Mangá – A Arte na cultura pop japonesa: Análise histórica, social e visual

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

CAROLINA CIOLIN

MANGÁ – A ARTE NA CULTURA POP JAPONESA: ANÁLISE HISTÓRICA, SOCIAL E VISUAL

GUARULHOS 2015

CAROLINA CIOLIN

MANGÁ – A ARTE NA CULTURA POP JAPONESA: ANÁLISE HISTÓRICA, SOCIAL E VISUAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em História da Arte. Orientador: Prof. Dr. Michiko Okano

GUARULHOS 2015

Ciolin, Carolina. Mangá – A arte na cultura pop japonesa: análise histórica, social e visual / Carolina Ciolin – 2015. 121 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em História da Arte) – Universidade Federal de São Paulo, Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Guarulhos, 2015. Orientação: Michiko Okano. 1. Mangá. 2. Arte japonesa. 3. Cultura pop. 4. Kawaii. I. Michiko Okano

CAROLINA CIOLIN MANGÁ – A ARTE NA CULTURA POP JAPONESA: ANÁLISE HISTÓRICA, SOCIAL E VISUAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em História da Arte.

Aprovação: _____/_____/_______

Prof. Dr. Michiko Okano Universidade Federal de São Paulo

Prof. Dr. Marina Soler Jorge Universidade Federal de São Paulo

Prof. Dr. Cecilia Saito Pontífica Universidade Católica de São Paulo

À Heloísa de Jesus Miranda (1988 - 2014), melhor amiga de sempre.

AGRADECIMENTOS

Profª Michiko Okano Diego Andrade Costa Itacira Tainá de Aragão Fernandes Marina Gomes Hidalgo Naiane Cortezini da Silva Paulo Roberto Stradiotti Thiago Braga de Oliveira

“O mangá é uma das artes mais primorosas, que utiliza um humor inabalável e técnicas de desenho para influenciar vidas, retratar a sociedade e mostrar o ser humano de forma nua e crua.”

Osamu Tezuka

RESUMO

Consumidos largamente no Japão e em vários países ao redor do mundo, os mangás – quadrinhos japoneses – tornaram-se um dos estilos de arte sequencial mais conhecidos e adorados, devido a sua ampla gama de temas e características visuais únicas. Atualmente, são um dos principais meios de expressão da arte e cultura nipônica no Ocidente, onde influenciam diversas mídias como jogos, videoclipes, filmes e animações. No Brasil, a paixão por mangás e outros elementos da cultura pop japonesa mobiliza milhares de fãs a participarem de grandes convenções espalhadas por todo o país, além de despertar-lhes o interesse pelo estudo do desenho, língua japonesa, artes marciais, entre outros. Por estas razões, estes quadrinhos merecem seu espaço nas pesquisas brasileiras, especialmente no que se refere a seus aspectos visuais. A monografia em questão propõe o estudo dos mangás com o principal objetivo de ressaltar suas qualidades artísticas, através da demonstração de sua constituição a partir da hibridização entre elementos de diversas expressões da arte como cinema, gravura (ukiyo-e), rolos de pintura (emakimono), quadrinhos ocidentais e teatro. Entre os assuntos a serem abordados a respeito dos mangás encontram-se: sua história e precedentes; as contribuições de Osamu Tezuka para o meio; sua importância na sociedade japonesa; a difusão dos mangás e animês no Brasil e no Ocidente; e a análise de algumas de suas principais características – divisão por gêneros, cinematografia, quadrinização, onomatopeias, traço, expressões emocionais e estética kawaii.

Palavras-chave: Mangá. Quadrinhos. Arte japonesa. Cultura pop. Kawaii.

ABSTRACT

Largely consumed in Japan and in several countries around the world, manga – Japanese comics – have become one of the most known and beloved sequential art styles due to their broad range of approached topics and their unique visual characteristics. Nowadays, manga are one of the leading means of expressing Nipponese art and culture in the Western World, where they influence a number of medias like games, video clips, movies and animations. In Brazil, passion for manga and other Japanese pop culture elements assembles thousands of fans to take part in big conventions spread throughout the country, besides arousing their interest in studying drawing, Japanese language, martial arts, and so on. For these reasons, these comics are worth a place in Brazilian researches, especially as regards their visual features. This monograph presents the study of manga with the primary goal of emphasizing their artistic qualities, through the exposition of their nature starting from the hybridization between elements of various art expressions like cinema, woodblock print (ukiyo-e), paint rollers (emakimono), western comics and theater. Among the subjects to be addressed concerning manga are: their history and precedents; Osamu Tezuka’s contributions to the area; their importance in Japanese society; manga and anime diffusion in Brazil and in the West; and the analysis of some of their main characteristics – division by genres, cinematography, typesetting, onomatopoeias, trace, emotional expressions and kawaii aesthetics.

Key words: Manga. Comics. Japanese art. Pop culture. Kawaii.

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 ̶ Cena do animê Elfen Lied.....................................................................................15 Imagem 2 ̶ Cena de Kill Bill....................................................................................................15 Imagem 3 ̶ Turma da Mônica Jovem......................................................................................16 Imagem 4 ̶ Kaikai e Kiki.........................................................................................................17 Imagem 5 ̶ Elemento de Super Rat..........................................................................................18 Imagem 6 ̶ Fragmento de rolo pertencente à série Chôjugiga................................................22 Imagem 7 ̶ Fragmento de Genji Monogatari Emaki...............................................................23 Imagem 8 ̶ Fragmento de biombo Namban.............................................................................24 Imagem 9 ̶ Ukiyo-e..................................................................................................................25 Imagem 10 ̶ Elemento de Edehon Hokusai Manga.................................................................27 Imagem 11 ̶ Apresentação de kami-shibai..............................................................................33 Imagem 12 ̶ Maquiagem para o Teatro Takarazuka...............................................................33 Imagem 13 ̶ Safiri, protagonista de A Princesa e o Cavaleiro................................................33 Imagem 14 ̶ Página da revista Weekly Shonen Magazine.......................................................38 Imagem 15 ̶ Página da HQ X-Men..........................................................................................38 Imagem 16 ̶ Manga café..........................................................................................................41 Imagem 17 ̶ Violência em Dragon Ball Z...............................................................................43 Imagem 18 ̶ Exemplos de mangás com título em inglês.........................................................44 Imagem 19 ̶ Tazos Pokémon...................................................................................................46 Imagem 20 ̶ Capa da edição Nº 105 da NeoTokyo (2014)......................................................47 Imagem 21 ̶ Área de estandes do Anime Friends 2015...........................................................50 Imagem 22 ̶ Ano Novo Chinês na Liberdade..........................................................................51 Imagem 23 ̶ Pôster do filme Akira..........................................................................................53 Imagem 24 ̶ Cenas de Naruto..................................................................................................56 Imagem 25 ̶ Sailor Moon........................................................................................................57

Imagem 26 ̶ Página de Fairy Tail............................................................................................59 Imagem 27 ̶ Página de Karekano............................................................................................59 Imagem 28 ̶ Figurinos de Lovely Complex..............................................................................60 Imagem 29 ̶ Fragmento de propaganda de cílios postiços......................................................62 Imagem 30 ̶ Grande onomatopeia em Death Note..................................................................63 Imagem 31 ̶ Pequenas onomatopeias em Death Note.............................................................63 Imagem 32 ̶ Tradução de Naruto por fansub..........................................................................65 Imagem 33 ̶ Tradução oficial de Naruto.................................................................................65 Imagem 34 ̶ Página de Jungle Taitei.......................................................................................67 Imagem 35 ̶ Página do shônen Bleach....................................................................................68 Imagem 36 ̶ Página dupla do shônen Naruto..........................................................................69 Imagem 37 ̶ Página do shôjo Kanon.......................................................................................70 Imagem 38 ̶ Página do shôjo Karekano..................................................................................72 Imagem 39 ̶ Rosto de personagem de HQ...............................................................................76 Imagem 40 ̶ Busto de personagem de mangá..........................................................................76 Imagem 41 ̶ Processo de simplificação de um rosto...............................................................77 Imagem 42 ̶ Traços faciais em Genji Monogatari Emaki.......................................................78 Imagem 43 ̶ Cena retirada do filme Vidas ao Vento (2013)...................................................79 Imagem 44 ̶ Pintura de Takehisa Yumeji................................................................................85 Imagem 45 ̶ Ukiyo-e de Kitagawa Utamaro...........................................................................85 Imagem 46 ̶ Obra de Nakahara Jun’ichi..................................................................................86 Imagem 47 ̶ Personagem do mangá Fruits Basket..................................................................86 Imagem 48 ̶ Escrita kawaii......................................................................................................87 Imagem 49 ̶ Escrita padrão......................................................................................................87 Imagem 50 ̶ Personagem do mangá Fruits Basket..................................................................87 Imagem 51 ̶ Vestuário Lolita..................................................................................................89 Imagem 52 ̶ Lolitas.................................................................................................................91

Imagem 53 ̶ Grupo Decora.....................................................................................................92 Imagem 54 ̶ Garota com os pés virados para dentro...............................................................94 Imagem 55 ̶ Cat café..............................................................................................................94 Imagem 56 ̶ Hikonyan............................................................................................................95 Imagem 57 ̶ Yuru-kyaras..........................................................................................................96 Imagem 58 ̶ Canal Nameless...................................................................................................97 Imagem 59 ̶ Canal Miniature Space........................................................................................97 Imagem 60 ̶ Candy Candy.....................................................................................................102 Imagem 61 ̶ Arima criança....................................................................................................103 Imagem 62 ̶ Sailor Moon chibi.............................................................................................104 Imagem 63 ̶ Pokémons kawaii..............................................................................................106 Imagem 64 ̶ Pikachu..............................................................................................................107 Imagem 65 ̶ Pokémon Sylveon.............................................................................................107 Imagem 66 ̶ Storyboard.........................................................................................................111 Imagem 67 ̶ Mr. DOB...........................................................................................................113 Imagem 68 ̶ Bolsa Louis Vuitton assinada por Takashi Murakami......................................113 Imagem 69 ̶ Pikachu representando a seleção japonesa de futebol.......................................114

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 ̶ Videoclipes influenciados pelos animês................................................................15 Quadro 2 ̶ Correspondência entre quadros de Shin Takarajima e planos de um filme...........31 Quadro 3 ̶ Olhos nos shônens e shôjos....................................................................................61 Quadro 4 ̶ Transições entre quadros........................................................................................71 Quadro 5 ̶ Planos.....................................................................................................................73 Quadro 6 ̶ Alturas dos ângulos de câmera...............................................................................74

Quadro 7 ̶ Lados dos ângulos de câmera.................................................................................74 Quadro 8 ̶ Exemplos de enquadramentos encontrados nos mangás........................................75 Quadro 9 ̶ Expressões emocionais nos mangás.......................................................................80 Quadro 10 ̶ Composição do visual Lolita................................................................................90 Quadro 11 ̶ Retratos femininos...............................................................................................98 Quadro 12 ̶ As flores nos mangás.........................................................................................100 Quadro 13 ̶ Vestuário Lolita nos animês...............................................................................105 Quadro 14 ̶ Mascotes.............................................................................................................106

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 ̶ Interesse por mangás..............................................................................................48 Gráfico 2 ̶ Interesse por animês...............................................................................................48 Gráfico 3 ̶ Aprendizado sobre cultura japonesa.....................................................................52 Gráfico 3 ̶ Utilização de emoticons baseados em mangás.....................................................82

LISTA DE DIAGRAMAS

Diagrama 1 ̶ Áreas e disciplinas incorporadas pelos quadrinhos..........................................109

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................14 CAPÍTULO I - HISTÓRIA DO MANGÁ 1 Precedentes do mangá.........................................................................................................21 2 O mangá no Pós-guerra.......................................................................................................28 3 As contribuições de Osamu Tezuka...................................................................................30 CAPÍTULO II – MANGÁ E SOCIEDADE: JAPÃO E OCIDENTE 1 O mangá no Japão................................................................................................................37 1.1 Indústria e consumo................................................................................................37 1.2 Mangá e sociedade..................................................................................................41 2 Animê e mangá no Brasil e no Ocidente............................................................................44 CAPÍTULO III - ANÁLISE VISUAL DO MANGÁ 1 Características do mangá....................................................................................................55 1.1 Gêneros....................................................................................................................55 1.2 Onomatopeias..........................................................................................................62 1.3 Cinematografia e quadrinização..............................................................................66 1.4 Traço e expressões emocionais...............................................................................76 2 O kawaii.................................................................................................................................83 2.1 Origem.....................................................................................................................83 2.2 O kawaii no século XXI..........................................................................................88 2.3 O kawaii no mangá e no animê...............................................................................98 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................108 REFERÊNCIAS....................................................................................................................116 APÊNDICE – PESQUISA SOBRE A DIFUSÃO DE ANIMÊS E MANGÁS................121

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INTRODUÇÃO

Surgidos no início do século XX, os mangás – quadrinhos japoneses – são consumidos largamente em seu país de origem por pessoas de todas as idades e classes sociais. Suas características únicas – como as narrativas envolventes, o estilo do traço e a exploração da linguagem cinematográfica – são resultado de um processo de hibridização entre elementos de artes tradicionais japonesas e do cinema e quadrinhos estrangeiros, fato que colaborou para que se tornassem também muito populares no Ocidente, onde é encontrada uma enorme gama de títulos traduzidos. Os responsáveis pela divulgação dos mangás no Ocidente foram os animês, animações produzidas com as mesmas peculiaridades visuais dos mangás. Também muito aclamado no Ocidente, o estilo animê tem servido de inspiração para a criação de séries animadas como as americanas Avatar, Hi Hi Puffy AmyYumi1 e Jovens Titãs, e a francesa Três Espiãs Demais, todas já exibidas no Brasil. Além de se mostrar presente nestes desenhos, a estética também é encontrada em videoclipes musicais de artistas famosos como Breaking The Habit (2004) da banda Linkin Park, It Girl (2014) de Pharrell Williams, Break the Ice (2008) de Britney Spears e todos os vídeos do álbum Discovery (2003) da dupla francesa Daft Punk2. Alusões aos animês também são encontradas nos filmes do cineasta Quentin Tarantino, fã confesso de filmes e animações japonesas. As referências podem ser percebidas principalmente nos filmes Kill Bill Volumes 1 e 2, onde em várias cenas de decepamento de corpos o sangue aparece jorrando em fortes jatos, assim como ocorre em vários animês (Imagens 1 e 2). Especificamente no capítulo III de Kill Bill Volume 1 é possível encontrar a maior indicação do fascínio do diretor: intitulado The Origin of O-Ren, esta parte inclui um animê de 8 minutos que relata a infância sofrida da assassina O-Ren Ishii, interpretada por Lucy Liu.

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Série produzida nos Estados Unidos a partir de uma parceria entre o Cartoon Network e a TV Tokyo, baseada na banda japonesa Puffy AmiYumi. 2 Para este álbum foi produzido um longa-metragem musical inteiramente em estilo animê intitulado Interstella 5555: The 5tory of the 5ecret 5tar 5ystem, que reuniu em uma única história todas as músicas do mesmo. O longa-metragem foi produzido na França e Japão.

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Quadro 1 – Videoclipes influenciados pelos animês

Fonte: Elaborada pela autora

Imagem 1 – Cena de Kill Bill Volume 1

Imagem 2 – Cena do animê Elfen Lied

Fonte: Spank the Monkey3

Fonte: Gaia Online4

No Brasil, a Maurício de Souza Produções, responsável pelos gibis da Turma da Mônica, surpreenderam ao lançar em 2008 a série de quadrinhos Turma da Mônica Jovem, que apresentou novas versões dos famosos personagens através da linguagem e traços dos

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Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2015. 4 Disonível em: . Acesso em: 20. set. 2015.

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mangás. De acordo com Andrade e Carlos, as quatro primeiras edições da revista venderam juntas mais de 1,5 milhões de exemplares (2013: 13), o que demonstra a grande aceitação do mangá pelos brasileiros, principalmente pelos leitores adolescentes. Por ter convivido com a comunidade nipônica desde criança e, inclusive, ter se casado com uma descendente de japoneses, Maurício de Souza recebeu muitas influências da cultura oriental, sendo que, em seu trabalho, prevalece a inspiração em Osamu Tezuka, um dos mais importantes mangakás da história: De todas as influências que tive e tenho da cultura japonesa nas minhas criações, a maior delas foi do grande desenhista e mestre Tezuka Osamu, que foi o inventor do mangá, primeiro na história em quadrinhos e depois em animação. Tivemos uma relação muito próxima e trocamos muitas informações até sua morte, no fim do século passado [...] Muito do que fazemos aqui brota do traço límpido do Tezuka.

Imagem 3 –Turma da Mônica Jovem

Fonte: Livraria Upstage5

Referências à estética dos animês e mangás também estão presentes em produções de artistas contemporâneos japoneses. Takashi Murakami (1962), eleito pela revista Time como

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Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2015.

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uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2008, é um dos nomes mais conhecidos do atual cenário artístico japonês. Fundador do movimento Superflat6, Murakami mistura influências da Pop Art americana a seus conhecimentos na arte tradicional japonesa nihonga para criar obras que mesclam fofura e perversidade. Dois de seus personagens mais icônicos, Kaikai – de aparência amável e graciosa – e Kiki – de feições mais grotescas –, são nitidamente inspirados nos monstrinhos e mascotes do universo dos animês. Imagem 4 – Kaikai e Kiki

Fonte: Tumblr Kaijukawaii7

Outro exemplo da incorporação de elementos destas mídias em obras de artistas japoneses é o projeto Super Rat (2005), do coletivo Chim-Pom, conhecido por suas instalações e intervenções urbanas provocativas e irônicas. O Chim-Pom conseguiu a proeza de transformar a imagem de um dos mais adorados ídolos da cultura pop japonesa em algo totalmente repulsivo: após matar algumas ratazanas que habitavam o centro de Tóquio, o grupo submeteu seus corpos ao processo de taxidermia de modo a deixá-los em poses divertidas e pintou-os como Pikachus, produzindo figuras traumatizantes, mas que de certo modo conservam a fofura do personagem. Em virtude de sua ampla disseminação, os mangás e animês tornaram-se um dos maiores difusores da cultura japonesa mundo afora, pois através de suas histórias retratam as aspirações, costumes diários, mitos e tradições de sua sociedade. No que se referem à arte, estas mídias não só influenciam as áreas e artistas mencionados anteriormente, como também são responsáveis por despertar o gosto por desenhar em muitas crianças e jovens, que crescem

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Movimento pós-modernista nascido nas artes plásticas japonesas que problematiza a produção e o consumo da arte no mundo globalizado (LEE, 2013). 7 Disponível em: . Acesso em: 18 out. 2015.

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copiando seus personagens favoritos em estilo mangá e, mais tarde, criam ilustrações próprias utilizando-se das mesmas técnicas.

Imagem 5 – Elemento de Super Rat

Fonte: Trend Hunter8

As motivações para a elaboração desta monografia sugiram a partir da paixão por animês e mangás, que despertaram em mim não só a curiosidade e o fascínio pela cultura japonesa em geral, mas também pelo estudo do desenho, de modo que os mesmos foram responsáveis pelo surgimento de meus primeiros interesses em arte. Em razão de serem produtos destinados às massas, porém, os quadrinhos costumam ser excluídos da categoria arte. Apesar deste pensamento já demostrar os primeiros sinais de mudança, ainda existem poucos estudos sobre o gênero no campo da arte, e ainda menos sobre os quadrinhos japoneses, fato que me impulsionou a defendê-los como objeto artístico nesta monografia. Ao pesquisar este universo mais a fundo, tornaram-se claras sua complexidade e riqueza artística, assim como a possibilidade de explorá-lo a partir de diversos assuntos. Para este trabalho foi escolhido o mangá como objeto de estudo devido ao fato de o mesmo ser o antecessor direto dos animês e permitir o estabelecimento de maiores relações com as artes tradicionais japonesas, bem como o estudo das onomatopeias, da apropriação da linguagem cinematográfica e da quadrinização. A escolha dos mangás, no entanto, não impossibilitará o

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Disponível em: . Acesso em: 20 out. 2015.

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estudo de imagens retiradas de animês e jogos, quando as características analisadas forem correspondentes às encontradas nas respectivas versões em mangá. Para elaboração desta monografia, além da leitura da bibliografia referida ao final da mesma, foram utilizados, entre outros, os seguintes métodos: busca de imagens em mangás shôjo e shônen e leitura dos mesmos quando houve necessidade de analisar seu contexto; pesquisa de imagens em jogos, filmes e outras mídias; pesquisa sobre moda urbana japonesa; ida a eventos de cultura pop japonesa a fim de colher dados sobre o público e atrações oferecidas; pesquisa sobre a sociedade japonesa contemporânea em portais de notícias; e realização de pesquisa com 45 pessoas como forma de coletar informações a respeito da difusão dos animês e mangás no Brasil. A primeira parte deste trabalho contará com a apresentação dos precedentes e da história dos quadrinhos japoneses, destacando a participação de Osamu Tezuka, eternizado como deus do mangá. A segunda parte tratará da relação dos japoneses com o mangá e de sua difusão no Ocidente (principalmente no Brasil). Na terceira parte, constará a análise de algumas das principais características do mangá, com ênfase na estética kawaii.

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CAPÍTULO I HISTÓRIA DO MANGÁ

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1 Precedentes do mangá

O mangá constituiu-se como resultado de um processo de hibridização entre elementos de diversas expressões artísticas. Apesar do encontro com os desenhos humorísticos ocidentais terem sido cruciais para seu surgimento, seu caráter caricatural e narrativo provém de uma longa tradição da arte japonesa. No Japão, algumas das mais antigas manifestações de desenhos foram descobertas em 1935, nos tetos e paredes dos templos budistas Tôshôdaiji e Hôryûji. As imagens, datadas do final do século VII, retratavam pessoas e animais de forma caricatural e foram produzidos, provavelmente, pelos homens que trabalharam na construção dos santuários (LUYTEN, 2012: 77). Os primeiros grandes antecessores dos mangás foram, porém, os emakimono9. Produzidos durante os séculos XI e XII sobre grandes rolos de papel de arroz ou seda e pintados com tinta preta e colorida, ilustravam lendas, batalhas, cenas da vida cotidiana, relatos históricos, entre outros assuntos. Os rolos eram horizontais, geralmente possuindo cerca de 32,5 centímetros de altura por medidas variáveis de comprimento (que podiam chegar a até 17 metros) Suas cenas eram desenhadas de forma a ocupar todo o espaço limitado entre os braços do leitor e o sentido da leitura era da direita para a esquerda, como nos mangás. De origem chinesa, os emakimono foram adaptados de acordo com a estética japonesa, e eram pretendidos pela aristocracia e elite religiosa do país. Uma das séries de emakimonos mais famosas são os Chôjûgiga, de autoria do sacerdote xintoísta Toba Sôjô (1053 - 1140). Os Chôjûgiga compreendiam de imagens satíricas realizadas com uma técnica refinada de grande valor artístico. Os personagens retratados eram animais como coelhos, sapos e macacos, desenhados de forma antropomórfica em situações cômicas que satirizavam as classes sociais e situações da época. De acordo com Koyama-Richard (2007: 14), a seguinte cena da série (Imagem 6) retrata uma luta de sumô entre um sapo e um coelho. O primeiro, apesar de ser naturalmente menor e mais fraco, consegue derrubar o segundo, fazendo com que seus companheiros se acabem em risos. Todos os animais da cena são bípedes e possuem, aparentemente, o tamanho de um ser

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Rolos de pintura.

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humano. Os traços sinuosos que saem da boca do sapo à direita, como se fossem uma exclamação da vitória, podem ser associados aos balões de fala dos mangás.

Imagem 6 – Fragmento de rolo pertencente à série Chôjugiga

Fonte: Curazy10

Os rolos de pintura produzidos para ilustrar a notável obra literária Genji Monogatari (Narrativas de Genji) também possuem valor significativo na história dos emakimono. Escrito pela dama da corte Murasaki Shikibu no início do século XI, a obra é composta por 54 capítulos que relatam sobre a vida e os romances do galanteador Hikaru Genji, filho do Imperador. Torquato (2014: 24) menciona que a leitura dos monogatari – estilo literário muito apreciado pelas damas de companhia da nobreza japonesa, ao qual pertence a produção em questão – geralmente era acompanhada pela contemplação de ilustrações baseadas em passagens das narrativas, produzidas por membros da nobreza ou artistas contratados. A autora acrescenta que a mais relevante das versões ilustradas do Genji Monogatari é a Genji Monogatari Emaki (Imagem 7), datada aproximadamente de 1140, onde pinturas de diversos artistas se intercalam com o texto, formando uma das mais valiosas obras artístico-literárias do Japão. Outro importante marco na arte narrativa japonesa foram as pinturas produzidas por artistas da consagrada Escola Kano na segunda fase do desenvolvimento da Arte Namban, produção artística desenvolvida no chamado Século Namban (1543 - 1639), que compreende 10

Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2015.

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o período de estadia dos portugueses no Japão. As pinturas eram elaboradas em biombos dobráveis de madeira e papel e retratavam a chegada das caravelas, os itens e animais trazidos pelos portugueses, os representantes de diversas classes sociais (padres, capitães, fidalgos e escravos), e as paisagens japonesas e estrangeiras. Esta produção artística se tornou um importante documento de registro das relações luso-japonesas deste período. Imagem 7 – Fragmento de Genji Monogatari Emaki

Fonte: Tokugawa Art Museum11

Os portugueses foram o primeiro contato dos japoneses com uma sociedade ocidental e, devido a isto, os despertaram grande interesse. O encontro com “o outro” os proporcionou a constatação de diferenças de etnia e costumes entre os dois povos, o que se mostrou decisivo para o reconhecimento e afirmação de uma identidade japonesa. Tal constatação é verificada nos biombos, que nos dão uma ideia de como os portugueses foram enxergados: um povo exótico, com características físicas marcantes (como o nariz, muito maior e diferente dos japoneses) e vestidos com ricas roupas (destaque para as calças em forma de balão) e interessantes acessórios, como chapéus e óculos. Além do caráter narrativo, os biombos também se assemelham aos mangás pela presença dos traços caricaturais mencionados e pelo caráter bidimensional da pintura, um dos traços mais notáveis da arte japonesa, presente também nos emakimono.

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Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2015.

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O fragmento de biombo a seguir (Imagem 8) retrata um grupo de portugueses de narizes voluptuosos cujo percurso é observado atentamente por uma mulher e criança japonesas. Os viajantes estão vestidos com seus chapéus e roupas extravagantes e carregam consigo alguns itens até então desconhecidos no Japão. Imagem 8 – Fragmento de biombo Namban

Fonte: Fórum Outer Space12

Apesar da grande importância dos rolos de pintura e biombos, Paul Gravett acredita que a arte japonesa mais próxima aos mangás são os ukiyo-e13, xilogravuras produzidas no Período Edo (séculos XVII a XIX): As linhas precisas, a composição arrojada e o uso meticuloso de padrões delicados e repetitivos, característicos de todas essas gravuras têm muita proximidade com o mangá, em que o trabalho dinâmico com o traço é a norma e as texturas são aplicadas em tons chapados e sem modulação. A relação é ainda mais clara nos mangás modernos ambientados num passado distante. Nesses casos, os artistas 12

Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2015. 13 “Imagens do Mundo Flutuante”. De acordo com o Budismo, “mundo flutuante” seria um “domínio terrestre governado pela inconstância e prazer fulgaz” (KOYAMA-RICHARD, 2007: 38). Conhecido também como “estampa japonesa”.

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frequentemente fazem referências conscientes à ukiyo-e e à outras gravuras. Afinal, é dessa forma que a história é retratada. (2006: 24)

A alta reprodutibilidade dessas imagens garantida pela técnica empregada – várias cópias eram impressas a partir de algumas matrizes de madeira – possibilitou ao ukiyo-e tornar-se uma arte acessível e popular. Seus temas também colaboraram para sua difusão, pois retratavam assuntos cotidianos como teatro kabuki, sumô, gueixas, vida boêmia, e também paisagens famosas. As gravuras, além de serem obras de arte por si só, também eram utilizadas para ilustrar livros de assuntos diversos, notícias, cartões postais, entre outros (KOYAMA-RICHARD, 2007: 38). Uma das características mais notáveis de algumas destas obras é a retratação dos personagens de forma não proporcional, sendo que os elementos aos quais era atribuída maior importância costumavam ser representados em maior escala. A imagem a seguir (Imagem 9), produzida por Toshusai Sharaku, retrata um ator cujos elementos faciais são desproporcionais entre si, assim como ocorre com o restante do corpo, o que é perceptível através da grande diferença de tamanho entre a cabeça e as mãos. Imagem 9 – Ukiyo-e

O Ator Otani Oniji retratado por Toshusai Sharaku. Fonte: Met Museum14

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Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2015.

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Após a abertura do Japão, o ukiyo-e passou a ser conhecido na Europa e América, onde serviu de inspiração para vários artistas como Van Gogh, Monet e Degas 15 podendo, por este motivo, ser considerado o primeiro grande difusor da arte japonesa no mundo (ALMEIDA, 2014: 18). Desde então, estas gravuras são reconhecidas como grandes obras de arte e possuem um altíssimo valor de mercado, contrastando enormemente com sua função e valor do período em que foram produzidas. Algumas das mais conhecidas séries de ukiyo-e foi produzida por Katsushika Hokusai (1760 - 1849), um dos artistas mais produtivos do gênero. Intitulada Trinta e seis vistas do Monte Fuji, reuniu gravuras que exaltam a beleza e grandiosidade da natureza, como a icônica A Grande Onda de Kanagawa. Hokusai foi o criador do termo mangá16 utilizado por ele em 1814 para nomear seu também famoso conjunto de desenhos Edehon Hokusai Manga17 (Imagem 10), também conhecido como Hokusai Sketchbooks, criado com a intenção de servir de guia para os artistas aprendizes. Apesar de não possuir narrativas, sua semelhança com o mangá moderno é encontrada no estilo dos desenhos, que tendiam à comédia, ao exagero e ao caricatural: “ele tinha preferência por pessoas muito gordas ou muito magras, narizes longos e fantasmas” (LUYTEN, 2012: 84). Os elementos ocidentais que contribuíram para o surgimento e desenvolvimento dos mangás começam a aparecer após a abertura dos portos japoneses às demais nações, em 1853, após um isolamento de cerca de 200 anos. Nesta época, houve entrada de muitos estrangeiros e muitas novidades chegaram ao país, inclusive no que se refere às artes gráficas. No século XIX, a Revolução Industrial foi um processo importante para a difusão da cultura, que chegou às camadas populares através de livros e jornais. Nesta mesma época, na Inglaterra, surgiram os cartuns, que satirizavam a vida cotidiana, e também as charges, de conteúdo político. No Japão, estas publicações chegaram através do oficial do exército britânico Charles Wirgman, responsável pela criação da Japan Punch, revista de conteúdo humorístico, lançada em 1862 e direcionada a estrangeiros que viviam em Yokohama (GRAVETT, 2006: 25). Alguns anos depois, as strips (tirinhas) norte-americanas chegam ao país, numa época em que faziam muito sucesso nos Estados Unidos.

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Estes artistas são alguns dos maiores exemplos daqueles cujas obras foram afetadas pela onda do Japonismo: fenômeno da segunda metade do século XIX caracterizado pela fascinação europeia em artefatos e obras de arte japonesas. 16 Palavra traduzida literalmente como “imagens irresponsáveis” (GRAVETT, 2006: 13). 17 Manual dos Mangás de Hokusai

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Imagem 10 – Elemento de Edehon Hokusai Manga

Fonte: Pinterest18

De acordo com Luyten (2012: 87), os japoneses se inspiraram nestas publicações para criar seus primeiros trabalhos do gênero, absorvendo certos pontos e adaptando-os ao gosto e à realidade de seu país, dando origem a um estilo próprio. Em 1877 surge a primeira revista humorística japonesa, a Marumaru Chinbun, publicada durante trinta anos. Logo após, na década de 1890, a palavra mangá foi revivida para nomear todo o material gráfico cômico japonês da época, inclusive as histórias em quadrinhos, que começaram a surgir no início do século XX. Moliné (2004: 19) afirma que o primeiro mangá com personagens fixos foi Tagosaku to Morukubei no Tokyo Kenbutsu (A viagem a Tokyo de Tagosaku e Morukubei), criada em 1901 por Rakuten Kitazawa. No final do século XIX, nos Estados Unidos, são lançados os primeiros comic books – revistas que reuniram as strips publicadas em jornais –, cujo pioneirismo é atribuído ao quadrinho Hogan´s Alley, onde houve a estreia dos balões de fala. A ascensão dos comic books ocorreu nos anos 1930, quando passaram a ser formados por histórias inéditas e totalmente coloridas. Possivelmente mais uma vez influenciados, os japoneses criam sua primeira revista de mangás, a Shonen Club, publicação mensal de cerca de 200 páginas destinada ao público infantil cuja primeira edição data de 1931. 18

Disponível em: . Acesso em: 30 abr. 2015.

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2 O mangá no Pós-guerra

Durante a II Guerra Mundial muitos artistas japoneses, assim como de outros países envolvidos no confronto, trabalharam com a produção quadrinhos com temas bélicos (sátiras aos inimigos, propagandas, entre outros). Com o fim da guerra e derrota do Japão, o cartum político entra em declínio no país e grande parte dos desenhistas perde seu emprego nos jornais. Devido à situação causada pela derrota na Guerra, a busca por entretenimento tornouse uma necessidade. Nesta época surgiu uma interessante alternativa para os artistas: os kamishibai, rolos de ilustrações situados no interior de uma caixa de madeira, aliados a apresentações narrativas. Luyten (2012: 106) afirma que a linguagem dos kami-shibai era bastante semelhante à dos mangás, sendo que muitos dos que nele trabalhavam posteriormente tornaram-se famosos mangakás19. Segundo a autora, a atividade entrou em decadência a partir de 1953, devido à chegada dos primeiros televisores. Imagem 11 – Apresentação de kami-shibai

Fonte: Atellier Della Luna20

Também após a Segunda Guerra, emerge um novo gênero de mangás: os gekigás (“imagens dramáticas”). Com temas contemporâneos, mais sérios e menos fantásticos, os gekigás atraíram adolescentes mais velhos e adultos. Para criar as imagens mais dramáticas e 19 20

Denominação japonesa utilizada para se referir aos artistas de quadrinhos. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2015.

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impactantes, os artistas desta categoria – muitos os quais iniciaram sua carreira nos kamishibai – se inspiraram na estética de filmes neorrealistas europeus e film noir americanos, e também nos trabalhos dos cineastas japoneses Akira Kurosawa e Yasujiro Ozu (GRAVETT, 2006: 44). As publicações tinham como destino as locadoras de mangás visto que, à época, a situação econômica da população não permitia que fossem compradas. Durante a ocupação norte-americana no Japão houve entrada de grande quantidade de material ocidental direcionado ao entretenimento, como quadrinhos e filmes, que se tornaram muito populares no país. Nos Estados Unidos, pouco antes da Guerra, os artistas passaram a incorporar a linguagem cinematográfica aos quadrinhos, técnica que seria mais tarde introduzida por Osamu Tezuka (1928 - 1989) aos mangás e revolucionaria o mercado editorial japonês, como será posteriormente apresentado. A gama de temas de mangás expandiu-se, sendo um importante marco a publicação de Sazae-san (JUNIOR, L., 2008: 68), comédia cotidiana cuja personagem principal é uma mulher com características feministas, considerada muito moderna para a época. O sucesso de Sazae-san pode ser constatado por sua transformação em série animada em 1969 e seu tempo de permanência na televisão: o animê é transmitido até os dias de hoje, tendo sido reconhecido pelo Guiness World Records em 2013 como a série animada mais extensa da história21. Além deste mérito, é interessante ressaltar que o fato de o mangá ter sido escrito e desenhado por uma mulher – Hasegawa Machiko – estimulou outras artistas a entrarem no ramo (JUNIOR, L., 2008: 68), que hoje apresenta uma divisão muito balanceada entre homens e mulheres. Gravett (2006: 45) expõe que, a partir dos anos 1960, o Japão começou a se reerguer e o poder aquisitivo das pessoas melhorou. Como consequência, a população pôde passar a comprar mangás ao invés de alugá-los, levando muitas livrarias de empréstimo à falência. Os artistas que trabalhavam nos gekigás também foram afetados, mas aos poucos foram contratados por editores de revistas de mangá, que passaram a ser semanais e segmentadas por gênero e idade. Nas próximas décadas, o número de títulos cresceria de forma extraordinária e seriam exportados em grande quantidade para todos os cantos do globo, como será exposto ao longo deste trabalho.

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GUINESS World Records. Longest running animeted TV series. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2015.

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3 As contribuições de Osamu Tezuka

Em 1928, na cidade de Toyonaka, nascia a personalidade que iria revolucionar os quadrinhos japoneses, agregando a eles o que se tornaram suas características mais representativas. Osamu Tezuka cursava Medicina enquanto assistia a seu país ser devastado pela Guerra. Leitor de quadrinhos desde pequeno e dotado de grande talento artístico, pensou que uma boa maneira de trazer felicidade às pessoas – principalmente às crianças – em uma época tão trágica seria através de mangás cômicos e otimistas. Publicou sua primeira série de tiras de jornal (Ma-chan no Nikki-chô22) aos 17 anos, fazendo grande sucesso (BAN, 2004: 11). Os poucos quadros das tiras, porém, de certa forma limitavam seu potencial, e sua grande vontade tornou-se publicar histórias longas, com cerca de 200 páginas. Logo após a Guerra, em Osaka, surge um movimento de novos artistas que, como Tezuka, desejavam transmitir coisas boas às pessoas através dos quadrinhos. Assim, deram origem a pequenas editoras e lançaram seus trabalhos, que ficaram conhecidos como akahon: pequenos livros de capa vermelha, impressos em papel barato e de má qualidade, o que permitia que fossem adquiridos por um grande número de pessoas. Artistas de todo o país aderiram ao movimento, inclusive Tezuka, que pôde enfim publicar seu primeiro quadrinho narrativo, Shin Takarajima (A Nova Ilha do Tesouro), em parceria com o veterano Shitima Sakai. Tezuka era grande fã de cinema europeu e americano, principalmente dos longasmetragens de animação de Walt Disney. Segundo Ban (2004: 113), o mangaká assistiu a Branca de Neve e Bambi 50 e 80 vezes, respectivamente, com a intenção de observar a reação dos espectadores às cenas, estudar o movimento dos personagens e aprimorar suas técnicas de desenho. Já no lançamento de Shin Takarajima (1941), sua paixão pela sétima arte foi mais uma vez constatada: Tezuka introduziu a linguagem cinematográfica – já usada nos quadrinhos americanos desde a década de 1930 (GRAVETT, 2006: 27) – ao mangá, utilizando vários tipos de planos e ângulos, e também decompondo o movimento nos quadros, deixando-os semelhantes a fotogramas. Além disso, os roteiros dos filmes hollywoodianos, com marcantes confrontos entre heróis e vilões e grande dramaticidade serviram de inspiração para seus trabalhos, como afirma Braga Junior (2001: 20). No Quadro 2 há uma sequência de

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O Diário de Ma-chan.

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quadros de Shin Takarajima ao lado de imagens correspondentes que mostram alguns dos enquadramentos utilizados no cinema. Na sequência de Tezuka, o movimento de distanciamento da câmera atribui maior impacto à cena e as técnicas de desenho empregadas (linhas de movimento e cabelos ao vento) são responsáveis por garantir o efeito de alta velocidade. Após sua introdução, a linguagem cinematográfica passou a ser utilizada também por outros mangakás, acabando por tornar-se, nos dias atuais, uma das características mais marcantes dos quadrinhos japoneses, como será mostrado mais adiante.

Quadro 2 – Correspondência entre quadros de Shin Takarajima e planos de um filme

Fonte: Elaborado pela autora

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Tezuka formou-se médico em 1951 e, além de seu talento para o desenho, acumulava aptidões para música e teatro, sendo muito elogiado por suas performances à frente do piano e 23

Sequência de Shin Takarajima extraída de GRAVETT, 2006: 31. Sequência de planos de filme disponível em: . Acesso em: 02 jun. 2015.

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chegando a participar de um grupo de teatro formado por estudantes de Medicina e Enfermagem, através do qual atuou em algumas peças (BAN, 2004). A interpretação também marcou presença em seus mangás: o artista utilizava um “sistema de estrelas” (BAN, 2004: 55), no qual seus personagens trabalhavam como atores, sofrendo apenas algumas alterações de história para história. De acordo com Gravett, [...] isso o ajudava a construir um relacionamento especial com seu público, que gostava de reconhecer o rosto familiar dos atores nos papéis de sempre ou “descaracterizados”. Tezuka criou biografias para seus atores fora do universo dos quadrinhos e escreveu resenhas sobre suas atuações. Ele mantinha até mesmo registros de quanto cada um deles ganhava. (2006: 34)

Após ter se mudado aos cinco anos para a cidade de Takarazuka, Tezuka desenvolveu grande encanto pelo teatro homônimo típico da cidade que, ao contrário do também famoso teatro Kabuki, era composto somente por atrizes e misturava elementos do próprio Kabuki, do teatro Nô e de shows do Ocidente (MOCHIZUKI apud LUYTEN, 2012: 111). A companhia, fundada em 1913, é caracterizada por seus cenários e figurinos extravagantes e performances musicais com toque melodramático. Seu estilo único o tornou uma forma de entretenimento muito popular e garantiu sua existência até os dias atuais. A forte atração pelo Takarazuka e também pelos desenhos da Disney foi fundamental para que Tezuka incorporasse aos mangás o que, sem sombra de dúvidas, tornou-se a característica estética mais marcante dos quadrinhos japoneses: os grandes olhos. Em relação ao Teatro, Luyten expõe que o desenhista confessou que “[...] ficava fascinado com os olhos muito maquiados das atrizes, bastante aumentados, que, com a luz dos refletores, davam a impressão de conter uma estrela brilhante em seu interior” (2012: 111). As Imagens 12 e 13 podem nos confirmar a influência do Takarazuka em suas obras. A Imagem 12 nos mostra a transformação pela qual passa uma garota para interpretar um papel masculino no referido teatro. A maquiagem é utilizada para alterar o formato de sua testa, sobrancelha e lábios, mas são os olhos que mais se destacam: os cílios são colossalmente alongados e um contorno preto é fortemente traçado de forma a expandir as dimensões do globo. Também é possível notar duas pequenas esferas brilhantes em seus olhos que, sem sombra de dúvidas, se tornariam maiores e mais numerosas caso a garota estivesse sob os holofotes de um palco.

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Imagem 12 – Maquiagem para o Teatro Takarazuka

Transformação de uma garota para interpretação de um papel masculino no Takarazuka. Fonte: Hatena Diary24 Imagem 13 – Safiri, protagonista de A Princesa e o Cavaleiro

Fonte: Nipop25

Paralelamente, a Imagem 13 nos apresenta a personagem Safiri do grande sucesso de Tezuka A Princesa e o Cavaleiro (Ribon no Kishi). Observa-se o destaque que os grandes olhos possuem na composição da personagem e também os pontos brilhantes em seu interior. Além das questões estéticas, o mangá em questão também possui, em sua temática, certa semelhança com o Takarazuka. A história se passa na Terra de Prata, onde o casal real aguarda o nascimento de seu primeiro filho. Ao serem surpreendidos pelo nascimento de uma menina, decidem criá-la como menino, pois uma antiga lei proibia que o trono fosse ocupado 24

Disponível em: . Acesso em: 15 mai. 2015. Disponível em: . Acesso em: 13 abr. 2015. 25

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por uma mulher. Safiri então cresce com aparência, comportamento e habilidades masculinas, representadas na imagem pelo manejo de espada, indumentária e cabelos curtos. Tal apropriação de características que não condizem com o esperado para seu gênero pode estar relacionada aos papéis masculinos interpretados pelas garotas do Takarazuka. Em 1948 é lançada, em Tóquio, a revista Manga Shonen, voltada ao público infantil. Em sua primeira edição, o editor-chefe Kenichi Katoh publica uma nota, através da qual podemos identificar uma das grandes preocupações dos profissionais de mangá naquela época: O mangá ilumina o coração das crianças. O mangá alegra as crianças. Por isso elas gostam de mangás cima de tudo. “Manga Shonen” é uma revista para iluminar e alegrar o coração das crianças. Há histórias e contos que irão cultivar nas crianças um espírito puro e direito. Todas são grandes obras. Crianças do meu Japão, leiam a “Manga Shonen” e cresçam puras, alegres e direitas! (BAN, 2004: 89)

Com a intenção de encontrar melhores oportunidades de trabalho, Tezuka muda-se para a capital do Japão onde, segundo Ban (2004: 43) já era conhecido e respeitado por seus colegas de profissão. Contratado por editoras locais, publica os grandes sucessos Jungle Taitei26 (Kimba, o Leão Branco) e Testsuwan Atom (Astro Boy): obra pioneira do gênero de ficção científica redesenhada a partir de seu trabalho anterior O Embaixador Atom, cujo protagonista é um menino-robô que possui sentimentos humanos. Com o passar dos anos, Tezuka tornou-se um profissional muito cobiçado pelas editoras e responsável por um grande volume de títulos, chegando ao ponto de, em 1952, publicar oito séries simultaneamente (BAN, 2004: 140). Devido aos constantes atrasos na entrega de material, os editores o seguiam incessantemente para pressioná-lo, chegando ao ponto de até mesmo auxiliá-lo em seu trabalho, passando tinta nos rascunhos, por exemplo. De acordo com Ban (2004: 156), devido à prática, muitos editores acabaram também se tornando desenhistas profissionais. As contribuições de Tezuka foram, portanto, fundamentais para a evolução do mangá, como explica Luyten (2012: 109): “suas obras modificaram não só a estrutura da linguagem, desdobrando as cenas numa sequência mais fluida, como também o conteúdo, pela variedade de temas e personagens”. Com o passar dos anos, o sonho do artista tornou-se produzir animações, o que se concretizou em 1963 com o lançamento do animê de Tetsuwan Atom, a 26 Publicado na Manga Shonen e inspirado, em vários aspectos, em Bambi.

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primeira série animada da televisão japonesa, pela sua própria produtora, a Mushi Productions.

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CAPÍTULO II MANGÁ E SOCIEDADE: JAPÃO E OCIDENTE

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1 O mangá no Japão

1.1 Indústria, consumo e comparações

Em seu país de origem, os mangás são publicados em grossas revistas semanais que se assemelham às antigas listas telefônicas. São impressos em papel jornal com tinta de uma única cor – que pode ser preta, vermelha, azul ou verde, por exemplo, e varia de história para história –, o que os garante um baixíssimo custo de produção. As revistas são segmentadas por gênero e idade e, além dos mangás, possuem algumas matérias direcionadas ao seu público alvo. Devido ao seu grande número de páginas – 500, em média – e à escassez de espaço nas casas (principalmente nos grandes centros urbanos como Tóquio), as revistas não são colecionadas, ao contrário do hábito ocidental (LUYTEN, 2012: 34): após a leitura, os japoneses costumam abandonar as revistas em locais públicos como estações de metrô, ou até mesmo jogá-las no lixo. Somente após a publicação em revistas os títulos são publicados separadamente, em volumes colecionáveis que contém vários capítulos27. As Imagem 14 e 15 ilustram a imensa diferença de qualidade de impressão entre as páginas de uma edição de 2014 da revista Weekly Shonen Magazine e de uma edição de 2013 da HQ28 X-Men. A coloração de alta definição que vemos em X-Men seria impraticável nos mangás, pois geraria grande encarecimento do produto, ainda mais considerando que as revistas japonesas possuem centenas de páginas, ao contrário das americanas, que costumam conter somente 32. Os japoneses são os maiores consumidores de quadrinhos do mundo e, por este motivo, o mercado destes itens é um dos mais competitivos do Japão. De acordo com Gravett (2006: 102), após a alta dos quadrinhos iniciada a partir dos anos 1970, a literatura e o cinema japoneses sofreram uma grande queda de público e, desde então, nunca mais chegaram a superá-los. Em pesquisa realizada pelo Instituto de Estatísticas de Publicações Shuppan Geppo em 2002, foi constatado que os mangás representavam, naquele momento, 40% do 27

Estes encadernados são chamados tankohon. Abreviação utilizada no Brasil para se referir, em geral, às histórias em quadrinhos americanas que, nos Estados Unidos, são conhecidas como comics. Em nosso país também se convencionou chamar todos os quadrinhos de gibis, porém este termo, com o passar dos anos, tem sido cada vez mais utilizado para referir-se somente aos quadrinhos destinados ao público infantil, como os da Turma da Mônica. 28

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volume de todo material impresso no país (GRAVETT, 2006: 17) e, segundo Moliné (2004: 32), em 2004 existiam cerca de 130 editoras e 300 publicações periódicas, números muito superiores aos da indústria de quadrinhos de qualquer outro país. Outra importante marca foi atingida em dezembro de 2014, quando o Guiness World Records certificou o mangá One Piece29 como o quadrinho de único autor mais vendido do mundo, com espantosas 320.866.000 cópias impressas desde seu lançamento, em 199730. Imagem 14 – Página da Weekly Shonen Magazine

Imagem 15 – Página da HQ X-Men

Fonte: Weekly Shonen Magazine

Fonte: Google Docs31

Vale ressaltar que os rendimentos da indústria não se restringem somente a vendas de mangás e revistas. Conforme expõe Braga Junior, os japoneses seguem o modelo de comercialização criado pelos americanos, que possui uma “[...] política de distribuição internacional e apropriação dos direitos da obra para merchandising, franchising e properties” 29

Mangá publicado na revista Shonen Jump que retrata a trajetória do pirata Luffy em busca do One Piece, maior tesouro do mundo. A história continua sendo publicada até o presente momento, sem previsão de término. 30 Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2015. 31 Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2015.

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(2005: 31), que proporciona grande lucro às empresas detentoras dos direitos de histórias e seus personagens. Por esta razão, é comum que os mangás de maior sucesso tornem-se animês, filmes e até mesmo séries live-action32. Além disso, o mercado ainda envolve jogos, vestuário, acessórios, bonecos colecionáveis, eventos, músicas, entre outros produtos. Para exemplificar esta semelhança entre as indústrias americana e japonesa, pode-se fazer um pequeno comparativo entre os principais produtos surgidos a partir da HQ Batman e do mangá Dragon Ball, grandes sucessos mundiais. O primeiro, lançado em 1940 e em produção contínua até os dias atuais, ganhou ao longo destes anos as séries live-action Batman (1966) e Gotham (2014); várias séries animadas, sendo a mais famosa Batman: The Animated Series (1990); diversos filmes, entre eles a aclamada trilogia O Cavaleiro das Trevas (2005 – 2012); e a quadrilogia de jogos eletrônicos Arkham (2009 - 2015). O segundo, publicado de 1984 a 1989 e com uma continuação iniciada em 2015, até o momento foi contemplado com os animês Dragon Ball (1986), Dragon Ball Z (1989), Dragon Ball GT (1996), Dragon Ball Kai (2009) e Dragon Ball Super (2015); 20 filmes animados; o filme live-action Dragon Ball: Evolution (2009), produzido em estúdio americano; e dezenas de jogos eletrônicos, sendo Dragon Ball: Xenoverse (2015) o mais recente. E estes são apenas dois exemplos dentre as outras centenas de quadrinhos americanos e japoneses que utilizam este modelo. Ao mesmo tempo em que afirma existirem similaridades entre as indústrias de quadrinhos japonesa e americana, Braga Junior (2005: 32) também pondera que há uma grande diferença entre a forma com que os quadrinhos são vendidos e consumidos nos dois países. Segundo ele, nos Estados Unidos, existem aproximadamente 50 editoras, das quais se destacam três – Marvel33, DC34 e Image Comics35 –, e os quadrinhos são tratados claramente objetos comerciais. Frade (2013) complementa a afirmação de Braga Junior informando que, atualmente, o mercado dos quadrinhos americanos é formado basicamente por editoras, distribuidoras36, comic shops37 e consumidores. O autor esclarece a dinâmica de funcionamento deste sistema explicando que as editoras entregam às distribuidoras

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Termo utilizado para se referir a produções audiovisuais estreladas por atores reais. Exemplos de títulos publicados: Homem-Aranha; X-Men; Quarteto Fantástico. 34 Exemplos de títulos publicados: Batman; Superman; Mulher-Maravilha. 35 Exemplos de títulos publicados: The Walking Dead; Witchblade; Spawn. 36 Frade afirma que atualmente somente a distribuidora Diamond opera no modelo de mercado descrito por ele. 37 Lojas especializadas na venda de quadrinhos e produtos relacionados a eles. 33

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previews38, sinopses, títulos e capas de suas próximas revistas cerca de três meses antes de seus lançamentos. As distribuidoras, então, criam um guia com estes materiais, que são lidos pelos donos das comic shops, que compram as revistas que acreditam que venderão mais, ou seja, grande parte do controle sobre o sucesso ou fracasso de uma história está nas mãos dos lojistas. A publicidade em torno das novas edições é imensa: para criar o clima de expectativa e impulsionar as vendas, as editoras apresentam antecipadamente várias entrevistas e comunicados à imprensa; eventos como a San Diego Comic Con39 fornecem ao público materiais e notícias inéditas; e até mesmo grandes festas são realizadas pelas comic shops na véspera de um grande lançamento. Além disso, as entidades envolvidas estabeleceram que todas as quartas-feiras fossem transformadas em new comic book day40, dias de lançamentos, obrigando os fãs mais fieis a saírem às compras sempre nestes dias caso queiram obter as novas revistas, que muitas vezes esgotam-se antes do anoitecer (FRADE: 2013). Ainda de acordo com Braga Junior (2005: 27), no Japão, apesar de sua produção também visar à obtenção de lucro, os mangás são mais objetos ligado ao lazer e à identidade nacional e menos produtos comerciais, como será explicado no próximo capítulo. O autor menciona que existem também três editoras de destaque: a Kodansha (responsável pelas revistas de maior circulação no país e pioneira na edição de títulos shônen), a Shueisha (de material mais diversificado e responsável pela introdução dos shôjos) e a Shogakukan (especializada em quadrinhos educativos e primeira a aventurar-se em outros países). Os mangás são consumidos por japoneses de diferentes idades e classes sociais. Por este motivo, são facilmente encontrados à venda em diversos locais como lojas de conveniência e máquinas automáticas espalhadas pelo país. Para aqueles que procuram um espaço para ler e relaxar após um dia exaustivo de estudo ou trabalho, há a opção dos manga cafés (Imagem 16): cafeterias que disponibilizam milhares de mangás para leitura e, algumas vezes, até mesmo espaço e materiais para sua criação. Já nos Estados Unidos, os fãs de quadrinhos são um público muito específico, em sua maioria composto por indivíduos do sexo masculino com idade entre a adolescência e o início da fase adulta e, ao contrário do que ocorre no Japão, basicamente apenas encontram suas HQs nas comic shops. 38

Prévias; neste caso, as primeiras páginas das histórias. Evento realizado anualmente na cidade de San Diego (EUA) que conta com atrações relacionadas a quadrinhos, cinema, televisão, vídeo game, livros, entre outros. 40 Algo como Dia do novo quadrinho. 39

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Imagem 16 – Manga café

Fonte: Flickr41

1.2. Mangá e sociedade

Dentre os motivos que explicam o sucesso dos mangás no Japão, Luyten (2012) e Gravett (2006: 17) acreditam que o fator maior é a oportunidade de fuga da realidade. Quando jovens, os japoneses são submetidos a uma pesada rotina de estudos com o objetivo de ingressarem em uma boa (e concorrida) universidade e, enquanto adultos, também trabalham de forma exaustiva: em pesquisa realizada pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) em 2011, os japoneses ficaram em 2º lugar no ranking que aferiu a quantidade diária de horas dedicadas ao trabalho. O excesso de trabalho se tornou tão prejudicial para a saúde desta sociedade que até foi criado um termo – karôshi – para designar as mortes súbitas causadas por ataques do coração e derrames decorrentes do stress gerado pelo trabalho. Além destas questões, os japoneses também lidam diariamente com rígidas regras de respeito e hierarquia, o que faz crescer a procura por entretenimento e atividades relaxantes. Devido aos problemas mencionados, Luyten afirma que o mangá, para eles, é uma necessidade e funciona como uma grande válvula de escape para todas as pressões sofridas. A 41

Disponível em: . Acesso em: 26 mai. 2015.

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imersão nas histórias os proporciona experiências que não podem ser vividas em seu dia-adia: Os mangás se solidarizam com o leitor: os personagens lutam, amam, brigam, aventuram-se, viajam e até exercitam-se por ele. A relação íntima entre o personagem e o leitor o faz se esquecer das longas horas nos trens, do trabalho monótono e mecânico nos escritórios, do inferno do vestibular, das casas apertadas e da multidão nas ruas e dá energia para o dia seguinte. (2012: 31)

A autora também menciona a existência de correntes de pensamento que apontam a predisposição japonesa ao figurativo (escrita ideográfica), a influência da linguagem televisiva e a falta de espaço para as crianças brincarem – como já mencionado, as residências nos grandes centros costumam ser muito pequenas – como fatores que colaboram para o êxito dos mangás. Em contrapartida, os quadrinhos estrangeiros não fazem muito sucesso no país devido à falta de identificação do público com as histórias e personagens. Além das envolventes narrativas fantásticas, as características estéticas mais marcantes dos mangás também se mostram fundamentais para a sustentação desta sociedade: a linguagem cinematográfica e os heróis, dotados de visuais extravagantes e poderes fantásticos, garantem a adrenalina que falta no dia-a-dia de seus leitores (GRAVETT, 2006: 102); as imagens violentas, que envolvem armamentos dos mais diversos tipos, decapitações e impressionantes jatos de sangue, possuem efeito terapêutico e canalizam sua fúria e frustrações; e, por fim, o erotismo e o estilo kawaii (que será abordado no capítulo final deste trabalho) que transbordam no design de muitos personagens induzem à admiração absoluta e ao apaixonamento virtual, saciando seu desejo por relacionamentos com pessoas reais42. Devido à marcante presença da violência, os animês e mangás não são muito bem vistos por algumas pessoas no Ocidente, principalmente por adultos que acreditam que cenas com este conteúdo podem influenciar o comportamento de seus filhos. O Japão, porém, é conhecido por seu baixíssimo índice de violência, o que pode, inclusive, estar relacionado à saciedade de agressividade possibilitada pelo contato com estas mídias. Segundo o mangaká Go Nagai (1945- ), a violência empregada nas histórias colabora para o fortalecimento emocional das pessoas: “Escrevo histórias cruéis porque quero meus leitores emocionalmente fortes para o mundo real” (NAGAI apud LUYTEN, 2012: 46). 42

Um exemplo de relacionamento com personagens virtuais pode ser visto no caso do jovem japonês conhecido como Sal9000 que, em 2009, chamou a atenção do mundo inteiro ao casar-se com a personagem kawaii Nene Anegasaki, do jogo simulador de romance Love Plus.

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Imagem 17 – Violência em Dragon Ball Z

Fonte: Nippon Sekai

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No Japão dos anos 1980 surgiu o fenômeno social otaku, que envolve o universo dos animês e mangás. Segundo Etiénne Barral, autor do livro Otaku: os filhos do virtual, o termo otaku (de impossível tradução), designa jovens que possuem aversão a aprofundar relações pessoais pelo medo de ferir-se, preferindo isolar-se em seus quartos e conviver apenas com seus aparelhos eletrônicos, internet, bonecos, jogos e quadrinhos (2000: 25). Em seu mundo imaginário, os otakus se satisfazem com a companhia dos personagens que os cercam, pois possuem em si a certeza que eles nunca o magoarão e estarão sempre a lhes fazer companhia. Barral aponta que, em 1989, um assassino de crianças levou o termo a ser conhecido nacionalmente após a mídia espalhar que o mesmo era um otaku (2000: 28). Desde então, a sociedade japonesa passou a desprezar os jovens que adotavam estes hábitos, e a denominação tornou-se um insulto, de modo que se definir como um otaku passou a requerer muita coragem. Ao contrário do que ocorre no Japão, no Brasil a palavra é utilizada para se referir a fãs de animê e mangá em geral, sem levar em conta seu comportamento social. Para a comunidade otaku brasileira, fazer parte do universo da cultura pop japonesa é, na verdade, motivo de grande orgulho.

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Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2015.

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2. Animê e mangá no Brasil e Ocidente

Apesar das grandes barreiras que encontram ao serem exportados para o Ocidente – diferença entre culturas, dificuldades de tradução e de compreensão de símbolos, entre outras –, os animês e mangás fazem grande sucesso ao redor do mundo, principalmente nos países que possuem boas relações comerciais com o Japão ou naqueles onde se estabeleceram colônias nipônicas (LUYTEN, 2012: 176). Braga Junior (2011: 19) comenta que a quantidade de material exportado é tão grande que muitos autores já preparam suas obras para o mercado estrangeiro, nomeando-as em inglês. Imagem 18 – Exemplos de mangás com título em inglês

Fonte: Elaborada pela autora

Os Estados Unidos foram o primeiro país a se interessar pelos produtos em questão. Já na década de 1960, ao tomarem conhecimento do êxito das animações japonesas em sua terra de origem, algumas emissoras de televisão adquiriram diversos títulos visando o aumento de audiência (MONTE, 2010: 23). Já na Europa, os primeiros grandes animês chegaram ao final dos anos 1970, seguidos pelos primeiros mangás, na década seguinte (MOLINÉ, 2010: 58).

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Segundo Braga Junior (2011: 18), os primeiros mangás chegaram ao Brasil no início do processo de imigração japonesa44 e possuíram, além da incumbência de entreter imigrantes de todas as faixas etárias, a de estimular as crianças a manterem o hábito de leitura do idioma japonês. Nesta época e durante as décadas seguintes, os mangás ficaram restritos à comunidade de imigrantes, sendo lançados oficialmente no país somente no final da década de 1980. Ao contrário do processo que ocorre naturalmente no Japão e a espelho do que ocorreu em outros países ocidentais, no Brasil também foram os animês que impulsionaram o surgimento dos mangás. Monte (2010: 30) afirma que, pelas mãos de distribuidoras americanas, alguns títulos que já faziam muito sucesso no Japão foram trazidos ao Brasil nos anos 1960 e 1970, entre eles: Speed Racer, A Princesa e o Cavaleiro e Kimba, o Leão Branco. Também a partir desta época foram transmitidas várias séries tokusatsu45 como National Kid, Changeman, Ultraman, Jaspion e Jiraiya, que foram muito bem recebidas pelos brasileiros. Pouco tempo depois, ao final da década de 1980 e por toda a década de 1990, o país assistiu à entrada de novos animês, que estrearam em diversos canais abertos e fechados. Muitos dos grandes nomes da animação japonesa surgiram por aqui nesta época, sendo Dragon Ball, Cavaleiros do Zodíaco, Sailor Moon, Samurai X e Yu Yu Hakushô alguns dos mais marcantes. Além destes, em 1999 surge Pokémon, um fenômeno à parte, com direito a lançamento de álbum de figurinhas, revista mensal (Pokémon Club), CD com músicas em português, brindes em produtos alimentícios e centenas de brinquedos, roupas e acessórios estampados com seus personagens. Em 1988 é lançado o primeiro mangá no Brasil, o seinen Lobo Solitário46, cujo fluxo de leitura foi adaptado à maneira ocidental (da esquerda para a direita). Nos anos seguintes, outros poucos títulos foram surgindo, sem muita expressividade. Braga Junior (2005: 73) menciona, porém, que em 1992 o mercado brasileiro de quadrinhos, até então monopolizado pela Editora Abril, foi atingido pela crise econômica do país, o que resultou mudanças bruscas

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A imigração japonesa no Brasil iniciou-se em 1908 devido a um acordo entre os governos japonês e brasileiro. Atualmente o país abriga a maior colônia de japoneses fora do Japão: cerca de 1, 5 milhão de pessoas, das quais aproximadamente 1 milhão residem no estado de São Paulo. Dados disponíveis em: . Acesso em: 29 ago. 2015. 45 Gênero de filmes e séries live-action japonesas com temática de super-herói e utilização exagerada de efeitos especiais. 46 Publicado no Japão em 1970.

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de distribuição, alteração do formato e aumento do preço de venda das publicações. Este novo cenário levou os leitores à insatisfação e abriu caminho para que os quadrinhos independentes e mangás ganhassem seu espaço. Além disso, o autor assinala que a grande quantidade de títulos e o baixo custo de produção dos mangás proporcionaram que a partir da década de 1990 o mercado de quadrinhos japoneses iniciasse uma expansão para o Ocidente, principalmente para o continente americano (2005: 34). Imagem 19 – Tazos Pokémon

Tazos Pokémon encontrados dentro de salgadinhos como brindes, no início dos anos 2000. Fonte: Eu sou do tempo47

Outro fator que impulsionou a venda de mangás no país foi o surgimento de revistas direcionadas aos fãs de animês: a partir do início dos anos 1990 foi possível encontrar nas bancas revistas como a Herói, Comix, Anime Do e Neo Tokyo (esta última, lançada até os dias atuais). Estas publicações foram as primeiras fontes de informações a respeito dos desenhos japoneses e fizeram com que seus leitores descobrissem que a maioria dos títulos que acompanham pela televisão haviam se originado nos quadrinhos. Devido às razões mencionadas, durante os anos 1990 e 2000 a quantidade de mangás encontrados em bancas de jornal espalhadas pelo país aumentou de forma surpreendente e ainda não mostra sinais de declínio: até a presente data, três das principais editoras responsáveis pela publicação de mangás no Brasil somam juntas o lançamento de 242

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Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2015.

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títulos48. Vale ressaltar que somente a partir do final do ano 2000 as editoras brasileiras passaram a lançar os mangás no formato original japonês49, cujo sentido da leitura das páginas é de trás para frente e dos quadros e balões, da direita para a esquerda. Para orientar os leitores, um manual foi incluído naquela que seria a primeira página de acordo com o modo ocidental, explicando como a leitura deveria ser realizada. Para Braga Junior, muito do sucesso dos mangás provém desta mudança: Esta ação foi definitiva para garantir a publicação dos mangás no Brasil. Sua veiculação não havia se inserido ainda, muito devido aos custos de editoração do mangá. Era necessário recortar cada quadro e remonta-los na leitura ocidental, da esquerda para a direita. Publicá-los no formato original reduziu os custos em 60% [...]” (2005: 76)

Imagem 20 – Capa da edição nº 105 da NeoTokyo (2014)

Fonte: Editora Escala50

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Pesquisa realizada em 2 de junho de 2015. Foram considerados os títulos que constam nos websites das editoras NewPop, JBC e Panini. Os títulos da editora Conrad, outro grande nome do segmento, não foram contabilizados devido à ausência de informações em seu website. Títulos hentai também não foram contabilizados. 49 O primeiro mangá a ser lançado no Brasil no formato japonês foi Dragon Ball, pela editora Conrad. 50 Disponível em: . Acesso em: 23 jun. 2015.

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Considerando que a última grande explosão de animês foi o fator crucial para a disseminação da cultura japonesa em nosso país, especialmente no que se refere à comercialização de mangás, realizou-se para esta monografia uma pesquisa com 45 pessoas com idade entre 15 e 30 anos a fim de obter informações acerca da difusão da cultura japonesa no Brasil. A respeito do interesse sobre animês e mangás, foram obtidos os seguintes resultados: Gráfico 1 – Interesse por mangás

Fonte: Elaborado pela autora

Gráfico 2 – Interesse por animês

Fonte: Elaborado pela autora

Entre as 39 pessoas que afirmaram se interessar por mangás (Gráfico 1), foi aferido que 64,1% tiveram este interesse despertado a partir do contato com animês e que somente

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2,27% o tiveram ao vê-los expostos em bancas de jornal. Já em relação aos animês (Gráfico 2), entre as 42 pessoas interessadas, 66,7% afirmaram que este interesse surgiu ao vê-los na televisão, enquanto apenas 2,22% tiveram este interesse despertado após o contato com mangás. Portanto, para os entrevistados, os animês exibidos na televisão foram os maiores impulsionadores do consumo de mangás. Nos últimos anos, devido à ampliação do acesso à internet e facilidade de obtenção de material estrangeiro, a quantidade de animês e mangás traduzidos por fãs – os fansubs51 – atingiu um número altamente elevado, proporcionando aos brasileiros o contato com diversos títulos ainda não lançados oficialmente no país. Grandes convenções para fãs também começaram a surgir. Em 2003 foi realizada em São Paulo a primeira edição do Anime Friends, evento anual que se tornou o maior do segmento em toda a América Latina. Entre as atrações por ele oferecidas encontram-se competições de cosplay, karaokê e jogos, shows musicais com a presença de artistas japoneses consagrados, entrevistas com dubladores de animês e palestras diversas, além de salas temáticas, praça de alimentação com variadas opções de alimentos típicos, e uma ampla área de estandes voltados à comercialização de DVDs, mangás, action figures52, roupas e acessórios personalizados, entre outros. A oferta de encontros do gênero teve um grande crescimento ao longo dos anos e hoje é possível encontrá-los em diversas cidades brasileiras. Nos eventos de grande proporção, graças às caravanas que trazem pessoas de outras cidades53, muitos amantes de cultura pop japonesa têm a oportunidade de fazer conhecer pessoalmente os amigos que moram em outras cidades e que até então só conversavam através da internet. Estes festivais também são grandes oportunidades para fazer novas amizades, sendo que o local mais visado para esta ação são as gigantescas filas de entrada, onde pessoas que vieram sozinhas ou em pequenas turmas podem se juntar à outras para melhor aproveitamento de um evento que proporciona a vivência de inúmeras experiências em grupo. Participar de um grupo de cosplay, tomar o indispensável Mupy54, ouvir e cantar em conjunto as músicas de seus animês favoritos e interagir com as famosas plaquinhas são

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Fansub = fan (fã)+ subtitled (legendado) Figuras de ação. Bonecos de plástico que podem ser utilizados como brinquedos ou objetos decorativos. 53 No Anime Friends, por exemplo, é comum encontrar caravanas vindas de cidades do interior e litoral de São Paulo. 54 Suco de soja e frutas produzido por uma empresa de produtos orientais e vendido nos eventos mencionados. Tornou-se popular entre os otakus por seu preço baixo e, como o passar dos anos, passou a ser idolatrado, tornando-se o produto alimentício símbolo destas convenções. 52

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somente algumas das atividades que os otakus encontraram para se unirem. Apesar de, aparentemente, a leitura de mangás ser uma atividade solitária, estes eventos demonstram que, na verdade, a atividade pode ser uma grande porta de entrada para o estabelecimento de relações sociais.

Imagem 21 – Área de estandes do Anime Friends 2015

Fonte: Jornalismo Junior55

Outro ponto de encontro que os otakus da cidade de São Paulo e arredores dispõem é o bairro Liberdade, lar de imigrantes japoneses desde 1912. Decorado com lanternas ao estilo oriental ( ) e toriis56, recebeu a alcunha de bairro oriental por receber influência também de chineses e coreanos. O bairro turístico, além de oferecer diversas opções de restaurantes, feira de artesanato, livrarias, lojas e mercados com produtos importados, possui um calendário de festividades típicas como o Ano Novo Chinês (Imagem 22) e o Tanabata Matsuri57, que atraem grande número de pessoas, dentre eles também muitos otakus. Dentro do bairro, um dos lugares mais frequentados por este público é o Sogo Plaza Shopping, que abriga dezenas de lojas com artigos relacionados à cultura pop japonesa.

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Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2015. 56 Portal japonês que sinaliza a entrada de um templo. 57 Festividade anual cujo maior atrativo é a colocação de papéis coloridos (tanzaku) com desejos em ramos de bambu.

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Imagem 22 – Ano Novo Chinês na Liberdade

Público da festa do Ano Novo Chinês. Percebem-se, ao fundo, as lanternas suzurantõ e os detalhes arquitetônicos do prédio do banco Bradesco ao estilo oriental. Fonte: Made in Japan58

Os animês e mangás são um dos maiores responsáveis pela disseminação da cultura japonesa mundo afora. Com a realização da pesquisa já mencionada, aferiu-se que os 42 leitores e/ou espectadores de mangás e animês entrevistados acreditam ter aprendido sobre cultura japonesa através do contato com os mesmos, sendo que, entre eles, 66,67% declararam ter aprendido uma quantidade grande ou razoável de aspectos (Gráfico 3). Em relação ao tipo de conhecimento adquirido através dos objetos deste estudo, 69% foram relacionados a costumes diários, 50% ao idioma japonês (devido ao contato com animês legendados), 61,9% a relacionamento e/ou comportamento entre amigos, familiares e perante a superiores, 64,3% a vida escolar, trabalho e competitividade (responsabilidades, respeito e disciplina) e 71,4% a tradições, superstições e mitologia. Também foram mencionados aprendizados relacionados a hábitos esportivos, história do Japão Feudal, costumes samurais e culinária. Além de proporcionarem o aprendizado através de seu contato, os animês e mangás estimulam seus fãs a buscarem conhecimento sobre cultura japonesa também em outros meios. Entre os 42 espectadores e/ou leitores de animês e mangás questionados, 30 afirmaram que a proximidade com os mesmos os incentivaram a procurar informações sobre assuntos 58

Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2015.

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como culinária, folclore, história do Japão, bushidô (código de conduta samurai), sistema educacional, idioma, taiko (tambores japoneses), religião, música, origami, cinema e artes marciais. O maior interesse despertado foi, porém, pelo desenho: a pesquisa aferiu que 64,3% dos entrevistados passaram a desenhar em estilo mangá após conhecê-los. Devido a esta atração, ao menos nas cidades de São Paulo e Guarulhos, muitas escolas de arte passaram a oferecer cursos de mangá, colaborando para a propagação das técnicas deste estilo de desenho no Brasil. Gráfico 3 – Aprendizado sobre cultura japonesa

Fonte: Elaborado pela autora

Os longas-metragens de animação também possuem um importante papel na difusão da cultura japonesa não só no Brasil, mas em todo o Ocidente. O primeiro grande marco neste sentido ocorreu em 1988 – ano de publicação de Lobo Solitário no Brasil –, quando Akira (Imagem 23) foi lançado nos cinemas de diversos países, fazendo grande sucesso. Baseado na série de mangás de mesmo nome, seu enredo pós-apocalíptico e estilo cyberpunk59 o transformaram em um clássico do cinema mundial. Os filmes do Estúdio Ghibli, fundado em 1985 por Hayao Miyazaki e Isao Takahata, também são muito aclamados pela crítica e público ocidental. O estúdio possui grande importância para o cinema japonês, tendo sido indicado quatro vezes ao Oscar de Melhor Filme de Animação por Vidas ao Vento (2014), O

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Junção de cyber(netic) + punk. Subgênero de ficção científica que retrata universos de tecnologia avançada que passaram por radicais mudanças sociais. Possui como lema “High tech, low life” (alta tecnologia, baixo nível de vida).

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Conto da Princesa Kaguya (2013), O Castelo Animado (2004) e a Viagem de Chihiro (2001), vencedor do prêmio em 2003.

Imagem 23 – Pôster do filme Akira

Fonte: Hazel Anime Blogger60

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Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2015.

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CAPÍTULO III ANÁLISE VISUAL DO MANGÁ

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1 Características

1.1 Gêneros

Na indústria de quadrinhos norte-americana, a esmagadora maioria dos títulos é voltada ao gênero de super-heróis, cujas publicações se dividem, basicamente, entre as editoras concorrentes Marvel e DC Comics. As histórias, que levam o nome de seus protagonistas ou de grupos de heróis, duram décadas e imortalizam seus personagens: o quadrinho Batman, por exemplo, lançado pela DC Comics, teve sua primeira edição publicada em 1940 e é, até hoje, um dos maiores fenômenos mundiais do segmento. De muitas maneiras os quadrinhos japoneses se contrapõem a este cenário. Além de contarem com uma ampla gama de gêneros literários (comédia, terror, aventura, ação, drama, entre outros), alguns títulos possuem função pedagógica e contém ensinamentos sobre diversos temas como história, economia e cuidados com o lar61. Ademais, a divisão em gêneros dos mangás é realizada de acordo com o sexo e faixa etária de seu público alvo, sendo eles: kodomo (direcionado a crianças), shônen (garotos), shôjo (garotas), seinen (homens jovens), josei (mulheres adultas). Cada umas destas categorias possui características próprias, tanto em questões temáticas quanto estéticas. De acordo com Gravett (2006: 25), a primeira revista segmentada foi a Shonen Club, já apresentada anteriomente. Com predominância de histórias de ação e aventura, os shônen tornaram-se o gênero de mangá mais comercializado no Japão e no mundo. Nas últimas décadas, a Weekly Shonen Jump, surgida em 1968, consolidou-se como a revista mais vendida no país devido à publicação de títulos de grande sucesso – nacional e internacional – como Dragon Ball, Naruto, Cavaleiros do Zodíaco, Yuyu Hakusho, Bleach e Death Note. Os shônen são marcados pela presença de mistério e violência e por instigar a competitividade, o individualismo, a perseverança e a autodisciplina. Utilizando-se basicamente da figura de rebeldes, ninjas, samurais, atletas, assassinos e aventureiros, estes quadrinhos contribuem para a canalização da agressividade e estimulam a superação de obstáculos e o alcance de respeito e reconhecimento. Um grande exemplo de personagem 61

De acordo com Moliné (2004: 25), esta categoria de mangás instrucionais é denominada Jôhô.

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típico de um shônen é o ninja Rock Lee (Imagem 24), de Naruto. Nascido sem nenhuma habilidade genética e com uma deficiência que o impede de utilizar poderes fantásticos62 considerados básicos para um ninja, passa anos treinando arduamente para aperfeiçoar suas técnicas de combate corpo a corpo (único estilo capaz de empregar), impondo-se severos castigos ao fracassar em algum de seus objetivos. Intitulado por seu mestre de “gênio do trabalho duro”, conquistou o respeito de seus colegas ao ter desenvolvido poderosas habilidades e provar que, com força de vontade, qualquer um pode alterar seu destino.

Imagem 24 – Cenas de Naruto

Montagem de cenas que retratam a trajetória de perseverança de Rock Lee, típica de um 63 herói de shônen manga. Fonte: Naruto Vol. 6 62 63

No mangá em questão, as técnicas que empregam poderes fantásticos são chamadas de Ninjutsu e Genjustu. Disponível em: . Acesso em: 23 set. 2015.

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Outro gênero de grande sucesso é o shôjo, direcionado ao público jovem feminino. O já mencionado A Princesa e o Cavaleiro, de Osamu Tezuka, é considerado o percursor do estilo, cujas histórias, no início, eram escritas e desenhadas apenas por homens. Segundo Moliné (2004: 40), as mulheres começaram a entrar no mercado dos mangás nos anos 1950, mas foi ao final da década de 1960 que o número de artistas do sexo feminino começou a crescer significativamente. Com o passar dos anos, aumentaram sua participação, trabalhando não só como desenhistas e escritoras, mas também em outras funções como editoras e artefinalistas. Nos dias de hoje, as mulheres são responsáveis por praticamente cem por cento dos mangás shôjo, fato que garante que a presença feminina na indústria de quadrinhos japonesa seja muito superior à de qualquer outro país. Os shôjo são marcados por histórias repletas de romantismo e idealização, envolvidas por contextos cotidianos ou fantásticos. Um de seus subgêneros mais conhecidos é o mahou shôjo64, caracterizado pela presença de garotas dotadas de poderes mágicos e encarregadas de combater o mal. Entre os mahou shôjo mais conhecidos estão Sailor Moon, Sakura Card Captors, Guerreiras Mágicas de Rayerth e Fushigi Yûgi. Imagem 25 – Sailor Moon

Fonte: Madman 64

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Também chamado de magical girls (garotas mágicas). Disponível em: . Acesso em: 24 set. 2015. 65

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As histórias dos shôjo costumam ser construídas baseadas nas reflexões da protagonista-narradora e são focadas nas questões interiores de seus personagens, ao contrário dos shônen, onde os enredos são arquitetados com apoio nos diálogos e as cenas de ação recebem destaque. Takahashi (2008: 114) menciona que o nascimento deste gênero está intimamente ligado a revistas literárias surgidas no início do século XX que desenvolveram um estilo narrativo e estético autêntico que conquistou garotas e jovens mulheres e, com o passar dos anos, foi transferido para os mangás. Outra marcante particularidade dos shôjos é a interação entre as autoras e seu público. Visando criar uma relação de proximidade com suas leitoras, é comum as mangakás reservarem um espaço em suas publicações – chamado freetalk – para dialogarem sobre os personagens de suas histórias, solicitar sugestões às fãs, e até mesmo falarem sobre sua rotina e assuntos relacionados à música, moda e culinária. A respeito disto, Gravett afirma que “Essa interação cria um sentimento de confiança e proximidade. Praticamente um laço fraterno, que pode durar até a idade adulta de uma leitora e por toda a carreira de uma autora” (2006: 85). Como já mencionado, os dois gêneros apresentam também características estéticas muito particulares. O primeiro ponto a ser destacado é a colorização. Na maioria dos mangás shônen, há basicamente a presença do preto e do branco, havendo poucas ocasiões em que são empregados tons intermediários. Já nos shôjo, existe uma utilização muito maior de tons de cinza, criados com uma técnica chamada reticulagem, que gera uma ilusão de imagem contínua através da aproximação de pequenos pontos, simulando cores e texturas. Observando-se a Imagem 26, retirada de um shônen, é possível notar o uso destacado da cor preta, presença de somente um tom de cinza, mínima presença de feitos de luz e sombra, e ausência de texturas. Em contraposição, a Imagem 27, retirada de um shôjo, apresenta diferentes tons de cinza, efeito de textura nas vestimentas das personagens femininas (em primeiro plano e ao fundo), tratamento de luz e sombra no cenário, acessórios e roupas dos personagens, com destaque para o terno do personagem masculino que, apesar de ser preto, tornou-se de um tom muito mais suave do que aquele presente no shônen analisado. Também é possível perceber que os traços do shônen em questão (inclusive os da demarcação de quadros) são muito mais fortes do que os do shôjo, que são mais finos e delicados.

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Imagem 26 – Página de Fairy Tail

Imagem 27 – Página de Karekano

Fonte: Manga Reader66

Fonte: Fan Share67

Com relação à aparência dos personagens também existe um grande contraste entre os dois gêneros. Para tornar suas histórias ainda mais atrativas para o público feminino, as autoras de shôjo costumam desenhar seus personagens com grande variedade de roupa e acessórios, enquanto nos shônen é comum que os personagens utilizem sempre os mesmos – que podem ser vistos como uma espécie de uniforme – durante toda a série, só havendo alterações quando há passagem para uma nova fase da história. Para exemplificar esta questão, a Imagem 28, a seguir, agrupa algumas das centenas de caracterizações que Risa Koizumi e Atsushi Otani, protagonistas do shôjo Lovely Complex (2001 – 2006), apresentam ao longo da história. Observando-se a figura, é possível notar a diversidade de tecidos, estampas e texturas utilizadas, que contrastam fortemente com as cores chapadas das vestimentas dos personagens da grande maioria dos shônen. Além disso,

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Disponível em: . Acesso em: 28 mai. 2015. Disponível em: . Acesso em: 23 ago. 2015. 67

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em todas as imagens há diferentes modelos de calçados e Risa aparece sempre com um novo penteado, o que também o comum nos mangás femininos. Pode-se concluir, portanto, que devido às constantes mudanças realizadas, no que se refere ao figurino de seus personagens, desenhar um shôjo é muito mais trabalhoso do que um shônen. Imagem 28 – Figurinos de Lovely Complex

Fonte: Elaborada pela autora

Outra distinção estética pode ser encontrada na diferença de tratamento que os artistas dos dois gêneros dão aos olhos de seus personagens. O Quadro 3 apresenta imagens numeradas de 1 a 8 ilustram os olhos dos principais personagens masculinos e femininos de mangás shônen, enquanto as numeradas de 9 a 16 retratam olhos de protagonistas masculinos e femininos de shôjos. Para ambos os grupos, foram selecionados mangás que figuram entre os maiores sucessos do mercado. Após análise das imagens, é possível reparar que, em geral, os olhos de personagens de shônens são formados por poucos traços, apresentando somente um ou nenhum ponto brilhante (imagens 3, 5, 7 e 8) e íris pouco trabalhada. Os olhos de personagens de shôjos, em contrapartida, são mais complexos, apresentando na maioria dos casos vários pontos de luz e

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íris com mais de uma tonalidade. Os pares de Bleach, Sailor Moon, Nana e Fruits Basket também exemplificam uma tendência: a representação dos olhos femininos em tamanho muito superior aos masculinos. Esta diferenciação ocorre com a intenção de criar maiores possibilidades de exploração das emoções das personagens femininas, enquanto as pequenas dimensões dos olhos masculinos sugerem personalidades mais introspectivas.

Quadro 3 – Olhos nos shônens e shôjos

Fonte: Elaborado pela autora

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Outro ponto a ser analisado no design das personagens femininas é a presença de longos cílios, que se destacam nos olhos 4, 10 e 12. No Japão, o item de maquiagem indispensável às japonesas são os cílios postiços, fabricados em diferentes padrões, porém sempre muito alongados e chamativos. É possível que o grande sucesso deste produto esteja relacionado ao desejo das garotas de deixar seus olhos com aspecto semelhante ao dos das personagens de mangás. Imagem 29 – Fragmento de propaganda de cílios postiços

Fonte: Thais Matsura68

Algumas das diferenças entre shôjo e shônen foram expostas neste capítulo, porém ao longo deste trabalho serão discutidas outras questões.

1.2. Onomatopeias e adaptações linguísticas

Inicialmente adotadas em animações mudas, as onomatopeias foram incorporadas aos quadrinhos nos anos 1940 com o intuito de torná-los mais atrativos e aptos a competir com os 68

Disponível em: . Acesso em: 19 out. 2015.

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primeiros desenhos televisionados (LUYTEN, 2001: 179). Desde então, este recurso sonoro tornou-se um elemento essencial a eles, garantindo grande ganho em impacto e estética. Nos mangás, as onomatopeias são escritas no alfabeto katakana69 e funcionam como uma extensão das imagens. Seu tamanho e posição dentro dos quadros também são diretamente associados à altura do som, como podemos observar nas seguintes imagens, extraídas do mangá Death Note, onde as setas azuis apontam para as onomatopeias: Imagem 30 – Grande onomatopeia em Death Note

Imagem 31 – Pequenas onomatopeias em Death Note

Fonte: Death Note Vol. 1

Fonte: Death Note Vol. 1

No quadro à esquerda, a onomatopeia utilizada para representar o som de uma colisão entre um caminhão e uma moto possui grande destaque na cena devido ao tamanho e espessura de seus traços e à ocupação de uma posição central dentro da imagem. Já as onomatopeias presentes nos quadros à direita, que representam os discretos sons de uma cadeira sendo arrastada e do atrito entre uma caneta e uma folha de papel, ocupam posições

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Alfabeto silábico japonês utilizado para a escrita de onomatopeias, nomes científicos e palavras em idiomas estrangeiros.

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modestas nas cenas e são escritas em caligrafia bem pequena, tornando a representação do som praticamente imperceptível, tal como ele é na realidade. Luyten expõe que, ao contrário do que ocorre nos países ocidentais, no Japão as onomatopeias são parte integrante da linguagem oral e escrita de um adulto, e que seu número de expressões no idioma japonês é tão grande que existem diversos dicionários especializados no assunto (2001: 181). Ainda de acordo com a autora, as onomatopeias japonesas são divididas em categorias que contemplam vozes, sons de objetos e animais e ainda uma classe denominada mímesis, [...] definida como palavras que expressam, em termos descritivos e simbólicos, os estados ou condições de seres animados ou inanimados, assim como mudanças, fenômenos, movimentos, crescimentos de árvores e plantas na natureza. Por exemplo, na sentença “A fumaça negra avoluma-se (em japonês moku-moku) a partir da chaminé da fábrica” a palavra moku-moku não expressa nenhum som, mas referese à aparência ou à natureza de um grande volume de fumaça elevando-se vigorosamente. (2001: 181)

Segundo Braga Junior (2011: 8), a partir da introdução das tirinhas norte-americanas em nosso país, convencionou-se o uso de onomatopeias em língua inglesa, mesmo que os sons expressados não possuíssem nenhuma relação com seus respectivos sons em língua portuguesa. Esta imposição linguística é encontrada também nos mangás. A maioria das histórias publicadas no Brasil mantêm as onomatopeias em sua forma original – escritas em katakana –, pois elas são muitas vezes tão integradas às imagens que, caso fossem traduzidas, haveria uma grande ruptura de harmonia nas cenas. Visando uma melhor compreensão, a solução encontrada para estes casos foi a adição de pequenas legendas em inglês – que não seguem a estética das onomatopeias originais – próximas às onomatopeias japonesas, como é possível verificar nas Imagens 32 e 33 apresentadas anteriormente. Existem, porém, alguns mangás em que isto não acontece, como é o caso da primeira coleção de mangás de Naruto, lançada no Brasil em 2007, cuja empresa licenciadora do material no Ocidente não permitiu que as onomatopeias fossem mantidas em japonês, obrigando a editora brasileira da série a manter as traduções presentes no material americano. O resultado foi o seguinte:

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Imagem 32 – Tradução de Naruto por fansub

Imagem 33 – Tradução oficial de Naruto

Fonte: Naruto Vol. 1

Fonte: Naruto Vol. 1

As imagens à esquerda foram retiradas de um fansub, enquanto as da direita foram retiradas do mangá oficial publicado no Brasil. A partir da comparação entre as imagens, pode-se perceber que a editora americana procurou manter as características estéticas das onomatopeias japonesas, como inclinação, tamanho e contorno. Apesar das semelhanças entre as duas edições, há leitores brasileiros que possuem preferência pela manutenção da escrita japonesa, o que pode ser justificado por dois motivos: o primeiro se relaciona ao não reconhecimento de muitas reproduções de sons na língua inglesa (pois, como mencionado anteriormente, diferem-se totalmente das onomatopeias empregadas no Brasil), ou seja, entre manter uma onomatopeia ininteligível em japonês e traduzi-la para outra igualmente ininteligível, prefere-se preservá-la em sua originalidade; o segundo se relaciona à maior importância que o impacto das onomatopeias possui em detrimento de seu significado, de

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modo que, para os leitores, o essencial acaba tornando-se a altura e importância do som na cena, o que, como vimos, é demonstrada pela estética das onomatopeias, e não por seu conteúdo. Possivelmente devido às críticas negativas que recebeu de seus leitores, a editora Panini, ao lançar em 2015 a coleção de luxo de Naruto (Naruto Gold Edition), optou por manter as onomatopeias em japonês. Além da legendação de onomatopeias, outras adaptações são necessárias durante o processo de tradução para que o leitor melhor compreenda certos aspectos da cultura japonesa. A editora Panini, por exemplo, costuma acrescentar ao final de seus mangás um glossário onde são explicadas as expressões que foram deixadas em seu idioma original ao longo do quadrinho por não possuírem uma tradução exata, como pronomes de tratamento, nome de pratos típicos, objetos, entre outros. Este recurso colabora para o aprendizado da língua japonesa, assim como o ato de assistir a animês legendados.

1.3 Cinematografia e quadrinização

Formados por imagens estáticas, os quadrinhos desenvolveram, ao longo dos anos, uma linguagem muito particular que os permitiram representar tempo e movimento. Segundo Scott McCloud (1993), nos quadrinhos, o tempo é intrinsecamente relacionado ao espaço e existem três elementos utilizados para delimitá-lo: o som (balões de fala e onomatopeias), os quadros e a sarjeta (denominação informal do espaço entre quadros). Portanto, o tempo que o leitor deve gastar com cada quadro é controlado não somente pelas imagens que possui (quantidade de elementos a serem vistos), mas também por suas dimensões, pela distância até o próximo quadro, e pela quantidade de texto e onomatopeias que contém. Com relação às sarjetas, o autor menciona (1993: 63) que são o espaço onde a ação ocorre dentro de nosso cérebro devido a um fenômeno denominado conclusão, que pode ser definido como nossa capacidade de identificar o todo através do conhecimento de suas partes. Ao exercerem a função de separar os quadros, as sarjetas também trabalham como

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marcadores de tempo: no processo de quadrinização70 – marcação dos quadros –, os artistas procuram relacionar sua espessura ao tempo de transição entre as ações dos quadros ou como forma de estender a duração e destacar certas imagens. Os primeiros mangás possuíam uma divisão de quadros muito estática e regular, como a presente em Jungle Taitei (1950), de Osamu Tezuka. Na página abaixo (Imagem 34), retirada deste quadrinho, é possível observar que todos os quadros possuem a mesma altura, e que suas larguras seguem uma espécie de padrão, que se altera conforme o número de quadros (dois ou três) por linha. As sarjetas são ligeiramente desiguais entre si, porém não aparentam possuir relação com a marcação do tempo. Imagem 34 – Página de Jungle Taitei

Fonte: Komkid

71

Já na Imagem 35 abaixo, extraída do mangá shônen Bleach (2001), é possível notar uma grande mudança no processo de quadrinização dos mangás, que passaram a adotar os preceitos temporais apontados por McCloud. Nesta página, o artista atribuiu maior espaço aos 70 71

Também pode ser chamada de diagramação. Disponível em: . Acesso em: 19 jun. 2015.

68

terceiro e quinto quadros com a intenção de manter o olhar do leitor fixado neles por um período mais longo que nos demais, em uma tentativa de aproximar o ritmo de leitura à passagem real de tempo dentro da história. Também é possível notar que há um espaço vertical mínimo entre os dois primeiros quadros, indicando que pouquíssimo tempo se passou entre as ações ocorridas em ambos. Já entre os demais quadros as sarjetas são horizontais e mais espessas e, neste caso, contribuem para a criação de um clima de tensão causado pela transição mais lenta entre as imagens. Apesar de ocupar uma pequena área em relação a seus adjacentes, o quarto quadro recebe destaque devido à distância que mantém dos dois. Imagem 35 – Página do shônen Bleach

Fonte: Static2

72

Esta mudança na quadrinização dos mangás iniciou-se a partir dos anos 1960, quando surge na indústria a necessidade de manter-se competitiva com a televisão. Entre as ações tomadas para tal, houve a adoção de uma diagramação assimétrica que, além das técnicas demonstradas anteriormente, utilizou-se também de linhas diagonais que possibilitaram uma

72

Disponível em: . Acesso em: 13 maio. 2015.

69

maior exploração das páginas, tornando a leitura mais dinâmica e fluida, e criando certa independência entre texto e imagem. Imagem 36 – Página dupla do shônen Naruto

Fonte: Naruto Spray

73

Paul Gravett expõe que, nos mangás shôjo, a quadrinização tornou-se ainda mais ousada do que nos demais gêneros, e que este estilo foi criação da geração de mangakás da década de 1970: Elas davam aos quadros a forma e a configuração que melhor se adaptassem às emoções que queriam evocar. Elas suavizavam as bordas retas que delineavam os quadros,

algumas

vezes

quebrando-as,

dissolvendo-as

ou

removendo-as

completamente. Elas sobrepunham ou mesclavam sequências de quadros em colagens. Um quadro sem bordas podia então permear toda a página, frequentemente permeado por vários outros que navegavam através dela, ou então se expandir e “sangrar” para fora dos limites da página impressa, sugerindo uma imagem ainda maior. Dessa forma, tempo e realidade não estavam mais encaixotados, e as narrativas podiam passear por memórias e sonhos. Os personagens também não estavam mais limitados aos quadros: podiam colocar-se diante deles algumas vezes e ser mostrados de corpo inteiro, tornando-se mais vivos e livres para exibir sua linguagem corporal e vestuário. (2006: 83) 73

Disponível em: . Acesso em: 28 out. 2015.

70

A imagem a seguir, retirada do mangá Kanon (2000), é uma boa representante do estilo de quadrinização mencionado por Gravett, e contrasta plenamente com os estilos empregados em Jungle Taitei e Bleach, demonstrado anteriormente: Imagem 37 – Página do shôjo Kanon.

74

Fonte: WJWood

Podemos observar na página apresentada acima uma linha horizontal central que a divide em dois grandes quadros (1 e 6). Dentro do quadro 1 existem quatro quadros suspensos (2, 3, 4 e 5)75 – sendo que o 4 não possui um contorno de delimitação – e o quadro 7 está contido no quadro 6. Cada um dos quadros possui um tamanho diferente e os de número 3, 4, 5 e 7 são verticalizados76, algo comum nos mangás e que pode ser associado à tradição japonesa da escrita e pintura verticalizadas. Os balões e as onomatopeias ultrapassam os limites dos quadros e as sarjetas não são definidas como nas Imagens 34, 35 e 36. Todos estes 74

Disponível em: . Acesso em: 15 fev. 2015. Os quadros 1 e 4 foram considerados distintos (e não um quadro só) devido à diferença entre as dimensões dos personagens neles contidos. 76 O quadro 2 também possui a dimensão da altura maior do que a da largura, porém não tão marcadamente quanto os quadros 3,4, 5 e 7. 75

71

itens, enfim, fazem dos shôjo mangas verdadeiras experimentações artísticas, sem deixar o leitor perder-se na narrativa. Silva (2006: 24) lembra, no entanto, que este estilo de diagramação não é exclusividade dos quadrinhos japoneses, apesar de serem mais evidentes nestes. Segundo ele, artistas americanos como o pioneiro Will Eisner (1917 - 2005) e os ainda ativos em editoras como Marvel e DC Comics Frank Miller, Bill Sienkiewicz, Todd Macfarlane e Jim Lee já construíam diagramações assimétricas desde meados dos anos 1980, possivelmente por influência dos mangás77. Outro importante mecanismo utilizado nos quadrinhos para transmitir ao leitor sensações de passagem de tempo e movimento são as transições entre quadros, que McCloud (1993: 70) afirma existirem em seis tipos: Quadro 4 – Transições entre quadros I. Momento-amomento

II. Ação para ação

Transição onde os mesmos personagens e cenários são mostrados após uma certa passagem de tempo, exigindo pouca capacidade de conclusão do leitor. Apresentação de um único tema através de ações progressivas que envolvem os mesmos cenários e personagens. Retratação de uma mesma ideia utilizando, porém, personagens e/ou

III. Tema para tema

cenários distintos. Exige maior envolvimento do leitor para compreensão. Transições entre quadros que retratam lugares e momentos distantes

IV. Cena-a-cena

entre si. Geralmente as imagens são acompanhadas por legendas que indicam a passagem de tempo e/ou mudança de localidade.

V. Aspecto para aspecto

VI. Non-sequitur78

Apresentação de um mesmo cenário através de diferentes perspectivas, de forma a criar uma atmosfera. Nesta transição, o tempo parece parar. Transições que não se enquadram em nenhuma das outras categorias por não possuírem nenhuma relação lógica entre si. Fonte: Elaborada pela autora

77 78

Evidências desta influência podem ser encontradas em uma próxima pesquisa. Expressão latina que pode ser traduzida como não se segue.

72

Em pesquisa realizada com alguns importantes títulos de quadrinhos, o autor (1993: 75) concluiu que nos americanos e europeus há predominância das transições II a IV com grande destaque para a II. Por outro lado, nos mangás, além de existir um maior equilíbrio entre estas três categorias, há também alta incidência do tipo V, fato que acredita estar relacionado ao maior número de páginas que os artistas japoneses dispõem em suas revistas, o que os permite explorar a ambientação de maneira mais rica do que poderia ser feito nos quadrinhos americanos de poucas páginas. McCloud, porém, crê que a principal razão para esta desigualdade provém do fato de que a cultura oriental possui uma “(...) tradição de obras de arte cíclicas e labirínticas” (81) que valoriza o momento e o vazio e se mostra presente na fragmentação cinematográfica do cenário resultante da utilização da transição V. Imagem 38 – Página do shôjo Karekano

Página do mangá Karekano, onde todas as transições são do tipo aspecto para aspecto. A imagem também um ótimo exemplar do estilo ousado de quadrinização dos mangás shôjo. Fonte: My Manga Site79

79

Disponível em: . Acesso em: 28 jun. 2015.

73

Como relatado em capítulo anterior, a linguagem cinematográfica foi introduzida aos mangás por Osamu Tezuka em meados dos anos 1940 e, assim como a quadrinização, teve seu desenvolvimento impulsionado pela concorrência com o veículo televisivo, a partir da década de 1960. Para discorrer sobre a apropriação desta linguagem, o primeiro ponto a ser analisado será o enquadramento, que pode ser definido como uma técnica de determinação do modo como o espectador perceberá o mundo fictício da obra, como explica Jean-Claude Bernardet (2006: 36): “Filmar, então, pode ser visto como um ato de recortar o espaço, de determinado ângulo, em imagens, com uma finalidade expressiva”. Segundo Gerbase (2012)80, o enquadramento depende dos seguintes elementos: o plano, a altura do ângulo e o lado do ângulo. Referente aos planos, ainda de acordo com Bernadet (2006: 38), existem duas classificações, a europeia e a americana. A primeira é mais específica e os divide em: Quadro 5 – Planos Plano Geral (PG)

Plano de Conjunto (PC)

Plano Médio (PM) Plano Americano (PA) Primeiro Plano (PP)/Close/Close-Up Primeiríssimo Plano (PPP) Plano Detalhe (PD)

Prioriza a revelação do cenário, deixando os personagens com pouco espaço na tela, dificultando a identificação dos mesmos. O cenário ainda é revelado de forma significativa, mas os personagens ocupam um lugar um pouco maior na tela, de forma a ser possível reconhecê-los pelo rosto. Retratação de um personagem de corpo inteiro, com um espaço acima de sua cabeça e outro abaixo de seus pés. Retratação dos personagens da cintura para cima ou do joelho para cima. Retratação do personagem do peito para cima.

Retratação somente do rosto do personagem. Retratação de somente uma parte do rosto ou corpo do personagem, ou de um objeto. Fonte: Elaborada pela autora

80

Disponível: . Acesso em: 23 abr. 2015.

74

O autor menciona que existiram tentativas de atribuição de significado aos planos, de maneira que o Primeiro Plano e o Primeiríssimo Plano seriam mais poéticos, voltados a demonstrar as reações emocionais dos personagens; o Plano Americano seria utilizado para mostrar o personagem agindo, sem dar tanto destaque a suas expressões faciais; o Plano Médio seria adotado para evidenciar relações entre personagens ou entre personagens e o meio; e o Plano Geral devido ao fato de demonstrar amplas paisagens, seria utilizado para dar um tom mais bucólico e panteísta às imagens. Com relação à altura do ângulo, Gerbase (2012) afirma existirem três configurações fundamentais: Quadro 6 – Alturas dos ângulos de câmera Câmera alinhada com os olhos do personagem.

Ângulo normal

Plongée/Câmera Alta

Contra-plogée/Câmera Baixa

Câmera acima do nível dos olhos do personagem, voltada para baixo. Câmera abaixo do nível dos olhos do personagem, voltada para cima. Fonte: Elaborada pela autora

Já em relação ao lado do ângulo, o autor afirma existiram quatro posições fundamentais: Quadro 7 – Lados dos ângulos de câmera Frontal

Três quartos

Perfil

De nuca

Câmera alinhada ao nariz do personagem.

Câmera forma um ângulo de aproximadamente 45º com o nariz do personagem. Câmera forma um ângulo de aproximadamente 90º com o nariz do personagem. Câmera alinhada com a nuca do personagem.

Fonte: Elaborada pela autora

75

As seguintes imagens ilustram alguns dos diversos enquadramentos encontrados nos mangás: Quadro 8 – Exemplos de enquadramentos encontrados nos mangás

Plano de Conjunto Plongée Perfil

Plano Geral Ângulo Normal Frontal

Plano Americano Ângulo Normal Perfil

Plano Médio Contra-plogée Três quartos

Fonte: Elaborada pela autora

76

1.4. Traço e expressões emocionais

Antes de dissertar a respeito dos símbolos e expressões emocionais presentes nos mangás, é necessário fazer algumas considerações a respeito das características do estilo de desenho mangá. Assim como nos emakimonos, biombos Namban e ukiyo-e, nas páginas dos mangás são encontradas imagens de caráter bidimensional, o que é um dos mais marcantes atributos da arte japonesa em geral. Em comparação aos quadrinhos americanos (Imagens 39 e 40), o traço do mangá é bem mais simples, limpo e suave, e os personagens são desenhados de forma bem menos realista: observando-se suas faces é possível verificar que, em geral, os narizes são representados apenas por pequenas marcações que remetem às narinas e, para a demarcação da boca, é utilizada somente uma linha, poucas vezes acompanhada de traços finos que simbolizam os lábios. Imagem 39 – Rosto de personagem de HQ

Imagem 40 – Busto de personagem de mangá

Fonte: Scans Daily81

Fonte: Manga Reader82

Os únicos elementos faciais que passaram a ser trabalhados de forma mais detalhada nos mangás – graças a Osamu Tezuka – foram os olhos, grandes e brilhantes, que se tornaram sua marca registrada. O tamanho dos olhos, bem distinto da realidade japonesa, é essencial para a retratação das emoções dos personagens de modo intenso e sincero. Como mencionado anteriormente, já na Era Edo os ukiyo-e apresentavam um sistema de perspectiva onde os 81

Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2015. 82 Disponível em: . Acesso em: 21 mai. 2015.

77

elementos considerados mais importantes eram desenhados em maiores proporções, ou seja, seguindo esta lógica, é possível depreender que, nos mangás, existe uma grande preocupação quanto a demonstrar os sentimentos dos personagens (2008: 32). Desde a criação do termo por Hokusai em 1814, os mangás carregam uma essência cartunesca. Para McCloud (1993: 30), uma das principais consequências da utilização de imagens em estilo cartum está relacionada à identificação do leitor com os personagens: quanto mais realista e detalhado for um desenho, menor é a possibilidade de existirem semelhanças com o leitor; já quando um desenho é mais simples, os leitores conseguem se enxergar nos personagens e, consequentemente, se envolver mais com as histórias e mensagens que as imagens desejam transmitir. A Imagem 41, desenhada pelo autor, nos ajuda a compreender melhor esta questão. Nele, são demonstrados cinco estágios de um processo de simplificação de uma fotografia, onde o último apresenta a imagem em seu nível mais cartunizado. Imagem 41 – Processo de simplificação de um rosto

Fonte: MCCLOUD, 1993: 31

Para criar esta escala, em cada etapa McCloud focou-se em diminuir os detalhes e manter somente os elementos essenciais, o que resultou em um ícone reconhecido mundialmente como um rosto humano. O autor ressalta que o estágio 1, por ser uma fotografia, representa apenas uma pessoa em específico, porém, a cada mudança de estágio, a imagem vai perdendo as características particulares deste indivíduo e, como consequência, passa a representar um maior número de pessoas: ao chegar na figura 5, por exemplo, não conseguimos mais distinguir o sexo ou idade do personagem. Utilizando a escala para situar o estilo de traço dos quadrinhos americanos e japoneses, pode-se dizer que, atualmente, o primeiro encontra-se entre os estágios 2 e 3, enquanto o segundo encontra-se entre os estágios 3 e 4. McCloud denomina esta técnica de

78

identificação do leitor com os personagens de efeito-máscara (1993: 43) e relaciona sua utilização nos mangás ao grande sucesso alcançado por eles. Torquato (2014: 40) menciona que a despersonalização do traço dos mangás é compensada pela elaboração de diferentes tipos roupas e penteados – que costumam ser extravagantes e coloridos na grande maioria dos títulos shôjo e shônen – que refletem a individualidade de cada personagem. A autora afirma que a simplificação do desenho do rosto com o intuito de suprimir a identidade das figuras já existia em Genji Monogatari Emaki (Imagem 42): No emakimono, os rostos das personagens eram retratados utilizando-se o estilo hikimekagibana, onde os olhos eram representados por duas linhas finas, o nariz por uma linha levemente curvada em forma de gancho e a boca era um pequeno ponto vermelho. Esse tipo de desenho não permite a identificação da personagem somente pelo seu roto e tampouco que se reconheçam sentimentos e emoções da cena representadas através da expressão facial das personagens. A individualização é feita através da vestimenta e pela posição em que a personagem está situada na cena representada. (2014: 39)

Imagem 42 – Traços faciais em Genji Monogatari Emaki

Fonte: TORQUATO, 2014: 40

79

McCloud explica que, ao contrário do que ocorre com os personagens, nos quadrinhos e animações japonesas as paisagens são retratadas de forma muito realista: Todo criador sabe que um indicador infalível de envolvimento do público é o grau que este se identifica com os personagens da história. E, já que a identificação do espectador é uma especialidade do cartum, este tem penetrado com facilidade na cultura popular do mundo. Por outro lado, como ninguém espera que as pessoas se identifiquem com paredes ou paisagens, os cenários tendem a ser mais realistas. (1993: 42)

Os filmes animados produzidos pelo Estúdio Ghibli (já mencionado no capítulo anterior) são um grande exemplo da diferença de tratamento dada pelos desenhistas japoneses aos seus personagens e cenários: enquanto os primeiros são retratados de forma cartunizada (possuindo as características explicadas anteriormente), a paisagem é rica em luzes, cores e detalhes, se assemelhando muito a uma fotografia (Imagem 43). Imagem 43 – Cena retirada do filme Vidas ao Vento (2013)

Fonte: Culture Box

83

Outro marcante atributo dos mangás é a retratação das emoções de forma exagerada e muito particular, o que também é possível graças à utilização do estilo cartum: “Através do realismo tradicional, o desenhista de quadrinhos pode representar o mundo externo e através do cartum, o mundo interno” (MCCLOUD, 1993: 41). Como já exposto em tópico anterior, os 83

Disponível em: . Acesso em: 23 ago. 2015.

80

quadrinhos japoneses apresentam uma grande variedade de histórias, porém, nos shôjos e shônens é comum que, independente do título ser voltado à ação, drama ou romance, exista sempre um teor cômico. Esta comicidade – que é outro atributo típico do cartum – se mostra presente em peso na retratação gráfica dos sentimentos dos personagens que, com o passar dos anos, foram convencionadas pelos artistas e tornaram-se uma espécie de linguagem própria dos mangás. Na internet, a iconografia das emoções dos mangás é muito utilizada na comunicação entre adolescentes e jovens adultos através do emprego de emoticons84 criados por conjuntos de caracteres que se assemelham ao desenho das expressões emocionais. O quadro X relaciona algumas emoções, estados físicos e emocionais – demonstrados pela personagem Tenma da comédia romântica School Rumble – às suas respectivas representações nos mangás e emoticons. É possível notar que, nas imagens escolhidas, todas as emoções são expressadas sobretudo através dos olhos, de modo que os demais elementos do rosto não se mostram essenciais para a compreensão das mesmas. A importância dos olhos na transmissão de emoções nos mangás também pode ser verificada nos emoticons, onde também são seus componentes cruciais.

Quadro 9 – Expressões emocionais nos mangás Emoção/ Estado físico ou emocional

Alegria

Confusão

84

Imagem

Descrição

Olhos fechados e arqueados

Olhos em formato de espiral

Emoticon

^__^

@__@

Emotion (emoção) + icon (ícone). Conjunto de caracteres utilizados com a finalidade de transmitir emoções.

81

Choro

Enjôo/

Olhos fechados e lágrimas em enxurraga

Olhos em formato de cruz ou “X”

Exaustão

Olhos grandes e

Encanto

Determinação

Segurança/ Concentração

brilhantes

Olhos abertos e sobrancelhas diagonais

T__T

X__X

*__*

ò__ó

Olhos fechados e arqueados para baixo e

ù__ú

sobrancelhas diagonais

Fonte: Elaborada pela autora

Como citado, atualmente muitas pessoas empregam emoticons baseados em mangás em conversas ou textos na internet. Na pesquisa realizada para esta monografia, foi aferido que, dentre os 45 indivíduos interrogados, 32 os costumam utilizá-los e apenas 1 não os

82

conhece (Gráfico 4), o que demonstra a alta difusão desta iconografia, mesmo entre aqueles que não são fãs de mangás. Gráfico 4 – Utilização de emoticons baseados em mangás

Fonte: Elaborado pela autora

83

2 O kawaii

Kawaii é um dos adjetivos japoneses mais conhecidos pelos otakus estrangeiros, que a aplicam frequentemente para referir-se a algo que seja fofo e/ou bonitinho. Mais do que um termo, porém, o kawaii é um conceito estético que apresenta raízes antigas, mas cujo auge de sua expansão iniciou-se na década de 1970 e, desde então, tornou-se presente em vários segmentos da arte e cultura pop japonesa. Neste capítulo serão apresentados a origem do kawaii e seus significados, seu desenvolvimento na arte japonesa, sua presença nos mangás e animês, e sua relação com a sociedade japonesa contemporânea.

2. 1 Origem

Segundo Michiko Okano, é possível distinguir três fases históricas do kawaii: a tradicional, a moderna e a contemporânea. A primeira fase inicia-se na Era Heian (794-1192), onde Makura no Sôshi (Livro de Cabeceira) apresentou a palavra utsukushi com o atual significado de kawaii: algo “gracioso, mimoso, bonitinho, fofinho, que se correlaciona a coisas pequenas” (2012: 131). Ao final do mesmo período, surge a palavra kawayushi – que no século XX transformou-se em kawaii – em Konjaku Monogatari (Antologia de Contos do Passado), com o significado de “ter pena, ter vontade de fechar os olhos por estar diante de uma situação dolorosa” (2012: 130). A segunda fase compreende o período entre as Eras Meiji (1868-1912) e Taishô (1912 -1926), e se relaciona ao nascimento das já mencionadas revistas direcionadas a meninas, que apresentavam “(...) garotas ociosas e sonhadoras, que viviam em mundos imaginários, envolto a poesias e romances (...)” (OI, 2009: 81), através de estilos gráficos e narrativos muito característicos. A pioneira destas publicações foi a Shôjo Kai, surgida em 1903, que trazia artigos, seção de cartas e ilustrações de artistas como Takehisa Yumeji, Kaburaki Kiyokata, Yamamura Koka e Kawabata Ryuko (OKANO, 2012: 132). Dentre estes ilustradores, o primeiro e mais importante foi Takehisa (1884-1934), criador do estilo jojô-ga (pintura lírica) que refletia o “ideal shôjo” da época, que pregava que todas as garotas deveriam tornar-se boas esposas, mães e donas de casa, e dependentes dos

84

homens, que eram os únicos com efetiva vida social (OI, 2009: 78); além de estabelecer normas de postura e comportamentos considerados bonitos e adequados (OKANO, 2014: 293). De acordo com o estudo de Oi, o jojô-ga seria a mais antiga influência estética dos mangás shôjo. A respeito das técnicas empregadas e das características imagéticas das figuras femininas retratadas por Takehisa, Okano (2014: 291) afirma que é possível encontrar em seus trabalhos influências ocidentais – como da art nouveau85 – e também da pintura tradicional japonesa – nihonga –. Suas garotas apresentam a pele alva, olhos bem mais evidentes e expressivos comparados aos existentes na arte japonesa até então e tronco longo e torcido como forma de representar a fragilidade de seus corpos (OKANO, 2012: 132). O padrão de beleza vigente na Era Edo (1603 - 1868) visível nas gravuras ukiyo-e do gênero bijin-ga (pinturas de mulheres bonitas) passa por uma série de transformações a partir do contato do Japão com o Ocidente. A autora acrescenta (2014: 291) que, neste sentido, as obras de Takehisa são uma das primeiras a demonstrarem sinais do surgimento deste novo modelo estético híbrido, podendo também ser consideradas as percursoras do kawaii moderno. As Imagens 44 e 45 ilustram mulheres retratadas por Takehisa Yumeji e Kitagawa Utamaro, representantes do estilo jôjo-ga e bijin-ga, respectivamente. Nota-se uma possível influência de Takehisa na obra de Kitagawa devido à semelhança entre as cores empregadas em ambas. O próximo grande nome do estilo jojô-ga foi Nakahara Jun’ichi (1913-1983), criador de imagens de teor melancólico com um nível ainda mais elevado de kawaii. Suas figuras apresentam olhos ainda maiores, brilhantes e repletos de cílios, muito semelhantes aos presentes nos mangás desde sua introdução por Osamu Tezuka. Outros elementos faciais também foram destacados, como os lábios, que se tornaram mais volumosos, porém ainda vermelhos como nas imagens anteriores, e as bochechas, agora extremamente rosadas. Outra inovação de Nakahara foi a introdução de trajes mais graciosos de estilo ocidental (OKANO, 2014: 293) – até então as garotas ilustradas somente apareciam utilizando quimono – e uma grande frequência na utilização de flores, retratadas ao natural, como enfeites e estampas dos tecidos.

85

Arte nova. Movimento artístico europeu muito apreciado entre o final do século XIX e início do XX.

85

Imagem 44 – Pintura de Takehisa Yumeji

Imagem 45 – Ukiyo-e de Kitagawa Utamaro

Fonte: Art Creation86

Fonte: Ukiyo-e.org87

A partir da observação das imagens a seguir (Imagens 46 e 47) é possível verificar a grande semelhança entre uma das garotas retratadas por Nakahara e uma personagem do mangá shôjo Fruits Basket. As roupas meigas que utilizam, seus penteados e expressões são reflexo de sua inocência, fragilidade e jovialidade: nunca caberiam em uma mulher adulta e, por esta razão, é possível enxergar um grande contraste entre elas e a garota de Takehisa (Imagem 44), que aparenta possuir mais idade.

86 87

Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2015 Disponível em: . Acesso em: 11 set. 2015.

86

Imagem 46 – Garota retratada por Nakahara Jun’ichi

Imagem 47 – Personagem do mangá Fruits Basket

Fonte: Junichi-Nakahara88

Fonte: Fanpop89

Sharon Kinsella (1995: 222) aponta que o surgimento do kawaii contemporâneo nos anos 1970 coincide com a emergência de um estilo de caligrafia infantilizada que virou mania entre as adolescentes japonesas. Esta nova caligrafia era escrita horizontalmente da esquerda para a direita – ao contrário da escrita padrão japonesa que é verticalizada –, possuía caracteres extremamente estilizados e arredondados, com uso exagerado de pontos de exclamação, e inserção de símbolos como corações e estrelas e também de palavras em inglês, sugerindo uma identificação com a cultura ocidental. Esta nova forma de escrever era de difícil compreensão e funcionava como uma espécie de código entre as jovens, que se sentiam pela primeira vez livres para expressar seus sentimentos em sua própria linguagem. Um exemplo da escrita kawaii pode ser visto na Imagem 48, a seguir, ao lado do mesmo texto escrito em caligrafia padrão (Imagem 49).

88

Disponível em: . Acesso em: 11 abr. 2015. Disponível em: . Acesso em: 11 abr. 2015. 89

87

Imagem 48 – Escrita kawaii

Imagem 49 – Escrita padrão

Fonte: Japan Powered90

Fonte: Elaborado por Michiko Okano

De acordo com a autora (1995: 225), empresas e agências de pesquisa de mercado não tardaram a enxergar no design kawaii, presente naquele momento nos mangás e na escrita infantilizada, um meio de obtenção de lucro. Iniciou-se, então, uma intensa produção de fancy goods (artigos de fantasia): itens diversos como acessórios femininos e artigos de papelaria cujas características incluem presença de babados, cores pastéis e formas arredondadas e personagens estilo cartum. A principal companhia a comercializar estes tipos de produtos foi a Sanrio, internacionalmente famosa pela criação de personagens como Hello Kitty, Keroppi e Chococat (Imagem 50), que possuem em comum o fato de serem animais ou animalizados91, possuírem traços arredondados, pequeno porte, feições meigas, grandes cabeças e membros simplificados. Imagem 50 – Hello Kitty, Keroppi e Chococat

Fonte: Sanrio

90

92

Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2015. A Sanrio afirma que a Hello Kitty não é uma gata e sim uma garotinha inglesa com feições felinas que, inclusive, possui sua própria gata de estimação (Charmmy Kitty). 92 Disponível em: . Acesso em: 05 jul. 2015. 91

88

Okano (2014: 297) e Kinsella (1995: 228) acrescentam que, nesta época, as revistas femininas continuavam a ditar tendências, porém o foco de suas publicações deixou de se relacionar ao comportamento que as garotas deviam adotar: o kawaii, agora, poderia ser alcançado através do consumo dos fancy goods e de roupas com atributos específicos como babados, fitas, mangas bufantes e tecidos em tons pastéis. Kinsella assinala que estas roupas eram desenhadas para garantir um ar de infantilidade e inocência às usuárias, que desejavam manterem-se jovens e livres, já que a vida de uma mulher adulta era cheia de obrigações e papéis a desempenhar (1995: 244). O desejo de se vestir e agir de modo kawaii tornou-se ainda mais forte com o passar dos anos e hoje se mostra presente em diversos aspectos da cultura japonesa, que serão estudados nos próximos tópicos deste trabalho.

2. 2 O kawaii no século XXI

Como citado anteriormente, nos dias atuais o kawaii continua a desempenhar um importante papel na cultura japonesa, estando relacionado a inocência, nostalgia, imaturidade, dependência, fofura, miniaturização, beleza e, principalmente, fuga à opressão da sociedade. Segundo Okano, o dicionário Nihon Kokugo Daijiten define os seguintes significados para a palavra kawaii em seu sentindo contemporâneo: (...) 1. estado tão miserável que evoca piedade, compaixão; lastimoso; coitado; doloroso; desolador. 2. Sentimento de atração por algo que não consegue deixar de se envolver, evocando sentimento de querer cuidá-lo; querido, amado. 3. bonitinho; algo que deve ser amado. 4. Algo minúsculo e bonito. (2012: 130)

O kawaii continua fortemente presente na sociedade japonesa através do consumo de roupas e acessórios muito distintos aos utilizados tradicionalmente no país (KINSELLA, 1995: 220). Nos dias de hoje, a moda kawaii anteriormente apresentada tem sua máxima representação no estilo Lolita, que possui milhares de seguidoras mundo afora. Inspirada pelo movimento rococó93 e pelas roupas da Era Vitoriana94 – portanto, com influência ocidental –, 93

Movimento europeu caracterizado pelo exagero decorativo.

89

a moda Lolita é um estilo urbano alternativo caracterizado pela aparência de boneca que garante às suas adeptas. O visual Lolita é composto por várias peças, como ilustra o guia a seguir:

Imagem 51: Vestuário Lolita

Fonte: Kawaii Kei

95

A partir da observação de várias fotos de garotas vestidas como Lolitas e da leitura das informações contidas no site brasileiro Kawaii Kei, especializado no estilo, foi possível listar algumas das especificidades do vestuário:

94

Período de reinado da Rainha Vitória do Reino Unido, compreendido entre 1837 e 1901. Disponível em: . Acesso em: 07 jul. 2015. 95

90

Quadro 10 – Composição do visual Lolita Geralmente apresenta cachos e franja, podendo ser usado solto ou Cabelo

em penteados como tranças e coques. Entre seus acessórios mais comuns encontram-se laços, chapéus, boinas, tiaras e arranjos florais. Pode compor um look com saia ou ser usada abaixo do vestido. As

Blusa

mangas podem ser curtas ou compridas, muitas vezes bufantes e geralmente decoradas com babados. As golas também são muito bem trabalhadas, podendo apresentar laços. Obrigatoriamente rodados e utilizados sempre com anáguas de tule

Vestido ou saia

que garantem sua estrutura e volume. Seu comprimento pode atingir os pés, porém nunca deve estar a mais de um palmo acima dos joelhos. De lycra ou algodão, as meias podem ser utilizadas em diversos

Meias

tamanhos, sendo a 7/8 e a meia-calça as mais comuns. Podem conter diferentes detalhes e estampas. Entre os mais utilizados encontram-se botas de canos de diversos

Sapatos

comprimentos, sapatos nos estilos oxford, maryjanes e teapartys. Os saltos são variados, porém os finos são mais raros. Os mais frequentes são as bolsas, geralmente transpassadas ou no

Acessórios

estilo totebag, que apresentam diferentes formatos como doces e corações. Sombrinhas, colares, pulseiras e anéis também são comuns. Deve ser a mais natural possível. O olhar recebe destaque com grandes cílios e sombras de cores suaves. Algumas garotas ainda

Maquiagem

utilizam lentes de contato específicas que deixam a íris mais nítida, brilhante e colorida. Também é comum aumentarem o diâmetro dos olhos com traçados feitos com maquiagem. Fonte: Elaborada pela autora

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A moda Lolita é dividida em várias subcategorias como Classical Lolita, Gothic Lolita, Wa Lolita, Punk Lolita e Sweet Lolita, representadas pela Imagem 52 abaixo. É possível notar que, apesar de pertencerem a um mesmo nicho, cada um de seus grupos apresentam características específicas como a utilização de certas cores, acessórios e estampas específicas. Imagem 52 – Lolitas

Exemplo das subcategorias Classical Lolita, Gothic Lolita, Wa Lolita, Punk Lolita e Sweet Lolita, respectivamente. Fonte: Elaborada pela autora.

Apesar de, em várias culturas, o termo Lolita ser frequentemente associado à personagem do romance erótico francês homônimo, a moda Lolita não possui nada de sexualizado: não há decotes ou minissaias e a preferência é por mostrar a menor quantidade de pele o possível. A partir da leitura de alguns depoimentos de brasileiras que se vestem de Lolita foi aferido que entre os principais motivos que as levam a adotar este estilo encontramse parecer mais “feminina”, “fofa” e com “cara de boneca”. Outro famoso estilo kawaii existente na moda japonesa é o Decora (Imagem 53), caracterizado pelo exagero e extrema infantilidade. Um visual Decora é geralmente composto por blusas e saias rodadas de diferentes comprimentos, sendo também permitido o uso de calças e shorts. Ao contrário do que ocorre com o visual Lolita, no Decora as peças não precisam harmonizar-se umas com as outras: são encontradas looks que misturam diversos tecidos, estampas e cores, que são sempre chamativas. A utilização de meias de pares diferentes é comum, assim como sua sobreposição.

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Imagem 53 – Grupo Decora

Fonte: Tokyo Fashion96

Outro marcante aspecto deste estilo é o emprego excessivo de acessórios como bichos de pelúcia, bonecos, presilhas, colares, anéis, pulseiras, laços e adesivos em de formatos sortidos como estrelas, flores e corações, que são colados no rosto. Os exageros e as misturas presentes no Decora remetem à infância, período onde não existem regras a serem seguidas na hora de se vestir e demonstrar sua personalidade. As cores vibrantes complementam este conceito, garantindo uma atmosfera de alegria, descontração e jovialidade. Existem ainda outros estilos kawaii como o Kogal e Gyaru, caracterizados pelo uso de uniformes escolares e inspiração nas garotas californianas – loiras e bronzeadas –, respectivamente. Para Okano (2012: 138), a formação destas tribos urbanas que possuem a moda como elemento formador de uma identidade coletiva está relacionada à necessidade destas garotas de encontrarem compreensão dentro uma sociedade tão rígida quanto a japonesa e, neste processo, alcançar meios de expressar sua própria individualidade. A formação destes grupos é, acima de tudo, uma maneira de utilizar o kawaii para rebelar-se contra o tradicionalismo japonês. Os fancy goods da Sanrio continuam fazendo muito sucesso até os dias de hoje: somente a Hello Kitty, sua marca mais rentável e internacionalmente conhecida, garante à 96

Disponível em: . Acesso em: 09 set. 2015.

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empresa lucros anuais na casa dos bilhões97. Para as japonesas, porém, conseguir uma aparência kawaii não é exclusivamente alcançável através da moda e do consumo. Atualmente, alguns hábitos considerados muito bizarros no ocidente são julgados atraentes no Japão, como o ato de entortar os dentes e manter os joelhos e pés virados para dentro98 (Imagem 54) para parecer mais jovem, meiga e frágil. Imagem 54 – Garota com os pés virados para dentro

Fonte: Sakura Model99

Animais também podem ser kawaii, principalmente se forem peludos, mamíferos e possuírem olhos grandes. Recentemente, vários artigos na internet espalharam a existência de duas localidades japonesas que ficaram conhecidas como Ilha dos Coelhos e Ilha dos Gatos, que elevaram ainda mais o status kawaii do país. Os primeiros gatos foram trazidos à Ilha de Aoshima para aniquilar os ratos que infestavam os barcos dos pescadores da região. Com o passar dos anos o número de felinos aumentou e Aoshima conta hoje com cerca de 120 gatos, média de 6 para cada habitante humano da ilha100. Em Okunoshima, os primeiros coelhos chegaram para servirem de cobaia em testes com gases tóxicos e, atualmente, estão presentes às centenas no pequeno território de 4 km de comprimento. Ambos os locais são pontos turísticos e, certamente, muito procurados por ocidentais atraídos pela alta dose de fofura disponível por metro quadrado.

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http://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2014/08/27/hello-kitty-e-uma-menina-nao-uma-gatadiz-empresa-que-criou-personagem.htm 98 É comum os japoneses possuírem as pernas tortas devido ao hábito de sentar-se em cima das pernas. 99 Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2015. 100 http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/03/150305_ilha_dos_gatos_rb

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O Japão é famoso por suas cafeterias temáticas, sendo que algumas delas apresentam animais como seu principal atrativo. As mais conhecidas no Ocidente são as Cat Cafés, onde são encontradas dezenas de gatos prontos para receber carinho daqueles que não possuem tempo ou condições financeiras para manter um animal de estimação. O ambiente cercado de felinos é disputadíssimo, provavelmente devido a pessoas que procuram brincar com os felinos para aliviar o estresse diário. Nos últimos anos os Cat Cafés espalharam-se pelo mundo e hoje são encontrados na Austrália, Europa, Estados Unidos e Brasil101. Imagem 55 – Cat Café

Fonte: Du Shamans et Savants102

Outra mania kawaii japonesa que chama muita atenção no Ocidente é a criação abundante de mascotes que podem assemelhar-se humanos, plantas, animais e objetos diversos. As mascotes são adotadas por empresas para promover suas marcas, produtos e serviços, e também pelo governo japonês, que as utilizam com diversas finalidades como incentivar o turismo e promover campanhas como de doação de sangue, reciclagem e prevenção de criminalidade. Esta estratégia visa captar a atenção da população de forma lúdica para assuntos que seriam normalmente ignorados. Segundo entrevista de Edward Harrison, autor do livro Fuzz and Fur103, para o portal Japan Times104, o primeiro yuru-kyara105 a fazer grande sucesso foi Hikonyan, lançado

101

O primeiro Cat Café do Brasil foi aberto em Sorocaba (SP) com o nome de Café com Gato. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2015. 103 Livro sobre os mascotes japoneses. 102

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pela prefeitura da Província de Shiga em 2007 para celebrar o 400º aniversário do Castelo Hikone, seu mais importante patrimônio. Harrison sublinha que Hikonyan era tão carismático que as pessoas o procuravam para tirar fotos e entregar presentes. Imagem 56 – Hikonyan

Fonte: Kurumo106

O número de yuru-kyaras – nome dado à categoria de mascotes que representam instituições governamentais – é realmente impressionante. Percebendo o êxito alcançado por Hikonyan, outras prefeituras trataram de providenciar suas próprias mascotes e, atualmente, o Japão conta com 47 yuru-kyaras que representam cada uma de suas províncias, além de outras centenas criadas para ações e divulgações variadas, eventos, times esportivos, agências dos correios, postos policiais, penitenciárias, entre outros. Somente a cidade de Osaka chegou a possuir impressionantes 92 mascotes. A aparência dos yuru-kyaras é criada de forma a representar a identidade de sua referida instituição, porém todos possuem características comuns que se assemelham às encontradas nos personagens da Sanrio e podem ser verificadas na Imagem 57 a seguir: formas arredondadas, cabeças e olhos grandes, expressões amigáveis, membros curtos e simplificados, e corpo macio.

104

Disponível em: . Acesso em: 02 ago. 2015. 105 Personagens tranquilos 106 Disponível em: . Acesso em: 09 ago. 2015.

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Imagem 57 – Yuru-kyaras

Fonte: SETN107

O país do bonsai108 e dos eletrônicos portáteis possui ainda outro fascínio que se relaciona a estes itens e merece ser mencionado: a paixão por miniaturas, que são abrangidas pelo significado de kawaii estabelecido na Era Heian (algo mimoso, que se relaciona a coisas pequenas). Mantida há muitos anos, a cultura das miniaturas pode ser encontrada em kits de brinquedos ligados a culinária como os da marca Re-ment, que produz utensílios, móveis e uma infinidade de comidas doces e salgadas de plástico em escala bastante reduzida; e os Konapun da marca Bandai que, além dos utensílios de pequenas dimensões ainda contam com os Magic Powders109, saquinhos de pó de alginato de sódio110 que quando dissolvidos em água transformam-se em diferentes substâncias muito semelhantes a alimentos reais (porém não comestíveis). Estas linhas de brinquedos são vendidas somente no Japão e algumas até mesmo já deixaram de ser produzidas. Atualmente é possível, porém, experimentar a sensação de divertir-se e relaxar com estes brinquedos a partir de canais japoneses do Youtube como o Nameless, que se destaca pelos vídeos de comidinhas feitas a partir de Magic Powders, e o Miniature Space, que nos apresenta utensílios extremamente realistas, mini fogões que funcionam a partir de uma chama de vela, e reproduções perfeitas de pratos como sushi, onion rings, panquecas e bolos, todos comestíveis. Os vídeos de ambos os canais já foram 107

Disponível em: . Acesso em: 09 ago. 2015. Réplica de árvore em minuatura. 109 Pós mágicos 110 Composto químico utilizado pela indústria alimentícia para aumentar a viscosidade de certos produtos. 108

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visualizados milhões de vezes por pessoas de várias partes do mundo, o que prova que coisas pequeninas chamam a atenção e também são consideradas graciosas em outras diversas culturas. Imagem 58 – Canal Nameless

Imagem 59 – Canal Miniature Space

Lanche feito com Magic Powders. Fonte: Youtube111

Fritura de mini tempurá. Fonte: Japanese Station112

O gosto dos japoneses por miniaturas pode estar conectado às pequenas dimensões do arquipélago, assim como à falta de espaço físico que a população das grandes cidades enfrenta, fato já comentado neste trabalho. Outra possiblidade é que as miniaturas relembram aos japoneses sua infância, época em que usamos a imaginação para tornar reais pequenas casas, bonecos e carros. Segundo Okano, as miniaturas evocam um “sentimento kawaii”:

Essa predileção dos japoneses pode ser conectada a uma aversão pelo real e à afinidade em relação à memória de um passado associado à imaturidade, fragilidade e pureza. Ter sentimento kawaii significa retomar o estado mental e emocional da infância ou uma época em que havia satisfação emocional, proteção e felicidade. (2012: 135)

111

Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2015. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2015. 112

98

2. 3 O kawaii nos animês e mangás

O kawaii encontra-se presente nos mangás e animês de múltiplas maneiras, principalmente nos shôjos, que possuem atmosferas mais românticas e líricas, e onde é possível notar uma continuação da tradição de representação de figuras femininas pelo estilo jojô-ga. Imagens de garotas bonitas com grandes olhos brilhantes e expressões sonhadoras e melancólicas, como as criadas por Nakahara Jun’ichi, são muito recorrentes nestes mangás, como pode ser observado nos exemplos abaixo: Quadro 11 – Retratos femininos

Fonte: Elaborado pela autora

99

As seis garotas retratadas acima têm em comum o fato de possuírem o olhar distante e/ou estático, como se estivessem perdidas em pensamentos. As sobrancelhas das personagens 1, 3, 4 e 5 são levemente arqueadas, assim como as das figuras de Nakahara, porém nota-se nas personagens 2 e 6 uma sobrancelha caída, que evidencia a existência de um sentimento de desolação. Pode-se dizer que a tristeza, aliás, é retratada de forma romantizada nos shôjos: garotas abatidas e, muitas vezes, com lágrimas nos olhos (como a personagem 6) se transformam em belíssimos retratos nas mãos das mangakás, garantindo a atração dos leitores ao evocar compaixão e desejo de proteção. Ao contrário das bocas “em biquinhos” (OKANO, 2014: 293) encontradas nas ilustrações de Nakahara, nos mangás é comum que as personagens em posições e expressões kawaii apresentem os lábios ligeiramente abertos, como os das garotas 3, 4, 5 e 6, como forma de demonstrar surpresa ou choque. As cabeças inclinadas desenhadas por Nakahara e Takehisa (Imagens 46 e 44), continuam a aparecer nos mangás, porém em menor frequência, de modo que somente a personagem 1 apresenta tal característica, ainda de maneira muito sutil. As bochechas rosadas, outro atributo que denota graciosidade nas ilustrações destes artistas, nos mangás foram substituídas por traços diagonais que representam a ruborização do rosto causada pela timidez – visível nas personagens 2, 4 e 5 –, que se tornaram uma forte característica kawaii. As flores, constantes nas obras de Nakahara, começaram a aparecer com frequência nos mangás shôjo a partir da década de 1970, quando o mesmo grupo de artistas femininas responsáveis pela grande ousadia na quadrinização (mencionada em capítulo anterior) criou uma série de convenções estéticas para comunicar sentimentos. As flores, desde então, são utilizadas não só para embelezar as cenas, mas também para agregar diferentes significados simbólicos a elas, como afirma Paul Gravett: As flores, em particular, tornaram-se muito mais do que elementos meramente decorativos. Os botões de flor simbólicos, invisíveis aos personagens, identificavam a heroína da história, refletiam a atmosfera de uma cena ou revelavam os sentimentos de suas pétalas e folhas caindo quando o romance se apagava. Nessa linguagem, cada flor tem um significado: as margaridas geralmente denotam simplicidade; os crisântemos, sensibilidade e as rosas, sensualidade. (2006: 83)

100

As análises das seguintes imagens, retiradas de mangás sortidos, exemplificam as diferentes situações em que as flores são empregadas113. Quadro 12 – As flores nos mangás Karekano (Kareshi Kanojo no Jijou) .

Neste quadro há a retratação do exato momento em que a protagonista Yukino encontra pela primeira vez Tsubasa (acima representada), considerada por todos os demais personagens como uma garota extremamente bonita. As flores, neste caso, representam a beleza de Tsubasa enxergada através dos olhos de Yukino.

Sakura Card Captors (Cardcaptor Sakura) Em Sakura Card Captors, Tomoyo (imagem acima) é a melhor amiga da protagonista – Sakura – e a acompanha em todas suas aventuras vestindo-a com roupas graciosas e filmando-a sempre que a mesma sai à procura das cartas mágicas que se encarregou de capturar. Tomoyo, no entanto, nutre um sentimento amoroso por Sakura que vai além da amizade, porém não revela claramente sua condição para amiga, pois acredita que a mesma, por ser muito jovem e imatura, não compreenderia. Nesta imagem, as flores demonstram o clima de ternura, delicadeza e inocência – visto que as duas garotas possuem apenas 10 anos – que envolve o sentimento de Tomoyo.

113

Nestas análises não foram levadas em consideração a espécie de cada flor.

101

Utena (Shoujo Kakumei Utena)

Nesta cena, a protagonista Utena (ainda criança), após ser salva de um afogamento por um príncipe misterioso, é tranquilizada pelo jovem que a pede que nunca perca sua nobreza, pois assim poderão se reencontrar futuramente. Apesar de estarem ligadas também ao clima romântico da situação – pois a garota, neste momento, apaixona-se –, as rosas representam a fragrância

emanada

pelo

príncipe,

nunca

esquecida por Utena.

Fonte: Elaborada pela autora

Outro aspecto que garante às personagens de mangás uma aparência kawaii é a infantilização. Um dos mais marcantes shôjos da década de 1970, Candy Candy retratou a história de Candice White (Candy), uma garota abandonada na porta de um orfanato americano quando era apenas um bebê. Por volta de seus 8 anos, a protagonista é enviada para a casa de uma família rica para atuar como dama de companhia de uma garota chamada Elisa e, a partir de então, passa por vários momentos dramáticos em sua vida, sofrendo com preconceito, trabalho forçado, morte de pessoas queridas e impossibilidade de permanecer com o homem que ama. O mangá de Candy Candy (que também conta com um animê, que possui diferenças estéticas e narrativas em relação ao mangá) apresenta muitas características que a enquadram como uma obra kawaii, entre elas: a existência de uma atmosfera bucólica devido a constante retratação de paisagens campestres e aproximação entre personagens e natureza; a presença de flores que aparecem nas páginas com exorbitante frequência; e o realçamento da beleza das personagens femininas através do desenho de olhos extremamente brilhantes e expressões melancólicas.

102

Imagem 60 – Candy Candy

Fonte: Gardenya 70114

Uma forte particularidade desta produção são as feições infantis apresentadas pelas figuras femininas, principalmente por Candy. A garota, que possui seis anos de idade nos primeiros capítulos do mangá, tem sardas no rosto, cabelos cacheados e volumosos presos com laços de fita, traja graciosos vestidos rodados, é sapeca, amorosa e adora subir em árvores. Ao final da história Candy encontra-se com aproximadamente 18 anos, porém, apesar do amadurecimento, sua aparência não sofre praticamente nenhuma alteração, ou seja, ela mantém durante todo o mangá o semblante kawaii de uma criança. É importante salientar, aliás, que nos mangás e animês, crianças ou personagens infantilizados de ambos os sexos costumam ser retratados de forma kawaii. No quadro abaixo, por exemplo, retirado de Kare Kano, o personagem Hideaki rouba uma foto antiga de seu melhor amigo Arima e a mostra para Miyazawa, namorada do rapaz. Ao contemplar a “versão miniatura” de Arima, com seus olhos vultosos, sorriso doce e tímido, e bochechas extremamente coradas, Miyazawa quase entra em colapso por não aguentar ver tamanha fofura.

114

Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2015.

103

Imagem 61 – Arima criança

Fonte: Yes Mangas115

Ainda com relação ao traçado do mangá, existe um estilo de desenho chamado Chibi, considerado muito kawaii. O Chibi é caracterizado pela representação de personagens de forma bastante estilizada, infantil e fora de proporção: as cabeças são muito grandes e costumam ocupar de metade a um quarto do tamanho total do corpo, os olhos recebem ainda mais destaque do que no traço comumente utilizado nos mangás, o nariz costuma ser suprimido, e as linhas do restante do corpo são arredondadas e simplificadas. Utilizados geralmente com o intuito de garantir um efeito cômico à cena em que são empregados, o Chibis também podem ser encontrados em artes adicionais dentro dos mangás ou em materiais de divulgação diversos. A tendência artística também é uma das favoritas de artistas amadores que desenham em estilo mangá e a utilizam para criar versões kawaii de seus personagens favoritos.

115

Disponível em: . Acesso em: 29 set. 2015.

104

Imagem 62 – Sailor Moon Chibi

Fonte: Pinterest116

Quanto às vestimentas das personagens femininas nos mangás, é possível encontrar em muitos títulos shôjo figurinos que possuem grande influência do visual Lolita. Em Sakura Card Captors, em praticamente todos os capítulos Sakura surge com uma roupa especial diferente, utilizada nos momentos de ação da história. Todos os seus figurinos são extraordinariamente elaborados, compostos por diferentes tipos de sapatos, meias, luvas, acessórios de cabelo, chapéus e capas, sendo que muitos são claramente inspirados nas lolitas japonesas. Em Chobits e Kobato – de autoria da CLAMP, grupo formado por quatro mulheres cujos sucessos incluem Sakura Card Captors – as protagonistas também frequentemente aparecem vestidas como lolitas, como pode ser observado no Quadro 13. O estilo, nestes casos, é utilizado para evidenciar a personalidade meiga e imatura das personagens, além de tornar-se um atrativo a mais para o público feminino. Como visto no capítulo anterior, mascotes são uma grande mania no Japão. Nos mangás, personagens com traços animalizados são amplamente utilizados para atrair os leitores e, muitas vezes, tornam-se os maiores representantes visuais de suas histórias. Por estas razões e também com a intenção de facilitar sua nomenclatura, estes personagens serão igualmente chamados de mascotes neste trabalho, mesmo que sua criação não se relacione exclusivamente à publicidade.

116

Disponível em: . Acesso em: 05 out. 2015.

105

Quadro 13 – Vestuário Lolita nos animês

Fonte: Elaborado pela autora

As mascotes estão presentes em um grande número de shôjos e shônens e, em geral, possuem a função de acompanharem os personagens durante sua jornada, muitas vezes como conselheiros ou poderosos ajudantes de combate, além de servirem de alívio cômico para as histórias. Visualmente, estes personagens possuem traços comuns aos dos personagens da Sanrio e aos yuru-kyaras – como formas arredondadas, membros simplificados, e corpo pequeno e felpudo – e assemelham-se a bichos de pelúcia (Quadro 14). O visual kawaii é imensamente apelativo para o público de todas as faixas etárias, e esta pode ser a principal razão para o estrondoso êxito de uma franquia que se tornou mundialmente famosa devido ao carisma e à fofura de um de seus principais personagens: Pokémon117. Originalmente criado como um jogo de Game Boy118 cujo objetivo era capturar todos os 150 pokémons disponíveis e treiná-los para vencer batalhas, a história deu origem, entre outras produções, a um mangá (Pokémon Adventures) e a uma longa série em animê, que compartilham o mesmo universo de monstrinhos.

117 118

Nome criado a partir da junção de pocket (bolso) + monsters (monstros) Videogame portátil lançado em pela Nintendo em 1989.

106

Quadro 14 – Mascotes

Fonte: Elaborado pela autora

A maioria dos pokémons possui seu design inspirado em animais, vegetais, objetos ou seres mitológicos. Dentre os 718 criados até hoje, existem aqueles que possuem grandes dimensões e aparência mais feroz e intimidadora, mas os que mais fazem sucesso são os pequenos, de feições meigas e inocentes (Imagem 63), como Pikachu, o mais popular personagem de animê e mangá em todo o mundo. Imagem 63 – Pokémons kawaii

Fonte: Elaborada pela autora

107

Apesar de serem criaturas guerreiras treinadas para vencer batalhas (que, no mangá, podem inclusive acabar em morte), os pokémons são como animais de estimação, que precisam ser alimentados, levados ao hospital (Centro Pokémon), receber carinho e ouvir palavras consoladoras e de incentivo. Um dos últimos jogos da franquia – Pokémon X/Y (2013) – lançou o sistema Pokémon-Amie (Imagem 64), através qual o jogador consegue interagir com os monstrinhos de forma mais próxima, dando-lhe petiscos em formato de cupcakes, decorando seu ambiente, fazendo-lhe carícias e participando de brincadeiras. Após a realização destas ações, o pokémon solta seu grunhido característico e vários corações surgem na tela do console como forma de demonstrar sua felicidade, ou seja, há uma reação muito fofa para o ato de cuidar. Imagem 64 – Pikachu

Imagem 65 – Pokémon Sylveon

Fonte: Pokémon XY119

Fonte: PK Paraíso120

Tanto nos jogos, quanto no animê e no mangá, as pequenas criaturas carregadas em dispositivos portáteis (Pokébolas) são, por um lado, extremamente poderosas (e até mesmo perigosas), mas também são companheiras, frágeis, carinhosas e necessitam da atenção e proteção de seus treinadores. Todas as características mencionadas transformaram os pokémons em personagens extraordinariamente kawaiis, o que sem sombra de dúvidas foi um dos fatores chave para o gigantesco sucesso alcançado pela franquia.

119

Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2015. 120 Disponível em: . Acesso em: 24 out. 2015.

108

Considerações Finais

Por serem produtos destinados às massas, as histórias em quadrinhos japonesas não são valorizadas como objetos artísticos e costumam ser vistas apenas como um meio de entretenimento infantil. Esta pesquisa procurou demonstrar, através da história e análise visual dos mangás, que os mesmos são dignos de serem enquadrados na categoria arte e, através do estudo sobre seu consumo, sua importância como sustentáculo da sociedade japonesa e veículo difusor da cultura nipônica no Ocidente – principalmente no Brasil. Muitas das razões que permitem classificar o mangá como arte fundem-se com as utilizadas para defender as histórias em quadrinhos em geral. Segundo Will Eisner121 (1917 2005), quadrinista americano que figura entre os mais importantes da história. Apesar dos quadrinhos terem se tornado muito populares em todo o mundo, motivos que incluem as temáticas e o público-alvo os mantiveram longe das discussões acadêmicas durante décadas. Apesar disto, seus principais elementos continuaram sendo estudados isoladamente (1989: 5). Eisner foi um dos primeiros a sugerir, por volta de 1940, que os quadrinhos eram uma legítima forma literária e artística, em uma época que nem mesmo os próprios artistas de quadrinhos davam tal valor a seus trabalhos, conforme McCloud (2006: 26). Em 1985, o quadrinista cunhou o termo arte sequencial para referir-se à modalidade artística definida pela conexão de imagens em sequência com a finalidade de contar histórias e transmitir informações graficamente. Segundo ele, a partícula arte se justificaria pelo fato da produção de histórias em quadrinhos requerer o conhecimento do artista em uma grande diversidade de áreas e disciplinas (Quadro X) – muitas delas estudadas ao longo desta monografia –, que incluem anatomia, caricatura, luz e sombra, perspectiva, estudo do vestuário, cultura, mitologia, relações sociais e desenho arquitetônico, além de habilidades ligadas à escrita.

121

Durante sua longa carreira, Will Eisner trabalhou como roteirista, desenhista, arte-finalista, editor de quadrinhos, entre outras funções dentro da indústria de quadrinhos. Seu personagem mais famoso é o super-herói The Spirit, cuja história foi adaptada para o cinema em 2008 em filme homônimo.

109

Diagrama 1 – Áreas e disciplinas incorporadas pelos quadrinhos

Fonte: EISNER, 1989: 144

Surgido paralelamente aos quadrinhos122, o cinema, outro grande meio de comunicação de massas, já em 1914 foi considerado arte pelo teórico e crítico de cinema Ricciotto Canudo (1877 - 1923) em seu Manifesto das Sete Artes e Estética da Sétima Arte. No texto, Canudo expôs que as Sete Artes compreenderiam a música, a pintura, a escultura, a arquitetura, a literatura, a dança e o cinema, nomeado como a sétima arte. Posteriormente, outras formas de expressão foram incorporadas de modo extraoficial à proposta do autor: a fotografia foi nomeada a oitava arte, seguida das histórias em quadrinhos (nona) e dos games (décima). Com relação à nona arte, é notável, porém, que o adendo do Manifesto se restringiu à criação de uma nova terminologia, uma vez que, enquanto todas as Sete Artes continuaram a ser glorificadas e amplamente estudadas, os quadrinhos, que incorporam quase todas estas expressões, permaneceram sendo qualificados como uma arte menor. Ao discorrer especificamente sobre os quadrinhos japoneses, objetos desta pesquisa, foi possível demonstrar que os mesmos possuem uma estreita relação com a história da arte do Japão: seu cunho narrativo é uma particularidade tradicionalmente presente na arte japonesa, exemplificada neste trabalho pelos emakimonos e biombos Namban; seu traço caricatural e a comicidade são identificados nas coleções Edehon Hokusai Manga e 122

A primeira história em quadrinhos, The Yellow Kid, foi lançada em 1896, um ano após a realização da primeira exibição de cinema pelos irmãos Lumière.

110

Chôjûgiga; e a bidimensionalidade presente em suas páginas é encontrada nas pinturas tradicionais japonesas como yamato-e, gravuras ukiyo-e e também nos biombos e rolos de pintura emakimono. Além destas afinidades com estas expressões, os mangás possuem também uma forte conexão com o cinema. Os gekigás, estilo de mangá surgido no pós-guerra, atraíram os jovens mais velhos e adultos ao lançarem histórias com imagens dramáticas e impactantes inspiradas nos filmes neorrealistas europeus e film noir americanos, e também nas obras dos cineastas japoneses Akira Kurosawa e Yasujiro Ozu. Aspectos da sétima arte também foram incorporados aos mangás pelas mãos de Tezuka, que estudava movimentos através dos longas-metragens de animação da Disney e criava roteiros emocionantes à semelhança dos encontrados nos filmes hollywoodianos. O mangaká também foi o responsável por introduzir a linguagem cinematográfica às suas produções, tornando sua leitura ainda mais empolgante. O cinema e os quadrinhos em geral possuem muitas características em comum. Uma das maiores semelhanças entre eles é processo de construção da narração gráfica, que se diferencia em ambos basicamente pelo número de imagens utilizadas no processo de transmissão de informações: enquanto no cinema centenas de fotogramas são exibidos tão rapidamente que nos dão a impressão de estarmos diante de um movimento real, nos quadrinhos o número de quadros é limitado e este efeito só pode ser simulado (GUIMARAES, x: 35). Outro aspecto que os aproximam é o compartilhamento de técnicas. Da mesma forma que os mangás, como verificado nesta pesquisa, empregam a linguagem cinematográfica para criar cenas atrativas a partir do uso de diferentes tipos de enquadramentos, o storyboard (Imagem 66), processo de esquematização de cenas através do uso de ilustrações sequenciais, é etapa essencial ao processo de produção de filmes tradicionais e animados. Fica assim, evidente, o diálogo entre cinema e quadrinhos, em vias de mão dupla. Este trabalho procurou também demonstrar que os mangás são resultado de um processo de hibridização entre elementos de expressões artísticas japonesas e ocidentais. Do lado japonês, além da pintura, gravura e desenho tradicionais, o teatro também se revelou importante para sua constituição. Osamu Tezuka, a mais importante personalidade na história dos mangás, obteve êxito ao desenvolver o chamado “sistema de estrelas”, criando atores virtuais que interpretavam diferentes personagens em suas obras com o objetivo de torná-los mais familiares aos leitores. Também o teatro Takarazuka colaborou na estética dos mangás:

111

o fascínio pelo olhar brilhante de suas atrizes levou Tezuka a incluir grandes olhos luminosos no design de seus personagens, o que se tornou a característica mais marcante dos quadrinhos japoneses, e também foi fundamental para a transmissão de sentimentos de forma plena e sincera. Imagem 66 – Storyboard

Fonte: World of war planes123

Já do lado ocidental, além do cinema, é possível notar a influência recebida das tirinhas e comic books norte-americanas e dos cartuns e charges de conteúdo político da Europa, já que os artistas nipônicos extraíram referências destes materiais para criarem seus primeiros trabalhos, adaptando-os à cultura e realidade de seu país. Antes da modernização ocorrida na Era Meiji (1867 - 1902) devido ao contato com o Ocidente, no Japão a arte era entendida de modo abrangente: a cerimônia do chá, o ikebana (arranjos florais) e os teatros (que incluíam por sua vez o canto e a dança), por exemplo, eram todos considerados arte. Os mangás, surgidos ao final deste período, não foram valorizados como arte em sua terra-natal devido à sua ocidentalização que, como exposto, se mostra presente em diversos pontos de sua constituição. 123

Disponível em: . Acesso em: 24 nov. 2015.

112

No mundo todo, um dos principais motivos que descreditam os quadrinhos como arte está relacionado ao seu caráter comercial, já que possuem como finalidade proporcionar lucro às suas respectivas editoras. Porém, analisando na atualidade outras expressões artísticas como música, teatro, literatura, pintura e, principalmente o cinema, é possível verificar que nenhuma delas deixa de se envolver com o comércio ou com o consumismo. Segundo Melissa Chiu e Benjamim Genocchio, autores do livro Asian Art Now, na contemporaneidade, o artista que mais compreende os limites e possibilidades do consumismo para a arte é Takashi Murakami, citado na introdução desta monografia. Para exibir a relação entre arte e mercado nas obras de Murakami, os autores mencionam seu mais famoso personagem, Mr. DOB, uma espécie de Mickey Mouse alterado pela cultura dos animês e mangás. Criado no início dos anos 1990, Mr. DOB surgiu em pinturas e esculturas, mas logo se transformou também em produto de consumo, aparecendo em brinquedos, camisetas, mouse pads, chaveiros, entre outros (2010: 123). Outro exemplo é a parceria firmada em 2002 entre Murakami e a prestigiada grife Louis Vuitton, que resultou em uma famosa linha de bolsas com estampas que remetem ao colorido universo visual do artista, repleto de referências à cultura pop japonesa. Chiu e Genocchio afirmam que Murakami julga seus produtos como uma extensão de sua arte, e que seu esquema de trabalho borra ainda mais a já imprecisa linha existente entre arte e comércio, high and low124. A respeito da rejeição que a produção em massa sofre pelos artistas, Murakami expõe: “Penso que o mercado de arte contemporânea deve ser mais visível. Não compreendo a razão de artistas fingirem que o mercado não existe”125 (2010: 125). Em 2002 Murakami fundou a Kaikai Kiki Co., que hoje emprega mais de cem artistas na produção de suas obras artísticas e comerciais. No site da companhia, o artista se apresenta comentando que um dos grandes obstáculos que enfrentou em sua carreira foi o status de nãoarte que a arte japonesa carrega dentro e fora do país, e que sua resposta para isto foi levar criações baseadas na cultura pop japonesa a um público internacional, com o intuito de validar o potencial da criatividade artística nipônica.126

124

Arte de alto e baixo valor. “I think the market of contemporary art should bem more visible. I don't understand why artists pretend as if the market did not exist.” 126 Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2015. 125

113

Imagem 67 – Mr. DOB

Imagem 68 – Bolsa Louis Vuitton assinada por Takashi Murakami

Fonte: Tumblr127

Fonte: Fashionfile128

As reflexões a respeito da relação entre arte e produção em massa e do valor da arte japonesa propostas por Murakami valem também para os mangás, afinal, se o artista tornou-se renomado e tão importante para o cenário da arte contemporânea mundial utilizando-se de sua estética, estes objetos também seriam merecedores de reconhecimento. Os mangás e animês são sem sombra de dúvidas os maiores responsáveis pela propagação da cultura japonesa no Ocidente pois, como demonstrado nesta pesquisa, proporcionam a seus leitores e espectadores o contato os valores e ideais desta sociedade e, além disso, os despertam interesse pelas técnicas de desenho, culinária, língua japonesa, mitologia, música e artes marciais etc. No Brasil a adoração pelo Japão por parte dos fãs destas mídias é notória: muitos incorporam palavras japonesas em seu vocabulário, agem como seus personagens favoritos, sonham em conhecer o país e até mesmo em morar lá. Estas expressões são também, do lado japonês, uma estratégia política de divulgação da cultura japonesa no exterior: um exemplo recente é a nomeação de Pikachu e outros pokémons como garotos-propaganda da seleção japonesa para a Copa do Mundo FIFA 2018 que será realizada na Rússia (Imagem 69). Não é difícil de concluir que, se no passado as

127

Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2015. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2015. 128

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indústrias automobilística e eletrônica representavam o país mundo afora, atualmente são os quadrinhos e animações japonesas que desempenham este papel.

Imagem 69 – Pikachu representando a seleção japonesa de futebol

Fonte: Info Abril129

Conforme afirma Cynthia Freeland em seu livro Is it art?, o filósofo e psicólogo John Dewey, autor de Arte como Experiência, define a arte como sendo “a expressão da vida da comunidade” (FREELAND, 2001). Como exposto ao longo desta monografia, os mangás são uma das manifestações que melhor definem o Japão em seus contextos social, histórico e artístico e, ainda, possuem alcance global, proporcionando uma ampla difusão destes valores. Neste sentido, por que não considerá-los arte? Os mangás, no início de sua história, foram criados com a finalidade básica de entreter. Em meio a períodos trágicos e prósperos vividos no último século, foram os artigos que sustentaram a sociedade japonesa quando suas crianças, jovens e adultos precisaram fugir de sua realidade e encontrar a esperança, força e alegria necessária para seguir em frente. Apesar de existirem legiões de fãs de animês e mangás em nosso país, muitas pessoas – em geral adultos acima dos 30 anos que não cresceram durante o período da explosão dos animês no Brasil – ainda consideram os mangás um mero meio de divertimento para pessoas imaturas. Em seu desenvolvimento, porém, os mangás provaram ser, acima de tudo, grandes 129

Disponível em: . Acesso em: 30 nov. 2015.

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obras de arte produzidas com técnicas que necessitam de muito estudo e dedicação. Há histórias que nem mesmo necessitam que se leia seu texto: somente as imagens conseguem nos levar para um outro universo e nos emocionar transmitindo fúria, adrenalina, medo, tristeza, felicidade e paixão. Esta pesquisa abordou somente algumas das dezenas de características interessantes a serem analisadas nos mangás. A presença da violência e do erotismo e a estética dos heróis, assim como uma extensão de todos os tópicos discutidos, são alguns dos assuntos que poderiam ser abordados em uma futura continuação deste trabalho. É preciso, acima de tudo, manter as pesquisas e discussões a respeitos dos mangás e animês no ramo da arte, pois definitivamente são objetos muito ricos e essenciais ao prosseguimento da propagação da cultura japonesa pelo mundo.

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