MAPEAMENTO DOS ITINERÁRIOS E LOCAIS DE DESTINO DOS MORADORES QUE FORAM REMOVIDOS COMO CONSEQÜÊNCIA DAS INTERVENÇÕES DO VILA VIVA NA VILA SÃO TOMÁS E NO AGLOMERADO DA SERRA RELATÓRIO PARCIAL

July 22, 2017 | Autor: R. Pereira de Oli... | Categoria: Vila Viva, favela, web 2.0, Aglomerado da Serra, Urbanização de favelas
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Municípios Indicados de Destino das Famílias Removidas das Vilas São Tomás e Aeroporto

²

Número de Famílias 1-4 5-8

Monte Azul

20 105

Pedra Azul

Municípios RMBH Matozinhos

Paraopeba São José da Lapa

Matozinhos Vespasiano Esmeraldas Santa Luzia Contagem Belo HorizonteSabará Betim São Joaquim de Bicas Itatiaiuçu

Vespasiano

Esmeraldas

Santa Luzia

Ribeirão das Neves Manhuaçu Contagem

Sabará

Belo Horizonte

Betim

São Joaquim de Bicas

0

5

10

15

Três Corações

0

40

80

120

Km 160

Base Cartográfica: IBGE, 2010 Datum: SAD 69 Coordenação: Pesquisa Cidade e Alteridade: Convivência Multicultural e Justiça Urbana Núcleo de Reassentamentos Urbanos - UFMG, 2013

Km 20

Distribuição das Famílias em Belo Horizonte Número de Famílias !

1

!

1-3

!

3-6

!

6 - 15

!

15 - 22

²

Serra Verde

!

Céu Azul !

Solimões São João Batista ! Ribeiro de Abreu ! Conj. Felicidade Floramar Tupi ! Novo Aarão Reis São Tomás

!!

São Bernardo

! !

Aarão Reis

!

!

!

Buritis !

0

1

2

3

Km 4

Base Cartográfica: Prodabel, 2000 Datum: SAD 69 Coordenação: Pesquisa Cidade e Alteridade: Convivência Multicultural e Justiça Urbana Núcleo de Reassentamentos Urbanos - UFMG, 2013

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MAPEAMENTO DOS ITINERÁRIOS E LOCAIS DE DESTINO DOS MORADORES QUE FORAM REMOVIDOS COMO CONSEQÜÊNCIA DAS INTERVENÇÕES DO VILA VIVA NA VILA SÃO TOMÁS E NO AGLOMERADO DA SERRA RELATÓRIO PARCIAL

Relatório parcial do Projeto Binacional de Pesquisa Cidade e Alteridade, iniciativa conjunta da UFMG, da UFV, da UI e do CES/UC, sob a Coordenação Geral da Professora Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin e do Prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos, apresentado à Coordenação de Inclusão e Mobilização Sociais do MPMG. Núcleo temático reassentamentos urbanos. Pesquisadores do Núcleo: Ananda M. Carvalho, Aline R. Pereira, Isabella G. Miranda, Fábio A. D. Merladet, Lívia Lages, Luana X. P. Coelho, Miracy B. S. Gustin, Paula Cançado, Ricardo A. P. de Oliveira, Thaís L. S. Isaías.

BELO HORIZONTE, 2013

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PROJETO BINACIONAL DE PESQUISA CIDADE E ALTERIDADE Convivência Multicultural e Justiça Urbana Coordenação Geral Profa. Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin Prof. Dr. Boaventura de Sousa Santos Coordenação de gestão e planejamento Aline Rose Barbosa Pereira Fernanda de Lazari Cardoso Mundim Marisa Alves Lacerda

Coordenação de sub-eixos Aderval Costa Filho Adriana Goulart de Sena Orsini Ana Beatriz Vianna Mendes Ana Flávia Santos Eloy Pereira Lemos Iara Menezes Lima Gregório Assagra de Almeida Miracy Barbosa de Sousa Gustin Márcia Helena Batista Corrêa da Costa Rennan Lanna Martins Mafra Orientadores de campo Aline Rose Barbosa Pereira Ana Paula Santos Diniz Carla Beatriz Marques Rocha e Mucci Gabriela de Freitas Figueiredo Rocha Luana Xavier Pinto Coelho Ludmilla Zago Andrade Mariana Fernandes Gontijo Raquel Portugal Nunes Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira Pesquisadores Ana Carolina Rodrigues Ana Flávia Brugnara Ana Flávia Nogueira Ana Luiza Rocha de Melo Santos Clênio de Sousa Rodrigues Dilson Nascimento Evandro Alair Camargos Alves Fábio André Diniz Merladet Fernando Nogueira Martins Júnior

Lilian Nássara Chequer Lívia Mara de Resende Lucélia de Sena Alves Marcela Müller Maria Antonieta Gonçalves dos Santos Patrícia Rodrigues Rosa Paula Cançado Paulo Alves Lins Raíssa de Oliveira Murta

3

Grazielly de Oliveira Spínolla Isabella Gonçalves Miranda

Raquel Letícia Soares Martins

Estudantes Alissa Cristina Ananda Martins Carvalho

Juliana da Silva Rosa

Bárbara de Moraes Rezende

Lívia Bastos Lages

Bruno Menezes Andrade Guimarães

Nayara Rodrigues Medrado

Cátia Meire Resende

Patrícia Dias de Sousa

Gislaine Alves Rodrigues

Pedro de Aguiar Marques

Guilherme Abu-Jamra

Rayanna Fernandes de Souza Oliveira

Guilherme Mendonça Del Debbio

Regiane Valentim Leite

Humberto Francisco F. C. M. Filpi

Thaís Lopes Santana Isaías

João Pedro Lima de Guimarães Vargas

Yuri Alexandre dos Santos

Equipe responsável pelo relatório:

Pesquisa e redação: Núcleo de assentamentos urbanos Coordenadora: Profa. Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin Orientadores de Campo: Luana Xavier Pinto Coelho Ricardo Alexandre Pereira de Oliveira Pesquisadores: Aline Rose Barbosa Pereira Ananda Martins Carvalho Fábio André Diniz Merladet Isabella Gonçalves Miranda Paula Cançado Lívia Bastos Lages Thais Lopes Santana Isaias

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SUMÁRIO

Lista de Tabelas ......................................................................................................................... 5 Lista de Gráficos ......................................................................................................................... 6 Lista de Fotos.............................................................................................................................. 7 Lista de Quadros ........................................................................................................................ 8 2. METODOLOGIA................................................................................................................... 12 2.1 Pressupostos teóricos e conceituais .......................................................................... 12 2.2 Área de abrangência e público alvo............................................................................ 15 2.3 Metodologia de campo .................................................................................................. 15 3. REMOÇOES E DESTINOS DOS REMOVIDOS............................................................. 18 3.1 A intervenção e as remoções ...................................................................................... 18 3.2 Apresentação e análise dos dados do mapeamento ............................................... 24 3.3 Inferências iniciais acerca dos efeitos das remoções nas famílias indenizadas . 33 4. CONSIDERAÇOES FINAIS ............................................................................................... 42 5. REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 44 6. APENDICE ............................................................................................................................ 45

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Lista de Tabelas Tabela 1: Informação/percepções dos moradores entrevistados acerca do nível de satisfação, das famílias removidas, com seus novos locais de residência..................... 26 Tabela 2: Idade x Escolaridade – Vila São Tomás ...................................................... 34 Tabela 3: Grau de instrução do Chefe de família ........................................................ 35 Tabela 4: renda familiar, com destaque para as vilas São Tomás e Aeroporto ........... 36 Tabela 5: quadros de população segundo escolaridade e renda nas vilas do Aglomerado da Serra ............................................................................................................... 37

6

Lista de Gráficos Gráfico 1: Distribuição dos moradores entrevistados, segundo seu tempo de residência no local ....................................................................................................................... 17 Gráfico 2: Distribuição dos moradores entrevistados, segundo número de famílias removidas que conhecem. .......................................................................................... 24 Gráfico 3: Distribuição dos moradores entrevistados, segundo número de pessoas removidas que conhecem ........................................................................................... 25 Gráfico 4: Informação/ percepção dos moradores entrevistados acerca do nível de satisfação das famílias removidas em seus novos locais de residência ......................... 26 Gráfico 5: Atual local de residência dos Indenizados Não Serra, segundo regiões selecionadas. Aglomerado da Serra, 2010-2011 ................................................................ 32

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Lista de Fotos Foto 1: zona de remoção Vila São Tomás ........................................................................... 22 Foto 2: Zona de remoção vila Aeroporto .............................................................................. 22 Foto 3: zona de remoção vila São Tomás ............................................................................ 23 Foto 4: zona de remoção vila São Tomás ............................................................................ 23 Foto 5: Local de destino, caso 2 D. Amélia e S. José, Vespasiano ................................. 40

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Lista de Quadros Quadro 1: Quadro Geral de Realocações do Aglomerado da Serra ............................... 19 Quadro 2: Quadro resumo de realocações das Vilas São Tomás e Aeroporto............ 21 Quadro 3: Distribuição das famílias indicadas pelos moradores entrevistados, segundo local de destino após remoção............................................................................................... 27

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1 CONSIDERAÇOES INICIAIS O presente relatório apresenta resultados parciais de investigação no âmbito da pesquisa binacional “Cidade e alteridade: convivência multicultural e justiça urbana”, iniciativa interdisciplinar da Universidade Federal de Minas Gerais e do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em parceria com a Universidade Federal de Viçosa e a Universidade de Itaúna. Para a realização de seus objetivos, a pesquisa atua por meio de dois eixos temáticos, respectivamente: Eixo I - Convivência multicultural e políticas públicas de inclusão/integração no espaço urbano e Eixo II - Regulação e efetivação de experiências de justiça urbana. Os resultados indicados neste relatório encontram-se no âmbito de investigação do segundo eixo temático. Dentre os objetivos abrangidos pelo Eixo II da pesquisa, desenvolve-se a análise de efeitos e impactos dos programas de assentamento e reassentamento da Prefeitura de Belo Horizonte/MG, especificamente nas Vilas São Tomás e Aeroporto e no Aglomerado da Serra, tendo como foco o exame do Programa Vila Viva. O objetivo-fim de políticas de intervenção em vilas e favelas deve ser a melhoria da qualidade de vida dos habitantes e a garantia do exercício de seus direitos fundamentais, tais como previstos na Constituição Federal. Contudo, para que tal objetivo efetivamente se concretize, as políticas públicas devem compreender e responder às necessidades e demandas das populações nas quais intervém, sob a ótica da diversidade social e cultural presente nas cidades brasileiras. O Vila Viva, programa da prefeitura de Belo Horizonte, tem atuado nos espaços selecionados para a investigação e será, portanto, o objeto

do

estudo. O programa começou a ser implementado em 2005, no Aglomerado da Serra, tendo iniciado em 2011 o processo de remoção e reassentamento das famílias nas vilas São Tomás e Aeroporto. Tendo em vista a grande abrangência do programa Vila Viva (38% dos moradores de vilas e favelas de Belo Horizonte serão diretamente afetados,

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com a previsão de que 13.167 famílias sejam removidas) 1, e o fato de que há ainda localidades onde o programa encontra-se em suas fases iniciais, torna-se relevante analisar o impacto e os efeitos dessa intervenção para as comunidades, tendo em vista o elevado número de remoções que implica. Entende-se a análise de impacto de políticas públicas como a análise de efetividade das intervenções determinadas por essas políticas. A efetividade, nesta pesquisa, tem sido entendida como o cruzamento dos objetivos propostos por essas políticas ou programas de intervenção com as necessidades e demandas das populações objeto dessas políticas. No caso, as políticas de reassentamento das populações periféricas em Belo Horizonte, com foco no Programa Vila Viva como antes explicado. A relevância da realização de um mapeamento dos locais de destino dos moradores é a de levantar indicativos iniciais acerca de como o programa tem afetado a qualidade de vida das famílias objeto de remoção, o que será aprofundado em momento posterior, a partir de entrevistas com estas famílias. Cabe destacar que o alto número de remoções pode se constituir num fator inviabilizante para a melhoria da qualidade de vida não somente das famílias removidas e reassentadas, mas também daquelas que permanecem nas comunidades alvo do Programa e, em última instância, daquelas residentes nos locais para onde os reassentados foram direcionados. Isto porque as remoções têm impacto direto sobre os laços sociais dos envolvidos, destituindo relações e vínculos muitas vezes construídos ao longo de décadas de convívio, apoio e trocas. Do ponto de vista das comunidades receptoras dos reassentados, a chegada de novos moradores – especialmente quando em maior número – pode gerar problemas como intrigas de vizinhanças, alteração no nível de demanda por serviços e equipamentos públicos, dentre outros. Dentre as famílias removidas em virtude das obras do programa Vila Viva, somente 40% (quarenta por cento) são reassentadas nos conjuntos

1

BELO HORIZONTE. URBEL: Vila Viva – integração das vilas à cidade. Disponível em: < http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/comunidade.do?evento=portlet&pIdPlc=ecpTaxonomiaMenuPortal&ap p=urbel&tax=8178&lang=pt_br&pg=5580&taxp=0&> Acesso em: 16/12/2012

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habitacionais construídos, geralmente, na mesma localidade2 onde as remoções ocorrem3. Deste modo, a 60% (sessenta por cento) das famílias removidas não é assegurada, pelo programa, a permanência na vila, devendo as mesmas procurar novas moradias em locais onde há oferta disponível pelo preço recebido a título de indenização. Outro efeito pernicioso da intervenção nas vilas e favelas especialmente aquelas objeto de estudo, localizadas em locais centrais (Serra) ou próximas a centros de serviços (São Tomas e Aeroporto) - é a alteração no mercado imobiliário dentro da própria vila. O elevado número de remoções coloca no mercado, de forma imediata, milhares de “compradores” potenciais. Soma-se a isso o fato de que a própria remoção e consequente destruição dos imóveis retira inúmeras casas do mercado, diminuindo a oferta. Por consequência, a alta na demanda por imóveis nas favelas e a diminuição da oferta, onde estas famílias residem, provoca uma alta nos preços das casas disponíveis, fazendo com que cada vez mais as indenizações fornecidas pelo programa sejam insuficientes para se comprar imóveis na própria vila. Como o Programa acontece em toda a cidade de Belo Horizonte, a alta nos valores dos imóveis nas favelas e vilas é efeito facilmente observável em toda a cidade. Desse modo, aqueles que primeiro são removidos são os que, possivelmente, conseguem adquirir imóveis na própria vila. Para os demais, são poucas as opções de aquisição de moradia em locais próximos a suas antigas residências, sendo obrigados a ir cada vez mais longe para encontrar imóveis com preços acessíveis e correspondentes às indenizações recebidas. A distância da antiga moradia implica, por consequência, uma precarização das condições de vida, haja vista o rompimento com as relações anteriormente constituídas, sejam elas de acesso a serviços, emprego ou mesmo socioafetivas. O mapeamento do local dos destinos dos moradores é relevante para permitir uma reflexão acerca dos impactos do Programa Vila Viva na vida das 2 No caso estudado nas Vilas São Tomás e Aeroporto, apartamentos foram oferecidos em áreas do Bairro Juliana e não nos locais de origem.

3

Dado fornecido por técnicos da Urbel, em entrevista aos pesquisadores.

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famílias objeto de remoção – ou seja, tanto daquelas que saem dos locais de intervenção, quanto daquelas que ali permanecem - pois permite uma visualização espacial da dispersão destas famílias. A próxima etapa do estudo se voltará à compreensão da realidade dos locais receptores destes moradores, o que permitirá avaliar a complexidade do impacto do programa de urbanização na população de baixa renda de Belo Horizonte.

2. METODOLOGIA 2.1 Pressupostos teóricos e conceituais A relação precípua de grupamentos humanos a um território é um produto histórico de processos sociais e políticos. A territorialidade, como definida por Little (2002), é um “esforço coletivo de um grupo social para ocupar, usar, controlar e se identificar com uma parcela específica de seu ambiente biofísico, convertendo-a assim em seu ‘território’”. A relação com o lugar compõe a própria identidade coletiva do grupo, uma vez que é no espaço que as relações sociais se desenvolvem, onde o cotidiano se desdobra. A ida ao trabalho, a construção da casa, o cuidado com a família, a interação com amigos e vizinhos, a relação política com os demais membros da comunidade, são todos componentes do cotidiano que, sendo produzidos em um território, dão sentido a ele, de forma que o sujeito pertença ao território da mesma forma que este pertence àquele. Neste sentido ensina a geógrafa Ana Fani Alessandri Carlos: O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano do vivido o que garante a construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade, posto que é aí que o homem se reconhece porque é o lugar da vida. O sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a produção do lugar liga-se indissociavelmente a produção da vida. (CARLOS, 2007, p. 22)

Esta relação com o território, impregnado de significados quanto à reprodução de um modo de vida, gera demandas e lutas próprias quanto à

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permanência dos grupos, demandas estas que podem se relacionar tanto a melhorias na qualidade de vida, quanto à própria permanência no território. Miracy B. S. Gustin (2002), ao discorrer acerca dos valores independentes que compõem o conceito de capital social e humano, utilizado também neste estudo para compreensão do impacto das intervenções na vida das populações, apresenta o conceito de estabilidade, conjuntamente com a sensação de pertencimento, e as consequências de tais valores para a vida da comunidade: A população em condições de estabilidade tende a manter uma relação de conservação e manutenção de melhorias do ambiente externo e do próprio domicilio onde habita, além do envolvimento com a sustentabilidade de opções de desenvolvimento da comunidade. A sensação de pertencimento à comunidade onde reside motiva a conquista de melhorias individuais e coletivas de vida e de bem-estar. Entende-se, ainda, que a obtenção do acesso aos direitos à saúde, à educação, ao lazer, à regularização fundiária, à moradia sustentável, bem como à geração de renda, são direitos e relações contínuas que contribuem para a estabilidade da população no local onde mora, melhorando-o e tornando-se mais viável a constituição de capital social.

Percebe-se que, a relação da comunidade com o território, associada à sensação de pertencimento, por consequência, fomenta a defesa ou demanda por obtenção de melhorias coletivas. Fruto de um processo histórico, essa relação auxilia a construir a rede de significados atribuídos ao espaço, que conformam a própria identidade do grupo referido. A ideia de remoção, de reconstrução – “urbanização”- importa na ressignificação destes territórios. Este processo, quando promovido por uma política pública padronizada ou homogênea, desconsidera estes significados prévios atribuídos ao território, para imposição de uma nova forma de compreensão deste, segundo modelo determinado por terceiros. Aliada a isso, a expulsão de parcelas das comunidades para outros lugares importa na readequação destes a novos territórios, com os quais não guardam qualquer identidade. O conceito de “linhas abissais”, cunhado

por Boaventura de Sousa

Santos (2008), assume, portanto, uma grande centralidade neste estudo para

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explicar a existência de desigualdades e exclusões radicais entre os diferentes espaços das cidades e seus habitantes. O teórico propõe que o pensamento ocidental moderno é um pensamento abissal, pois ele assenta a sua hegemonia na produção de ausências,

na

invisibilização,

subalternização

e

ridicularização

das

modernidades alternativas insurgentes e do imenso universo de conhecimentos e lógicas de pensamento não modernos. Ou seja: O pensamento moderno ocidental é um pensamento abissal. Consiste num sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são estabelecidas através de linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado da linha’. A divisão é tal que ‘o outro lado da linha’ desaparece enquanto realidade, torna-se inexistente, e é mesmo produzido como inexistente. Inexistência significa não existir sob qualquer forma de ser relevante ou compreensível. Tudo aquilo que é produzido como inexistente é excluído de forma radical porque permanece exterior ao universo que a própria concepção aceite de inclusão considera como sendo o Outro. (SANTOS, 2008, p. 3-4)

As

linhas

abissais

são

separações

simbólicas

fundadas

no

conhecimento, no poder e no direito moderno ocidental hegemônico que invisibilizam e desacreditam toda uma diversidade de formas de conhecimento, relações sociais e legalidades existentes no mundo, assim como seus sujeitos. Essas linhas são simbólicas, porém se tornam objetivas quando aplicado o conceito a determinado fenômeno social. É possível falar em cartografias abissais do poder político, da legalidade e do conhecimento que estabelecem os termos da distinção entre “esse lado da linha” e “o outro lado da linha”, onde nada que existe é considerado relevante ou compreensível. Tudo o que acontece “do outro lado da linha” fica invisível e, por isso, não põe em questão a ordem justa e democrática existente “desse lado da linha”.

Desta forma, o “outro lado da linha” tem sido

historicamente marcado pela predominância de processos de violência e de expropriação.

15

2.2 Área de abrangência e público alvo Este estudo abrange as vilas São Tomás, Aeroporto e Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte/MG, especificamente a área no entorno dos locais onde ocorreram as remoções. Os moradores destas áreas específicas são o público alvo do presente estudo. A estes foram incluídos moradores do bairro São Bernardo, no caso, aqueles também residentes no entorno das áreas onde ocorreram as remoções. 2.3 Metodologia de campo Os dados para construção do mapeamento foram captados por meio de fontes primárias e secundárias de informação. Nas vilas São Tomás e Aeroporto foi feita a coleta de dados primários, através da realização de entrevistas com moradores. No Aglomerado da Serra, foram utilizados dados secundários, retirados da pesquisa realizada pelo Programa Pólos de Cidadania,

intitulada

“Os

efeitos

do

Vila

Viva

Serra

na

condição

socioeconômica dos moradores afetados” (2011). Esta foi uma pesquisa financiada pelo CNPq e, desta forma, com respaldo de instituição científica importante no país. Uma fonte de dados secundária, que possibilitaria análise quantitativa dos dados e, desta forma, uma indicação mais precisa quanto ao destino dos moradores removidos, seria o cadastro da própria Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte, uma vez que esta mantém registro de endereços dos moradores, ao menos do primeiro local de destino após a remoção. Contudo, até a data de confecção do presente relatório, não nos foi fornecida a informação, mesmo sendo informação pública conforme dispõe a Lei n. 12.527/2011: “informação relativa à implementação, acompanhamento e resultados dos programas, projetos e ações dos órgãos e entidades públicas, bem como metas e indicadores propostos;” (art. 7°, VII, a). Bem como no art. 31, § 3°, II: Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias individuais.

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§ 3o O consentimento referido no inciso II do § 1o não será exigido quando as informações forem necessárias: II - à realização de estatísticas e pesquisas científicas de evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a identificação da pessoa a que as informações se referirem;

A justificativa da Urbel pelo não fornecimento dos dados foi de que não há uma obrigatoriedade, por parte da prefeitura em relação aos moradores indenizados, de oferecer acompanhamento e, desta forma, as informações que possuem sobre os endereços dos removidos são oriundas, somente, dos registros necessários para as mudanças destas famílias para seus novos endereços. Estes registros, segundo eles, não estariam sistematizados e deveriam ser tratados, antes que a informação nos fosse fornecida. Cabe frisar, contudo, que mediante uma reiteração do pedido, a responsável pelo posto da Urbel na Vila São Tomás se comprometeu a repassar tais informações, assim que tivesse pessoal disponível para fazer o levantamento dos dados solicitados. Dessa forma, para este relatório parcial de resultados, diante da ausência de dados que pudessem fornecer subsídio quantitativo do número de famílias removidas e o destino destas após a remoção, foi feita a opção pela técnica de inquérito para aferir,

junto aos moradores que permaneceram,

indicativos do destino dos moradores indenizados, a partir da suposição da continuidade de redes de contatos de vizinhança ou de amizade anteriores ao reassentamento. No caso da fonte primária, conforme mencionado anteriormente, esta se refere às informações coletadas por meio da aplicação, pela equipe, de questionário nas Vilas Aeroporto e São Tomás, e no Bairro São Bernardo. Este questionário, que se encontra anexado ao final do presente documento, contém perguntas abertas, por meio das quais se buscou perquirir não somente o destino dos moradores removidos, mas também a quantidade de removidos conhecida por cada um dos entrevistados e se estes eram capazes de avaliar o grau de satisfação dos removidos com a nova situação. Os entrevistados foram escolhidos de forma aleatória, porém, buscou-se garantir o máximo de espalhamento, ou de difusão, ao longo da área da

17

mancha de remoção, com vistas a cobri-la por completo. No recrutamento, foram abordados aqueles moradores que se encontravam em frente às suas casas no momento da pesquisa e que se dispuseram a responder, no dia, o questionário. Foi utilizado como linha de corte o tempo do morador na vila, já que um morador mais antigo teria maior probabilidade de conhecer pessoas removidas. Ao todo, foram entrevistados 36 indivíduos, dos quais 20 no Bairro São Bernardo e 16 na Vila São Tomás. Todos eles residem nos locais afetados pelas remoções há, no mínimo, 10 anos. Exceção feita ao caso de dois entrevistados, que disseram lá residir há apenas dois e oito anos, respectivamente. No gráfico abaixo é possível ver a distribuição dos entrevistados segundo seu tempo de residência nas respectivas vilas. Vê-se que esta distribuição ocorre na faixa acima de dez anos de moradia e que a maior concentração dá-se no intervalo de onze a vinte anos (13 respondentes). Apesar de terem sido escolhidos de forma aleatória, sem grande rigor quantitativo, por ser a pesquisa de cunho predominantemente qualitativo, este dado sobre o tempo de residência daqueles que responderam ao questionário valida a incorporação dos resultados da aplicação do questionário entre os 36 moradores. Gráfico 1: Distribuição dos moradores entrevistados, segundo seu tempo de residência no local

Fonte: tabulação própria (2013)

No caso dos dados advindos da pesquisa realizada pelo Programa Polos de Cidadania - “Os efeitos do Vila Viva Serra na condição socioeconômica dos

18

moradores afetados” (2011) - estes são compostos pelo resultado de

60

entrevistas em profundidade com moradores do aglomerado da Serra e contém a indicação de 45 famílias removidas em decorrência do Programa, sendo 15 reassentadas em unidades habitacionais, 15 realocadas no próprio aglomerado e 15 realocadas em outras áreas ou cidades. Serão, portanto, utilizados os dados do grupo categorizado como “indenizados não Serra”, ou melhor, indenizados que não permaneceram no Aglomerado da Serra, a fim de servir de base inicial de comparação sobre possíveis destinos dos moradores removidos. Além destas duas fontes de dados, serão apresentadas informações coletadas por meio de entrevistas em profundidade realizadas pela equipe, junto a moradores removidos. Deve-se destacar que estas entrevistas foram incorporadas a este relatório com o intuito de exemplificar alguns pontos considerados relevantes para a discussão ora proposta. Sua análise mais aprofundada, no entanto, fará parte do próximo relatório a ser elaborado pela equipe deste mesmo eixo ‘reassentamentos urbanos’, o qual terá como objeto a análise dos impactos e efeitos das políticas públicas de reassentamento da Prefeitura de Belo Horizonte.

3. REMOÇOES E DESTINOS DOS REMOVIDOS 3.1 A intervenção e as remoções O cálculo das remoções necessárias para a execução da intervenção é feito quando da elaboração do Plano Global Específico, ainda durante o processo de planejamento. Contudo, esse cálculo pode ser alterado durante a execução das obras, tendo em vista necessidades que surgem quando se alteram os projetos, além dos riscos criados pela própria intervenção. Segundo o Plano Global Específico para o Aglomerado da Serra (2001), as remoções seriam conforme o quadro abaixo:

19

Quadro 1: Quadro Geral de Realocações do Aglomerado da Serra

Fonte: PGE, Serra (2001)

O reassentamento das famílias por meio do programa Vila Viva ocorre de três formas distintas, quais sejam (1) reassentamento em conjuntos habitacionais construídos pelo programa; (2) aquisição de nova moradia através do Programa de Reassentamento de Famílias Removidas em Decorrência da Execução de Obras Públicas – PROAS; e (3) indenização pelas benfeitorias. Assim, no Quadro 1 a sigla N.U.H corresponde à Novas Unidades Habitacionais, que correspondem então à realocação na primeira modalidade mencionada acima. Já o reassentamento por meio do PROAS se dá nos casos de moradores com benfeitorias avaliadas em valor inferior a 40 mil reais4. Os indenizados atendidos pelo PROAS devem adquirir sua nova moradia através desse programa. Neste caso, a prefeitura não repassa qualquer valor diretamente ao beneficiado, mas sim à nova moradia, dentro dos padrões e critérios pré-definidos. Critérios estes que algumas vezes dificultam a aquisição da moradia pelos reassentados, uma vez que o valor do PROAS é muito baixo para arcar com uma habitação bem localizada e inserida no contexto urbano. Observa-se ainda que a terceira modalidade de reassentamento não foi incorporada ao quadro, ocorrendo em situações cujas benfeitorias tiveram avaliação superior ao valor atendido pelo PROAS. Assim, as famílias recebem diretamente um cheque com o valor correspondente sem que haja 4

Valor em junho de 2013, mas que é periodicamente reajustado.

20

acompanhamento específico por parte do programa para a aquisição da nova moradia. Tanto a busca de moradias à venda quanto a compra desta ocorre sem qualquer supervisão do programa Vila Viva. Conforme se vê, os mesmos conceitos usados como referência no quadro de reassentamentos no âmbito do Vila Viva Serra são também adotados no Quadro 2 que discrimina os números de realocação em decorrência do Vila Viva São Tomás. No Aglomerado da Serra, contudo, ao final da execução da primeira fase do projeto, conhecido como Vila Viva 1, o total de remoções totalizava 2.269 famílias, dentre as quais 856 foram ou ainda serão reassentadas em novas unidades habitacionais e 1.413 receberam indenizações pela URBEL (seja ou não pelo PROAS).5 Nas vilas São Tomás e Aeroporto, a previsão de remoção no Plano Global Específico, feito em 2001, foi diversa daquela executada quando do início da obra em 2011, após ter sido refeito o cálculo da mancha de inundação do Córrego da Pampulha, que estendeu a área de risco para um limite superior ao previamente estabelecido no plano. O PGE (2001), previu as remoções num total de 530 domicílios6, como aponta o quadro abaixo7:

5

Polos de Cidadania “Os efeitos do Vila Viva Serra na condição socioeconômica dos moradores afetados” (2011). 6 A metodologia utilizada nos Planos Globais Específicos para definição de família (Aglomerado da Serra) ou domicílio (Vilas São Tomás e Aeroporto) não são claras. Compreende-se que em ambos os casos o que se definiu por família ou domicílio foi a unidade que seria objeto de remoção com direito ao reassentamento individualizado. Em muitos casos, houveram relatos de moradores que discordavam dos critérios da Urbel em definir esta “unidade”, seja domicílio ou família, que seria objeto de indenização, por desconsiderar, por vezes, filhos que moravam em habitações construídas no mesmo terreno como uma unidade separada. Assim, a própria falta de metodologia clara da Urbel nestas distinções nos impossibilita de definir estes conceitos conforme parâmetros próprios, mas nos indica que os números ali fornecidos contabilizam o que eles compreendem por família ou domicílio, ou seja, a unidade a quem eles atribuíram o direito ao reassentamento individualizado. 7 PREFEITURA, BELO HORIZONTE. PGE Vila São Tomás e Aeroporto. Diagnóstico etapa 4. Janeiro 2001

21

Quadro 2: Quadro resumo de realocações das Vilas São Tomás e Aeroporto

Fonte: PGE, Aglomerado da Serra, 2001

Porém, após as adaptações a fim de adequar o PGE de 2001 ao projeto executivo, as previsões de remoções nas Vilas São Tomás e Aeroporto chegam a um total de 1300 famílias8, destas 560 serão reassentadas em conjuntos habitacionais, dentre os bairros São Tomás (440 unidades) e Juliana (120 unidades), e 740 foram ou serão indenizadas, aproximadamente. As fotos de 1 a 4 mostram a situação na zona de remoção nas vilas São Tomás e Aeroporto no momento da realização desta pesquisa (jan-jun/2013). Período este que as obras para a construção das unidades habitacionais e demolição das casas ficaram paralisadas, agravando a situação de quem permaneceu na vila ou que ainda esperava indenização e remoção. Pelas fotos é ainda possível perceber, mesmo durante o processo de remoção e demolição, a mudança física do território dentro da nova perspectiva da política de urbanização, que traz ressignificados para o espaço. Toda esta alteração, já se prolonga por três anos, afetando profundamente o cotidiano das famílias que permanecem e, que, de uma forma ou de outra, também terão que criar novas identidades e novo senso de comunidade, quando a intervenção finalizar.

8

Informação fornecida pelos técnicos da Urbel.

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Foto 1: zona de remoção Vila São Tomás

Foto 2: Zona de remoção vila Aeroporto

23

Foto 3: zona de remoção vila São Tomás

Foto 4: zona de remoção vila São Tomás

A análise dessas fotos demonstra, imediatamente, a violência simbólica do descaso da administração pública em relação aos bairros periféricos. É possível, ao ver tais imagens, relembrar a existência de uma linha abissal que o poder político estabelece entre periferias e centros urbanos, entendendo os primeiros como locais onde tudo que existe é considerado irrelevante e invisível. As imagens apresentadas - poucas delas - permitem, de certa forma, inferir os processos de violência e de expropriação a que essas populações

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têm sido submetidas em processos de reassentamentos precariamente planejados. 3.2 Apresentação e análise dos dados do mapeamento Dos 36 entrevistados nas Vilas São Tomás e Aeroporto, todos conheciam ao menos uma família que havia sido removida durante as obras do Programa Vila Viva. Ao todo, foram mencionadas pelos entrevistados 169 famílias de conhecidos que foram removidas9, o que nos indica o grande impacto na rede de contatos destes. Cerca de 80,5% dos entrevistados residem no local há mais de 15 anos, como já demonstrado no Gráfico I. Percebe-se, portanto, que o tempo de residência tanto nas vilas quanto no bairro São Bernardo sugere que as famílias mencionadas faziam parte de sua convivência cotidiana, mesmo que, às vezes, fossem somente vizinhos ou conhecidos. Este fato valida a informação dada e a metodologia utilizada. A maioria dos entrevistados não sabia precisar nomes completos ou endereços das famílias removidas que conheciam, argumentando que não tinham mais contato com estas após a mudança, na maior parte dos casos. O Gráfico 2 demonstra que a maior parte dos entrevistados conhecia ou sabia informar o destino de 1, 2 ou 3 famílias, sendo que somente três entrevistados informaram mais de 12 famílias e seus respectivos destinos. Gráfico 2: Distribuição dos moradores entrevistados, segundo número de famílias removidas que conhecem.

Fonte: tabulação própria (2013)

9

Os números aqui se referem somente a quantidade de menções a famílias ou destinos e não há números absolutos de famílias.

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Os entrevistados foram questionados também acerca da composição das famílias que conheciam, ou seja, o número de pessoas que compunham a unidade familiar indicada. Quase metade dos entrevistados não sabia precisar o número de pessoas. Dentre aqueles que souberam responder (cerca de 56%), indicaram que a maioria das famílias eram compostas de 3 a 5 membros, como indicado no Gráfico 3, a seguir.

Gráfico 3: Distribuição dos moradores entrevistados, segundo número de pessoas removidas que conhecem

Fonte: tabulação própria (2013)

Foi perguntado aos entrevistados, a fim de aferir sua percepção acerca da satisfação dos removidos quanto à sua nova moradia ou nova localização após a mudança, se eles achavam que as famílias indicadas estavam satisfeitas. Os entrevistados não se julgavam em condição de opinar sobre a satisfação de 73 famílias das 169 famílias mencionadas (43% do total mencionado). Entre as famílias mencionadas cuja situação atual os entrevistados julgam conhecer, 58% acreditavam que a família não estava satisfeita, enquanto 37% disseram acreditar que a família gostava da nova moradia e/ou localidade de destino. Não foram contabilizados nestes dados, as respostas genéricas fornecidas por aqueles que conheciam muitas famílias, dizendo, por exemplo, que “ninguém está satisfeito com a mudança”, por entender que não seria possível relacionar esta percepção individualmente indicadas.

às famílias

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Tabela 1: Informação/percepções dos moradores entrevistados acerca do nível de satisfação, das famílias removidas, com seus novos locais de residência

Satisfação

Número de famílias na situação

Gostou Não gostou Não sabe Não respondeu

35 55 5 73

Gráfico 4: Informação/ percepção dos moradores entrevistados acerca do nível de satisfação das famílias removidas em seus novos locais de residência

Fonte: tabulação própria, 2013

O gráfico 4 demonstra que há, por parte dos moradores, uma tendência a inferir que as famílias removidas não estão satisfeitas. O motivo da insatisfação indicado pela maioria dos entrevistados foi a relutância dos removidos em deixar seu local de residência, pois a comunidade em questão é muito unida e a região é próxima a diversos serviços de qualidade. Por certo não há como atestar a satisfação real dos removidos com base na percepção de outros moradores, mas há uma indicação de que quem permaneceu na vila também foi afetado pelo rompimento das redes anteriormente estabelecidas e que veem a mudança de forma negativa. Contudo, há ainda um número significativo de famílias mencionadas (38%) que estariam satisfeitas, demonstrando que os entrevistados conseguiam distinguir

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dentre aqueles que se encontravam adaptados e satisfeitos e aqueles que demonstravam insatisfação. O motivo da insatisfação não fez parte do inquérito, mas de qualquer forma a resposta refletiria somente a opinião dos entrevistados com relação ao tema, o que somente o contato com os próprios removidos poderia elucidar. Mesmo assim, é relevante pontuar que a maioria dos entrevistados acredita que as famílias removidas estão insatisfeitas e que gostariam de retornar a viver no local de antiga moradia. Algo que pode ser depreendido da fala dos respondentes quanto à satisfação/insatisfação daqueles já removidos do local, ou seja, que, possivelmente, se tivessem sido levantadas as demandas primordiais das famílias a serem removidas poderia ter havido maior efetividade do Programa quanto à satisfação dessas famílias em relação ao processo ocorrido. E, da mesma forma, quanto às suas necessidades infraestruturais e sócio-afetivas. Sobre as famílias removidas, os entrevistados informaram seus destinos desde bairros da própria cidade de Belo Horizonte, até cidades da região metropolitana - RMBH e, inclusive, cidades de outras regiões do estado de Minas Gerais. Muitos entrevistados indicaram que famílias removidas estavam morando “de aluguel”, aguardando a entrega das unidades habitacionais pelo programa. Este grupo foi destacado como “bolsa moradia”, somando-se àqueles cujo destino foi a Vila São Tomás ou o Bairro São Bernardo, pois quem se encontra nesta situação será reassentado e, assim, permanecerá na região (não há como precisar quais dessas famílias mencionadas irão para reassentamentos no Bairro Juliana). O quadro 3 abaixo apresenta os destinos indicados pelos moradores durante o inquérito nas Vilas São Tomás e Aeroporto.

Quadro 3: Distribuição das famílias indicadas pelos moradores entrevistados, segundo local de destino após remoção

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Belo Horizonte

105

Vespasiano

Aarão Reis

3

Vespasiano

Bequinha

1

Gávea

31

Outros municípios RMBH

25

Outros municípios

8

8

Manhuaçu

3

7

Ribeirão das Neves São Joaquim de Bicas

2

Monte Azul

2

10

Jardim da Glória

2

Betim

2

Paraopeba

Botafogo

1

Santa Clara

1

Ravena

2

Pedra Azul

1 1

Buritis

1

Santa Mônica

1

Santa Luzia

6

Céu Azul

1

Novo Horizonte

1

Contagem

2

Três Corações

1

Morro Alto

5

Esmeralda

1

São José da Lapa

4

Itatiaiuçu

1

Matosinhos

1

bolsa moradia

Conj. Felicidade

12

13

Cristina

1

Floramar

2

Jardim de Alá

1

Julio Maria

1

Lagedo

2

Nacional

1

Nova Pampulha

1

Novo Aarão Reis

6

Palácio do Governo

2

Pedra Branca

1

Puxa Faca

1

Ribeiro de Abreu

15

São Bernardo

19

São João Batista

1

São Tomás

10

Serra Verde

6

Solimões

1

Tupi

1

Zoológico

1

O mapa 1, a seguir, mostra os destinos das famílias removidas, como referido pelos entrevistados, conforme as cidades de destino. Importa frisar que a metodologia utilizada não permite quantificar as famílias em números absolutos, mas sim quantificar as menções a determinados destinos, uma vez que não seria possível determinar se haviam repetições entre as famílias referidas por cada entrevistado. O mapa 2 mostra os destinos mencionados, com ênfase aos bairros da cidade de Belo Horizonte.

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Mapa cidades (é necessário deixar páginas em branco para a impressão dos mapas, por causa da numeração).

30

Mapa BH

31

Pelos mapas tem-se um indicativo que as famílias removidas encontramse dispersas em diferentes localidades, mas com grande concentração em bairros periféricos da cidade de Belo Horizonte, tais como Ribeiro de Abreu, ou Felicidade, e ainda, menção recorrente às cidades da região metropolitana, como Vespasiano e Ribeirão das Neves. Nenhuma das famílias teve como destino regiões centrais de Belo Horizonte ou bairros da zona sul, à exceção de uma menção ao bairro Buritis, onde a família teria se abrigado na empresa onde o chefe de família trabalha. O Mapa 2, que explicita os destinos mencionados dentro da cidade de Belo Horizonte, aponta que as famílias concentram-se na zona norte da cidade, tendo muitas delas tomado sentidos mais distantes do centro, em direção a zonas fronteiriças, como o Bairro Serra ou Céu Azul. É clara, pela análise dos mapas, a dispersão das famílias no território, seja da RMBH, seja na cidade de Belo Horizonte, o que por si já demonstra a desconstituição da comunidade antes existente nas vilas São Tomás e Aeroporto, e o consequente rompimento dos elos socioafetivos e de solidariedade. É alarmante, ainda, a alta referência a cidades da região metropolitana como destino das famílias removidas, o que demonstra uma “exportação” de contingentes de população de baixa renda para a RMBH. Ademais, destinos na RMBH como Vespasiano e Ribeirão das Neves, que são municípios cuja infraestrutura de serviços não é comparável ao da capital10, foram indicados inúmeras vezes totalizando 23% das menções. A continuação da pesquisa, com a entrevista destes moradores removidos, poderá demonstrar como são as condições de vida nos novos

Produto Interno Bruto das cidades referidas pode dar uma base de comparação entre a disparidade de recursos das cidades da RMBH em comparação com a capital. Conforme IBGE/2008: Belo Horizonte (42.192 mi), Ribeirão das Neves (1499 mi), Vespasiano (991mi). (Produto Interno Bruto dos Municípios 2004-2008. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). 10

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destinos, se tais localidades contam com a mesma infraestrutura e acesso a serviços que a anterior. O resultado do inquérito nos dá, ainda, um indicativo que algumas famílias conseguiram permanecer na própria região de moradia anterior, adquirindo sua residência no Bairro São Bernardo ou, ainda, na vila São Tomás, contando estes destinos com um percentual de 20% das referências dos entrevistados. No tocante ao destino dos moradores removidos do Aglomerado da Serra, foram utilizados os dados coletados pela pesquisa realizada pelo Programa Pólos de Cidadania, somente em relação aos indenizados que saíram do aglomerado com a remoção: Gráfico 5: Atual local de residência dos Indenizados Não Serra, segundo regiões selecionadas. Aglomerado da Serra, 2010-2011

Fonte: Pólos, 2010-2011.

Dentre o grupo “indenizados não Serra”, que a referida pesquisa nomeou para indicar os moradores removidos para áreas fora do Aglomerado, havia referências ao Bairro Taquaril e Santa Fé, em Belo Horizonte e na RMBH, aos Municípios de Ribeirão das Neves, Contagem e Sabará. Ainda segundo o Programa Pólos de Cidadania, a URBEL informou que “do total de moradores removidos de suas casas 74% foram reassentados dentro do próprio Aglomerado. Ou seja, um total de 26% do grupo afetado pelo

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Vila Viva está atualmente residindo no entorno do Aglomerado, em outros Bairros de Belo Horizonte, em outros municípios da RMBH ou, ainda, em outros municípios no interior do estado de Minas Gerais” (PÓLOS, 2011). Contudo, tal informação não pôde ser verificada, pois a Urbel não forneceu os endereços de destinos dos removidos solicitados por aquela equipe de pesquisa, sob o argumento de confidencialidade. Neste caso, há mais uma vez um indicativo de que as famílias removidas pelo Programa Vila Viva estão se dispersando pela Região Metropolitana de Belo Horizonte, e em outros bairros não-centrais da capital. O que demonstra que essas famílias possivelmente encontram-se mais distantes de seus locais de trabalho, e tendo que se adaptar a nova conformação quanto a serviços (especialmente saúde e educação). Isto sem mencionar a distância criada entre essas famílias e seus familiares e amigos, que favorecem a desconstituição do capital social e humano tão vital a manutenção da qualidade de vidas destas populações. 3.3 Inferências iniciais acerca dos efeitos das remoções nas famílias indenizadas O impacto da remoção para uma família varia conforme sua condição socioeconômica, cultural composição

populacional

e educacional das

vilas

e

anterior, considerando que a favelas

apresentam

variações

consideráveis quanto a esses aspectos. Se tomarmos os dados constantes nos diagnósticos feitos pela própria prefeitura de Belo Horizonte, no plano global específico para as vilas Aeroporto e São Tomás e para o Aglomerado da Serra, é possível perceber que a população das vilas é composta majoritariamente por famílias em alto grau de vulnerabilidade social, especialmente dentre aquelas objeto de remoção. Observando os dados coletados durante a elaboração do diagnóstico para as Vilas São Tomás e Aeroporto em 2001, tanto a escolaridade das famílias, quanto a renda per capita mostrou-se extremante baixa, como

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demonstram as tabelas e gráficos abaixo retirados do Plano Global Específico para as Vilas São Tomás e Aeroporto. A tabela abaixo, por exemplo, mostra que parte considerável das crianças e jovens em idade escolar em 2001 não frequentavam as salas de aula em idade regular. Cerca de 40% dos moradores frequentavam o período de 5a a 8a série com idade entre 15 e mais de 31%, o que evidencia altos índices de repetência, vez que essa etapa costuma ser concluída por volta dos 15 anos de idade.

Tabela 2: Idade x Escolaridade – Vila São Tomás

Fonte: PGE São Tomás e Aeroporto, 2001

Deve-se destacar, também, a baixa escolaridade da maior parte dos chefes de família na Vila São Tomás, onde cerca de 48% destes podiam ser considerados analfabetos (5,21%) ou analfabetos funcionais (42,71%). Situação semelhante era encontrada à época da elaboração do PGE (2001) na Vila Aeroporto, onde 13,16% dos chefes de família eram analfabetos e 36,84% podiam ser considerados analfabetos funcionais. Em ambos os casos poucos foram os que chegaram a concluir o ensino médio (15,63% e 10,53%, respectivamente) e mais raros ainda os chefes de família que tiveram acesso à educação superior (2,08%, apenas no São Tomás).

35

Tabela 3: Grau de instrução do Chefe de família

Fonte: PGE São Tomás e Aeroporto, 2001

Além da baixa escolaridade observada quanto aos chefes de família, deve-se destacar que o perfil das famílias das regiões afetadas pelo Programa Vila Viva relaciona-se também a rendas mais modestas. Predominam, em ambas as vilas, renda familiar entre 1 e 3 salários mínimos, sendo esta a condição de 59,39% das famílias na Vila São Tomás e de 53,49% das famílias na Vila Aeroporto. As famílias com renda superior a 3 e inferior a cinco salários mínimos somavam 34,38% na Vila São Tomás e 34,88% na Vila Aeroporto.

36

Tabela 4: renda familiar, com destaque para as vilas São Tomás e Aeroporto

Fonte: PGE Sao Tomás e Aeroporto, 2001

A baixa renda e escolaridade da maioria das famílias das regiões afetadas reforçam a percepção dos pesquisadores quanto à invisibilidade dos grupos atingidos nestes locais. Historicamente relegados pelo Poder Público, ao sofrerem intervenção esses grupos seguem invisibilizados, vez que o Vila Viva não promove uma política de acompanhamento dos removidos que “optam” pela indenização, o que seria essencial ao monitoramento dos impactos do programa sobre essas famílias pela prefeitura, a fim de pensar/repensar suas intervenções futuras. O Aglomerado da Serra, contava em 2001 com uma estimativa de 46 mil habitantes, divididos em seis vilas: Vila Aparecida (6.166), Vila Cafezal (7.009), Vila Conceição (7.828), Vila Fátima (13.291), Vila Marçola (7.944) e Vila Novo São Lucas (3.848), segundo o Plano Global Específico. Os dados socioeconômicos constantes do diagnóstico do PGE do Aglomerado da Serra também indicam a presença de população de baixa

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renda e com baixa escolaridade, em todas as vilas que compõem o aglomerado. Tabela 5: quadros de população segundo escolaridade e renda nas vilas do Aglomerado da Serra

Para ilustrar as diferentes condições de adaptação de uma família frente à remoção, comparamos dois casos paradigmáticos, cujas informações foram

38

colhidas durante entrevistas11 em profundidade realizadas com indivíduos removidos pelo Programa Vila Viva. O primeiro é o caso da D. Dileta12, que foi indicada por inúmeros moradores como uma pessoa de referência, líder comunitária, conhecida em toda a vila e que, por isto mesmo, participava dos grupos de referência constituídos pela Urbel para acompanhamento e discussão das obras de intervenção. O segundo caso é de D. Amélia e S. José, moradores da vila há mais de 20 anos, porém residentes em uma área com maior vulnerabilidade, perto do córrego e sempre sujeitos às mazelas das inundações, ambos analfabetos e dependentes de serviços de saúde e assistência. Nos dois casos as famílias foram removidas durante as obras de intervenção do programa Vila Viva, foram indenizadas pelas benfeitorias que possuíam e adquiriram nova moradia no município de Vespasiano, na região metropolitana de Belo Horizonte. No primeiro caso, D. Dileta foi indenizada pelo valor das benfeitorias de uma casa bem feita e estruturada que possuía na Vila São Tomás, no valor de R$ 92.000,00. Juntando o valor recebido a título de indenização com economias que possuía, comprou uma casa ampla, bem estruturada, em região urbanizada do município de Vespasiano. Sua condição de habitabilidade melhorou, se comparada à moradia anterior, e D. Dileta encontra-se plenamente satisfeita com a mudança. Para ela, o novo local é mais tranquilo, longe da violência13 e tem ainda “ares do campo”, como se morasse na roça. A distância da antiga moradia e toda a condição de vida diferente na nova cidade não a incomoda, apesar de ter saudades da Vila São Tomás, das festas que organizava e dos amigos que se dispersaram com a onda de remoções.

11

Entrevistas estas que estão sendo utilizadas aqui para dar subsídio às conclusões, mas que estão sendo coletadas para a pesquisa de análise de impacto e efeitos do Programa Vila Viva nas Vilas São Tomás e Aeroporto e no Aglomerado da Serra, cujo resultado será apresentado no relatório de mesmo título. 12 Os nomes foram alterados a fim de preservar a privacidade dos entrevistados. 13 Um dos fatores de desmobilização da comunidade do São Tomás foi a presença marcante do tráfico de drogas e da violência a ele associada no cotidiano das famílias, como ficará demonstrado no relatório final acerca dos efeitos do Programa Vila Viva nas vilas São Tomás e Aeroporto.

39

O segundo caso demonstra uma situação bem diferente do caso anterior. D. Amélia e Sr. José foram indenizados pelas benfeitorias de uma casa de poucos cômodos, totalizando R$ 26.000,00. Sr. José, que se encontrava no gozo de benefício previdenciário (auxílio-doença), não podia utilizar todo o recurso na compra de nova moradia, pois precisava do dinheiro para custear despesas enquanto se encontrasse desempregado. Adquiriu nova moradia em Vespasiano, onde outros membros de sua família também foram após as remoções, no valor de R$22.000,00. Sua nova moradia encontra-se em bairro periférico de Vespasiano (Morro Alto), longe da sede do município e sem acesso a serviço adequado de transporte. Localiza-se em região favelizada, sem regularização fundiária, sendo o endereço em um beco, cujo acesso dá-se por uma escada íngreme, que fica quase interditada em períodos de chuva. Devido à mudança de endereço, Sr. José perdeu o auxílio-doença, por não comparecer a perícia junto à Previdência Social. Passaram a viver do montante da diferença da indenização, pois ficaram sem renda. No novo local de moradia, nem Sr. José nem D. Amélia conseguem encontrar emprego, como ninguém os conhece não há indicações para “bicos” ou para empregos formais. A falta de laços de solidariedade com a nova comunidade dificulta a sobrevivência direta desta família, pois até mesmo a compra a crédito (fiado) pressupõe relação de confiança, que inexiste. Tendo que se adaptar a uma nova estrutura administrativa municipal, Sr. José não consegue tratamento de saúde necessário para acompanhamento de sua doença, e vê sua condição agravada. Até o momento da entrevista para os pesquisadores, o casal estava sem renda há quase um ano (desde a mudança para Vespasiano), vivendo de ajuda de uma das filhas, que também foi removida, mas cujo marido continuou empregado. Ambos encontravam-se em casa, sem possibilidade de sair para buscar novas alternativas, pois não possuíam dinheiro para o transporte público, abatidos de uma depressão visivelmente paralisante. A vontade de ambos é retornar ao São Tomás.

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Foto 5: Local de destino, caso 2 D. Amélia e S. José, Vespasiano

Ao comparar os dois casos é possível perceber que quanto maior a vulnerabilidade social das famílias removidas, maior será a dificuldade de adaptação em novo ambiente. Famílias que detinham boa condição social detém maior facilidade de adaptação ao novo local, pois sua possibilidade de acesso a serviços, emprego e renda está relacionada a uma condição pessoal de adaptabilidade. Já nos casos de famílias em grave condição de vulnerabilidade social, acometidas pelo analfabetismo ou pouco grau de instrução, sua sobrevivência está intimamente ligada às condições de solidariedade construídas ao longo da vida e que, em sua maioria, relaciona-se a um território (Gustin 2012), mesmo que esta rede se estenda minimamente por laços familiares. Diz-se minimamente, pois a rede tende a se desfazer com as grandes distâncias, uma vez que essas pessoas não detém acesso à mobilidade própria da era da informação14, isso é, não tem acesso a serviços como telefonia (alto custo das 14

Com a era da informação, a fluidez e a mobilidade de dados e pessoas faz levantar toda uma discussão acerca do “lugar” ou do espaço, que pode ser tanto mais fluido e menos relacionado ao seu referencial físico. (CARLOS, 2007) Porém, é relevante destacar que a era da

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ligações) ou internet, e mesmo o deslocamento por transporte público implica em um alto custo frente à renda familiar. Todas essas limitações na comunicação implicam enfraquecimento da rede previamente construída tendo por base um território. O segundo caso é paradigmático para ilustrar como o rompimento dos laços de confiabilidade e solidariedade, provocado pela remoção, importa em privação imediata das condições de sobrevivência. A possibilidade de ter acesso à renda através de pequenos bicos ou, no caso das mulheres, cuidado com crianças ou idosos, depende da relação social que foi construída por anos e que levou à confiança mútua em uma determinada comunidade espacialmente consolidada. A vulnerabilidade destas famílias é ainda maior, pois a falta de conhecimento acerca deles na nova comunidade também os deixa expostos a situações de violência. No caso narrado, o casal tinha grande medo de perder sua casa para o tráfico de drogas, pois até mesmo esta relação com o mundo do crime que permeia as vilas e favelas é dependente de relações de confiança para ser objeto de “proteção” ou de violência. Estar “do outro lado da linha”, na concepção das linhas abissais que dividem as cidades, significa ter que sobreviver dentro de perspectivas próprias, diante à ausência do Estado e seus mecanismo de proteção, que servem somente para quem está “dentro da linha”. Os moradores de vilas e favelas, estando do lado da invisibilidade, não podem contar com a proteção ou assistência do Estado para sua sobrevivência. E é justamente por isso que a formação de capital social e humano é tão importante para estes, pois lhes garantem meios de sobrevivência através da ajuda mútua e de redes de solidariedade. Os dados coletados, somados ao diagnóstico socioeconômico realizado pela prefeitura nas vilas, apontam que a situação frente à remoção, ou seja, a condição de adaptabilidade das famílias indenizadas tende a se aproximar em informação, como apontam diversos autores (Sassen, 2001; Castells, 2003), não inclui a totalidade das pessoas, pois estar conectado a esta rede significa estar em locais determinados e ter acesso a tecnologias determinadas. Tanto mais a concentração de poder e renda referencial da era da informação, maior a exclusão de um grupo enorme de pessoas das possibilidades de se conectar e, desta forma, se beneficiar da fluidez que a rede proporciona.

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maior medida do segundo caso narrado que do primeiro caso, especialmente ao se considerar, ainda, que a localização das famílias com maior vulnerabilidade era próxima ao córrego (vilas São Tomás e Aeroporto) ou em áreas de grave risco geológico (Aglomerado da Serra), ou seja, locais onde se concentram preferencialmente as remoções. Certamente que somente um inquérito com um número representativo de removidos poderia dar informações acerca das atuais condições das famílias removidas. Contudo, os dados socioeconômicos das populações das vilas aliados ao mapeamento dos destinos predominantes, indicam que grande parte das famílias possivelmente tiveram sua qualidade de vida prejudicada, assim como sua condição de sobrevivência nas novas localidades.

4. CONSIDERAÇOES FINAIS Com base no mapeamento construído a partir das informações recolhidas pelos moradores que permaneceram nas vilas São Tomás e Aeroporto quanto ao possível destino das famílias removidas, é possível fazer algumas considerações iniciais. Os dados coletados por meio do inquérito realizado nas Vilas São Tomás e Aeroporto apontam uma grande dispersão das famílias removidas, tendo sido mencionadas 15 cidades diferentes e, em Belo Horizonte, 25 bairros. Este indicativo inicial, que será posteriormente complementado pelos dados fornecidos pela Urbel e pelas entrevistas a serem realizadas com as famílias removidas, sugere o impacto que as remoções têm sobre a rede de solidariedade, ou socioafetiva, das populações atingidas. Há, com a remoção, uma desconstrução da comunidade consolidada num território ao longo de várias décadas e que constituiu laços socioafetivos que suportavam inúmeros aspectos de sua vida cotidiana. Esta comunidade encontra-se dispersa em um território vasto, resultante do rompimento do liame territorial na desconstrução das redes. Como pôde ser diagnosticado nas respostas dos entrevistados,

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poucos deles mantinham contato com as famílias, depois que estas haviam sido removidas. A constituição de capital social e humano, como enfatizado por Gustin (2012), para as populações de baixa renda é essencial para seu potencial emancipatório, de unidade para luta por direitos e melhorias para sua região, ou para sair do círculo da pobreza. A desconstituição deste, através das remoções, leva ao agravamento da vulnerabilidade social à qual aquelas famílias já se encontravam expostas. É alarmente, ainda, a significativa menção à região metropolitana como destino dos removidos. Isto nos dá indicativo, mesmo que parcial, de que o programa de urbanização de Belo Horizonte está transferindo parcela de sua população pobre para a RMBH. O Vila Viva está afetando a RMBH de forma expressiva e intensiva , mas sem que haja qualquer política conjunta entre esses municípios para a recepção deste contingente populacional. Sabe-se que os municípios da RMBH mencionados não possuem infraestrutura urbana e de serviços compatível ao que é oferecido na capital, sem mencionar a diferença na tarifa do transporte metropolitano, que interfere negativamente na renda das famílias. A continuação dos estudos com os removidos buscará compreender qual a situação destes após a mudança, especialmente no tocante ao acesso a moradia digna em área urbanizada, às condições de empregabilidade e renda, ao impacto nas redes pessoais e no acesso a serviços públicos. Essa informação é fundamental para o estudo dos impactos do programa Vila Viva, pois, uma vez que este visa melhorar a qualidade de vida das populações afetadas, o alto número de removidos poderá ser um fator que acentua os aspectos negativos da intervenção.

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5. REFERÊNCIAS CARLOS, Ana Fani Alessandri. (2007) O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH. GUSTIN, Miracy B S. “A governanca social em comunidades periférias e de exclusao: questoes de fundo sobre a efetividade.” Revista do Observatório do Milênio de Belo Horizonte, n. 3 (jun 2012): 14-35. LITTLE, Paul E. (2002) Territórios Sociais e Povos Tradicionais no Brasil: Por uma antropologia da territorialidade. Série Antropologia. Brasília. POLOS DE CIDADANIA. (2011), Relatório Final da pesquisa “Os efeitos do “Vila Viva” Serra na consição socioeconômica dos moradores afetados” financiada pela CNPq. PREFEITURA, BELO HORIZONTE. PGE Vila São Tomás e Aeroporto. Diagnóstico etapa 4. Janeiro 2001. PREFEITURA, BELO HORIZONTE. PGE Aglomerado da Serra. Etapa 5. Propostas e Hierarquização. Volume I – Texto. Novembro/2001 SANTOS, Boaventura de Souza (2008). Para além do Pensamento Abissal: Das linhas globais a uma ecología de saberes. Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 48.

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6. APENDICE Questionário: mapeamento do destino dos removidos 1) Sobre o entrevistado: Número: ______________________________________________________ Bairro: _________________________________________________________ Há quantos anos mora no local? _________________________________

2) Sobre os removidos: Conhece alguma família que foi removida com as obras do Vila Viva? ____ sim _____ não Quantas famílias conhecidas foram removidas? _______________________________________________________ Cada família tem quantos membros? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ Para onde foram? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ Sabe se já mudaram novamente? Para onde? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________ As famílias estão satisfeitas ou desejam retornar? ________________________________________________________ ________________________________________________________ ________________________________________________________

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