MANUAIS ESCOLARES E O “DILEMA BRASILEIRO”: o esforço civilizatório e a Educação da Primeira República no Pará (1890-1930)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS FACULDADE DE HISTÓRIA

RAFAELA PAIVA COSTA

MANUAIS ESCOLARES E O “DILEMA BRASILEIRO”: o esforço civilizatório e a Educação da Primeira República no Pará (1890-1930)

Belém – Pará 2008

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS FACULDADE DE HISTÓRIA

MANUAIS ESCOLARES E O “DILEMA BRASILEIRO”: o esforço civilizatório e a Educação da Primeira República no Pará (1890-1930)

Monografia apresentada à Faculdade de História da Universidade Federal do Pará como exigência parcial para a obtenção do Grau de Bacharel e Licenciado Pleno em História, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Wilma de Nazaré Baía Coelho.

RAFAELA PAIVA COSTA Belém – Pará 2008

Agradeço à minha família pelo suporte, de toda ordem, para a condução confortável dos meus estudos universitários; ao meu noivo, Saul, pelo exemplo e incentivo em todas as horas; ao meu amigo Felipe, pela parceria bem-sucedida; e à minha orientadora, Wilma Coelho, pelo modelo de bom profissional que eu almejo alcançar.

RESUMO Este trabalho tem por temática a educação na Primeira República no Pará (1890-1930) e por objeto o reflexo das discussões intelectuais no conteúdo dos manuais ou livros escolares acerca da adequação da realidade étnico-racial brasileira, notadamente miscigenada, ao projeto civilizatório europeu, o qual, em sua origem, não considerava como positiva esta realidade – o chamado dilema brasileiro. Assim, analisamos as representações de raça, nação e civilização correntes nestes materiais para compreender de que forma estas discussões alcançaram o âmbito educacional e, por meio dele, a sociedade. Trabalhamos, então, com as formulações teóricas Roger Chartier, sobre Representação, e de Pierre Bourdieu a partir da noção conceitual de Dominação Simbólica. Observou-se, de um modo geral, que estes manuais pretendiam a formação de cidadãos voltados para a ordem e para o progresso – o que se materializou no amor incondicional à pátria e nos ensinamentos cristãos, por meio dos quais seria possível a construção de uma nação rumo à civilização, na qual o problema racial foi silenciado.

Palavras-chave: Primeira República no Pará; manuais ou livros escolares; dilema brasileiro.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................................7

CAPÍTULO 1: O CONTEXTO DA PRIMEIRA REPÚBLICA NO PARÁ: aspectos

ideológicos, políticos e educacionais ...................................................................................16 1.1 A influência das Teorias Raciológicas Européias no pensamento ideológico brasileiro. ...............................................................................................................................................16 1.2 O regime republicano no Brasil e o contexto político do final do Séc. XIX e início do XX ..............................................................................................................................................20 1.3 O papel da educação na legitimação do regime republicano brasileiro......................25.

CAPÍTULO 2: EDUCAÇÃO PARA A ORDEM E PARA O PROGRESSO: os manuais escolares e a construção da nação brasileira ........................................................................32 2.1 O conteúdo cívico e moral dos manuais escolares veiculados em Belém-PA durante a Primeira República: Brazil, um país rumo ao progresso....................................................35 2.2 Representações sobre Raça, Nação e Civilização nos manuais escolares da Primeira5República no Pará..............................................................................................44.

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................46

A educação é um campo do conhecimento de estudos aplicáveis que se pretendem interventores na constituição de uma sociedade melhor. (Coelho, 2006. p. 48)

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INTRODUÇÃO

No final do século XIX e início do XX, o Brasil conheceu seu período auge de influência das teorias racistas européias, mais especificamente entre as décadas de 1870 e 1930 (SKIDMORE, 1976) 1. Estas teorias, de grande expressão durante o século XVIII na Europa, chegaram tardiamente ao Brasil e foram bem acolhidas pela reduzida elite pensante e seus diversos estabelecimentos de pesquisa (SCHWARCZ, 1993). No entanto, de caráter evolucionista e darwinista social, suas proposições não davam margem a interpretações positivas da realidade nacional, marcada pela mistura de raças desde a chegada dos primeiros europeus ao litoral brasileiro e agravada quando da inserção da mão-de-obra escrava africana. Por sua vez, esse também é o período de grandes mudanças políticas, sociais e econômicas no país: em 1888 é abolida a escravidão – com sinais de falência desde o fim do tráfico (1850) – e, um ano depois, proclamada a República (1889). Vive-se, ainda, o reflexo dos anos mais promissores da produção gomífera, em que parte do excedente direcionado aos cofres públicos é reinvestida em uma nova estrutura urbana sob os moldes europeus, especialmente o francês (SARGES, 2002; COELHO, 2002). Adequar a realidade étnico-racial brasileira ao modelo eurocêntrico de “nação civilizada”, perseguido por quase todo o mundo ocidental da época – o chamado dilema brasileiro – ganha um lugar especial na pauta do novo modelo político que, forjado “de cima para baixo”, vai utilizar campos estratégicos da sociedade, como o da educação, para a divulgação e legitimação de sua ideologia positivista, liberal, progressista e auto-apologética (CARVALHO, 1987, 1990; GAIA, 2000, 2005). Esta pesquisa pretendeu, então, analisar a relação entre aquele processo de adequação da realidade étnico-racial brasileira ao modelo civilizatório europeu – movido pelos intelectuais e autoridades em todo o Brasil da época (CARVALHO, 1987, 1990; SEVCENKO, 2003; GAIA, 2000) – e o conteúdo dos manuais escolares da Primeira República no Pará, de modo a perscrutar possíveis reflexos desse esforço civilizatório na educação paraense. Isto é, pretendeu-se investigar a maneira pela qual esta discussão sobre os 1

Conjunto de formulações desenvolvidas na Europa Ocidental de cunho social e biológico, cristalizadas pelo chamado Evolucionismo Cultural e Darwinismo Social, as quais, com o respaldo da ciência da época, classificaram os povos do mundo em raças hierarquicamente diferenciadas. Sobre o tema, ver: Thomas E. Skidmore. Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Tradução de Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976; Lilia Moritz Schwarcz. O Espetáculo das Raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993; Roberto DaMatta. “Digressão: fábula das três raças, ou problema do racismo à brasileira”. In: _______. Relativizando: uma introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro: Rocco, 1993, pp. 58-85; e Renato Ortiz. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Brasiliense, 1983.

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“rumos do Brasil” pode transparecer nos livros escolares destinados à escolarização primária, do período que vai da reforma da Instrução Pública (1890) até as primeiras décadas do século XX (1930), especificamente pela análise das representações que este material veiculava sobre raça, nação e civilização, quando, segundo Schwarcz (1993, 2000), se processava no Brasil uma (re)leitura original dessas teorias, utilizando o que beneficiava e descartando o que condenava a realidade brasileira, de modo a possibilitá-lhe um “futuro de progresso”. A miscigenação, antes tida como o elemento que condenava a nação, fadada ao insucesso racial – quiçá à extinção, já que se chegou mesmo a questionar a fertilidade do mestiço (SCHWARCZ, 1993) –, passou então a ser a saída pela qual seria alcançado o ideal branco e civilizado europeu2. E, mesmo que tal projeto não tenha sido possível, afinal, não se conseguiu branquear a população, o resultado imediato se transformou, por si só, naquilo de que os grupos preocupados com o futuro racial do país precisavam: uma nação misturada, miscigenada: o país da Democracia Racial. Essa idéia garantia a ausência do ódio racial que tanto assolava o mundo em guerra, e que passou a ser cantada em verso e prosa desde então, tornando-se um elemento basilar para a construção da identidade nacional (SCHWARCZ, 1993, 2000; DAMATTA, 1993; ORTIZ, 1983). Entender o momento de fecundação de algo tão marcante na nossa constituição identitária, fornecendo elementos para a sua contemplação crítica: daí decorre a maior relevância social deste trabalho. As últimas duas décadas têm assistido a uma verdadeira “revolução dos micróbios”, naquilo que alegoricamente caracteriza Medeiros (2004) como o movimento de produção científica acerca da história e do lugar do negro na sociedade brasileira que passou a ser dirigido do ponto de vista do próprio negro, agente-objeto, a partir da sua maior inserção na academia3. É deste lugar que, entendendo a raça não mais em seu 2

“Aqui se fez um uso inusitado da teoria original, na medida em que a interpretação darwinista social se combinou com a perspectiva evolucionista e monogenista” (SCHWARCZ, 1993, p. 65). Com alguns rearranjos teóricos, o modelo racial, que servia para explicar as diferenças e hierarquias, já não impedia a viabilidade de uma nação mestiça. 3

Ainda que oficialmente os estudos de Florestan Fernandes, na década de 30, tenham sido responsáveis pelo reconhecimento da existência do racismo no Brasil – um racismo velado, não-afirmado, escondido atrás do mito da “Democracia Racial”: o chamado racismo à brasileira (TELLES, 2003; GUIMARÃES, 2000, 2002a, 2004; MUNANGA, 1988) –, datam pelo menos da década de 20 as denúncias do Movimento Negro acerca da discriminação sofrida pelos negros no país. Essa crítica foi muito bem explorada por Abdias do Nascimento e o Teatro Experimental do Negro, ainda que, em um momento inicial, a pauta desse grupo estivesse ligada a uma perspectiva culturalista ou, simplesmente, integralista. É somente na década de 70 – com a anistia política e o retorno de muitos ativistas exilados nos Estados Unidos que tiveram contato com o Movimento Negro de lá, cuja perspectiva tendia mais para a política reivindicatória – que o Movimento Negro brasileiro, difundido em várias instituições e em consonância com novos estudos, como os de Carlos Hasenbalg, a respeito das relações raciais no país, vai assumir uma nova postura de enfrentamento da hegemonia racial existente no Brasil (HANCHARD, 2001). O resultado disto é que, uma década mais tarde, foi possível perceber a difusão de cursos de pós-

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conceito biológico, mas como construto social e posição política (AZEVEDO, 1990; GUIMARÃES, 2002; MUNANGA, 1988) buscamos oferecer uma contribuição preliminar ao entendimento das relações raciais no Brasil, a partir da análise de um período histórico crucial para a compreensão da sua conformação atual. Deste período, década de 1930, data a obra de Gilberto Freyre (1933), o qual, mesmo não cunhando a expressão “Democracia Racial” – segundo Guimarães (2002b), dita provavelmente pela primeira vez por Arthur Ramos, em 1941 e, em seguida, por Roger Bastide, em 1944 –, popularizou no imaginário social a sua idéia do “convívio harmônico” inter-racial proporcionado pela miscigenação aqui historicamente processada, a qual só foi questionada décadas mais tarde, quando dos estudos de novas gerações4. A crítica se deu, então, principalmente, pelas pesquisas de Florestan Fernandes (1965), em um estudo financiado pela UNESCO no qual, inicialmente, o objetivo era encontrar o “segredo” da harmonia racial brasileira, de modo a servir de exemplo a um mundo recém-saído de duas grandes guerras com fortes motivações raciais; e de Carlos Hasenbalg (1976) que, além de ratificar as denúncias de Fernandes, no que se refere à existência de racismo no Brasil, demonstrou que este não é fruto único do passado escravista, mas do próprio cotidiano interracial do país5. graduação (notadamente, especialização e mestrado) acerca da temática das relações raciais no país, assim como a maior inserção do Movimento Negro na academia. Os estudos, dos anos 90 para cá, passaram então a ser, cada vez mais, conduzidos por uma intelectualidade negra que discute, de outro ponto da sociedade – dos institutos de pesquisa e das cadeiras das universidades –, as desigualdades raciais nacionais. Deste novo lugar, estes agentes dispõem agora do discurso da autoridade científica para tratar de problemas que não são “de negros”, mas problemas estruturais da sociedade brasileira (MEDEIROS, 2003). 4

É inquestionável a importância histórica da vasta produção multidisciplinar da obra de Gilberto Freyre. Seu trabalho mais emblemático, Casa Grande & Senzala (2005), publicado inicialmente em 1933, marcou a historiografia, a sociologia, a antropologia etc. nacionais como um verdadeiro ponto de inflexão entre aquilo com o que vinham se debatendo os estudos acerca da adequação da realidade brasileira aos parâmetros de nação rumo à civilização propostos na Europa do século XIX, e a constituição de uma base singular a partir da qual (a miscigenação) seria fundamentado todo o nosso ideal de identidade nacional: o país da mistura. Ou seja, Freyre transformou o maior problema brasileiro naquilo que seria aclamado como a sua maior qualidade, frente a um mundo castigado pelo ódio racial. O Brasil se tornou, na primeira metade do séc. XX, no espelho do mundo (COELHO, 2002). 5

Florestan Fernandes marca a sociologia e os estudos sobre relações raciais no Brasil, que até então somente reproduziam o ideal da Democracia Racial como “fonte de orgulho nacional” – ainda que tal denúncia já viesse sendo feita desde a década de 1920 por vários grupos, artistas e pensadores ligados ao Movimento Negro (HUNTLEY & GUIMARÃES, 2000), em seus diferentes vieses (HANCHARD, 2001). No entanto, Fernandes conclui que a discriminação e as desigualdades raciais no Brasil fossem heranças diretas do período escravista ainda tão recente, e que, com o passar do tempo e o desenvolvimento da sociedade capitalista – pautada nas relações de mercado que priorizam habilidades e competências não ligadas à cor e origem racial – pouco a pouco essa realidade seria modificada e o racismo extinto. É Carlos Hasenbalg quem vai completar o raciocínio iniciado por Fernandes acerca da realidade racial brasileira de modo a embasar a maior parte dos trabalhos sobre o tema até hoje: segundo o autor, de fato, a discriminação e as desigualdades raciais do país estão fortemente ligadas ao período escravista, mas não só a ele; a cada novo momento e espaço social, o negro sofre novas restrições que ratificam tais desigualdades raciais, formando o que ele chamou de “ciclo de desvantagens” dos

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No entanto, mesmo com a considerável produção sobre o tema, especialmente após a grande inserção de estudiosos ligados ao Movimento Negro na academia e da expansão de programas de pós-graduação sobre as relações étnico-raciais no Brasil, a partir dos anos 1980, é o ideal de Democracia Racial (e mesmo o do branqueamento) o elemento que continua a embasar e a conjugar aquilo que o senso comum define como nossa “identidade nacional”. Na música, no futebol e no carnaval ainda é possível ver mais explícita a exaltação da mistura e da cordialidade racial, mesmo que se admita a existência de racismo no Brasil, o qual é tomado como “idiossincrasia”, problema que se manifesta em âmbito individual e não social (BLAJBERG, 1996). Além disto, o estudo deste objeto é importante porque possibilita um pequeno avanço na literatura acerca da Primeira República no Pará, buscando dirimir algumas das generalizações construídas na historiografia tradicional sobre o período, em que a literatura ainda carece de consistência6, principalmente quando se trata do campo educacional, com relação ao principal material utilizado nas escolas de ensino elementar e complementar (primário) daquele período, os manuais ou livros escolares7, gênese do livro didático contemporâneo, sobre o qual a produção de períodos recentes já alcançou considerável solidez, mas que apresenta grandes lacunas com relação a sua historicidade. Assim, buscamos contribuir para a compreensão da construção histórica deste material, de modo a proporcionar conteúdos para a sua leitura crítica – principalmente por parte dos professores que lidam diariamente com este recurso, muitas vezes só dispondo dele em sua prática pedagógica para a própria capacitação e para a instrução de seus alunos. Esta preocupação com a melhoria da qualidade do trabalho do professor – a partir do conhecimento da historicidade do material com o qual ele lida cotidianamente, bem como da sua relação com a legitimação de um ideário eurocêntrico de nação e de cidadania – assim como a construção do objeto desta monografia decorreram de uma trajetória iniciada com a negros (GUIMARÃES, 2002a). Esta tese possibilitou também o desenvolvimento de estudos sobre a implementação de ações afirmativas no Brasil. Quanto ao tema consultar: Gomes, 2004; Cavalleiro, 1996; Munanga, 1996; Siss, 2005; Brandão, 2005; Santos & Lobato, 2003; Santos, 2005; Bernardino & Galdino, 2004; Medeiros, 2004. 6

Sobre a historiografia da Primeira República no Pará, sugere-se: Sarges (2000), Gaia (2000, 2005) e Coelho (2002, 1996, 1995). 7

Citando Maria Del Mar Andrés, Correia & Silva (2004) esclarecem a falta de consenso entre os pesquisadores que se debruçam sobre esses livros escritos para a educação formal – livros-texto, manuais ou livros escolares etc. –, sobretudo pela própria falta de produção sólida na área, ainda que não haja dúvida com relação à importância desse material. Dessa forma, nos permitimos a utilização de quaisquer termos, com destaque para manuais ou livros escolares.

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inserção na iniciação científica8, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Wilma de Nazaré Baía Coelho, que há três anos investe em nossa capacitação acadêmica e profissional, teórica e metodologicamente, por meio do trabalho de campo – na observação do dia-a-dia dos professores (inclusive de História) em escolas das redes pública e particular de ensino – e da participação no Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Formação de Professores e Relações Étnico-Raciais (GERA), no qual, desde 2006, nos é possibilitado o desenvolvimento contínuo da leitura e da produção de textos acadêmicos sobre a mesma temática. Destas leituras surgiu o interesse de conjugar os campos da História, da Educação e das Relações Raciais no Brasil, a partir da investigação de um período que lhes é estrutural: as primeiras décadas do regime republicano. Para isto, alicerçamos a análise na concepção teórica de Pierre Bourdieu 9 acerca do lugar social, finalidade e funcionamento da escola, em seu papel de legitimação (mas também passível de subversão) da ordem da sociedade, reproduzindo o construto ideológico de uma determinada classe que dispõe deste meio para o alcance dos seus interesses. Isso será viabilizado por meio da sua noção conceitual de Dominação Simbólica, no que se refere ao domínio de um determinado grupo sobre os outros por meio da legitimação de seu construto ideológico que é internalizado e reproduzido socialmente, legitimando a sua supremacia na sociedade, que conta com a aquiescência dos dominados. Desta forma, a sua cultura passa a ser a cultura legítima, objetivável e indiscutível (BONNEWITZ, 2003; BOURDIEU, 1978, 1992, 1997 e 1998). O que nos é mais caro na formulação de Bourdieu é o processo pelo qual a Dominação Simbólica se dá: para reproduzir a sua cultura e legitimar este dado construto ideológico, o grupo dominante utiliza determinados setores-chave da sociedade, tais como a mídia, o direito e a educação – campos munidos da autoridade e abrangência social necessária a esta finalidade (BONNEWITZ, 2003). No caso do grupo de intelectuais e autoridades que conduziram o país ao advento da República, também foram estes os meios utilizados: desde a fundação do Clube Republicano, em 1886, já se podia verificar a sua propaganda na mídia da 8

Projeto “Diferença e Etnia no Universo Escolar: um estudo sobre os atores e conteúdos étnicos na educação” (CNPq) e no Projeto “O Poder da Palavra: um estudo sobre as representações dos agentes sobre cor e preconceito racial” (PARD), de 2006 a 2008. 9

A saber: Pierre Bourdieu. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Lisboa: Editorial Vega, 1978; ______. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. ______. Razões Práticas: sobre a teoria da acção. Oeiras: Celta editora, 1997; ______. O que falar quer dizer: a economia das trocas simbólicas. Algés: DIFEL, 1998.

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época, como jornais, folhetos, cartazes etc. (GAIA, 2000); com a Proclamação (1889), tem-se uma nova Constituição (1891) segundo os ideais do novo regime; e, na educação, escolas laicas, em maior número e abrangência territorial – afinal, a alfabetização era uma das bandeiras republicanas – e, mais estruturalmente, a produção, também em maior escala e abrangência territorial, de manuais ou livros escolares cujos conteúdos – imbuídos das representações acerca de tudo aquilo que a República queria dizer sobre si e sobre a nação rumo ao progresso, à civilização e ao sucesso que nascia na última década do séc. XIX – dariam conta de formar “republicanamente” as gerações vindouras (RAZZINI, 2004; CORRÊA, 2005). Para trabalhar com as representações de raça, nação e civilização presentes nestes livros escolares de modo a identificar os reflexos do enfrentamento do problema brasileiro na educação, ou seja, a construção de uma nação aos moldes europeus rumo ao progresso e à civilização, utilizamos o trabalho de Roger Chartier10, para o qual representações não são construções estáticas ou ingênuas, mas formuladas histórica e socialmente, em constante processo de constituição. Dessa forma, entendemos que, por mais poderosa a ideologia e os meios de legitimação que a classe dominante utilizou para a reprodução do seu modo de ser e conceber as estruturas sociais, os resultados que encontraremos nos livros também têm a contribuição de outros grupos sociais que, por mais que legitimem os interesses do grupo dominante, têm seu grau de mobilidade e empreendem sua releitura dessas noções ideológicas que lhes são passadas. Da dialética entre o que concebiam os idealizadores da República e os intermediadores responsáveis pela relação entre teoria (construto ideológico) e prática (transformação deste em conteúdo objetivável) foram produzidas as representações presentes neste material escolar, o qual, por sua vez, ao entrar em contato com a sua clientela, e em especial, as classes populares, também vai assumir novas formas, muitas vezes contraditórias, que são releituras adaptadas aos seus próprios interesses individuais e de classe. Mas isto já é outro objeto.

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A saber: Roger Chartier. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand, 1990. ______. O mundo como representação. Estudos Avançados, v. 5, n. 11, p. 173-191, jan./abr. 1991.

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Além deste aporte teórico, utilizamos também as proposições metodológicas de organização dos dados propostas por Laurence Bardin11, no que diz respeito à construção de categorias, em uma espécie de “gavetas ou rubricas significativas que permitem a classificação de elementos de significação constitutiva da mensagem” (BARDIN, 2000:37), de modo a melhor visualizar a disposição do aparecimento das categorias selecionadas pela investigação (representações de raça, nação e civilização) nos livros de leitura analisados. Categorizados, partimos, então, para os seus cruzamentos e as possíveis inflexões bibliográficas, de modo a fundamentar os resultados na discussão teórica da questão. Assim, utilizamos alguns livros escolares que circularam em escolas de ensino primário de Belém no período proposto, buscando, em primeiro lugar, identificar as noções de raça, nação e civilização por eles difundidas, para que, em paralelo com o aporte teórico selecionado e a historiografia sobre o período, possamos demonstrar a relação entre essas representações difundidas no campo educacional e a formulação de um projeto que respondesse ao problema brasileiro. Além de tais manuais ou livros escolares, trabalharemos secundariamente com regulamentos e programas escolares das principais instituições que formavam aqueles professores, para investigar a matriz teórico-conceitual desta formação, a qual também foi alterada com o advento da República, para atender aos seus interesses neste campo educacional. E, finalmente, utilizaremos os Relatórios de Presidente de Província do período (1890-1930), especificamente no que diz respeito à Instrução Pública, buscando investigar o lugar da Instrução Pública, oficialmente propagado pelo Estado neste período (com relação a reformas, implantação de novos materiais, abertura de escolas etc.), bem como o modo pelo qual o enfrentamento do problema brasileiro se dava no discurso desses documentos oficiais do período da Primeira República. O texto se divide, então, em dois capítulos: no primeiro, de ordem teórica, buscamos remontar o contexto político, ideológico e educacional da Primeira República no Pará; e, no segundo, partimos para a análise das fontes, embasada teórica e metodologicamente no aporte aqui já referido, bem como na historiografia levantada no primeiro capítulo. Utilizamos 11

Laurence Bardin. Análise de conteúdo. Tradução: Luís Antônio Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Capa

edições 70, 2000.

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especialmente o trabalho de Lilia Schwarcz (1993), acerca da utilização original das teorias raciológicas européias por parte dos intelectuais e suas instituições, selecionando-as de um modo que possibilitasse um “diagnóstico” positivo do caso brasileiro: a forma como isto se processou e foi refletido no campo educacional, especificamente nos manuais escolares utilizados nas séries iniciais, é o nosso objeto de investigação – daí a importância do trabalho de Schwarcz. Isto porque a autora tem uma interpretação diferenciada daquilo que concluiu Thomas Skidmore (1976), para o qual, em plena Belle Époque, o Brasil não fez mais do que receber e reproduzir na íntegra tudo aquilo que era difundido pelos principais centros culturais internacionais, sobretudo Paris, o “farol do mundo” (SARGES, 2002). Ainda assim, tal como para Schwarcz, o trabalho daquele autor também nos é estrutural, sobretudo no que se refere ao conteúdo daquelas teorias em si, seus traços filosóficos, biológicos, sociológicos, e seus modos de ver e explicar o mundo e seus diferentes habitantes. Roberto DaMatta (1993), Roberto Ventura (1991), Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (2000, 2002a e b, 2004) e Renato Ortiz (1983) também são referências centrais neste trabalho para compor o suporte em relação à historiografia que abarca a assimilação daquelas teorias no Brasil, seu contexto e conseqüências, principalmente naquilo que diz respeito ao processo de formulação do que se convencionou chamar de mito da democracia racial, das assertivas de Von Martius, em 1840, e da “fábula das três raças” (DAMATTA, 1993) à “harmonia racial” de Gilberto Freyre (2005). No tocante à historiografia sobre a Primeira República no Brasil e no Pará, embasamo-nos, em especial, na obra de Nelson Werneck Sodré (1987), e mais recentemente nos trabalhos de José Murilo de Carvalho (1987 e 1995), Celso Castro (1995), Nicolau Sevcenko (2003), William Gaia (2000, 2005), Geraldo Coelho (1995, 1996, 2002) e Nazaré Sarges (2000) na reconstrução do contexto político, ideológico e cultural da época, para entender desde o processo que culminou no advento da República; seus conturbados primeiros anos, entre disputas e transformações; a urgência da legitimação social; e a propaganda republicana, entre discursos, ações políticas e construção de símbolos. Para a compreensão do campo educacional das quatro primeiras décadas do regime republicano brasileiro servimo-nos principalmente do trabalho de Jorge Nagle (1973) e do panorama recente de Diana Vidal e Luciano Faria Filho (2000, 2003), os quais possibilitam visões distintas, de diferentes épocas, sobre alguns dos aspectos mais importantes da educação do período estudado, como as políticas republicanas de expansão dos grupos escolares para

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maior abrangência em todo o território nacional, as mudanças teóricas e metodológicas, etc. No que se refere especificamente aos manuais ou livros escolares, embasamo-nos nos trabalhos de Corrêa (2005), Batista (2002), Correia & Silva (2004) e Razzini (2004).

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CAPÍTULO 1 O CONTEXTO DA PRIMEIRA REPÚBLICA NO PARÁ: aspectos ideológicos, políticos e educacionais

1.1 A influência das Teorias Raciológicas Européias no pensamento ideológico brasileiro Com a chegada dos portugueses às terras que hoje chamamos Brasil, representações sobre o território e seus habitantes foram sendo construídas e modificadas. Notadamente, na maior parte do tempo, a natureza foi retratada como uma verdadeira cópia do Éden (DAMATTA, 1993). No entanto, se esta foi constantemente lembrada como paraíso, o retrato parece ter sido diferente com relação aos seus habitantes: “Essa humanidade diversa, que lembrava o negro dos escravos africanos e o amarelo dos povos indígenas, que praticava o canibalismo e a feitiçaria e agia com lascívia, devia ser condenada” (SCHWARCZ, 2001, p. 15). O século XVIII viu nascer, em contrapartida, outra visão acerca das populações americanas, de modo que as concepções se dualizaram: “De um lado, afirmava-se um tipo de postura que advogava o voluntarismo iluminista e a idéia da perfectibilidade humana – a capacidade que qualquer ser humano tem de chegar à virtude ou mesmo de negá-la – sem dúvida um dos maiores legados dos ideais da Revolução Francesa. (...) De outro lado, tomam força correntes pessimistas, que anunciam uma visão negativa acerca desses povos e de seu território” (SCHWARCZ, 2001, p. 19)

Esta última ligada à idéia de “debilidade” ou “imaturidade” do continente americano: a qualidade da terra, a condição do céu, o grau de calor e umidade – tudo contribuía para a degeneração da terra e de sua gente. É no século XIX que a noção de raça entre os homens foi efetivamente proposta por Georges Cuvier, no que se refere à “existência de heranças físicas permanentes entre os vários grupos humanos” (AZEVÊDO, 1990; SCHWARCZ, 1993). Neste contexto, diferentes visões foram forjadas na tentativa de explicar um problema ainda mais remoto: as origens da humanidade. Dentre elas, destaca-se a corrente monogenista, de inspiração bíblica, que admitia uma origem única para todas as pessoas (sendo as diferenças notáveis entre os povos o resultado da degeneração ou perfeição do Éden); e a poligenista, que acabou prevalecendo, para a qual existiriam vários centros de origem de criação que correspondem às diferenças

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raciais observadas no momento. “Foi no século 19 que os teóricos do darwinismo racial fizeram dos atributos externos e fenotípicos elementos essenciais, definidores de moralidade e do devir dos povos” (SCHWARCZ, 2001, p. 22). Aqui no Brasil, estas teorias ganharam amplitude quando, em 1840, o recém-nascido Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) promoveu um concurso ao premiar o melhor plano para a escrita da História do Brasil, em consonância com o novo ânimo que a Independência (1822) tinha há pouco trazido para os grupos intelectualizados do país. O vencedor foi o naturalista alemão Karl Von Martius, para o qual, aos moldes da ciência evolucionista do momento, esta história deveria ser contada como resultado da união de três raças, cujas contribuições seriam: dos brancos, a herança da civilização; do negro, a força e o trabalho; e do índio, a ingenuidade e a pureza (DAMATTA, 1993; ORTIZ, 1985; SCHWARCZ, 1997 e 2003). No entanto, a mistura que havia sido desenvolvida por séculos no Brasil era absolutamente condenada pela perspectiva biologizante na qual a ciência do ocidente estava envolvida. O Brasil – enquanto verdadeiro “laboratório racial” (SCHWARCZ, 2001) – foi tido por intelectuais estrangeiros e muitos nacionais12 como um povo de raças degeneradas pela miscigenação e propenso ao insucesso. O que se fez, então, no Brasil, segundo Schwarcz (1993), foi um uso criativo dessas teorias racistas, no momento em que, descartando o que não interessava e ressaltando tudo aquilo que pudesse abrir uma brecha para a interpretação de que esta era uma nação rumo à civilização e ao progresso, passou-se a interpretar a miscigenação não mais como elemento de condenação da nação (tal qual, de fato, uma leitura literal dessas teorias afirmaria), mas como saída capaz de proporcionar o embranquecimento da população (DAMATTA, 1987; ORTIZ, 1985; VENTURA, 1991; SCHWARCZ, 1993; SKIDMORE, 1976, OLIVEIRA VIANNA, 1932)13. E, ainda que o seu resultado não tenha sido plenamente alcançado, porque, enfim, 12

No contexto europeu, as teorias raciológicas foram sistematizadas em duas vertentes principais: evolucionismo cultural e darwinismo social: a primeira não chega a encarar a miscigenação como degeneração, enquanto a segunda não vislumbrava a menor possibilidade de mistura de raças, já que se afirmava a pureza racial como um sinal de superioridade biológica e social. No Brasil, esta última corrente foi representada principalmente pelo médico criminologista Nina Rodrigues, da Escola de Medicina da Bahia (SKIDMORE, 1976; SCHWARCZ, 1993). 13

Através do cruzamento com a raça branca, que se acreditava possuir genes dominantes aos das outras raças, começou-se a pensar e a prever que, geração após geração, a população fosse embranquecendo, até que, em mais ou menos 100 anos (SCHWARCZ, 1993) se extinguisse definitivamente a “mancha negra” que tanto envergonhava a nação. “A valorização da mestiçagem e a ideologia do branqueamento foram contribuições originais que atenuaram, ainda que parcialmente, o racismo científico então dominante. Enquanto Nina Rodrigues e mesmo Euclides da Cunha pensavam a miscigenação como sinônimo de degeneração, Romero propôs o ‘branqueamento’ como saída para reabilitar as raças ‘inferiores, integradas à civilização, ao serem extintas pela mistura progressiva [...] uma ‘solução’ para o dilema racial que escapava às previsões pessimistas

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não se conseguiu “branquear a população”, viu-se em uma nação miscigenada a nova bandeira nacional, o elemento que identificava a nação brasileira e a distinguia de qualquer outra (além de servir como elemento de coesão social): o país da mistura, da cordialidade, da democracia racial. O presente trabalho situa-se exatamente neste período em que as discussões dos intelectuais brasileiros centram-se, apreensivamente, na busca de uma saída para estas previsões funestas (SCHWARCZ, 1993; SKIDMORE, 1976), nas últimas décadas do séc. XIX e início do XX, período também da emergência de um novo regime político o qual, no esforço de se legitimar, especialmente por meio da negação e diferenciação com relação ao regime anterior, vai tomar como central este problema brasileiro. Mas este também era um momento propício para alimentar alguma esperança com relação ao caso brasileiro: a produção da borracha que ganhou relevância nos anos 1840, atingindo seu auge a partir de 1870, gerou um excedente que garantiu ao Estado os recursos para as transformações da estrutura urbana da região necessárias ao ideal eurocêntrico que se buscava alcançar. Segundo Sarges (2000), foi um processo de reelaboração da expressão de poder de uma nova classe, a burguesia, resultante da própria necessidade imposta pela internacionalização da economia capitalista, de criação de condições concretas para a ampliação e reprodução do capital. A economia da região ganha status internacional, tendo para isso que atingir um padrão de civilização por meio da propagação de uma nova moral baseada no controle das classes pobres14 e do aburguesamento de uma classe abastada (SARGES, 2000).

sobre o futuro da civilização no Brasil, sem contestar, porém, os fundamentos do racismo” (VENTURA, 1991, p. 61). 14

Sidney Chalhoub (1986), analisando o cotidiano das classes trabalhadoras do Rio de Janeiro da Belle Époque, salienta que o problema do controle social dos trabalhadores compreendeu todas as esferas das suas vidas, exercendo a tentativa de disciplinarização rígida do tempo e do espaço no ambiente do trabalho, bem como da normatização das relações pessoais ou familiares até a vigilância contínua de seus ambientes de lazer, como o botequim. Assim, segundo Chalhoub, no contexto de transição do sistema agrário-escravista para o livre-urbano, foi ressignificado o conceito de trabalho, tratado então como elemento central na ideologia republicana de exaltação da ordem para o alcance do progresso rumo à civilização, capaz de integrar a população ex-escrava à dinâmica capitalista, na qual esta se transformou em um grande contingente de mão-de-obra barata. Para as classes populares, a cidadania estava então baseada no amor ao trabalho, por meio do qual retribuiriam a sociedade que as acolheu. Entretanto, a despeito do controle estatal, essas classes mantêm relações de poder alternativas às instituições formais, orientadas por uma cultura popular criativa e autônoma, que se estabelecem no interior dos microgrupos socioculturais dos quais fazem parte, para além dos mecanismos de dominação que lhes são empreendidos.

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No final do século XIX esse processo se intensificou. Para além do alargamento de ruas, construção de luxuosos prédios, cafés, luz elétrica, bondes, ferrovias, etc.: A nova ordem econômica e a filosofia financeira nascida com a República impunham não somente a reordenação da cidade através de uma política de saneamento e embelezamento, mas também a remodelação dos hábitos e costumes sociais. Era preciso alinhar a cidade aos padrões da civilização européia. Desse modo, a destruição da imagem da cidade desordenada, feia, promíscua, imunda, insalubre e insegura, fazia parte de uma nova estratégia social no sentido de mostrar ao mundo civilizado (entenda-se Europa), que a cidade de Belém era o símbolo do progresso, imagem que se transformou na “obsessão coletiva da nova burguesia” (SARGES, 2000, 16).

Com essas políticas, acreditou-se ser possível o encaminhamento da população rumo à civilização aos moldes franceses. De fato, em eventos internacionais como a exposição que o país apresentou nas comemorações de 1899 em Paris, essa era a imagem que se queria “vender” para o mundo (GAIA, 2000, 2005)15. Mas seu proclamado sucesso deve ser compreendido com reservas, visto que destruir cortiços e empurrar as classes populares para a periferia da cidade não as fez desaparecer, nem a elaboração de um código de conduta em que figuravam normas como “não cuspir na rua”, “não transitar em lugares públicos sem camisa” etc. a transformou em “civilizada”. Todas essas políticas foram lidas e reinterpretadas por esses grupos, da mesma forma como não se pôde simplesmente introjetar na população as prerrogativas ideológicas republicanas do dia 14 para o dia 15 de novembro de 1889 (no caso do Pará, 16 de novembro de 1889).

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“Sem possuir propriamente uma nação e com um Estado reduzido ao servilismo político, o Brasil carecia, portanto, de uma ação reformadora nesses dois sentidos: construir a nação e remodelar o Estado, ou seja, modernizar a estrutura social e política do país. Foram os dois parâmetros básicos de toda a produção intelectual preocupada com a atualização do Brasil diante do exemplo europeu e americano” (SEVCENKO, 2003, p. 103).

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1.2 O regime republicano no Brasil e o contexto político do final do Séc. XIX e início do XX A República16, ou o Golpe de 1889, como analisou Celso Castro (1995) 17, contou, na sua concepção e realização, com a participação efetiva de um grupo específico de militares, composto basicamente pela jovem oficialidade do Exército com estudos superiores na Escola Militar, a chamada “mocidade militar”, liderada por Benjamim Constant. Ou seja, nem mesmo no grupo das forças armadas, a despeito do que por muito tempo sustentou a historiografia tradicional, houve uma ação integrada e homogênea. A ação de outros grupos aconteceu, em sua maioria, depois da proclamação. Isto porque a própria falta de definição a respeito de como se daria a República, que facilitou, em um primeiro momento, a unidade de pensamento e ação da “mocidade militar” antes do golpe, determinou, por outro lado, a sua rápida fragmentação tão logo a República foi instituída (CASTRO, 1995).

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Gomes & Ferreira (1989), em seu balanço historiográfico, elencam a obra de Nelson Werneck Sodré como estandarte em meio a uma historiografia pioneira sobre a Primeira República brasileira, em paralelo com outros autores tais como Leôncio Basbaum (1975/76) e Celso Furtado (1959). Na década de 60, Sodré desenvolve um trabalho clássico de inspiração marxista – cuja perspectiva teórica na historiografia brasileira já vinha sendo desenvolvida desde Caio Prado Jr., desde os frutíferos anos 30, em paralelo aos trabalhos de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda –, onde, ainda em um esforço “globalizante” de escrita da história, faz o remonte da história do Brasil, do descobrimento à “revolução de 30”. Demonstra claramente traços de modelos de interpretação da realidade brasileira em que o país estaria organizado por meio de dois setores socioeconômicos antagônicos: o pré-capitalista (latifúndios semifeudais) e o urbano-capitalista (que daria origem à burguesia industrial), de cujo conflito teria derivado a “revolução de 30”. Esse modelo foi esquematicamente criticado por Boris Fausto, em 1972; e aprimorado com os trabalhos posteriores, como os de Emília Viotti (1989) e Décio Saes (1985). Para trabalhar com a historiografia da Primeira República, elegemos as produções mais recentes de José Murilo de Carvalho (1987 e 1990) e Celso Castro (1995), cuja matriz teórica já superou o viés ortodoxo do marxismo anterior. 17

Celso Castro. Os militares e a República: um estudo sobre cultura e ação política. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. Castro investiga o projeto de República desenvolvido pela chamada “mocidade militar”, em uma relação entre a cultura e a ação política desse grupo. Diferente do que propôs a historiografia tradicional sobre a proclamação – influenciada, segundo o autor, pelo efetivo sucesso do Golpe de 1889 –, ela não era inevitável; os militares não representavam um grupo homogêneo naquela sociedade (inclusive, foi um subgrupo bem específico dentro dele que acabou elaborando e conduzindo a mudança de regime político); e a República não foi o resultado de um longo processo histórico cujo início data da Guerra do Paraguai, ou mesmo da formação do Estado Brasileiro. Os jovens oficiais do exército da Escola Militar da Praia Vermelha, ou o “Tabernáculo da Ciência”, foram o elemento iniciador e dinâmico da conspiração republicana no interior do Exército. Para alcançarem seu objetivo, trouxeram o seu professor, Benjamin Constant, para a causa republicana. Sua ação inspirava-se no positivismo de Comte e no evolucionismo de Spencer e Haeckel. No entender de Castro, seu republicanismo era oriundo da valorização simbólica do mérito individual somado à cultura cientificista hegemônica entre os alunos e jovens oficiais. A “Questão Militar” não os tornou republicanos, intensificou o seu sentimento e ação. Após ela, foram eles que lutaram para que o mínimo de unidade da “classe militar” não fosse dissolvida; e que acompanhavam os grandes nomes presentes no 15 de novembro. Entretanto, essa frágil unidade forjada às pressas foi logo desfeita. Após os primeiros anos, os militares foram afastados da liderança do novo regime, o Tabernáculo fechado, as alianças desfeitas, e o “soldado-cidadão” rapidamente tirado de cena.

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O povo, como declarou Aristides Lobo à época, assistiu “bestializado” a essa mudança (CARVALHO, 1987)

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. De fato, dos que estavam presentes naquela manhã do dia

15, muitos pensaram que talvez se tratasse de uma parada militar (CASTRO, 1995). Entre os próprios militares, grande parte dos praças levados por seus superiores à frente do QuartelGeneral não sabia que se tratava de uma ação contra o Império; quando souberam, alguns se voltaram contra a ação e estiveram presentes nos vários acontecimentos contra o novo regime que ocorreram nos turbulentos primeiros anos da República. Entretanto, José Murilo de Carvalho (1987) também salienta que, ainda que o povo não tenha estado presente no advento da proclamação – o que causou consensual decepção entre os intelectuais da época (e muitos posteriores, baseados nas declarações dos primeiros) – e o novo regime tenha contado mesmo com essa apatia, em um primeiro momento, para legitimar-se, essa concepção não poderia ter se estendido, como se estendeu, às décadas seguintes, quando essas camadas populares efetivamente se mobilizaram em resistência àquilo que julgaram arbitrariedades desrespeitosas e inconcebíveis (como no caso da Revolta da Vacina)

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, mas foram

equivocadamente interpretadas. Isto porque a República emergiu no momento em que Dom Pedro II gozava de forte prestígio entre as classes populares, sobretudo quando da abolição, já que Participar da campanha abolicionista, nessa fase final, tornou-se moda, principalmente entre a juventude estudantil, intelectuais e profissionais liberais em geral. [Dessa forma] a própria Coroa passou a incentivar o fim da escravidão, através de demonstrações de simpatia pela causa abolicionista (...). Da forma e no momento em que foi feita, a abolição acabou representando um esforço na imagem positiva da Coroa, principalmente entre os ex-escravos e as camadas populares em geral. Isso foi sempre lamentado pela “mocidade militar”, que via desse modo desaparecer uma das bandeiras mais utilizadas na oposição ao governo (CASTRO, 1995, p. 132).

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José Murilo de Carvalho. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. 19

A Revolta da Vacina foi um movimento de caráter popular – caracterizado pelo apedrejamento de prédios públicos, destruição de bondes, derrubada a iluminação das ruas, entre outros – que estourou no Rio de Janeiro em novembro de 1904, desencadeado pela campanha de vacinação obrigatória contra a varíola proposta por Oswaldo Cruz no governo do então presidente Rodrigues Alves, em meio a um conjunto de medidas sanitárias, de embelezamento e higienização do país, aos moldes dos grandes centros mundiais, como Paris e Inglaterra. No entanto, suas causas são mais profundas e, segundo Carvalho (1987), estão ligadas à insatisfação do povo com relação ao ritmo de modificações que o novo regime impunha, o qual comprometia o modo de vida e a organização cotidiana da população, além da vigilância e controle estatais empreendidos em seu ambiente de trabalho, de lazer e familiar. Revoltavam-se contra a falta de empregos, a inflação, o alto custo de vida, a reforma urbana, que os expulsou do centro da cidade, contra a derrubada dos cortiços e outros tipos de habitações mais simples, etc.

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O povo era monarquista quando da Proclamação da República (CARVALHO, 1987). “O problema central a ser resolvido pelo novo regime era a organização de um outro pacto de poder, que pudesse substituir o arranjo imperial com grau suficiente de estabilidade” (CARVALHO, 1987, p. 31). Logo, grande foi o esforço do novo regime para conquistar as camadas mais pobres da população, e para isso investiu maciçamente em propaganda baseada principalmente no seu caráter participativo20. Todavia, o próprio meio de alcançar a estabilidade necessária para o regime – em um momento de grandes agitações na capital, guerra civil nos estados do sul, fragmentação da economia, crise no mercado do café e dificuldades de administrar a dívida externa – foi justamente a eliminação, ou pelo menos neutralização, do capital na política nacional, o que se traduziu em tirar os militares do governo e reduzir o nível de participação popular. A expectativa inicial, despertada pela República, de maior participação, foi sendo assim sistematicamente frustrada. Desapontaram-se os intelectuais 21 com as perseguições do governo Floriano; desapontaram-se os operários, sobretudo a liderança socialista, com as dificuldades de se organizarem em partidos e de participarem do processo eleitoral; os jacobinos foram eliminados. Todos esses grupos tiveram de aprender novas formas de inserção no sistema, mais fáceis para alguns, mais difíceis para outros. Os intelectuais desistiram da política militante e se concentraram na literatura, aceitando postos decorativos na burocracia, especialmente no Itamaraty de Rio Branco. Os operários cindiram-se em duas vertentes principais, a dos anarquistas, que rejeitava radicalmente o sistema que os rejeitava, e a dos que procuravam integrar-se através dos mecanismos de cooptação do Estado. Os jacobinos desapareceram de cena. Quanto ao grosso da população, quase nenhum meio lhe restava de fazer ouvir a sua voz, exceto o veículo limitado da imprensa (CARVALHO, 1987, p. 37).

Assim, o cidadão republicano virou o marginal mancomunado com os políticos, e o povo, quando participava politicamente – porque ele participava, na luta por suas demandas concretas de melhores condições de vida, trabalho, lazer e habitação – o fazia fora das vias 20

Um forte traço da campanha republicana da segunda metade do século XIX era a ênfase maior à crítica ao regime imperial vigente do que, de fato, à exposição de uma proposta concreta de governo, visto que, como salientou Castro (1995) nos últimos parágrafos de sua obra, proclamada a República, iniciou-se um período de muitas crises políticas, econômicas e sociais, pois os militares – que mais estavam à frente do movimento – não chegaram sequer a compor um grupo coeso, em suas propostas e interesses. Assim, um dos maiores slogans da campanha disse respeito à maior participação da população no novo regime, em detrimento ao que eles apontavam que ocorria no antigo regime. Na prática, a República não aumentou significativamente tal participação, e é mesmo possível que a tenha diminuído (CARVALHO, 1987). 21

Até a proclamação, um forte grupo de intelectuais, inclusive ligados ao movimento abolicionista, encabeçou a campanha republicana, atuando em jornais, na política e em várias instituições por onde divulgavam, para um meio restrito, as suas idéias vanguardistas. Entretanto, quando do advento da República, além de não terem atendidas muitas das suas propostas para o novo regime, grande parte desses intelectuais foram encaixados naqueles elementos nocivos à estabilização política, econômica e social da primeira década republicana, sendo, pois, logo expurgados do seu comando. Sentiram-se então “repelidos e postos de lado em favor de aventureiros, oportunistas e arrivistas sem escrúpulos” (SEVCENKO, 2003, p.109). Além disso, se não puderam pôr em prática suas demandas por meio da política, pela literatura isso seria ainda mais difícil em um país de analfabetos. Nem suas críticas puderam ser amplamente ouvidas.

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oficiais, por meio de greves políticas, arruaças e quebra-quebras 22. “Mas na maior parte do tempo dedicava suas energias participativas e sua capacidade de organização a outras atividades. Do governo queria principalmente que o deixasse em paz” (CARVALHO, 1987, p. 90). Foi essa atuação do povo, inclusive em movimentos revolucionários como a Revolta da Vacina (1904) 23, que não foi encarada pelos intelectuais daquele momento como atuação política. Eles entenderam o povo como apolítico, porque não participava da forma como se esperava de acordo com o modelo de cidadão europeu, fosse ele o bem-comportado burguês vitoriano, o jacobino de 1789, o eleitor bem informado ou o militante organizado das barricadas (CARVALHO, 1987). De fato, esse cidadão não existiu aqui no Brasil da Primeira República. Tratava-se de realidades totalmente distintas. Se julgássemos pelo o que o próprio Estado proporcionou – cuja orientação positivista não previa direitos políticos, apenas civis e sociais – era exatamente essa não-participação (que eles enxergavam) que se deveria esperar. Mas, a despeito das contradições entre aquilo que se esperava da República – que figurava na sua propaganda antes de 1889 – e o que realmente aconteceu com ela proclamada, os investimentos em setores que pudessem aproximá-la da população permaneceram, no discurso de alguns jornais, na construção de símbolos e na difusão destes por meio da educação. Carvalho dedicou uma obra inteira24 para discutir o conteúdo de alguns dos principais símbolos utilizados pelos republicanos brasileiros e a forma como foram aceitos ou não pelo público ao qual se destinavam, enfim, sua eficácia em promover a legitimação do novo regime. Segundo ele, entre os propagandistas houve uma notável influência dos símbolos e alegorias existentes na cultura francesa, sobretudo por conta do centenário da

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E outros por aquilo que José Murilo de Carvalho chamou de Estadania, que foi “a participação, não através da organização dos interesses, mas a partir da máquina governamental, ou em contato direto com ela. Foi o caso específico dos militares e do funcionalismo em geral e de importantes setores da classe operária” (CARVALHO, 1987, p. 65). 23

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Vide Nota 12.

José Murilo de Carvalho. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

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Revolução de 1789

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. Símbolos como o da figura feminina26 para retratar a República,

semelhante em tudo à Marianne, construção de heróis nacionais por meio das figuras de Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant e Quintino Bocaiúva, foram elaborados, mas, na maioria dos casos, não obtiveram sucesso. No pouco em que lograram êxito, este esteve mais relacionado a tradições já existentes no período imperial que à releitura republicana, como no caso de Tiradentes 27. Segundo Carvalho, essa tentativa de forjar um imaginário republicano para, por meio dele, alcançar a legitimidade do regime, esbarrou, no caso brasileiro, na ausência de uma “comunidade de imaginação e de uma comunidade de sentido. Símbolos, alegorias, mitos só criam raízes quando há terreno social e cultura no qual se alimentarem. Na ausência de tal base, a tentativa de criá-los, de manipulá-los, de utilizá-los como elemento de legitimação, cai no vazio, quando não no ridículo” (CARVALHO, 1990, p. 89). No caso do Pará, como analisa William Gaia (2000) 28, esse esforço propagandista intensificou-se, principalmente, a partir de 1886, com a fundação do Clube Republicano, por meio das reuniões na sede da agremiação e na imprensa paraense, sobretudo no jornal “A 25

A Marselhesa foi o exemplo mais categórico dessa influência: composta em abril de 1792 por Rouget de Lisle como “o canto de guerra para o exército do Reno”, foi adotada como hino oficial da República Francesa em 1794. A partir de então teve uma história conturbada aos sabores das reviravoltas políticas. É só em 1879 que Gambetta lhe reconstitui o caráter de hino nacional, mas, para chegar a isso, acabou reduzindo grande parte do seu aspecto belicoso e revolucionário para adaptar-se às condições políticas da Terceira República. No entanto, fora da França, a Marselhesa continuou a ser entoada como um grito de guerra e de revolta, e foi desta maneira que ela foi apropriada pelos republicanos abolicionistas brasileiros, sendo cantada na manhã do dia 15 de novembro de 1889 e em diversos eventos em que se proclamava o fim do Império e da escravatura. 26

Baseada no modelo francês e sem nenhuma ligação com a cultura popular, a utilização da figura feminina na tentativa de construção de um imaginário sobre a República pode ser considerada o maior fracasso do esforço dos propagandistas republicanos. Bem depressa os caricaturistas passaram a usá-la para ridicularizar o novo regime: a virgem ou mulher heróica era transformada em mulher da vida, prostituta, a “mulher pública” da época. “Os obstáculos ao uso da alegoria feminina eram aparentemente intransponíveis. Ela falhava dos dois lados – do significado, no qual a República se mostrava longe dos sonhos de seus idealizadores, e do significante, no qual inexistia a mulher cívica, tanto na realidade como em sua representação artística” (CARVALHO, 1990, p. 96). 27

“A luta entre a memória de Pedro I, promovida pelo governo, e Tiradentes, símbolo dos republicanos, tornouse aos poucos emblemática da batalha entre Monarquia e República” (CARVALHO, 1990, p. 61). Na década de 70 do XIX, entretanto, é o trabalho de Joaquim Norberto de Souza Silva que começa a definir a construção desse mito. De revolucionário patriota, Tiradentes foi se transformando em místico católico muito parecido com Cristo. Isso conjugava vários interesses. Foi necessária a eliminação do seu caráter jacobino do período monarquista para consagrá-lo no herói cívico-religioso, mártir, integrador, portador da imagem do povo. Ao final do Império, mesmo os monarquistas começaram a reivindicar para si a herança de Tiradentes. “O herói republicano por excelência é ambíguo, multifacetado, esquartejado” (CARVALHO, 1990, p. 141). 28

William Gaia Farias. Os Intelectuais e a República no Pará: (1886-1891). Dissertação de (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Núcleo de altos Estudos Amazônicos, Mestrado Internacional em Planejamento do Desenvolvimento, Belém, 2000.

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República”, fundado naquele ano. Gaia pôde concluir que, no advento da República, a propaganda do Clube Republicano teve a sua participação, ao lado dos descontentamentos com relação ao Império, da Abolição, dos desentendimentos entre Monarquia e Igreja, bem como com os militares, cujo papel foi fundamental nesse processo. Para ele, então, a República foi resultado da conjugação dos esforços dos republicanos históricos e outros que aderiram ao movimento militar. Esses republicanos, por sua vez, sejam os históricos sejam os adesistas, não manifestaram – pelo menos isso não constou nas fontes consultadas pelo autor – o desejo do retorno à Monarquia, mas a luta pelo poder e controle do novo regime. Vitoriosos com a proclamação da república, os republicanos históricos do Pará não pretendiam dar espaço aos adesistas, por isso além de investir na repressão aos movimentos de oposição, utilizaram-se de seus conhecimentos científicos e literários na tentativa de conquistar as simpatias populares para o novo regime, estabelecido sem uma base popular. O domínio da escrita significava para os republicanos históricos do Pará uma importante arma de luta pela legitimação do regime e manutenção desse grupo na frente da política republicana. A disputa política também tinha uma dimensão literária, o que percebemos ainda da proclamação com a formação dos grupos literários (GAIA, 2000, p. 116). Além da produção escrita era importante para os históricos a propagação dos ideais republicanos através de uma leitura mais acessível da sociedade. Neste sentido, seguindo o positivismo definido por Lauro Sodré, partiram para a produção de iconografias (GAIA, 2000, p. 117).

Ainda segundo Gaia (2000), não foram encontrados indícios de que os republicanos paraenses tenham elegido apenas um herói para o novo regime; existiu mesmo a exaltação de várias personalidades sempre no caminho de identificar a República como um elo entre a sociedade e a liberdade.

1.3 O papel da educação na legitimação do regime republicano brasileiro Por meio de ambos os recursos (textos e iconografias), a propaganda do novo regime chegou às instituições escolares. Pelos jornais e cartazes, os propagandistas alcançavam uma grande parcela da população, letrada e iletrada; por meio da escola, garantiriam o alcance não só dessa, mas das próximas gerações. A própria orientação positivista levou a República a eleger um papel de relevância para a educação entre os setores pelos quais marcaria a sua

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diferenciação com relação ao antigo regime29. Lauro Sodré, por exemplo, eleito governador do Estado do Pará em 1891, acreditava que a “liberdade espiritual” fazia parte da democracia, porém não poderia existir sem o investimento do poder público na educação popular. Apoiado em Littré e Comte, colocava a instrução pública, como principal dever do Estado Democrático. O ensino público seria um dos maiores benefícios feito a causa da “emancipação da consciência”. Seria importante que todos os cidadãos fossem “esclarecidos pela sciencia”, pois só os homens capazes de ler, escrever e obter conhecimentos fundamentais poderiam gozar de seus direitos 30 (GAIA, 2000, p. 80).

Dessa forma, com o advento da República, a organização escolar sofre mudanças consideráveis

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. Segundo Luisa Santos Ribeiro (1995), em 1890, a Reforma de Benjamin

Constant teve como princípios orientadores a liberdade e laicidade do ensino, como também a gratuidade da escola primária 32. Ela ficava, então, organizada em duas categorias, de 1º grau para crianças de 7 a 13 anos e de 2º grau para crianças de 13 a 15 anos – era a formação elementar e complementar do ensino primário. A predominância literária deveria ser

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Os grupos escolares e o ensino simultâneo foram as principais modificações e emblemas do novo cotidiano escolar da República, ainda que não tenham conseguido a abrangência à qual inicialmente se propuseram. Não fazia muito tempo que a rede de escolarização doméstica (ou o ensino particular) era superior à rede pública estatal e que uma produção nacional de livros para a instrumentalização das aulas vinha sendo realizada. “Apresentados como prática e representação que permitiam aos republicanos romper com o passado imperial, os grupos escolares projetavam para o futuro, projetavam um futuro, em que, na República, o novo, reconciliado com a nação, plasmaria uma pátria ordeira e progressista” (VIDAL & FARIA FILHO, 2000, p. 25). 30

No período imperial, o processo indireto permitia razoável participação nas eleições, em torno de 10% da população total. A eleição direta, em 1881, reduziu esse número para menos de 1%. Com a República, houve aumento pouco significativo para 2%. Isto porque, além de manterem a política monarquista de exclusão dos pobres, dos mendigos, das mulheres, dos menores de idade, dos praças e dos membros de ordens religiosas, a República vetou o voto também aos analfabetos, o que foi particularmente grave porque “exigia-se para a cidadania política uma qualidade que só o direito social da educação poderia oferecer e, simultaneamente, desconhecia-se esse direito” (CARVALHO, 1987, p. 45), dado que retirava do governo a obrigação da instrução primária. 31

Os Relatórios de Presidente de Província do período analisado (1890-1930) deixam claro a diferenciação que estes governantes queriam demarcar com relação ao que foi feito pela educação no regime político anterior: “Pela primeira vez procurou-se, como meio de educação, interessar o povo na questão do ensino, estabelecendo os conselhos escolares colectivos” (1891, p. 26); estas reformas tomavam a França como modelo e buscavam centrar-se menos em mudanças estruturais, e mais na materialização dos regulamentos (1891, p. 27). A crítica à Monarquia está sempre presente: “Deve continuar como objecto de vossas constantes preocupações a instrucção publica. Bem triste foi o legado que nesse ramo de administração recebeu o governo da República!” (1892, p. 27). “Pela instrucção é que nós havemos de caminhar a largos passos para a conquista de todos os espíritos” (1893, p. 15); “assim a republica ha de ser abençoada porque ella produzirá em verdade a nossa regeneração moral pela educação e pela instrucção” (1895, p. 38). E, por fim, já na primeira década do século XX, diz-se que “muito temos feito na ultima década percorrida em prol do nosso ensino primário. Poucos Estados da União poderão exibil-o tão bem organizado e instalado como o possuímos. Os velhos moldes dentro dos quaes o tínhamos preso foram despedaçados e substituídos pelos modernos processos” (1909, p. 21). 32

“I. O ensino será gratuito e leigo, sendo o primário obrigatório, em determinada área escolar” (Regulamento Geral do Ensino Primário, 1899).

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substituída pela científica, o que, segundo a autora, se deu com o acréscimo de matérias científicas às tradicionais, tornando o ensino enciclopédico. A formação patriótica e o combate ao analfabetismo, por meio do ensino cívico, viraram a bandeira do novo regime para o campo educacional. Segundo Jorge Nagle (1974), multiplicaram-se as instituições escolares, de modo a alcançar uma parcela mais extensa da população, assim como foram disseminadas novas formulações doutrinárias sobre a escolarização, de inspiração norte-americana, mudanças às quais ele denominou de otimismo pedagógico e entusiasmo pela educação. “A instrução, o ensino ou a escolarização, sob esse aspecto, são pensados em função do seu caráter regenerador, enquanto veículos para a desejada reconstrução nacional, que só pode ser alcançada quando elimina esse traço que envergonha o País – a incultura geral, principalmente a ignorância popular” (Nagle, 1974, p. 110)33. Investiu-se, também, em um setor que poderia garantir um mínimo de homogeneização dos conteúdos e métodos aplicados no ensino primário no vasto território nacional: os manuais ou livros escolares que, por mais que mantivessem em sua maioria uma produção circunscrita à esfera local (ainda que tenhamos casos de livros de escritores paraenses que ganharam circulação regional, ou mesmo nacional, como os de Joaquim Pedro Corrêa de Freitas e Hygino Amanajás), estavam submetidos às normas oficiais elencadas pelos órgãos do Estado destinados à regência das instituições de ensino, o que compreendia a avaliação desse material, necessitando mesmo de um parecer favorável para serem utilizados nas instituições do governo.

33

Segundo Vidal & Faria Filho (2003), os trabalhos que se debruçaram sobre a história da educação brasileira podem ser divididos basicamente em três vertentes: a corrente ligada à produção historiográfica do IHGB; a que se relaciona às Escolas Normais; e a relacionada à escrita acadêmica, de maior inspiração aos trabalhos e possíveis caminhos que o campo tem trilhado mais recentemente. José Ricardo de Almeida (2000), escrevendo no ano da Proclamação da República um livro de total exaltação ao Império, marca a primeira das correntes; Afrânio Peixoto (1933) representa a segunda, quando da inserção da disciplina nos quadros das Escolas Normais – inova, na medida em que se centra nos problemas educacionais que afligiam seu contexto por meio da reflexão sobre o passado; já a terceira corrente inicia-se com Fernando de Azevedo (1996), em 1943, a partir dos ditames escolanovistas de superação do antigo, enfatizando a história das idéias, os projetos escolares e os sistemas escolares. Nagle surge na década de 70, em um momento em que se tentava tornar autônoma a disciplina, a partir da diferenciação das fontes e do aporte teórico, o que começou a acontecer quando do desenvolvimento dos programas de pós-graduação na linha, de matriz gramsciana e althusseriana, e numa perspectiva da escrita da história intervencionista, para mudar o presente, no que os autores chamaram de presentismo pragmatista.

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Muitos vinham de períodos anteriores à República, e passavam por uma revisão e edição para continuarem a ser empregados na instrução pública republicana

34

. De fato,

durante a segunda metade do século XIX, as escolas primárias brasileiras foram, paulatinamente, entrando em contato com um acervo de livros de leitura que recobrem um espectro bastante ampliado de temas, valores e crenças. “Aos catecismos religiosos, resumos da história bíblica e compêndios da doutrina cristã juntaram-se os livros enciclopédicos; os paleógrafos; as séries graduadas de leitura; os livros de lições de coisas; as seletas e antologias literárias; as coletâneas de contos de fábulas” (CORRÊA, 2005, p. 4). Foi, contudo a atenção dispensada à Educação pelo regime republicano o que potencializou o seu uso, sob novas bases35. Uma vez que o regime – influenciado, ele também, pelo pensamento positivista – acreditava na Educação como “signo do progresso”, a instrução pública foi impulsionada. Foram fundados os grupos escolares, renovados os métodos36 e a organização didático-pedagógica, cuja bandeira agora era a da “educação popular” – disseminada na Europa desde a primeira metade do século XIX, sobretudo na França, país de grande influência cultural sobre o Brasil e suas instituições. Dava-se, assim, à escola primária uma finalidade nacionalizadora, cívica e moral, segundo o programa ideológico da República, reorganizando o espaço e o tempo escolar a partir de um novo método de ensinoaprendizagem. O Estado republicano também passou a controlar, desde o início, a adoção de livros escolares nas escolas públicas sob a alegação tanto da necessidade de uniformização do

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Este foi o caso de Paleógrapho, ou Arte de aprender a ler a letra manuscrita, para uso das escolas da Província do Pará (1871), de Corrêa de Freitas. Produzido no período Imperial, foi revisado e editado, sendo utilizado no Pará, Amazonas e algumas províncias do Nordeste até as primeiras décadas do século XX. 35

Sendo assim, se os manuais ou livros escolares tinham um papel central na prática pedagógica da segunda metade do século XIX – e ainda hoje –, os chamados livros de leitura, destinados às séries iniciais, eram ainda mais importantes, visto que tinham presença obrigatória nos centros escolares de ensino primário, sendo inclusive distribuídos gratuitamente pelo Estado, pelo menos para a parcela mais pobre da população (RAZZINI, 2004). Esses livros eram destinados ao ensino da leitura e da escrita nas séries primárias da educação formal, entretanto o conteúdo dos textos selecionados para essa função era ainda mais importante ao regime político republicano já que, apresentando como temas principais a história da colonização e dos grandes personagens, hinos, poemas etc., dava conta da formação patriótica, moral e ordeira proposta pelo novo Estado. 36

“Os Grupos Escolares, espaços especialmente projetados para o funcionamento de escolas, generalizaram a aceitação do método simultâneo como forma de organização do tempo e do espaço escolar, permitindo a ação do professor sobre vários alunos simultaneamente (...) o que facilitava a execução de um programa de estudos unificado e graduado. Essa forma de organização se opunha ao ensino individual, método mais comum até então, onde o professor ensinava separadamente cada aluno, um após outro, dedicando a cada um poucos minutos para a sua particular e lenta progressão, enquanto os outros deviam trabalhar em silêncio e sozinhos” (RAZZINI, 2004, p. 3).

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ensino quanto do fato de que era o legislador que definia programas e currículos e, também, o principal comprador do produto (RAZZINI, 2004, p. 12) 37. Sabe-se que até a década de 50 do século XIX os principais materiais utilizados para a formação de leitores no Brasil eram de natureza religiosa (Bíblia, Evangelho), legal (Constituição Política do Império, Código Criminal), ou ainda textos manuscritos, como cartas pessoais, certidões e ofícios. Foi somente a partir da segunda metade desse século que algumas escolas primárias começaram a contar com outros objetos para iniciarem seus alunos no aprendizado da leitura e da escrita, como as cartas de abc ou cartilhas, as quais eram, de um modo geral, produzidas ou traduzidas por autores portugueses – pelo menos até o final da década de 60 (CORRÊA, 2005). A partir de então, intensifica-se um movimento de nacionalização da produção de livros escolares e, em 1866, Abílio César Borges (o Barão de Macaúbas) lança sua coleção de livros, dando início às séries graduadas de livros de leitura, inovação editorial posteriormente adotada por vários autores brasileiros, dentre eles: Felisberto de Carvalho, Hilário Ribeiro, Romão Puiggari, Arnaldo Barreto, Francisco Viana, João Köpke e Joaquim Pedro Corrêa de Freitas. Entretanto, essa corrente de séries graduadas de livros de leitura tem maior preponderância já nas décadas finais do século XIX e início do XX, dado que, antes dela, a produção nacional desse material esteve ligada aos livros de caráter enciclopédico – grandes compêndios em que um pouco de todas as matérias eram reunidas em extensas obras; e aos paleógrafos, ou livros de leitura manuscrita, destinados ao aprendizado dos diversos tipos de letras manuscritas. Ainda que muitas vezes coexistissem, pode-se propor um modelo cronológico de origem dessas diversas tradições de material didático voltado ao aprendizado nas escolas primárias do Brasil. A obra de Emilio Achilles Monteverde, Manual Encyclopedico – muito utilizado entre os anos de 1858 e 1880 – marca a primeira dessas tradições que começaram a ser produzidas em terras nacionais, ainda que a partir de um modelo já existente e por muito tempo importado de Portugal. Como o próprio título antecipa, trata-se de um gênero de livro 37

Art. 214º - “Nenhum livro será admitido no ensino primário ou officialmente recomendado para o secundário ou technico, sem ser aprovado e aceito pela direcção geral, ouvido o conselho superior da instrucção publica, devendo, para merecer essa approvação, estar de accordo com os programmas circunstanciados do ensino publico do Estado e com os progressos da litteratura escholar”. Regulamento Geral da Instrucção Publica e Especial do Ensino Primario do Estado do Pará. Typographia da "A província do Pará" De Antonio Lemos – Travessa do Passarinho, n° 17 – Pará – 1890. In: Arquivo Público do Estado do Pará. Secretaria do Governo. Série: Portarias diversas. Códice: 1890.

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de caráter enciclopédico em que um pouco de todas as matérias destinadas ao ensino primário são reunidas ao longo de suas 698 páginas. Muito do seu sucesso editorial se deveu ao fato de se comprar apenas um livro para todo o processo de aprendizagem do aluno, o que garantiu vantagem econômica para o governo, que, àquele tempo, assumiu a responsabilidade de distribuir gratuitamente o material escolar entre as crianças mais pobres, e à ampla divulgação feita em Portugal e no Brasil. Outra tradição, iniciada também a partir de obras portuguesas, mas que teve sua nacionalização com a obra do paraense Joaquim Pedro Corrêa de Freitas, são os paleographos ou livros de leitura manuscripta38. Estes livros eram destinados ao desenvolvimento da habilidade de leitura que tornassem os leitores aptos a decifrar uma variedade de estilos de letras que caracterizam o texto traçado manualmente. A obra de Corrêa de Freitas foi mais popular no Pará, Amazonas e algumas províncias do Nordeste. Sua primeira edição parece ter ocorrido em 1871 e remete a um conjunto de referências profundamente ligadas ao período imperial (BATISTA, 2002). Por fim, outra importante tradição a ser mencionada no presente trabalho são as séries graduadas de livros de leitura, das últimas décadas do século XIX, que consistiam em uma coleção de livros (geralmente de 3 a 6 livros) destinados aos diferentes estágios do aprendizado da leitura, em um sistema seriado de ensino. Seus autores mais representativos são Dr. Abílio, Hilário Ribeiro e Felisberto de Carvalho. Em 1892, quando lança a sua série de livros, Carvalho recebe elogios por parte do professor e intelectual paraense Francisco Ferreira de Vilhena Alves, o qual o utiliza com os seus alunos e aprova o método, que diz portar uma boa seleção de assuntos expostos de maneira fácil e pedagógica. Nesse contexto, faz-se ainda imprescindível salientar a publicação do paraense Hygino Amanajás, Alma e Coração, adaptação do livro Cuore italiano, produzido dez anos após a instauração da República. Consistia em uma reprodução ficcional de um diário em que o jovem estudante Ernesto, um menino nascido no interior do Pará, narra suas experiências ao

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“Livros de leitura manuscrita ou paleógrafos foram, ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do XX, um tipo de livro difundido na instrução elementar, no Brasil e [primeiramente] em Portugal, assim como em outros países. Impressos por meio do processo litográfico, constituíam uma antologia de textos reproduzidos em diferentes escritas ou caligrafias” (BATISTA, 2002, p. 1). Normalmente, o assinante da autoria não era o autor das diversas caligrafias presentes no livro, entretanto era quem selecionava os textos, os quais, como nos demais livros de leitura, buscavam “fornecer um quadro de valores morais e políticos capazes de constituir as referências que uma nação ou grupo devem, numa determinada época, compartilhar” (BATISTA, 2002, p. 15).

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longo de um ano letivo – inovação bem recebida pelas escolas públicas paraenses e de outras regiões. Dessa forma, é neste conteúdo que buscaremos investigar, no próximo capítulo, a maneira pela qual a educação, por meio dos manuais escolares das séries primárias – nas quais estava a maior parte da população que chegara a ser alcançada pelas políticas de instrução pública pós-1889, e que destas séries normalmente não passava39 –, foi utilizada pelo novo regime na tentativa de legitimar o seu construto ideológico para o resto da sociedade, sobretudo no que se refere ao esforço daqueles intelectuais e autoridades públicas no enfrentamento do processo civilizatório ao qual o país deveria se integrar, a despeito de todas as suas contradições ante as teorias raciológicas que orientavam a organização dos povos nesse processo. Partimos, então, da análise do conteúdo de cinco manuais ou livros escolares do período da Primeira República, de veiculação no Estado no Pará, buscando observar as representações que estes apresentavam sobre raça, nação e civilização, por meio das quais objetivamos compreender o modo pelo qual as discussões intelectuais referentes ao dilema brasileiro – a adequação da realidade racial brasileira ao projeto civilizatório europeu – transpareceram no campo educacional, no material escolar que, ainda hoje, orienta grande parte da prática pedagógica dos professores. Para entender o lugar que esta educação ocupava na pauta do novo regime, bem como as transformações educacionais efetivadas, debruçamonos também nos relatórios de presidente de província deste período (1890-1930), assim como em alguns programas e regulamentos do ensino primário, a partir dos quais os objetivos deste regime para com este campo foram possibilitados, sobretudo no que se refere à autoafirmação por meio da crítica à organização educacional do regime anterior.

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O caráter do ensino secundário permaneceu humanístico, voltado para o ensino superior dos filhos dos grupos mais abastados, futuros líderes políticos, em sua grande parte realizada nas universidades européias, ainda que já existissem instituições de ensino superior no Brasil desde o período imperial. Ele só foi ganhar aspectos mais populares, profissionalizantes, em paralelo com o humanístico, nos anos finais da República, mas principalmente a partir do governo varguista (RIBEIRO, 1995).

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CAPÍTULO 2 EDUCAÇÃO PARA A ORDEM E PARA O PROGRESSO: os manuais escolares e a construção da nação brasileira

A população do Para é muito pouco densa em relação ao seu vasto território; o que tem contribuído para que as suas riquezas naturaes não tenhão sido devidamente exploradas e conhecidas. Quando, porém, a colonização européia affluir para as margens uberrimas do Amazonas, do Tocantins e outros rios pela fama franca e sincera hospitalidade dos brasileiros e pela protecção de suas leis, sem falsos preconceitos patrióticos; quando o machado do homem civilisado desbravar essas imensas florestas; quando os melhores processos e os mais aperfeiçoados instrumentos agrários derem à agricultura o impulso que ella reclama; quando as locomotivas cruzarem-se em diversos sentidos, encurtarem as distâncias e levarem a vida e a abundância aos mais pobres e longíncuos lugares; quando a instrucção, generalisando-se, poder fazer de cada habitante do Para um cidadão conhecedor dos seus direitos e deveres, então o Estado do Para disputará o sceptro da grandeza, da opulência e da civilisação aos Estados mais florescentes do mundo40.

Este trecho do terceiro livro do Ensaio de Leitura de Pedro Corrêa de Freitas é emblemático naquilo que caracteriza a natureza dos manuais ou livros escolares analisados, bem como no que constitui o foco desta pesquisa: a tentativa de inserção do Brasil no projeto 40

FREITAS, Pedro Corrêa de. Ensaio de Leitura – para uso das escolas da Amazônia (terceiro livro). S/E: Paris, 1910. p. 21.

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civilizatório mundial do final do século XIX e início do XX, por meio do campo da instrução pública no Pará

41

. O primeiro parágrafo é representativo da recorrente valorização das

riquezas naturais da região, presente em todos os manuais. Neste mesmo livro, que se debruça basicamente sobre o que se costumou chamar de “História Pátria” 42 à época, grande parte dos capítulos busca evidenciar o avanço urbano e a infra-estrutura comparada à dos países mais “civilizados” do mundo, notadamente europeus, em paralelo à beleza e conveniência dos rios, do clima, da vegetação, dos minérios, enfim, do potencial natural do país

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, sobretudo da

região amazônica, o qual é entendido como o especial 44. Em todos os manuais arrolados, este potencial natural é descrito na base de onde será, ou está sendo, construída a nação brasileira, com toda a sua “inclinação” para a civilização.

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Em seu Prólogo, Freitas esclarece que o conteúdo desse conjunto de livros – Ensaio de Leitura – busca aproximar-se tanto quanto possível dos compêndios adotados na Europa, sem inventar ou aprimorar, mas somente adaptar ao contexto nacional. Neste sentido, objetiva-se a instrução, através do ensinamento da leitura e da escrita, porém utilizando textos relativos à história da pátria, à descrição das riquezas naturais, do potencial nacional para o desenvolvimento urbano-industrial e às qualidades morais e cívicas esperadas destes cidadãos. 42

A História Pátria era constituída pelos grandes acontecimentos e personagens importantes relativos ao desenvolvimento da nação. Poderia constituir-se em um livro especificamente para a instrução acerca deste conteúdo, notadamente para a formação patriótica do alunado, bem como poderia estar presente – como no caso da obra em questão – em livros destinados ao ensino da leitura e da escrita, mas que ia muito além desta função, já que propunham uma seleção de conteúdos a darem conta desta formação patriótica já mencionada, sobretudo quando se referem à instrução primária elementar pública. As temáticas deste livro giram em torno do Descobrimento e do estado atual – início do séc. XX – do Brasil; seus primeiros habitantes; as “perícias” da nossa Independência; o Estado do Pará – suas riquezas naturais, localização, estrutura urbana etc.; além de poesias patrióticas, hinos, entre outros “marcadores da nação”. 43

“Disputão em riquezas os 3 reinos da natureza: animal, vegetal e mineral. No reino animal é grande a variedade das espécies, abundando os reptís dos mais venenosos que se conhecem. Prima a ornithologia pela multiplicidade e belleza das aves, ostentando-se desde a águia das Guyanas (harpia do Brazil) até o beija-flòr, typo da graça e da belleza. Também abundam os peixes, sendo os rios tão piscosos, que dão ás famílias que habitão as suas margens, alimentação diária. O reino vegetal é prodigioso, tanto em arvores fructíferas e nas apropriadas para a construcção civil e naval, como nas empregadas nas artes, na industria e na medicina. No reino mineral encontram-se todas as qualidades de pedras preciosas e todos os productos que a industria apresenta em beneficio do progresso da humanidade, como diamantes, ouro, prata, ferro, cobre, chumbo, carvão de pedra, etc”. (FREITAS, 1910, p. 75). 44

Citando Rocha Pitta, no mesmo livro Freitas também exprime a singularidade de tais riquezas naturais: “O Brazil, vastíssima região, felicissimo terreno, em cuja superfície tudo são fructos, em cujo centro tudo são thesouros, em cujas montanhas e costas tudo são aromas, tributando os seus campos o mais útil alimento, as suas minas o mais fino ouro, o seu terreno mais suave balsamo e os seus mares o âmbar mais selecto; admiravel paiz de todas as luzes rico, onde prodigiosamente profusa a natureza se desentranha nas ferteis producções, brotando as suas cannas espremido néctar e dando as suas fructas sazonada ambrosia. Em nenhuma outra região se mostra o céu mais sereno nem madrugada mais bella aurora; o sol em nenhum outro hemispherio tem os raios mais dourados, nem os reflexos nocturnos mais brilhantes. E’ enfim o Brazil terreal paraíso descoberto, onde tem nascimento e curso os maiores rios, onde domina salutifero clima, influem benignos astros, respiram auras suavissimas” (p. 77).

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Ao tratar de Belém, em particular, Freitas salienta a arborização das estradas, cuja beleza das palmeiras simetricamente plantadas “não tem rival no Brazil, e talvez mesmo na Europa, é admirada tanto por nacionaes, quanto por estrangeiros” (p. 92). Esta beleza da cidade é longamente descrita também por Hygino Amanajás, em Alma e Coração (1906), no qual Ernesto, personagem principal do livro, nas primeiras cartas à sua mãe, descreve as modificações sofridas pela cidade pós-proclamação da República: o livro é organizado a partir de cartas de Ernesto, garoto do interior do Pará que, tendo iniciado os estudos em casa, com a ajuda de sua mãe, Angelina (a quem ele endereça as cartas), vai para a capital objetivando completá-los. Nestas cartas, ele descreve, durante todo um ano letivo, os acontecimentos escolares e os ensinamentos passados pelo mestre, no geral de ordem moral e cívica. Nos primeiros capítulos, no entanto, antes do início das aulas, o rapaz conta à sua mãe o quão diferente está a cidade daquilo que ela descrevia para ele das memórias de sua última estada em Belém, em 1888. Como o livro objetiva acompanhar os alunos durante todo o ano, tem-se a impressão de que ele escreve contemporaneamente às lições, de modo que suas assertivas dizem respeito à segunda metade da primeira década do séc. XX. A República tem, pelo menos, 15 anos, idade do personagem. Desta forma, ao tratar das belezas naturais, Amanajás demonstra o quanto elas foram potencializadas com o investimento em infraestrutura urbana do governo republicano: praças, monumentos, ruas, calçadas, prédios públicos – tudo restaurado e, por vezes, renomeado, tal qual o novo regime demandara. Em plena Belle Époque, e envolto nas orientações de caráter renovador e higienizador do final do século XIX no Brasil, o regime republicano vai transformar em uma de suas principais pautas a construção de uma estrutura urbana mais “européia”, sem a qual não se faria possível o desenvolvimento de uma nação civilizada. Ao lado do potencial natural, no entanto, pretende-se propagandear o Brasil como uma potente nação também em outros campos, tais como a agronomia e a indústria. Ainda no terceiro livro do Ensaio de Leitura (1910), Freitas faz um panorama destes setores. Nele, a despeito das limitações da indústria e da estagnação da agronomia em algumas regiões, tudo é relatado positivamente, como passível de desenvolvimento graças ao potencial do país no que se refere à constituição de uma nação semelhante às européias e à estadunidense – cuja base partiria justamente deste potencial natural 45. Ao dissertar sobre os continentes e países do 45

“A lavoura é decadente ou paralisada em alguns estados, em outros apresenta aspecto animador” (p. 72). “A industria ainda está na infância, havendo, entretanto, elementos poderosos para o Brazil se tornar um paiz fabril, pois n’elle se encontrão as matérias-primas para todas as industrias conhecidas no mundo civilisado” (FREITAS, 1910, p. 73).

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mundo, Freitas chega mesmo a encaixar o Brasil no rol das nações “mais adiantadas em civilização [da América]: Estados-Unidos, Chile e Brazil, que possui o mais bello e vasto território d’America meridional” (p. 5). No segundo livro de Ensaio de Leitura, Freitas também afirma que “as duas mais poderosas e civilisadas nações da America são: os EstadosUnidos e o Brazil” (p. 119); diz que estes são países muito próximos em riquezas naturais, clima etc. Chegamos, então, ao foco deste trabalho.

2.1 O conteúdo cívico e moral dos manuais escolares veiculados em Belém-PA durante a Primeira República: Brazil, um país rumo ao progresso

Em alguns paizes vivem em choupanas feitas de barro ou de estacas e sustentão-se apenas de caça, que matão com arco e settas. Estes considerão-se no estado selvagem. Os índios da America, parte dos negros da África, alguns habitantes da Ásia e a maior parte dos da Oceania são selvagens. Em outros paizes um pouco mais adiantados já se vêem casas construidas em parte de pedra, em parte de barro. Os povos, que as habitão, possuem poucos livros, pois a instrucção entre elles é quasi nulla; não têm igrejas nem capellas e adorão os ídolos. Taes são a maior parte dos negros da África e muitas tribus da Ásia.. E’ este o estado chamado de barbarie.. Os indivíduos que nelle se achão dizemse bárbaros. Alguns dos seus costumes são verdadeiramente cruéis. Há ainda paizes onde os habitantes, em geral, possuem casas soffriveis, ricos e sumptuosos palácios. O povo cultiva algumas artes com perfeição, porém o ensino na escola esta alli muito atrazado, e poucos indivíduos aprendem a ler e escrever. Os Chins, os Índios, os Turcos e algumas outras nações da Ásia com alguns habitantes da África e da Europa achão-se nessas circumstancias, que se póde bem designar por estado de civilisação. Na maior parte dos paizes da Europa e da America as habitações são commodas, a instrucção está disseminada por toda a população, existem boas escolas, magníficas igrejas; há barcos a vapor, telegraphos elétricos e caminhos de ferro, que facilitão as communicações. São estes os povos, que se dizem estar no mais alto gráo de civilisação46.

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FREITAS, Pedro Corrêa de. Ensaio de Leitura – para uso das escolas da Amazônia (terceiro livro). S/E: Paris, 1910. p. 22.

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Para falar dos habitantes das cinco partes do mundo, Freitas, também no terceiro livro de Ensaio de Leitura (1910), utiliza o padrão de divisão em raças hierarquicamente distintas, entre “mais civilizados” e “menos civilizados”, sobre todos os agrupamentos humanos nos vários continentes: sobre a Ásia, os mais antigos povos, ele afirma predominar a raça caucasiana, mongólica e malaia 47; a Europa é considerada a “mais civilizada” e “mais pura racialmente”, predominando os caucasianos; já na África, têm-se a raça preta, entendido como “sem história” para este autor, visto que, daqueles grupos observados, muitos não possuem documentos escritos de conservação das memórias coletivas 48. Para caracterizá-los, Freitas utiliza, então, as formas de moradia, de alimentação e alguns costumes típicos; eles são, depois de divididos em raças, categorizados pelo “grau de desenvolvimento”, em civilizados, bárbaros e selvagens, como se percebe no excerto acima. Pelo espaço destinado ao tema, sistematicamente explanado quando se trata de falar do lugar que o povo brasileiro assume enquanto nação, rumo ao progresso – leia-se, escala de civilização –, é possível constatar a importância da discussão sobre raça na construção de uma nação. Assim, é notória a influência das teorias raciológicas européias no projeto de desenvolvimento do Brasil, o que englobou, entre outros aspectos, a estrutura urbana das cidades, a higienização, os princípios jurídicos e, especialmente, a instrução pública. Um elemento primordial naquilo que caracteriza os povos descritos como “civilizados”, pelo menos segundo a leitura de Freitas acerca do tema, e que vai ser determinante na organização do sistema educacional republicano, tanto em seus regulamentos e programas educacionais quanto nos livros ou manuais escolares analisados, será o seu caráter moral-cristão. Percebe-se a influência da corrente monogenista de criação do mundo e de seus habitantes, na medida em que o autor afirma que “todos os homens descendem, segundo a Bíblia [e, neste caso, ele não discorda da fonte], de Adão e Eva” (p. 21). No 47

“A’ raça caucasiana pertencem os Circassianos, Georgianos, Árabes, Judéos e uma parte dos Tártaros, todos os Européos á excepção dos Laponios e Finnezes e aquelles amecicanos, cujos pais ou avós são oriundos da Europa. A raça mongólica comprehende os Mongóes, Chins, Kalmukos, Finnezes, etc.; a americana todos os índios e outroa povos aborígenes da America. Os negros Cafres, Hottentotes na África e os Papuas nas costas da Nova-Hollanda, formam a raça preta; os habitantes da Península de Malacca, bem como os da ilha da Sonda e das otras ilhas do Pacífico constituem a raça Malaia” (p. 22). 48

Esta concepção está ligada a uma corrente tradicional acerca da escrita da História, anterior à virada documental ocorrida já no século XX, quando dos estudos ligados à Escola dos Annales e à chamada microhistória. Estes últimos propuseram que a investigação historiográfica não deveria se restringir à documentação dita “oficial”, notadamente escrita e oriunda dos órgãos governamentais. Neste caso, quase tudo passa a ser encarado como “fonte”, de modo que se passa a utilizar fotografia, cinema, pinturas, os relatos orais, monumentos, etc. na construção do conhecimento histórico. Antes disso, porém, como se utilizava somente a documentação escrita, povos que não preservavam ou produziam relatos desta natureza eram entendidos como “sem história” – daí a idéia de “pré-história” – antes da invenção da escrita (CARDOSO, 1981).

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entanto, Freitas não trabalha com o momento em que seus descendentes começaram a se diferenciar. Ademais, ele afirma dominar “entre o povo civilisado a religião christã” (p. 6), e sequer é mencionada a existência de outras religiões tão ou mais antigas ou igualmente organizadas. Outros traços religiosos são apresentados inferiorizadamente e lidos como, no mínimo, exóticos – é o caso da observação tecida na última linha do segundo parágrafo do excerto apresentado (“alguns dos seus costumes são verdadeiramente cruéis”). O segundo livro de Ensaio de Leitura (1910), também de Freitas, destina-se, quase por completo, à instrução moral – notadamente cristã – desses “futuros cidadãos”. Seus primeiros capítulos têm por temática: a criação do mundo, o primeiro homem e a primeira mulher, a história de Caim e Abel, a história do Dilúvio, a vida de Jesus Cristo etc. A seguir, são apresentados pequenos contos sobre personagens cujos procedimentos em determinadas situações buscam instruir, por meio de exemplos de boa ou má conduta, seus leitores acerca da moral a ser seguida 49. Todos estes contos apresentam uma estrutura em comum: descrevem uma personagem de acordo ou não com os padrões de moral que tais livros querem veicular, e uma situação na qual, em caso positivo, sua boa conduta é louvada, e, em caso negativo, é castigada. Os castigos merecem observação à parte: mutilações, perda de sentidos e morte de parentes próximos são os mais freqüentes. Em “O menino Travesso”, o garoto que não queria fazer a sua lição e fica fingindo aparar a pena, perde o dedo com o manuseio do canivete; em “O menino defeituoso”, Ricardo, que não ouvia as repreensões da mãe, fica coxo, maneta e cego; em “O menino arrependido”, o rapaz de 16 anos que, na infância, não ouviu os conselhos da mãe sobre não jogar pedra nos animais, agora é órfão, pois numa dessas brincadeiras, acertou uma pedra na cabeça dela. Em “Castigo d’um menino altivo e orgulhoso”, o garoto acostumado a humilhar o colega pobre acaba tendo que contar com a bondade deste para sobreviver; em “Brinquedos com tesouras e alfinetes”, a garotinha quase morre por engolir um alfinete que pegou escondido da mãe para brincar; em “O menino goloso”, o garoto inteligente, mas muito guloso, acaba tomando um laxante e não participa de uma grande festa da família; em “A 49

Neste sentido, os capítulos falam sobre “a menina estudiosa”, “o menino travesso”, “Maria, a jovem peregrina”, “o menino defeituoso”, “a menina imprudente”, “o menino arrependido”, “o castigo d’um menino altivo e orgulhoso”, “brinquedos com tesouras e alfinetes”, “um coração bem formado”, “o menino goloso”, “a menina desobediente”, “maus hábitos”, “dois meninos caritativos”, “o saber é riqueza”, “brinquedos com espingardas” e “a parábola do filho pródigo”.

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menina desobediente”, Zolima não atendeu à ordem da mãe e, pendurando-se na janela, caiu sobre pedras, ficando aleijada para o resto da vida; em “Maus hábitos”, Gertrudes, que gostava de andar para trás, caiu da escada e ficou com o corpo todo batido, e sua irmã, que gostava de subir nos móveis, caiu e ficou com um defeito no nariz para sempre; por fim, em “Brinquedos com espingardas”, Ramiro, que gostava de brincar com a espingarda de caça de seu pai, quase mata a sua irmã mais nova. Os últimos capítulos trazem um resumo da vida de D. Frei Caetano Brandão, 6º Bispo do Pará; bem como explanações sobre “O que é ser christão”, “Do amor de Deus”, “A caridade”, “Deveres para com os filhos”, “Virtudes e princípios”; além de algumas descrições das riquezas da natureza do país, hinos, orações, máximas e estudos bíblicos. Mesmo quando trata da cidade de Belém e dos habitantes do estado do Pará, sua assertiva assume caráter religioso: “Os paraenses são, em geral, dóceis, de boa índole, de caráter nobre e tementes a Deus” (p. 125). Um cristão, segundo Freitas, é um homem batizado, crente em Jesus Cristo e no que lhe ensinam o Papa e o Bispo; que observa as leis de Deus e da igreja e busca imitar a Jesus; ama a Deus sobre todas as coisas, não pratica o mal, é humilde, modesto, sincero, compassivo, indulgente, que perdoa e ajuda aos pobres. “É um homem que ama, reprova e julga as coisas, como Jesus Christo as amou, reprovou e julgou” (p. 95). Ser cristão, por sua vez, é uma das características do povo chamado de civilizado; dessa forma, não é de se estranhar que grande parte da instrução promovida pela República comungue desses princípios cristãos, ainda que este regime político se professe, desde a sua primeira Constituição, como laico. Sobre princípios e virtudes, o autor utiliza as idéias de Benjamim Franklin, para o qual existem 12 virtudes-base a serem ensinadas em um curso moral 50. Outra característica 50

“1º Temperança – Em occasião nenhuma comas por tal modo que chegues a sentir-te encommodado; nem bebas a ponto de perder a rasão. O homem não nasceu para comer; mas antes para pensar e trabalhar. 2º Silencio – Não falles sinão em matéria de que possas ter conhecimento, ou possão os outros colher alguma utilidade. Evita quanto poderes as conversações frívolas. Queim muito falla, muito erra. 3º Ordem – Dá a cada coisa logar certo; a cada negocio tempo determinado. Nada se faz sem tempo e a desordem consome-o improductivamente. 4º Resolução – Quando tomares alguma resolução acerca de qualquer negocio, toma-a firmemente e por uma só vez, e nunca faltes ás tuas promessas. A pedra que muito rola não cria musgo. 5º Não gastes o teu dinheiro sinão em coisas de reconhecida utilidade; isto é, goza, mas não desperdices. Quem não poupa não tem. 6º Trabalho – Não percas o tempo, occupa-te sempre em alguma coisa útil; abstem-te de qualquer acção desnecessária ou prejudicial. Tempo é dinheiro, trabalho é capital. 7º Sinceridade – Evita nas tuas respostas os subterfúgios; pensa sempre com sinceridade, innocencia e justiça; dise sempre o que assim pensares. Homem sincero, homem justo e honrado.

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relevante da formação moral apontada pelo manual diz respeito ao amor pelo trabalho, considerado “lei divina” (p. 112): “O trabalho foi uma obrigação imposta por Deus a todos os homens sem excepção alguma, quaesquer que sejão os seus haveres e posição na sociedade” (p. 113), no que demonstra a ruptura com as representações pejorativas com relação ao trabalho – presentes principalmente durante os primeiros séculos de colonização, e que estavam na base da estrutura social de senhores ociosos e da legitimação do sistema escravista –, o que, por sua vez, será intensificado no Período Vargas, a partir da década de 1930 (GOMES, 2005). Em Ensaio de Educação Moral e Cívica, de 1928, Ignácio Moura também salienta a importância e dignificação do trabalho na construção de cidadãos de bem: “O trabalho não é uma condição servil, nem um castigo. (...) O homem ocioso está propenso a todos os vícios para empregar o tempo; as más idéas encaminham o vadio a erros e até a crimes (p. 45). Há, ainda, no segundo livro de Freitas, um capítulo destinado especificamente ao Amor da Pátria, “a primeira e mais nobre das virtudes sociaes. Consiste elle em preferir o bem publico ao particular, em sacrificar a vida e a fortuna pelo interesse nacional. D’elle nascem a coragem, o valor, a bravura, a intrepidez e a liberdade” (p. 115). A Guerra do Paraguai é resgatada, então, como um símbolo deste “heróico patriotismo”. O “amor à pátria” é, por sua vez, o tema do manual escolar Noções de Educação Cívica, de Hygino Amanajás (1898), para o qual esta era uma produção urgente – ainda que, no caso do seu livro, modesta e incompleta – dada a “ignorância dos meninos, que freqüentam as nossas escolas, no que diz respeito aos seus deveres de futuros cidadãos da pátria” (Ao leitor). Para o autor, pátria é “o paiz onde nascemos, onde está o nosso berço, o nosso lar e onde queremos seja aberto o nosso túmulo” e amar a pátria é “o primeiro dever do cidadão (...) é querêl-a GRANDE, PROSPERA, INTEGRA, RESPEITADA E FELIZ” (p. 1) 51. 8º Justiça – Não offendas a ninguém, obra por tal modo, que não só evites qualquer danmo ou prejuízo aos teus semelhantes; mas resulte de tuas acções para teu próximo o maior bem possível. Quem ama ao seu próximo, ama a Deus. 9º Moderação – Foge dos extremos; isto é, usa, mas não abuses; sente e o mal conforme a tua rasão e a prudência te disserem que elles o merecem. Os extremos tocam-se. 10º Asseio – Não desprezes a obrigação que tens de cuidar na conservação, e arranjo do teu corpo, de teu fato e da tua casa. Antes fato rafado que enodoado. 11º Tranqüilidade – Não tomes a peito bagatellas, nem te amofines por acontecimentos ordinários e inevitáveis. O que não tem remédio, remediado está. 12º Humildade – Toma por modelo d’esta virtude a Jesus-Christo.” (p. 111) 51 “GRANDE, pelas virtudes dos seus cidadãos; PROSPERA, caminhando ovante na senda da civilisação; INTEGRA, não consentindo que nos arranquem nenhuma folha das arvores das suas mattas, nenhum grão de areia das suas praias dos seus rios d’ella se desprenda algum d’esses Estados, que a tomam tão forte pela união e pela fraternidade; RESPEITADA, por nós e pelos estrangeiros; FELIZ, pelas suas leis sabias e previdentes”

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Por sua vez, em Ensaio de Educação Moral e Cívica (1928), Ignácio Moura divide o manual nos anos do curso elementar, nos quais são tratadas as seguintes temáticas: Primeiro ano – “a casa”; “os hábitos de cortesia para com os Paes, irmãos, pessoas idosas e serviçaes”. Segundo ano – “a Pátria”. Terceiro ano – “a escola”; “o tratamento para com os mestres e colegas”; “a Nação”. Quarto ano – “a religião christã”; “o trabalho”; “a Pátria”; “a Nação”; “o povo”; “o paiz”; “o Estado”. No primeiro ano, é ensinado que a casa “é um elemento da Pátria”, e que, nela, “logo de manhã, depois de fazer uma oração à Deus, devemos tomar a bençam aos nossos paes”; além disto, “o asseio do corpo é a base da saúde do espírito”. Já no ambiente escolar, “o discípulo ao entrar na escola cumprimentará o professor; que é alli um seu segundo pae”, dado que “a escola é uma verdadeira família; que tem por chefe o mestre. Assim como devemos aos nossos paes a nossa existência phisica, assim vamos receber dos mestres a nossa formação moral. A escola nada mais é do que a continuação do lar” (p. 11). Segundo tais lições, o mestre, que “não é somente credor da obediência, mas principalmente do respeito e da gratidão”, deve incutir nos alunos “o espírito da bondade, sem citar exemplos de moral egoísta, visando recompensas, nem maos exemplos seguidos de castigos” (p. 12) – o que é bastante utilizado no segundo livro do Ensaio de Leitura de Pedro Corrêa de Freitas, como já demonstrado. Além destes pontos principais, o conteúdo deste primeiro ano ainda trabalha sobre o amor que se deve ter com os animais, inicia algumas considerações sobre o Cristianismo, e faz uma breve descrição acerca da bandeira nacional, cuja legenda, Ordem e Progresso, representa os “dois grandes ideaes dum povo pacifico e trabalhador” – “seguindo esta senha, o Brazil será grande e forte, como o predestina o futuro” (p. 14). O conteúdo do segundo ano trata especificamente do amor à pátria, pois ela “é a propria família que Deus nos deu” (p. 17): “Assim como o respeito e a obediência aos paes é a base da família, assim como a ordem e a disciplina dos alumnos no collegio são necessarias aos aproveitamento das creanças, assim também o respeito e a obediencia ao governo de uma nação ou de um Estado, são mui necessarios para o desenvolvimento d’um povo” (p. 20).

Este será um tema mais bem explorado no quarto ano do curso elementar do ensino primário; por isso a brevidade da lição. (p. 3).

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No terceiro ano estuda-se como “a escola é o complemento da família e uma miniatura da sociedade. É o nosso segundo lar, onde o mestre representa a autoridade paterna” (p. 28). “Do amor e obediência aos paes, do respeito e gratidão aos mestres, nascem os sentimentos cívicos com que devemos cercar as autoridades. A soberania duma nação ou dum Estado é revelada pela maneira como se executam as suas leis e como se respeita o seu governo” (p. 29). Por fim, o conteúdo referente ao quarto ano do livro escolar destina longas páginas à ligação que se tem entre moral e religião, segundo Moura, praticamente indissociável. A moral que é ensinada por meio deste manual apresenta uma base explicitamente cristã: “Não póde haver verdadeira moral sem religião, pois aquella dimana desta. A fé na existência de Deus, do Ente Supremo que regula o Universo e os bons princípios da humanidade, deve ser o guião de todos os homens. A fé christã fortalece o principio fundamental da moral chistã (...). A fé na existência de Deus, é um principio de educação. O atheu, por maiores conhecimentos scientíficos que possua, é como uma embarcação bem aperfeiçoada, porém sem leme: póde dirigir-se para o bom caminho, como desviar-se para o máo. Falta ao atheu o principio superior da autoridade, que é a base de toda organização” (p. 44).

Sobre Pátria, o autor conceitua como “a porção de terra onde nascemos e em que se acha domiciliada a nossa família, sujeita as mesmas leis e reflectindo os mesmos ideaes”, porém, mais do que isso, é também “a totalidade de pessoas, que têm a mesma história, o mesmo governo, os mesmos usos e a mesma nacionalidade” (p. 46). Sobre Nação, Moura afirma ser “a totalidade dos indivíduos agrupados socialmente, que falam a mesma língua, partilham das mesmas idéas, sujeitos às mesmas leis, sob o regimem collectivo dum governo central” (p. 46). Já o conceito de Povo é relacionado à “totalidade de habitantes dum paiz, duma província ou dum município sem distincção de classes”. Neste sentido, o autor ainda afirma que “a civilização dum povo se manifesta pelo grao de desenvolvimento intellectual, material e moral da sua maioria” (p. 47). País, por sua vez, diz respeito à “porção de terra habitada por uma nação”; e Estado “é a porção dum paiz, com organização federativa, fazendo parte da mesma pátria” (p. 47). A despeito da brevidade, da confusão e da semelhança entre os conceitos, pode-se dizer que, ao longo de todos estes manuais escolares, dois foram os pilares de designação comum deste sentimento de pertença à nação, ao povo, ao país, enfim, aquilo que se pretendia alcançar com os ensinamentos acerca da Pátria e dos deveres cívicos presentes nos conteúdos,

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seja dos livros de leitura, seja dos manuais especificamente destinados a estas temáticas, quais sejam: o amor incondicional à pátria e a formação moral, de caráter notadamente cristão. Hygino Amanajás, em Noções de Educação Cívica (1898), também refere-se a este sentimento, quando adverte: “Orgulhai-vos sempre por terdes nascido neste abençoado solo, onde a Providencia reuniu tudo quanto o homem pôde desejar para a sua felicidade” (p. 21), o que ele também deixa claro em seu outro manual escolar, Alma e Coração (1905), quando, na ocasião da chegada de um aluno novo à escola de Ernesto, o professor relata o seu testemunho, dizendo que o rapaz, tendo tido a oportunidade de vir à capital sob os cuidados de um tutor estrangeiro, preferiu conseguir por seu próprio esforço os meios da sua subsistência ao ouvir comentários depreciativos deste senhor acerca da nação e dos habitantes do Brasil 52. O amor incondicional à pátria é materializado no comportamento obediente às leis e ao governo, no cumprimento dos deveres cívicos e no ufanismo, no sentido do engrandecimento da nação frente às outras do mundo. Estabelecida a ordem (representada pelo respeito às leis), o Brasil rumaria ao progresso (a construção de uma nação altamente civilizada). Sobre a Constituição, por exemplo, o autor diz que “deve ser sagrada. (...) Deve ser como a Arca Santa da Bíblia na qual não se podia tocar, sem morrer logo” (p. 23). Assim, ele afirma ainda que “a lei é o mais proveitoso efficiente do nosso engrandecimento. Não há força alguma, nem phenomeno da natureza que não esteja sujeito a leis imprescindíveis. Os próprios astros não se movem sem respeitar as leis de suas trajetórias; todos os

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“Já perto d’esta cidade, e quase ao entrar no porto, palestravam na tolda diversos francezes, commentando os acontecimentos ultimamente dados no Amapá, por accasião da expedição do capitão Lunier, morto pelo nosso compatriota Francisco Xavier da Veiga Cabral, quando aquelle tentava prendêl-o. Nesses commentarios insultavam o Brazil e os brazileiros, e o protector de Augusto os qualificou de bandidos e assassinos, acrescentando – que éramos uns cobardes. Augusto que os ouvia e comprehendia bem o francez, não poude mais conter-se e disse ao seu protector: - Insultais a minha pátria, senhor; inverteis os factos para deprimir o nosso caracter nacional, e eu, que sou ainda uma creança, não posso vingal-a do ultraje: mas deshonrado me consideraria se de vós recebesse o mais pequeno favor. Sou brazileiro e quero conservar-me digno d’este titulo. De agora em diante nada mais commum há entre nós. Ficaram os francezes estupefactos, e o que fora salvo por Augusto, passados alguns instantes, retorquiu-lhe: - Mais o que vai ser de ti, creança! Teu pae confiou-te ao meu cuidado, não devo abandonar-te. - Meu pae me ensinou a amar a esta pátria e o senhor a insultou. Sei trabalhar e ganharei com o meu esforço o necessário para viver algum tempo e poder voltar á casa de meu pae, digno da sua estima e fiel aos seus ensinamentos. Adeus, senhor; respeite mais a terra que tão generosa e hospitaleira é para com todos os extrangeiros” (p. 80).

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animaes e vegetaes, por sua vez, obedecem as leis da sua formação, da sua existência. Sem lei a natureza seria um chãos” (p. 49).

Nesta formação cívica, a mulher ocupa um lugar especial. Mesmo “não chamada ao exercício do direito político” (p. 110), “como mãe de familia, como mestra ou educadora, a mulher tem campo vasto para exercitar os seus deveres de patriota” (p. 111). Neste sentido, para Amanajás (1898): “É na athmosfera serena do lar, no seio da família que Ella deve especialmente desobrigar-se desse nobilíssimo dever, porque ahi a sua acção benéfica e salutar se exerce mais facilmente e se augmenta com o carinho, inspirado pelo amor. Também no magistério, em que é sem dúvida superior ao homem, quando se trata de ensinar creanças, tem Ella ensejo, ou antes, tem obrigação imperiosa de cumprir esse dever, que ainda mais a engrandece. Infiltrar no coração dos futuros cidadãos um amor exaltado para com a pátria, gravar-lhes no espírito todos os seus direitos, mostrando que elles se engrandecem com a obediência de uns e com o uso legal dos outros, eis o que deve ser o seu principal cuidado, para que elles venham a honrar a pátria e agradecer a quem contribuio para se tornarem úteis à nação” (p. 110).

A formação moral, por sua vez, enquanto segundo pilar da constituição do sentimento de pertença e construção do cidadão esperado pela República, apresentado por estes livros ou manuais escolares, é bem evidenciada em Ensaios de Educação Moral e Cívica, de Ignácio Moura, o qual, em sua epígrafe, salienta que “É preciso que, a par de uma instrucção scientífica indispensável à vida de cada pessoa, haja, em bem alto grau, o cultivo da moral e da educação cívica para o bem da sociedade”. Agregando os deveres civis com a moral de matriz cristã ensinada por estes manuais, Amanajás, em Alma e Coração, observa que “Pode-se dizer que toda a lei emana directamente de Deus: porque o característico essencial da lei é ser justa, equitativa e promulgada para o bem de todos, e a fonte da justiça, da equidade e do bem, é Deus”. Por isso, “deveis amal-a [a pátria] ainda mais, se é possível: porque Deus nos deu por pátria esta esplendida terra da luz e da fecundidade, que se chama BRAZIL, permitindo que a forma do seu governo fosse o mais liberal e mais digno do homem civilisado, sem privilégios odiosos, creados pelo despotismo” (p. 24). Desta forma, a instrução pública promovida pelo regime republicano apresentou no conteúdo dos manuais ou livros escolares, de 1890 a 1930, o ensinamento dos deveres cívicos (de amor à pátria sobre todas as coisas) e da moral (efetivamente cristã), a partir dos quais este Estado objetivou formar os novos cidadãos brasileiros, em consonância com a influência do positivismo e das teorias raciológicas européias – materializados no lema ordem e

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progresso –, sobretudo nos chamados livros de leitura e nos materiais especificamente destinados a esta temática, em paralelo aos conteúdos de história, cartografia, matemática, leitura etc. que lhes eram elementares. Em sua nova conformação pós-1889, observamos nos manuais ou livros escolares que esta educação, renovada e expandida, objetivava, então, a construção de um novo perfil de cidadão, condizente com os princípios de um novo regime que se queria legitimar entre a população em geral, no qual são notórios os aspectos relacionados à moralidade e ao amor à pátria, já mencionados. A partir de suas novas características, este cidadão seria, por suposto, um cidadão republicano, cristão, patriota e civilizado – esta era a base a partir da qual, em consonância com as discussões que se teciam internacionalmente, o Brasil buscava inserir-se, política, educacional e ideologicamente, nos padrões de uma nação rumo ao progresso.

2.2 Representações sobre Raça, Nação e Civilização nos manuais escolares da Primeira República no Pará

De um modo geral, o termo nação foi utilizado como sinônimo de pátria, e civilização como um ideal a ser alcançado, o próprio progresso. Já o termo raça só esteve presente quando se referia a outros povos, ainda que a perspectiva de uma nação rumo ao progresso necessariamente levasse em consideração a configuração racial do seu povo, tal qual verificado no excerto da página 30; visto que esta configuração, por sua vez, classificaria a nação em selvagem, bárbara ou civilizada (esta última, sinônimo de progresso). Em nenhum manual foi denominada a raça do povo brasileiro. Quanto ao estágio de desenvolvimento, apenas o dos “índios da América” foram mencionados: classificados como selvagens (o mais inferior), o que, obviamente, não estava se referindo às populações das cidades que, em plena Belle Époque, simulavam em tudo os mais suntuosos traços culturais europeus, especialmente os franceses: habitações, vestimentas, estrutura urbana, hábitos alimentares, etc. (SARGES, 2002). À exceção da composição racial, em tudo esta sociedade estava próxima do tão almejado “mais alto grau de civilização”. Aventamos, então, que este seja justamente o principal motivo da ausência da raça na caracterização da nação brasileira: vive-se o chamado dilema brasileiro, isto é, a tentativa

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dos intelectuais que pensavam o país a partir das orientações teóricas em vigor internacionalmente, as quais propunham um lugar a ser alcançado – o da civilização – mas, ao mesmo tempo, condenavam alguns povos por sua raça (negra, amarela ou índia, por exemplo) e, ainda mais, a mistura racial. O Brasil, que se queria tão civilizado quanto as nações européias nas quais se inspirava para viver a Belle Époque, e que, devido ao êxito da produção da borracha e do café, conseguiu realizar um rearranjo urbano, higienizador, cultural etc. para tal, era, no entanto, imediatamente condenado por estas teorias pela miscigenação historicamente produzida. Estes manuais escolares refletem este incômodo, sobretudo intelectual. No âmbito escolar, este problema ainda era latente

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, ainda que alguns datem do final da Primeira

República, quando muito já se havia escrito a respeito de esta mistura poder ser, em contrapartida, a solução racial do país – através da idéia do branqueamento que se produziria pela dominância do elemento branco nas relações inter-raciais –, e mesmo que, também, a corrente culturalista, coroada com a obra de Gilberto Freyre, já começasse a pensar o mulato como símbolo da identidade nacional, dado que, neste momento, estas teorias raciais já estavam caindo em descrédito na academia. Portanto, verificamos que a República utilizou da instrução pública como importante instrumento de propagação dos seus novos ditames socioideológicos para a população em geral, principalmente pelo fato de como se deu a sua ascensão, sem a participação popular. Estes ditames diziam respeito à construção de um novo perfil de cidadão, cujas principais características seriam: o amor incondicional à pátria (o que se buscou alcançar através do ensino cívico) e a formação moral (cuja matriz era explicitamente cristã), representadas, na prática, pela defesa da nação e pelo respeito às autoridades e às leis. Delas, decorreria a constituição de uma sociedade ordenada, rumo ao progresso. A análise dos manuais escolares deste momento da República nos aponta, então, que, neste projeto, o problema da raça foi ignorado.

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Em trabalhos atuais acerca da relação entre o saber escolar e o saber acadêmico, nota-se que um de seus maiores problemas diz respeito à defasagem existente entre estas duas produções (MARANDINO, 2004; VADEMARIN, 1998). O conhecimento acadêmico sobre determinada temática demora certo tempo para alcançar os materiais destinados à educação básica, como o livro didático. Supomos que, se atualmente, com o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa e dos instrumentos de produção e propagação deste material para o grande público, ainda esperamos anos até que as discussões mais atuais da academia cheguem à sala de aula, isto deveria ser que ainda mais concreto no final do século XIX e início do XX, quando a própria produção de livros, quaisquer fossem as suas funções e públicos, era pequena no Brasil (RAZZINI, 2004).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O advento do regime republicano no Brasil, no final do século XIX, não contou com a participação do povo (CARVALHO, 1987). Ele esteve mais próximo de um golpe promovido por uma parcela específica dos militares, a chamada “mocidade militar”, composta por estudantes da Escola Superior da Praia Vermelha, de orientação positivista e abolicionista, que acabou conquistando Benjamin Constant para a sua causa (CASTRO, 1995). Proclamada a República, foi necessário conseguir o apoio popular para a sua estabilização, coisa que não aconteceu, pelo menos durante toda a primeira década da sua existência; contando, ainda, com episódios marcantes de descontentamento com o governo, como no da Revolta da Vacina (1904). Um dos principais meios encontrados pelo novo regime para legitimar-se entre a população foi a instrução pública. Esta, renovada e expandida, contou com um conteúdo especificamente moldado segundo os princípios ideológicos do novo governo, transmitidos, inclusive, através dos manuais ou livros escolares utilizados na educação, no caso das séries primárias, para o ensino da leitura e da escrita, dentre outros conteúdos (RIBEIRO, 1995). Estes ditames, por sua vez, sofreram influência das teorias raciológicas, de caráter evolucionista, forjadas na Europa, cujas formulações previam a divisão dos grupos humanos em raças hierarquicamente organizadas – em uma escala de selvagens, bárbaro e civilizados –, as quais, mundialmente reconhecidas, chegaram ao Brasil durante o século XIX e marcaram o pensamento intelectual nacional (SKIDMORE, 1976). No entanto, tais teorias não consideravam positivas as misturas raciais, dadas no Brasil desde os primeiros anos de colonização, ainda mais do elemento branco com duas outras raças inferiores: os negros e os índios. Pensar uma forma de, a despeito da miscigenação, o Brasil poder ser conceituado como uma nação rumo ao progresso – notadamente, à civilização – passou a ser, dessa forma, o principal problema enfrentado por estes intelectuais durante a segunda metade do século XIX (SCHWARCZ, 1993). O que se fez no Brasil, então, foi uma seleção destas teorias de modo que, em um primeiro momento, foi possível conceber esta mistura como uma saída para se chegar ao

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branqueamento; e, em um segundo, deu-se a transformação da miscigenação no “orgulho nacional” (SCHWARCZ, 1993). Este trabalho situa-se, entretanto, no momento em que os intelectuais nacionais buscavam a resolução deste dilema brasileiro: como admitir que, mesmo uma sociedade marcada pelas relações inter-raciais, poderia ser uma nação inclinada à civilização. Os resultados da análise de cinco manuais escolares utilizados na educação primária de Belém-PA durante os primeiros quarenta anos da República apontaram para a utilização do termo civilização como a própria idéia de progresso; e nação como a de pátria. Mostraram também que estes cidadãos que se queria formar pelo novo regime deveriam ter por principais características o amor à pátria e uma moral notadamente cristã, o que, na prática, significava o conhecimento e execução dos deveres cívicos e o respeito às autoridade e às leis. A caracterização desta nação brasileira que rumava ao progresso, à civilização, não contava, contudo, neste período (final do século XIX e início do XX) com o elemento racial: a concepção de raça foi totalmente ignorada, em todos os manuais, quando se tratava do Brasil. Para nós, isto reflete a tensão vivida por estes intelectuais na produção destes materiais de conceber meios e objetivos paradoxais, já que a designação de civilizadas, nestas teorias, estava destinada às nações compostas por uma raça específica, propensa a tal lugar de supremacia: os caucasianos – os brancos. Alguns destes manuais escolares datam, no entanto, já dos anos finais da Primeira República (1889-1930), período em que a historiografia sobre o tema nos aponta que tais teorias já viviam o descrédito científico. Além disto, já se falava correntemente da idéia de que esta mistura poderia embranquecer a população, logo, poderia ser encarada como positiva; e ainda, já se tinham iniciado os estudos culturalistas que aceitavam o mestiço como “fonte de orgulho nacional”. Nossa interpretação para este incômodo silêncio presente nos manuais escolares no que se refere à raça diz respeito, então, à defasagem entre a produção do conhecimento acadêmico e do conhecimento escolar (MARANDINO, 2004; VADEMARIN, 1998), na medida em que, se esta existe atualmente, com todos os meios de produção e difusão do conhecimento científico, deveria ser ainda maior no final do século XIX e início do XX, quando tal produção era significativamente mais escassa.

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Esta defasagem, por sua vez, pode ser uma das responsáveis pela forte hegemonia ainda hoje vivida no país do mito da democracia racial – questionado cientificamente desde a década de 1950, inicialmente com os trabalhos de Florestan Fernandes e, nos anos 1970, com os de Carlos Hasenbalg; cuja denúncia foi, ainda, intensificada nas duas últimas décadas, quando da entrada dos movimentos negros na academia. A despeito destes trabalhos determinantes para a compreensão da lógica pela qual se estabelecem as relações raciais no Brasil, a partir de um racismo velado, camuflado (TELLES, 2003), o consenso popular, como apontam estudos recentes 54, ainda sustenta o ideal da “harmonia racial”. A educação, desta forma, tal qual no início da República, ainda hoje atua na legitimação de um dado construto ideológico que reproduz, no que se refere ao racismo, representações (CHARTIER, 1993) acerca das relações raciais no Brasil em benefício de uma parcela da sociedade que dispõe deste meio para a concretização dos seus interesses (BOURDIEU, 1978, 1997, 1998). Tais representações ainda se pautam por um ideal de “paraíso racial”, o que, por sua vez, impede a ampla divulgação das conseqüências do racismo para grupos específicos da população, como a população negra, que nada vem a ganhar com a manutenção da forma como estas relações raciais determinam a estrutura social do país. Este papel da escola na reprodução da idéia da ausência de problemas raciais no Brasil simultânea à divulgação de representações pejorativas de dados grupos sociais objetiva a manutenção destas desigualdades, ainda atualmente pautadas nos diferentes espaços a serem ocupados por diferentes raças, cujo conceito, mesmo que não exista mais em seu caráter biológico do século XIX, ainda atua, na prática, na diferenciação que se tem no Brasil no que diz respeito à dominação entre grupo com características fenotípicas distintas (GUIMARÃES, 2004) 55. Os estudos contemporâneos sobre este tema podem ser identificados a partir da obra de Rosemberg, Brazilli e Silva (2003), a qual faz um levantamento da produção brasileira sobre o racismo em livros didáticos, indicando aspectos comuns ao conjunto de análises já produzidas neste sentido, as lacunas ainda presentes nesses trabalhos, bem como a diversidade 54

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Sobre o tema, sugerimos: Guimarães (2000, 2002a e b, 2004), Munanga (1988, 1996, 2004), Telles (2003).

Aliamo-nos à corrente sociológica de compreensão da utilização do conceito de raça, para a qual é pertinente esta utilização já que, ainda que o seu sentido biologizante do final do século XIX e início do XX tenha sido superado há muito tempo, é sobre este seu sentido que se organiza grande parte das desigualdades sociais existentes no país, onde brancos e não-brancos ocupam espaços socioeconômicos notadamente desiguais. Se esta noção perdura no senso comum no que se refere à lógica pela qual se apresentam as relações raciais no Brasil, é sobre ela que se tem de trabalhar para a subversão destas desigualdades (GUIMARÃES, 2002a).

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de enfoques teórico-metodológicos sobre os quais eles têm se apoiado. A despeito de suas críticas severas acerca da fragilidade teórica e metodológica dessa produção, bem como da sua incipiência dentro do campo de estudos sobre o livro didático em geral56, reconhecem a contribuição daquelas pesquisas para a eliminação das referências racistas nos livros didáticos, sobretudo pela denúncia que realizam. Nosso trabalho buscou, então, contribuir com esta produção, na medida em que investigou este conteúdo raciológico nos manuais ou livros escolares do início da República, período de gênese dos livros didáticos atuais, bem como da constituição de muito do que conforma a nossa “identidade nacional”. Este remonte histórico possibilita a compreensão da maneira pela qual tais materiais, na forma e no conteúdo, foram se constituindo alheios às conquistas do Movimento Negro e ao desenvolvimento das pesquisas acerca das relações raciais no Brasil; já que, como apontam os estudos atuais, permanecem as representações hierárquica e racialmente orientadas dos grupos sociais, ao mesmo tempo em que se ainda proclama o ideal da ausência de racismo no Brasil – no máximo, restrito a comportamentos individuais. Um importante livro que figura nesta produção é A discriminação do negro no Livro Didático (2004), de Ana Célia da Silva: analisando 82 livros de “Comunicação e Expressão”, a autora constatou que os conteúdos veiculados sequer representavam o negro em suas ilustrações. Nenhuma mãe ou professora negra foi encontrada. O padrão social apresentado pelos personagens (brancos) é o do trabalhador de classe média, que possui carro, casa mobiliada, aparelhos eletrodomésticos e aparecem bem vestidos. O branco é associado ao belo, ao puro, ao bom e ao inteligente. Enquanto isso, nas poucas vezes em que é referido, o negro é representado de forma folclorizada e estereotipada: ele é sempre o escravo, o serviçal, o filho da empregada, sem nome ou apelidado e caricaturado em figuras que remetem à gula ou a animais irracionais. O negro é “associado ao feio, ao malvado, ao incapaz, com atributos não-humanos e constituindo-se em minoria social”, conclui a autora; o que, novamente, nos remete às concepções evolucionistas do século XIX – e sua repercussão no imaginário popular brasileiro –, que concebiam a humanidade em uma escala etnográfica, de “superiores” a “inferiores”, ocupando o negro o último posto, e legitimando cientificamente a subordinação social. E, mesmo com tudo isso, ainda está presente a idéia da democracia racial. 56

“Com efeito, uma revisão da base de dados da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação) sobre teses e dissertações defendidas em programas de pós-graduação a ela filiados, no período de 1981-1998, revelou a presença de 114 títulos sobre o tema do livro didático, quatro dos quais relacionados ao racismo (...), para um total de mais de 8 mil títulos de dissertações e teses estocados em sua base de dados” (p. 127).

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Desta forma, entendemos que, do mesmo modo como os manuais ou livros escolares analisados apresentaram uma defasagem com relação às discussões que se faziam no âmbito acadêmico – já que a composição racial do Brasil foi sistematicamente subtraída dos seus conteúdos, ainda que estes tratassem do caminho de civilização que o país traçava, e que não se pudesse falar, à época, em civilização sem falar em raça –, também há uma defasagem entre o que já se sabe acerca da existência de racismo no Brasil (e da forma como este se manifesta nas relações sociais – racialmente orientadas) e o conteúdo dos livros didáticos veiculados nas escolas, os quais, apresentando representações negativas com relação ao elemento negro na sociedade, continuam mantendo o discurso da igualdade racial. Este papel de reprodução da escola, em prol dos interesses de determinados grupos – notadamente, aqueles que se beneficiam da manutenção de espaços sociais racialmente desiguais, por meio da não-discussão das diferenças raciais no Brasil, possibilitada pela idéia de que esta desigualdade não existe –, é passível, no entanto, como assegura Bourdieu (1997, 1998), ser subvertido; e todo este potencial da educação, no que se refere à sua abrangência social, pode se voltar para a desconstrução desta ordem social desigual. Concordamos, então, com Coelho (2006) quando a autora aponta a formação de professores como saída para a inversão do papel da escola, de legitimadora da ordem desigual da sociedade para promotora de relações sociais verdadeiramente democráticas 57. São estes professores que, na leitura crítica do livro didático, e no conhecimento do histórico das relações raciais no Brasil, podem subverter quaisquer representações racistas acerca do negro na sociedade brasileira e, assim, possibilitar-lhes maiores chances de êxito educacional e social.

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Em A Cor Ausente (2006), a autora investiga o lugar do negro nos cursos de formação de professores, tomando como objeto o Instituto de Educação do Estado do Pará (IEEP), nas décadas de 1970 e 1980. Neste sentido, busca refletir sobre o modo com o qual a escola, por meio dos cursos de formação de professores, contribui para a reprodução da discriminação e do preconceito, na medida em que estes alunos negros, ao não se verem naquela instituição, especialmente no conteúdo por ela produzido, não se formam identitariamente e, quando profissionais, continuam a reproduzir este não-lugar do negro nas instituições e na sociedade. Por meio de tal formulação, afirmamos a recorrência de muitos dos elementos deterministas e raciológicos de apreensão do negro nos lugares de formação docente. Isto faz com que os professores – que deveriam criticar tais representações – reproduzam os parâmetros pejorativos de apreensão de segmentos da população brasileira.

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