantia contra as omissões legislativas[60].
Nesse contexto, a presente teoria parte da premissa de que o mandado
de injunção tem por essência tornar viável o exercício de direito subjetivo
constitucional pendente de regulamentação no caso concreto. Faz-se
necessário, portanto, não só a declaração de inconstitucionalidade por
omissão, como também a respectiva normatização com efeitos inter partes.
Assim, para os adeptos desta teoria, a sentença de procedência em mandado
de injunção possui conteúdo constitutivo de uma nova situação jurídica,
qual seja, a viabilização do exercício do direito subjetivo constitucional
que passa a estar regulamentado, cujo efeito é a criação de direitos e
obrigações decorrente dessa regulamentação, que se limitará às partes, sem
extensão àqueles que, em tese, são titulares do direito constitucional
subjetivo sub judice, mas que não participaram do processo.
Como defensora da teoria da resolutividade, Piovesan esclarece o
seguinte:


A decisão proferida em mandado de injunção, nesta ótica,
permite remover, no caso concreto, a inconstitucionalidade
por omissão em matéria de direitos subjetivos
constitucionais. Em outras palavras, no caso de lacuna
inconstitucional, caberá ao Poder Judiciário criar norma
de decisão para o caso concreto, dentro da teologia do
sistema normativo existente, sendo-lhe vedado editar
normas de regulação gerais e abstratas, como já analisado
quando do exame da primeira corrente interpretativa. Como
pontua Clèmerson Merlin Clève: 'neste caso, o órgão
jurisdicional não irá propriamente exercer função
normativa genérica, mas, sim, possibilitar ao impetrante,
caso mereça procedência sua pretensão, a fruição do
direito não exercitado em falta da norma regulamentadora.
A norma jurídica individual criada pelo Judiciário não
seria diferente das normas jurídicas concretas veiculadas
por qualquer decisão judicial. O papel do Judiciário,
então, não seria o de legislar, mas o de aplicar o direito
ao caso concreto, revelando a normatividade já inscrita no
dispositivo constitucional, e removendo eventuais
obstáculos à sua efetividade. (2003, p. 159)


Impende salientar que antes do julgamento dos mandados de injunção
670, 708 e 712 a grande controvérsia em voga consistia na possibilidade ou
não de o Judiciário emitir solução normativa a partir da constatação da
inconstitucionalidade por omissão, isto é, a dicotomia sobre a natureza da
sentença em mandado de injunção ser declaratória ou constitutiva. E, assim,
com o julgamento dos referidos mandados de injunção, quando pela primeira
vez o Supremo Tribunal Federal regulamentou o direito de greve do servidor
público, vozes se levantaram para sustentar que a Corte Constitucional, em
evolução jurisprudencial, passou a adotar a teoria da resolutividade; por
essa razão, é muito comum citar os referidos mandados de injunção para
indicar a adoção da referida teoria pela Suprema Corte, o que não deixa de
ser correto.
Entretanto, diante da leitura do inteiro teor do voto do ministro
Gilmar Mendes designado relator para o acórdão no MI 670, não podemos
deixar de atentar para o fato de que houve previsão de efeitos erga omnes
para coisa julgada formada com o trânsito em julgado da sentença, e,
justamente por isso, uma avalanche de reclamações em seguida ajuizadas; o
que daria indícios de adoção da teoria da independência jurisdicional.
Passemos, então, a analisar a teoria da independência jurisdicional,
cuja peculiaridade é justamente quanto aos efeitos da coisa julgada formada
pelo julgamento de procedência em mandado de injunção.


3.4- Teoria da independência jurisdicional:

A teoria da independência jurisdicional parte da premissa de que o
mandado de injunção tem por essência tornar viável o exercício de direito
subjetivo constitucional pendente de regulamentação e suprir a respectiva
omissão do ordenamento jurídico como um todo; para tanto, faz-se necessário
não só a declaração de inconstitucionalidade por omissão, como também a
respectiva normatização com efeitos erga omnes, como única forma de
efetivamente acabar com a situação de inconstitucionalidade decorrente da
omissão legislativa.
Dessa forma, para os adeptos desta teoria, a sentença de procedência
em mandado de injunção possui conteúdo constitutivo de uma nova situação
jurídica, qual seja, a viabilização do exercício do direito subjetivo
constitucional que passa a estar regulamentado, cujo efeito é a criação de
direitos e obrigações decorrente dessa regulamentação. Mas, além disso,
argumenta-se que, por se tratar de regulamentação de direito subjetivo
constitucional e efetivo suprimento da omissão, possui efeitos erga omnes;
razão pela qual, a partir da essência do mandado de injunção, pretende-se
fixar não só a natureza do conteúdo da sentença e seus respectivos efeitos,
como também os efeitos da coisa julgada. Ou seja, conforme os comentários
de Mazzei sobre essa teoria, "a decisão judicial se estenderia
abstratamente até mesmo para aqueles que não pediram a tutela
jurisdicional, substituindo assim, em todos os termos, o órgão responsável
pela edição da norma faltante" (in DIDIER JR, 2011, p. 228).
Neste último aspecto é que a presente teoria sofre fortes críticas,
pois, segundo seus opositores, a concessão de efeitos erga omnes à coisa
julgada formada pela sentença definitiva de procedência em mandado de
injunção afronta o princípio da separação dos poderes, à medida que a
regulamentação criada na sentença assumiria caráter geral e abstrato típico
de lei, motivo pelo qual o Judiciário estaria usurpando função legislativa.
Nessa linha de raciocínio, vejamos os comentários de Piovesan:


Também há que se considerar que atribuir ao Poder
Judiciário a elaboração de normatividade geral e abstrata
implica em afronta ao princípio da tripartição dos
poderes, tendo em vista que a produção de norma geral e
abstrata é atividade típica e própria do Poder
Legislativo. (2003, p. 149)


Outra crítica realizada por seus opositores é no sentido de que, em
se tratando o mandado de injunção de instrumento de declaração incidental
de inconstitucionalidade, deve limitar-se à tutela do direito subjetivo,
que se encontra violado no caso concreto, de tal sorte que os efeitos da
coisa julgada decorrente da restauração desse direito subjetivo deverão
atingir somente as partes envolvidas na lide. Assim, de acordo com os
dizeres de Piovesan: "não condiz com a finalidade de um instrumento de
tutela de direito subjetivo, o intuito de sanear vícios de ordem jurídica,
ou seja, de direito objetivo" (2003, p. 149).
Permissa venia, embora não sejamos adeptos da teoria da independência
jurisdicional, mas por adotarmos posicionamento bastante assemelhado,
ousamos discordar das duas argumentações críticas acima mencionadas, pelos
motivos que passamos a expor:
No que diz respeito ao princípio da separação dos poderes, entendemos
completamente viável que a coisa julgada formada pela sentença de
procedência em mandado de injunção produza efeitos erga omnes, sem que isso
venha configurar usurpação de função típica do Legislativo. Isso porque,
hodiernamente, a teoria da tripartição dos poderes de Montesquieu não mais
pode ser vista como a completa separação entre as funções a serem exercidas
pelos poderes, mas sim concebida dentro de um sistema de freios e
contrapesos para garantir – além do controle recíproco como originalmente
proposto pelo filósofo francês em sua clássica obra "Do Espírito das Leis"
– a harmonia e a cooperação entre os poderes, em homenagem à teoria dos
diálogos institucionais.
Oportuno transcrever as precisas lições de Hachem sobre a questão,
conforme a seguir:


Quanto aos argumentos dirigidos contra a admissibilidade
de atribuição de efeitos erga omnes no mandado de
injunção, em função da suposta violação ao princípio da
separação dos poderes, espera-se ter deixado
suficientemente assinalado que inexiste qualquer afronta
ao ordenamento constitucional pátrio. Como visto, o Estado
Constitucional reclama, para a garantia da normatividade
da Constituição e da efetividade dos direitos
fundamentais, uma postura judicial ativa, sempre que esta
se fizer necessária para contrabalancear o silêncio
transgressor dos demais poderes estatais. Só assim, se
poderá assegurar o equilíbrio entre os poderes, pedra de
toque da teoria de Montesquieu, e que no Estado brasileiro
contemporâneo é acolhida através de um sistema de freios e
contrapesos, onde há a cooperação entre os poderes, e não
mais uma rígida separação. (2012, p. 176)


Por sua vez, no que diz respeito ao fato de o mandado de injunção
servir à tutela de direito subjetivo por intermédio de controle incidental,
não significa que o Judiciário não possa conhecer da inconstitucionalidade
como algo que afeta o ordenamento jurídico como um todo, sobretudo em casos
concretos de repercussão geral[61]. Outrossim, o regulamento criado pelo
Judiciário, embora assuma potencialidade abstrata decorrente do efeito erga
omnes, com a lei não se confunde, uma vez que não possui a característica
de permanência, sendo editado provisoriamente até que o responsável pela
omissão edite a norma regulamentadora.
Verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, em sua trajetória
jurisprudencial, atualmente é tendencioso à aplicação da teoria da
independência jurisdicional, conforme podemos extrair do trecho de recente
voto do Min. Gilmar Mendes referente ao julgamento da omissão da lei
regulamentadora de aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, verbis:


"Interessante ressaltar, ainda, a extensão possível dos
efeitos advindos de decisão em mandado de injunção. O que
se evidencia é a possibilidade de as decisões nos mandados
de injunção gerarem efeitos concretos não somente em razão
do interesse jurídico de seus impetrantes, estendendo-os
também aos demais casos que guardem similitude.
Assim, em regra, a decisão em mandado de injunção, ainda
que dotada de caráter subjetivo, comporta uma dimensão
objetiva, com eficácia erga omnes, que serve para tantos
quantos forem os casos que demandem a concretização de uma
omissão geral do Poder Público, seja em relação a uma
determinada conduta, seja em relação a uma determinada
lei.
No julgamento da medida liminar da Reclamação
Constitucional n.º 6.200/RN, no exercício da Presidência
do Supremo Tribunal Federal, deferi parcialmente o pedido
de liminar, reforçando o entendimento dos efeitos erga
omnes decorrentes da dimensão objetiva das decisões
proferidas nos Mandados de Injunção nº 670/ES, n.º 708/DF
e nº 712/PA, para sua aplicação direta em casos
semelhantes em que se discuta o exercício do direito de
greve pelos servidores públicos (Rcl 6200/RN, Rel. Min.
Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ 6.2.2009)" (STF. MI
943-DF. Pleno. Min. Relator Gilmar Mendes. Publicação:
30.04.2013. Inteiro Teor. Acesso em 21 fev. 2014).


Por todo exposto, não vislumbramos qualquer óbice na aplicação dos
efeitos erga omnes à coisa julgada da sentença em mandado de injunção; não
perfilhamo-nos, porém, à teoria da independência jurisdicional em razão de
partirmos de premissa distinta para a aplicação do referido efeito.

3.5- Teorias mistas:

Pelas teorias mistas, como a denominação já quer significar, há a
conjugação de premissas de duas teorias em uma só, de tal sorte que na
teoria mista menor há a adoção conjunta da teoria da subsidiariedade e
resolutividade, bem como na teoria mista maior há a adoção conjunta da
teoria da resolutividade e independência jurisdicional; esta última, objeto
de nossa preferência.


3.5.1- Teoria mista menor:

A teoria mista menor parte da premissa de que o mandado de injunção
tem por essência principal a declaração de inconstitucionalidade por
omissão desde que esta seja efetivamente suficiente para sanar a situação
de anormalidade. Assim, para que pretensão do impetrante seja legítima,
deve ser materializada em um pedido principal, declaratório, e um pedido
secundário, constitutivo. Consequentemente, o dispositivo principal da
sentença tem conteúdo meramente declaratório, com prazo para que o órgão
responsável elabore a regulamentação, e o dispositivo secundário da
sentença tem conteúdo constitutivo, com a respectiva solução normativa;
sendo que essa segunda parte do dispositivo da sentença somente produzirá
efeitos, caso o órgão responsável não cumpra com o seu dever constitucional
de legislar dentro do prazo fixado na primeira parte da sentença. Portanto,
a parte constitutiva da sentença está sob condição suspensiva, qual seja, o
não cumprimento da parte declaratória da sentença por parte daquele que tem
o dever constitucional de regulamentar direitos e liberdades
constitucionais ou prerrogativas.
Em duas situações específicas a Suprema Corte adotou esse
posicionamento. No julgamento do MI 283, sobre o direito à reparação
econômica aos impedidos de exercer sua profissão no período de ditadura
militar na forma do art. 8º, parágrafo 3º, do ADCT (STF. MI 283-DF. Pleno.
Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento 20.03.91. DJ: 14.11.1991. Acesso em 04
abr 2014); e no julgamento do MI 232, sobre o direito de gozar da imunidade
previdenciária prevista no art. 195, parágrafo 7º, da CRFB (STF MI 232-RJ.
Pleno. Min. Relator Moreira Alves. Julgamento: 02.08.91. DJ: 27.03.1992.
Acesso em 04 abr 2014). No primeiro caso, assinalou-se o prazo de 45
(quarenta e cinco dias) dias, acrescido de 15 (quinze) dias para a sanção
presidencial, para que o Congresso Nacional exercesse o dever de legislar a
matéria, e ultrapassado esse prazo, a faculdade de o impetrante obter a
liquidação de sentença para averiguação do quantum debeatur a título
reparatório. No segundo caso, assinalou-se o prazo de 6 (seis) meses para
que o Congresso Nacional adotasse as providências legislativas decorrentes
do art. 195, parágrafo 7º, da CRFB, e, ultrapassado esse prazo, o
impetrante passaria a gozar da respectiva imunidade.
A partir desses julgados, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal,
ainda timidamente, sinalizava para a adoção de uma solução normativa,
conforme podemos depreender dos comentários de Mendes sobre a questão:


Percebe-se que, sem assumir compromisso com o exercício de
uma típica função legislativa, O Supremo Tribunal Federal
afastou-se da orientação inicialmente perfilhada, no que
diz respeito ao mandado de injunção.
As decisões proferidas nos Mandados de Injunção n. 283
(Rel. Sepúlveda Pertence), 232 (Rel. Moreira Alves e 284
(Rel. Celso de Mello) sinalizam para uma nova compreensão
do instituto e a admissão de uma solução 'normativa' para
a decisão judicial. (2009, p. 1.264)


Embora adepto da teoria da resolutividade, Mazzei não descarta a
adoção da teoria mista menor, mas limita a sua aplicação aos casos em que
regulamentação do direito subjetivo constitucional possua carga
condenatória, com necessidade de cisão do processo para que, em caso de não
cumprimento da primeira parte declaratória do dispositivo da sentença, a
liquidação seja realizada pela via própria no juízo ordinário. Oportuno
transcrever os seus ensinamentos nesse sentido:


Assim, em nossa concepção, não prospera a teoria da
subsidiariedade, devendo dar-se prestígio à teoria da
resolutividade.
De toda sorte, não descartamos a posição mista (ou
intermediária), que também foi destacada em nosso texto
[...]
O referido posicionamento (ainda que adote postura
intermediária) propicia alguma efetividade ao mandado de
injunção, fazendo que ele seja instrumento útil para
combater a mora legislativa, mas de uma maneira que não
congestione aquela Corte que, para tanto, repassaria para
o Juízo competente a fixação concreta e individual dos
limites da decisão judicial, através das ações de
liquidação de sentença. Contudo, sua aplicação fica
limitada às hipóteses em que a lei permite a liquidação da
sentença, de modo que seria mais utilizada em situações em
que a decisão tiver capítulos com cargas condenatórias.
(in DIDIER, 2011, p. 250-251)


Temos algumas ressalvas quanto a essa vinculação da teoria mista
menor aos casos em que envolver necessidade de liquidação de sentença,
tendo em vista que não é esse o verdadeiro sentido dessa teoria; a prova
disso, é que, em posteriores julgados referentes ao direito de reparação
econômica na forma do art. 8º, parágrafo 3º do ADCT, o Supremo Tribunal
Federal, prescindindo de qualquer condição, determinou que os afetados
poderiam se dirigir diretamente ao juízo competente a fim de liquidar o
montante indenizatório, o que demonstra adoção direta de solução normativa
para o caso, ainda que haja necessidade de respectiva liquidação (vg. STF.
MI 562-RS. Pleno. Min. Relator Carlos Velloso. Min. Relator p/ Acórdão
Ellen Gracie. Julgamento 20.02.2003. DJ: 20.06.2003. Ementa. Acesso em
09.04.2014)[62].
Concluímos que a teoria mista menor não é a mais indicada, pois
revela certo conservadorismo do Tribunal em solucionar de pronto a questão,
afastando-se da realidade para a qual o mandado de injunção foi criado, de
forma que, hodiernamente, a sua adoção configuraria um retrocesso.


3.5.3- Teoria mista maior:


A teoria mista maior parte da premissa de que o mandado de injunção
tem por essência tornar viável o exercício de direito subjetivo
constitucional pendente de regulamentação no caso concreto ou suprir a
respectiva omissão do ordenamento jurídico como um todo, a depender da
repercussão do direito a ser regulamentado; para tanto, faz-se necessário
não só a declaração de inconstitucionalidade por omissão, como também a
respectiva normatização, que terá efeitos inter partes ou erga omnes.
Dessa forma, para os adeptos desta teoria, a sentença de procedência
em mandado de injunção possui conteúdo constitutivo de uma nova situação
jurídica, qual seja, a viabilização do exercício do direito subjetivo
constitucional que passa a estar regulamentado, cujo efeito é a criação de
direitos e obrigações decorrentes dessa regulamentação. Mas, além disso,
argumenta-se que, a depender da natureza do direito subjetivo
constitucional a ser regulamentado, bastará que a coisa julgada produza
efeitos inter partes para o efetivo cumprimento da finalidade injuncional,
ou dependerá que a coisa julgada produza efeitos erga omnes para efetivo
suprimento da omissão e, consequentemente, o cumprimento da finalidade do
mandado de injunção. Isso porque existem direitos e liberdades ou
prerrogativas que são bem específicos a determinado caso concreto, como por
exemplo, imagine-se que um determinado templo venha a sofrer restrições
impostas pela Administração Pública, mas sem que essa restrição de fato
fosse ilegal (porque do contrário seria hipótese de mandado de segurança),
poderá então impetrar mandado de injunção para que o disposto no art. 5º,
inc. VI, da CRFB seja regulamentado, cuja proteção deverá ser tutelada
individualmente. Por sua vez, existem direitos que, pela sua própria
natureza, demandam uma tutela expansiva para todo o ordenamento jurídico,
como por exemplo, em casos que envolvam consumidores (art. 150, parágrafo
5º, da CRFB), aposentadoria especial de servidor público de todas as
esferas federativas (art. 40, parágrafo 4º, da CRFB), e até mesmo nos casos
de greve dos servidores públicos (art. 37, inc. VII, da CRFB) [63].
Como podemos perceber, o que justifica a concessão do efeito erga
omnes é a repercussão do direito constitucional subjetivo a ser analisado
no caso concreto. Portanto, enquanto na teoria da independência
jurisdicional impõe-se a concessão de efeitos erga omnes para a formação da
coisa julgada em todos os casos, como única forma de conferir efetividade
ao mandado de injunção, suprindo a omissão do ordenamento jurídico como um
todo; na teoria mista maior, flexibiliza-se esse entendimento, na medida em
que o efeito erga omnes somente deverá ser concedido na hipótese de estar
presente o requisito da repercussão geral.
No ponto, cumpre esclarecer que o ordenamento jurídico pátrio passa
pelo fenômeno de aproximação dos sistemas civil law e common law,
circunstância que, de alguma forma, é conferido efeito vinculante aos
precedentes judiciais, o que podemos identificar em diversos dispositivos
legais e constitucionais, senão vejamos: art. 103-A da CRFB c/c Lei
11.417/2006, que trata da súmula vinculante; art. 518, parágrafo primeiro,
do CPC, que trata da súmula impeditiva de recurso; art. 557, caput, do CPC,
que trata das súmulas como fundamento de negativa de recurso; art. 285-A do
CPC, que trata da sentença definitiva de plano em caso de improcedência;
art. 553-C, do CPC, que trata do julgamento dos recursos repetitivos pelo
Superior Tribunal de Justiça; art. 102, parágrafo 3º, da CRFB c/c arts. 543-
A e 543-B do CPC, que trata da repercussão geral. Este último tema, é o
fundamento principal da teoria da abstrativização do controle difuso e, por
consequência, da teoria mista maior, que defende a possibilidade de
concessão de efeitos erga omnes em casos de questões relevantes que
ultrapassem os interesses subjetivos da causa.
Em certos casos há necessidade que a decisão do Supremo Tribunal
Federal em mandado de injunção tenha também força vinculante,
principalmente para que os demais órgãos do Poder Judiciário estejam
adstritos também a ratio decidendi, como nos casos de aposentadoria
especial, cuja competência legislativa é comum entre todas as esferas
legislativas, e, consequentemente, a causa também poderá ser julgada pelos
Tribunais Estaduais. Nesse contexto foi aprovada a Súmula Vinculante n.º 33
na Sessão Plenária de 09 de abril de 2014, com a seguinte redação publicada
no Dje n.º 77 de 24 de abril de 2014 (p. 1) e DJU de 24 de abril de 2014
(p. 1): "Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime
Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o
artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de
lei complementar específica".
Por todo exposto, adotamos a teoria mista maior, por entendermos que
é esta que mais se adequa à finalidade do mandado de injunção na condição
de um remédio constitucional viabilizador de efetivo acesso à justiça,
condizente com a sistemática de declaração incidental de
inconstitucionalidade no atual contexto de abstrativização do controle
difuso.


CONCLUSÃO


Após o estudo das premissas básicas, peculiaridades e delineamentos,
e teorias sobre eficácia da sentença e coisa julgada em mandado de
injunção, fechamos o presente trabalho com um resumo dos pontos principais
e conclusões sobre cada item abordado, inclusive, levantando-se hipótese
para estudo posterior.
No que se refere à origem, identificamos algumas similitudes no
Direito inglês, norte-americano e alemão. No entanto, reconhecemos que o
mandado de injunção, da forma pela qual foi concebido no Brasil de forma
inédita pela Constituição de 1988, possui certas peculiaridades e
requisitos próprios, motivo pelo qual não seria totalmente seguro tomar o
ordenamento jurídico de outros países como paradigma.
Verificamos que o mandado de injunção tem natureza de garantia e
remédio constitucional (ou, ainda, ação constitucional), à medida que é um
instrumento processual que tem por objetivo assegurar direitos fundamentais
inseridos na Constituição, cujo exercício esteja obstado em razão da
ausência de norma regulamentadora.
Com relação ao objeto do processo de mandado de injunção, concluímos
que se trata de pretensão processual de declaração da inconstitucionalidade
da omissão com a respectiva regulamentação da norma constitucional, para a
viabilização do exercício de direitos e liberdades fundamentais ou
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (solução
de um caso concreto), cujo conflito de interesses é caracterizado pela
ausência de norma regulamentadora que inviabilize o exercício desses
direitos e liberdades ou dessas prerrogativas, em que de um lado temos o
suposto titular de um direito fundamental de eficácia limitada e, de outro,
o sujeito ou órgão com o dever de editar a norma regulamentadora deste
direito fundamental, supostamente em mora, e, ainda, o ente público ou
privado com o dever de cumprir o mandamento constitucional regulamentado.
Quanto à causa de pedir, concluímos que a causa de pedir
próxima do mandado de injunção é a falta de norma regulamentadora, capaz de
inviabilizar o exercício de direitos e liberdades ou prerrogativas, podendo
essa omissão ser total ou parcial; bem como, a causa de pedir remota é a
existência de qualquer direito subjetivo constitucional pendente de
regulamentação, incluindo-se os direitos prestacionais, desde que nos
limites do mínimo social de garantia, podendo o dever constitucional de
legislar estar previsto expressa ou implicitamente.
A competência para julgar mandado de injunção está expressamente
prevista no art. 102, inc. I, Alínea q; art. 105, inc. I, alínea h, todos
da Constituição da República; art. 121, parágrafo 4º, inc. V; e art. 125,
parágrafo 1º, da Constituição da República c/c art. 161, inc. IV, alínea g,
da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Trata-se, pois, de competência
absoluta.
Com relação à legitimidade ativa, o mandado de injunção pode ser
impetrado por qualquer pessoa – natural ou jurídica – ou até mesmo os
chamados sujeitos processuais descritos nos incs. III, IV e V do art. 12 do
CPC, desde que estejam na condição de titular de direito fundamental, cujo
exercício esteja inviabilizado em razão da falta de norma regulamentadora.
Outrossim, em se tratando de mandado de injunção coletivo, o writ poderá
ser impetrado por pessoa, órgão ou entidade representante do grupo ou
classe atingida com a mora legislativa. No ponto, cumpre esclarecer que o
mandado de injunção é uma garantia instrumental que visa conferir
efetividade aos direitos fundamentais, não podendo afastar a tutela de
direitos coletivos, até porque, atualmente, verificamos o crescente
fenômeno de reivindicações de índole social e a presença de demandas
massificadas, o que acarretou a necessidade de "molecularização" dessas
demandas como forma de otimizar o acesso à justiça e garantir a realização
da justiça social por todos almejada. Ou seja, a Constituição de 1988
possui vários dispositivos voltados à declaração e tutela de direitos
coletivos, de forma que o mandado de injunção, ao pretender garantir o
exercício de direitos e liberdades ou prerrogativas, não poderá deixar de
fazê-lo em âmbito coletivo.
Com relação à legitimidade passiva, filiamo-nos à terceira corrente,
que entende que tanto o órgão, entidade ou autoridade com atribuição para a
regulamentação dos direitos e liberdades ou prerrogativas, quanto à pessoa
pública ou privada que suportará o ônus de eventual concessão da ordem de
injunção, deverão participar da relação jurídica processual no polo passivo
da demanda. De um lado, não há qualquer dúvida quanto à legitimidade da
parte que suportará o ônus daí decorrente, pois os efeitos da sentença
constitutiva atingem sua esfera patrimonial e/ou extrapatrimonial, a
depender do Direito regulamentado. E, de outro lado, não há qualquer dúvida
quanto à legitimidade da parte omissa, tendo em vista que qualquer
sentença, até mesmo as constitutivas, possui parcela declaratória (no caso
em tela o reconhecimento da omissão), sendo de bom alvitre que o órgão,
entidade ou autoridade que detenha o dever constitucional regulamentar e
responsável pela situação de inconstitucionalidade não figure apenas como
uma espécie de amicus curiae para prestar esclarecimentos, mas sim como
parte e com todos os poderes e ônus a ela inerentes, tais como, produção de
provas (ainda que pré-constituídas), chamamento ao processo, reconhecimento
da procedência do pedido com a respectiva edição da norma regulamentar, ou
até mesmo podendo influir decisivamente na escolha dos parâmetros
escolhidos pelo Judiciário para a elaboração do regulamento provisório.
Consequentemente, defendemos a necessariedade do litisconsórcio
passivo no processo de mandado de injunção. Sobressai das regras de
experiência comum que tanto aquele que é responsável pela situação de
inconstitucionalidade, quanto aquele que terá a sua esfera de direitos
atingida pelos efeitos da sentença, deverão participar do processo que tem
por objetivo justamente sanar essa situação de inconstitucionalidade;
motivo pelo qual, tanto um quanto o outro deverão ser incluídos no polo
passivo, em respeito ao devido processo legal, ampla defesa e
contraditório, consagrados no art. 5º, incs. LIV e LV da CRFB. Portanto,
enquanto não seja aprovada e promulgada a lei que regulamentará o
procedimento de mandado de injunção com expressa previsão de existência de
litisconsórcio passivo necessário, quando ambos não forem indicados como
réus pela parte autora, a integração deverá ser realizada por intermédio de
intervenção iussu iudicis, com base em interpretação sistemática dos
princípios e garantias processuais constitucionais acima mencionados, bem
como, socorrendo-se do art. 107 do CPC italiano.
Quanto às normas procedimentais a serem aplicadas ao processo de
mandado de injunção, a Lei 8.038/1990 (art. 24, parágrafo único) eliminou
qualquer dúvida a respeito da questão, ao determinar expressamente a
aplicação da Lei de Mandado de Segurança ao procedimento do mandado de
injunção, no que couber. Assim, aplica-se a Lei 12.016/2009 no que se
refere à petição inicial (art. 6º), no que se refere à citação e prazo de
resposta (art. 7º), quanto ao recurso cabível nos casos de indeferimento da
inicial (art. 10, parágrafo 1º), quanto ao ingresso de litisconsorte ativo
após o despacho liminar positivo (art. 10, parágrafo 2º), quanto à
intimação pessoal dos réus da sentença (art. 13), com relação ao recurso
cabível da decisão que concede ou denega o writ impetrado em primeiro grau
de jurisdição (art. 14) ou em única instância no Superior Tribunal de
Justiça (art. 18), com relação à legitimidade ativa coletiva e os direitos
a serem protegidos nesse tipo de demanda (art. 21 e 22), assim como no que
se refere à impossibilidade de interposição de embargos infringentes e
ausência de condenação em honorários advocatícios (art. 25).
Ainda quanto ao procedimento, ao nosso sentir, não há qualquer
empecilho para o deferimento da medida liminar, desde que esta consista na
suspensão de processos judiciais e/ou administrativos, à semelhança da
medida prevista no art. 21 da Lei 9.868/1999; sendo certo que o art. 124,
parágrafo único, do REGITJRJ prevê hipótese de agravo regimental da decisão
que concede ou nega liminar em mandado de injunção, o que corrobora com o
nosso entendimento.
Identificamos diversas teorias que têm por objetivo delinear a
essência do mandado de injunção a partir do conteúdo e efeitos da sentença,
tais como, teoria da subsidiariedade, teoria da independência
jurisdicional, teoria da resolutividade e teoria mista menor e maior, sendo
que algumas incluem, também, a análise dos efeitos da coisa julgada.
No que diz respeito ao princípio da separação dos poderes, entendemos
completamente viável que a coisa julgada formada pela sentença de
procedência em mandado de injunção produza efeitos erga omnes, sem que isso
venha configurar usurpação de função típica do Legislativo. Isso porque,
hodiernamente, a teoria da tripartição dos poderes de Montesquieu não mais
pode ser vista como a completa separação entre as funções a serem exercidas
pelos poderes, mas sim concebida dentro de um sistema de freios e
contrapesos para garantir a harmonia e a cooperação entre os poderes, em
homenagem à teoria dos diálogos institucionais.
Por entendermos que a teoria mista maior é a que mais se adequa à
finalidade do mandado de injunção na condição de um remédio constitucional
viabilizador de efetivo acesso à justiça, condizente com a sistemática de
declaração incidental de inconstitucionalidade no atual contexto de
abstrativização do controle difuso, passamos a adotá-la no presente estudo.
A referida teoria parte da premissa de que o mandado de injunção tem
por essência tornar viável o exercício de direito subjetivo constitucional
pendente de regulamentação no caso concreto ou suprir a respectiva omissão
do ordenamento jurídico como um todo, a depender da repercussão do direito
a ser regulamentado; para tanto, faz-se necessário não só a declaração de
inconstitucionalidade por omissão, como também a respectiva normatização,
que terá efeitos inter partes ou erga omnes. Assim, o que justifica a
concessão do efeito erga omnes é a repercussão do direito constitucional
subjetivo a ser analisado no caso concreto. Portanto, enquanto na teoria da
independência jurisdicional impõe-se a concessão de efeitos erga omnes para
a formação da coisa julgada em todos os casos, como única forma de conferir
efetividade ao mandado de injunção, suprindo a omissão do ordenamento
jurídico como um todo; na teoria mista maior, flexibiliza-se esse
entendimento, na medida em que o efeito erga omnes somente deverá ser
concedido na hipótese de estar presente o requisito da repercussão geral.
É curioso constatar que tão somente em 2007, no que diz respeito ao
direito de greve, o Supremo Tribunal Federal conferiu a verdadeira
destinação para a qual o mandado de injunção foi criado, e, ao mesmo tempo,
desolador verificar que ainda hoje, em 2014, o Legislativo e o Executivo
até então permanecem omissos com relação aos seus respectivos deveres
constitucionais de 'legislar' sobre direitos e liberdades ou prerrogativas
cujo exercício dependam de regulamentação. De toda sorte, por considerarmos
que a sociedade está em permanente progresso, e, assim, também o Direito em
constante evolução interpretativa, defendemos que novas situações irão
surgir, principalmente no tocante aos direitos sociais de prestação
material, enquadrados no que se entende por mínimo social, cujo rol tende a
aumentar, v.g. o direito à educação, de forma que o mandado de injunção
jamais perderá a sua finalidade, sempre se prestando a tutelar novos
direitos subjetivos constitucionais que dependam de regulamentação para a
viabilização de seu exercício.
Outrossim, o Estado Constitucional pós-modernidade incorporou uma
série de valores políticos e sociais no texto constitucional, o que
acarretou a juridicização dessas matérias, e, por conseguinte, a
possibilidade de controle judicial de políticas públicas e das relações
sociais. Portanto, o fenômeno da judicialização da política e das relações
sociais decorre da própria Constituição, como forma de contrabalancear os
poderes, e, no caso do mandado de injunção, como forma de conferir
efetividade à norma constitucional pendente de regulamentação.
Diante dessa constatação, levantamos a seguinte hipótese: a
judicialização da política fere o princípio da separação dos poderes? Com o
objetivo de defender a constitucionalidade da judicialização da política,
iniciaremos novos estudos, como complementação do presente, com o seguinte
tema: "Judicialização da política no tocante ao mandado de injunção". O
referido tema será objeto de futura pesquisa.


Finalizamos nossas conclusões com a seguinte frase de Mahatma Gandhi:
"De nada adianta a liberdade se não temos liberdade de errar". E assim,
humildemente, deixamos livre o espaço para críticas e debates, como a mais
alta manifestação da democracia através da liberdade de expressão.




























































Referências

AZEVEDO, Julio Camargo de. O microssistema de Processo Coletivo Brasileiro:
uma análise feita à luz das tendências codificadoras. São Paulo: Revista
Jurídica ESMPSP, 2012, v. 2.

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 5 ed. São
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_____. Tribunal não cumpre seu papel com 80 mil processos. Entrevista à
Revista Consultor Jurídico. HAIDAR, Rodrigo (editor). Brasília. 7 jun.
2013. http://www.conjur.com.br/2013-jun-07/entrevista-luis-roberto-barroso-
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1 Mestranda em Direito Público e Evolução Social – Acesso à Justiça e
Efetividade do Processo (UNESA-RJ). Especialista em Direito Processual
Civil (PUC-RJ). Especialista em Direito (EMERJ). Professora Substituta de
Direito Processual Civil da UFRJ. Advogada.
2 Destaca-se os comentários de Crettela Júnior: "A injunction e
injunção não guardam a menor relação entre si, pelo que o direito
constitucional comparado de nada nos auxiliaria, no confronto dos dois
writs e suas respectivas consequências". (1996, p. 100). No mesmo
sentido, Borges: "O mandado de injunção tem vida própria [...]. Com
efeito, o mandado de injunção tem características tipicamente brasileira,
ou seja, não surgiu do direito alienígena". (2009, pp. 605-606).
3 Hodiernamente, verificamos uma grande aproximação dos sistemas civil
law e common law, sendo que o referido tema será melhor abordado em
momento oportuno, quando defendermos a existência da teoria mista maior,
com fulcro na abstrativização do controle concreto de constitucionalidade
(item 3.5.2).
4 Oportuno citar os dizeres de Piovesan no sentido do texto: "Deste
modo, o writ of injunction do Direito americano, ao apresentar caráter de
juízo de equidade, desempenha importante papel [...]. Reveste-se de duas
formas: a prohibitory injunction, para vedar a prática de ato violador de
direito, e a mandatory injunction, para ordenar a prática de ato cuja
omissão viola direito". (2003, p. 177).
5 Foi emblemático o caso Brown v. Board of Education of Topeka (1954),
que considerou inconstitucional a segregação racial nas escolas públicas
e estabeleceu a obrigação destas aceitarem estudantes negros em seus
quadros; sendo certo que essa decisão judicial, de cunho ativista, foi
proferida dentro de um contexto progressista, no período em que Earl
Warren presidiu a Suprema Corte (1953 a 1969).
6 Mazzei menciona as supostas influências do Direito luso e iugoslavo,
mas conclui ao final pela ausência de paradigma seguro ao mandado de
injunção do Brasil no Direito comparado (In DIDIER JR, 2011, pp. 215-216)
7 Sobre a fronteira entre direitos e garantias, adverte Branco: "Nem
sempre, contudo, a fronteira entre uma e outra categoria se mostra
límpida – o que, na realidade, não apresenta maior importância prática,
uma vez que a nossa ordem constitucional confere tratamento unívoco aos
direitos e garantias fundamentais" (In MENDES et al, 2009. p. 302).
8 Entendemos não haver qualquer distinção entre as nomenclaturas
Direito Processual Constitucional e Direito Constitucional Processual,
tratando-se de uma única disciplina que estuda as ações constitucionais
no âmbito de Direto Constitucional ou de Direito Processual.
9 Parte da doutrina, com fulcro no cap. III, item II, n.º 6, da
Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, adota o entendimento de
que o objeto do processo é a lide. Ao nosso sentir, arriscamos defender
que Buzaid cometeu equívoco no conceito de lide ao pretender utilizá-lo
para designar o mérito da causa, visto que lide é o próprio conflito de
interesse qualificado pela pretensão material de um dos litigantes e pela
resistência do outro, enquanto mérito da causa é a pretensão processual
consistente na expectativa de submissão do interesse alheio ao interesse
próprio. Outra parte da doutrina defende que o mérito do processo são as
questões de mérito; por todos, Liebman: "O conhecimento do juiz é
conduzido com o objetivo de decidir se o pedido formulado no processo é
procedente ou improcedente e, em consequência, se deve ser acolhido ou
rejeitado. Todas as questões cuja resolução possa direta ou indiretamente
influir em tal decisão, formam, em seu complexo, o mérito da causa"
(1985, pp. 170-171). Ousamos discordar de tal posicionamento, uma vez que
as questões de mérito consistem em pontos controvertidos que surgem ao
longo do processo, servindo de base para a decisão de saneamento do
processo e respectivo deferimento de produção de provas, ou mesmo podendo
servir de antecedente lógico e necessário ao julgamento do mérito, quando
se tratar de uma questão prejudicial (que tem natureza de questão prévia
de mérito); motivo pelo qual questões de mérito não se confundem com o
próprio mérito da causa.
10 Por todos, destaca-se o ensinamentos de Câmara: "Tem-se, pois, por
objeto do processo a pretensão processual, assim entendida a exigência do
demandante no sentido de obter um atuar ou um fazer, ou, com mais
precisão, a intenção manifestada pelo demandante de obtenção de um
provimento capaz de lhe assegurar tutela jurisdicional. Julgar o mérito é
julgar esta pretensão, manifestada em juízo através de um pedido, razão
pela qual fala-se, tradicionalmente, em procedência ou improcedência do
pedido, expressões utilizadas nas sentenças que definem o objeto do
processo, conforme tenha sido tal definição favorável ou desfavorável ao
demandante" (2003, p. 228). Interessante é o entendimento de Didier Jr.,
segundo o qual haveria diferença entre objeto do processo, que abrange a
"totalidade das questões postas sob apreciação judicial", e objeto
litigioso do processo, que seria justamente o mérito da causa (2009, pp.
295-297). Aqui, preferimos continuar defendendo o posicionamento de
Câmara acima explicitado, tendo em vista que, ao nosso sentir, existe
apenas distinção de nomenclatura; ou seja, o que o autor baiano denomina
objeto litigioso do processo é para nós objeto do processo, por sua vez,
o que ele denomina objeto do processo é para nós objeto da cognição.
11 Nesse sentido, por todos, Watanabe (1987, p. 51) e Greco Filho (1995,
p.177).
12 A relação de causalidade entre ausência de norma regulamentadora e
inviabilidade do exercício de direitos e liberdades constitucionais ou
prerrogativas será abordada no próximo ítem sobre causa de pedir.
13 Concluímos o texto de acordo com nossa posição, que identifica a
existência de litisconsórcio passivo. A controvérsia sobre a legitimidade
passiva do mandado de injunção e sobre a existência ou não de
litisconsórcio passivo será explicitada em momento oportuno (itens 2.2 e
2.3).
14 Em sentido contrário, Cruz e Tucci entende que o mérito da causa
abarca o pedido e a causa de pedir (2001, p. 131). Um dos fundamentos
dessa corrente é o regramento da coisa julgada, que exige identidade do
pedido e da causa de pedir. Entretanto, somos de opinião de que o
pressuposto processual negativo de inexistência de coisa julgada deve ser
apreciado, em regra, com base na teoria da tríplice identidade e,
excepcionalmente, a depender das peculiaridades do caso concreto, com
base na teoria da relação jurídica; não descartando, inclusive, a
possibilidade de aplicação da teoria alemã do ponto central ou nuclear,
que considera que diante de um único fato violador (causa próxima) podem
existir vários fatos constitutivos do direito alegado (causa remota) ou
vice-versa, cabendo à parte alegar todos esses fatos, sob pena de
preclusão, pois esse pensamento se coaduna com os efeitos preclusivos da
coisa julgada (art. 474 do CPC), bem como com os princípios da segurança
jurídica e boa-fé objetiva processual.
15 A existência de uma demanda é um dos pressupostos processuais de
existência do processo; assim, a ausência de um dos elementos da demanda,
que se possa aferir superficialmente por simples leitura da peça inicial
(teoria da asserção), gera a inexistência da própria demanda e,
consequentemente a inexistência do processo. Por outro lado, a
regularidade de uma demanda é um dos pressupostos processuais de
validade; assim, a inexistência de litispendência ou coisa julgada é
pressuposto processual negativo de validade, a ser examinado, em regra,
diante da teoria da tríplice identidade (demandas idênticas são aquelas
que possuem mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido), sendo
certo que a invalidade da demanda gera a invalidade do próprio processo.
16 Não podemos concordar com o julgado da Suprema Corte, o qual
genericamente entendeu que "a situação de lacuna técnica – que se traduz
na existência de um nexo de causalidade entre o vacum juris e a
impossibilidade de exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania, e à cidadania –
constitui requisito necessário que condiciona a própria impetrabilidade
desse novo remédio instituído pela Constituição de 1988" (Grifo Nosso.
Apud PIOVESAN, 2003, p. 135).
17 Mazzei entende que as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania, e à cidadania podem estar afirmadas na Constituição ou na
própria legislação infraconstitucional (in DIDIER JR, 2011, p. 217).
18 No sentido do texto, Piovesan esclarece: "Consequência deste
raciocínio é admitir o mandado de injunção, inclusive, quando se tratar
das denominadas normas programáticas referidas aos Poderes Públicos, como
é o caso do dispositivo do art. 205, relativo ao direito à educação e do
dispositivo do art. 196, relativo ao direito à saúde" (2003, p. 136).
19 Segue julgado da Suprema Corte que utilizou a expressão "promessas
constitucionais inconsequentes" para negar a suspensão da tutela
antecipada e conferir a implementação de direito social de prestação
material derivado de norma programática de proteção às crianças e
adolescentes: STA 405-DF, Decisão da Presidência, DJ: 09.06.2010. Acesso
em: 14.02.2014).
20 Entende-se por direitos sociais não originários (ou também chamados
derivados) aqueles direitos à prestação material que, embora previsto na
Constituição, seja pela forma como são enunciados, seja pelas
peculiaridades de sua natureza e objeto, dependem de interposição
legislativa para a plena produção de seus efeitos; sendo certo que, a
princípio, o Judiciário não deve extrair direitos subjetivos de normas
constitucionais programáticas não originárias, salvo quando houver
necessidade de garantir o mínimo social, com base na teoria do grau
mínimo de efetividade dos direitos à prestação material. (GONET in MENDES
et al, 2009, pp. 293-299)
21 Morais parece defender essa corrente ao mencionar: "Não caberá,
portanto, mandado de injunção para, sob a alegação de reclamar a edição
de norma regulamentadora de dispositivo constitucional, pretender-se a
alteração de lei ou de fato normativo já existente, supostamente
incompatível com a Constituição, ou para exigir-se uma certa
interpretação à aplicação da legislação infraconstitucional, ou ainda
para pleitear uma aplicação 'mais justa' da lei existente" (2001, p.
178).
22 Mazzei, citando a doutrina de José Afonso da Silva, parece entender
que a omissão parcial não seria passível de declaração genérica de
inconstitucionalidade por ação com a respectiva invalidação do ato
normativo e eliminação total dos direitos, mas sim hipótese de extensão
casuística do benefício. Mas ao final, Mazzei conclui que o referido
entendimento não se adequa ao mandado de injunção, em razão de sua
finalidade concreta, devendo a extensão do benefício ser realizada tão
somente em sede de controle abstrato (in DIDIER JR, 2011, p. 217).
Ousamos discordar dos dois doutrinadores. A uma porque entendemos que a
omissão parcial discriminatória é passível de ação direta de
inconstitucionalidade por ação, tendo em vista a existência de variadas
técnicas de decisão judicial declaratória de inconstitucionalidade
(declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade,
declaração de constitucionalidade em trânsito para a
inconstitucionalidade, interpretação conforme, declaração de
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto), o que permite a
solução da questão sem a eliminação do direito conferido ao grupo ou
pessoas beneficiadas. A duas porque não vemos qualquer óbice em se
pretender a declaração incidental da omissão parcial por via de mandado
de injunção, com a respectiva regulamentação provisória (solução
normativa), tendo em vista que os efeitos dessa decisão, em regra, não
ultrapassarão os limites das partes litigantes, e mesmo quando
ultrapassem, a hipótese excepcional por si só se justifica e não
configura violação ao princípio da separação dos poderes, como será visto
adiante.
23 No julgamento do MI 107-DF, a Corte Constitucional fixou algumas
diretrizes, dentre elas a possibilidade de mandado de injunção em caso de
omissão parcial (MI 107 QO -DF. Pleno. Relator Min. Moreira Alves, DJ:
21.09.90. Acesso em 17.02.2014, inteiro teor). Tal entendimento fora
recentemente reafirmado (MI 708-DF. Pleno. Relator. Min. Gilmar Mendes,
DJ: 31.10.2008. Acesso em 17.02.2014, ementa).
24 Por todos, Carrazza: "Evidente, se houver regulamentação
inconstitucional (inválida, pois), o mandado de injunção em tese caberá.
É que a regulamentação inconstitucional equivale à não regulamentação"
(Apud PIOVESAN, 2003, p. 137).
25 Piovesan parece não fazer qualquer distinção entre a omissão parcial
e a inconstitucionalidade da norma regulamentadora ao comentar o
julgamento do MI 79, em que o Supremo afirmou o não cabimento da injunção
para a alteração de lei já existente supostamente incompatível com a
constituição, concluindo o seguinte: "Por vezes, especialmente no caso da
omissão legislativa parcial que implique em discriminação ofensiva ao
princípio da isonomia, este enfoque pode se tornar extremamente
formalista e contrário ao princípio da economia processual, ao exigir que
por duas vezes o jurisdicionado recorra ao Judiciário: primeiro para
requerer a declaração de inconstitucionalidade da lei preexistente,
depois para impetrar mandado de injunção. Na hipótese em que a
inconstitucionalidade da lei preexistente fosse manifesta, mais
conveniente seria equipará-la com a falta de norma regulamentadora"
(2003, p. 138). Ao nosso sentir, a inconstitucionalidade por omissão
parcial discriminatória não se confunde com a inconstitucionalidade por
ação. Na primeira hipótese cabe mandado de injunção, conforme já
mencionado no texto, com base na omissão de parte desse regulamento. Na
segunda hipótese, ainda que seja declarada a inconstitucionalidade do ato
normativo (plano da validade), este existiu e pode continuar produzindo
efeitos no "mundo fático" (a depender da modulação temporal dos efeitos
da decisão declaratória de inconstitucionalidade), o que torna
incompatível com qualquer esforço de equiparação com a omissão parcial.


26 A título de ilustração, cabe mencionar que a Suprema Corte entende
aplicável a modulação temporal dos efeitos da decisão declaratória de
inconstitucionalidade prevista na Lei 9.868/1999 (art. 27) em sede de
controle concreto, conforme podemos extrair dos seguintes julgados: AgRg
no AI 627770-RJ, 2ª T, Relator Min. Joaquim Barbosa, DJ: 21.10.2011; AgRg
no AI 681730-RJ, 2ª T, Relator. Min. Celso de Mello, DJ: 14.12.2007; AgRg
no RE 516296-RJ, 2ª T, Relator Min. Joaquim Barbosa, DJ: 29.06.2007.
Todos, acesso em 17.02.2014, ementa)
27 Apesar de haver competência da Justiça especializada e da Justiça
comum federal, reservaremo-nos em abordar tão somente a competência da
Justiça comum estadual, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal
Federal.
28 Cabe citar trecho do julgado em que o Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro entendeu ser originariamente competente para o julgamento de
mandado de injunção, cuja omissão legislativa fora apontada ao Prefeito
do Município do Rio de Janeiro: "1. Sendo uma das autoridades impetradas
o Prefeito do Município do Rio de Janeiro, é aplicável por interpretação
analógica o art. 6º, inciso I, alínea 'b", do Regimento Interno do
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, relativamente ao mandado de
segurança, firmando a Competência originária do Tribunal de Justiça."
(Grifo Nosso. MI 0008016-55.2011.8.19.0000. 17ª CC. Relator Des. Elton
Leme. Julgamento: 27.04.2011. Acesso em 18.02.2014, ementa). Entretanto,
convém informar que o Tribunal de Justiça também possui julgados em
sentido contrário (vg. MI 0005987-32.2011.8.19.0000. 13ª CC. Relator Des.
Sirley Abreu Biondi. Julgamento: 15.05.2013. Acesso em 18.02.2014,
ementa).
29 Em seus estudos sobre os problemas de acesso à Justiça, Cappelletti
emite um Relatório Geral, onde desenvolve uma nova abordagem sobre esses
problemas, pontuando movimentos de reforma processual necessários ao
esforço de melhorar o acesso à Justiça, os quais denominou de "ondas
renovatórias". A defesa dos direitos coletivos se enquadra na segunda
onda renovatória, conforme podemos verificar de seus ensinamentos: "O
segundo grande movimento no esforço de melhorar o acesso à justiça
enfrentou o problema da representação dos interesses difusos (sic.
interesses coletivos lato sensu), assim chamados os interesses coletivos
ou grupais, diversos daqueles dos pobres. [...] As reformas discutidas a
seguir são a prova e os resultados das rápidas mudanças que caracterizam
essa fase. Verifica-se um grande movimento mundial em direção ao que o
Professor Chayes denominou litígios de 'direito público' em virtude de
sua vinculação com assuntos importantes de política pública que envolvem
grandes grupos de pessoas" (CAPPELLETTI, 1988. pp. 49-50).
30 Sobre a aplicação das normas relativas ao mandado de segurança até
que seja editada norma sobre procedimento próprio do mandado de injunção,
convém informar que o tema será melhor desenvolvido no item 2.4.
31 A título de exemplo, oportuno transcrever trecho de julgado do
Tribunal Superior: "1. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do
CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado
Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos
coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o
Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular,
a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos
dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser
utilizados para 'propiciar sua adequada e efetiva tutela' (art. 83 do
CDC)" (Resp 1221254-RJ. 1ª T. Relator Des. Arnaldo Esteves Lima. DJ:
05.06.2012. Ementa. Acesso em 20 fev. 2014).
32 No sentido do texto, Mazzei: "Dessa forma, o mandado de injunção
coletivo poderá ser impetrado não só pelos legitimados do art. 5º, inciso
LXX, como também pelo Ministério Público, em razão de interpretação
sistemática que há de ser feita, extraindo-se a condução permissiva dos
art. 127. 129, II, da Constituição Federal e do art. 6º da Lei
Complementar nº 75/93" (in DIDIER JR, 2011, p. 256).
33 Embora não concordemos, segue as lições de Piovesan: "Defende-se aqui
a possibilidade de cabimento do mandado de injunção para a tutela de
direito coletivo, mas não difuso. Caso se admitisse a tutela também de
direito difuso, o instrumento de injunção estaria, até certo ponto, a se
confundir com o instrumento de ação direta de inconstitucionalidade por
omissão. Isto é, caberia, em julgamento de mandado de injunção, a
elaboração da norma regulamentadora geral e abstrata. O mandado de
injunção deixaria de constituir instrumento de defesa de direito
subjetivo, voltado a viabilizar o exercício de direitos e liberdades
constitucionais, para se transformar em instrumento de tutela de direito
objetivo, permitindo a eliminação de lacunas do sistema jurídico-
constitucional" (2003, p. 144).
34 Pfeiffer (1999), a favor da veiculação de direitos difusos por
intermédio de mandado de injunção.
35 Sobre os fundamentos de eficácia erga omnes da sentença de injunção,
vale conferir o inteiro teor do voto do Min. Gilmar Mendes no MI 943:
STF. MI 943-DF. Pleno. Relator Min. Gilmar Mendes. DJ: 02.05.2013.
Inteiro Teor. Acesso em 21 fev. 2014.
36 No mesmo sentido Pfeiffer (1999, p. 177) e Barroso, (2003. p. 261).
37 No texto, atemo-nos ao estudo do litisconsórcio passivo, pois, como
se sabe, todo litisconsórcio ativo unitário é facultativo, à medida que
ninguém pode ser obrigado a litigar na posição de autor em demanda
judicial. Nesse sentido, Dinamarco: "O fenômeno do litisconsórcio
unitário facultativo, se não é próprio do lado ativo da relação
processual, pelo menos é aí que se manifesta com muito mais acentuada
frequência, talvez com exclusividade" (2002. p. 188). Concordamos, ipsis
literis, com o Ilustre doutrinador, principalmente no momento em que ele
menciona "talvez com exclusividade", pois, em tese, seria possível uma
única hipótese excepcionalíssima de litisconsórcio passivo unitário e
facultativo, qual seja, em ações cuja causa de pedir derivasse de
violações de deveres coletivos ou difusos, em que o demandante poderia
optar entre litigar pessoalmente com todos aqueles que fazem parte do
grupo ou classe (legitimidade ordinária) ou com a pessoa, órgão ou
entidade que os represente em juízo por substituição processual (ação
coletiva passiva). Sobre a possibilidade de ação coletiva passiva, vale
conferir o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: "A
atribuição de legitimidade ativa não implica, automaticamente,
legitimidade passiva dessas entidades para figurarem, como rés, em ações
coletivas, salvo hipóteses excepcionais. Todos os projetos de Códigos de
Processo Civil Coletivo regulam hipóteses de ações coletivas passivas,
conferindo legitimidade a associações para representação da coletividade,
como rés. Nas hipóteses de direitos individuais homogêneos, contudo, não
há consenso". (Grifo Nosso. Resp. 1051302-DF. 3ª T. Relatora Min. Nancy
Andrighi. Ementa. DJ: 28.04.2010. Acesso em 24 fev. 2014).
38 Os arts. 114 e 116 do NCPC (Lei 13.105/2015) retiram qualquer dúvida
que a falta de clareza da segunda parte do art. 47 do CPC poderia trazer:
"Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou
quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da
sentença depender de citação de todos que devam ser litisconsortes" e
"Art. 116. O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da
relação jurídica, o juiz tiver que decidir o mérito de modo uniforme para
todos os litisconsortes".
39 Concordamos com a crítica realizada por Mazzei, no tocante à
nomenclatura utilizada por Didier, qual seja, litisconsórcio eventual,
para designar o litisconsórcio existente entre a sociedade empresária e
seus sócios em caso de desconsideração da personalidade jurídica. Trata-
se de responsabilidade subsidiária, que pressupõe condenação do devedor
original; e não pedido subsidiário, que pressupõe o julgamento de
improcedência do pedido principal. Neste último caso, sim, haverá
litisconsórcio subsidiário (ou litisconsórcio impróprio, porque
litisconsórcio sem consórcio); enquanto, naquele, há litisconsórcio
sucessivo (condenação suplementar ou em continuação).
40 Hachem entende ser hipótese de litisconsórcio necessário em razão da
uniformidade da sentença no tocante à declaração de
inconstitucionalidade, sob o seguinte argumento: "A decisão será uniforme
a ambos os litisconsortes no sentido de que o juiz não poderá, para um
deles, declarar que há omissão de norma regulamentadora e, para outro,
declarar que omissão inexiste" (2012. p. 173, nota de rodapé n.º
603)ínioesar de interessante, ousamos discordar desse raciocomiss. Apesar
de interessante, ousamos discordar desse raciocínio. A uma porque, o fato
de a declaração da omissão atingir ambas as partes, não significa que os
efeitos da sentença serão os mesmos para as duas partes (já que, com
relação ao órgão omisso, será reconhecida a situação jurídica de mora; e
com relação à entidade sobre a qual recai os efeitos da sentença, surgirá
uma obrigação decorrente do regulamento criado pela sentença); sendo
certo que é a incindibilidade dos efeitos da sentença que importa para
fins de unitariedade e, consequentemente, necessariedade do
litisconsórcio passivo. A duas porque, o raciocínio do autor parte do
pressuposto de que "cabe ao juiz no mandado de injunção, além de
satisfazer o direito do impetrante mediante uma tutela normativa, ordenar
ao órgão omisso que formule a regulamentação necessária, para fins de
responsabilização civil por omissão [...]" (HACHEM, 2012, p. 173); o que
não podemos concordar, já que, com relação ao órgão omisso, a sentença
deixaria de ser meramente declaratória, e passaria a ser uma espécie de
sentença mandamental ou condenatória em obrigação de fazer, cuja execução
seria convertida em obrigação de pagar quantia.
41 Oportuno transcrever o art. 107 do CPC italiano: "Intervenção por
ordem do juiz. O juiz, quando considerar adequado que o processo se passe
em relação a um terceiro a quem a causa é comum, ordenará a intervenção
(270-272)" (Tradução Nossa).
42 Diferentemente da teoria mista menor, defendemos que ambos os
comandos da sentença – declaratório e constitutivo – produzem efeitos,
sem qualquer condição para que de pronto isso ocorra.
43 Mazzei, interpretando os dispositivos dos Projetos de Lei 4679/90 e
6002/90, os quais dispõem sobre o procedimento em mandado de injunção
menciona que, apesar de redação não muito clara, há exigência de citação
tanto do responsável pela omissão regulamentar, quanto daquele que irá
sofrer as consequências da decisão judicial (in DIDIER JR, 2011, p. 264).
44 Teixeira Filho, na época, sustentava que, em tese, a utilização do
mandado de injunção dependeria de promulgação de regras processuais
regulamentadoras (1989, p. 323). Não podemos compartilhar com esse
entendimento que, permissa venia, demonstra-se ultrapassado, tendo em
vista que tal raciocínio é incompatível com a própria essência do mandado
de injunção, que tem por objetivo salvaguardar direitos e liberdades
constitucionais ou prerrogativas, que estejam inviabilizadas por falta de
norma regulamentadora, e então seria um contrassenso "o remédio que cura
uma determinada doença não poder ser utilizado porque padece da mesma
doença". Ademais, a prática forense atualmente aponta para essa realidade
inevitável, sendo que Mendes, indicando dados da Secretaria Judiciária,
menciona que até 16 de agosto de 2006 o Supremo Tribunal Federal julgou
732 Mandados de Injunção (2009, p. 1.259).
45 A celeuma entre notificação/citação, esclarecimentos/defesa e
informante/parte ré também ocorre com relação à autoridade coatora no
âmbito do mandado de segurança, havendo divergência entre os
doutrinadores. Deixamos de formar uma posição a respeito da questão,
porque demandaria, no mínimo, estudos mais aprofundados sobre o histórico
das leis de mandado de segurança para fundamentá-la, o que seria
contraproducente ao objeto do presente trabalho.
46 Em sentido contrário, Santos: "As decisões nos mandados de injunção
não estão, ao nosso sentir, sujeitas a recurso ex officio porque a Pessoa
Jurídica de Direito Público se defende amplamente e poderá interpor os
recursos especiais que entender" (SANTOS, U.P. 1988. p. 93). O referido
autor partia da premissa de que a decisão em mandado de segurança também
não deveria ser submetida ao reexame necessário, pois a Constituição
Federal não estabeleceu essa obrigatoriedade, sendo que o art. 475 do CPC
e o art. 12 da Lei 1.533/51 são anteriores à Lei Maior e, portanto, não
teriam sido recepcionados. Esse posicionamento está ultrapassado, a uma
porque atualmente domina o entendimento de que o art. 475 do CPC foi
recepcionado pela Constituição, a duas porque, embora não haja previsão
expressa de hipótese de reexame necessário na Constituição, também não há
qualquer vedação nesse sentido; por fim, porque a Lei 12.016/09,
posterior à Constituição Federal, confirmou a hipótese em seu art. 14,
parágrafo primeiro, não havendo qualquer incompatibilidade de aplicação
desse dispositivo ao mandado de injunção, e é o que vem ocorrendo na
prática (v.g. TJRJ. Ap. Civ./Reexame Necessário 0020896-
62.2011.8.19.0038. 12ª CC. Des. Relator Jaime Dias Pinheiro Filho.
Julgamento: 27.02.2014. Acesso em: 11.03.2014).
47 Tanto o Superior Tribunal de Justiça, quanto o Supremo Tribunal
Federal exigem o exaurimento das instâncias ordinárias para que seja
cabível a interposição do recurso especial e extraordinário (v. Súmula
281 do STF; v. STJ. AgRg no AI 1063560-SP. 4ª T. Min. Relator Luis Felipe
Salomão. Publicação: 11.05.2011. Ementa. Acesso em 11 mar. 2014); sendo
necessário manifestação do Colegiado para que uma decisão seja recorrida
às Instâncias Extraordinárias.
48 Dificilmente conseguiremos constatar hipóteses de cabimento de
recurso especial, seja porque, na maioria das vezes, a questão possui
natureza eminentemente constitucional, "uma vez que não se discute a
melhor interpretação a ser emprestada aos dispositivos federais invocados
no recurso especial, mas a utilização das referidas leis, de forma
supletiva, a fim de sanar a omissão legislativa" (STJ. AgRg nos EDcl no
REsp 1363285-DF. 2 T. Min. Relator Humberto Martins. Publicação
17.09.2013. Ementa. Acesso em 11 mar. 2014), seja porque a questão
envolve controvérsia sobre matéria contida na Constituição Estadual em
face da Constituição Federal, v.g. casos de legitimidade passiva, em que
o Superior Tribunal equipara à controvérsia de lei local em face de lei
federal (AgRg no AResp 40576-MS. 1 T. Min. Relator Arnaldo Esteves Lima.
Publicação 04.06.2013. Ementa. Acesso em 11 mar. 2014); de tal sorte que,
na prática, a maioria dos recursos especiais interpostos não são
conhecidos. Já no que se refere a recurso extraordinário, as hipóteses de
cabimento já não mais são tão raras, desde que não se trate de ofensa
indireta (ou reflexa) a texto constitucional, que demanda análise de
legislação ordinária (v.g. Súmula 636 do STF); ou mesmo, desde que não se
trata de análise de lei local em face da Constituição (v. Súmula 280 do
STF).
49 Vale mencionar, a título ilustrativo, que o recurso de embargos
infringentes está com os seus dias de vigência contados no ordenamento
jurídico, já que o NCPC (Lei 13.105/2015), em que um de seus pilares é a
celeridade processual, não mais prevê a hipótese. Veja a redação do art.
994 do novo diploma: "Art. 994. São cabíveis os seguintes recursos: I –
apelação; II – agravo de instrumento; III – agravo interno; IV – embargos
de declaração; V – recurso ordinário; VI – recurso especial; VII –
recurso extraordinário; VIII – agravo em recurso especial ou
extraordinário; IX – embargos de divergência". Assim, pelo princípio da
taxatividade, está claro que após a promulgação e ultrapassado o prazo de
vacatio legis a contar da publicação oficial do NCPC, não mais será
possível interposição de embargos infringentes, salvo nos casos
transitórios em que o acórdão já tenha sido publicado e o prazo do
referido recurso esteja em andamento, em homenagem à teoria do isolamento
dos atos processuais. Entretanto, o art. 942 do NCPC inaugurou uma figura
na contramão do sistema, a qual pode ser denominada como uma espécie de
reexame necessário de infringência ou reexame necessário de acórdãos não
unânimes; uma lástima...
50 Não se trata de agravo interno previsto no art. 557, parágrafo
primeiro, do CPC, que tem por objetivo atacar decisão do Relator
proferida em recurso de apelação ou agravo de instrumento; mas sim de
agravo regimental previsto no art. 226 e ss. do CODJERJ c/c art. 124,
parágrafo único, e art. 200, do REGITJRJ.
51 A competência do Superior Tribunal de Justiça está prevista na
Constituição Federal, sendo certo que, de acordo com o art. 105, inc. II,
da CRFB, caberá recurso ordinário ao STJ da decisão denegatória dos
Tribunais Estaduais em mandado de segurança (alínea b), não havendo
qualquer menção à decisão em mandado de injunção em qualquer das alíneas
do referido dispositivo. Trata-se de silêncio eloquente, pois, quando foi
da vontade do constituinte, houve previsão expressa de cabimento de
recurso ordinário ao STF de decisão denegatória dos Tribunais Superiores
em mandado de injunção (art. 102, inc. II, alínea a, da CRFB). Nesse
sentido, cf. STJ. RMS 37634-SC. 2ª T. Min. Relator Mauro Campbell
Marques. Publicação: 09.08.2012. Ementa. Acesso em 11 mar. 2014; STJ.
AgRg no AI 1409788-RJ. 2ª T. Min. Relator Cesar Asfor Rocha. Publicação
19.06.2012. Ementa. Acesso em 11 mar. 2014).
52 Muito se discute sobre a aplicação do art. 333 do RISTF,
principalmente nos casos em que a ação originária é julgada pelo
Plenário, já que o recurso será julgado pelo mesmo órgão que proferiu a
decisão atacada. Lenio Luiz Streck entende não ser cabível o recurso de
embargos infringentes em sede de ação de competência originária do STF,
entre os argumentos, advoga a tese de derrogação do art. 333 do RISTF
pela Lei 8.038/90 (Revista Consultor Jurídico, 2012).
53 Santos compartilha com esse entendimento, mas a sua tese de que seria
possível o deferimento de liminar em processo de mandado de injunção
parece consistir em prazo para que o responsável pela edição da norma
cumpra o seu provável dever constitucional de legislar (SANTOS U.P.,
1988, pp. 66-69).
54 Trata-se de classificação ternária a qual adotamos, sem embargo da
crítica feita pelo saudoso Pontes de Miranda (1988, p. 131), com o
brilhantismo que lhe era peculiar, cuja classificação quinária conta com
doutrinadores de escol, tais como, Ovídio Batista (SILVA, O.A.B. 1998. p.
407), Wambier (1997, p. 77) e Marinoni (1998. pp. 353-354). Preferimos
concordar com o raciocínio destes doutrinadores que partem da premissa de
que a sentença (como qualquer outro fenômeno jurídico em geral) deve ser
classificada com base em seu conteúdo e não em seu efeito, já que estes
últimos estão fora daquilo que se pretende definir (CÂMARA, 2007. pp. 24-
38). Outrossim, acrescenta Didier Jr.: "Com a edição da Lei Federal n.
11.232/2005, essa discussão perdeu um pouco a sua razão de ser.
Atualmente toda decisão que reconhece a existência de dever de prestar
(fazer, não-fazer, dar coisa ou pagar quantia) pode ser efetivada no
mesmo processo em que foi proferida, não havendo mais necessidade de
instauração de um processo autônomo de execução. Perdeu o sentido, pois,
distinguir as sentenças condenatórias das mandamentais e das executivas.
O critério distintivo era exatamente a necessidade ou não de um novo
processo para a efetivação da decisão judicial: a sentença condenatória
deveria ser executada ex intervalo, em outro processo, a sentença
mandamental/executiva poderia ser executada sine intervalo, ou seja, no
mesmo processo em que proferida" (2012. p. 361). Neste mesmo sentido,
Barbosa Moreira (2006, n. 42, item 6).
55 No presente estudo, adotamos a nomenclatura utilizada por Rodrigo
Mazzei que, por sua vez, cita a respectiva classificação utilizada por
Regina Quaresma (Apud MAZZEI in DIDIER JR, 2011, p. 226). Quanto à
divisão da teoria mista em menor e maior, cabe esclarecer que se trata de
criação nossa, ao pretendermos defender a existência de uma teoria mista
(a que denominados maior) diferente da teoria mista explicitada por
Mazzei (a que denominamos menor).
56 Sobre o conteúdo e efeito da sentença meramente declaratória, leciona
Fredie Didier: "Trata-se, como se vê, de decisão que tem por conteúdo a
própria declaração acerca da existência/inexistência de uma situação
jurídica. Essa declaração tem por efeito trazer uma certeza jurídica".
(2012, p. 369).
57 Por todos, Ferreira Filho, para quem o alcance do mandado de injunção
é análogo ao da ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão
(1989. p. 277).
58 A título de ilustração, interessante é o entendimento de Santos, para
quem a sentença do mandado de injunção pode constituir uma ordem
mandamental, uma vez que "esgotado o prazo marcado para a autoridade
executiva ou legislativa tomar a providência que lhe compete, sem que o
faça, deverá ser expedido mandado de injunção assegurando ao impetrante o
direito que reclama. Se houver recalcitrância do devedor da prestação,
esta será convertida em indenização por perdas e danos, como temos
salientado" (SANTOS, U.P. 1988. p. 60). Assim, deixando o impetrado de
editar a norma regulamentadora, "condena-o a cumprir a ordem mandamental
que desse modo passará a produzir efeitos patrimoniais a partir da data
da sua concessão" (Grifo Nosso. SANTOS, U.P. 1988. p. 93). E acrescenta
que, se "o rebelde for Pessoa Jurídica de Direito Privado, a coisa se
torna mais fácil; o beneficiário poderá requerer ao Juiz que marque prazo
ao seu representante legal para cumprir a injunção, sob pena de passar a
pagar multa pecuniária que houver sido pedida pelo impetrante na inicial,
em valor razoável, até que cumpra a injunção" (SANTOS, U.P. 1988. p. 61).
Neste último caso, seria uma espécie de sentença executiva latu senso,
para aqueles que adotam a classificação quinária de sentença. No entanto,
apesar de interessante, trata-se de posição bem afastada dos princípios
norteadores do ordenamento jurídico pátrio, deixando de ganhar
expressividade na doutrina, razão pela qual não fora objeto de
desenvolvimento de uma teoria. Cabe mencionar que a Suprema Corte já
proferiu sentenças com efeitos semelhantes, mas partindo de premissas
distintas, o que será desenvolvido no item 3.5.1; é por isso que, repita-
se, a sentença não deve ser classificada pelo seu efeito, mas sim pelo
seu conteúdo.
59 Mazzei, explicando a teoria da subsidiariedade, apesar de não
compartilhar com esse posicionamento, explica: "Podemos afirmar que,
segundo essa concepção, a sentença prolatada no bojo do mandado de
injunção possui caráter meramente declaratório, pois simplesmente seria
responsável por: 1) declarar situação de inércia do órgão responsável
pela complementação normativa; e 2) cientificar o sujeito omisso do seu
próprio estado de inércia". (In DIDIER JR, 2011, p. 228).
60 No sentido do texto, Barroso em entrevista concedida à Revista
Consultor Jurídico na data de publicação de sua nomeação para Ministro do
STF, conforme trechos que passamos a transcrever: "O Mandado de Injunção
foi concebido pelo constituinte para isso mesmo: permitir a atuação
normativa do Judiciário quando houvesse omissão do Legislativo ou do
Executivo. O Supremo deu ao Mandado de Injunção a sua destinação
constitucional. O que se fez antes, durante o período em que o eminente e
querido ministro Moreira Alves liderava a corte, foi impedir que o
Mandado de Injunção produzisse o resultado para o qual ele foi criado. A
mudança da jurisprudência do Supremo a partir do caso do direito de greve
no serviço público foi uma retomada da vontade original do constituinte.
Vontade que tinha sido coibida por uma jurisprudência que, por má vontade
com a Constituição de 1988, limitava o seu alcance.[...] O constituinte
de 1988 tomou uma decisão importante de manter o Supremo Tribunal Federal
com a composição que ele tinha no momento em que a Constituição foi
promulgada. A consequência prática disso foi que, nos primeiros anos de
vigência, a Constituição de 1988 foi interpretada por ministros que não
deviam a sua investidura à nova ordem constitucional. Eram ministros,
muitos deles de muito preparo intelectual, mas que sequer tinham simpatia
pela nova ordem ou pela Constituição. Assim, a interpretação que eles
deram, de certa forma, impediu que as potencialidades do texto de 1988 se
realizassem em um primeiro momento. Na medida em que essa geração de
juízes se aposenta e o Supremo se renova, é que se passa a ter um
tribunal mais afinado com os novos tempos e com o novo Direito
Constitucional" (7 jun. 2013).
61 Este fundamento é o ponto nodal da teoria mista maior, objeto de
nosso posicionamento, que será explicitado adiante (item 3.5.2).
62 Esclareça-se, contudo, que o STF consignou que a solução normativa
estava sendo elaborada de forma imediata em razão da constatação da mora
legislativa configurada pelos julgados anteriores em que fora assinalado
prazo para que o órgão responsável procedesse à regulamentação sem o
cumprimento do respectivo dever. De toda sorte, não deixa de ser um
exemplo de adoção direta de solução normativa, cuja sentença haveria de
ser liquidada no Juízo competente; afastando-se da premissa da teoria
mista menor que pressupõe a combinação entre a declaração da
inconstitucionalidade e a constituição de nova situação jurídica, que
ocorrerá somente de forma secundária.
63 No sentido do texto, vejamos os ensinamentos de Hachem: "Á decisão
prolatada no mandado de injunção, por conseguinte, podem ser emprestados
os efeitos inter partes ou erga omnes, variando conforme as exigências
concretas das situações de direito material" (2012, p. 179). E destaca
ainda que: "Curiosamente, é o autor português Jorge Miranda que
identifica ta peculiaridade no mandado de injunção no direito brasileiro:
' no mandado de injunção o tribunal pode emitir as medidas necessárias,
de efeito individual ou erga omnes consoante os casos' (MIRANDA, Jorge.
Manual de Direito Constitucional. t. VI. 2 ed. Coimbra: Coimbra Editora,
2005, p. 299)" (2012, p. 179, nota de rodapé n.º 618).
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