MANDADO DE INJUNÇÃO, DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E O PAPEL DO STF

Share Embed


Descrição do Produto

RENATA DE MARINS JABER MANEIRO

MANDADO DE INJUNÇÃO, DIÁLOGOS CONSTITUCIONAIS E O PAPEL DO STF

Curitiba Juruá Editora 2016

A Deus, em primeiro lugar, pela força, fé e sustentação. Sem Ele jamais poderia acreditar que o sonho seria possível. Aos meus pais amados, Vera e Wilson, merecedores da minha mais profunda admiração, além da minha gratidão. Sem o incentivo deles seria impossível iniciar a pesquisa científica e a jornada acadêmica. Ao Paulo, meu amado marido, merecedor de todo o meu carinho e respeito. Sem o seu companheirismo, compreensão e leveza o sonho não se teria por concretizado.

AGRADECIMENTOS

Ainda lembro dos dias quentes do início de 2014 em que se materializava o projeto de ingresso ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, e com ele surgia a tarefa de redação da dissertação de mestrado, cuja pesquisa e resultados deram margem à elaboração da presente obra. Mal podia esperar que se descortinava à minha frente um novo mundo: novos conhecimentos, novos amigos, novos valores. E então pude compreender o significado daquilo que se convencionou chamar “encantamento acadêmico”! Mas junto com o entusiasmo logo pude perceber que os desafios de uma pesquisa que se pretendesse erguida sob os três pilares – seriedade, responsabilidade e comprometimento – demandariam muitas renúncias, dedicação e, confesso, noites de sono a fio. A jornada acadêmica é uma experiência curiosa. Ao mesmo tempo que exige um certo afastamento das relações familiares e sociais, à medida que é preciso se manter concentrado nos livros, aulas e demais instrumentos de pesquisa em geral; aproxima-nos de pessoas com os mesmos ideais, que se demonstram sempre tão prestativas e que dão seguimento ao que nós, integrantes do Grupo de Pesquisa Novas Perspectivas em Jurisdição Constitucional – NPJuris, costumamos chamar de “corrente do bem”. E, assim, aproveito para deixar o meu mais sincero agradecimento a todos os integrantes do referido Grupo pelas conversas, observações críticas, indicações de leitura, fichamentos de texto e, acima de tudo, amizade. Faço aqui referência expressa à Carina Gouvêa e Eliana Pulcinelli em representação dos demais pesquisadores, igualmente importantes na minha trajetória, por uma questão mais pragmática: a proximidade de nossas defesas; da dissertação de mestrado para mim, da tese de doutorado para elas. Consigne-se que a ausência de menção à coordenadora do Grupo reside no fato de que ela é também minha orientadora, e por isso merece especiais considerações. Aqui, o agradecimento à Prof.ª Dr.ª Vanice Regina Lírio do Valle é digamos assim “de primeiro grau”; e, com a devida licença, extravasa a relação orientador-orientando. Os conselhos acadêmicos foram muitos, desde aqueles direcionados à metodologia e conteúdo da pesquisa – o que me faz reconhecer que se houver méritos nos resultados, a ela se deve a maior parte dos créditos – , até aqueles direcionados a métodos de organização e desenvolvimento de uma aula, palestras, apresentação de trabalhos, etc. Como já tive a oportunidade de dizer e repetirei incansavelmente, a generosidade acadêmica que ela tão naturalmente externa é algo de se admirar; além do seu permanente entusiasmo com a pesquisa, o que inegavelmente contagia os seus alunos mais próximos. Outrossim, a sua percepção de saber diferenciar a hora em que é

preciso cobrar de forma mais contundente, do momento em que tudo o que se carece é uma palavra de conforto e perseverança, também é uma de suas qualidades mais marcantes. A gratidão será eterna, e a amizade também! Durante o mestrado – e, portanto, durante o desenvolvimento da pesquisa que originou a presente obra – tive a oportunidade de conhecer professores sensacionais, de extremo profissionalismo, e de um conhecimento estupendo; razão pela qual cabe igualmente os meus agradecimentos. Entre eles, o Prof. Dr. Rogério José Bento Soares do Nascimento, a quem já tive a oportunidade de externar diretamente o prazer em conhecê-lo e em fazer parte do seu convívio durante o período de suas aulas na disciplina “Teoria da Constituição”. Agradeço imensamente às suas aulas, à sua solicitude, além do privilégio de ter participado um pouquinho das suas manifestações de visão de mundo. Eu, como iniciante na carreira docente, espero um dia também poder passar aos meus alunos uma reflexão que extravase o jurídico, porque o conhecimento deve servir para engrandecer não só o profissional como também o ser humano. Agradeço também ao Prof. Dr. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, pessoa de grande importância na construção de alguns dos resultados da presente pesquisa, já que se deveram a parcela de pertinentes e criteriosas críticas por ele levantada em minha qualificação; a quem, portanto, também devo parte dos créditos. Não poderia deixar de agradecer, outrossim, àquele que tanto me deixou honrada ao prontamente aceitar o convite para realizar a apresentação da presente obra – o Prof. Daniel Wunder Hachem – que também compôs a minha banca de defesa da dissertação como examinador convidado externo (PUC-PR e UFPR); e, portanto, também contribuiu com relevantes observações e reflexões, as quais foram incluídas na presente versão para publicação. A caminhada foi longa e muitos participaram dela, se não faço aqui uma referência assim mais direta a cada uma das pessoas que de alguma forma contribuíram para o alcance dos resultados aqui presentes, é para não correr o risco de omitir alguém; mas, certeza, eles se reconhecerão alvo desses agradecimentos indiretos, à medida que sabem a importância que exerceram nesse período. A única referência digna de nota, porque os motivos são exclusivos e, portanto, não corro o risco acima referido, é ao meu amigo e Prof. de Inglês Cristiano Absalao da Silva, pessoa que exerceu papel fundamental em meio à pesquisa de um tema em que grande parte da produção científica se dá na língua inglesa. Ficará eternamente na minha lembrança esses tempos de muito sacrifício, mas também de muitas conquistas, sobretudo aquelas que representam a superação de si mesmo. Deus no comando...

“O diálogo é o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo, para designá-lo. Se ao dizer suas palavras, ao chamar ao mundo, os homens o transformam, o diálogo impõe-se como caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens; o diálogo é, pois, uma necessidade existencial”. Paulo Freire

RESUMO

A presente obra teve por objetivo investigar se a eleição de uma teoria de diálogos constitucionais aplicável ao mandado de injunção é algo que se agrega de forma positiva à sua finalidade de garantia de concretização do projeto de transformação social previsto na constituição de 88; e, assim, conduzir uma nova perspectiva para a superação do estado de infidelidade constitucional causado pela omissão legislativa – além de trazer solução para questões até hoje pendentes de pacificação ou devida apreciação no STF. Para tanto, houve o exame de pontos positivos e negativos que o emprego de estratégias voltadas ao exercício de um constitucionalismo dialógico pode oferecer. Além disso, diante da análise empírica de algumas injunções, identificou-se uma prática experimentalista dialógica vivenciada pela Suprema Corte, ainda que um pouco contraditória e desorganizada, porque sem um maior aprofundamento teórico. A partir dos resultados obtidos com o exame de um dos julgados mais significativos sob essa perspectiva de diálogos constitucionais – o MI 943 (direito ao aviso prévio proporcional) – foi eleita como regra a teoria da parceria. Entretanto, levando em consideração as hipóteses em que o próprio reconhecimento da omissão envolve questão de elevado desacordo moral, excepcionalmente, foi prevista a possibilidade de eleger técnicas atinentes à fusão dialógica. Assim é que no primeiro caso houve a proposta de um julgamento bipartite, com aplicação de técnicas de clarificação (se preciso for), enunciação e suspensão. Já, no segundo, excepcional, um julgamento uno com aplicação das técnicas de clarificação e enunciação (tão somente a título pedagógico); bem como, devolução do assunto à sociedade e instituições.

PALAVRAS-CHAVE

Mandado de Injunção. Constitucionalismo Dialógico. Teoria de Parceria. Julgamento Bipartite. Fusão Dialógica. Nova Rodada Procedimental.

Sumário ABREVIATURAS ................................................................................................................................................. ix PREFÁCIO ............................................................................................................................................................ 6 Introdução .............................................................................................................. Erro! Indicador não definido. 1. MANDADO DE INJUNÇÃO: UM INSTITUTO AINDA EM CONSTRUÇÃO ............ Erro! Indicador não definido. 1.1 Aspectos gerais relevantes....................................................................... Erro! Indicador não definido. 1.2 Natureza da sentença e eficácia da coisa julgada ................................ Erro! Indicador não definido. 1.2.1 Espécies teóricas ........................................................................... Erro! Indicador não definido. 1.2.2 Evolução jurisprudencial da Suprema Corte....................... Erro! Indicador não definido. 1.2.3 Eficácia temporal da coisa julgada ......................................... Erro! Indicador não definido. 1.3 Pontos pendentes de pacificação ou devida apreciação no STF ....... Erro! Indicador não definido. 1.3.1 Caracterização da omissão legislativa .................................. Erro! Indicador não definido. 1.3.2 Possibilidade jurídica de fixação de prazo. .......................... Erro! Indicador não definido. 1.3.3 Efeitos subjetivos da coisa julgada e viabilização do direito fundamental ...... Erro! Indicador não definido. 1.3.4 Efeitos temporais da coisa julgada e superveniência da lei ......... Erro! Indicador não definido. 1.4 A promessa de diálogos constitucionais: porque cogitar disso em sede de injunção? ............ Erro! Indicador não definido. 2. MARCO TEÓRICO DO CONSTITUCIONALISMO DIALÓGICO .............. Erro! Indicador não definido. 2.1 Enunciação de uma teoria dialógica: conceito e definição .................. Erro! Indicador não definido. 2.2 Teorias dialógicas: objetivos e atributos ................................................. Erro! Indicador não definido. 2.3 Sistematização das teorias dialógicas .................................................... Erro! Indicador não definido. 2.3.1 Teorias metodológicas ................................................................ Erro! Indicador não definido. 2.3.2 Teorias estruturais ........................................................................ Erro! Indicador não definido. 3. ANÁLISE DA REALIDADE BRASILEIRA: DO EXERCÍCIO DIALÓGICO EXPERIMENTAL ........ Erro! Indicador não definido. 3.1 Manifestações do constitucionalismo dialógico no julgamento de injunções pelo STF ........... Erro! Indicador não definido. 3.1.1 Aposentadoria especial de servidor público ........................ Erro! Indicador não definido. 3.1.2 Greve de servidor público .......................................................... Erro! Indicador não definido. 3.1.3 Aviso prévio proporcional .......................................................... Erro! Indicador não definido. 3.1.4 Criminalização de condutas homofóbicas e transfóbicas ............... Erro! Indicador não definido. 3.2 Diálogo constitucional e contraditório ..................................................... Erro! Indicador não definido. 4. INCORPORAÇÃO TEÓRICA DO DIÁLOGO CONSTITUCIONAL NO JULGAMENTO DA INJUNÇÃO ............................................................................................................ Erro! Indicador não definido. 4.1 Releitura do mandado de injunção e eleição da teoria dialógica aplicável ....... Erro! Indicador não definido. 4.2 Reconfiguração dos pontos pendentes de pacificação ou devida apreciação no STF a partir da releitura dialógica da injunção ........................................................................ Erro! Indicador não definido. 4.2.1 Reconhecimento judicial do dever constitucional de legislar como sinalizador do diálogo .......................................................................................................... Erro! Indicador não definido. 4.2.2 Fixação de prazo para atividade legislativa como mecanismo dialógico .......... Erro! Indicador não definido. 4.2.3 Eficácia subjetiva da sentença: dimensão concreta e abstrata do mandado de injunção ........................................................................................................ Erro! Indicador não definido. 4.2.4 Tratamento da coisa julgada a depender do momento em que o diálogo constitucional seja equacionado ......................................................... Erro! Indicador não definido. 4.3 Técnicas de julgamento e sua relação com o advento da lei .............. Erro! Indicador não definido. 4.3.1 A proposta normativa da parceria: diálogo interdecisional e vinculação do critério judicial aos casos anteriores ................................................. Erro! Indicador não definido. 4.3.2 A proposta normativa da fusão dialógica: diálogo ao longo do tempo com delimitação prévia para o início de nova rodada procedimental ............ Erro! Indicador não definido. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ Erro! Indicador não definido.

Referências ............................................................................................................ Erro! Indicador não definido.

ABREVIATURAS ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis ADCT – Atos e Disposições Constitucionais Transitórias ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade ADIO – Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão AgRg – Agravo Regimental CPC – Código de Processo Civil (Lei 5.869/1973) CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil EC – Emenda Constitucional ED – Embargos de Declaração LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis MC – Medida Cautelar MI – Mandado de Injunção Min - Ministro MI’s – Mandados de Injunção NCPC – Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) PGR – Procurador Geral da República QO – Questão de Ordem Rcl – Reclamação RE – Recurso Extraordinário Rel – Relator RExtRG – Repercussão Geral em Recurso Extraordinário SV – Súmula Vinculante STF – Superior Tribunal Federal

APRESENTAÇÃO

A vida acadêmica proporciona aos professores universitários bons e maus momentos. No primeiro grupo encontram-se os convites para participação de bancas examinadoras de dissertações de mestrado e teses de doutorado, por se tratar de oportunidade de aprender com os resultados de uma pesquisa aprofundada, de rever velhos amigos e fazer novas amizades, e de viajar para outros Estados da federação brasileira, revisitando lugares já conhecidos ou conhecendo cidades ainda não visitadas. Quando a banca acontece em uma instituição do Rio de Janeiro, convenhamos, o prazer é redobrado. Foi atendendo ao generoso convite do PPGD/UNESA que tive a honra de integrar o tribunal acadêmico que avaliou a dissertação de mestrado de autoria de Renata de Marins Jaber Maneiro, ora publicada sob o título Mandado de Injunção, Diálogos Constitucionais e o Papel do STF, ao lado do Prof. Dr. Aluísio Gonçalves de Castro Mendes e da Profª Drª Vanice Regina Lírio do Valle – orientadora da pesquisa, presidente da banca e referência no tema das omissões legislativas. O convite era irrecusável por vários motivos. Primeiro, por se tratar de trabalho orientado pela Professora Vanice, verdadeira estrela da academia jurídica fluminense que, com o brilho de suas notáveis obras, “acende a noite na Guanabara” do Direito Público brasileiro. Segundo, por ser em um Programa de Pós-Graduação em Direito de muito prestígio, com a avaliação mais alta na CAPES entre todos os Mestrados e Doutorados em Direito do Estado do Rio de Janeiro. Terceiro, por versar sobre tema de minha predileção, também objeto de minhas investigações e publicações. Quarto, por já conhecer a qualidade do trabalho da autora da dissertação, ao ler previamente um artigo seu em coautoria com sua orientadora. A pesquisa empreendida por Renata de Marins Jaber Maneiro, cujos resultados se materializam neste livro que agora tenho a satisfação de apresentar, recebeu merecidamente a qualificação máxima pela banca examinadora. O tema do mandado de injunção não é rigorosamente novo, nem pouco explorado pela doutrina brasileira. Desde a criação dessa ação constitucional pela Constituição da República em 1988, dezenas de livros e mais de uma centena de artigos foram publicados sobre o tema. Estavam, no entanto, direcionados ao estudo daquilo que o Professor Clèmerson Merlin Clève costuma chamar de “primeiro momento” do constitucionalismo brasileiro pós-1988: a busca pela efetividade das normas constitucionais, referida por alguns como “doutrina brasileira

da efetividade”1 e por outros como “dogmática constitucional emancipatória”. 2 O enfoque, portanto, era identificar de que modo seria possível tornar imediatamente aplicáveis as disposições constitucionais, conferindo-lhes autêntica força normativa e superioridade hierárquica entre as fontes do Direito. A grande aposta da maior parte dos autores que se dedicaram ao estudo do mandado de injunção nesse momento estava no Poder Judiciário, que de maneira monológica deveria ditar qual a forma de viabilizar o exercício do direito previsto pela Constituição, mas insuscetível de fruição em razão da falta de norma infraconstitucional regulamentadora dos seus contornos precisos. Se num primeiro momento (de 1988 a 2007) não foi essa a solução dada pela Suprema Corte ao mandado de injunção, nos últimos anos tem-se assistido a um crescimento desenfreado das posturas ativistas do STF, fazendo com que alguns autores cheguem a falar em “supremocracia”.3 Dois extremos perigosos: de um lado, a passividade total do Judiciário em corrigir as patologias de um Legislativo inerte em efetivar as normas constitucionais; de outro, a assunção pelo Judiciário de um protagonismo exacerbado na definição do conteúdo axiológico da Constituição em matérias marcadas por elevado desacordo moral, sem prestar aos demais poderes constituídos e legitimados pelo voto popular a necessária deferência. A abordagem conferida à temática nesta obra é distinta, dá um passo à frente em relação à discussão anterior e se revela bastante original, tornando a sua leitura imprescindível. Isso porque o foco da pesquisa se deu em torno da transição entre o “segundo momento” e o “terceiro momento” do constitucionalismo brasileiro pós-1988. O “segundo”, dirigido ao estudo dos direitos fundamentais e da jurisdição constitucional, explorando os limites e as potencialidades da atuação do Poder Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, para a concretização do sistema constitucional. O “terceiro”, voltado à análise da máquina constitucional, é dizer, da engenharia das instituições jurídico-políticas definidas pela Constituição, do desenho institucional conferido à relação entre os Poderes da República e do funcionamento da democracia brasileira. Fica claro esse posicionamento da autora quando pontua, nas considerações finais, que “a falta de efetivação de direitos decorrente da omissão constitucionalmente relevante surge como um problema de desfuncionalidade estrutural do Estado, o que indica a insuficiência das soluções calcadas na adjudicação judicial”. Essa análise 1

BARROSO, Luís Roberto. A doutrina brasileira da efetividade. In: BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 2 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum, 2012. 3 VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV, São Paulo, v. 8, n. 2, p. 441-463, jul./dez. 2008.

desenvolvida por Renata Jaber enxerga no mandado de injunção um potencial muito maior do que um instrumento destinado apenas à tutela jurisdicional subjetiva dos direitos fundamentais carentes de efetivação por ausência de normatização (vendo-o também como um mecanismo para atingir tal finalidade, mas não só). A proposta apresentada pelo livro sugere – e neste ponto reside a virtude de sua originalidade – que o mandado de injunção, mais do que um remédio constitucional capaz de resolver a inércia das autoridades e órgãos públicos em regulamentar direitos, é também uma ferramenta hábil para promover um diálogo constitucional entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, apto a implementar de forma mais democrática o projeto constitucional brasileiro. Não se presta o instituto, portanto, a reforçar uma supremacia judicial desenfreada, unilateral e perigosa para a democracia, pautada na ideia de que os magistrados seriam seres superiores capazes de definir de forma arbitrária o significado das normas constitucionais, sem a abertura do debate para os espaços institucionais de deliberação pública. Para demonstrar essa potencialidade do mandado de injunção, Renata Jaber desenvolve detida análise das diferentes teorias de diálogos constitucionais, investigando a fundo uma vasta bibliografia estrangeira em língua inglesa para então identificar quais delas seriam as mais apropriadas para se aplicar em matéria de injunção. Nesse particular, o trabalho conjuga aportes teóricos com aspectos práticos do instrumento processual em questão, demonstrando de que modo as teorias eleitas devem influenciar, como técnicas de julgamento, em cada etapa do processo judicial. O livro realiza também um exame das experiências dialógicas levadas a efeito pela Suprema Corte brasileira no âmbito dos mandados de injunção, com destaque para os casos que envolviam aposentadoria especial dos servidores públicos, greve dos servidores públicos, direito dos trabalhadores ao aviso prévio proporcional ao tempo de serviço e criminalização das condutas homofóbicas e transfóbicas. Conjugando o estudo das teorias dialógicas com a análise empírica da atuação do Supremo Tribunal Federal, a autora ressalta, de forma crítica, a ausência de sistematização da Corte em relação ao manejo das práticas dialógicas, sustentando que na experiência do Tribunal “o que se verifica são manifestações de constitucionalismo dialógico de maneira espaçada, desorganizada e contraditória – ora com demonstração de deferência entre as estruturas de Poder, ora com a afirmação pelo STF de que assume posição constitucional de detentor da última palavra”. Por todas essas razões, a obra que o leitor tem em mãos traz significativa contribuição ao Direito Constitucional brasileiro. Se entre 1988 e 2007, com a interpretação dada inicialmente pelo STF, “o mandado de injunção morreu na contramão da evolução da dogmática constitucional, atrapalhando o tráfego das propostas jurídicas

de efetivação dos direitos fundamentais”,4 nos últimos anos o instituto foi ressuscitado pela Corte. Ao reconhecer nessa ação constitucional a possibilidade de viabilizar judicialmente o exercício de direitos fundamentais não regulamentados, ora com efeitos inter partes, ora com efeitos erga omnes, sem um critério definido ou uma sistematização adequada para estabelecer essa diferenciação, “pode-se dizer que a Suprema Corte atravessou a rua com seu passo tímido”.5 E as ideias propostas neste livro por Renata de Marins Jaber Maneiro são certamente fundamentais para avançar ainda mais nessa trajetória e elaborar uma nova construção do mandado de injunção, agregando “tijolo com tijolo num desenho lógico”.

Daniel Wunder Hachem Professor de Direito Constitucional e Direito Administrativo da Graduação e dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da Universidade Federal do Paraná e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

4

HACHEM, Daniel Wunder. Mandado de Injunção e Direitos Fundamentais: uma construção à luz da transição do Estado Legislativo ao Estado Constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2012. p. 34, citando trecho da música: HOLANDA, Chico Buarque de. Construção. Canção interpretada pelo compositor. Álbum: Construção. Direção de Produção e Estúdio: Roberto Menescal. Direção de Musical: Magro. Estúdio Phonogram, 1971. 5 HACHEM, Daniel Wunder. Mandado de Injunção e Direitos Fundamentais: uma construção à luz da transição do Estado Legislativo ao Estado Constitucional. Belo Horizonte: Forum, 2012. p. 149, citando trecho da música: HOLANDA, Chico Buarque de. Construção. Canção interpretada pelo compositor. Álbum: Construção. Direção de Produção e Estúdio: Roberto Menescal. Direção de Musical: Magro. Estúdio Phonogram, 1971.

PREFÁCIO Foram necessárias quase duas décadas para que a Corte Constitucional Brasileira superasse uma compreensão originalmente conservadora no que toca às possibilidades adjudicativas associadas ao mandado de injunção, e enfrentasse o dilema do exercício do controle do insidioso fenômeno juspolítico da omissão legislativa. Se o uso de compromissos dilatórios se apresentou como estratégia na Assembleia Constitucional para alcançar a formação de consensos possíveis naquele momento, sem abdicar de uma agenda futura de progresso e transformação, a mesma engenharia criativa parecia ter se revelado menos exitosa no ferramental de superação da inertia agendi vel deliberandi. A viragem jurisprudencial empreendida no precedente contido nos MI’s 670, 708 e 712 deflagrou uma nova percepção acerca das potencialidades do controle jurisdicional da inércia do poder. O tempo mostrou que isso se expandiu não só às hipóteses de inação legislativa, como também aquelas omissões sistêmicas da Administração Pública, estas não só quando situadas no plano da regulação, mas também da ação estruturada e materializada. A evolução compreensiva se deu, todavia, não a partir de uma teorização integral da moldura de superação da ausência de conduta, mas impulsionada pelas soluções alternativas como o emprego da aplicação analógica de legislação pré-existente em matéria assemelhada. Dedica-se a pesquisa desenvolvida por Renata de Marins Jaber Maneiro, denominada “Mandado de injunção, diálogos constitucionais e o papel do STF” justamente a empreender ao adensamento teórico do exercício de diálogo institucional que a superação da omissão legislativa possa estar a propor ao desenvolvimento da judicial review. O esforço envolve a superação de uma concepção clássica de separação de poderes (que em verdade, bloqueou o potencial emancipador do instituto desde a promulgação da Carta de 1988) para potencializar o resultado operante da injunção concedida, preservando ao máximo possível a esfera deliberativa do Parlamento, sem contudo negligenciar a necessária proteção ao direito fundamental que se veja bloqueado no seu exercício pela ausência da norma reguladora. On a personal note, acompanhar o desenvolvimento da pesquisa proposta por Renata, me permitiu retomar o tema de minha própria dissertação, na instituição onde obtive a mesma titulação (PPGD/UNESA) e onde leciono já há cerca de oito anos. Naquela época, cuidava-se ainda de salvar o instituto, que se cria fulminado pelo

precedente estabelecido no MI 107 QO, e cuja revogação se tinha proposta por alguns. Já na ocasião, irmanava-se a esta investigação, o Prof. Dr. Aluísio Gonçalves de Castro Mendes, que então desenvolveu as funções de meu orientador no tema. Dez anos depois de meu próprio percurso intelectual na matéria, vejo a mim designada a então mestranda, Renata, que à essa altura, já beneficiada pela mudança de interpretação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, via ainda elementos a se desenvolver como contribuição a uma teorização mais estruturada do modo de enfrentamento judicial da violação a direitos fundamentais decorrente da omissão legislativa. Salvo o instituto pela mudança jurisprudencial, era preciso fazê-lo avançar – e essa a proposição de pesquisa que Renata me apresentava. Retomar o tema, tendo por orientanda pesquisadora com o perfil de Renata foi um agradável reviver de experiências, permitindo-me agora desenvolver o papel de instigar o pesquisador. A experiência não terminou aí. A banca de defesa do trabalho permitiu ainda reunir meu antes orientador e hoje colega de PPGD – o Desembargador Federal, Prof. Dr. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – e ainda o Prof. Dr. Daniel Hachem, também ele autor na matéria, já em geração posterior a minha, com quem várias vezes dialoguei sobre a trajetória de desenvolvimento da injunção. Quem disse que a academia não pode proporcionar reencontros? A viagem que desenvolvi com Renata ao longo destes dois anos teve, portanto, um quê de nostalgia, o que só qualificou um relevante percurso acadêmico, que culminou com a aprovação da dissertação, com a recomendação de sua publicação – resultado a que se chega agora. A simples afirmação da (ainda) potencial eficácia do mandado de injunção para garantia de direitos fundamentais não se revela apta a por si só, operar a real convalidação da infidelidade constitucional que o instituto visa superar. Ainda que se tenha na injunção como alvo primário, a restauração da projeção na esfera subjetiva do autor, de direito constitucional potencialmente violado; impossível ignorar que o deslustre à Carta de 1988 se traduz também pela resistência injustificada do Legislativo em promover o desenvolvimento de mesma natureza reclamado pelo Texto Fundamental. Aprofundar o desenho teórico da injunção e da prestação jurisdicional que a concede é tarefa que exigiria enfrentar os mecanismos possíveis no sentido de promover, se possível com a mesma intensidade, a tutela desses dois interesses (individual e coletivo). Nisto reside o ponto central da pesquisa desenvolvida por Renata, explorando os potenciais do diálogo institucional na promoção, pela via da injunção, de um constitucionalismo democrático.

As primeiras décadas de vigência da constituição transformadora de 1988 envolveram um concentrado esforço no sentido da consolidação da dimensão representativa do princípio democrático, e ainda de internalização da categoria dos direitos fundamentais como ponto de apoio da ordem democrática então estabelecida. Disso decorreu uma sobrevalorização desse mesmo pilar, secundarizando-se o enfrentamento da patologia que se tem na origem do litígio, a saber, a inapetência legislativa que muitas vezes se identifica em especial no campo dos direitos socioeconômicos. A proposta veiculada na presente obra, de uma jurisdição constitucional pautada pelo estímulo ao desenvolvimento de um diálogo institucional ilumina o caminho de superação desse desbalanceamento, na medida em que associa à tutela do direito subjetivo em debate, à oferta de parâmetros orientadores ao desenvolvimento da atividade regulatória reclamada pelo sistema normativo. A leitura da obra indicara pelo menos duas possíveis explicações para a omissão legislativa: 1) a existência de pontos cegos deliberativos, a saber, temas que reclamam a intervenção regulatória sem que o Parlamento tenha se dado conta desse imperativo de ação; e 2) um juízo de excessivo ônus político na deliberação, o que faz pender em favor da inércia, a opção estratégica do Legislativo. Ambas as hipóteses se beneficiam de uma adjudicação que busque empreender o diálogo, seja na indicação em si da existência do dever de deliberar, seja na criação de mecanismos indutores ao desenvolvimento desse mesmo munus. É certo que a prestação jurisdicional que se pretende indutora foge do modelo clássico de Ulpiano, de dar a cada um o que é seu – mas esse se constitui o grande desafio da jurisdição constitucional no século XXI. Importante fio condutor da pesquisa desenvolvida por Renata foi a criteriosa leitura dos acórdãos em que, já seguindo a visão mais progressista em relação ao instituto, conferiu-lhe a Corte potencial além da simples declaração da mora. Foi a leitura crítica desses mesmos precedentes, e o apontamento de uma falta de coesão entre eles que permitiu a identificação dos pontos ainda de fragilidade de uma visão da jurisdição constitucional por via de omissão que evita o delicado problema da superação da inação legislativa pelo apego ocasional e seletivo a uma versão já superada de separação de poderes. Destaque-se o caráter propositivo da obra, que não se queda vencida pelos desafios de conferir coerência a uma jurisprudência claramente construída para dar resposta ao caso concreto. O Capítulo 4 desta obra, firmado nas premissas teóricas antes

desenhadas, dedica-se a uma proposição quanto à incorporação desse modo de adjudicar dialógico, tudo de molde a ampliar o potencial de superação do estado de patologia institucional a que a injunção igualmente se dirige, a saber, a infidelidade regulatória. No momento em que este Prefácio era redigido, sobreveio a edição da Lei 13.300, de 23 de junho de 2016, já referida na obra até então como Projeto de Lei (devidamente atualizado para publicação). A solução legislativa, quase 30 anos depois do surgimento do instituto à normatividade nacional, foi pobre, apequenada, e claramente voltada a limitar os efeitos práticos possíveis da injunção. A decisão ali proferida se vê restringida às partes litigantes, mas possibilita a extensão de tais efeitos, na forma do art. 9º da Lei 13.300/16, o que impede a solução sistêmica que o instituto está a sugerir. Nenhuma palavra quanto a uma priorização, ou um regime especial de apreciação das propostas versando sobre o direito bloqueado no seu exercício pela inércia legislativa. É nesse contexto que ganha ainda mais relevância a pesquisa desenvolvida por Renata de Marins Jaber Maneiro, que pode ofertar subsídios relevantes e academicamente fundados para uma interpretação mais progressista desta acanhada lei reguladora do mandado de injunção. É preciso superar essa segunda infidelidade constitucional perpetrada pelo legislador, agora tentando neutralizar ou apequenar o potencial resolutivo da decisão judicial. A exegese criativa, que promova o equilíbrio entre o espaço de atuação que é próprio de cada braço de poder encontrará nesta obra, importante referencial teórico. O momento é desafiador no campo da jurisdição constitucional. O chamado ativismo apontado ao Supremo Tribunal Federal, em que pese o debate acerca de sua pertinência e caráter (anti)democrático, é proclamado pela própria Corte como um atributo positivo. O risco, todavia, está em que esse intuito progressista que se diz esteja a presidir a ação jurisdicional inventiva, se transforme em mero exercício retórico, com uma Corte que proclame – mas não determine qualquer repercussão na dura realidade da vida. No campo da injunção, superar a inércia deliberativa sem risco ao modelo democrático segue sendo problemático – mas é repto que se tem por renovado e fortalecido pelos próprios termos da infeliz Lei 13.300/16. Jurisdição constitucional não deve ser um espaço meramente declamatório, mas sim um lugar de catálise do projeto veiculado na Carta de 1988. Assim há de ser igualmente na injunção, onde a adjudicação deve conciliar a tutela do direito do impetrante – mas também do sistema deliberativo que se quis com o writ proteger. Nesse

objetivo, é muito bem-vinda a contribuição que Renata oferece ao debate, e por isso, afortunado o leitor que tendo esta obra nas mãos, se dedicará agora à sua leitura.

Vanice Regina Lírio do Valle Visiting Fellow do HRP / Harvard Law School Professora Permanente do PPGD/UNESA

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.