MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque. A grande onda vai te pegar: Marketing, espetáculo e ciberespaço na Bola de Neve Church. São Paulo: Fonte Editorial, 2013. [ Livro que sofreu 2 tentativas de CENSURA na Justiça através da igreja analisada ]

June 2, 2017 | Autor: Du Meinberg Maranhão | Categoria: Marketing and Religious Orientation
Share Embed


Descrição do Produto

Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fo

A grande onda vai te pegar Marketing, espetáculo e ciberespaço na

Bola de Neve Church

Apresentações de Leonildo Silveira Campos e Magali do Nascimento Cunha Prefácio de Stewart M. Hoover

1

2

Maranhão Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque 2013 A grande onda vai te pegar. Marketing, espetáculo e ciberespaço na Bola de Neve Church / Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Fº, São Paulo: Fonte Editorial, 2013. 277p.

1. Marketing religioso, espetáculo religioso, religiões/religiosidades e ciberespaço. 2. Bola de Neve Church. I. Maranhão Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque. II. Título. ISBN: 978-85-66480-66-5

3

A capa deste livro é uma adaptação de A Grande Onda de Kanagawa, do gravador Katsushika Hokusai (1831 - 1834). A concepção da adaptação é do autor do livro e a realização de Neon Cunha. Segue reprodução da obra original:

4

A meus avós (melhor parte de mim) e pai, exemplos vivos e doces, ainda que na memória A Artur Cesar Isaia e Márcia Ramos de Oliveira

5

6

A

gradecimentos

Este livro se fundamenta em minha dissertação de mestrado em História, intitulada A grande onda vai te pegar: mercado, mídia e espetáculo da fé na Bola de Neve Church, defendida em 2010 no PPGH da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), cuja área de concentração é a História do Tempo Presente. Esta obra aprofunda aspectos da dissertação a partir da continuidade de uma pesquisa de inspiração etnográfica fundamentada em observação participante na Bola de Neve Church (BDN) – agência religiosa de características majoritariamente neopentecostais. Cabem aqui alguns agradecimentos: A carpintaria da dissertação foi refinada através de diálogos com minha orientadora e meu coorientador, professora Márcia Ramos de Oliveira (UDESC) e professor Artur Cesar Isaia (UFSC), e com Maria Teresa Santos Cunha, professora de Teoria e Metodologia do curso. À Talita Sene, parceira de algumas pesquisas sobre a BDN em 2012, pelos diálogos proveitosos. Aos professores Stewart M. Hoover e Leonildo Silveira Campos e à professora Magali do Nascimento Cunha que gentilmente me presentearam com, respectivamente, prefácio, orelha do livro/apresentação e apresentação. A todos/as, expresso toda minha gratidão. E sem elas, meu trabalho não seria o mesmo: Conceição, Joaquina, Mole, Barra e Campeche – lagoa e praias de Florianópolis, local principal de minha pesquisa, pelas sessões de ócio produtivo, mergulho meditativo e bronzeamento de ideias.

7

8

A

presentação

Os riscos e desafios do surfe religioso Leonildo Silveira Campos, Universidade Metodista As metáforas são figuras de linguagem empregadas com certo êxito para se falar dos avanços e recuos de movimentos sociais e religiosos ainda insuficientemente analisados à luz de teorias e conceitos consagrados. Este é o caso do movimento religioso conhecido por Bola de Neve Church (BDN), cuja história começou no início do ano 2000 depois que seus fundadores se desligaram da Igreja Renascer em Cristo. A metáfora  já  se  faz  presente  no  próprio  nome  “Bola  de  Neve”,  usada  para  indicar  como  se  dá   o seu crescimento com rapidez e intensidade. Ela também está no miolo e na capa deste livro por meio do termo grande onda usado para indicar o dinamismo do mar onde os surfistas conseguem  se  manter  em  pé  sobre  suas  pranchas.  É  preciso  “pegar  uma  onda”  e  não  ser  “pego   por  ela”. Este livro nos fala que a BDN tem por alvo pessoas jovens, adeptos de esportes radicais, de classes sociais e camadas mais abastadas, aos quais é oferecida uma opção religiosa sem que se exija o rompimento com as formas rotineiras e normais de se viver na sociedade. Dessa forma jovens de classe média conseguem compartilhar seus gostos pelos esportes radicais sem deixarem de ser evangélicos. Tradicionalmente, o mundo da religiosidade do terno, gravata, cabelos longos para as mulheres e saias compridas, excluía os de bermudas, camisetas e pranchas de surfe. Neste texto, resultado das pesquisas de mestrado de Eduardo, a BDN é analisada a partir das perspectivas do marketing, do espetáculo e de sua presença no ciberespaço. Nele seu autor coloca, acertadamente a nosso ver, a BDN num campo de batalha travado por instituições e agentes que disputam o controle da produção e circulação de bens de salvação. Nesse sentido, o atual e o futuro fiel precisam ser conquistados e mantidos por meio de estratégias de marketing que estão sendo praticadas no interior do campo religioso e cultural brasileiro e global, com frequência e naturalidade.

9

Assim, as formas fixas, cristalizadas e institucionalizadas de crer, estão em fase de “desmanche”,   de   derretimento,   e   de   liquidificação.   Mas   não   são   somente   os   discursos   congelados que se derretem, e ao se recomporem adquirem novas formatações sob a liderança absoluta de novos atores e lideranças carismáticas. Nesse cenário descongelam-se as práticas, os rituais, os processos de interação entre fiéis, cujas interações agora se dão dentro de cenários novos, obedecendo-se novos referenciais, seguindo-se novos scripts. Por outro lado, os padrões que regulavam a relação dos fiéis com o sagrado, com seus representantes e com os seus irmãos de fé, se movimentam sob o impacto de novas tecnologias de comunicação. Em outras palavras, uma nova religiosidade invade fronteiras e emerge no ciberespaço. O mundo virtual, o espaço e o tempo construídos pelos modernos meios de comunicação, possibilitam que a Bola de Neve Church ofereça novos espaços de recomposição da crença evangélica, adequando os antigos limites e fronteiras a um novo cenário religioso que rapidamente assume seu lugar entre os demais atores. Eduardo convida o seu leitor, nesta e em outras de suas pesquisas, a caminhar com ele pelas estradas do sagrado que se expressa inusitadamente em comunidades tidas como exóticas, mas que pretendem ser comunidades de inclusão; onde pentecostais transexuais, homossexuais e lésbicas recebem o Espírito Santo, falam em línguas e se auto-definem como evangélicos pentecostais sob a proteção de Jesus Cristo e do amor de Deus Pai, a despeito da continuidade de práticas sexuais que são consideradas abomináveis por outros grupos que dizem viver a mesma fé. Ele também indica as comunidades que crescem como uma bola de neve,  atraindo   jovens  adeptos  de  esportes  radicais  ou  de   “formas  perigosas”  de   se   viver   nas   metrópoles brasileiras. Para Eduardo as religiões estão em movimento, experimentam momentos de descongelamento, mas acabam mais cedo ou mais tarde trilhando os velhos caminhos da institucionalização ou da rotinização do carisma. Confesso ao leitor que li e gostei muito, por isso recomendo este texto. Até porque ele não aborda somente a Bola de Neve Church, mas desafia a criatividade dos estudiosos do fenômeno religioso entre nós. Temos de reconhecer que nós os pesquisadores ficamos nos trombando ao redor dos mesmos temas de sempre, deixando de lado coisas ricas e quase desconhecidas, ou pelo menos pouco abordadas nos meios acadêmicos. Este é o caso da Bola de Neve, que tem alcançado mais atenção das revistas semanais, programas de televisão e jornais cotidianos do que dos acadêmicos.

10

A

presentação

A superfície de uma onda contemporânea: entre discursos e práticas de conservação Magali do Nascimento Cunha, Universidade Metodista

Os estudos referentes à relação comunicação e religião ganham cada vez mais espaço na academia, dada a expressividade e a intensidade dos fenômenos contemporâneos que enfatizam a significação dessa interface. Um dos ganhos do adensamento desses estudos é perceber a interface na sua tranversalidade, ou seja, não é uma exclusividade do campo das ciências da comunicação ou das ciências da religião, ou restrita a estes. Comunicação e religião é uma interrelação que resulta de dinâmicas humanas e, portanto, sociais, o que torna os fenômenos que lhe são decorrentes objeto das ciências humanas e sociais e entre elas está a História. Foi neste campo que Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho transitou para mapear e analisar a trajetória da Bola de Neve Church (BDN), um fenômeno religioso que tem nos processos comunicacionais midiáticos sua forte caracterização. Mais precisamente, foi por meio da História do Tempo Presente (HTP) que o autor realizou sua observação e as devidas análises, elemento explicitado muito propriamente por ele: “Trabalhar  com  informações  do  presente  é  estar  (in)certo  quanto  à  sua  “atualidade”:  o  rio  dos   acontecimentos carrega para longe nossas (in)certezas, dotando nossos dados de precariedade, provisoriedade e instabilidade. A HTP é uma escrita flutuante de um tempo à deriva”. Dessa forma, o incremento aos estudos em comunicação e religião que Eduardo Meinberg traz com esta obra, pela via da HTP, reafirma e anima a dinâmica desta interface que, como o autor mesmo reconhece, não permite qualquer abordagem conclusiva - daí assumir-se   “uma escrita flutuante de um tempo à deriva”. As igrejas de mercado e midiáticas emergiram e se consolidaram – chegaram para ficar – e tem sido expressões religiosas da contemporaneidade marcada pela fragilidade e superficialidade dos discursos, pelo individualismo, pela comercialização e pela espetacularização. Tudo isto muito bem expresso nos capítulos que introduzem os conceitos de   “marketing de guerra santa”   e   de   “identidade derretida e identidade congelada”. O princípio da segmentação de mercado adentrado nas práticas 11

religiosas aliado à adaptação de uma teologia e uma pastoral à lógica mercadológica são os ingredientes que dão forma à BDN, de acordo com os resultados da pesquisa aqui exposta. O próprio nome da igreja com o inusitado, irreverente e estranho termo "bola de neve" (estranho por ser assimilado num país tropical somente por meio das imagens do cinema e da TV) somado  à  palavra  “igreja”  em  inglês,  “church” (aspecto muito bem abordado na pesquisa por meio do estudo  dos  “anglicismos” da/na BDN), dá o tom da significação impingida por este grupo religioso às suas práticas. Já tive oportunidade de refletir em minhas próprias pesquisas sobre o conceito de “modernidade de superfície”, em que um dado elemento se introduz com uma superfície moderna, adaptada aos novos tempos, mas conserva o conteúdo que deu origem à sua formação. As igrejas midiáticas são este fenômeno: resultam das transformações no modo de ser cristão no Brasil experimentadas no século XXI – uma acomodação à sociedade inclusiva, segmentada, das tribos – entrecruzadas com a busca de preservação dos traços que deram forma a esse jeito de ser em suas origens no Brasil. Os evangélicos, por meio do jeito de ser (cultura) gospel, revelam transformação (modernização) e preservação (conservação) – dois elementos distintos no mesmo corpo; duas fontes dessemelhantes na mesma matéria. Na cultura gospel, a conservação só se torna possível pelo fato de a transformação se configurar num  “invólucro”. Esta reflexão é nitidamente identificada na análise aqui apresentada da BDN. Na mescla dos “discursos congelados e derretidos”, apresentada com excelência no capítulo 3; e na dimensão espetacular do composto canções-esporte e os discursivos nele inseridos, como exposto no capítulo 4. Tudo isto se potencializa ao ganhar o ciberespaço, e estabelecer novos significados por meio da linguagem midiática cyber, como nos apresenta o capítulo 5. Chama a atenção neste fenômeno da modernidade de superfície, a compreensão das relações humanas, especialmente aquelas entre homens e mulheres, como o autor expõe no capítulo 3. Era de se esperar que um espaço de tribo religiosa, de jovens esportistas, artistas, gente famosa, da moda,   “sarada” e “descolada”, superasse a clássica leitura religiosa dos relacionamentos de gênero que passam por submissão da mulher e a lógica superioridade do homem, no entanto, o que Eduardo Meinberg nos apresenta é nada mais do que o mesmo, ou, melhor, uma retomada de ideais ultraconservadores até mesmo superados em outros espaços, inclusive religiosos.

12

Quem quiser entender o que se passa no campo religioso brasileiro, em especial o evangélico, na contemporaneidade, no tempo que se chama hoje, deve não só ler, mas estudar este trabalho  tão  bem  intitulado  “A grande onda vai te pegar. Marketing, espetáculo e ciberespaço na Bola de Neve Church”. A propriedade da obra não reside somente na competente abordagem resultante da apropriada metodologia da observação participante, mas também no reconhecimento que o autor faz de trazer sua própria experiência à reflexão, tendo sido ele próprio fiel ativo da igreja, o que está marcado em seu próprio corpo. A  onda  “já pegou” e “está pegando” muita gente... resta a pesquisadores e a pessoas sensíveis ao fenômeno compreender o porquê e o para quê que entremeiam esta dinâmica. Eduardo Meinberg nos convida a isto com um estudo relacionado à História. Nesse sentido, vale sempre lembrar que entender o tempo presente ajuda a dar sentido ao passado e a construir o futuro.

13

14

P

refácio

A mediação religiosa dentro e entre universos Stewart M. Hoover, Center for Media, Religion, and Culture, University of Colorado Ainda hoje é difícil entender como a mídia e a religião coevoluíram no tempo presente. Nós somos confrontados por realidades prementes. Ao invés da secularização há muito prevista, a religião persiste nacional e globalmente. Contrariando nossas ideias e crenças acerca da mídia como algo existente em uma esfera separada das realidades individuais e coletivas vividas, a mídia define e determina a vida atual de modo relevante. E, de modo próximo ao tema deste livro, podemos ver que mídia e religião não são esferas separadas, mas ocupam os mesmos espaços. À medida que novas formas de religião mediada, midiatizada e midiática têm surgido nas últimas décadas, as autoridades intelectuais, morais e clericais têm sido lentas em responder, devido a premissas intelectuais e autoritárias. Muitas vezes caíram em definições maniqueístas, vendo uma esfera sagrada da religião diante de uma secular – até profana – esfera da mídia. Meios de comunicação têm sido banalizados, desconsiderados ou ignorados por essas autoridades ao mesmo tempo em que novas formas de mediação religiosa têm se tornado proeminentes. Isto é óbvio no Brasil onde novas, velhas e tradicionais formas religiosas irromperam em uma cultura pública cheia de reivindicações religiosas, imagens, símbolos e produtos. O Brasil não é o único, é claro. O meu país também é um lugar amplamente visto como o centro ou modelo de mediação da religião. Mas isso revela um dos desafios para a compreensão destes desenvolvimentos. Tem sido muito fácil ver essas formas e tendências como universais, ou seja, vê-las com formas e tendências meramente replicadas em vários contextos nacionais e locais. Um olhar mais atento revela que este pressuposto está errado. Uma visão global de mídia e religião não revela a universalidade, mas uma situação mais complexa. Sim, existem formas, tendências e forças que atravessam consistentemente as situações e que existem a nível transnacional. No entanto, elas se baseiam em formas específicas e em locais específicos. 15

Modelos são emprestados e apropriados de contexto para contexto e formas amplamente compartilhadas   (que   poderíamos   chamar   de   “globais”)   estão   disponíveis para que todos possam ver. O que resulta não é uma uniformidade superficial em todos os locais, mas diferentes formas específicas. Isso descreve bem a situação do Brasil em relação aos Estados Unidos. Existem ligações importantes, semelhanças e formas e ideias compartilhadas. Mas as religiões midiáticas brasileiras e aquelas nos EUA são diferentes, com dimensões e capacidades únicas. Isto não significa que a comparação deva ser evitada. Longe disso, não há muito a ser aprendido por olhar para os contextos nacionais e as formas singulares dentro deles, e pensar sobre o que eles nos dizem sobre as capacidades da mídia contemporânea em refazer  a  religião  e  nossos  sentidos  “do  religioso”.   O que é necessário é erudição cuidadosa, e erudição cuidadosa que nos permita entender essas coisas de forma complexa, interativa e em camadas. Elas devem ser vistas em termos de suas histórias. Tal abordagem histórica, por exemplo, pode nos ajudar a compreender como as mediações religiosas estadunidenses e brasileiras se relacionam. Elas compartilham histórias comuns, tanto do passado como do presente. Os dois contextos atentam e observam um ao outro. Forças de um incidem sobre o outro. Líderes e movimentos religiosos de um refletem no outro. A Bola da Neve, objeto deste livro, se junta a outros movimentos religiosos brasileiros, como os espiritismos e a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e encontram alguma relação com os Estados Unidos. Mas em cada caso as associações são diferentes. E a única maneira de entender movimentos como a Bola de Neve é através de uma erudição cuidadosa e bem fundamentada historicamente. Esta é a abordagem de Edu Meinberg neste livro, alcançando resultados magníficos. Para entender a Bola de Neve, nós temos que observá-la em termos mais complexos do que simplesmente  o  que  pode  representar  uma  “quarta  onda”  do  pentecostalismo  brasileiro.  Quais   são suas raízes em tradições mais antigas? Como ela se fundamenta na história prévia protestante, evangélica e pentecostal no Brasil? Meinberg mostra que seria errado ou enganoso  simplesmente  assumir  que  cada  uma  dessas  fontes  teve  um  “efeito”  previsível  neste   movimento. A análise sutil e cuidadosa de Meinberg revela os caminhos pelos quais os símbolos, rituais, significados e práticas reflexivas circulam na criação contínua deste movimento. As camadas de prática e experiência aqui descritas são inscritas com histórias e significados do passado e do lado de fora do movimento em si, mas elas também são únicas em suas 16

interações e relações. Esta realidade complexa e em camadas antecede o surgimento da era digital, mesmo que ele encontre uma raiz particular nas capacidades do computador. Um movimento como a BDN parece muito diferente quando  visto  do  lado  “de fora” ou observado através desta análise cuidadosa. Isso é parte da razão para os mal-entendidos de públicos e autoridades acadêmicas sobre o assunto. Eles vêem coisas que parecem minar suas pretensões de sentido e autenticidade. Como Edu Meinberg mostra, a BDN é um fenômeno profundamente mercantilizado, tipificado pelo seu marketing e abordagem agressiva de uma fé orientada para o mercado. Mas isto também é confundido com o fato de que é ao mesmo tempo um movimento definido por meio de imagens, símbolos e memes. Estes podem parecer apelos superficiais a uma mentalidade de mercado, mas como este livro prova, esta é uma leitura errada. Ao invés disso, eles são os componentes através do qual um movimento religioso da era digital circula. Também pode ser enganoso ver a BDN e movimentos como este através de suas próprias retóricas, retóricas que Meinberg sugere implicarem na existência de uma “guerra santa” cultural. A própria visão maniqueísta da BDN se relaciona aos altos investimentos da mesma na conquista de públicos. Mas isso também faz da BDN dinâmica e profunda para os seus membros, cabendo novamente em  sua  lógica  de  mercado.  É  uma  “guerra santa da economia de mercado religioso”, como é mostrado nestas páginas. Os críticos podem ver sua mercantilização como uma situação única de mercados no sentido do comércio. Podemos ver através do livro que é também uma economia de mercado religioso, e que isto pode apontar para os sucessos na satisfação de necessidades para além da esfera material. Edu Meinberg também nos convida a refletir sobre algumas das extensões e limites dos significados da BDN. Como um movimento “muito midiático”, a BDN nos presenteia com um repertório primoroso de discussões sobre significado, valor, classe e gênero. Estes só podem ser revelados, no entanto, através do tipo de análise minuciosa que vemos nestas páginas. Sua variedade prodigiosa de cultura material articula suas práticas de duas maneiras, como Meinberg demonstra. Em primeiro lugar, faz sentido como um movimento que existe na cultura pública altamente mediada, mediatizada e midiática do Brasil contemporâneo. Ela simboliza   um   local   cultural   significativo   para   seus   jovens,   “audiência”   midiacentrada.   Em   segundo lugar, ao mesmo tempo, o uso de meios de comunicação, particularmente da mídia digital, “opera”   na construção de redes, transmissão de significados, atendimento de necessidades e formação de identidades. 17

É claro que o tipo de análise que Edu Meinberg revela aqui é o caminho para aprendizados poderosos e provocantes sobre a BDN e o que a BDN representa acerca da evolução cultural contemporânea. Sua abordagem, que combina análise histórica e teórica com etnografia e observação participante (ele tem sua própria história pessoal com o movimento), poderia ter levado à confusão. Em vez disso, levou à descrição cuidadosa, complexa, em camadas, variada e flexível que nós encontramos aqui. Isso revela também que não podemos pensar em algo como a BDN só em termos de seus símbolos, imagens, dimensões fixas e atributos estruturais. Temos que ver como ela é praticada para realmente entendê-la. Essa é uma das grandes contribuições deste livro. Ele mostra-nos a BDN não em termos de suas estruturas e instrumentos, mas em termos de como ela aspira a ser praticada, revelada e tornada real na mídia e na vida. As “formas de ver” a BDN, próprias de Meinberg e reveladas aqui, capacitam a compreender suas comunidades e públicos-alvos. Isso não quer dizer que a BDN deva ser necessariamente celebrada. O ponto de Meinberg é que ela precisa ser entendida para que possa ser avaliada ou criticada. Ele aponta para categorias de avaliação que auxiliam na compreensão de relações entre classe, gênero e sexualidade. Há aqui muito para trabalhar essas e outras categorias. Esse é um trabalho a ser feito e este livro fornece uma base substantiva e fundamental para isto. Meinberg também não resolve totalmente algumas das contradições importantes e complexidades que revela. Ele aponta para o mais importante no final. Será que estamos a ver a BDN como um exemplo de religião na mídia ou religião da mídia? Seria qual das duas? A situação da BDN em termos históricos e práticos, de fato, revela que ela pode ser ambas as coisas. É um exemplo do que chamei em outro lugar de “terceiro espaço” da religião digital, 1 um contexto que existe dentro e fora da esfera digital, e que é feito através da participação ativa de indivíduos, redes e comunidades que podem, através da mídia digital, aspirar a fazer e refazer seus mundos religiosos. Como eles são bem sucedidos, e em que, é parcialmente perceptível aqui, mas aguarda uma análise mais aprofundada. Essa análise teria sido ajudada imensamente pelo trabalho de Edu Meinberg nestas páginas.

1

Nota do autor do livro: texto sobre o tema, intitulado The  “third spaces”  of  digital  religion, escrito por Hoover em parceria com Nabil Echchaibi, será publicado no Brasil em 2013, compondo a coletânea Religiões e religiosidades no(do) ciberespaço (MARANHÃO Fº, 2013).

18

C

onvenções

Entendo que a “diferença”  entre  os  “sexos”  e  os  “gêneros”  é  construída, inclusive pelo uso do idioma português, e que nossa linguagem é masculinista/androcêntrica, privilegiando o uso de referentes no masculino mesmo para se referir a pessoas e a termos femininos. Por esta razão, escolho utilizar os artigos definidos (a/o, as/os) e indefinidos (uma/um, umas/uns) concomitantemente para me referir a vocábulos que podem ser femininos e/ou masculinos. Por exemplo, o/a fiel. Fogem a esta regra expressões como “teóricos do paradigma estadunidense de mercado religioso” por eu não ter identificado teóricas do assunto. Também não me utilizo destes recursos no caso de citações de outras/os autoras/es e de entrevistas, mantendo as mesmas no original. Uso somente nas minhas próprias observações. O/a leitor/a perceberá que reservo as aspas para tons irônicos e citações. Utilizo o itálico para destacar termos e conceitos como marketing de guerra santa e expressões   “nativas”2 como caiu no reteté. Refiro-me aos/às líderes da igreja da maneira como costumeiramente são chamados/as pelos/as fiéis. Assim, Denise para a pastora Denise Seixas, Apê Rina ou Rina para o apóstolo Rinaldo Seixas, Biga para o pastor Bigardi, Digão para o pastor Rodrigo Aldeia, Rodolfo para o missionário Rodolfo Abrantes e daí por diante. Todos   os   nomes   de   “nativas/os”   que   entrevistei   ou   com   quem   conversei   foram   preservados   através de pseudônimos.3

2

Tomo a liberdade de usar uma nota de rodapé aqui – sabendo não ser convencional fazê-lo numa parte destinada às convenções: Coloco tal termo (ironicamente) entre aspas e questiono: no trabalho de campo, quem é o/a “nativo/a”?  Não  seria  o/a  pesquisador/a,  muitas  vezes,   também pesquisado/a pelos que se supõem  “estarem  do   outro  lado”? 3 Em alguns casos os gêneros das pessoas também foram modificados, reforçando a preservação destes anonimatos.

19

20

S Abraceh – Associação Brasileira de Apoio aos que Voluntariamente Desejam Deixar a Homossexualidade AD – Assembleia de Deus AVEC – Associação Vitória em Cristo BDN – Bola de Neve Church BDNF – Bola de Neve Floripa BDNSP – Bola de Neve São Paulo BR – Bola Running BRC – Banca de Rap Cristão BRE – Bola Radio Extreme BRF – Bola Running Floripa BRW – Bola Radio Worship CCB – Congregação Cristã do Brasil CCNEI – Comunidade Cristã Nova Esperança Internacional CCR – Comunidade Cidade de Refúgio CMF – Christian Metal Force CPPC – Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos DDD – Doidin de Deus FB – Facebook HTP – História do Tempo Presente ICAR – Igreja Católica Apostólica Romana ICEPT – Igreja Cristã Evangelho Para Todos ICM – Igreja da Comunidade Metropolitana IEADAM – Igreja Evangélica Assembleia de Deus do Amazonas IEADB – Igreja Evangélica Assembleia de Deus do Brasil

iglas

IEADT – Igreja Evangélica Assembleia de Deus Tradicional IEADRJ – Igreja Evangélica Assembleia de Deus do Rio de Janeiro IEVIND – Igreja Evangélica Indígena IEQ – Igreja do Evangelho Quadrangular ver se é) e corrigir no texto IIGD – Igreja Internacional da Graça de Deus IMPD – Igreja Mundial do Poder de Deus IPDA – Igreja Pentecostal Deus é Amor ITESC – Instituto Teológico de Santa Catarina IURD – Igreja Universal do Reino de Deus LBV – Legião da Boa Vontade Libras – Língua Brasileira de Sinais LGBT – Lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais MDB – Mulheres do Bola Moses – Movimento pela Sexualidade Sadia NEM – Núcleo Evangélico Militar PPG – Programa de Pós-Graduação RCC – Renovação Carismática Católica SGC – São Gabriel da Cachoeira TL – Tribo de Louvor UDESC – Universidade do Estado de Santa Catarina UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina USP – Universidade de São Paulo

21

11

L

ista de figuras

Figuras 1 a 3: Leão de Judá, Jesus te ama, guerreiro de Cristo.

.

.

.

.

.

21

Figura 4: Boladas

.

.

.

.

.

.

30

Figuras 5 e 6: Sabonete Sê tu uma benção, Bala da Bola

.

.

.

.

.

.

45

Figuras 7 e 8: Ministério Recrie, dinheiro cai do céu .

.

.

.

.

.

.

47

.

.

70

.

.

.

.

Figuras 9 e 10: Rinaldo Seixas, fundador e líder da BDN, perfil do Apê Rina no FB Figuras 11 e 12: Nova BDNSP (Bola Olympia), inauguração .

.

.

.

.

.

72

Figuras 13 a 15: Surfboards como púlpitos na (da) BDN

.

.

.

.

.

.

73

Figura 16: Histórico da BDN

.

.

.

.

.

.

.

.

.

78

Figura 17: Ministério de Atalaias .

.

.

.

.

.

.

.

.

83

Figuras 18 e 19: Células da BDNF no FB e no site da BDNF .

.

.

.

.

.

88

Figura 20 e 21: Churrasco do calouro, Célula de Verão da Praia Mole .

.

.

.

.

96

Figuras 22 e 23: Seminário de Cura Vencendo os Gigantes e Seminário de Cura e Libertação

.

.

106

Figuras 24 a 26: Seminário de Libertação e Cura Interior, Conferência Profética 2008 e 2010

.

.

107

Figuras 27 e 28: XXI Congresso de Batalha Espiritual, XV Congresso de Batalha Espiritual

.

.

108

Figuras 29 e 30: Ministério Atacar, postagem do Apê Rina no FB Figuras 31 e 32: Ministério Atacar, Seção Aliste-se Aqui

.

.

.

.

111

.

.

.

.

.

.

112

Figuras 33 e 34: Evangelismo em Santos, Geração Recabitas .

.

.

.

.

.

114

Figuras 35 a 37: Homenagem da Câmara de Santos à BDN local, agradecimento de Tuma aos eleitores e “santinho”  de  Barreto . . . . . . . . . . 119 Figura 38: Ministério Mulheres do Bola

.

.

.

.

.

.

.

.

130

.

.

.’

.

132

.

.

.

133

Figura 43 e 44: Somente um verdadeiro Príncipe..., Postagem de Rina em seu perfil público.

.

.

137

Figuras 45 e 46: Garota com surfboard, garota na água

Figuras 39 a 40: 4º Congresso Nacional de Mulheres, vinheta do congresso Figuras 41 e 42: Mulheres em combate, Aliste-se

.

.

.

.

.

.

.

140

Figuras 47 e 48: Circuito Bola de Neve de Skate Amador, bolsa-bola .

.

.

.

.

142

Figuras 49 e 50: Rodolfo na Crista, Rodolfo, eu e Bita na Livres em Jesus

.

.

.

.

152

Figura 51: BDNSP, 2007 .

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

158

Figuras 52 e 53: Nova BDNF, Nova BDNSP

.

.

.

.

.

.

.

159

Figuras 54 e 55: Estação 770, público no Teatro Pedro Ivo

.

.

.

.

.

.

159

Figura 56: Versões da camiseta Fachada Clélia

.

.

.

.

.

.

.

160

Figura 57: Bola de Neve Floripa (FB)

.

.

.

.

.

.

.

163

Figuras 58 e 59: Shopping da Bola, Planet Bola

..

.

.

.

.

.

.

165

Figura 60: Kombola em Londrina .

.

.

.

.

.

.

.

.

169

Figura 61: Acessórios da BDN

.

.

.

.

.

.

.

.

170

.

.

.

.

.

.

.

170

.

Figura 62: Acessórios da Turma do Biga

.

12

Figuras 63 e 64: Louvor e Adoração – volume 1

, Denise com a TL, Zeider e Rodolfo.

Figuras 65 e 66: Face a Face na Planet Bola, Face a Face no perfil público de Rina

.

Figuras 67 e 68: Stand da Bola Music na Expo Cristã, show-louvor Face a Face

.

.

186

.

.

189

.

.

189

Figuras 69 a 73: Público em show/louvor de Denise e TL, com pregação de Rina

.

.

.

191

Figura 74: Slogan da BDN acompanhando do logo e endereço do BR .

.

.

.

.

208

Figura 75: Fanpage do BRF no FB .

.

.

.

.

.

.

.

209

Figura 76: Culto ao vivo direto da sede da BDNSP .

.

.

.

.

.

.

212

Figura 77: Portal BDN (versão 2007/2010) .

.

.

.

.

.

.

227

Figura 78: Logotipo da BDN com o slogan In Jesus we trust .

.

.

.

.

.

229

Figura 79: Portal BDN (versão 2010/2012) .

.

.

.

.

.

.

.

230

Figura 80: Bolatronic

.

.

.

.

.

.

.

230

Figuras 81 e 82: The next generation, other colours .

.

.

.

.

.

.

231

Figura 83: For Pray

.

.

.

.

.

.

231

Figuras 84 e 85: Bola Radio Extreme 2010, BRE 2012

.

.

.

.

.

.

233

Figuras 86: Randy Clark na BDNSP

.

.

.

.

.

.

234

Figuras 87 e 88: Bola Radio no perfil do Apê Rina do FB

.

.

.

.

.

.

238

Figuras 89 e 90: Bola Radio 2010, Bola Radio 2012 .

.

.

.

.

.

.

238

Figura 91: Bola Radio Worship

.

.

.

.

.

.

239

Figuras 92 e 93: Pregação de Catalau, entrevista com Denise na BRW .

.

.

.

.

241

Figura 94: Bola Radio Extreme

. .

. .

. .

Figuras 95 e 96: BRE, todo mundo ouve

.

. . .

.

.

. .

.

.

.

.

.

.

.

.

.

242

.

.

.

.

.

.

.

.

242

13

S .

.

.

.

.

16

. . . . . . .

. . . . . . .

. . . . . . .

. . . . . . .

. . . . . . .

30 37 41 45 51 61 62

.

.

.

.

.

66

. . . . .

. . . . .

. . . . .

74 76 86 96 98

Capítulo 3: Discursos congelados e derretidos . . . . “Na  casa  do  Senhor  não  tem  feijão  queimado”:  coloquialidade na BDN . “Porque  do  Senhor  é  a  guerra”:  preparando  davis para a batalha . . “Aliste-se  já!”:  o  ministério  de  evangelismo  conclama ao ataque . . “Porque  eu  não  cedo,  nem  retrocedo!”:  marchando  e  conquistando territórios “Envergonhando  o  Inferno”:  uma  guerra em três atos . . . “A  igreja  avança,  o  diabo  retrocede”:  preparando  davis para a política . É dando à igreja que se recebe de Deus: preparando davis para as finanças Mulheres do Bola: combatendo  “sem  perder la  doçura”   . . . “Nós  somos  a  dobradiça  da  porta”:  a  mulher  do Bola como costela . “Cadê  o  romantismo,  rapaz?”:  noivado  e  casamento  na  BDNF . . “Garotas  na  água”:  uma  representação  da fiel da BDN . . . Mantenha o seu templo belo mas não o profane . . . . Moldes corporais . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . .

102 104 107 113 117 118 122 126 131 137 141 143 146 150

Capítulo 4: Espetáculo na (da) BDN. . . . Espetacularização do patrimônio na (da) BDN . . Conhecendo/acessando a Lojinha/Shopping/Planet Bola . O que (não) é canção gospel?. . . . . Breve histórico da canção gospel brasileira contemporânea .

. . . . .

. . . . .

154 160 167 175 176

Introdução

.

.

.

.

.

.

umário

Capítulo 1: Marketing de guerra santa – em trânsito Marketing e marketing de guerra . . . Marketing religioso e marketing cristão . . Marketing  “de  Jesus”  e  teologia  da  prosperidade . Marketing  de  guerra  “santa”  . . . . Marketing de guerra santa – em trânsito . . Marketing com a guerra santa . . . Entre-capítulos

.

.

.

.

.

Capítulo  2:  “De  um  floquinho  de  neve  a  uma  avalanche” . Identidade derretida e mito fundador . . . . Ministérios, células e hierarquia. . . . . . Marketing de guerra santa na BDNF . . . . . Nós vamos invadir a sua praia! – e a UFSC. A BDNF entre-mercados

. . . . .

. . . . .

14

Parâmetros para a análise de uma canção . . . . Performances em mosaico: primeiras impressões sobre Caia Babilônia Os sons do silêncio . . . . . . . Contextos em caleidoscópio . . . . . . Contexto geral . . . . . . . Criação, produção, circulação e recepção . . . . Os sentidos dos sons . . . . . . . Fractais de palavras: poética em Caia Babilônia . . . Ide e evangelizai: a BDN entre canções e esportes . . . “Evangelizando  com  os  pés”:  alta  velocidade  no Bola Running (BR)

. . . . . . . . . .

. . . . . . . . . .

. . . . . . . . . .

181 183 185 187 188 189 195 199 208 210

Capítulo 5: In Cyber Jesus we trust . . . Wallpaper: religiosidades no (do) ciberespaço . . Quando um/a surfista do (no) ciberespaço encontra uma rede Entrando no portal do ciberespaço . . . . Contexto do portal . . . . . . Descrevendo imagens . . . . . In Jesus we trust: anglicismos na (da) BDN . . . A radiodifusão evangélica . . . . . (Des)conectando a Bola Radio . . . . Bola Radio Worship . . . . . . Bola Radio Extreme . . . . . .

. . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . .

216 219 222 229 230 231 233 240 242 244 246

Considerações inconclusivas . Referências Referências bibliográficas . Referências no (do) ciberespaço Fontes Impressas . . . . Fonográficas . . . . Fontes no (do) ciberespaço . .

.

.

.

.

.

.

251

. .

. .

. .

. .

. .

. .

253 257

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

. . .

263 263 264

15

A

I

ntrodução

ntes de tudo gostaria de sublinhar: este é um exercício de escrita de uma História do Tempo Presente (HTP), realizado a partir de pesquisa de inspiração etnográfica em unidades da Bola de Neve Church (BDN) – especialmente a Bola de Neve

Floripa (BDNF) e a Bola de Neve São Paulo (BDNSP) – entre 2005 e 20104 e em 2012/2013. Em relação à HTP, eis a definição de Jean-Pierre  Rioux:  “um  vibrato  do  inacabado  que  anima   todo um passado, um presente aliviado de seu autismo, uma inteligibilidade perseguida fora de   alamedas   percorridas”.5 Agnès Chaveau e Philippe Tétart comentam os motivos que levaram ao desabrochar desta modalidade historiográfica: a história renovada do político, o impacto de geração6 e o fenômeno concomitante de demanda social. 7 Para Tétart e Chaveau, a HTP é tributária dos anos 1950, quando a sociedade demandava esclarecimentos a respeito dos traumas que vivera, e se ampara no pressuposto metodológico de que a história não é somente  o  estudo  do  passado,  mas  também,  “com  um  menor  recuo  e  métodos  particulares, o estudo do presente”.8 Entendo história do tempo presente e história do recente, dentre outros epítetos, como sinônimos9 – e recursos heurísticos/didáticos, ciente de que tais expressões certamente não dão conta da complexidade dos fenômenos contemporâneos. Tais termos, como uma

4

Em 2010 defendi uma dissertação de mestrado sobre a BDN no PPG em História da UDESC, que tem como área de concentração a História do Tempo Presente. A dissertação foi   intitulada   “A   grande   onda   vai  te   pegar:   mercado,  mídia  e  espetáculo  da  fé  na  Bola  de  Neve  Church”  e  orientada/coorientada  respectivamente  por  Márcia   Ramos de Oliveira, da UDESC e Artur Cesar Isaia, da UFSC. 5 RIOUX, 1999, p. 50. 6 Chaveau e Tétart entendem tal geração como aquela que viveu os traumas relacionados à Segunda Guerra Mundial. 7 CHAVEAU, TÉTART, 1999, p. 15. 8 Idem, 1999, p. 15. 9 História do presente, história próxima e história imediata não se referem exatamente à mesma cronologia, segundo Tétart e Chaveau. Para ele/a, estes três tempos históricos fazem parte de um tempo muito contemporâneo, aquele a partir do segundo terço do século XX. De modo geral, a história próxima é entendida como os últimos trinta anos enquanto a história do presente engloba os últimos cinquenta ou sessenta, e a história imediata, feita no calor do acontecimento e por vezes associada ao ofício jornalístico, é o complemento da história do presente. Entendo que todas possam ser utilizadas como sinônimos. Comentei sinteticamente a respeito da HTP em outras oportunidades (MARANHÃO Fº, 2009a, 2009c, 2010b, 2010c).

16

infinidade deles, podem (devem) ser colocados sob rasura, utilizados desde que estejamos (cons)cientes de sua insuficiência como categoria e/ou conceito.10 Trabalhar com informações do presente é estar (in)certo quanto à sua “atualidade”:  o  rio  dos   acontecimentos carrega para longe nossas (in)certezas, dotando nossos dados de precariedade, provisoriedade e instabilidade. A HTP é uma escrita flutuante de um tempo à deriva. O arsenal metodológico do/a esquadrinhador/a do recente pode ser desenvolvido durante o (per)curso da pesquisa – ou até após a mesma – e em muitos casos se relaciona com sua subjetividade, quando este/a é agente e testemunha dos acontecimentos que analisa, (d)escrevendo o que observa e sente. Assim, a escrita experimental no (do) presente pode dar forma ao pensamento e à vida. 11 Meu interesse e inclinação em pesquisar religiões e religiosidades, por exemplo, se relaciona diretamente com minha biografia: quando criança estudei em um colégio de freiras de São Paulo,     sendo   também   “doutrinado”   por   minha   avó   Myrian,   católica   fervorosa. A partir da adolescência peregrinei por diversas agências 12 que ofertavam experiências religiosas: participei por quase uma década da Federação Espírita de São Paulo, realizando alguns de seus cursos, frequentei diversas igrejas evangélicas, participei de cultos da umbanda, candomblé, almas e angola, wicca, bruxaria natural, hinduísmo, dentre outros. 10

Falo sobre conceitos rasuráveis na parte intitulada Entre-capítulos. Argumentei sobre a necessidade de se colocar os conceitos sob rasura em ocasiões anteriores (MARANHÃO Fº, 2012b, 2012c). 11 Jorge Larrosa entende que a experiência do tempo presente deve ser pensada não com a verdade de nosso passado,  mas  “com  o  passado  de  nossas  verdades,  não  a  verdade  do  que fomos, mas a história do que somos e daquilo  que  já  estamos  deixando  de  ser”  (LARROSA,  2004,  p.  34). 12 O conceito de agência ou firma religiosa é emprestado de teóricos do paradigma estadunidense de mercado religioso (ou das economias religiosas), como Roger Finke, James McCann, Rodney Stark, Larry Iannaconne e William Bainbridge (comentados por autores como Alejandro Frigerio, Airton Jungblut, Lemuel Guerra e Ricardo  Mariano).  Para  Stark,  por  exemplo,  a  economia  religiosa  é  “constituída  de  todas  as  atividades religiosas que se desenvolvem em qualquer sociedade. As economias religiosas são como economias comerciais, no sentido de que consistem em um mercado de consumidores potenciais e concorrentes, em um conjunto de firmas religiosas que procuram servir aquele   mercado   e   em   “linhas   de   produtos”   oferecidas   pelas   diversas   firmas”   (STARK, 2006, pp. 215-216).   Tais   teóricos   compreendem   que   “os   benefícios   da   competição,   o   peso   do   monopólio e o risco de regulação do Estado são tão reais na religião como em qualquer  outro  setor  da  economia”   (MARIANO, 2008, pp. 47-48).  Mariano  explica  que  tal  “racionalidade  economicista”  para  a  produção  de  análises   sociológicas da religião já havia sido feita por autores como Max Weber, Karl Marx, Peter Berger e Pierre Bourdieu, mas com perspectivas diferentes (idem, p. 47). Os estudiosos do paradigma estadunidense inovariam ao  partir  “do  pressuposto  de  que  a  demanda  religiosa  é  relativamente  estável,  o  que  justifica  sua  opção  teórica  por   depositar as fichas da explicação na pesquisa da oferta religiosa. Isto é, sendo a demanda praticamente constante, os  níveis  de  participação  religiosa  podem  ser  mais  bem  explicados  em  termos  de  oferta”  (ibidem,  p.  48),  e  nesta   lógica,  a  oferta  é  percebida  em  “função  de  suas  estruturas  organizacionais, de seus representantes de vendas, de seus   produtos   e   de   suas   técnicas   de   marketing”   (Wuthnow,   2005,   p.   615,   apud ibidem, p. 48). Utilizo o termo agências religiosas em trechos do livro para ressaltar um contexto de concorrência/mercadorização religiosa – consciente da insuficiência de tal expressão e ciente de sua provisoriedade/precariedade. O mesmo não dá suporte para compreender as especificidades dos múltiplos agenciamentos, desdobramentos, bricolagens e deslocamentos de sujeitos, coletivos e instituições.

17

No verão de 2005 me mudei de São Paulo para Florianópolis, onde conheci a sede da BDN local, a BDNF, que ficava no Rio Tavares, próxima da casa onde residi, no Campeche. A partir destes dados, o/a leitor/a pode me perguntar: como foi sua entrada em campo? Na primeira semana de 2005 eu estava no Riozinho do Campeche 13 com uma amiga que me perguntou:  “e  aí,  Du,  você  já foi à Bola  de  Neve?”.  Como  novo  morador  de  Floripa,  perguntei   se este era o nome de uma sorveteria local. Rindo de mim, ela me explicou que se tratava de uma igreja evangélica de surfistas, que tocava reggae e rock e tinha a fama de ser liberal em relação a muitos costumes, inclusive permitindo que fiéis “ficassem”14 durante o culto e fumassem maconha na igreja – e durante os shows de reggae que promovia. Com tais argumentos, fiquei empolgado em conhecer o estabelecimento e compará-lo com outras agências evangélicas que tem jovens como público-alvo, como a Renascer, que eu conhecia por conta de seus eventos de heavy metal evangélico. Naquele mesmo domingo nos dirigimos à BDNF. 15 As primeiras pessoas que conheci na BDN foram Adriana e Alexander, o Alemão do Açaí, 16 que na época eram líderes da Célula do Campeche e dirigiam a cantina da BDNF. Logo que entramos na igreja Adri nos recebeu com um abraço aconchegante e disse: “eu  te  amo.  Te  amo   em  Jesus”.17 Senti-me acolhido e mais interessado em acompanhar a reunião que se iniciava 13

Trecho da praia do Campeche, sul de Florianópolis, Santa Catarina. Ao menos no contexto da época de lançamento deste livro ficar costuma ser entendido como abraçar, beijar ou fazer amor/sexo com alguém. 15 A BDNF ficava na Rodovia Dr. Antonio Luiz de Moura, 4421, no Rio Tavares, no alto de uma rampa de aproximadamente 50 metros. Duas coisas me chamaram a atenção na entrada: do lado esquerdo havia uma sorveteria desativada e sem nome – constavam   apenas   os   dizeres   “sorveteria”.   Do   outro   um   outdoor   com o logotipo arredondado da Bola de Neve Church e seu slogan In Jesus we trust. Brincamos (novamente) com a relação entre sorveteria e o nome da igreja e subimos a rampa. Recordo-me de duas pessoas que, meses depois, chegaram no meio de um culto perguntando se ali funcionava uma sorveteria – e que permaneceram ao saber que se tratava de um culto evangélico no qual tocaria reggae. O endereço atual da BDN é rua Lauro Linhares, 770, na Trindade. 16 Alemão era diácono da igreja e costumava pregar na ausência do pastor local (Ivan Junckes até 2005 e posteriormente Rodrigo Aldeia, mais conhecido como Digão). Recordo-me que em uma de suas bem-humoradas pregações ele falou sobre o comentário feito pela revista Veja de que a BDN utilizava técnicas de auto-ajuda em suas  liturgias:  “amados,  eu  concordo  com  a  Veja,  é  assim  mesmo.  Aqui  na  Bola  de  Neve  o  Alto  ajuda!”.  Alemão   também foi líder do ministério de intercessão da igreja, que atualmente se chama Ondas de Intercessão – nome que relaciona a agência ao surfe. É interessante notar que, no caso de agências evangélicas que tem surfistas como um de seus nichos mercadológicos, é comum a utilização de expressões como mergulhar na Palavra e surfar na onda do Espírito para se referir à leitura da Bíblia e à oração – e referir Jesus como o primeiro surfista do mundo por   este   ter   caminhado   sobre   as   águas.   Isto   sinaliza   ao   uso   de   termos   “nativos”,   muitas   vezes   por   líderes  que  também  são  “nativos/as” do surfe, como forma de atração e permanência de fiéis. 17 Amar em Jesus é expressão tradicional entre os/as evangélicos/as, usada às vezes como cumprimento, especialmente durante cultos. Adriana era líder do ministério Boas Vindas da BDNF à época e seguiu as instruções  do  mesmo:  “Os integrantes do Boas Vindas são responsáveis por receber os visitantes e doar o amor que um dia receberam, através de um abraço, cumprimento ou um simples sorriso. O Ministério cadastra os contatos para que a Igreja tenha a oportunidade de acompanhá-los e fazer com que se sintam parte do corpo de Cristo, como, por exemplo, convidado-as para participarem de uma célula. Durante a semana, os integrantes e 14

18

através de acordes de um gospel reggae. Algumas coisas me chamaram a atenção: a estrutura da igreja, com um palco de aproximadamente 15 metros de largura, a iluminação que acompanhava a liturgia eficientemente, o telão que trazia as letras das canções entoadas e os/as  líderes  “afastados/as”  da  “multidão” – já que os/as primeiros/as estavam sentados/as em cadeiras no palco e os/as demais  na  parte  “inferior”,  no  saguão.  Fiquei intrigado com o louvor e adoração que apresentou canções relacionadas à batalha espiritual: no rock Davi, da Oficina G3, gigantes se levantavam mas eram destruídos pelo Senhor da guerra, e no reggae Caia Babilônia, do conjunto da BDNSP, pregou-se a guerra contra o mundo, representado pela própria babilônia.18 A partir deste culto comecei a acompanhar as reuniões celulares na casa de Alemão e Adri, e outras atividades da igreja. Esta visita marcou minha entrada em campo, num primeiro momento de pesquisa que entendo por uma observação participante em que me inseri na BDN semelhantemente a uma criança no mundo19 ou talvez, a uma criança do mundo – visto que apesar de ter passado por outras igrejas evangélicas eu era inicialmente percebido como um convertido em potencial. Em abril de 2005 participei da Barca Bola de Neve20 com uma namorada: nos sentamos próximo ao palco-altar21 e exatamente à nossa frente estavam Monique Evans e Cida Marques.22 A moça que me acompanhava, percebendo as duas vestidas de minisaia e blusa (bem)  decotada  comentou  sorrindo,  “Du, isto é roupa de vir à igreja,  mostrando  quase  tudo?”.   Tal comentário reforçou uma inquietação que eu tinha desde minhas primeiras incursões na igreja: qual a relação que se estabelece na BDN entre consentido e marginal, flexibilidade e normatização, inovação e permanência? Até então os discursos que eu escutava na agência procuravam gerenciar o comportamento dos/as fiéis – ao mesmo tempo em que permitia que

mais uma galera de Deus entram em contato com essas pessoas para mais uma vez lhes desejar boas-vindas. A orientação do Ap. Rina é que as ligações sejam feitas em até 24 horas após o culto”.  Ministério de Boas Vindas. Disponível em: . Acesso em: 20 abr 2013. 18 Tal canção foi composta pela pastora Denise Seixas, esposa do apóstolo Rinaldo Seixas (Apê Rina), fundador da BDN. Comento a respeito da canção no capítulo dedicado ao espetáculo na (da) BDN. 19 SEEGER, 1980. 20 A Barca Bola de Neve é um evento realizado anualmente na BDNF, geralmente durante a Semana da Pátria ou outro feriado prolongado. Centenas de adeptos/as de outras unidades são estimulados/as por seus/suas líderes para participar da Barca, capitaneada pelo Apê Rina. É um exemplo de marketing/turismo religioso, em que se arrendam ônibus, quartos em hotéis específicos, refeições, etc. Tal evento era realizado na (antiga) sede da BDNF, no Rio Tavares. Em 2012, com a mudança da agência para a unidade da Trindade, menor, a Barca foi realizada no Resort Costão do Santinho, também em Floripa. Este tipo de evento é semelhante à Viagem à Terra Santa. Nesta, o/a fiel tem a oportunidade de conhecer pontos de visitação santos como o Mar Vermelho, a Gólgota e o Monte Sinai na companhia abençoada do Apê. Para tal, a BDN vende passagem aérea, pousada em hotel e os passeios. A presença do apóstolo funciona como estratégia de atração e reveste o evento de mais credibilidade e maior eficácia performativa. 21 Expressão de Leonildo Silveira Campos, 1997. 22 Duas célebres modelos à época, ex-coelhinhas da Playboy.

19

estes/as se vestissem de modo bastante despojado e por vezes sensual. Como se davam as negociações/te(n)sões em um ambiente onde policiamento e sedução comungavam? Nesta época eu (já) pensava nos discursos da BDN como mesclados por derretimento e congelamento. De 2005 a 2006 fui capitão e líder do ministério de futebol society e participei de ministérios como o de Boas-Vindas, Assistência Social, Dança e Infantil (o Bolinha de Neve). Promovi festas regadas a canções gospel23 da BDN em minha casa e ajudei em diversas das atividades da mesma, como a construção de seu half pipe.24 Este momento é marcado por uma possível mistura entre afeto25 e participação observante26 em que minhas curiosidades iniciais fizeram com que eu me inserisse como objeto e sujeito de observação, experimentando as articulações entre pesquisador e aprendiz, colocando minhas experiências a serviço de minhas indagações/inquietações.27 Uma das evidências de que a grande onda me pegou está em três das tatuagens que fiz em 2005, durante o período em que frequentei a BDNF (figuras 1 a 3).

23

Segundo o Dicionário Grove de Música (1994), canção gospel é aquela que propaga os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João. Tal canção é tradicionalmente relacionada ao segmento evangélico em suas diversas “ondas”  mas  também  ao  pentecostalismo católico da RCC. No Brasil, como se referem Mariano e Magali do Nascimento Cunha, a canção evangélica começa a ser chamada gospel na década de 1990, quando Estevam Hernandes, fundador da Renascer, patenteou o nome gospel adquirindo direitos sobre ele (CUNHA, 2007, p. 218; MARIANO, 1995, p. 102). Ressalto, entretanto, que há cantores/as e instrumentistas evangélicos/as que rejeitam  a  alcunha.  Como  escutei  certa  vez,  “não  me  considero  cantor  gospel.  Sou  cantor  cristão.  Gospel  é  algo   que alguns irmãos fazem, sucateando e barateando o evangelho através de letras sem profundidade e sem sentido”.  Observações  sobre  canção  gospel  podem  ser  vistas  no  capítulo  dedicado  ao  espetáculo  na  (da)  BDN. 24 O half pipe é uma estrutura côncava em forma de U, projetada para a prática não só do skate mas de patins em linha ou BMX e pode ser feita de diversos materiais, como ferro, ou esculpidas em neve e terra, para a prática de ski. O half pipe da BDN foi feito em madeira, sendo considerada uma pista de ótima qualidade pelos/as skatistas de Floripa. Antes dos cultos havia um grande fluxo de praticantes, e quando as reuniões estavam prá se iniciar a pista era interditada e os/as esportistas convidados/as a se retirarem e participarem da mesma. A maior parte destes/as se dirigia ao culto, demonstrando o half como eficaz estratégia de atração de skatistas. 25 FAVRET-SAADA, 2005, pp. 155-161. Afeto, neste sentido, não está ligado ao afeto emocional que escapa à razão,   mas   “afeto   no   sentido   do   resultado de um processo de afetar aquém ou além   da   representação”   (GOLDMAN, 2005, p. 150). 26 DURHAM, 1986, WACQUANT, 2002. Uma discussão sobre participação observante e observação participante  pode  ser  lida  em  Ferretti,  2013  (no  prelo).  Para  Ferretti,  “A  expressão  participação  observante  pode   ser aplicada  ao  caso  de  pesquisadores  militantes  nos  movimentos  religiosos  que  também  pesquisam”. 27 WACQUANT, 2002.

20

Figuras 1 a 3: Leão de Judá, Jesus te ama, guerreiro de Cristo28

Após alguns meses de frequência fui convidado a participar do curso de formação de líderes de células. Concluí o curso, mas por conta de uma tensão com um diácono da igreja não assumi o cargo. Somente meses depois fui convidado pelo pastor da BDNF, Digão, a tornarme líder, mas recusei o convite por não concordar com as diretrizes da igreja. À época indaguei se poderia abrir uma célula da BDNF em um morro local, o Monte Serrat, e tive como  resposta  de  líderes  que   “não  adianta   fazer   uma  célula   lá,  estas  pessoas   não vão descer aqui  prá  igreja”.  A  leitura  que  fiz,  talvez  equivocada,  foi  a  de  que  a  agência não teria interesse em pessoas que não dizimassem ou ofertassem financeiramente. Este período foi quando fui mais afetado pelo convívio na igreja. Ao mesmo tempo, por não concordar com a doutrina da mesma, desenvolvi sentimento que transitava entre afeto e desafeto. Até 2006 as/os fiéis da BDN provavelmente entendiam minha participação como a de um crente pertencente – ainda que eu esboçasse a pessoas íntimas as minhas negociações particulares entre frequentar, colaborar, concordar, pertencer e crer. Eu frequentava e procurava ser útil aos/às que chegavam na igreja mas não concordava com a doutrina nem me sentia pertencente ou crente. Uma das formas como procurei co-labor-ar com a BDNF foi 28

Como o/a leitor/a pode perceber, uma das tatuagens (guerreiro de Cristo) dá vistas a temas centrais deste livro como o marketing de guerra santa/marketing com a guerra santa. Outra é um slogan conhecido entre os/as evangélicos/as (Jesus te ama).

21

através da abertura de módulos de ensino fundamental e médio do CEJA (Centro de Educação de Jovens e Adultos), oferecidos pela Secretaria de Educação de Santa Catarina. Com o apoio de Digão e do próprio CEJA, abrimos inscrições – contudo, não tivemos matrículas suficientes para iniciar os cursos. Se o tempo em que a grande onda me pegou (fui afetado e/ou participei observando) possibilitou um olhar de perto e de dentro29, um distanciamento posterior permitiu que eu tornasse o familiar, mais exótico.30 A partir de 2006 frequentei a BDNF com menos intensidade, visitando outras unidades da BDN, como a de Balneário Camboriú e a sede em São Paulo. Ao mesmo tempo frequentei outras agências evangélicas de Florianópolis, como a Banca de Rap Cristão (BRC), desenvolvendo trabalhos sociais com esta, e duas igrejas “especializadas”   em   surfistas,   os   Surfistas   de   Cristo   e   a   Calvary   Chapel   – fiz parte do ministério de louvor desta e em 2008 fui convidado a fazer seminário teológico no exterior para tornar-me pastor da mesma. Abdiquei do convite para realizar minha pesquisa de mestrado em História sobre a BDN, na UDESC.31 Após minha entrada no mestrado, expliquei a Digão que minha pesquisa era sobre a agência – é possível que neste momento ele, líderes e fiéis da igreja tenham visto em mim uma conversão de crente a crente e pesquisador – ou apenas a pesquisador.32 Digão, assim como muitos/as dos líderes e fiéis da BDNF, sabiam de muitas inquietações que eu tinha em relação às igrejas evangélicas da atualidade. Em conjunto com outras pessoas insatisfeitas com a explosão gospel,33 promovi entre 2008 e 2009 reuniões de estudo bíblico e louvor na casa em que residia, interrompidas um pouco antes de meu retorno a São Paulo para o processo seletivo de doutorado.34

29

MAGNANI, 2002. VELHO, 1981. 31 Recordo-me que minha tomada de decisão se deu a partir de conversa com Artur Cesar Isaia, em um café na UFSC, em 2008. O mesmo me aconselhou a seguir a carreira acadêmica e não a pastoral, e esta me pareceu a ideia mais sensata. 32 É provável que Digão já me visse anteriormente como crente e pesquisador, pois entre 2006 e 2007 fiz uma especialização em Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso no ITESC – Instituto Teológico de Santa Catarina. Mas creio que ele não me enxergava, até então, como alguém que pesquisasse sobre a BDN. Na ocasião em que expliquei sobre minha pesquisa o mesmo se mostrou solícito em ajudar com o que fosse necessário. 33 Termo de Cunha (2004, 2007) referente às igrejas evangélicas mais midiatizadas e espetacularizadas. Publiquei resenha sobre o livro A explosão gospel em ocasião anterior (MARANHÃO Fº, 2011d). 34 Ingressei no doutorado em História Social na Universidade de São Paulo (USP) em agosto de 2010, sob a orientação do professor José Carlos Sebe Bom Meihy. 30

22

Em 2010 prossegui minha observação participante – de modo menos intenso – na BDNSP,35 iniciando a publicação de alguns trabalhos. 36 Em 2011 não realizei novas pesquisas sobre a agência, mas continuei refletindo sobre seus agenciamentos – especialmente relativos ao uso do marketing. 37 Em 2012 retomei minha observação participante na BDNF, a fim de acompanhar inovações e continuidades, sinalizando um reencontro com a mesma, em que fui convidado a retornar à igreja e participar de ministérios, dentre estes, o de louvor evangelístico, a fim de cantar gospel rock e gospel reggae.38 Neste período de pesquisa observei uma nova célula e um novo ministério: a Célula UFSC e o Bola Running – além de novas mudanças no perfil da agência, impulsionadas especialmente por conta da mudança do local da sede. 39 2013 marca outro instante em meu relacionamento com a BDN, de uma pesquisa de inspiração etnográfica digital no Facebook (FB).40 Tal análise foi realizada como lurker, aquele observador que não se mete nas conversas, apenas as acompanha. Analisei alguns dos perfis públicos da igreja, como o Apê Rina; o Bola de Neve Oficial; o Célula UFSC; o Bola Running; o Mulheres do Bola e o Bola de Neve Floripa.41

35

Quando me refiro à BDNSP ou BDNF, o faço relacionado às suas sedes em São Paulo e Florianópolis, respectivamente. No entanto, tais cidades comportam núcleos e células. 36 Em 2009 eu já havia publicado um trabalho sobre a agência. Um período de publicação mais intenso ocorreu a partir de 2010. 37 De 2010 em diante realizei outras pesquisas envolvendo religiões e religiosidades. Dentre estas, sobre ateísmo (2010f), agências que se intitulam inclusivas LGBT (2011b, 2011c, 2012i), heavy metal em agências evangélicas (não publicado), pessoas religiosas com limitações físicas (não publicado), agências que tem sexualidade como mote, como a Sexxx Church e a Capital Augusta (não publicado) e marketing de guerra santa (2012c, 2012g). 38 Em 02 de setembro de 2012 (domingo), eu caminhava com minha amiga Talita Sene pela Costa da Lagoa – bairro localizado no leste de Florianópolis – quando avistamos Digão correndo. O mesmo usava uma camiseta amarela de dry fit com o slogan do Bola Running, tênis específico para corrida e um aparelho que o hidratava enquanto corria. Conversamos brevemente com o mesmo, que disse que seria uma honra receber-me na igreja e que tomássemos um café posteriormente. Aceitei o convite de Digão e participei do culto daquela noite – o que me inspirou a retomar minha pesquisa e publicar os resultados parciais neste livro. Tal reencontro marcou uma nova largada em meu percurso na BDN. 39 Algumas informações referentes a estes e outros ministérios e inovações da BDN foram publicadas aqui – outras serão posteriormente, em forma de artigo(s). 40 O FB é uma rede social. As redes sociais são plataformas em que as pessoas podem compartilhar seus perfis pessoais ou públicos. As páginas relativas a estes perfis costumam apresentar uma ou mais fotos da pessoa, coletivo ou instituição, dados como nome, idade, preferências afetivas, cidade onde reside, profissão, preferências culturais (música, filmes, programas de tevê, etc), e tem como objetivos promover, encontrar pessoas conhecidas ou fazer novos contatos. A interatividade costuma ocorrer nos comentários feitos a respeito dos perfis das pessoas, especialmente do que estas postam com certa frequência. Um/a fiel da BDNF, por exemplo, pode localizar companheiros/as de igreja através do mecanismo de busca da rede social, digitando Bola Running Floripa, Célula UFSC ou Bola de Neve Floripa. Na maioria dos grupos e fóruns de redes sociais como o FB, é fácil encontrar líderes da BDN, que costumam utilizar o espaço para se divulgarem e à agência. O FB cruza informações entre os/as amigos/as constantemente, possibilitando que as redes de amizades sejam ampliadas. É assim uma ferramenta de divulgação altamente eficaz – ao menos atualmente. 41 Alguns apontamentos podem ser vistos neste livro e outros serão publicados posteriormente.

23

Fica evidente que minha pesquisa na BDN teve diversos momentos marcados por afeto e desafeto, aproximação e recuo. 42 Em todos esses instantes, procurei deixar o campo me guiar – ainda que em muitos momentos não tenha deixado a onda me levar. O nomadismo realizado na BDNF e BDNSP, acompanhado da observação participante em filiais como a BDN Balneário Camboriú e a análise da agência no ciberespaço, estimulou/estimula minha vontade de identificar os desdobramentos das estratégias de marketing de guerra santa43 da BDN. Por ser uma agência em ebulição, falar ou escrever sobre a mesma é trabalho em fluxo, destinado à provisoriedade, pois de um momento para outro muitas informações tornam-se derretidas e ultrapassadas. O presente livro se fundamenta na dissertação defendida em 2010, atualizada de acordo com novas peregrinações.44 Parte deste material foi publicado em revistas acadêmicas de 2009 a 2013. As informações descritas aqui são provenientes tanto da época em que frequentei a agência como dos momentos em que me declarei pesquisador à liderança da mesma (durante o mestrado e no final de 2012). O título A grande onda vai te pegar é uma referência ao jingle do portal45 da BDN na internet – e serve para marcar uma de suas principais características, a de intensa midiatização. A BDN é um exemplo de igreja cibernética ou ciberespacial: a internet é sua principal plataforma

42

Esse afastamento desconjuntura o presente, o convertendo não em tema, mas em problema, fazendo com que “percebamos  quão  artificial,  arbitrário e produzido é o que nos parece dado, necessário ou natural, mostrando a estranheza  daquilo  que  nos  é  mais  familiar,  a  distância  do  que  nos  é  mais  próximo”  (LARROSA,  2004,  p.  34),  e   levando a produzir as fraturas necessárias entre nosso passado, ainda que muito recente, e nós mesmos/as. Rioux indaga:  “como  traduzir  em  termos  de  duração  um  presente,  por  definição,  efêmero?  Presente  cuja  produção,  além   disso, é cada vez mais, ao longo do século XX, fenômeno atual, cujos delineamentos são confundidos nesse turbilhão  denso  e  indistinto  de  mensagens,  nesse  imenso  rumor  mundializado  de  um  “atual”  triturado,  amassado,   transformado sem trégua, sob o triplo efeito da midiatização do acontecido, da ideologização do ato e dos efeitos de moda na nossa apreensão de um curso da história? Se nosso presente é uma sucessão de flashes, de delírios partidários e de jogos de espelhos, como sair dele para erigi-lo,  em  objeto  de  investigação  histórica?”  (RIOUX,   1999, p. 41). Rioux  explica  que  o/a  historiador/a  “desempacotando sua caixa de instrumentos e experimentando suas  hipóteses  de  trabalho,  cria  sempre,  em  todos  os  lugares  e  por  todo  o  tempo,  o  famoso  ‘recuo’”  (idem, 1999, pp. 46-47). Ilustro o afastamento através de dois exemplos. O primeiro está em Paisagens da História, de John Lewis Gaddis, em que ele comenta sobre o quadro Viajante sobre o Mar de Névoa, de Caspar David Friedrich (GADDIS, 2003). Friedrich retrata um personagem a observar ao longe os acontecimentos. O segundo está em Walter Benjamin, que através da nona das suas teses sobre o conceito de História, fala sobre a pintura Angelus Novus,  de  Paul  Klee.  Nesta  se  identifica  o  “anjo  da  História”  recuando  com  o  “rosto  dirigido  ao  passado”,  alheio   à sua vontade (BENJAMIN, 1987). Estas imagens sugerem o ofício do/a pesquisador/a: realizar o distanciamento necessário entre si e o que (quem) pesquisa, já  que  o  “passado”  costuma  chegar  através  de   representações dele mesmo, a partir da sobrevivência de artefatos  e  pistas  do  que  “se  foi”.   43 Explicarei tal conceito no primeiro capítulo. 44 Termos como nomadismo e peregrinação são utilizados aqui de modo metafórico. 45 Este jingle estava disponível no site até 2011. Após este período, foi retirado. O jingle era usado concomitantemente no site da   Bola   TV:   “a   grande   onda   está chegando e vai te pegar, é radical; é espiritual, é anormal,  sobrenatural;;  a  grande  onda  está  aqui;;  altas  paradas,  no  Bola  TV”.  

24

promocional e se insere num âmbito de espetacularização e gerenciamento de nichos de mercado religioso. Marketing, espetáculo e ciberespaço formam as três grandes ondas da BDN46 – podendo ser também entendidos como espécie de santíssima trindade da mesma:47 o espetáculo desliza pelo ciberespaço tendo o marketing como surfboard. A rede mundial de computadores, componente do ciberespaço, é quem48 melhor possibilita fazer da agência pescadora de homens e mulheres, recolhendo-os/as e procurando distribuí-los/as em suas unidades.49 Percebemos as formas de promoção da BDN no ciberespaço através de uma miríade de fontes, como redes sociais, sites de compartilhamento de áudio e vídeo 50, o portal oficial da agência

46

Faço alusão às três ondas do pentecostalismo, divulgadas por Paul Freston (1994). Este autor, segundo Campos (1997) e Mariano (1995), é inspirado nas obras de Peter Wagner (in Burgess, 1995, p. 810) e de David Martin (1990, apud CAMPOS, 1997), que também se valem do termo ondas para definir periodizações do fenômeno religioso. O período referido por Freston como primeira onda vai da implantação da CCB (São Paulo, 1910) e AD (Belém, 1911) até sua difusão pelo Brasil em 1950. Este período é chamado de pentecostalismo clássico por Mariano (MARIANO, 1995, p. 30). O pentecostalismo de segunda onda, para Freston e Mariano, tem como grande característica os movimentos de cura divina e se inicia na década de 1950 em São Paulo, com a Cruzada Nacional de Evangelização promovida pela Internacional Church of the Foursquare Gospel, gerando a IEQ (FRESTON, 1996, p. 66 e MARIANO, 1995, p. 30). A terceira onda, que Mariano refere como neopentecostalismo (1995), inspirado em Ari Pedro Oro (1992), tem dentre seus elementos principais a relevância dos rituais de exorcismo, de teologias como da prosperidade, cura divina, domínio, do gerenciamento de mercado e utilização massiva da tevê como midiatizadora. Como a BDN possui características diferentes das três ondas citadas, me arrisquei a pensá-la como neopentecostal de supergeração (2010). Contudo, tal termo também não é bastante para compreender a mesma. A expressão três ondas é utilizada também pelo feminismo, movimento missionário evangélico brasileiro, dentre outros. Quando falo das três grandes ondas da BDN não estou me referindo a periodizações históricas da agência. 47 A expressão santíssima trindade é ressignificada durante o livro. 48 O termo quem, ao invés de que, dá vistas à ideia – desenvolvida no último capítulo – da rede mundial de computadores como dotada de agência, tal como pessoas, coletivos e instituições. Bruno Latour (2008) estimula a refletir sobre agências humanas e não humanas.  Sobre  o  assunto,  Theophilos  Rifiotis  nota  que  “ao  longo  dos   seus trabalhos, Latour nos fornece uma série de exemplos de situações em que deveríamos problematizar a agência de objetos. Seria inútil aqui detalhá-los, mas lembremos ao acaso uma pequena série deles: arma, controle remoto, lombada. Mas também o celular, o computador, ou ainda medicamentos, etc, etc. (...) A ação é o foco da atenção e não as entidades pré-configuradas. Agência não é determinação ou escolha, mas resultado da descrição de uma ação, de um processo, ou melhor, de um   fluxo   da   ação”   (RIFIOTIS,   2012,   p.   575). Um exemplo  possível  está  numa  fala  do  filme  Serpentes  a  bordo  (2006):  “você está jogando este maldito videogame ou é o videogame que está jogando você?” 49 Ressalto   que   muitas/os   fiéis   da   agência   não   necessitam   necessariamente   se   “deslocar   fisicamente”   para   participarem de reuniões e cultos da mesma: podem se sentir crentes e participantes através da interação com líderes e outros/as fiéis pelo ciberespaço. Isto é linkado às características da agência como igreja no ciberespaço e do ciberespaço, como saliento no último capítulo. 50 Orkut  foi  a  “rede  social  da  vez”  no  Brasil  até  ser   superado pelo FB e Twitter. Estas duas plataformas, assim como os compartilhadores de áudio e vídeo YouTube e MySpace, estão em 2013 entre as ferramentas de difusão religiosa   mais   utilizadas   no   ciberespaço,   inclusive   pela   BDN.   As   “fronteiras”   entre   redes   sociais   e   sites   de   compartilhamento de áudio e vídeo a cada dia se mostram menos precisas: FB permite que internautas compartilhem vídeos e MySpace e YouTube, que interajam. Tais sites, como outros, fazem um mix de funções. É interessante notar que sites como oYouTube geraram outros sites de compartilhamento de vídeos com nomes que remetem a ele: assim, para os/as fãs de filminhos eróticos, há o PornoTube. Para os/as crentes em Jesus, o GodTube – também conhecido pela alcunha de YouTube cristão.

25

(www.boladenevechurch.com) e diversos dos sites da mesma. 51 Entre bits e bites exerci minhas escolhas, enfatizando a análise do portal, do site da Bola Radio e da canção Caia Babilônia como formas de apresentar o marketing de guerra santa da BDN.52 Selecionar relaciona-se com a atenção aos detalhes, indícios e subtextos. Larrosa reforça a ideia de que, para que o presente nos diga algo, devemos buscar minúcias que o esclareçam: Aí está a magia e o talento do ensaísta, nesse olhar afinado que lhe permite prestar atenção àquilo que habitualmente passa despercebido, ao detalhe, mas que, ao mesmo tempo, consegue que esse detalhe apareça sob uma nova perspectiva e que se amplie até o infinito, que expresse todo um mundo e toda uma forma de habitálo e, ao mesmo tempo, o estranhe até torná-lo inabitável. Ou torná-lo habitável, mas, precisamente, neste estranhamento. 53

No caso da BDN, como em qualquer outro, é necessário atentar às minúcias e analisar a especificidade sem esquecer o contexto mais ampliado.54 A BDN é um estudo de caso relativo ao gerenciamento de mercado religioso no tempo presente. Estudar as formas como o marketing de guerra santa (e marketing com guerra santa) da agência operam ultrapassam a mesma, servindo de substrato para compreendermos como uma infinidade de agências

51

Dentre estes, destacam-se os sites das suas múltiplas unidades (BDNF, por exemplo), de ministérios (como o Mulheres do Bola), da Bola TV, da Bola Radio (com suas plataformas Extreme, Worship e Espanõl), de eventos musicais e esportivos e de cultos temáticos. 52 Em relação à profusão documental com que me deparei, lembro-me das palavras de Pierre Milza e Serge Bernstein, de que o/a historiador/a do presente deve cercar-se  “de  uma  multiplicidade  de fontes para aí encontrar o  necessário  confronto  entre  múltiplas  abordagens”  (BERSTEIN,  MILZA,  1999,  p.128),  levando  a  escolhas e ao “rigor   na   análise,   no   conhecimento   do   contexto   indispensável   para   esclarecer   e   relativizar   as   informações   dos   documentos, na prudência  da  síntese  que  não  pode  ser  estabelecida  senão  ao  final  de  uma  sólida  demonstração”   (idem, 1999, p.128). Os autores  indagam:  “como  não  se  afogar sob uma montanha de palavras ou imagens, sem conhecimento aprofundado do contexto, sem um método seguro de abordagem dos documentos, sem o sentido do essencial?”   (ibidem, 1999, p. 130). Também recordo Jacques Le Goff, que   sugere   que   se   tente   “distinguir   o   incidente  do  fato  significativo  e  importante”  (LE  GOFF,  1999,  p. 102). 53 LARROSA, 2004, p. 35. 54 Giovanni Levi sublinha que o recorte deve apontar para um contexto  mais  ampliado:  “dado  um  episódio,  um   lugar, um documento, devemos aplicar nele uma redução de escala. A micro-história é uma prática que implica o rompimento  de  hábitos  generalizantes”  (LEVI,  1992,  pp.  133-161), ao mesmo tempo em que “não buscamos a generalização das respostas, e sim das perguntas: quais são as perguntas que podemos criar e aplicar também em situações totalmente diferentes? Sendo bem sintéticos: estamos interessados na pergunta geral que emerge de uma situação local (...). porque não se trata de uma história local, e sim de uma tentativa de encontrar perguntas gerais   a   partir   de   uma   situação   socialmente   específica”   (idem,   2009).   Isto sinaliza para a recomendação de Le Goff sobre o acontecimento histórico, que mesmo recebendo uma leitura do presente deve ser integrado numa espessura da duração mais  ampla  através  de  indagações  como  “de  onde  vem  isso?  Até  onde  é  preciso  remontar   para  compreender  bem  o  acontecimento,  a  situação,  o  problema  de  hoje?  Mas  no  que  e  por  que  é  diferente?”,  e   ainda:   “quais   foram   as   grandes   viradas,   as   grandes   rupturas   (se as houve) no passado no que concerne ao acontecimento,   à   situação   de   hoje?”   (LE   GOFF,   1999,   p.  94). Certamente, estudar a BDN importa não apenas para se compreender contextos mais gerais – mas para conhecer a própria BDN.

26

religiosas se utilizam da tríade marketing, espetáculo e ciberespaço para se promoverem e consolidarem suas marcas nas mentes e corações de fiéis-consumidores/as. Este livro trabalha com várias temporalidades. Dentre elas, 1999, fundação da BDN; 2004, gravação de Caia Babilônia; 2005, minha entrada em campo; 2007, criação da primeira versão do portal da agência; 2008, início de minha pesquisa formalizada através do mestrado; e 2013, ano de revisão do material e de publicação. Lembro que  o  caráter  de  “tempo  presente”  de  um   trabalho não está necessariamente na proximidade temporal com o objeto estudado, mas sim, na contemporaneidade do olhar do/a pesquisador/a.55 *** O livro se estrutura da seguinte forma: no primeiro capítulo, após fazer uma breve contextualização sobre a presença de celebridades em agências evangélicas, apresento o que denomino marketing de guerra santa – em trânsito, conceito que permite compreender como a BDN opera seus discursos e práticas de midiatização e espetacularização tendo o ciberespaço como principal plataforma de divulgação de discursos e mercadorias. O marketing de guerra santa pode ser relacionado com um marketing com a guerra santa. Neste, termos como marcha, guerra e conquista de territórios são apropriados como alegorias discursivas para a promoção e consolidação da BDN no front de batalha religioso. Na parte Entre-capítulos demonstro porque todos os conceitos utilizados no livro podem (devem) ser vistos sob rasura, a partir de sua instabilidade, precariedade e errância. Em “De um floquinho de neve a uma avalanche” comento a respeito da “identidade” da BDN, seu mito fundante, ministérios, células e organização hierárquica, e por fim, algumas das formas como seu marketing de guerra santa se apresenta e é efetivado, sinalizando para a espetacularização e discursos religiosos da agência. No terceiro capítulo trato sobre o derretimento e congelamento do discurso da BDN, observados na coloquialidade/informalidade da pregação, na apropriação de determinadas teologias, na relação entre flexibilização de usos e costumes e policiamento sobre a sexualidade e afetividade, e na mulher como protagonista e submissa ao marido.

55

E é neste sentido que uma pesquisa sobre história antiga ou medieval pode ser realizada sob a alcunha história do tempo presente. Além do olhar presentificado do/a pesquisador/a, este/a pode ter a intenção de estabelecer relações entre o tempo histórico estudado e a contemporaneidade em que vive.

27

No capítulo Espetáculo na (da) BDN destaco a espetacularização do patrimônio, a autoespetacularização, a Lojinha/Shopping/Planet Bola, a canção Caia Babilônia e o ministério Bola Running (BR). Na parte dedicada à canção contemplo a inconveniência do uso do   termo   “música   gospel”   e   apresento   possibilidades   teórico-metodológicas de análise de canções. Ao enfatizar o BR, a velocidade nos conecta com o capítulo seguinte, relativo ao ciberespaço. O ciberespaço permite que acessemos, curtamos e compartilhemos produtos, mercadorias e discursos da agência, sendo seu principal promotor. In Cyber Jesus we trust, título deste capítulo, é uma paródia de In Jesus we trust, slogan da agência. Aliás, slogans e anglicismos estão entre as principais formas de espetacularização da agência no ciberespaço, tal qual seu portal, que nos transporta a outros dos sites da igreja, como o relativo à sua rádio online, a Bola Radio. Por  “fim”  apresento  inconclusões – combinando com a instabilidade do tema. Analisar a BDN é um trabalho em processo já que esta se encontra em fluxo de amoldamento de seu discurso e identidade, caracterizados por movimentos de solidificação e derretimento56 em direção à satisfação de expectativas próprias e de fiéis-consumidores/as. Portanto, este livro não pretende finalizar o assunto, mas convidar o/a leitor/a ao florescimento de diálogos posteriores.

56

A fluidez com que o discurso e a identidade da BDN se apresentam não é exclusividade da mesma, mas de uma infinidade de agências religiosas – não sendo resumida às (auto)classificadas evangélicas.

28

29

C

apítulo 1: Marketing de guerra santa – em trânsito

“V

ocê já foi nessa igreja? É a maior loucura! Eles baixam a luz, começa a tocar uma banda de rock, ai é tipo uma balada dentro do culto. Eu pensava: Vai passar um garçom aqui oferecendo alguma coisa? Se passar, chama que

eu  quero  pedir  uma  bebida.” Essas foram as primeiras impressões de Bianca57 logo que entrou na sede da BDNSP, localizada no espaço antes ocupado pela casa de shows Olympia, na Lapa, São Paulo. Não tardou para Bianca perceber que, como em qualquer igreja evangélica, na BDN não se costuma servir bebidas alcoólicas 58 – ainda que o culto possa parecer uma balada. Esta estrutura dos cultos, remetendo a festas e shows seculares, faz parte do discurso informal/coloquial da agência, e serve como facilitadora da atração de públicos diversificados e consolidadora da identidade59 de igreja de pessoas jovens e descoladas – o que é percebido na narrativa de Priscila Seixas Mastrorosa,60 pastora da BDN da Barra da Tijuca (RJ) e irmã do apóstolo Rina, fundador da BDN: Jesus Cristo era um personagem vip. Tinha um temperamento tão agradável que na primeira vez que encontrou seus discípulos os convidou para ir à balada. Mesmo no meio de bêbados e mulheres marginalizadas, o filho de Deus mantinha seus 57

Pseudônimo. Nesta narrativa, Bianca fala das suas primeiras impressões sobre a BDN, igreja que transitou. A mesma peregrinou por outras agências evangélicas e diversas religiões, como o islamismo, o kardecismo, a união vegetal e religiões de matriz afro. Bianca, mulher transexual, colaborou para minha pesquisa de doutorado em História, em que analiso as narrativas de pessoas entre-gêneros (pessoas que identificam-se como transexuais, travestis, crossdressers e drag queens/kings) sobre seus itinerários e experiências religiosas, espirituais, ateístas e agnósticas. 58 O próprio vinho, representando o sangue de Cristo na ceia, é substituído na BDN pelo suco de uva, o que costuma ocorrer na maioria das agências evangélicas. No caso da BDN, isto é justificado por um de seus membros:  “a  gente  oferece  o  suco de uva porque muitas pessoas tem dificuldade com bebida alcoólica, e muitos estão  em  recuperação  do  alcoolismo.  Se  beberem  um  só  gole,  podem  ter  uma  recaída”.  O  preço  do  vinho,  a  ser   distribuído em alta escala, pode ser outra explicação para tal substituição. 59 Identidade, neste livro, é entendida como algo móvel, fluido – no caso da BDN, derretida – não tem um sentido fixo, imutável ou acabado, mas é vista como um devir, algo em busca e processo, muito mais que como chegada. Comento, em Entre-capítulos, sobre a (in)adequação do uso do conceito de identidade. 60 Como me narraram, à época desta fala Priscila era casada com o pastor Gilson Mastrorosa, que foi afastado no final de 2010 pela direção da BDN por ter sido descoberto em adultério e acusado de desvio de dízimos e ofertas. A mesma se apresenta como Priscila Seixas atualmente, e separada de Gilson, prega na BDNSP.

30

princípios. Continuaria comportado ainda que se deparasse numa festa com a desregrada   Maria   Madalena,   de   copo   na   mão,   dizendo:   “E   aí,   Jesus,   você   vem   sempre  aqui?  Shake  your  body!”61

Como vemos na narrativa da pastora, frequentar balada não é problema, desde que a pessoa mantenha seus princípios e comporte-se.62 A desregrada Madalena63 interpretada por Priscila serve como metáfora para explicar a conversão de mulheres consideradas promíscuas – ovelhas desgarradas que se encontravam perdidas – e que através da igreja tornaram-se uma benção.64 Muitas destas frequentam (ou frequentaram) a BDN. Algumas são celebridades e frutos da evangelização da pastora, como as ex-coelhinhas da Playboy Marinara Costa, Georgiana Guinle e Regininha Poltergeist. Algumas das famosas da Bola da Barra, como Poltergeist, Costa, Guinle, Giselle Policarpo, Luciana Bessa e Renata Foster65 fizeram parte de um programa de tevê idealizado por Priscila,66 as Boladas – espécie de Saia Justa67 das crentes da BDN. Neste eram discutidos temas relacionados às experiências de conversão destas celebridades. Evidentemente, o nome remete à mescla Bola e baladas (figura 4).68

61

A pastora das desgarradas. Disponível em: < http://www.istoe.com.br/reportagens/74677_A+PASTORA+DAS+DESGARRADASl>. Acesso em: 28 maio 2010. 62 A questão das baladas na BDN é imersa em aparente ambiguidade. Por um lado, a igreja recrimina a ida de fiéis às mesmas, oferecendo baladas de Cristo como alternativa. Por outro, ministérios de evangelismo da BDN vão, eventualmente, a determinadas festas e  shows  “seculares”  para  entregar  folhetos  e  convocar  os/as  jovens  a   conhecerem a igreja. O próprio local de (re)implantação da BDNSP dá vistas à associação que a BDN procura promover com o contexto de baladas. O prédio que anteriormente servia à casa de shows Olympia é ocupado pela agência. O novo ambiente acomoda mais de 2.640 pessoas e muitas vezes se encontra lotado. Na BDN convivem, em aparente ambiguidade, discursos derretidos e congelados – como comentarei adiante. 63 Maria Madalena costuma ser entendida, num dado imaginário social, como prostituta arrependida e convertida por Jesus, e é apropriada por discursos que falam sobre conversão religiosa. 64 Ser ou tornar-se uma benção é expressão recorrente em igrejas evangélicas e católicas e se aplica a pessoas que cumprem os estatutos religiosos a contento, andam no caminho de Jesus e não se desviam. 65 Bessa participou de Malhação.  Foster  interpretou  a  Eva  do  programa  Zorra  Total  e  comentou:  “enquanto   fiz essa personagem, me afastei da igreja. E sofri em vários setores da minha vida. As pessoas acham que artista não tem problemas e é interessante elas verem nossas experiências para se identificarem. Há um ano, me firmei na fé e cheguei a receber convites de outros trabalhos também muito ligados à vaidade, mas estava preparada para dizer  não.  Agora  tenho  foco.”  Priscila  chamou  Foster  para  interpretar  Eva  em  uma  comédia  teatral  que  organizou   e decretou: “dessa   vez,   será   o   verdadeiro   personagem   bíblico”, sinalizando à apropriação feita pela BDN da presença de famosos/as. Boladas: Elas cansaram de ser sexy. Agora convertidas falam sobre Religião no projeto da Igreja Bola de Neve. Disponível em: . Acesso em: 28 abr 2010. 66 Até onde soube, foram gravados um piloto e três programas, mas não houve acerto nas negociações empreendidas pela BDN com canais como Record, RIT e Rede TV. 67 Programa de entrevistas do GNT. 68 Como   explicou   Priscila,   “fazer esse programa com mulheres cristãs comuns não teria o mesmo impacto. Percebi que, quando artistas se convertiam, todos tinham curiosidade para ver seus testemunhos. Então, resolvi juntá-las para que pudessem passar suas histórias e contar sobre suas transformações”.  Boladas: Elas cansaram de ser sexy. Agora convertidas falam sobre Religião no projeto da Igreja Bola de Neve. Disponível em:

31

Figura 4: Boladas 69

A influência de Priscila e da BDN Barra sobre algumas destas celebridades é marcante.70 Poltergeist rearticulou  sua  identidade  a  partir  da  troca  de  nome:  “o  apelido  Poltergeist  foi  pro   inferno.  Hoje  sou  a  Regina  Pentecostes”.  Nos  anos  1990,  Pentecostes  era  conhecida  como  a   loiraça Belzebu de uma das canções de Fausto Fawcett, notabilizando-se por apresentar o programa Puro Êxtase,  “curar”  pessoas  através  do  sexo  na  peça  Santa Clara Poltergeist e atuar em filmes eróticos. Ator de filmes pornôs da série Brasileirinhas, o ex-global Alexandre Frota frequentou a BDN71 – assim como a ex-capa da Sexy Luciana Bessa e as ex-garotas da Playboy Danielle Winits e Natália Nara. Nara, ex-apresentadora, tem uma biografia atravessada pela transição do  BBB  para  a  BDN,  onde  atualmente  é  pastora,  e  comentou  sobre  ter  posado  nua:  “quando me dei conta da besteira que eu fiz (a revista Playboy), me arrependi e passei a andar no . Acesso em: 28 abr 2010. A pastora das desgarradas. Disponível em: < http://www.istoe.com.br/reportagens/74677_A+PASTORA+DAS+DESGARRADASl>. Acesso em: 28 maio 2010. 69 Parte do elenco das Boladas: Foster, Bessa, a pastora Priscila, Policarpo, Guinle e Pentecostes (ex-Poltergeist). Foto de Cecília Acioli para a Ilustrada, da Folha de São Paulo, 2010. Boladas. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2010. 70 Priscila explica sobre o impacto da igreja  em  Poltergeist:  “Quando ela chegou à igreja, estava para lançar seu quarto filme pornô, depressiva, triste. É legal ver como se levantou. É bom ver o crescimento espiritual e de vida de  cada  uma”.  Boladas: Elas cansaram de ser sexy. Agora convertidas falam sobre Religião no projeto da Igreja Bola de Neve. Disponível em: . Acesso em: 28 abr 2010. 71 Outros/as globais frequentam ou frequentaram a BDN, como Guilherme Berenguer e Fernanda Vasconcellos. Esta última tem recebido convites para posar para a Playboy e em notícia de 2013 diz estar avaliando a proposta. Fernanda Vasconcellos é convidada para ser capa da Playboy. Disponível em . Acesso em: Acesso em: 22 out. 2012.

32

caminho  de  Jesus”. 72 Pentecostes (ex-Poltergeist) também explicou ter se arrependido de sua exposição em filmes e revistas: “me perdi pelo dinheiro. Essa coisa da carne é do diabo”,  e   argumentou sobre suas expectativas amorosas: “estou esperando o varão que Deus vai escolher  para  mim,  mas  ele  terá  de  pedir  permissão  à  pastora  prá  me  namorar”. 73 Monique Evans, a quem me referi no episódio da Barca, foi apresentadora do programa Noite Afora, da Rede TV, especializado em papos eróticos. Neste, em meio a entrevistas com casais participantes de swing e brinquedos eróticos, comentava sobre a igreja evangélica que frequentava e o líder espiritual que a aconselhava, e que apesar do teor do programa, vivia em santidade – termo utilizado pelos/as evangélicos/as para se referir à abstinência sexual. 74 Além destes casos, há muitos outros de ex-protagonistas de revistas eróticas que converteramse a igrejas evangélicas: Bárbara Evans – filha de Monique – explicou durante o programa Papo Calcinha, do canal Multishow, que “posar   para   a   Playboy   foi   plano   de   Deus”,   conciliando fé religiosa e seu trabalho de modelo. 75 A ex-chacrete Gretchen, conhecida como rainha do bumbum pelo hit Conga La Conga, na década de 2000 estreou filmes do selo Brasileirinhas, ao mesmo tempo em que declarava-se frequentadora da IURD, da Renascer em Cristo e da Sara Nossa Terra – para a maioria do público evangélico, atuar em filmes pornôs e frequentar igrejas evangélicas seria algo irreconciliável. Mas Gretchen procurou articular carreira musical e devoção: fez uma versão gospel de seu hit Melô do Piripiri, o Piripiri de Jesus. Neste, a expressão Je suis la femme, ôoô (eu sou a mulher) é substituída por Cristo é Rei, ôoô. Também ex-capas da Playboy, 76 Carla Perez (do É o Tchan) e a feiticeira Joana Prado se converteram – assim como seus respectivos maridos Xanddy (ex-Harmonia do Samba) e

72

Ex-BBB Natália Nara vira pastora, foge da fama e chora todas as vezes que lembra ensaio nu para a ‘Playboy’. Disponível em: http://extra.globo.com/tv-e-lazer/bbb/ex-bbb-natalia-nara-vira-pastora-foge-da-famachora-todas-as-vezes-que-lembra-ensaio-nu-para-playboy-7510504.html#ixzz2TP8wJpKg. 73 É importante notar que na BDN há um discurso rígido – que chamo congelado – sobre a afetividade e sexualidade das/dos fiéis, e que a permissão do/a líder para que o/a fiel paquere, namore, noive e se case é elemento recorrente de seu discurso (MARANHÃO Fº, 2009d, 2012h). Comentarei o assunto posteriormente. 74 Até onde posso recordar de alguns dos programas que assisti, Evans não chegou a denominar a igreja – que era a BDN. Em 2004 abandonou o Noite Afora para se dedicar melhor aos preceitos evangélicos pregados pela agência. Longe da TV, Monique Evans quer ficar feia e anônima. Disponível em http://www.estadao.com.br/arquivo/arteelazer/2004/not20040406p6446.htm 75 Literalmente, ao ser indagada pela apresentadora Pietra Príncipe se posar para a revista era plano de Deus, respondeu:  “Com  certeza.  Tudo  são   os  planos  de  Deus”.   Posar na Playboy foi plano de Deus! Disponível em: http://www.genizahvirtual.com/2012/02/pousar-na-playboy-foi-plano-de-deus.html. Acesso em: 20 ago. 2013. 76 Outros casos de celebridades que posaram nuas e depois se converteram a igrejas evangélicas: Darlene Glória, mito cinematográfico da década de 60, que após tentativa de suicídio se tornou pastora Helena Brandão, as exPlayboy Luiza Tomé, Cristina Mortágua e Marcele Prado, Nicole Puzzi e Simone Carvalho, ex-musas do cinema

33

Vitor Belfort, campeão de MMA conhecido por nocautear seus adversários e dedicar suas vitórias a Jesus. Outro esportista famoso, o ex-campeão brasileiro de musculação Enzo Perondini, foi braço direito do Apê Rina, e em 2008 criou sua própria igreja, a Zion, com estrutura semelhante: ênfase nas teologias da prosperidade, batalha espiritual e cura e libertação, e amplo uso do marketing religioso.77 Certamente, não há problema algum em um lutador de vale-tudo ou uma estrela de filmes pornôs tornarem-se crentes. Nem em serem crentes e atuarem nos filmes ou esportes que desejarem. Mas uma coisa é evidente: a atração que as igrejas evangélicas tem tido sobre a população brasileira em geral – incluindo as celebridades. Entre as pessoas famosas da BDN, encontram-se artistas globais, modelos, esportistas e também músicos. Dentre estes, destacam-se Zeider Pires, cantor do conjunto de reggae Planta e Raiz78; Catalau, ex-vocalista da banda de hard rock paulistana Golpe de Estado; David Fantazzini, ex-participante do programa Fama, da TV Globo; Nengo Vieira, ex-cantor de reggae secular; e Rodolfo Abrantes, ex-líder dos Raimundos. A maioria deles se tornou líder da igreja: Catalau é pastor da BDN Boiçucanga e colunista do periódico Crista,79 Fantazzini é ex-pastor da BDN Sorocaba,80 Nengo é missionário da BDN Santos81 e Rodolfo,82 levita83 e nacional dos anos 80 (a última é pastora do Ministério Pedras Vivas) e Rose de Primo, que posou para a Ele Ela na mesma década. O ator associado à pornochanchadas Jece Valadão, alguns anos antes de falecer, percorreu o Brasil divulgando o DVD O cafajeste de joelhos, em que comentava a respeito de sua conversão à AD. 77 O slogan da Zion é ser cristão é muito loco, o que indica o esforço de atração do público jovem através de linguagem coloquial, associada à (aparente) flexibilização de usos e costumes e à ressignificação de gêneros poético-musicais, fazendo parte de conjunto bem articulado de estratégias de marketing. 78 O testemunho do mesmo se encontra em: Entrevista com Zeider Pires. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. 79 A BDN Boiçucanga foi a primeira unidade da BDN fora da capital paulista. Bola de Neve Boiçucanga. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Coluna do pastor Catalau. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. O testemunho de Catalau é contado em seu site. Catalau. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. 80 Atualmente o mesmo lidera ministério com seu nome. David Fantazzini. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. O último trabalho fonográfico de Fantazzini chama-se “Minhas   canções”,   com   composições   do   missionário   RR   Soares,   da   IIGD.   David Fantazzini lança CD em Sorocaba. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. 81 Testemunho de Nengo Vieira. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. 82 Testemunho de Rodolfo Abrantes. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. 83 O termo levita, como comenta Dolghie, é apropriado do Antigo Testamento, que se refere a uma tribo de Israel, a Tribo de Levi, cujos homens, a partir de uma certa idade, eram separados para todo tipo de serviço no Templo. Dentro dos variados serviços encontrava-se a música. O termo começou a ser explorado no meio neopentecostal conferindo a cantores/as e instrumentistas a mesma atribuição de separado para o serviço. Para Dolghie,  “trata-se, portanto, de um grupo com função específica dentro da igreja, estabelecido segundo critérios teológicos”  (DOLGHIE,  2004,  p.  219).

34

missionário da BDN Balneário Camboriú, ocupando ainda o status informal de embaixador da BDN no exterior.84 A BDN é um exemplo recente de agência religiosa que tem acolhido famosos/as – fenômeno que ultrapassa os muros da mesma. Quem não se espantou, na década de 1990, com a transição de Mara Maravilha (ex-Playboy e apresentadora de programas infantis) para a IURD? E quem não se recorda da Baby Consuelo, ex-integrante dos Novos Baianos, que lançou o disco É ferro na boneca e cantou sucessos como Barra Lúcifer, Sem pecado e sem juízo? Se anteriormente Baby cantava Menino do Rio (aquele do calor que provoca arrepio), atualmente prega o menino Jesus, sendo a fundadora e popstora (como ela se define) da igreja carioca Ministério do Espírito Santo de Deus em Nome do Senhor Jesus Cristo. Ela entende a Bíblia como o manual do fabricante e  conta  que  foi  chamada  pessoalmente  por  Jesus,  que  seria   “o   maior casca-grossa  que  existe”,  tendo   aparecido  a  ela   “lindo, forte, maravilhoso, um gato”.85 Duas de suas filhas com Pepeu Gomes, Sarah Sheeva e Nãna Shara, tornaram-se evangélicas e abriram seus próprios ministérios, ambos tendo os/as jovens como público importante. 86 Ídolos do público infantil e teen também se converteram, como Simony (ex-Balão Mágico, Playboy e Sexy), Rafael Ilha Pereira (ex-Polegar), as ex-paquitas Ana Paula Almeida (Pituxita Bonequinha) e Andréa Faria (Xiquita Sorvetão),87 o ex-trapalhão Dedé Santana, o ex-Bozo Arlindo Barreto (atualmente Pastor Arlindo ou Mr. Clown), e a dupla de palhaços Patati Patatá. Como comenta Márcia Regina da  Costa,  é  conveniente  a  conversão  de  artistas  “com  os  quais   os jovens e os integrantes de determinados estilos possam se identificar por meio da história

84

Diversas das agências evangélicas têm sua atenção voltada ao mercado externo, inclusive com a estratégia de abertura de filiais em outros países – dentre estas, destacam-se a IURD, a IMPD, a IIGD, a Renascer, a Sara Nossa Terra e a própria BDN. 85 CUNHA, 2007, p. 95. 86 Sarah Sheeva abriu ministério com o seu nome, especializado em cura e libertação, e Nãna Shara, ministério especializado em jovens, junto com seu marido Brinco (o ministério Brinco e Nãna Shara). 87 Ex-paquitas que hoje cantam gospel (no caso de Faria, para o público infantil). Faria é casada com Conrado, atualmente também cantor gospel. Muitos/as outros/as artistas se converteram e se reposicionaram no mercado musical, como Bezerra da Silva, Salgadinho (ex-Katinguelê), Waguinho (ex-Morenos), Belo (ex-Soweto), Lázaro (ex-Olodum, hoje Irmão Lázaro), Régis Danese (ex-backing vocal do Só Prá Contrariar, que em 2009 estourou nas rádios gospel e seculares o hit Faz um milagre em mim), as cantoras Carmem Silva, Ana Caram, Sula Miranda, Assíria Nascimento (ex-esposa de Pelé, com quem compartilhou vozes em gravações gospel), Wanderley Cardoso (o bom rapaz da Jovem Guarda), Dudu França, Nelson Ned, Chris Duran (francês radicado no Brasil) e o grupo vocal Fat Family. Alguns/mas dos/as artistas que tiveram passagens pelo gospel voltaram a cantar  “música  secular”.

35

de vida, trajetória musical, tipo  de  som,  performance,  visual,  temas  e  bandeiras  sociais” 88. Esta identificação é reforçada a partir do testemunho do/a convertido/a, por vezes associado ao lançamento de fonogramas e shows. Famosos/as podem converter-se por diversos motivos. Muitos/as procuram igrejas evangélicas com o intuito de comungarem com pessoas com interesses afins, ampliarem ou adquirirem um círculo de amizades, melhorarem como pessoas e/ou cultuarem a Deus. Mas é provável que parte  destas  celebridades  tenha  “se  convertido”  com  o  interesse  de  se  reposicionar  na  mídia  ou   obter lucros financeiros a partir de um mercado em ascensão. A ampla maioria dos/as artistas que   se   convertem   e   lançam   suas   mercadorias   através   do   selo   “gospel”   experimentavam   momentos de declínio de seu prestígio junto à mídia e público. Uma exceção está em Rodolfo, que abandonou os Raimundos no auge da carreira do conjunto, alegando conversão religiosa e transitando por igrejas como a Sara Nossa Terra, até desembarcar na BDN Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Quaisquer que sejam os motivos da conversão, ela se enfeixa no momento de escolha individual e autônoma do presente, como notou Danièle Hervieu-Léger:   “O   convertido   manifesta e cumpre esse postulado fundamental da modernidade religiosa, segundo o qual uma  identidade  religiosa  ‘autêntica’  tem  que  ser  uma  identidade  escolhida.”89 Como argumentei acima, as igrejas evangélicas tem atraído um grande número de pessoas (inclusive celebridades). Mas há também um movimento de retroalimentação: famosos e famosas auxiliam na construção e consolidação identitária das agências e estimulam a adesão de fiéis a granel. A inclusão de pessoas com notoriedade midiática funciona, repleta de eficácia simbólica, como estratégia de atração e conservação de públicos, sinalizando para o tema central deste livro, o marketing de guerra santa da BDN. Os esforços de midiatização/espetacularização da BDN atraem celebridades que fomentam a participação de centenas (milhares?) de fãs. É neste contexto que a BDN, como explica seu portal na internet, de um floquinho de neve se torna uma avalanche.90 O crescimento da BDN não se ampara unicamente na adesão de celebridades – outros motivos catapultaram a mesma no mercado religioso brasileiro. Mas é possível que tal atração

88

COSTA, 2004, p. 58. HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 116. 90 Quem Somos. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2012. 89

36

de famosos, que por sua vez atraem públicos, sinalize para as estratégias de marketing da igreja. Como diriam alguns/mas italianos/as, se non è vero, è bene trovato. Algo a se perguntar é: a BDN programou a adesão de famosos/as na agência ou isto foi algo fortuito? Ou tais celebridades foram enviadas por Deus para promover o crescimento da Bola – como argumentavam fiéis com quem conversei? Mesmo não tendo uma resposta precisa algo me parece certo: que este crescimento faça parte de um bem articulado gerenciamento de mercado. Ao/à leitor/a ficam as perguntas: você já foi a uma balada da Bola de Neve? Você acha que este tipo de culto faz parte de um planejamento de marketing? Espetáculo combina com religião? Antes de fazermos alguns apontamentos sobre o marketing promovido pela BDN – o qual chamo de marketing de guerra santa e procura apontar para as relações entre gerenciamentos militar, de mercado e religioso – pensemos um pouco no significado de termos como marketing, e no que Al Ries e Jack Trout denominam marketing de guerra.

Marketing e marketing de guerra Philip Kotler 91 define mercado como o grupo de pessoas com os mesmos desejos e necessidades de um produto e com o poder de compra para adquiri-lo, e marketing, como a atividade   responsável   por   “administrar   mercados   para   chegar   às   trocas,   com   o   propósito   de   satisfazer as necessidades e desejos   do   homem”.92 Os objetivos do marketing são detectar “oportunidades  de mercado (nichos mercadológicos) ou demandas inadequadamente satisfeitas pelas  ofertas  existentes,  seja  da  empresa,  seja  de  seus  concorrentes”  e  “preencher  esses  nichos   com o mínimo de  recursos  e  custos  operacionais,  em  troca  de  desejável  receita”. 93

91

KOTLER, 1997, passim. Idem, 1997, p. 7. Para Richers, marketing   é   gerir   “as   atividades   sistemáticas   de   uma   organização   humana   voltadas à busca e realização de trocas   para   com   o   seu   meio   ambiente,   visando   benefícios   específicos”   (RICHERS, 1994, p. 18), para Edmund Jerome McCarthy e William Perreault,  é  “o desempenho de atividades empresariais que dirigem o fluxo de produto e serviço do produtor para o consumidor ou usuário, a fim de satisfazer  as  necessidades  do  consumidor  e  atingir  os  objetivos  da  companhia”  (McCARTHY,  1994,  p.  49)  e para Fernando  Dolabela,  é  “o  processo  de  planejamento  de  uma  organização  que  busca  realizar  trocas  com  o  cliente,   cada um com interesses específicos: o cliente quer satisfazer suas necessidades; uma empresa quer gerar receita”   (DOLABELA, 1999, p. 146). 93 Idem, 1999, p. 184. 92

37

Fazem parte do plano de marketing a análise de mercado, voltada para o conhecimento de clientes, concorrentes, fornecedores/as e ambiente em que a empresa vai atuar, para saber se o negócio é viável, e as estratégias de marketing, nas quais se planeja a forma como a empresa oferecerá seus produtos, portanto as   “ações   a   serem   implementadas   de   acordo   com   a   análise   realizada   e   os   objetivos   pretendidos”,   verificando   pontos   fortes   e   fracos   das empresas concorrentes e permitindo se posicionar favoravelmente no mercado.94 Raimar Richers sugere que as estratégias sejam compostas pelos quatro As do marketing: análise, adaptação, ativação e avaliação; e pelo marketing mix, ou composto mercadológico, formado pelos 5 Pês: promoção, produto, preço, ponto de venda e público. Os quatro As do marketing são formados pela análise, que   consiste   em   “compreender as forças vigentes no mercado  em  que  opera  a  empresa”;;  a  adaptação,  “intuito de ajustar a oferta da empresa (linhas de   produtos   e/ou   serviços)   às   forças   externas   detectadas   através   da   análise”;;   a   ativação, “medidas   destinadas   a   fazer   com   que   o   produto   atinja   os   mercados   pré-definidos e seja adquirido   pelos   compradores   com   a   frequência   desejada”;;   e   a   avaliação, que se propõe a “exercer  controles  sobre  os  processos  de  comercialização  e  interpretar  os  seus  resultados”. 95 O marketing mix (ou mistura de marketing) é a combinação de elementos variáveis que compõem as atividades de marketing, referidos como os 4 Pês: produto, preço, promoção e ponto de venda (ou praça de distribuição), 5 Pês (agregando o termo pessoas) ou 7 Pês (acolhendo processo e evidência física – ou physical evidence).96 Uma das formas de se aprofundar o assunto está no que Trout e Ries chamam de marketing de guerra. *** O inimigo a van ça, retiram os. O inimigo a campa, pr ovocam os. 94

Idem, 1999, p. 149. RICHERS, 1994, p. 20. 96 Idem, 1994, p. 21. Também são consideradas estratégias de marketing os serviços prestados, o relacionamento e o controle sobre o/a cliente. O termo marketing mix foi formulado por McCarthy e Perreault na primeira edição de seu Basic Marketing, de 1960, desenvolvido por Neil H. Borden em seu artigo The Concept of the Marketing Mix, de 1965, e posteriormente popularizado por Philip Kotler em toda sua obra. Robert Lauteborn (1995) sugeriu a ressignificação dos 4 Pês, apresentando, através de seu novo paradigma do marketing, um modelo com 4 Cês (clientes, custo, conveniência, comunicação). Neste, clientes se refere à percepção dos anseios destes/as, o custo é  relativo  à  “percepção  que  os consumidores têm de um bem ou serviço e quanto estão dispostos a pagar por   isso”,  a  conveniência,   “advém   da   falta   de   tempo   que   os   consumidores têm atualmente para realizar trocas, resultando   em   comodidades”,   e   a   comunicação,   “diz   respeito   ao   estabelecimento   de   um   diálogo   com   os   consumidores”.   Para   Daniel   dos Santos Galindo, o composto mercadológico proposto por Lauterborn pretende “descobrir  quem é o consumidor e conquistá-lo”,  detectando  “o  porquê  da  escolha  de  um  determinado  produto”   (GALINDO, 2009, pp. 28-30). 95

38

O inimigo cansa, ata cam os. O inimigo se retira, perseguim os. Mao Tsé -Tung

Para Ries e Trout, autores de Marketing de Guerra, o livro On War, de 1832, escrito pelo general   prussiano   Von   Clausewitz,   é   “o   melhor   livro   de   marketing   escrito   até   hoje,”   já   que   suas propostas sobre estratégias de combate podem ser facilmente assumidas e praticadas pelos/as atuais gerenciadores/as de mercado. Este marketing de guerra é combatido em “campos   de   batalha   de   apenas   15   centímetros”:   as   mentes   de   estrategistas   e   de   consumidores/as. 97 A expressão marketing de guerra refere-se às semelhanças entre gerenciamentos militar e de mercado,  em  que  as   empresas  devem   “aprender  como  atacar  pela   frente e pelos flancos sua concorrência, defender suas posições   e   como   e   quando   fazer   guerrilha”.98 Constituem-se, assim, quatro formas de marketing de guerra: defensiva, ofensiva, de flanqueamento e de guerrilha. A primeira caracteriza-se pela proteção do território feita pela empresa líder do mercado; a segunda, pelo ataque direto a esta líder, realizado pela(s) líder(es) mais próxima(s); a de flanqueamento, pela aposta na inovação como forma de conquista; e a de guerrilha, pelo princípio   de   que   se   deve   “encontrar um segmento de mercado bastante pequeno para defender”,  e  assim,  “tornar-se  um  peixe  grande  num  pequeno  açude”.99 Na estratégia de guerra defensiva a empresa deve adotar três princípios. O primeiro é que somente a líder de mercado deve considerar a defesa. Por liderança de mercado não devemos entender aquela segmentada, como a primeira em faturamento ou em vendas de um determinado produto. No marketing de guerra, a empresa líder é aquela que domina a mente dos/as consumidores/as. O segundo princípio é aquele no qual a melhor estratégia é atacar a si própria. Um exemplo está na marca Gillette ao lançar novos produtos para substituir os seus próprios produtos líderes, antecipando o movimento de suas oponentes e as desnorteando. O terceiro princípio defensivo determina que os movimentos competitivos devem ser bloqueados. Assim, se a adversária lançar um produto novo, antes que o/a consumidor/a o perceba, deve-se contra-atacar através de um produto que ofereça mais vantagens que este. 100

97

RIES, TROUT, 1989, p. 45. Idem, 1989, p. 15. 99 Ibidem, 1989, pp. 89-94. 100 Ibidem, 1989, pp. 53-57. 98

39

A estratégia de guerra ofensiva, exercida pela segunda ou terceira colocada em relação à empresa líder, tem dentre seus princípios a consideração da força e posição da líder e conhecimento   profundo   de   suas   características.   Outro   princípio   é   o   de   “encontrar   uma   fraqueza na força   do   líder   e   atacar   este   ponto”.   Seria   uma   “fraqueza   que   nasce   da   força”,   como no caso do tamanho das filas de empresas que tem muitos/as clientes, em que uma estratégia  ofensiva  seria  oferecer  serviços  mais  rápidos  e  filas  menores.  Outro  passo  é  “lançar seu   ataque   na   frente   mais   estreita   possível”,   preferencialmente   com   um   único   produto,   seguindo  o  conselho  de  Clausewitz:  “quando  não  se  consegue  superioridade  absoluta,  tem  de   conseguir uma relativa no ponto decisivo, pelo uso habilidoso de todas as forças de que dispõe”.101 O flanqueamento é o modo mais ousado e criativo de se travar uma guerra de marketing. Um exemplo é o lançamento do iPhone da Apple, que surpreendeu a líder Nokia ao agregar recursos de computador ao telefone e trazer design que o diferenciava do tradicional aparelho celular, o que remete   ao   princípio   de   que   um   “bom   movimento   de   flanqueamento   deve   ser   feito   em   área   incontestada”.   Graças   aos   seus   diferenciais,   o   iPhone   foi   colocado   na   imaginação do público em outra categoria, ainda que continuasse sendo um aparelho celular. Para   os   autores,   num   “verdadeiro   ataque   de   flanco,   você   precisa   ser   o   primeiro   a   ocupar   o   segmento”   ou   nicho   de   mercado,   e   foi   o   que   a   Apple   fez.   Em   termos   estratégicos   isto   está   ligado   ao   segundo   ponto:   “a   surpresa   tática   deve   ser   um   elemento   importante   do   plano”.   Novamente pensando na Apple, ao lançar o iPod e o iPad, Steve Jobs atordoou a Microsoft, que   não   esperava   pelos   aparelhos.   O   terceiro   princípio,   o   de   que   “a   perseguição   é   tão   importante   quanto   o   ataque”,   pede   que a empresa concentre sua atenção nos seus produtos flanqueadores de maior êxito, e não naqueles de menor procura, aproveitando a curva de ganhos e aumentando sua participação no mercado.102 A maioria das empresas do mercado, de menor estrutura, se ocupa do marketing de guerrilha, procurando conquistar determinado segmento de mercado. Sua menor estrutura formal pode estimular uma maior rapidez em relação às mudanças do mercado, e o o princípio “esteja   pronto   para   cair   fora   no   primeiro   aviso”   indica   que   se   abandone a posição (o produto ou o

101 102

Ibidem, 1989, pp. 63-68. Ibidem, 1989, pp. 75-79.

40

mercado) no caso de condições desfavoráveis. Para tal, é imprescindível atentar ao movimento das empresas concorrentes e adaptar-se quando necessário.103 Este contexto de concorrência e adaptação ultrapassa as fronteiras do mercado   “secular”   e   alcança  a  esfera  “religiosa”,  delineando  estratégias  de  marketing  “religioso”. 104

Marketing religioso e marketing cristão O   fenômeno   conhecido   como   “secularização”   do   Estado   brasileiro   propiciou   a   desmonopolização religiosa e a explosão de um mercado religioso amplo e pluralista. Isto reverberou na concorrência e em agências religiosas especializadas em gerenciamento de mercado, gestão administrativa e financeira, adaptação de bens simbólicos religiosos aos interesses dos/as adeptos/as, diminuição ou abandono de práticas sectárias, profissionalização de líderes, oferecimento de serviços religiosos direcionados a segmentos distintos e ações estratégicas de marketing religioso. Dentre as várias agências religiosas, destacam-se as “neopentecostais”  pela  fluidez  com  que  exercitam  o  marketing  “religioso”.   O marketing religioso é o gerenciamento do mercado religioso com o objetivo de detectar e atender demandas dos/as fiéis, produzindo e/ou comercializando produtos e mercadorias e criando novas demandas para o público-alvo (ou outros que surgirem). Gil   Nuno   Vaz   define   marketing   religioso   como   um   campo   que   “principalmente na segunda metade do século XX, tem se caracterizado como um grande mercado de ideias a cargo de instituições religiosas em disputa por uma ampla demanda de fiéis e pessoas em busca de orientação  espiritual”.105 A importância do marketing religioso é apontada por Finke e Stark: “O futuro dessas firmas (religiosas) dependerá de a) aspectos de sua estrutura organizativa, b) seus representantes de venda, c) seu produto e d) suas estratégias de marketing”, e traduzindo para   uma   linguagem   mais   eclesial,   “de sua organização, seus sacerdotes, sua doutrina religiosa   e   suas   técnicas   de   evangelização”.106 Quaisquer religiões podem fazer uso de estratégias de marketing. É o que nos mostram diversos trabalhos, como o de Duglas Teixeira 103

Ibidem, 1989, pp. 89-94. Coloco aqui os termos secular e religioso entre  aspas  por  entender  que  ambas  as  “esferas”  são  extremamente   imbricadas, e de difícil divisão – onde termina uma e começa a outra? Do mesmo modo, entendo que não há um marketing “religioso” (ou  “cristão”)  dissociado  de  um  marketing  “secular” (e vice-versa). 105 VAZ, 2003, p. 329. 106 FINKE; STARK, 1992, pp. 17-18, apud FRIGERIO, 2008, p. 30. 104

41

Monteiro sobre a umbanda, catolicismo e pentecostalismo (1979) e o de Frank Usarski a respeito do budismo (2011). Autores/as estrangeiros/as comentaram o assunto, como Philip Kotler (1971), George Barna (1994), Stewart M. Hoover (2006) e Mara Einstein (2008). Dentre muitos/as dos/as autores/as brasileiros/as que têm pesquisado e publicado sobre o tema, podemos referir Leonildo Silveira Campos, Magali do Nascimento Cunha, Airton Luiz Jungblut, Pedrinho Guareschi, Karla Regina Macena Patriota Bronsztein, Jacqueline Ziroldo Dolghie, Luís Henrique Marques, Rogério Luiz Covaleski e Sidney Nilton de Oliveira. Tais pessoas tiveram trabalhos publicados na edição do segundo semestre de 2012 da REVER – Revista de Estudos de Religião da PUC-SP, que teve como tema o Marketing Religioso.107 Outros/as autores/as, igualmente importantes, serão referidos/as durante o livro. O marketing religioso cristão pode ser definido como católico, evangélico (incluindo-se agências protestantes históricas, pentecostais e neopentecostais) ou aquele feito por outras instituições que definem-se cristãs. No caso do marketing católico, alguns autores tem se debruçado sobre o assunto, como Antonio Miguel Kater Filho (1996), André Ricardo de Souza (2005) e Lindolfo Alexandre de Souza (2011). Dentre as variadas correntes do catolicismo apostólico romano, o marketing dos/as carismáticos/as têm apresentado semelhanças ao neopentecostal. Guerra, amparado no paradigma   de   mercado   religioso,   nota   que   esta   é   uma   tendência   observada   “entre produtos religiosos  que  se  destinam  a  um  mesmo  público”.  Assim,  se  católicos/as pretendem responder a demandas semelhantes às atendidas pelos/as neopentecostais, os produtos religiosos (práticas, propostas e discursos) tendem à padronização. Este padrão de semelhança de produtos destinados a um mesmo público ou a nichos de mercado similares 108 enfrenta uma dupla   pressão:   “uma   no   sentido   da   assemelhação   e   outra   no   sentido   da   diferenciação. A proposta de religiosidade tem que ser parecida com as concorrentes nos elementos que fazem sucesso  no  mercado  e,  ao  mesmo  tempo,  pelo  menos  marginalmente,  diferente”.109 Mariano nota, dentre os efeitos da secularização e da consolidação do pluralismo e do mercado religiosos sobre o neopentecostalismo,

107

MARANHÃO Fº, USARSKI (orgs.), 2012k. A mesma encontra-se disponível gratuitamente na internet. Tal padrão já havia sido identificado por Berger (1985). 109 GUERRA, 2003, pp. 9 e 11. 108

42

a adoção de modelos de gestão de cunho empresarial, a centralização da gestão administrativa

e

financeira,

a

concentração

do

poder

eclesiástico,

a

profissionalização dos quadros ministeriais, o uso de estratégias de marketing e de métodos heterodoxos de arrecadação, a fixação de metas de produtividade para pastores e bispos, a minimização e o abandono de práticas ascéticas e sectárias, a adaptação dos serviços mágico religiosos aos interesses materiais e ideais dos fiéis e virtuais adeptos.110

Em relação ao neopentecostalismo, Cunha comenta que estas agências se destacam pelo investimento     no   marketing   religioso   “através   da   montagem   de   redes   de   comunicação,   com   destaque para a televisão, rádio, editoras e  gravadoras”  como  a  Gospel  Records  da  Renascer  e   a Line Records da IURD 111 e muitas vezes utilizam-se da ressignificação de símbolos do judaísmo.112 Para obter melhor posicionamento da agência no mercado, aumento dos recursos financeiros, expansão das ideias e discursos e distribuição de mercadorias, é necessário um planejamento estratégico de marketing religioso, ainda que este planejamento seja feito de modo empírico, como fez o bispo Edir Macedo, que transformou a IURD no maior estabelecimento neopentecostal brasileiro, mesmo não tendo formação específica na área. 113 Como ilustrou Campos,  “as religiões fazem sucesso quando tentam se adequar às necessidades e desejos de um  público  alvo”,114 e não se pode mais falar que a religião usa as leis do mercado para vender a sua mercadoria, mas que ela mesma se submeteu àquelas leis e se transformou numa mercadoria também vendável no mercado. A sua submissão aos interesses dos consumidores,

fenômeno

a

nosso

ver

essencial

para

se

entender

o

neopentecostalismo, traz de volta as discussões sobre a interioridade das pessoas,

110

MARIANO, 2003, pp. 111-112. CUNHA, 2004, p. 51. Neste sentido, Libânio contempla que o marketing religioso é identificado através da “internet, programas de rádio e TV, vídeos, Cds e outros recursos da informação eletrônica que sustentam a interioridade  dos  jovens”  (LIBÂNIO,  2004,  p.  96).       112 CUNHA, 2011. 113 Para  Cyntia  Lima  e  Eduardo  Refkalefsky,  a  IURD  “conseguiu  um  crescimento  que  lhe  confere um resultado financeiro superior ao de muitas empresas brasileiras. Tem, portanto, muito mais a ensinar aos departamentos de marketing  do  que  aprender  com  eles”  (LIMA,  REFKALEFSKY,  2007,  p.  60). 114 CAMPOS, 1997, P. 199. 111

43

suas fantasias, desejos e sonhos, matéria-prima que sempre ligou magia e religiosidade popular.115

Semelhantemente, Guerra entende que a lógica mercadológica em que a esfera da religião opera, produz o aumento da importância das necessidades e desejos das pessoas na definição dos modelos de práticas e discursos religiosos a serem oferecidos no mercado, ao mesmo tempo que demanda das organizações religiosas maior flexibilidade em termos de mudança de seus “produtos” no sentido de adequá-los da melhor maneira possível para a satisfação da demanda religiosa dos indivíduos. 116

Se ao falar sobre os efeitos da secularização Guerra comenta sobre a demanda, Mariano reforça o aspecto da oferta. Para ele, as organizações religiosas procuram, como forma de atrair clientela e recrutar novos adeptos, conquistar novos nichos de mercado, especializando-se na oferta de produtos e serviços adaptados aos interesses e preferências específicos de determinados estratos sociais.117

O vigor das neopentecostais em se adaptarem, atendendo nichos mercadológicos 118 pode ser sinalizado através do comentário que Maria Lúcia Montes faz das manifestações religiosas como   passíveis   de   um   “rearranjo constante ao sabor das inclinações pessoais ou das vicissitudes  da  vida  íntima  de  cada  um” 119 e quando Antônio Gouvêa Mendonça destaca que estas  agências  mostram  “características  empresariais  de  prestação  de  serviços  ou  de  oferta  de   115

Idem, 1997, p. 175. Berger já havia comentado a respeito do pluralismo religioso. Para este, o que se passa hoje   é   “muito simplesmente, que os grupos religiosos se transformam de monopólios em agências mercantis competitivas (...). Agora os grupos religiosos devem organizar-se para cortejar uma população de consumidores em  competição  com  outros  grupos  que  têm  o  mesmo  propósito.  De  imediato  a  questão  dos  ‘resultados’  adquire   importância.”  O  autor  explica  que  “a  característica-chave de todas as situações pluralistas, quaisquer que sejam os detalhes de seu plano de fundo histórico, é que os ex-monopólios religiosos não podem mais contar com a submissão de suas populações. A submissão é voluntária e, assim, por definição, não é segura. Resulta daí que a tradição religiosa, que antigamente podia ser imposta pela autoridade, agora tem que ser colocada no mercado. Ela  tem   que   ser   ‘vendida’   para   uma   clientela   que  não   está   mais   obrigada  a   ‘comprar’.   A   situação   pluralista   é,   acima de tudo, uma situação de mercado e as tradições religiosas tornam-se comodidades   de   consumo”   (BERGER, 1985, p. 149). Sobre o consumo, podemos entendê-lo  como  “o  conjunto  de  processos  socioculturais   em  que  se  realizam  a  apropriação  e  o  uso  dos  produtos”  (CANCLINI,  1993,  p.  5). 116 GUERRA, 2003, p. 1. Para Guerra, as agências religiosas (e em sua análise, especialmente a ICAR), procuram atender as demandas de  dois  públicos,  o  já  existente  e  o  potencial.  Assim,  a  igreja  tende  a  “moldar seus discursos e seu conjunto de práticas sacramentais em referência às características da demanda dos fiéis já conquistados e do público a ser atingido”  (GUERRA,  2003,  p.  3). 117 MARIANO, 2003, p. 115. 118 Como   explica  Richers,  nichos  mercadológicos  são   “oportunidades  de  mercado  ou  a  existência  de  demandas   inadequadamente satisfeitas pelas ofertas existentes,   seja   da   própria   empresa   e/ou   de   seus   concorrentes”.   (RICHERS, 1994, p. 18). 119 MONTES, 2000, p. 69.

44

bens   de   religião   mediante   recompensa   pecuniária”.120 A este tipo de gerenciamento de mercado praticado por agências religiosas que se identificam cristãs, podemos chamar marketing “de  Jesus”.

Marketing “de Jesus” e teologia da prosperidade O  termo  marketing  “de  Jesus”  sinaliza  a  utilização, apropriação e ressignificação da figura e discursos atribuídos a Jesus como estratégia central de um marketing que visa aumentar o capital religioso da agência.121 Tal estratégia promove um mercado espetacular dos bens de salvação, com objetivos como adesão e permanência de fiéis, distribuição de produtos (discursos, serviços, ritos e práticas) e mercadorias (mídias audiovisuais, vestimentas, adesivos, etc) religiosas aos/às crentes, e obtenção de maior religious share of market (melhor posicionamento no mercado religioso). Tais bens religiosos podem ser entendidos como tangíveis e intangíveis. Os tangíveis são representados por coisas de caráter material que podem ser tocadas, como Bíblias, DVDs, CDs, livros e adesivos, enquanto os intangíveis referem-se àquilo de caráter não-material, como canções, filmes, doutrinas, ideias, serviços e sensações como a de estar em comunhão ou estar de bem com a vida (parodiando o slogan de programa televisivo homônimo da Renascer).122 No marketing de Jesus, importa que o bem tangível remeta ao seu aspecto 120

MENDONÇA, 1992, p. 51. Capital religioso é entendido aqui no sentido   dado   por   Bourdieu   de   “prestígio, carisma e qualidade de liderança”  (BOURDIEU, 1996, p.118). Sobre bens de salvação, ver o mesmo autor (idem, 1992, p. 39). 122 As agências neopentecostais costumam utilizar-se de diferentes slogans – em geral relacionados à prosperidade. Na  IMPD,  “vem  prá  cá  Brasil”,  “aqui  o  milagre  acontece”,  “sê  tu  uma  benção”  e  “o  poder  de  Deus   está  aqui”.  A  Renascer  se  utiliza  de  “Deus  é  fiel”,  “de  bem  com  a  vida”  e  “Renascer  até  morrer”  (o  que  parece   um slogan kardecista é na verdade parte da campanha de líderes e fiéis reinvindicando o retorno do apóstolo e da bispa Hernandes da prisão domiciliar nos Estados Unidos). Na IURD destacam-se   “pare   de   sofrer”   e   “Jesus   Cristo  é  o  Senhor”,  e  em  algumas  unidades,  “existe  uma  saída”,  como  observei  em  Manaus.  Na  mesma  cidade,  a   Nova  Igreja  Batista  tem  o  slogan  “a  igreja  que  é  a  sua  cara”: a fachada da agência é composta por um mosaico de aproximadamente  30  metros  e  composto  pelos  rostos  (“caras”)  de  fiéis.  A AD de Balneário Camboriú se divulga através   do   “lugar   de   comunhão   com   Deus”.   As   agências   evangélicas   que   se   identificam inclusivas a pessoas LGBT  também  se  promovem  através  de  slogans:  o  da  Igreja  Cristã  Contemporânea  é  “levando o amor de Deus a todos,   sem   preconceitos”,   o   da   CCNEI   (Comunidade   Cristã   Nova   Esperança   Internacional)   é   “acolhendo   a   diversidade  humana”,  o  da Comunidade  Cidade  de  Refúgio  (CCR)  é  “Jesus  espera  por  você”  e o da ICM  é  “uma   igreja   radicalmente   inclusiva”. Entre   as   que   tocam   heavy   metal,   a   Crash   Church   tem   o   “levando   vida   aonde   existe  morte”  – lembrando que muitos dos subgêneros do metal tem a morte como mote. Como ferramenta de marketing o que interessa ao slogan é chamar a atenção do público-alvo. Os slogans não são exclusivos das agências: tais palavras de ordem (ou de guerra) são utilizadas em roupas, chaveiros e diversas mercadorias. Dentre estas, os adesivos para veículos. Ressaltam-se  “propriedade  exclusiva  de  Jesus”,  “cuidado,  o  dono  deste   veículo  pode  ser  arrebatado”,  “dirigido  pelo  Espírito  Santo”,  “tabernáculo  sobre  rodas”,  assim como  “lavado  no   121

45

intangível ou imaterial: ao adquirir um produto ou mercadoria com os dizeres Jesus, Deus ou Espírito Santo, ou simplesmente produzido por uma agência compreendida como autorizada a fazê-lo, adquiri-se (supostamente) a possibilidade de ser próspero e abençoado.123 Dentre as diversas mercadorias tangíveis disponibilizadas pelas agências evangélicas, destacam-se, por exemplo, o sabonete Sê tu uma benção, da IMPD124 e a bala da Bola, da BDN125 (figuras 5 e 6).

Figuras 5 e 6: Sabonete Sê tu uma benção, 126 Bala da Bola127

Bens religiosos intangíveis também são adquiridos através da negociação que o/a fiel faz com Deus – por meio da igreja e através de contribuições financeiras, remetendo à característica mais conhecida do neopentecostalismo, a teologia da prosperidade, que pode ser entendida sangue  de  Jesus”,  “ninguém  mexe  com  o  ungido do  Senhor”  e  “incendeia  tua  noiva”.  Gerson  Leite  de  Moraes  e   Robson da Silva Santos narram sobre o assunto em artigo de 2012 (ver referências ao final). E é comum ver carros de evangélicos/as portando adesivos com peixes estilizados (um dos símbolos do cristianismo) em suas traseiras. 123 Sobre as recompensas que o/a adepto/a pode esperar de Deus, há diversos subprodutos. Campos classifica-os como  “genéricos,  ‘formados  pelo  principal  benefício  esperado  pelo  consumidor’  que,  no  caso,  seria  a  benção  de   Deus”,  e os desdobra em específicos como  “as  ‘curas’,  ‘prosperidade’,  ‘sucesso’,  ‘comunidades  de  apoio’,  bens   obtidos  segundo  a  crença  iurdiana.”  Haveria  ainda  o  “produto   potencial, que extrapola as finalidades iniciais e encontra outras utilidades, como o óleo ungido,   que   serviria   para   exorcismo,   cura,   prosperidade”   (CAMPOS,   1997, p. 224). 124 Tal sabonete é comercializado por R$ 1,50 pela WS Music, gravadora/distribuidora do apóstolo Valdemiro. Como vemos, a mesma não disponibiliza apenas mercadorias musicais, mas também o artefato para higiene do corpo e espírito – além de canecas, chaveiros e chinelos, dentre outros. A IMPD também vende o travesseirinho “os  meus  sonhos  realizados”,  pedindo  que  os/as  fiéis  escrevam  no  mesmo  as  iniciais  de  familiares  hospitalizados ou coloquem o objeto na maca destes para que sejam milagrosamente curados (PAEGLE, 2013, p. 216). 125 A mesma é vendida por R$ 0,25 através de seu shopping virtual, o Planet Bola. 126 Sabonete Sê tu uma benção. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. 127 Bala da Bola. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. Para uma igreja conhecida por resgatar baladeiros/as das trevas, faz sentido ter uma bala como mercadoria – visto   que   parte   das   pessoas   que   participavam   de   baladas   e   se   converteram   consumiam   “balas”   – gíria para drogas sintetizadas como ecstasy e special K (esta, conhecida como cetamina, foi criada como analgésico/anestésico e depois apropriada com fins psicotópicos). A BDN tem um ministério direcionado a pessoas adictas, o Nova Vida, presente na maioria das suas unidades.

46

pela  paródia  que  Montes  faz  do  célebre  adágio  franciscano:  “é dando à igreja que se recebe a graça  de  Deus”.128 De acordo com Renata Apgaua, o conceito de paradigma da dádiva elaborado por Marcel Mauss nos oferece pistas para entendermos a troca comercial nas agências religiosas. Para este, a sociedade  é  constituída  por  “dádivas  dadas,  recebidas,  retribuídas,  obrigatoriamente  e   por   interesse,   por   grandeza   e   por   serviços”.129 A reciprocidade contempla um terceiro elemento (símbolo ou pessoa) e indica a obrigação da  retribuição.  Apgaua  nota  que  “através   do sacrifício, não só se estabelecia um contrato com a Divindade, obrigando-A a retribuir, como  também  se  comprava  dos  seres  sagrados  o  direito  de  realizar  determinados  atos”.130 Tais observações remetem à equação proposta por Montes, na qual o/a fiel doa dinheiro à igreja, esperando que Deus (o terceiro elemento), se incumba da retribuição, remetendo ao slogan da Renascer: Deus é fiel. A agência religiosa – ambiente que possibilita que o/a crente tome posse da benção – serve assim de medium, oferecendo o ponto de distribuição de produtos (discursos, serviços, ritos e práticas)   e   mercadorias   (mais   que   “autorizadas”; sacralizadas) e de acolhimento de ofertas e dízimos, possibilitando ao/à fiel a conexão com o divino. E certamente, quanto maior a quantidade de bênçãos recolhidas de Deus, melhor. A teologia da prosperidade é associada a doutrinas como cura divina, saúde perfeita, domínio e batalha espiritual131 e nas agências que a praticam, procura-se segmentar o público de 128

MONTES, 2000, p.121.  A  conhecida  Oração  de  São  Francisco  diz  “é  dando  que  se  recebe”.  Campos nota que as  igrejas  “vivem  numa  contradição  ao  se  situarem  numa  dupla  dimensão;;  a  do universo econômico e a de um universo antieconômico, cuja teologia valoriza a graça e nega a economia”,   mas   faz   uma   ressalva:   “é   preciso   observar  que  o  tabu  da  explicitação  é  frouxo  no  neopentecostalismo”  e  que  Macedo,  da  IURD,  é  claro  ao  afirmar   que  “dar  o  dízimo  é  candidatar-se  a  receber  bênçãos  sem  medida”  (CAMPOS,  1997,  p. 232). 129 MAUSS, 1974, p. 96, apud APGAUA, 1999. O paradigma da dádiva de Mauss se fundamenta na obrigação social de realizar os movimentos de “dar,   receber e   retribuir”.   A reciprocidade pode   ser   “direta (prestações materiais ou simbólicas devolvidas entre   dois   indivíduos   ou   dois   grupos)”   ou   “indireta,   quando   os   bens   simbólicos recebidos não são devolvidos a quem os deu, mas a outro grupo que, por sua vez, terá que devolvê-los a  outro”  (SABOURIN,  2008,  p.136). 130 APGAUA, 1999, p. 97. Ao estudar as trocas humanas  com  o  sagrado,  Mauss  contempla  que  “um  dos  primeiros   grupos de seres com os quais os homens tiveram que contratar e que, por definição, ali estavam para contratar com eles foi, antes de tudo, o dos espíritos dos mortos e dos deuses. Com efeito são eles os verdadeiros proprietários das coisas e dos bens do mundo. Era com eles que era mais necessário trocar e mais perigoso não trocar. Inversamente, porém, era com eles que era mais fácil e mais seguro trocar. A destruição sacrificial tem precisamente por fim ser   uma   doação   que   seja   necessariamente   retribuída”   (MAUSS,   1974,   p.   63,   apud APGAUA, 1999). Para Georg Simmel, a   função   do   dinheiro   na   troca   é   a   de   “intermediário   equalizador”,   operando “nas   relações   entre   objetos”   (COHN, 1998) e de modo similar, Apgaua   comenta   que   “as   dádivas   circulam, mas, na realidade, o que está em jogo são as alianças espirituais. Trocam-se matérias espirituais por meio   das   dádivas”,   e   “os   homens   estão   ligados   espiritualmente   a   seus   bens   que,   quando   passados   a   outrem,   estabelecem ligação espiritual com o doador. E, neste sentido, misturam-se doadores e beneficiários, homens, coisas  e  matéria  espiritual”  (APGAUA,  1999,  p.  67). 131 A BDN se caracteriza por uma ênfase no uso coligado das teologias da prosperidade, domínio e batalha espiritual – como veremos no capítulo sobre os discursos da agência.

47

acordo   com   necessidades   comuns,   “possibilitando a oferta de produtos padronizados e produzidos  em  massa”.132 Para  Galindo,  “é  lá  no  PDV  (ponto  de  venda)  que  se  encontram  as   gôndolas ou balcões do self-service”. 133 Um exemplo de serviço religioso oferecido a um determinado público – o formado por empresários/as – está nos Seminários de Educação Financeira134 e no ministério Recrie, da   BDN.   Este   tem   como   missão   “treinar e capacitar espiritualmente cristãos para o mercado, ungir e levantar profissionais para os diversos segmentos  empresariais”,   formando  “empreendedores  com   visão  de  Reino  e  empresas  como   extensão  do  Reino”.135 O Recrie costuma levar preletores como Rhudy Ribeiro, que proferiu a palestra Dinheiro cai do céu (figuras 7 e 8).

Figuras 7 e 8: MinistérioRecrie, dinheiro cai do céu 136

Em muitas outras agências, há cultos temáticos distribuídos nos dias da semana e que procuram atender públicos específicos: segunda-feira, culto dos empresários; terça, do milagre, descarrego ou desencapetamento; quarta, do amor ou da família; quinta, da cura e libertação; e sexta, do sucesso financeiro. Tudo para que o/a crente saia vitorioso/a. 132

CAMPOS, COBRA, COSTA, 1996, p. 7. Os autores comentam sobre a IURD. GALINDO, 2009, p. 28. Campos, Cobra e Costa falam sobre a IURD. Galindo observa que no PDV se encontram “os   três   ingredientes essenciais no processo de adesão e aquisição: o cliente, o produto e a disponibilidade aquisitiva, comumente conhecida como dinheiro. Sem dúvida, o melhor lugar para finalizar uma venda está nas lojas, com suas gôndolas repletas de opções e corredores largos que facilitam o trânsito e o acesso do  comprador”  (GALINDO,  2009,  p.  33)  e  “é  no  PDV  que  os  consumidores  localizam,  reconhecem,  escolhem  e   colocam em seus carrinhos/mentes o(s)  produto(s)  desejado(s)”  (idem,  2009,  p.  16). 134 Tanto os seminários como o ministério tem como finalidades ensinar o/a crente a administrar suas finanças e a prosperar economicamente. Seminário de Educação Financeira – Bola de Neve Floripa. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2012. 135 Ministério Recrie. Disponível em: < http://www.ministeriorecrie.com.br/site/>. Acesso em: 20 jun. 2013. 136 Ministério Recrie. Disponível em: < http://www.ministeriorecrie.com.br/site/>. Acesso em: 20 jun. 2013. 133

48

Algumas das unidades da BDN também apresentam cultos temáticos. Como o pastor Bigardi, da BDN Curitiba (mais conhecido como Biga) explica, a galera do skate, a gente tem uma pista e a gente tem um skate culto nesta pista de skate, a galera do surfe tem os cultos dele, a galera das lutas, do motoclube, que é toda a última sexta-feira do mês, então são cultos específicos muito legais. Então você entra no nosso site, tem tudo especificado lá, é um prazer receber sua visita no site.137

Podemos pensar os 5 Pês propostos por Richers adaptados à narrativa de Biga: os cultos são produtos que visam atender a públicos segmentados (lembrando que muitas vezes os/as mesmos/as fiéis frequentam mais de um culto temático, ou participam de todos); o ciberespaço é a plataforma de promoção destes serviços (assim como a própria entrevista de Biga);138 o site, a própria BDN Curitiba (e no caso dos skatecultos, o half pipe) são pontos de venda e distribuição das bençãos. O preço? Adorar a Deus através de sua presença, cânticos espirituais, dízimos e ofertas. Na teologia da prosperidade, o/a fiel contribui com seus dízimos e ofertas – e com a compra de mercadorias – a fim de receber bênçãos de Deus em todas as esferas de sua vida: como diz o primeiro verso do Salmo 23, nada lhe faltará.139 Certamente, estimular o empreendorismo e o cuidado de si vai de encontro com os interesses de ampla parte da sociedade – sendo esta uma razão para o crescimento dos/as evangélicos/as no Brasil. A expressão marketing de Jesus, até este momento do texto, pode ser classificada gramaticalmente como um genitivo objetivo, em que Jesus sofre a ação da agência religiosa.140 Mas podemos nos perguntar: é possível pensarmos em Jesus como praticante deste marketing? Para Biga, isto parece possível. Comentando sobre a revista em quadrinhos 137

Entrevista com o pr. Bigardi do Bola de Neve Curitiba. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. 138 A fala de Biga promove a divulgação e consolidação da BDN Curitiba – além disto, ela está disponível em uma entrevista dada pelo mesmo para o CTA (Centro de Treinamento de Adoradores), um ministério evangelístico da BDN Santos. A entrevista está disponível no YouTube: ao mesmo tempo em que promove a agência, é promovida pelo (no) ciberespaço. 139 Costuma haver uma clara relação entre dizimar/ofertar e ser abençoado/a em todas as áreas, como a da saúde. Como narrou o pastor da IMPD de São Gabriel da Cachoeira (SGC), Amazonas, em  agosto  de  2013,  “a  mão  de   Deus está aqui, irmãos. Mas como você quer ser curado de doenças, como você quer o milagre de Deus na tua vida se você não é fiel a  Ele  em  seus  dízimos  e  ofertas?”  (notas  de  caderno  de  campo).  A  mesma  é  conhecida   entre parte dos/as evangélicos/as como a igreja onde o milagre de Deus acontece. 140 Se quiséssemos entender Jesus como aquele que faz o marketing (o que não é o caso até este trecho), seria um genitivo subjetivo. No caso da expressão marketing de guerra santa, vista a seguir, dá-se o contrário. As agências religiosas praticam o marketing, a expressão sendo um genitivo subjetivo (ALMEIDA, 2005, pp. 422-424).

49

Amigos de Biga, em que ele é o personagem central e cujo slogan é “a   revista   que   está   impactando  uma  geração!”, explicou: este projeto foi muito legal porque no começo eu tava vendo as crianças me abraçando no final do culto, me dando presente, balinha... eu tava aconselhando as pessoas no final do culto e as crianças vinham, batiam na minha mão e diziam “Biga,  Biga,  Biga”  e  me  davam  um  abraço...e  Deus  me  falou  muito  forte:  “Entra  no   universo deles, você precisa provar prá eles que você os ama, com uma palavra para que eles entendam”. E Deus nos deu esta estratégia: de transformar nossas pregações em revistinha em quadrinho (grifo meu).141

Se Deus dá estratégias para Biga fazer o marketing com as crianças, temos uma nova interpretação para a expressão marketing de Jesus.142 Esta pode ser reforçada pela fala de uma fiel com quem conversei: “Jesus e Paulo eram os maiores marqueteiros que existiram. O primeiro disse ‘ide e pregai o Evangelho a toda a criatura em todos os cantos do mundo’ e o outro, ‘me fiz de grego prá ganhar o grego e me fiz de louco prá ganhar o louco’”.  À época em que escutei tal narrativa, 2006, um dos slogans principais  da  BDN  era  “Deus  usa  as  coisas   loucas   desse   mundo   para   confundir   as   sábias”143 – impresso em cartazes e folderes distribuídos em atividades de evangelismo. Obviamente, a esta época a BDN era menos conhecida na paisagem evangélica e causava estranheza a algumas pessoas, por exemplo, porcausa de seus louvores e adorações em ritmo de reggae e rock, daí, a apropriação de uma igreja  de  “loucos”  para  ganhar  os  “sábios”. A teologia da prosperidade, conectada a esse marketing de Jesus – nos dois sentidos, do Jesus que é apropriado como ferramenta de divulgação da agência e do Jesus que age na marketização da mesma oferecendo estratégias –, insere-se num contexto de gerenciamento de mercado religioso que denominei marketing de guerra santa, tema do próximo tópico. 141

E   complementa:   “Algumas pessoas indicaram: o apóstolo Rina, o pastor Luciano Subirá, a apóstola Neuza Itioka, o Antonio Cirilo. Foram pessoas que foram acompanhando e o legal é que agora estamos na língua hispânica, com o Amigos de Biga. Eu até queria dar um toque, quem estiver assistindo, que conhecer alguém que tenha um trabalho forte com crianças, que esteja de repente começando um trabalho, nós estamos distribuindo totalmente free a revistinha Amigos de Biga, você precisa só entrar em contato com a gente, mas nós vamos distribuir,  amém?”.  Explicou  ainda  que  “as  crianças  vão  amar.  Mas  você  também  vai  amar.  Tem  muita  criança   lendo e no final tem uma oração de entrega a Jesus. Não é só uma revistinha em quadrinhos, é uma mensagem muito forte, sobre a palavra de Jesus. Ela é contextualizada   mas   não   perde   os   princípios.”   Posteriormente   a   revista se repartiu em Turma do Biga e Biguinha e seus amigos. Entrevista com o pr. Bigardi do Bola de Neve Curitiba. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. 142 Remetendo ao sentido de marketing de Jesus em que o mesmo agencia as estratégias da igreja, é possível pensarmos na BDN como agenciada pelo mesmo, ou por Deus. Neste caso, além de ter agência humana e não humana (LATOUR, 2008), a BDN teria ainda agência divina – ao menos na concepção de líderes e fiéis. 143 1  Coríntios  1.27:  “Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as  coisas  fracas  deste  mundo  para  confundir  as  fortes”.

50

Mas antes, cabe uma provocação: se este Jesus praticante  de  marketing  estivesse  em  “carne  e   osso”  entre  nós,  pregaria  usando  barcos  ou  jumentos  como  plataformas  – falando a pedreiros e carpinteiros? Ou tweetaria144 para a galera, usando a rede para recolher seus peixinhos?145

Marketing de guerra “santa” Antes de iniciar este tópico alerto que o epíteto santa, de marketing de guerra santa, pode ser entendido entre aspas: “santa”   não deve ser interpretada ipsis litteris, como sinônimo de sagrada, divina, canonizada ou virtuosa, e sim alegoricamente, aludindo ao contexto bélico das   guerras   “santas”   promovidas   entre   cristãos   e   não-cristãos durante a Idade Média. A expressão guerra santa configura-se em paradoxo, já que guerra sugere um contexto e santa, outro. Seu caráter alegórico não é tão evidente pois a expressão se cristalizou. Mas a expressão guerra santa pode (e deve) ser entendida através de seu potencial irônico. Adaptando o conceito de marketing de guerra146 para o mercado religioso, convencionei marketing de guerra santa a criação, apropriação e ressignificação de estratégias de gerenciamento militar e/ou empresarial, efetuadas pelas agências religiosas. 147 O objetivo geral destas agências é a aquisição de melhor posicionamento no mercado e da preferência e adesão do/a fiel-consumidor/a, através da oferta e do atendimento de suas demandas e expectativas religiosas. O marketing de guerra é pensado como a adaptação de conceitos militares ao gerenciamento de mercado, enquanto o marketing de guerra santa é visto a partir de semelhanças entre gerenciamento marcial, 148 marketing empresarial e marketing religioso, que se (con)fundem.

144

Tweetar é a atividade de quem participa do Twitter (http://twitter.com/). Esta rede social possibilita o acesso através de equipamentos móveis e a postagem de textos curtos de até 140 caracteres – os famosos tweets (TWITTER, 2013). 145 Comentário semelhante fez o francês François Jeanne-Beylot em um encontro de blogueiros/as promovido pelo Vaticano: “a  Rede  é  o  reino  que  grita  mais  forte”  e  “Cristo  não  pregaria  de  um  barco,  mas  de  um  blog  ou  do   Twitter”.   Vaticano corteja e mima blogueiros de todo o mundo. Disponível em: . Acesso em: 27 de setembro de 2012. 146 RIES, TROUT, 1989. 147 A apropriação de referentes bélicos pelas agências evangélicas – e religiosas em geral – é anterior a Marketing de Guerra, de Ries e Trout. Entretanto – como esta obra costuma ser referência em cursos de marketing –, é possível que líderes religiosos/as (alguns/mas destes/as, especializados/as em marketing, como Rinaldo, da BDN, e Hernandes, da Renascer) tenham tido acesso à obra e aplicado alguns de seus conceitos. 148 A palavra marcial, neste trecho, assume caráter alegórico, remetendo a Marte, deus grego dos campos de batalha.

51

Nesta situação de marketing, o terreno a ser conquistado é a mente, o imaginário e o desejo do/a consumidor/a. Ressalto que marketing de guerra santa não   é   um   conceito   “nativo”   – mas inspirado em observação participante/participação observante de um   contexto   “nativo”,   bélico –, e uma forma encontrada para (re)pensar e (re)conhecer diferentes agenciamentos de pessoas, comunidades e instituições relacionadas ao fenômeno religioso. Trata-se de expressão utilizada como chave de compreensão das estratégias de marketing religioso de agências como a BDN – estas, contudo, não usam tal referência metafórica. O marketing de guerra santa se identifica nas estratégias das agências religiosas de levar o/a consumidor/a a conhecer e adquirir produtos e mercadorias através de formas de espetacularização e midiatização diversas, como lojas dentro das igrejas ou no ambiente virtual, publicações impressas, sítios, tele e radiodifusão, canções, arquitetura e decoração de templos (que representam o local de produção e distribuição de produtos segmentados), eventos, imagem corporal de líderes e membros, dentre outros. Estas estratégias apresentam-se como midiatizadoras de discursos pastorais (em geral repletos de eficácia simbólica) e, ao mesmo tempo, midiatizadas por estes discursos. O objetivo é alcançar o resultado previsto pelo planejamento de marketing da igreja, que é o de posicionar favoravelmente sua marca no mercado religioso, dentre outros. A  oferta  e  a  demanda  são  identificadas  através  da  disputa  religiosa  entre  as  “neopentecostais”   (e outras agências religiosas, simultaneamente) por fiéis, fazendo parte de um mercado religioso com um amplo espectro de bens e serviços religiosos. Para o empreendimento religioso, a não satisfação das necessidades dos públicos presente e potencial, representa a perda deste para o concorrente, alimentando o rodízio ou trânsito em busca do sagrado. A aquisição de um produto ou mercadoria religiosa diferencia a/o fiel daquela/e que não consome, que por não compartilhar dos mesmos signos, pode ser identificado como aquele que não crê. Ao ser entendido como propiciador do contato com o sagrado, o bem religioso autorizado149 e adquirido é sacralizado, semelhante ao que ocorre com a contribuição de ofertas e dízimos, que aponta para o feedback divino. A adequação da oferta a determinados nichos mercadológicos é identificada nas agências por meio dos diferentes níveis de normatização de usos e costumes e da adaptação do discurso 149

Expressão de Bourdieu.

52

religioso, havendo a lógica de produção e circulação de bens consumíveis materiais, como CDs e roupas. Tais bens tangíveis apontam para seu aspecto ao mesmo tempo imaterial e intangível: são sensações de compartilhamento de bênçãos, de sentidos e significados, de motivação, felicidade, proximidade com o divino, pertencimento e percepção de identidade compartilhada, que identificam estas agências como ativadoras de comunidades afetivas (ou emocionais, como diria Hervieu-Léger).150

Quem pratica o marketing de guerra santa deve identificar as práticas de consumo, oferecer ambiente em que as sensações de inclusão e pertencimento, e de envolvimento com o divino sejam contempladas, estimulando a adesão a discursos, ritos e práticas e a aquisição de mercadorias religiosas. Apostar na satisfação dos apetites e anseios dos/as crentes consumidores/as, oferecendo bens que simbolizam sentimentos de felicidade, prosperidade, inclusão e sucesso, impulsionando o mercado religioso, é condição sine qua non do gerenciamento feito pelos/as estrategistas de marketing de guerra santa. Mas para o planejamento estratégico de marketing, conhecer os desejos do/a fiel-consumidor/a e oferecer-lhe produtos e mercadorias que supram suas necessidades não basta. Deve-se mapear o posicionamento de sua agência e o das demais no mercado, observar as fragilidades da concorrente e investir nestes bens e serviços, atentar para a antecipação das necessidades, inovar através de produtos e mercadorias e, através de propaganda maciça, oferecer bens que atendam e criem demandas. O objetivo é a conquista da mente dos/as consumidores/as, “campo   de   batalha   das   empresas,” 151 inclusive das religiosas. O marketing de guerra santa pode ser promovido por agências de qualquer matriz religiosa. No marketing de guerra santa da Idade Mídia,152 o adversário é o concorrente religioso e o objetivo, o aumento da fatia do

150

A pertença ao grupo religioso é entendida por Hervieu-Léger a partir de quatro lógicas ou dimensões: a comunitária, referente ao conjunto de marcas simbólicas que delimitam os indivíduos socialmente, diferenciando “os   que   são   do   grupo   dos   que   não   são”,   a   ética,   representando   a   “aceitação   de   valores ligados à mensagem religiosa  trazida  pela  tradição  particular”,  a  cultural, relativa aos saberes de um patrimônio ou memória comum, e a emocional,   onde   se   produz   o   sentimento   coletivo   de   pertencimento,   em   que   “se   diz   respeito   à   experiência   afetiva associada  à  identificação”  (HERVIEU-LÉGER, 2008, pp. 66-67). Como nota Marcelo Camurça a respeito das comunidades emocionais descritas por Hervieu-Léger, o que define a autenticidade desta experiência religiosa  é  a  “fluidez  expressa  pela  instabilidade  dos   estados afetivos”,  implicando  “na  fragilidade  no  contorno   dos grupos: entra-se e sai-se deles com   facilidade,   pois   não   há   laços   formais   de   identificação”   (CAMURÇA,   2003, p. 261). Sinaliza-se aqui para o trânsito ou rodízio religioso, em que as pessoas migram de uma agência a outra na busca de satisfação de seus desejos. 151 RIES, TROUT, 1989. 152 A expressão Idade Mídia é utilizada por Stewart M. Hoover (2006).

53

mercado religioso, através da criação e atendimento de demandas e da obtenção da preferência do/a fiel-consumidor/a. Para que desenvolvamos uma análise crítica em relação a esse tipo de marketing, é necessário observarmos o posicionamento das agências dentro do mercado religioso, lembrando que a mesma instituição pode ocupar espaços ou segmentos diferentes de acordo com o referencial de análise escolhido, que pode ser mais amplo ou mais restrito. Tomemos como exemplo a IURD: a análise de seu marketing religioso pode ser feita a partir de contexto ampliado, em que se incluam todas as expressões religiosas internacionais ou brasileiras, ou mesmo a partir do mercado religioso cristão em geral; ou pensando em um segmento específico, como inserida no neopentecostalismo. O posicionamento da IURD no mercado religioso brasileiro é diferente daquele relativo ao mercado religioso neopentecostal. É possível observar que a agência pode adotar estratégias distintas em relação a segmentos e/ou concorrentes situados em segmentos de mercado diferentes. A estratégia adotada em relação ao catolicismo ou às evangélicas é diversa daquela relativa à umbanda, que costuma ser associada a uma miríade de encostos, capetas e demônios.153 Analisando a IURD em relação ao neopentecostalismo, esta é definida como a líder do mercado, tanto por estatísticas154 como por representar, em um imaginário social, uma espécie

153

Campos  destaca  o  discurso  da  demonização  na  IURD:  “para  tornar  o  seu  ‘produto’desejável,  a  IURD  explora   e provoca o descontentamento das pessoas com as suas opções religiosas anteriores, mostrando a precariedade dos  resultados  conseguidos  nas  agências  concorrentes”  (CAMPOS,  1997,  p.  229).   154 Os dados que fundamentam estatisticamente a liderança da IURD em relação às outras igrejas neopentecostais estão no Novo Mapa das Religiões (NÉRI, 2011), no Atlas da Filiação Religiosa (JACOB et al, 2003) e no Censo de 2010, visto no site do IBGE. Artigos como o de Alberto Antoniazzi (2004) e o de Galindo (2009) também trazem contribuições. No de Antoniazzi, as pentecostais citadas são AD, CCB, IURD, IEQ e IPDA. A IURD, em relação às pentecostais, ocupa a terceira posição, mesmo sendo bem mais recente que as demais. É a única neopentecostal da lista, e assim, a primeira deste segmento a ocupar a mente dos/as recenseados/as. Este dado também é percebido no censo feito pela FGV, de 2011, onde a IURD desponta como a neopentecostal mais lembrada pelas pessoas pesquisadas. Um dado interessante levantado nesta pesquisa é a predominância, na IURD, do público feminino (NÉRI, 2011, p. 20).   O   artigo   de   Galindo   traz   um   “ranking”   das neopentecostais. Fundamentado em fontes como Mariano (Veja, n. 1758, 2002), SEPAL, IBGE e Operation World, as neopentecostais relacionadas são IURD, com 2 milhões de fiéis em 2001, IIGD, com 270.000, Renascer, com 120.000, e Sara Nossa Terra, com 150.000 (GALINDO, 2009, p. 27). Entretanto, igrejas como a IMPD não aparecem nesta estatística. Em reportagem sobre a Mundial, a Istoé levanta dados com base no IBGE e nas próprias igrejas: a IURD teria 8 milhões de fiéis em 2010, a Renascer, 2 milhões, a Sara Nossa Terra, 750 mil, e a IMPD 4,5 milhões de fiéis. Aqui, a IIGD não é mencionada (CARDOSO, LOES, 2011). Todas as estatísticas mostram a IURD como a líder do segmento. Na de Galindo, a Internacional é a vice, e na da Istoé, a posição é ocupada pela Mundial. É bem possível colocar os dados fornecidos pelas agências religiosas à Istoé sob suspeita, mas eles apontam para o aumento de fiéis neopentecostais (em relação aos dados anteriores), pela falta de informações e para a necessidade de estatísticas mais abrangentes acerca do fenômeno. Todos os demais dados acima referentes ao número de fiéis de igrejas como IURD e IMPD podem (devem) ser atualizados. O Censo 2010 do IBGE, não analisado aqui, assim como novas pesquisas, podem iluminar melhor a questão. Entre 2013 e

54

de sinônimo de igreja neopentecostal.155 Muitas pessoas fazem associação direta do neopentecostalismo com a IURD ou com seu líder, bispo Macedo. É uma igreja top of mind. De modo parecido, ao se enunciar a palavra fast food muitas pessoas fazem associação com o Mc  Donald’s  e  sua  linha  de  montagem  de  junk food.156 Neste contexto, podemos pensar em mcdonaldização da fé para tratar de um contexto de mercadorização religiosa caracterizada por um sistema drive-thru de rápido atendimento de demandas,157 ou em supermercados da fé em que “assim como você chega a um armazém, compra e paga um produto, você também chega à igreja, compra seu milagre, sua graça, sua cura, sua salvação, e volta tranquilo para casa, feliz e convencido de que fez um bom negócio”.158 Claro que para ter suas necessidades supridas nos shoppings da fé, o/a fiel deve despender algum dinheiro através da compra de produtos e mercadorias, ou da contribuição de dízimos e ofertas, obedecendo, como argumenta Apgaua, ao princípio da reciprocidade.

2014 a Editora Vozes deve publicar coletânea que apresenta e discute este censo, com contribuições de Campos, Pierucci, Reginaldo Prandi e Faustino Teixeira, dentre outros. 155 Contemplando a associação entre a IURD e o neopentecostalismo num imaginário popular, Mariano comenta que   “com a intensa mobilização da grande imprensa para cobrir a surpreendente compra da Rede Record pela Universal em 1990, logo seus líderes, suas crenças e práticas religiosas e suas aquisições milionárias se tornaram tema de conversas, comentários, críticas e piadas no dia-a-dia”,   e   que   neste   contexto,   “era   praticamente   impossível dissociar esta igreja e a vertente que ela encabeça, a neopentecostal, das atividades empresariais e das estratégias  midiáticas  e  de  marketing”  (MARIANO,  2003,  p.  119). 156 De modo semelhante ao que acontece com marcas que viraram “sinônimos” de mercadorias, como Bombril para palhas de aço, Danone para iogurte, Cândida para alvejantes, Gilette para lâminas de barbear, Durex para fitas adesivas, Aurélio para dicionários, Aspirina para analgésicos, Band-Aid para curativos, Cotonetes para hastes  flexíveis  e  Hall’s  para  pastilhas. 157 Alguns autores têm tratado da mercadorização da fé a partir da mcdonaldização e da religião fast food, como Luis Alexandre Solano Rossi (2011), Luiz Mauro Sá Martino (2003) e Eduardo Guilherme de Moura Paegle (2008, pp. 86-99; 2013). Estes estudos reverberam conceitos como o de mc donaldização da sociedade, de George Ritzer (1993, 2008), no qual ele reelabora o conceito de racionalidade e pensa numa sociedade modelada a partir dum paradigma em que o fast food representa eficiência, quantificação, controle e previsibilidade. Paegle comenta a respeito de algumas das críticas contemporâneas à mcdonaldização da fé, como as feitas por sites e blogs de humor evangélico (PAEGLE, 2013, pp. 140-164). Se referindo ao McDonald´s em outro sentido, não no da mercadorização da fé, mas de certa fé no mercado,  Frei  Betto  contempla  os  shopping  centers  como  “templos   do  deus  mercado”,  em  que  “não  se  entra  com  qualquer  traje,  e  sim  com  roupa  de  missa  de  domingo”,  onde  “tudo   evoca o paraíso: não há mendigos nem pivetes, pobreza ou miséria. Com olhar devoto, o consumidor contempla as capelas que ostentam, em ricos nichos, os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode pagar à vista, sente-se no céu; quem recorre ao cheque especial ou ao crediário, no purgatório; quem não dispõe de  recurso,  no  inferno.  Na  saída,  entretanto,  todos  se  irmanam  na  mesa  ‘eucarística’  do   McDonald’s”   Religião do consumo. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2013. 158 GUARESCHI, 1995, p. 217. A teologia da prosperidade e a reciprocidade são observadas quando Guareschi comenta:  “Inseridos numa sociedade capitalista, os fiéis passam a assimilar o discurso capitalista, até mesmo com relação ao sagrado. Os pregadores apresentam os assuntos religiosos dentro do referencial simbólico do mercado, levando as pessoas à conclusão de que o dinheiro é um meio eficaz para se conseguir bens espirituais como a paz, felicidade, conforto espiritual, alegria, etc., numa espécie de transação simbólica estabelecida com Deus, através da  igreja”  (GUARESCHI,  1995,  pp. 217-218).

55

Mas a relação da doação de bens ao Sagrado através da igreja pode marcar-se também pela fé e  o  “dar  com  alegria”. 159 Como sinalizou Mauss, uma parte considerável de nossa moral e de nossa própria vida permanece estacionada nessa atmosfera em que dádiva, obrigação e liberdade se misturam. Felizmente, nem tudo é classificado exclusivamente em termos de compra e de venda. As coisas possuem ainda um valor sentimental além de seu valor venal, se é que há valores que sejam apenas desse gênero.160

A marketização da IURD é identificada por Antônio Flávio Pierucci e Reginaldo Prandi, que destacam que os líderes da mesma devem demonstrar capacidade de atrair pessoas e gerar dividendos,   de   acordo   com   um   “know-how administrado   empresarialmente   pelos   bispos”,   demonstrando   uma   igreja   “estruturada   como   negócio”.161 Tal situação é percebida por Mariano, para quem a igreja se funda em uma concentração da gestão administrativa, financeira e patrimonial, na formação de quadros eclesiástico e administrativo profissionalizados, na adoção de estratégias de marketing, na fixação de metas de produtividade para os pastores locais, num eficiente e agressivo mecanismo de arrecadação de recursos, num pesado investimento em evangelismo eletrônico, empresas de comunicação e noutros negócios que orbitam em torno de atividades da denominação, na abertura de grandes templos e na provisão diária, metódica e sistemática de elevada quantidade de serviços mágico-religiosos.162

Campos observa que a IURD se especializou, não só no atendimento das demandas, mas na antecipação delas, detectando mudanças nas necessidades e desejos dos/as adeptos/as através de mesas com livros de orações na frente ou dentro dos templos163, permitindo aos/às líderes mapear necessidades que surgem e oferecerem mercadorias compatíveis – antes da demanda ser detectada por pesquisas ou exposta pelo/a fiel. Analisando a IURD no contexto do mercado neopentecostal em que é líder – e aplicando os quatro tipos de marketing de guerra de Trout e Ries – esta agência possui características de 159

Apgaua  observa  que  “no  sacrifício  ou,  se  preferirem,  no  momento  do  investimento  decisivo  na  aliança,  estão   presentes também outros elementos que escapam à lógica do lucro e do ganho. Aqui opera a lógica da dádiva e do simbolismo, em que as palavras-chave seriam: não-equivalência, espontaneidade, dívida, incerteza, prazer do gesto,  liberdade,  obrigação,  desinteresse  e  interesse”  (APGAUA,  1999,  p.102). 160 MAUSS, 1974, p. 294, apud APGAUA, 1999. 161 PIERUCCI, PRANDI, 1996, p. 258. 162 MARIANO, 2003, p. 121. 163 CAMPOS, 1997, p. 222.

56

um marketing de guerra santa com estratégias defensivas. Uma destas está em reelaborar aspectos de seu discurso, como em relação ao aborto,164 atualmente “liberado”, e à homossexualidade, tema que sofreu maior repúdio em outros momentos mas hoje encontra-se amenizado, provavelmente como estratégia de atração deste público, que pode perceber na IURD um local de menor interdição à sua orientação sexual se comparado com outras igrejas neopentecostais. Algumas agências dissidentes da IURD podem ser apontadas como suas concorrentes mais próximas, tanto em número de fiéis como em semelhança litúrgica e discursiva, como a IIGD e a IMPD. Seus fundadores, missionário RR Soares e apóstolo Valdemiro Santiago, por terem sido líderes da IURD, tem posição privilegiada na busca por pontos vulneráveis nesta, estabelecendo assim, estratégias ofensivas de marketing de guerra santa. Em 2010 observei cultos ao vivo da Mundial em que Santiago fez uma série de referências negativas a Macedo. Estas   eram   relativas   à   amenização   do   discurso   de   Macedo   em   relação   às   “leis   de   Deus”,   à   programação secular da Record e ao dinheiro gasto pela IURD na construção do megatemplo de Salomão.165 Aqui, a estratégia é o ataque direto. Outra estratégia do marketing de guerra santa é o flanqueamento. Um bom exemplo é a Renascer. Ao contrário de Macedo, que não tem formação na área de marketing (o que não o impede de fazer trabalho consistente), o fundador desta, Hernandes, é ex-gerente de marketing da Itautec e da Xerox do Brasil, cursou até o terceiro ano de Administração de Empresas e se especializou na área. Mariano e Carlos Tadeu Siepierski comentam a respeito de uma apostila preparada e distribuída por Hernandes aos/às seus/suas líderes, “A  igreja usando o marketing como   arma   espiritual”,   fundamentada   em   Kotler. 166 O flanqueamento se vale da inovação. 164

O discurso sobre o aborto pode se encaixar na reflexão de Campos sobre o   produto   na   IURD:   “não   há   ‘produtos’  novos e  sim  formas  diferenciadas  de  ‘manufaturar’e  expor  antigos  ‘produtos’,  cuja  distribuição  não  é   monopólio  desta  ou  daquela  Igreja  ou  agência  religiosa”  (CAMPOS,  1997,  p.  224).  Neste  sentido,  o  que  a  IURD   faz é dar novo formato ao seu produto. 165 A construção da réplica do Templo de Salomão demonstra como a espetacularização do patrimônio pode auxiliar na (re)consolidação da IURD no mercado da fé. Concomitantemente, a IMPD inaugurou seus cartões postais: a Cidade Mundial de Guarulhos e a Cidade Mundial do Rio de Janeiro. No caso do megatemplo da IURD, como o site do próprio refere, na   época   de   Salomão   “somente   os   sacerdotes   podiam   frequentá-lo, fato este não aplicado ao Templo que estamos construindo, visto que não somente os membros da Igreja, mas também qualquer interessado poderá ter a oportunidade de voltar no tempo e conhecer mais deste empreendimento”.   Templo de Salomão. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2013. Tais megaestruturas se relacionam com o aumento numérico das unidades, demonstrando a importância do crescimento   “evangelástico”   (expressão   de   Alencar,   2005).  Comento   brevemente   sobre   a   espetacularização   do   patrimônio da BDN adiante. 166 Nesta,   Hernandes   afirma   que   “o   cristão   deve   pregar   o   Evangelho   com   intrepidez”,   ocupar   “as   principais posições na sociedade e efetuar um evangelismo   criativo” através de marketing direto e indireto e propondo a segmentação   entre   “executivos,   jovens,   crianças,   adolescentes   e   pessoas   carentes”,   e contextualizando a mensagem, adaptando-a ao público-alvo. Deve também contar com profissionais da comunicação e do marketing

57

Hernandes percebeu a demanda de jovens evangélicos/as por gêneros poético-musicais mais contemporanizados   nas   liturgias,   como   o   rock   n’roll   e   o   heavy   metal em seus segmentos, configurando algumas das primeiras experiências evangélicas de um white metal brasileiro (heavy metal com letras de conteúdo evangélico ou gospel).167 Há também igrejas que se intitulam underground e tem como mote a sexualidade, como a Sexxx Church, que se apresenta como igreja cristã pornô, atendendo em reuniões presenciais um público jovem e urbano, de classe média e média alta de São Paulo, e um público mais ampliado através de seu site pornô-cristão, o que aponta para uma igreja da internet. Ainda que  à  primeira  vista  aparente  ter  discurso  flexível  a  respeito  do  tema,  tópicos  do  site  como  “a   pornografia  estupra  a  sua  mente”  mostram  que  o  sentido  é  o  oposto.168 Desdobram-se os exemplos de instituições evangélicas que praticam o marketing de guerrilha santa. É o caso das igrejas evangélicas inclusivas LGBT, que acolhem pessoas que se identificam como gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. 169 Nas seis agências religiosas inclusivas LGBT identificadas em São Paulo em 2012,170 são observáveis diferenças litúrgicas e discursivas, e dentre estas últimas, destacam-se graus distintos de normatização do comportamento sexual dos/as fiéis, sinalizando para estratégias distintas de atração de públicos. Se por um lado, a ICM traz um discurso mais flexível e liberal, 171 a CCR é mais rígida, acolhendo pessoas que participaram de ministérios com discursos conservadores, como a AD.172 Como semelhança, todas acolhem o público homossexual sem, encarregados  de  “elaborar  planejamentos  de  crescimento”  (MARIANO,  2003,  p.  116).  Siepierski  observa  que  os   pastores em treinamento são vistos como gerentes dos templos-filiais e Hernandes os instrui   “nas   técnicas   mercadológicas  em  relação  à  captação  de  adeptos  e  recursos”,  referindo-se  às  filiais  da  igreja  como   “pontos  de   venda”  e  enfatizando  a  necessidade  de  ampliá-las,  e  ao  planejamento,  onde  a  igreja  deveria  “tornar  seu  produto aceitável e credibilizado,  possibilitando  sua  penetração  no  mundo  de  hoje”  (SIEPIERSKI,  2003,  p.  139). 167 Falo a respeito do assunto na parte sobre canção gospel. 168 Frequentadores/as da Sexxx Church relataram a mim, em agosto de 2011, que, por conta de processo de reformulação da direção, as reuniões se encontravam temporariamente suspensas, assim como o site, cujo endereço é www.sexxxchurch.com. Três meses depois soube que a Sexxx Church havia sido extinta. Outros ministérios underground paulistanos, como a Capital Augusta, a Crash Church e o Projeto 242, conforme identifiquei em reuniões que participei (2011 e 2012), tem a sexualidade como um dos temas centrais, compartilhando assim do mesmo território de disputa, a preferência destes/as jovens. 169 Ainda que existam, eventualmente, discriminações em relação a alguns destes indivíduos, como percebi durante trabalho de campo e série de entrevistas realizadas em 2010 e 2011. 170 Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), Igreja Cristã Evangelho Para Todos (ICEPT), Comunidade Cristã Nova Esperança Internacional (CCNEI), Igreja Apostólica Nova Geração em Cristo, Comunidade Cidade de Refúgio (CCR) e Igreja Apostólica Cristã Amanhecer. 171 Sobre a flexibilização do discurso religioso da ICM, há texto meu com fragmentos de entrevistas com algumas/uns líderes (2011c). 172 A normatização do discurso sobre a sexualidade na Comunidade de Refúgio pode ser observada nas palavras de Lanna Holder, sua líder e fundadora, gravadas por mim em culto de 2011: “Irmãos,   vocês   acham   que   ser   cristão é passear na Vieira? Cristão que é cristão não vai tomar cerveja na Vieira, não vai em cinema, não vai em dark room, não vai em boate. Se alguma igreja que fala que é inclusiva prega isto eu não sei, mas aqui a gente

58

aparentemente, procurar promover mudanças em sua orientação ou identidade sexual e/ou de gênero.173 Mas   outras   agências,   de   caráter   distinto,   “batalham”   por   este   público   através   de   marketing que negativiza a homossexualidade, como as que identificam-se como ministérios de apoio a garotas de programa e travestis 174, e de reorientação sexual, reversão da homossexualidade e resgate da heterossexualidade.175 As agências evangélicas inclusivas LGBT fazem parte de uma teia de tensões que envolve igrejas católicas, protestantes históricas, pentecostais e neopentecostais, 176 que em sua maioria, tem discursos contrários a identidades sexuais e de gênero distintas das enfeixadas na heteronormatividade. Silas Malafaia, da AVEC, se refere constante e negativamente à homossexualidade, o que constitui estratégia incisiva de seu marketing religioso. Neste caso, o oponente em potencial não está nas comunidades inclusivas LGBT, pois Malafaia não partilha do mesmo público-alvo destas; mas nas agências neopentecostais que tem mostrado discurso menos contundente em relação ao tema, satisfazendo boa parte do público evangélico que é contrário à homossexualidade. 177

prega a Palavra de Deus” (nota minha: Vieira de Carvalho é uma rua do centro de São Paulo que tem como maior frequentador o público LGBT, e fica próxima de cinemas que apresentam filmes pornôs). Nesta igreja, percebi uma pequena predominância de lésbicas, enquanto na Geração em Cristo elas são maioria. Em outras, o predomínio é de gays, o que aponta para a segmentação do público destas agências. Como avisa o paradigma de mercado, algumas agências surgem ao atentar para determinados nichos. Seria possível pensar no surgimento de uma igreja ou reunião evangélica que tenha como alvo um segmento do público LGBT, como os/as bissexuais, transexuais e travestis, atendendo a uma demanda mais específica? 173 Também pensando no contexto da inclusão, as igrejas que oferecem ministérios de ensino e cultos em Libras (Língua Brasileira de Sinais), se sobressaem em relação às outras perante os surdos e o público em geral, o que pode ser avaliado como estratégia de marketing religioso. 174 São grupos que têm como objetivo evangelizar travestis e mulheres profissionais do sexo em capitais como São Paulo e Vitória, por vezes acolhendo-as em casas de apoio e orientando para novas opções de trabalho. Dentre elas, há a Missão SAL, a Missão CENA, que tem o apoio do citado Projeto 242, ambos em São Paulo, e o Ministério Luz na Noite, ligado à Avalanche Missões Urbanas Underground e à Igreja Presbiteriana de Jardim Camburi, em Vitória. 175 Estimuladas a partir da experiência do CPPC (Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos), fundado em 1976 em Curitiba, estas agências fazem tratamento psicológico e psiquiátrico associado ao religioso, entendendo identidades sexuais ou de gênero como originárias de famílias desestruturadas, que propiciariam experiências de desajuste, abuso e trauma, acarretando na homossexualidade como forma de adicção ou transtorno. A cura e libertação através da terapia espiritual/psicológica/psiquiátrica seria a solução. Dentre estes, há o Moses (Movimento pela Sexualidade Sadia), fundado em 2004 no Rio de Janeiro (atualmente paralizado, segundo me narrou um de seus ex-líderes, Sérgio Viula), a Abraceh (Associação Brasileira de Apoio aos que Voluntariamente Desejam Deixar a Homossexualidade, que mudou seu nome em 2011 para Associação de apoio ao ser humano e à família), iniciada em 2005, também no Rio, o Ministério Gileade, da Batista da Lagoinha, de Belo Horizonte e o Filhos da Esperança, de São Paulo, ligado ao Ministério Êxodus Brasil. 176 Na ampla maioria das agências neopentecostais, o discurso acerca da identidade sexual homo ou bi, da identidade de gênero transgênera, travesti ou transexual, da prostituição – e de temas relacionados à sexualidade como o aborto e o divórcio – são em geral referidos como resultado de possessão demoníaca e encosto, resolvidos através de batalha espiritual e de cura e libertação. A homossexualidade e a prostituição são costumeiramente relacionadas às religiões de matriz afro. 177 O atendimento à demanda de públicos insatisfeitos com o neopentecostalismo pode ser observado em igrejas como Caminho da Graça, Betesda e Batista de Água Branca, lideradas respectivamente por Caio Fábio, Ricardo

59

Outra forma como o marketing de guerrilha santa pode ser percebida é a partir de um contexto municipal. Em pesquisa de campo realizada em SGC, conhecida como a cidade mais indígena do Brasil,178 identifiquei mais de trinta agências evangélicas. Dentre estes/as, destacam-se agências conhecidas (inter)nacionalmente como a IMPD (igreja mais recente do município, fundada em junho de 2013), a IURD, a IEQ, a CCB, a Presbiteriana e a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Além destas, há diversas variações das ADs, como a Assembleia de Deus Tradicional (IEADT), Assembleia de Deus do Amazonas (IEADAM), Assembleia de Deus do Brasil (IEADB),179 Assembleia de Deus do Rio de Janeiro, Assembleia de Deus Pentecostal do Brasil, além da Igreja Batista da Bíblia (em geral reconhecida como a primeira igreja da cidade) e de duas agências diferentes mas com a mesma alcunha: Igreja Evangélica Indígena.180 Além destas (e muitas outras), há um ministério da IEADT formado predominantemente por oficiais do Exército e que tem como missão evangelizar os indígenas do Alto Rio Negro, o Núcleo Evangélico Militar (NEM) – que certamente dá sentidos a um marketing de guerra santa / marketing com guerra santa181, principalmente quando identificamos que o núcleo é um dos organizadores da Primeira Marcha para Jesus de SGC, realizada em 21 de setembro de 2013. Como o/a leitor/a deve ter observado, os nomes das agências e do ministério dão pistas do público a ser atingido, sinalizando para diferentes estratégias de marketing que tem como objetivo a conquista de segmentos da população do município – os/as “nativos/as” amazonenses e indígenas.182 Gostaria de ressaltar, novamente, que tais classificações das estratégias de marketing religioso devem servir como recursos didáticos, não dando conta da diversidade de agenciamentos dos componentes das instituições, e que estas estratégias podem ser percebidas de maneiras diferentes de acordo com o objeto do olhar. Se analisarmos o contexto do mercado religioso das igrejas inclusivas LGBT do centro de São Paulo, por exemplo, será possível identificar uma líder de mercado, que provavelmente praticará estratégias de defesa de seu marketing de Gondim, Ed René Kivitz e Ariovaldo Ramos, e que representariam outro segmento de um marketing de guerrilha santa, tendo público similar e relativizando ou criticando o discurso de líderes como Malafaia, RR Soares, Santiago, Hernandes e Marco Feliciano. É bom notar que o Caminho da Graça, de Caio Fábio, não costuma se definir como igreja, sendo suas unidades chamadas de estações. Trata-se de um movimento que tem se utilizado com consistência das mais avançadas tecnologias de comunicação, dentre elas, a sua tevê online, a Vem e Vê Tv. Vem e Vê TV. Disponível em: . Acesso: 20 jun 2013. 178 Realizei tal pesquisa com Sene entre junho e setembro de 2013 – alguns apontamentos devem ser descritos em artigo futuro. 179 Uma de suas unidades divulga-se também, inclusive em sua fachada, como Assembleia de Deus do Brasil do Amazonas. 180 Uma é conhecida como Igreja Evangélica Indígena do Areal (bairro de SGC) e a outra por sua sigla, IEVIND. 181 Falarei sobre ambos em seguida. 182 Comentarei mais aprofundadamente sobre as agências evangélicas do Alto Rio Negro, Amazônia, em ocasião posterior.

60

guerra santa, seguida por agências que (supostamente) promoverão estratégias ofensivas e daí por diante. Tal lógica pode servir para a análise da IURD, da ICM, da IEVIND, da BDN ou de qualquer instituição religiosa.

Marketing de guerra santa – em trânsito O marketing de guerra santa é marcado por um contexto ultraconcorrencial e de entrelugares183 religiosos, no qual as estratégias – bem como as próprias agências religiosas, com seus produtos e mercadorias – são caracterizadas por deslocamentos e bricolagens, moldandose a fim de criarem e atenderem demandas específicas. Os entre-lugares religiosos sinalizam também para as múltiplas experiências e agenciamentos dos/as fiéis, vistos também em situações de entre-religiosidades. Nesta perspectiva, os/as fiéis são vistos/as com agência,184 promotores/estimuladores de mudanças nas instituições, e não somente como sujeitos agenciados pelas mesmas. O marketing de guerra santa é identificado pelo trânsito, deslocamento em busca da criação e satisfação de expectativas e desejos. Esta situação de marketing é relacional, havendo duplo agenciamento, tanto por parte do sujeito (individual ou coletivamente) como da agência religiosa. Tal mobilidade, de fiéis e de instituições, reflete identidades e discursos (individuais, coletivos e institucionais) móveis, derretidos e múltiplos – suscetíveis a diferentes demandas. No caso das agências religiosas, o deslocamento é associado à concorrência por seguidores/as. São agências em trânsito – e também bricoleurs, por apropriarem-se muitas vezes de elementos de outras expressões religiosas em seus discursos e práticas, objetivando a preferência do/a fiel-consumidor.185 No caso desta bricolagem, é possível se falar em 183

A noção de entre-lugares, que inspirou estes conceitos – em andamento – pode ser vista em Homi K. Bhabha (1998). 184 O conceito de agência,  neste  sentido,  é  pensado  não  só  como  o  “elemento  ativo  da  ação  individual”  (SILVA, 2000), mas como o empreendimento coletivo que ultrapassa as ações do sujeito – e também como o comportamento das instituições. Assim, sujeitos, coletivos e agências religiosas possuem manifestações de agência, ou agenciamentos. 185 Tal fenômeno é recorrente em diversas agências evangélicas, como a IURD, que ao mesmo tempo em que promove a intolerância às religiões de matriz afro, costumeiramente associadas a uma miríade de encostos, capetas e capirotos, valem-se da apropriação e (re)significação de alguns de seus referentes discursivos como estratégia  de  atração  de  fiéis  “nativos/as”  destas  expressões  religiosas.  Percebi  algo  semelhante  em  SGC:  a  IURD   local, para atrair a população majoritariamente indígena da cidade, ao mesmo tempo em que desvaloriza alguns

61

situações de entre-campos religiosos, isto, se a ideia de campo religioso ainda puder ser considerada

conveniente

para

entendermos

as

expressões

de

religiosidade

do

contemporâneo.186 De todo modo, são agências que marcham em direção à conquista de fiéis. Aliás, marchar, guerrear e conquistar são vocábulos bastante utilizados em agências evangélicas como a BDN – sinalizando para um marketing de guerra santa que tem como característica a (re)apropriação e (re)significação de termos beligerantes na promoção/consolidação da agência no front religioso: é o marketing com a guerra santa.187

Marketing com a guerra santa O termo marketing com a guerra santa pode ser entendido em três sentidos. No primeiro, as agências (re)pensam, (re)significam e se (re/des) apropriam de conceitos e termos bélicos como alegorias discursivas para promoverem-se e consolidarem-se no mercado. No segundo, o termo guerra santa pode ser entendida como sinônimo de batalha espiritual – tal teologia é bastante utilizada por agências como a BDN, e comumente relacionada a teologias como a do domínio, da cura e libertação, da saúde perfeita e da prosperidade. Se utilizar de tal teologia é assim, forma da agência obter a atenção e preferência de fiéis. Estes dois exemplos são marcantes na BDN. aspectos das culturas das etnias locais, procura se apropriar de elementos das mesmas em cultos, como as reuniões em que foram utilizadas flautas de cariço (na ocasião do lançamento do primeiro volume de Nada a perder, livro do bispo Macedo). Como me explicou um líder desta IURD,  “o  desafio  é  este:  a  igreja  tem  que  se   adaptar   a   uns   costumes   indígenas   e   os   indígenas   tem   que   se   adaptar   aos   costumes   cristãos.”   Este   mesmo   expediente, de repúdio e apropriação de elementos indígenas é utilizado por outras igrejas evangélicas que têm indígenas como público-alvo em SGC. Contudo, isto é entendido como uma afronta por ativistas de organizações de  preservação  das  tradições  indígenas  do  Alto  Rio  Negro.  Para  um  deles,  “é  absurdo  colocar  flautas  de  cariço   numa  reunião  que  se  diz  ‘cristã’.  O  cariço é um ritual totalmente mundano e não tem nada de religiosidade. É como  levar  uma  canção  que  a  letra  diz  ‘tira  a  calcinha’  prá  dentro  da  igreja”.  Outro  líder  argumentou  que  “não  há   mal em levar flauta de cariço prá dentro duma igreja católica ou evangélica – mas teria que criar outro tipo de música  com  o  cariço  prá  tocar  lá”  (entrevistas  e  notas  de  caderno  de  campo). 186 Se para Bourdieu, o campo religioso é associado à confirmação do monopólio por um corpo de especialistas religiosos, relacionados à despossessão de outros do capital religioso (BOURDIEU, 1971, p. 304, apud MALUF, 2011, p. 8); para autores/as como Maluf e Otávio Velho, tal conceito não dá suporte para a análise da religiosidade,  “através  da  qual  nós  temos  algo  a  dizer  sobre  o  conjunto  da  experiência  humana”  (VELHO,  1986,   pp. 46-70),   “realidade   subjacente   dos   indivíduos   e   das   relações   entre   eles”   (MALUF,   2011,   pp.   5-14). Maluf comenta sobre a (in)conveniência do uso do conceito de religião neste texto e em sua tese (idem, 1996). O texto de Bourdieu utilizado por Maluf está na Revue Française de Sociologie e chama-se Genèse et structure du champ religieux (referência completa no final do livro). 187 Defesa, ataque, flanqueamento e guerrilha, utilizados aqui como conceitos – bem como outros referentes bélicos – são termos apropriados como alegorias discursivas por diversas agências ao tratar da superação de dificuldades espirituais e mundanas dos/as fiéis.

62

Mas marketing com guerra santa não se restringe ao uso de vocábulos beligerantes ou à (re)apropriação da teologia da batalha espiritual. Investidas violentas de uma agência religiosa em relação a outra, nem sempre em movimento recíproco, dão novas tonalidades a esta expressão, se associando ao que Sidney Nilton Oliveira chama de marketing da intolerância,188 em que têm destaque diversos episódios relacionados, por exemplo, à IURD do   bispo   Macedo,   “apoiada em um poderoso e agressivo marketing opressor onde a intolerância e o preconceito foram as armas principais em sua guerra santa contra a Umbanda”.189 Outra forma violenta desta marketização se situa nas fogueiras santas: nestas, pais, mães e filhos/as de santo – chamados na IURD de pais, mães e filhos/as de encosto 190 ou simplesmente macumbeiros/as – quando convertidos/as à esta agência, devem incinerar em ato público objetos pessoais e rituais, imagens e símbolos relacionados à sua antiga fé. Imputar ao/à participante de religião de matriz afro a pecha de satanista, demoníaco/a e impuro/a fazem parte da violência simbólica em relação a estes/as. Desdobram-se igualmente os casos de invasões e ataques promovidos a terreiros por pastores/as e membros de agências evangélicas. Certamente, não podemos ser reducionistas – ataques materiais e simbólicos ocorrem em relação a outras expressões religiosas, no Brasil e no exterior. Contudo, saliento que a maior parte destes é, no Brasil do tempo presente, relacionado a agências (auto)consideradas neopentecostais em relação a agências de matriz afro. Nestes casos, parece haver mais um massacre “santo”   que   propriamente   uma   guerra,   visto   que   – sem querer ser essencialista e talvez já sendo – não parece que os/as participantes de religiões de matriz afro em geral revidem o ataque intolerante, como se espera de uma guerra em que ambos os lados batalham efetivamente – ainda que existam iniciativas de acadêmicos/as, ONGs, parlamentares e setores da sociedade em denunciar e colaborar na resistência a formas de opressão e intolerância. 191 ***

188

OLIVEIRA,  2012.  Como  lembra  Refkalefsky,  “o  inimigo  frontal  de  Macedo  é  a  Umbanda.  Toda a Igreja foi estruturada   para   esta   ‘guerra   santa’”   (REFKALEFSKY,   2006,   p.   3).   São diversos os episódios de violência material e simbólica envolvendo a IURD e outras expressões religiosas, fundamentalmente as de matriz afro. Destaco os mais célebres: a retirada do mercado, por determinação judicial, do  livro  “Orixás,  Caboclos  e  Guias”,   em   que   o   bispo   Macedo   relaciona   os   mesmos   a   entidades   demoníacas;;   e   o   “chute   na   santa”,   promovido   pelo   bispo Sérgio Von Helder, chamado por algumas pessoas na época de Sérgio From Hell. 189 Idem, 2012, p. 111. 190 Por sua vez, frequentadores/as não de casas de santo, mas de casas de encosto. 191 Dentre diversas obras que comentam sobre a intolerância religiosa às religiões de matriz afro, destaco “Intolerância  religiosa:  impactos do  neopentecostalismo  no  campo  religioso  brasileiro”,  organizada  por  Vagner   Gonçalves da Silva (2007). A guerra santa – marcada por ataques de violência simbólica – também é perceptível nas batalhas promovidas entre agências como IURD e IMPD, como sinalizam Cunha (2012) e Paegle (2013).

63

Por fim, devemos recordar que os conceitos de marketing de guerra santa e seus desdobramentos (guerrilha/defesa/ataque/flanqueamento santos), bem como o de marketing com a guerra santa, devem ser percebidos a partir de seu potencial heurístico e didático. Eles não dão conta da multiplicidade e abrangência de características das agências religiosas – como a BDN –, em processo de derretimento e amoldamento de identidades e discursos, nem das experiências subjetivas de fiéis, constituídas por fluxos identitários, mnemônicos e narrativos. (Re)conhecer e (re)pensar classificações é mister neste contexto. Para tal, proponho uma breve discussão no que chamo de entre-capítulos.

64

65

E

C

ntre-capítulos

onceituei a BDN, em algumas ocasiões, como uma agência evangélica de características majoritariamente neopentecostais. O uso de tal classificação, entretanto, vem acompanhado da (cons)ciência da instabilidade/provisoriedade do

termo e da instabilidade/flexibilidade da agência. Dentre as características da BDN, encontram-se o apego às teologias da prosperidade, cura e libertação, saúde perfeita, batalha e domínio espiritual, considerados atributos típicos do “neopentecostalismo”.  Todavia, tais elementos não dão suporte para entender outros aspectos constitutivos da mesma, nem de seus/suas fiéis, ambos com seus hibridismos, bricolagens e deslocamentos. Outros conceitos/classificações podem ser atribuídos a BDN ou a outras agências evangélicas. Dentre estes, pentecostal de terceira onda,192 pentecostal de cura divina,193 pentecostal autônoma,194 neopentecostal

pentecostal de

remasterizada, 195

supergeração.198

desnaturalizados/desessencializados,

199

neopentecostal,196

Todos

eles,

pós-pentecostal197

contudo,

podem

e ser

destituídos de um sentido fixo. O mesmo ocorre com

conceitos como mercado e economia religiosa e com as possíveis equações formadas a partir dos termos igreja/agência/firma e religiosa/evangélica. Tais conceitos, classificações e termos (como outros que destaquei anteriormente) não são suficientes para a compreensão das mediações/negociações/deslocamentos e agenciamentos de instituições, comunidades e pessoas. Ao/à pesquisador/a, cabe rastrear e perseguir etnograficamente estes movimentos – sensíveis, por vezes surpreendentes –, aprender com eles e não deixar-se engessar com classificações.

192

FRESTON, 1994, pp. 67-159. MENDONÇA, 1984. 194 BITTENCOURT Fº, 1994. 195 BITUN, 2009, pp. 19-31. 196 ORO, 1992, pp. 7-44; MARIANO, 1995. 197 SIEPIERSKI, 1997, pp. 47-61. 198 MARANHÃO Fº, 2010d, pp. 342-362. O termo neopentecostal de supergeração sinaliza para espécie de “quarta  onda  do  pentecostalismo”, ou talvez, para uma nova “marola  do  pentecostalismo”  – mas certamente, não basta para compreendermos a complexidade do fenômeno religioso evangélico no (do) contemporâneo. 199 MARANHÃO Fº, 2012d, p. 237. 193

66

O conceito de mercado ou economia religiosa, por exemplo, pode ser reavaliado quando entendemos que nem todos os sujeitos se encontram em contexto de seleção ou escolha: As pessoas podem converter-se ou/e aderir a instituições por motivos variados, para além de uma mcdonaldização da fé200 – e agências religiosas podem ser criadas sem o objetivo de inserirem-se num contexto concorrencial. Pensar as religiões e/ou as religiosidades deve ter como suposto o esforço de não ser reducionista ou essencialista, ainda que a fronteira entre essencialismo e não-essencialismo seja tênue e frágil como uma fina camada de gelo. Vários/as autores/as têm relativizado as teorias do mercado e da economia religiosa, como Duarte201, Frigerio 202, Jungblut203, Maluf204 e Mariano205. Relativizar tais teorias não as inviabiliza: provavelmente estas possam continuar dando substratos para compreendermos tanto as identidades religiosas de pessoas, quanto de comunidades e instituições. Porém, ao defini-las como neopentecostais ou promotoras de um marketing de guerra santa, por exemplo, pode-se estabelecer, ao mesmo tempo, marcação identitária descritiva e prescritiva, reiterada pela nomeação e imersa num conjunto de relações de poder assujeitadoras. 206 A identidade religiosa, como as demais, é relacional207e marcada pela diferença,208 havendo agenciamento/articulação da elaboração/transição identitária de si e do outro, em fluxo e contrafluxo contínuos. Contudo, as classificações identitárias sobre o outro nem sempre condizem com suas autodeclarações – embora seja fundamental que o/a pesquisador/a leve as autodefinições em conta. Uma possível classificação identitária pode entender sujeitos, comunidades e instituições como caldeirões identitários, nos quais 200

PAEGLE, 2008, pp. 86-99; PAEGLE, 2013; ROSSI, 2011; MARTINO, 2003. DUARTE, 1983. 202 FRIGERIO, 2008, pp. 17-39. 203 JUNGBLUT, 2012a, pp. 11-22. 204 MALUF, 2011, pp. 5-14. 205 MARIANO, 2008, pp. 41-66. 206 Judith Butler comenta sobre a elaboração subjetiva a partir do assujeitamento, fundamentada em autores como Foucault, Freud, Lacan, Althusser, Hegel e Nietzche, e estabelece uma grade de análise sobre nossa emersão como sujeitos a partir das relações de poder, original e simultaneamente assujeitadoras e marcadas pela vulnerabilidade primária – carregando possibilidades de resistências criadoras em relação à norma serializante da dominação (BUTLER, 1997). Para Butler, reiterações produzem diferenças hierarquizantes entre sujeitos, e nomear é convocar, exercendo efeito não só descritivo, mas prescritivo (BUTLER, 2011). 207 Sobre a relação com o outro, ver Vida precária, de Butler (2011). 208 A  identidade  costuma  ser  concebida  como  aquilo  que  o  sujeito  “é”,  de  modo  fixo  e  essencialista.  Para Tomaz Tadeu da Silva, identidade e diferença são indissociáveis (SILVA, 2000). Ambas são articuladas a partir das declarações reiterativas, que demarcam fronteiras entre os/as que pertencem e os/as que não pertencem, classificando e hierarquizando sujeitos. Stuart Hall também entende que a diferença constitui a identidade através de  operações  como  “eu/ele”,  nas  quais  a  exclusão  constitui  a  unidade  da  identidade,  resultando  em  determinações   classificatórias e hierarquizantes entre os pólos (HALL, 2000). 201

67

expressões, impressões, identificações e declarações – próprias e alheias – sofrem processo de (des/re) aquecimento a partir de contexto relacional, em que identidades e identificações são derretidas, resfriadas, solidificadas, fragmentadas – derretidas de novo –, em constante processo de adaptação e amoldamento. 209

Pensar em derretimento identitário implica na provisoriedade/efemeridade/transitoriedade da identidade – num processo de (re) elaboração, (des/re) construção, sem sentido fixo. Podemos indagar: existe uma   identidade,   ou   esta   é   “imaginada”,   sempre   em   demanda,   mas   nunca atingida? Provavelmente as ideias de Michel Agier,  de  “que  toda  declaração  identitária, tanto individual quanto coletiva, é múltipla, inacabada, instável, sempre experimentada mais como   uma   busca   que   como   um   fato”,210 e de Pierre Sanchis,   de   identidade   como   “o   que   o   sujeito pretende ser, aos olhos dos outros e a seus próprios olhos, eventualmente até o que ele se  esforça  para  se  persuadir  que  ele  é”,211 possam suscitar reflexões a respeito.212 Classificações como a de identidade – bem como as anteriores – ainda que tenham fins heurísticos e pedagógicos, podem ser entendidas sob rasura:213 utilizadas, ainda que a partir

209

MARANHÃO Fº, 2012b. Trabalhei, neste texto, com o conceito de entre-gêneros, para pensar distintos trânsitos de gênero. 210 AGIER, 2001, p. 10. 211 SANCHIS, 1999, p. 62. 212 É possível pensarmos ainda que cada indivíduo possua diferentes identidades, como aponta Sherry Turkle ao comentar  sobre  a  interação  com  o  universo  online:  “cada  vez  mais,  vivemos  em  um  mundo  no  qual  você  acorda   como amante, toma café da manhã como mãe e dirige seu carro para o trabalho como advogada. Em um mesmo dia, as pessoas passam por transições   drásticas,   e   é   evidente   que   desempenham   múltiplas   funções   (…).   Na   Internet, você se vê atuando em sete janelas abertas na tela, assumindo literalmente diferentes personalidades em cada uma dessas sete janelas, tendo todos os tipos de relacionamentos, alternando e desempenhando todas estas funções simultaneamente, deixando partes de si mesmo nessas diferentes janelas, nos programas que escreveu e que o representam enquanto você está em outra janela. Sua identidade é distribuída em uma série de janelas. Cada vez mais, a vida na tela também oferece uma janela para o que somos na vida fora da tela: somos pessoas que alternamos aspectos do eu (TURKLE, 1997, p. 264). A respeito de diversas concepções sobre a jornada identitária no ciberespaço, Jungblut considera   que   o   turismo   virtual   (Cardoso,   1998),   “acaba   por   se   constituir   num   tipo   de   exercício de curiosidade, de observação do outro, que não deixa de ser natural nestes tempos em que a globalização acelerada em quase todas as esferas sociais torna a todos tão avizinhados. Este exercício, outrossim, parece favorecer algo como uma intensa reflexividade identitária do  indivíduo   em   “viagem”  no     ciberespaço,   já   que pressupõe o exame contrastivo e necessariamente algum tipo de ponderação sobre as alteridades identitárias com que se depara. Em função disso a identidade deste turista ou viajante virtual está sempre, e muito mais intensamente do que no mundo offline, condenada à perpétua reconstrução (JUNGBLUT, 2013, no prelo). Lembrando a concepção supracitada de Agier,   Luis   Baggiolini   diz   que   “o   nomadismo   da   rede   e   o   modo   de   construir subjetividades no ciberespaço se parecem mais a uma identidade baseada na possibilidade, no poder ser, que  na  diferença  e  no  dever  ser.  A  ‘construção  de  si’  deixa  de  ser  opositiva  e  disjuntiva (este ou aquele), e se funda nas possíveis conjunções (este e aquele), o que permite a constituição de identidades simultâneas, em contínuo movimento  de  reconstrução”  (BAGGIOLINI,  1997).  Creio  que  a  pespectiva  de  Baggiolini  seja  válida  não  só  para o   “ciberespaço”,   mas   para  ambos   os   espaços,   o   “off”   e   o   “on”.   Podemos   entender   estes   espaços   – ao menos na maior parte do tempo em que se está no ciberespaço – como conjugados, como on+offline, procurando superar a dicotomia  entre  “o  que  está  dentro  ou  fora”,  ou  no  caso,  “ligado  e  desligado”. 213 Hall, retomando Derrida, argumenta que o sinal de rasura (X), indica uma escrita dupla na qual o conceitochave surge como mediador da inversão e da emergência – a identidade sob rasura demonstra a provisoriedade

68

de uma (des/re) construção e (des/re) articulação. 214 Sendo assim, o que proponho é pensar nos conceitos a contrapelo – a partir de sua precariedade e transitoriedade. As paisagens pelas quais a BDN e seus/suas integrantes transitam podem ser entendidas a partir da noção de entre-lugares proposta por Bhabha. O entre-lugar seria um espaço de trânsito cruzado  pelo  tempo  e  caracterizado  pela  produção  de  “figuras  complexas  de  diferença   e identidade, passado e presente, interior e exterior, inclusão  e  exclusão”.215 É na emergência dos interstícios – a sobreposição e o deslocamento de domínios da diferença – que as experiências intersubjetivas e coletivas de nação (nationness), o interesse comunitário ou o valor cultural são negociados. De que modo se formam sujeitos   nos   ‘entre-lugares’,   nos   excedentes   da   soma   das   ‘partes’   da   diferença   (geralmente expressas como raça/classe/gênero etc.)? 216

Os entre-lugares são espaços de subjetivação nos quais podemos identificar diferentes instabilidades, sincretismos, deslocamentos, assujeitamentos, giros e agenciamentos identitários realizados na relação com o/a outro/a. A ideia de entre-lugares inspira refletir outras situações subjetivas relacionadas a estar entre:   as   próprias   “identidades”   religiosas   podem ser entendidas a partir da instabilidade dos entre-lugares e através das múltiplas mesclas entre trânsitos e bricolagens. A   “identidade”   da   BDN   é   caracterizada   pela   aparente   ambiguidade entre um discurso derretido, flexível em relação a usos e costumes, e um congelado, marcado pelo fundamentalismo, e refletida nos diferentes policiamentos em relação à sexualidade, afetividade e papéis de gênero,217 nas apropriações e significações em relação ao corpo e ao esporte218 e no uso das teologias do domínio, cura/libertação, saúde perfeita, prosperidade 219 e batalha espiritual. 220

deste conceito, na qual a forma original não é mais suficiente para ser pensada. Entretanto, com a não superação dialética do conceito e sua não substituição por um diferente, este continua sendo refletido, ainda que sob perspectiva desconstrucionista, de modo diferente da forma original (HALL, 2000). Maluf pensa, a partir das identidades sob rasura, na transitoriedade de sujeitos sob rasura: não há mais sujeitos, mas posições de sujeito, bem como não há mais identidades, mas pontos de apego temporário (MALUF, mimeografado). 214 O problema da (des) classificação está na (re) classificação de conceitos sem a ciência de que todas (ou quase todas) classificações são (mais, ou menos) frágeis. Do mesmo modo, é relevante perceber as situações e relações de transitoriedade que constituem e envolvem – em maior ou menor medida – pesquisas, pesquisados/as e pesquisadores/as. 215 BHABHA, 1998, p. 19. 216 Idem, 1998, p. 20. 217 MARANHÃO Fº, 2009d, pp. 147-169; 2012h, pp. 81-106. 218 Idem, 2010e, pp. 35-52.

69

Sujeitos em trânsitos, como os/as participantes da BDN ou nós mesmos/as, podem ser identificados a partir de bricolagens e composições subjetivas operadas através de elementos supostamente dicotômicos e conflitantes. A metáfora do ciborgue, proposta por Donna Haraway, pode ser útil para refletirmos sobre estas dicotomias. O ciborgue, para a mesma, é uma mistura entre pessoa e máquina: não é nem só uma coisa, nem somente a outra.221 Tal metáfora simboliza o esforço da autora em (re)pensar e (des)construir alguns dualismos hierarquizantes.222 Dentre estes, podemos pensar em abençoado/amaldiçoado, ungido/não ungido, de Deus/do mundo-do Diabo, salvo/não salvo-perdido-danado. Outros autores que propõem (re)pensar a (in)adequação dos dualismos são Stewart M. Hoover e   Nabil   Echchaibi.   Polaridades   consideradas   “primeiros”   e   “segundos”   espaços   como   “corporeidade”  e  ”virtualidade”,  “conhecimento”  e  “prática”,  “indivíduo”  e  “comunidade”  são   relativizadas por eles   a   partir   do   conceito   de   “terceiros espaços”,223 que dá vistas a um inbetween-ness e a um third-ness,224 algo além das duas esferas. Em relação à religião, temos também a intenção de apontar para algum lugar além das instituições (igrejas, mesquitas, denominações, grupos religiosos) como primeiro espaço e prática individual como segundo espaço. Como estamos pensando em processos de mediação tecnológica, também pode significar que o digital permite um terceiro

219

Ibidem, 2011a, p. 1-19. Ibidem, 2012d, pp. 234-272. 221 Os entre-lugares e a metáfora do ciborgue são úteis para pensarmos em sujeitos, coletivos e instiuições que se utilizam do ciberespaço (ou seja, praticamente todo o mundo de hoje em dia): estariam todos entre o online e o offline? Ou estariam (ao menos em parte do tempo) simultaneamente online e offline? Qualquer que seja a resposta (se é que haja uma), proponho que pensemos nas imbricações entre as ideias de estar entre e das simultaneidades e ciborguismos. 222 Como Haraway explica, certos dualismos têm persistido na cultura ocidental e sido essenciais na lógica e prática da dominação sobre mulheres, negros/as, trabalhadores/as, animais, enfim, a todas/os que foram constituídos/as como o outro/a outra e cuja tarefa consiste em espelhar o eu, o/a dominante. Para a autora, o eu “é  o  Um  que  não  é  dominado,  que  sabe  isso  por  meio  do  trabalho  do  outro;;  o  outro  é  o  um  que  carrega  o  futuro,   que sabe isso por meio da experiência da dominação, a qual desmente a autonomia do eu. Ser o Um é ser autônomo, ser poderoso, ser Deus; mas ser o Um é ser uma ilusão e, assim, estar envolvido numa dialética de apocalipse  com  o  outro”.  De  outro  modo,  “ser  o  outro  é  ser  múltiplo,  sem  fronteira  clara,  borrado,  insubstancial”   (HARAWAY, 2013, p. 91). Tal ideia pode ser dialogada com Butler e outras/os autores/as da teoria queer. Haraway exemplifica alguns dualismos: eu/outro, mente/corpo, cultura/natureza, macho/fêmea, civilizado/primitivo, realidade/aparência, todo/parte, agente/instrumento, o que faz/o que é feito, ativo/passivo, certo/errado, verdade/ilusão, total/parcial, Deus/homem (idem, 2013, p. 91). Como se observa, tais dicotomias são   elencadas   hierarquicamente   e   os   referentes   considerados   “superiores”   são   os   primeiros   a   serem   referidos.   Podemos adensar, a tais termos, heterossexual/homossexual, homem/mulher, e ainda, cisgênero/entre-gêneros (MARANHÃO Fº, 2012b). 223 Conceito utilizado por diversos/as autores/as anteriormente, dentre eles Bhabha. 224 O termo in-between, utilizado por Bhabha em O Local da Cultura, é traduzido por entre-lugar pelas tradutoras da obra, Myrian Ávila, Eliana Lourenço Reis e Gláucia Gonçalves (BHABHA, 1998). 220

70

espaço além do primeiro espaço de legado midiático e o segundo espaço de articulação e ação inteiramente individual e solipsista.225

A noção de espaços, para os autores, é algo entre o físico e o conceitual226 e caracterizados especialmente pela mescla entre hibridismo e fluidez. 227 São espaços in-between, e  “existem   entre o privado e o público, entre a instituição e o indivíduo, entre autoridade e autonomia individual, entre grandes enquadramentos de mídia e individual "pró-consumo", entre local e translocal,   etc”.228 Pensar tais hibridismos me conduz a indagar: estamos mesmo online ou offline? Ou em muitos momentos, o que acontece é a interatuação off+online? (Re)pensar e (re)conhecer a (in)viabilidade do uso de polaridades deve se estender, por exemplo, a muitos dos  trabalhos  acadêmicos  sobre  o  “neopentecostalismo”  – termo pelo qual a BDN costuma ser entendida. Este, em muitos casos é definido como uma  espécie  de  “eixo   do  mal”,  reduzindo  tudo  à  questão  econômica  e  deixando  de  relevar  o  sentido  religioso  dos/as   fiéis. Afinal, tudo em uma agência como a BDN se resume à busca de satisfação rápida de interesses tanto por parte de fiéis como de líderes? A BDN gira (apenas) em torno da chamada teologia da prosperidade (e das demais supracitadas)? 225

“We also intend to point to somewhere beyond institutions (churches, mosques, denominations, faith groups) as the first space and individual practice as the second space. As we are thinking about processes of technological mediation, we might also mean that the digital enables a third space beyond the first space of legacy media and the second space of entirely individual   and   solipsistic   articulation   and   action”   (HOOVER,   ECHCHAIBI, no prelo). 226 Hoover   e   Echchaibi   tem   Bhabha   como   um   de   seus   fundamentos:   “ao   invés   de   projetar   uma   imagem   do   colonizado como sujeito cúmplice ou resistente, os terceiros espaços de Bhabha sugerem uma subjetividade ambivalente que é um processo de flutuação entre as duas posições. A partir desta localização, significados prescritos  sobre  tanto  colonial  quanto  colonizado  são  revisados  e  um  terceiro  local  de  enunciação  é  introduzido”   (“rather   than projecting an image of the colonized as a complicit or resistant subject,"third spaces" suggest an ambivalent subjectivity which is a fluctuating process between the two positions. From this location, prescribed meanings about both the colonial and the colonized  are  revised  and  a  third  location  of  enunciation  is  introduced”   (HOOVER, ECHCHAIBI, 2013, no prelo). Bhabha comentou sobre os terceiros espaços em entrevista de 1990. 227 “Their   hybridity   and   fluidity   are   both   features   that   define   them   and   characteristics and gestures that value them   for   their   participants”   (HOOVER,   ECHCHAIBI,   2013,   no   prelo).   Para os autores, pensar hibridismos e fluidez é tributário das ideias de Bhabha a respeito dos terceiros espaços. 228 “They  exist  between  private  and  public,  between institution and individual, between authority and individual autonomy, between large media framings and individual "pro-sumption,"  between  local  and  translocal,  etc”.  os   autores  pensam  os  terceiros  espaços  também  alocados  à  religião  digital,  e  estes  “são fluidamente limitados. Os limites são importantes, mas estão sujeitos a um constante processo de negociação. Os terceiros espaços da religião digital são interativos e portanto "co-geradores". Suas "comunidades" de interesse comum e propósito produzem ideias e geram ações que são realizadas em ambos os contextos online e offline. Terceiros espaços digitais dependem assim, e ajudam a criar, subjetividades de autonomia por meio do engajamento reflexivo mais ou menos constante em que seus participantes são "saudados"”   (“digital   third   spaces   of   religion   are   fluidly   bounded. Boundaries are important, but they are subject to a constant process of negotiation. Digital third spaces of religion are interactive and thus "co-generative." Their "communities" of shared interest and purpose produce ideas and generate action that are realized in both online and offline contexts. Digital third spaces thus depend on, and help create, subjectivities of autonomy through the more-or-less constant reflexive engagement into which  their  participants  are  "hailed"”)  (HOOVER,  ECHCHAIBI,  2013,  no  prelo).   A expressão pro-sumo, dos autores, dá vista ao hibridismo entre produção e consumo.

71

Sabemos que em agências como a BDN operam fortemente teologias como a da prosperidade, o que pode ser perceptível na profusão de termos utilizados pelas/os fiéis relacionados à benção e vitória sobre adversários/as deste e do outro mundo. Para tais crentes, nem sempre a ênfase está no que se dá à igreja, mas no que se recebe de Deus. É de se perguntar: Os/as líderes da BDN estão preocupados/as em elevar os rendimentos econômicos da igreja ou em ganhar almas prá Jesus? Os/as fiéis aguardam pelo sucesso aqui e agora ou por mansões celestiais? Uma coisa inviabilizaria a outra? Pensar   a   “identidade”   na   (da) BDN depende do esforço de não cair em dicotomias como demandas espirituais/comerciais, igreja/empresa. Provavelmente a BDN 229 esteja entre estes dois lugares e seja simultaneamente as duas coisas: tenha um pouco de igreja e um tanto de firma, e interesses financeiros e religiosos coabitem. Atentar a possíveis (re)produções de dicotomias é fundamental ao se pesquisar/ler trabalhos sobre religiões e/ou religiosidades. Deste modo, é relevante colocarmos todo o conhecimento lido e produzido em suspensão – e suspeição – a começar por este livro, que não pretende explicar tal agência em sua completude de deslocamentos subjetivos. Um bom método de trabalho talvez esteja em (con)testar o que observamos em nossas próprias pesquisas e nas alheias. Caso   possamos   falar   em   uma   “identidade   institucional”   da   BDN,   esta   talvez   se   caracterize   pelo trânsito e/ou bricolagem entre mídia e espetáculo. A BDN se desloca por paisagens em movimento, muitas delas no ciberespaço. Seu portal na (da) internet, carro-chefe da agência, transporta o/a fiel a diversos outros sites da mesma e o/a conduz a discursos e mercadorias. Na BDN muitas pessoas transitam entre o (supostamente) consentido e o (supostamente) marginal, entre o (supostamente) conservador e o (supostamente) inovador – como a própria agência. Mas afinal, o que a BDN oferece às pessoas que a buscam? Ou ainda, quem é a BDN?230

229

Pensar  a  BDN  como  “instituição”  não  implica  em  retirar  a  “pessoalidade”  da  mesma.  A  mesma  é   “feita”  a   partir dos agenciamentos e interatuações de indivíduos e de coletivos. Assim, não há uma marcação ou distinção clara  entre  “instituição”  e  “indivíduo”  – ainda que pareça existir. Simultaneamente, a BDN – por si mesma – em seu  caráter  “não-humano”, pode ser pensada como dotada de agência própria, independente dos agenciamentos “humanos”.     230 Ao perguntar quem é a BDN e não o que é a BDN, penso na mesma formada por agências humanas e não humanas. No primeiro sentido, a BDN tem agência por ser formada por pessoas (líderes e adeptos/as) que possuem capacidade de articular suas ações; no segundo, ela tem agência por si mesma, sendo capaz de produzir

72

ações independentemente das articulações humanas. Tal concepção é signatária das ideias de Latour (2008) sobre agência humana e não humana, referidas anteriormente.

73

C

apítulo 2: “De um floquinho de neve a uma avalanche”

A

BDN foi criada em São Paulo, 1999, por Rinaldo Luiz de Seixas Pereira – carinhosamente chamado de Apóstolo Rina ou Apê Rina por seus/suas fiéis –, formado em propaganda e marketing, pós-graduado em administração e surfista

(figuras 9 e 10). Tais características biográficas sinalizam para os modos como esta agência é gerida e sobre um de seus públicos-alvo, a galera do surfe.

Figuras 9 e 10: Rinaldo Seixas, fundador e líder da BDN,231 perfil do Apê Rina no FB232

O público inicial da BDN era formado majoritariamente por pessoas de 12 a 35 anos, de classe média-alta, praticantes de surfe e skate, fãs de gêneros poético-musicais como o rock n’  roll e o reggae, moradoras ou frequentadoras de cidades litorâneas e urbanas. Entretanto, graças à intensa midiatização sofrida, este público ampliou, e como é exposto no portal da  agência,  “a   Bola  de  Neve,  na  direção  de  Deus,  ia  rolando  e  cumprindo  seu  papel”. 233

231

Os novos pastores. Disponível em: . Acesso em: 18 jun. 2012. Ap Rina Oficial. Disponível em: https://www.facebook.com/Ap.RinaOficial. Acesso em: 20 jul. 2013. O perfil público de Rina traz fotos de diversos lugares do exterior em que esteve. Dentre os comentários sobre a foto de capa do perfil,  em  que  aparecem  montanhas  congeladas,  um  fiel  postou:  “Ap.  Rina,  vamos  andar  de  Snowboard   nas montanhas japonesas, borá lá?”   – apontando para o nível socioeconômico de parte do público da agência. Para conferir o prestígio do mesmo junto a seus/suas fãs, é só observar a parte inferior do perfil, com 147 mil curtidas até julho de 2013. 233 Quem Somos. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2012. 232

74

Sobre   tal   crescimento,   Cristiane   Segatto   comentou   que   de   2001   a   2003   a   BDN   “cresceu   1.110%”  e  o  “número  de  membros  da  igreja  pulou  de  250  para  3  mil  em  todo  o  país”.234 Esta expansão, entretanto, não foi mantida, como me explicou um líder da igreja:   “até   o   ano   de   2008 o Bola235 cresceu demais, no Brasil e lá fora. Mas tem sido difícil manter o crescimento, pois a igreja deixou de ser novidade e tem a concorrência de outras. Em Floripa tem as que trabalham  com  surfistas  e  quase  todas  com  o  público  jovem”.  Para Biga, a BDN tem muito a crescer, ao menos no Paraná: De repente você pode até estar achando loucura. Mas nós estamos 7 anos no Paraná e já chegamos em 40 igrejas. Daqui prá frente, de 2011 prá frente, em 10 anos a gente quer estar em todas as cidades. Mas nós sabemos que há cidades que não cabem igrejas, cabem só núcleos ou células. Então se você está numa cidade destas, de repente você é o porta-voz, você é a porta que Deus vai abrir prá gente entrar.236

A expansão da BDN sinaliza para o próprio crescimento do mercado evangélico e para um provável planejamento de marketing, com a análise do mercado e respectiva identificação do ciclo de vida do setor. Rina, por ter feito parte da liderança da Renascer, agência cujo público segmentado principal também é o “jovem”, 237 acumulou conhecimento suficiente sobre este setor para planejar seu empreendimento e fazer dele um sucesso. Um marcador deste êxito está na aquisição (através de compra ou de aluguel) de pontos urbanos estratégicos para sediarem as unidades da BDN. A BDNF encontra-se atualmente238 em espaço de uma antiga 234

SEGATTO, 2009. Apesar da palavra Bola ser do gênero feminino, assim como a palavra igreja, a maioria dos/as frequentadores/as da BDN referem-se à mesma no masculino: o Bola de Neve. Para alguns/mas fiéis, o masculino se refere a ministério e não igreja. Um frequentador explicou-me que o Bola era referente ao apóstolo Rina:  “a  galera  do Bola é a galera do Rina”.  Outro  fiel  falou:  “é  claro  que  o  Apê  é  o Bola. O Apê é o Bolinha que eu  amo.  É  o  meu  pai  na  fé.  Meu  e  de  toda  a  galera  daqui”. Em tais explicações Bola funciona como apelido e sinônimo do apóstolo. Há uma clara associação do líder com a instituição, de modo similar ao que ocorre quando se pensa na Universal ou Mundial e se relaciona as mesmas a Macedo e Santiago, respectivamente. 236 Biga   complementa   dizendo   “O   que   você   precisa   fazer?   Mandar   um   email   pro   [email protected], dizer sobre isto. Moro na cidade tal, ou conheço alguém da cidade tal que precisa e quando vocês vão chegar, e é dependendo destas pessoas que nós vamos estar entrando. Nós estamos com núcleos nos cinco cantos da cidade e do estado, a gente tem núcleos grandes que estão se preocupando com esta expansão no litoral, na região metropolitana de Curitiba, Campos Gerais, região oeste e na região norte (...) Será   uma   honra   receber   seu   email   e   de   repente   entrar   em   sua   cidade   através   de   você.   Vai   ser   uma   benção”.   Entrevista com o pr. Bigardi do Bola de Neve Curitiba. Disponível em: .http://www.youtube.com/watch?v=FXQkvPeotBs>. Acesso em: 20 jul. 2013. 237 Sobre o conceito de geração, Ana Lúcia de Castro  diz  que  ele   “não  se  refere  às  pessoas  que   compartilham  a   idade, mas que vivenciaram determinados  eventos  que  definem  trajetórias  passadas  e  futuras”  (CASTRO,  2007,  p.   20), e Denise Bernuzzi  de  Sant’Anna,  que  “a  corrida  rumo  à  juventude  é  hoje  uma maratona que alcança jovens e idosos de diversas classes sociais, mas estes não conseguem ver o pódio, porque se trata de uma corrida infinita. Ignoram quem compete com quem, talvez porque a principal competição se passe dentro de cada um, entre o corpo  que  se  é  e  o  ideal  de  boa  forma  com  que  se  sonha”  (SANT’ANNA,  2001a, p. 70). 238 A primeira unidade da BDN estava situada na rua Marco Aurélio, 496,  na  Lapa.  O  primeiro  culto  “oficial”  da   igreja ocorreu em 6 de janeiro de 2000, mas a mesma costuma referir sua fundação no ano anterior – inclusive 235

75

casa de shows, o Mecenas Bar, assim como a BDNSP tem o antigo Olympia como nova base de operações – daí a mesma também ser chamada de Bola de Neve Olympia. 239 Como vemos no cartaz que anuncia a inauguração da nova BDNSP, há a representação de uma onda, que transporta à identidade da igreja (figura 11).

Figuras 11 e 12: Nova BDNSP (Bola Olympia),240 inauguração241

Identidade derretida e mito fundador Ainda que o público da BDN tenha se tornado mais heterogêneo, o surfe segue como um dos elementos que visam dar  “identidade”  – entendida aqui como móvel, flexível, fluida, derretida – à igreja. Um exemplo está na decoração da maioria de suas unidades, que faz referências a este esporte, tendo como centro a utilização de surfboards como púlpitos (figuras 13 a 15).

em algumas roupas que vende em suas Lojinhas da Bola, com o slogan, logotipo e inscrição since 1999. A segunda sede esteve localizada na rua Turiassu, 734, em Perdizes, também São Paulo, até a mudança para a Bola de Neve Olympia, também na Lapa, em 17 de abril de 2010. 239 Além das reuniões regulares da igreja, a BDN Olympia recebe eventualmente atividades externas como a gravação em DVD do espetáculo O Jardim do Inimigo, da Cia. de Teatro Jeová Nissi, em 2011. 240 Nova Bola de Neve Olympia. Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2012. Como me explicaram fiéis que estiveram na inauguração, havia entre seis e sete mil pessoas presentes, muitas vindas em ônibus fretados de outras unidades da BDN, inclusive de outros estados. No evento participaram políticos como Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, e os deputados evangélicos Vaz de Lima e Fernando Capez (este é membro da BDNSP) – o que indicia a comunhão entre BDN e política (figura 12). 241 Deputado participa do primeiro culto da Bola de Neve Olympia. Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2012.

76

Figuras 13 a 15: Surfboards como púlpitos na (da) BDN242

Este referente identitário de igreja de surfistas persiste atravessado por tensões e negociações relativas às tentativas de atração de um público mais heterogêneo – e de adaptação a este. Tal representação identitária é apresentada por Rina: ...E agora, o culto vai começar, o salão está lotado, onde eu apoio a minha Bíblia? Uma empresa de surf também vende pranchas e uma delas, um longboard, que acabou virando púlpito por falta de lugar para colocar a Bíblia, ajudando a compor a identidade da Igreja.243

O uso da surfboard para dar suporte à Bíblia faz parte das representações que visam dar identidade à mesma, oferecendo pistas de seu mito fundante.244 A continuidade do uso da prancha de surfe ocorre como representação objetal245 ou símbolo autorizado, fazendo parte das condições capazes de conferir eficácia ao  ritual,  e  que   “somente  podem  ser   logradas  por   uma   instituição  investida  do  poder  de  controlar  a  manipulação  dessas   mesmas  condições”.246 Estas criam um reconhecimento por parte da/o fiel – capital simbólico247 – revestindo o rito e o discurso de eficácia performativa248 e auxiliando na confirmação da autoridade da agência e

242

Bola de Neve Church Oficial. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2013. Fotos da igreja Bola de Neve. Disponível em: . Acesso em: 19 jun. 2012. Na primeira foto, pastor Digão, da BDNF, em uma das unidades da BDN em que costuma pregar. Na segunda, o Apê Rina na antiga sede, na Turiassu e na terceira, o mesmo na inauguração da nova sede, no antigo Olympia. 243 Quem Somos. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2012. 244 A expressão mito fundante é de Marilena Chauí, 2000. Abordarei o assunto nas próximas páginas. 245 BOURDIEU, 1996, p. 107. 246 Idem, 1996, p. 93. 247 Ibidem, 1996, passim. 248 Ibidem, 1996, p. 82.

77

de seus/suas líderes.   Assim,   “a   eficácia   simbólica   dos   símbolos   religiosos”,   a   surfboard   no   caso,  acaba  por  “reforçar  a  crença  coletiva  em  sua  eficácia”.249 Sobre o nome e o público segmentado da agência, Rina comenta: Bola de Neve é porque eu sabia que seria uma coisa que cresceria. Church porque era como os primeiros frequentadores, esportistas que costumam usar muitas palavras em inglês, chamavam carinhosamente o templo. Acabei incorporando. 250

A originalidade na escolha de nomes de igrejas encontra consonância num mercado religioso fervilhante de alternativas, no qual as agências procuram se destacar de formas variadas. Dentre tais nomes, destacam-se Associação Evangélica Fiel Até Debaixo D’Água,   Igreja   Evangélica de Abominação à Vida Torta, Igreja Pentecostal do Pastor Sassá, Igreja Evangélica Florzinha de Jesus, Igreja Pentecostal Jesus Vem Você Fica, Igreja Evangélica Pentecostal Cuspe de Cristo, Igreja Automotiva do Fogo Sagrado, Igreja Batista A Paz do Senhor e Anti-Globo, Assembleia de Deus do Pai, do Filho e do Espírito Santo, Igreja Palma da Mão de Cristo e Igreja Cristo é Show.251 A escolha da denominação sugere uma ação de marketing na qual o sucesso da instituição passa pela adequação do nome a determinados nichos mercadológicos – no caso da BDN, a jovens surfistas e skatistas –, funcionando na atração deste público e no agenciamento/consolidação da marca da agência no mercado religioso/secular. Entretanto, a identificação da surfboard como símbolo da igreja, apresentada pelo Apê Rina, ocorre envolta em negociações e tensões, percebidas em narrativas de outros/as líderes da agência. Para o presbítero André, da BDNF, Botar uma prancha no púlpito aqui pra falar o que? A maioria aí pega onda? Não pega, né. Quem pega onda aqui, levanta a mão. São poucos. Prá quem anda de skate? Prá pegar galera? Sabe por que esta prancha continua aqui? Sabe por que que Deus permite que esta prancha continue aqui ainda? Deus deu esta revelação pro Pastor Ivens.252 Por que num culto lá em São Paulo, o Rina chegou e queria trocar  a  prancha,  porque  a  prancha  tava  velha,  tava  com  uns  “teco”,  tava  quebrada,   amassada,  e  o  Senhor  falou  prá  ele  assim:  “não  troca  a  prancha,  deixa  esta  prancha   aí”.   E   o   Ivens   orando,   Deus revelou pra ele o porque. É porque, quando a igreja 249

BOURDIEU, 1992, p.70. PEREIRA, LINHARES, 2006. 251 MAZZARELLI, FERNANDES, 2009. 252 Pastor da BDN da cidade de Laguna, Santa Catarina. 250

78

começou, se começou com uma prancha de surfe, porque não tinha púlpito. Então o que que Deus quer mostrar pra gente? Porque a igreja cresceu, a igreja evoluiu. (...) Deus quer que esta prancha fique aqui para que eu e você sempre que nós venhamos a olhar pra esta prancha, nós venhamos a nos lembrar das primeiras obras, dos primeiros momentos. Onde este ministério começou, onde eu e você, não sabíamos o que fazer. Onde eu e você, estávamos totalmente dependentes de Deus, dependentes do Espírito Santo. Então todas as vezes que você olhar pra esta prancha, você vai lembrar: começou de uma maneira humilde, simples, então, o que que eu faço? Eu volto às primeiras obras, eu volto ao primeiro amor.253

Nesta pregação de 2008, André procura justificar a persistência da prancha de surfe no altar da agência, provavelmente detectando a obsolescência deste símbolo, em razão da ampliação do público da mesma. A surfboard seria identificada como objeto cúltico de eficácia simbólica restrita, vista por alguns como folclórica, como escutei de uma fiel da agência. Através da retomada de minhas pesquisas na BDNF em 2012 identifiquei que, com a mudança da sede do bairro Rio Tavares, próximo à praia do Campeche, para a Trindade, bairro onde se situa a UFSC, o perfil do público e a identidade visual da agência mudaram. Se, até 2010, o perfil do público era composto por jovens de 12 a 35 anos, que se vestiam com tendências de moda surf e skate wear254, em 2012, o perfil estético de líderes e fiéis parece ter mudado, ao menos em unidades como a BDNF, em que a maioria dos homens têm trajado calças, tênis ou sapatos e camisas curtas ou compridas xadrezes. As mulheres, por sua vez, têm se vestido de modo mais formal em relação ao período de minha observação anterior, calçando sapatos e vestindo calças jeans ou sociais e blusas. Segundo a narrativa de um fiel, a Bola mudou nestes dois anos, afinal, a gente tá amadurecendo. Até algum tempo nossa preocupação era pegar onda, era ficar no half pipe. Agora a maioria de nós tem mulher, tem filhos, tem responsabilidades. Não dá prá ficar vindo mais de chinelão, regata e bermudão do surfe.

Indagado se a mudança estética trazia relações com um novo público-alvo, os/as estudantes da UFSC, o mesmo argumentou: tem. Imagina se a gente vem todo no estilo do surfe, aqui do lado da UFSC. Não pega bem né? Se a gente não se adaptar ao público que está aqui perto, não vai 253 254

PRESBÍTERO ANDRÉ, 2008. MARANHÃO Fº, 2010e.

79

chamar a galera, não vai atrair ninguém. E o Bola veio prá Trindade por que? Porque Deus deu esta missão prá gente, através de uma visão do Apóstolo Rina. Nossa missão é conquistar a UFSC.

Tal narrativa dá mostras do esforço da BDNF em atrair um novo nicho mercadológico, os/as universitários/as da UFSC. Este esforço é feito concomitante às atividades da Célula UFSC da BDN, fundada em setembro de 2012 e associada à participação do ministério Bola Running (BR) e do conjunto de evangelismo Ide255 em torneio de corrida da UFSC em dezembro de 2012. Entretanto, tais estudantes não consistem em um único público-alvo. Como André explicou durante pregação, A maioria da galera que veio prá Floripa e tá na igreja veio prá pegar onda, não veio? Mas tem gente que tá com teia de aranha na prancha. Vamos fazer um trabalho com a galera do surfe da Praia Mole? Temos primeiro que preparar o plano espiritual prá não levar piau. Temos uma missão com os surfistas. O surfe precisa de referências, que somos nós, um canal vivo prá resgatar a galera do surfe. Vamos invadir e conquistar a Praia Mole. Temos de conquistar esta galera prá Jesus! Vamos pegar onda junto e se precisar a gente já batiza uns ali dentro da água mesmo!256

Em janeiro de 2013, a BDNF (re)iniciou o evangelismo da Praia Mole, com atividades do ministério Bola Running (BR), da Célula da Praia Mole e do conjunto de evangelismo – demonstrando a preocupação da agência em conquistar novas fatias do mercado ao mesmo tempo em que mantém / (re)conquista o público que fez dela uma igreja de surfistas – agora também de universitários/as. O evangelismo na Praia Mole e as atividades na UFSC apresentam o derretimento tanto da identidade quanto do marketing de guerra santa da BDN. Universitários/as, surfistas e skatistas compõem parte dos/as atuais frequentadores/as da BDNF.257

255

Até 08/12/12 o nome do conjunto era Ide, mas por já haver banda registrada com este nome, o grupo encontra-se sem designação. O nome provável seria Oliva Roots. Com a mudança, de certo modo, como comentou  uma  fiel,  “o  Ide  já  foi”. 256 Presbítero André, da BDNF, dando recados antes da pregação Desertos, de Digão. Culto de 19/11/12. Anotações de diário de campo. 257 Outras unidades da BDN possuem públicos segmentados distintos, dependendo de seus contextos espaçotemporais.

80

O público da BDN costuma ser referido pela agência como geração X.  Esta  seria  “uma  Igreja   centrada em Deus, voltada para a X-Generation, com visão missionária, plantando Igrejas como a forma mais eficaz de evangelismo”. 258 André explica este termo: Galera,  “cês”  sabem   o   que   que   é  Geração  X,  na  real? O X é uma incógnita. Isto Deus deu esta revelação ao pastor Ivens, e o pastor Ivens foi bater lá na minha casa (...) Quando você quer achar o X duma questão, que que significa, que você quer achar algo incógnito (...) Esta é a definição do X, ele é uma incógnita. Voltando à geração X. Geração é tudo aquilo que nasceu durante um período e nós, seres humanos, nós tentamos exemplificar as gerações através das décadas, então nós vemos uma geração que teve um marco na década de 50, 60, 70, 80. Só que eu estudando isto aqui, eu reparei que até os anos 80, toda a geração dos jovens, eles tinham uma identidade, eles tinham algo especifico, e eles seguiam líderes, eles tinham uma liderança definida. Eles tinham usos e costumes. Só que a partir da década de 80, tem uma mudança radical, onde entra em cena a nossa geração, a Geração X, onde os jovens são uma incógnita, não existe mais um líder específico. Se você pegar de repente uma época, existiam os hippies, em outra época, existiam outros. Esta geração, ela... ela não tem liderança. E é por isso que o Senhor quer que a gente alcance esta geração. Para que Jesus Cristo venha a ser o líder desta geração. Apresentar prá esta geração um líder, e este líder, Jesus Cristo, ressurreto, vivo, que vive na minha vida, e vive na sua vida. E dentro, agora, do prosseguir, que que eu vou fazer? (...) Plantando igrejas como a forma mais eficaz de evangelismo. Então Deus conta com a minha vida, e com a sua vida, dentro de um chamado, pra você ser um missionário de Deus e plantar igrejas. Cê não ta aqui pra ficar num banco duma igreja. (...) Deus vai te enviar! Cês tão dormindo? Você vai ser enviado! (...) Sua missão aqui não é ficar passeando de carro pra cima e pra baixo e ficar passeando no shopping. E pegar onda. Você é um missionário de Jesus Cristo.259

Como vemos, a geração X é uma geração sem uma liderança pronunciada (esta geração, ela... ela não tem liderança) cuja solução seria o envio dos/as crentes (Deus vai te enviar! Cês tão dormindo? Você vai ser enviado!) ao mundo, ao qual estes apresentariam um líder, Jesus. Ao promover este envio, realizariam os planos e a visão da BDN, que é praticar o evangelismo

258

Quem somos. Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2009. 259 PRESBÍTERO ANDRÉ, 2008.

81

através do plantio de igrejas, contribuindo para a consolidação da mesma no mercado.260 Entretanto, é bom salientar que o termo geração X não costuma ser aplicado à geração que o orador se refere, mas à anterior. A geração X seria formada por pessoas nascidas entre 1960 e 1980, e as nascidas a partir de 1981 fariam parte da geração Y.261 A identidade derretida da BDN passa por tentativas de consolidação – congelamento – provenientes, por exemplo, de seu mito fundante. Este pode ser identificado quando Rina explica ter improvisado a Bíblia sobre uma surfboard durante a primeira reunião da igreja, e se desdobra na associação feita pelo portal entre a criação da BDN e a experiência pessoal de Rina com Deus: A história da Igreja Bola de Neve em São Paulo confunde-se um pouco com a própria história do Apóstolo Rina. Depois de uma hepatite, dores muito fortes e uma experiência pessoal com Deus, nascia uma reunião descompromissada, mas que precisava de um nome. Não demorou para aparecer um que expressasse a realização do sonho, uma Bola de Neve, que começando pequenininha, vira uma avalanche. Isso foi em Dezembro (sic) de 1993. A Bola de Neve, na direção de Deus, ia rolando e cumprindo seu papel (figura 16).262

Figura 16: Histórico da BDN263

Para Aline Durães e Eduardo Refkalefsky, entretanto, tal conversão se ligou a uma overdose: “em   1992,   depois   de   um   conturbado   carnaval,   que   culmina   em uma overdose, o surfista 260

André refere-se ainda às atividades de parte do público da igreja (passeando de carro pra cima e pra baixo e ficar passeando no shopping. E pegar onda), dando pistas sobre o perfil socioeconômico dos/as fiéis. 261 REFKALETSKY, DURÃES, 2007, p. 3. 262 Quem Somos. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2009. 263 Quem Somos. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2009.

82

paulista   Rinaldo   Pereira   fica   internado   em   um   hospital”,   e   “a   experiência   traumática   levou   Rinaldo a associar a cura à ajuda divina e a utilizar o tempo de repouso para ler a Bíblia e se converter   ao   cristianismo”. 264 Em sentido similar, Claiton Cesar e Marcos Stefano argumentam  que  “Rinaldo  Seixas  teria  contado  que,  em  1992,  após  uma  overdose  de  cocaína,   agravada  por  uma  crise  de  hepatite  C,  ficou  cego  e  paralisado  por  alguns  instantes”. De acordo com estes, Rina “pensou  que  fosse  morrer, mas, após uma oração em que entregou sua vida ao Senhor, recuperou-se   milagrosamente”, passando   a   frequentar   a   Renascer   e   montando   “um   ministério para alcançar  jovens  praticantes  de  esportes  radicais” 265 denominado Bola de Neve. Tendo ou não havido overdose o site relaciona a biografia da agência com a de seu criador, construindo um momento original, ou um mito fundante:266 o Apê Rina supera dificuldades através de Deus, o que culmina na fundação da BDN. O esforço de construção identitária da agência se dá do seguinte modo: há o momento de gênese através do surgimento do líder (a história da Igreja Bola de Neve em São Paulo confunde-se um pouco com a própria história do Apóstolo Rina), cuja importância se identifica no uso do termo Apóstolo (em letra maiúscula); em seguida, há uma experiência traumática que o conduziu a Deus (depois de uma hepatite, dores muito fortes e uma experiência pessoal com Deus), identificando a passagem de dor a presença divina; há a instituição de um marco inicial (nascia uma reunião descompromissada, mas que precisava de um nome), a instauração de um nome (não demorou para aparecer um que expressasse a realização do sonho, uma Bola de Neve) e a missão a qual estaria destinada, a de intenso crescimento (que começando pequenininha, vira uma avalanche). Segue o momento temporal (isso foi em Dezembro de 1993), fechando com a corroboração da voz autorizada máxima, a de Deus (a Bola de Neve, na direção de Deus, ia rolando e cumprindo seu papel). As palavras de André, referidas anteriormente, também apontam e reforçam o mito fundante da BDN, o do começo de forma humilde e aproximada de Deus (eu e você, estávamos totalmente dependentes de Deus), detectam a diminuição dos/as surfistas na igreja (quem pega onda aqui, levanta a mão. São poucos), a mudança de público (a igreja cresceu, a igreja evoluiu), identificam o viés evangelístico – ou mercadológico – da prancha (prá pegar galera?) e a revelação a um pastor (Deus quer que esta prancha fique aqui para que eu e você 264

REFKALEFSKY; DURÃES, 2007, p. 1. CESAR, STEFANO, 2009. 266 CHAUÍ,  2000.  Para  a  autora,  o  mito  fundador  é  constituído  de  “invenções  históricas  e  construções  culturais”   (CHAUÍ, 2000, p. 35). Mito, em relação à BDN, não é visto necessariamente como algo isento de verdade, mas certamente como construção cultural com dados objetivos – como o de instaurar uma identidade à igreja. 265

83

(...)nós venhamos a nos lembrar das primeiras obras).267 No portal da BDN o esforço de instauração da identidade relacionada com o supremo é observado em uma experiência pessoal com Deus e na direção de Deus a BDN vira uma avalanche. O   site   refere   que   “em   setembro   de   1994,   recebemos   uma   cobertura   espiritual” 268, demonstrando a importância de se iniciar um projeto evangélico com o apoio da igreja de origem, a Renascer, no caso. Nota-se que esta não é mencionada, o que leva à pergunta: porque não há a referência? Será por conta da série de escândalos que envolveram a mesma nos últimos anos? Na versão anterior do site, criada em 2004 269 e descrita por Thiago Fuschini, esta agência é citada:   “em   setembro   de   94,   entramos   na   cobertura   espiritual   da   Igreja   Renascer,   mais   especificamente na Renascer Perdizes”270 e  “no  início  de  99,  algumas  mudanças  aconteceram.   Na direção do Senhor e sob a benção dos nossos amados líderes na época, nos desligamos do Ministério   Renascer   em   Cristo”.271 Nesta versão, além de citarem o nome da instituição, os líderes são referidos como amados.272 A ultrapassagem entre a referência aos amados líderes e o apagamento destes pode sinalizar para a mudança de status da Renascer – se num momento desponta como amada e abençoadora, no outro é provavelmente vista como concorrente no mercado religioso. O DNA da BDN, proveniente da Renascer, se estrutura a partir do marketing. Como é provável, ao criar a agência, Rina tenha feito uma análise de mercado e observado os valores estimados de faturamento, os produtos e serviços oferecidos, se estes atendem as demandas de

267

PRESBÍTERO ANDRÉ, 2008. Quem Somos. Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2009. 269 A versão do site que Fuschini analisa data de 2004, enquanto a que analiso aqui é de 2007. Este tipo de provisoriedade é típico de pesquisas no ciberespaço, em que há constantes atualizações das páginas. 270 FUSCHINI, 2004, p. 18. 271 Idem, 2004, p. 18. 272 Em  seguida  a  este  trecho,  há  um  verso  bíblico  que  diz  que  “a  palavra  que  sair  da  boca  do Senhor: não voltará para  Ele  vazia,  mas  fará  o  que  lhE  apraz  e  prosperará  naquilo  para  que  foi  designada”, parecendo ilustrar a voz do líder eclesiástico falando em nome da voz de Deus, o que Bourdieu chama de voz autorizada (BOURDIEU, 1996, passim), e neste caso, autorizada pelo próprio Deus, sinalizando para o comentário de Eni Pulcinelli Orlandi:  “o  autoritarismo  é  o  que  preenche  a  autorização  desta  voz”  (ORLANDI, 1987, p. 244), apontando para o discurso religioso. 268

84

seus públicos segmentados e quais as reações do público e dos próprios concorrentes à entrada da agência no mercado.273 Identificando um público inicial (os/as jovens surfistas), outras variáveis da segmentação de mercado se desdobrariam, como as demográficas, as geográficas e as psicográficas. As demográficas (relativas à idade, renda, sexo, gênero, escolaridade e outros fatores), se caracterizariam por um público entre 12 e 35 anos, classe média-alta, de ambos os gêneros e escolaridade heterogênea; as geográficas (referentes aos locais em que se encontram os elementos de mercado) apontariam um público residente e/ou frequentador de cidades litorâneas e residente de grandes capitais; e as psicográficas (relativas a aspectos da vida dos/as crentes), apontariam para o surfe como prática esportiva, o rock e o reggae como preferências poético-musicais e a internet como atividade relevante. Identificar tais variáveis é fundamental para se adequar as estratégias de marketing e alcançar o(s) público(s)-alvo(s). A BDN não é a única agência evangélica a atrair as/os surfistas. Empreendimentos como os Surfistas de Cristo já o faziam desde 1989, assim como faz a Calvary Chapel, igreja estadunidense que trabalha com este público desde a década de 1960 e que tem unidades no Brasil – estes provavelmente ofereceram substratos a Rina em relação às suas estratégias de adesão de surfers. As tentativas de instauração da identidade da BDN através de um mito fundante fazem parte de um marketing que se desloca e derrete entre-nichos mercadológicos, em direção às necessidades da agência e de seu(s) público(s). Tais mobilidades – identitárias e do próprio marketing da agência – sinalizam para uma instituição em processo constitutivo, mais como busca do que como chegada, em fluxo e devir. Para reforçar sua identidade e compreender as necessidades de seu público, a BDN lança mão de ferramentas diversas. Uma destas está nos agrupamentos de voluntários/as para trabalharem na igreja, os ministérios, e outra, nas reuniões caseiras gerenciadas por líderes da agência, as células.

273

Como se espera, a análise de setor de mercado ocorre relacionada às agências concorrentes e à análise da clientela, identificando as segmentações do público, possibilitando a formulação de estratégias de marketing e atendimento das necessidades do nicho mercadológico.

85

Ministérios, células e hierarquia Uma olhada na seção Ministérios dos portais da BDN274 e da BDNF275 permite perceber como a agência exercita a instituição de uma identidade comum amparada na solidificação de seu discurso. O termo ministério, aplicado às igrejas evangélicas, assume diferentes sentidos. Pode representar um grupo formado por pessoas que se voluntariam em torno de objetivos e funções em comum, pode ser aplicado como sinônimo de organização eclesiástica e pode designar um dom ou atributo próprio do cristão. No contexto analisado ministério se refere ao primeiro sentido. Através do site (figura 17) observamos que para fazer parte de um ministério é necessário satisfazer requisitos. Para ser membro da Zeladoria,276 por exemplo, o/a fiel deve ter o acompanhamento de um/a líder de célula, frequentar a agência há pelo menos um ano, ser batizado/a277 e participar de um ritual chamado grande renúncia, onde deve declarar, perante um/a líder, o abandono de práticas que a igreja considera nocivas, que vão do uso de entorpecentes à escuta de canções seculares ou à prática de atividades consideradas mundanas e/ou demoníacas, como a meditação e a ioga. Para participar do grupo de Atalaias há  outro  requisito:  “ter  muita  vontade  de  trabalhar  para  o   Senhor”,   apontando   o   trabalho   voluntário   como   prestado   a   Deus   (e   não   à   igreja).   Tanto   zeladores, responsáveis pela limpeza e manutenção do local, como atalaias, que cuidam da segurança e atuam como manobristas,278 possibilitam economia financeira em relação à contratação e manutenção de funcionários/as para estas atribuições. O nascimento dos Atalaias se deu

274

Ministérios. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2009. Estes ministérios, segundo a sua ordem de apresentação, são: Mulheres do Bola, Assistência Social, Nova Vida, Ministério Infatil (sic), Lojinha, Zeladoria, Atalaias, Mergulhando na Palavra, Boas Vindas, Áudio e Vídeo, Louvor, Dança, Febem, Comunicação e Sports. 275 Bola de Neve Floripa. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. Os ministérios elencados são Assistência Social, Atalaias, Boas Vindas, Comunicação, Dança, Datashow, Nova Vida, Infantil, Intercessão, Louvor, Teatro e Zeladoria. 276 O   grupo   é   responsável   pela   “limpeza, organização das cadeiras, acomodação dos visitantes e idosos, recolhimento   dos   cálices   da   ceia,   organização   para   o   dízimo,   até   o   controle   da   iluminação”.   Ministério Zeladoria. Disponível em: < http://www.boladenevefloripa.com.br/zeladoria.html>. Acesso em: 12 mar. 2013. 277 O batismo considerado válido, neste caso, é aquele feito através da imersão total do corpo da/o fiel em piscina, batistério ou outro lugar e realizado na idade adulta por uma igreja evangélica. 278 Isto é válido para as unidades que possuem estacionamentos próprios, como a de Florianópolis.

86

para suprir uma necessidade na Igreja de São Paulo. Era preciso ter pessoas capacitadas para administrar a segurança, a logística e todas as questões que envolvem os carros e motos estacionados perto da Igreja. O nome foi inspirado no texto  localizado  em  Ezequiel  3:17  (“filho  do  homem,  eu  te  dei  por  atalaia  na  casa   de  Israel  ...”).279

Figura 17: Ministério de Atalaias280

O  site  estimula  a  participação  “lembrando que muitos dos líderes atuais da Igreja já passaram por   esse   Ministério”,281 seduzindo aqueles/as que têm como objetivo um futuro status de líder.282 Os ministérios funcionam como agenciadores da consolidação da BDN, estimulando a coesão identitária através da inserção sócio-religiosa do/a fiel e sua adequação aos discursos promovidos pela agência. Isto também ocorre com outro agrupamento da igreja, as células. Assim como a análise do mercado faz parte do DNA da BDN, as células são elemento de coesão de sua identidade, agindo através do estímulo ao senso de pertença e possibilitando que as demandas e insatisfações de fiéis sejam conhecidas pelos/as líderes. Para compreendermos como as células atuam, analiso sinteticamente a apostila do curso de líderes de células da agência. Mas o que seriam as células, e como elas funcionam? Do latim 279

Ministério de Atalaias. Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2013. 280 Ministério de Atalaias. Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2013. A imagem remete ao guerreiro que guarda seu castelo com sua lança ou escudo – tendo no caso a praia como  “castelo”  e  a  prancha  como  “arma”. 281 Ministério de Atalaias. Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2013. 282 Participar de ministérios ou de células – especialmente como líderes – é um dos caminhos para que o/a fiel receba um cargo acompanhado de um título hierárquico, como diácono/isa. Assim, é função que possibilita a asecensão social.

87

cellula, ou quarto pequeno,283 a célula teria dois significados segundo a apostila: o biológico, sendo a unidade de vida mais básica, e o espiritual: a célula é o primeiro lugar em que deveríamos experimentar os dons manifestos do Senhor. À medida que os dons do Espírito são manifestos na célula, o Cristo que habita em você toca em minha vida, e o Cristo em mim toca em sua vida.284

No modelo celular da BDN fiéis reúnem-se em torno de um/a líder uma vez por semana para conversar sobre a pregação do culto do domingo anterior à célula. O objetivo da reunião é “atrair  e  organizar  novos  integrantes  da  igreja,”  e  o  dos/as  líderes,  “levar  cada  ovelha  a  digerir   bem  o  alimento  dado  a  ela” 285 (a pregação do domingo). De modo geral não é permitido que o/a líder de célula crie temas de discussão. As reuniões acontecem nas residências de líderes ou de anfitriões/ãs (pessoas que se dispõem a receber o grupo celular), iniciando por volta das 20h e tendo duração média de duas horas. Geralmente desdobram-se as seguintes etapas: boas-vindas, louvor e adoração, pregação, oração, novamente louvor e adoração e comunhão, onde é repartido um lanche. Na apostila os  estágios  são  referidos  como  “boas  vindas,  quebra-gelo,  adoração,  edificação  e  Komunhão”. O  primeiro  estágio,  realizado  por  líderes  e  anfitriões/ãs,  é  “receber  bem,  gerar  clima  amistoso,   simpatia. Cumprimentos calorosos, abraços de quem  estava  com  saudades”.286 Ao sentir-se em casa estimula-se a frequência do/a visitante, que pode atuar como divulgador/a da reunião. O quebra-gelo é   o   conjunto   de   “estratégias   para   se   conhecerem   e   gerar   liberdade”,   atividade   “não   ameaçadora,   de   cordialidade   e   aceitação”   em   que   “à   medida   que   as   pessoas   vão   chegando,   entram   num   ambiente   informal   e   nada   assustador”,   onde   o/a   líder   pode   “fazer   dinâmicas   de   grupo   para   gerar   liberdade”. 287 Nota-se o uso do termo estratégias, que neste caso parece sinalizar para o contexto de gerenciamento de mercado. Para Michel De   Certeau,   estratégias   seriam   “o   cálculo   (ou   a   manipulação)   das   relações   de   forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder (uma 283

“O  nome  descrito  para  a  menor  estrutura viva foi escolhido por Robert Hooke. Em um livro que publicou em 1665, ele comparou as células da cortiça com os pequenos quartos onde os monges viviam. Também representa a menor porção de matéria viva dotada da capacidade de autoduplicação independente. São as unidades estruturais e funcionais dos organismos vivos. Podem ser comparadas aos tijolos de uma casa. Cada tijolo seria como uma célula. Alguns organismos, tais como as bacterias, são unicelulares (consistem em uma única célula). Outros organismos, tais como os seres humanos,   são   pluricelulares”.   Célula. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2009. 284 BOLA DE NEVE CHURCH, 2005, p. 15. 285 FUSCHINI, 2004, p. 21. 286 BOLA DE NEVE CHURCH, 2005, p. 49. 287 Idem, p. 49.

88

empresa, um exército, uma cidade) pode ser  isolado”.288 No caso da BDN, o controle ocorre na instituição de padrões de comportamento, sentidos de pertença e diferença em relação ao outro (costumeiramente ameaçador e passível de rejeição) e estímulo à divulgação da agência. Insistir num momento não-ameaçador nem assustador provavelmente esteja associado à concepção que muitas pessoas tem das igrejas evangélicas como espaço de proselitismo, radicalismo e discriminação, e investir no pertencimento é fundamental para a atração e permanência de fiéis. O momento de adoração consiste na condução de canções gospel por levitas289 com o objetivo de fazer os/as demais participantes chegarem à presença de Deus, preparando os/as mesmos/as para a pregação que reverbera o culto principal. 290 Geralmente, as canções interpretadas são as mesmas dos cultos da BDN – muitas compostas por artistas da agência, como Rodolfo, Denise, Zeider, Catalau e Nengo.291 Costuma-se iniciar com canções agitadas, que estimulam o acompanhamento através de cânticos, palmas e/ou glossolalia,292 passando a cânticos mais brandos que preparam a audiência para a pregação. A partir desta são tiradas dúvidas e feitos comentários que corroboram o discurso oficial – auxiliando na construção identitária coletiva, no reforço do senso de pertencimento e na percepção de insatisfações/frustrações dos/as fiéis a respeito da pregação ou da própria igreja. A célula serve – dentre outras coisas – para a cúpula da agência conhecer melhor as pessoas que pastoreia (em outras palavras, analisar seu nicho 288

DE CERTEAU, 1994, p. 99. Em algumas células não há levitas, ocorrendo a substituição por aparelhos reprodutores de CDs, MP3, etc. 290 Semelhantemente   ao   que   George   Barna   e   Frank   Viola   comentam   “muitas   igrejas   protestantes   (não   somente   pentecostal e carismática) iniciam seus cultos com cânticos calorosos para preparar as pessoas para o sermão emocional dirigido  aos  perdidos”  (BARNA;;  VIOLA, 2005, p. 25). 291 Representado por gêneros musicais como reggae e pop rock, mas eventualmente por outros gêneros admirados pelos/as jovens, como o rap, bem como por canções chamadas de de adoração, ou em alguns casos referida em inglês (worship), canções mais calmas e contemplativas, muitas vezes de artistas pertencentes a ministérios diferentes, como Nívea Soares, Soraia Moraes, Kleber Lucas. Em alguns casos, há a tradução de canções estadunidenses tradicionais (de igrejas batistas ou das ADs) ou contemporâneas de artistas como Michael W. Smith. 292 Na glossolalia o indivíduo envolvido emocional e/ou psicologicamente balbucia ou canta palavras aparentemente sem sentido, e semântica e sintaticamente ininteligíveis. A glossolalia costuma ser confundida com outro fenômeno, a xenolalia. Neste, o indivíduo fala em idiomas que desconhece, de modo semelhante ao que os Atos dos Apóstolos descrevem sobre o Pentecostes, quando apóstolos foram cheios do Espírito Santo e receberam línguas de fogo que possibilitaram a comunicação com pessoas de outros povos em seus idiomas nativos. Este episódio, segundo autores como Freston (1994) teria inspirado a eclosão das três ondas do movimento pentecostal, e é descrito na Carta de Paulo aos Coríntios como sendo um dos dons oferecidos pelo Espírito Santo. Na xenolalia, segundo Sebastiana Maria Nogueira, entende-se   a   possibilidade   de   falar   “línguas   estrangeiras   para   o   propósito   do   evangelismo”,   enquanto   na   glossolalia,   o   que   se   percebe   é   “o   balbuciar   de   palavras   ou   sons   sem  interconexão   ou   sentido” (NOGUEIRA, 2008, p. 15). Sobre a xenolalia, Nogueira refere ainda  que  “linguistas  que  se  dedicam  a  estudar  numerosas  gravações  do  “falar  em  línguas”  de  conhecidas  etnias   não atestam a xenolalia e mesmo os possíveis casos de xenolalia são muito raros e não têm comprovação científica”  (Idem, 2008, p.15). 289

89

mercadológico e atender e/ou adequar suas ofertas). Semanalmente   o/a   líder   celular   recebe   um   “roteiro   da   palavra   ministrada   na   igreja   no   Domingo”.293 Solicita-se   que   este/a   frequente   assiduamente   a   igreja   onde   “receberão   o   alimento”,   posteriormente   distribuido na célula. 294 O importante, na BDN, é que o discurso pastoral seja aprendido e reproduzido, e o estímulo à assiduidade dos/as crentes seja associado à legitimação/confirmação da autoridade do/a líder.295 Após a (re)exposição da pregação296 há a oração de aceitação a Jesus (caso haja frequentadores/as novos/as),297 outro momento de louvor e adoração e a Komunhão – em geral   um   momento   de   lanche   coletivo   caracterizado   por   “estratégias   para   conectar   todos;;   práticas de hospitalidade e servitude, compartilhamento e criação de vínculos de amor e unidade,  onde  os  irmãos  oram,  suprem  e  cobrem  uns  aos  outros”.298 Mas porque as pessoas frequentam as células? Provavelmente, além do sentido devocional e de aprendizagem, procuram um sentido de pertencimento e de criação/fortalecimento de vínculos pessoais, por vezes suprindo carências afetivas – de certo modo, as células podem funcionar como espaço terapêutico em que o/a fiel angaria amparo emocional através do acolhimento de pessoas que o/a amam em Jesus. Como percebemos, a reunião atua no sentido de fazer com que as pessoas sintam-se aconchegadas,299 agindo como cartão de visitas da

293

BOLA DE NEVE CHURCH, 2005, p. 52. Idem, p. 52. 295 De  modo  semelhante,  Bourdieu  comenta  (sobre  a  ICAR),  que  “o  cumprimento  rigoroso  do  código da liturgia que rege os gestos e as palavras sacramentais constitui ao mesmo tempo a manifestação e a contrapartida do contrato   de   delegação   que   torna   o   padre   detentor   do   ‘monopólio   da   manipulação   dos   bens   de   salvação’”   (BOURDIEU,   1996,   p.   93),   e   “o   conjunto das prescrições que regem a forma da manifestação pública de autoridade (...) produzem a disposição ao reconhecimento como crença e desconhecimento, vale dizer, a delegação  de  autoridade  que  confere  sua  autoridade  ao  discurso  autorizado”  (idem,  1996, p. 91). 296 Chamo de (re)exposição pois a mensagem já foi apresentada na  reunião  dominical.  É  um  “repeteco”  com  a   adesão de questionamentos que podem ser eventualmente respondidos. 297 Esta oração costuma ser feita após o/a líder de célula (a exemplo do/a pastor/a em dia de culto) perguntar se há visitantes e se estes/as já aceitaram a Jesus, o que equivale a dizer se já são evangélicos/as. Geralmente após ser pedido que a pessoa abaixe a cabeça e feche seus olhos, segue um modelo de oração como  este:  “Senhor, neste momento declaro, em nome de Jesus, que te aceito como meu único Senhor e Salvador. Perdoa meus pecados, joga eles no Mar do Esquecimento,   e   permite   que   eu   seja   uma   nova   pessoa.   Em   nome   de   Jesus,   amém”.   Em   seguida as pessoas ao redor cumprimentam o indivíduo, o parabenizando e estimulando a frequentar as reuniões e cultos. 298 O termo servitude não existe na língua portuguesa. Provavelmente, o que ocorreu foi uma forma de anglicismo, ou o uso do idioma inglês no português, o que pode acenar para uma possível tradução feita de apostila em inglês, provavelmente estadunidense, de onde procedem muitos/as adeptos/as das teologias apropriadas pela BDN, como a da batalha espiritual (BOLA DE NEVE CHURCH, 2005, p. 55). 299 Isto provavelmente se ampare no que Dany-Robert   Dufour   contempla:   para   “remediar   a   carência   do   Outro   (...), diferentes meios são amplamente experimentados pelos novos sujeitos das sociedades pós-modernas”   (DUFOUR,   2005,   p.   110).   Dentre   estes   meios   estaria   o   “desenvolvimento   de   seitas,   tendentes   para o lado do orientalismo, do sincretismo ou do carismatismo (cf. o desenvolvimento rápido dos neopentecostais), até mesmo 294

90

agência aos que não a conhecem e manual de conduta a todos/as. Bens intangíveis como pertença, aprendizado e devoção fazem parte de um pacote de serviços prestados pela BDN ao/à fiel-consumidor/a, estimulado/a a adquirir/propagar discursos e mercadorias religiosas. As células agem como assistência técnica ao/à consumidor/a, provendo a/o fiel da atenção a algumas de suas necessidades, e é fundamental para que líderes mais elevados/as hierarquicamente saibam, através dos/as líderes de células, sobre as demandas, inquietações e insatisfações das ovelhinhas da igreja. Adaptando os 4 As do marketing300 para a BDN, é possível pensar que através das células, a cúpula da agência tenha analisado demandas de fiéis (e de colaboradores/as como líderes de células, anfitriões/ãs e levitas), avaliado o grau de satisfação das/os crentes em relação a diversos assuntos,301 adaptado e ativado as condições materiais e imateriais para a satisfação destas demandas (caso isto se mostre interessante para a igreja). As células satisfazem demanda tripla: a) de fiéis que querem colaborar com a cúpula da igreja e com o/a próximo/a (como líderes de células, anfitrões/ãs, levitas), b) de fiéis que procuram por comunhão/pertença (em geral líderes, anfitriões/ãs e levitas também as procuram) e c) da alta liderança da BDN, que precisa conhecer seu rebanho para que seus discursos e mercadorias sejam adquiridos/as e divulgados/as. Por vezes, as células agem como plataformas eleitorais para candidatos apoiados pela BDN (em alguns casos, frequentadores da própria agência).302 Algumas frequentadoras da BDNSP disseram-me que durante uma reunião celular de 2010 foi distribuída uma carta 303 assinada por Neuza Itioka,304 líder religiosa que dá suporte teológico à BDN através de congressos e brotando  de  fundamentalismos  e  integrismos”  (idem, p. 112). 300 RICHERS, 1994, p. 20. 301 Assuntos como qualidade da pregação, grau de entendimento a respeito da doutrina e os resultados da distribuição e comercialização de mercadorias religiosas. 302 Uso a palavra candidatos aqui, não como lapso do uso de linguagem inclusiva, mas por não ter conhecimento de candidatas apoiadas pela agência. Comento sobre dois destes candidatos próprios no capítulo sobre discursos da BDN. 303 Não tive acesso a tal carta, assim, fundamento-me nos relatos das mesmas. 304 Itioka fundou o Ministério de Libertação Ágape Reconciliação, em 1988, do qual é presidente. Fez doutorado em Missiologia pelo Seminário Teológico Fuller (MARIANO, 1995, p. 41), provável razão pela qual é denominada doutora no meio evangélico. Sua tese versava sobre as relações entre a igreja evangélica e o chamado  “baixo-espiritismo  brasileiro”, especialmente a umbanda, tese a partir da qual foi publicado o livro Os Deuses da Umbanda. É autora de outras obras, dentre elas, A Igreja e a Batalha Espiritual: Você Está em Guerra!, A Noiva Restaurada, Restauração Sexual, Libertando-se de Prisões Espirituais, Cristo nos resgata de toda maldição. Assim como Hernandes e Rina (dentre outros), Itioka é considerada apóstola por seus/suas adeptos/as. Segundo Mariano, Itioka também foi líder da Rede Internacional de Guerra Espiritual (MARIANO, 1995, p. 143).

91

seminários, indicando votos em José Serra nas eleições presidenciais. Esta carta seria produto de um email encaminhado pela liderança da BDNSP a diversos/as líderes de ministérios e por sua vez, fiéis. Itioka, em seu site, teria desmentido a autoria da carta, 305 provavelmente pelo teor da mesma. Como me explicaram estas frequentadoras, a carta criticava o Plano Nacional de Direitos Humanos; argumentava que Dilma teria sequestrado e matado um embaixador americano na década de 1960; que Michel Temer (seu vice) seria adepto do satanismo; que Lula perseguia jornalistas e seguia o comunismo cubano; e que programas sociais como o Bolsa Família criariam a mentalidade de viver sem trabalhar. A utilização das células como base eleitoral dá vistas à teologia do domínio, na qual as/os crentes devem conquistar territórios para o Senhor através da inserção em todas as esferas públicas, como a política. 306 As células, como todas as demais atividades da BDN, são amplamente divulgadas através dos sites das unidades locais e em redes sociais como o FB (figuras 18 e 19).

Figuras 18 e 19: Células da BDNF no FB e no site da BDNF307

Tanto as células quanto os ministérios linkam-se diretamente à estrutura identitária da agência, marcada pela hierarquia. 308 No sistema administrativo da BDN, como da maioria das agências que identificam-se como cristãs, as funções mais importantes são ocupadas por

305

Procurei por tal conteúdo no site da mesma, mas não o encontrei. Explico sobre a teologia do domínio utilizada pela BDN no capítulo referente a alguns de seus discursos. 307 Células BDNF. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2013. Células – Reuniões nos lares. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2013. Enquanto a primeira imagem, com células estilizadas, apresenta fluidez e dinamismo, a segunda demonstra a solidez desejável de um lar. 308 Os ministérios e células são caracterizados por uma marcação identitária hierarquizada entre líderes e liderados/as. Um exemplo está na entrada em determinados ministérios, somente possível quando há o consentimento do/a  líder  celular.  No  caso  do  ministério  de  Dança,  por  exemplo,  “para participar, além de saber dançar, é necessário ter no mínimo um ano de conversão, ser batizado e frequentar uma célula, pois só entra com a   indicação   do   líder   de   célula”.   Ministério de Dança. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. 306

92

homens. Como em geral os líderes da BDN são casados, suas esposas costumam ter alguma visibilidade ou protagonismo na igreja, mas costumeiramente como a esposa do líder.309 De acordo com Marcio Bérgamo Araújo, 310 a BDN tem uma estrutura administrativa composta por Rina, apóstolo vitalício, seguido de pastores, presbíteros, diáconos, levitas, evangelistas e atalaias. Esta estrutura é relacionada ao momento de pesquisa do autor na BDNSP, e não é reproduzida em todas as filiais da agência. Na BDNF, por alguns anos não houve presbíteros. O primeiro, André, foi instituído em 2007, e posteriormente outros o seguiram. Nesta unidade, atalaias, evangelistas e levitas não são um cargo hierárquico (ainda que alguns destes sejam líderes de ministérios e tenham algum prestígio). A estrutura da BDNF é composta pelo pastor local, Digão, seguido de presbíteros, diáconos/diaconisas 311 e demais líderes, como os de células e os de ministérios. 312 Os pastores são os responsáveis diretos pelas filiais, seguidos de presbíteros, primeiras opções para substituí-los em pregações e auxiliarem no gerenciamento da unidade. A pesquisa de Araújo detectou que na sequência hierárquica estariam diáconos, levitas e evangelistas. Os primeiros auxiliariam na organização interna, “recepção dos visitantes e auxílio   na   ordem   do   culto”,   os   segundos,   na “área   musical   da Igreja sede, das filiais e das células”   e   os   terceiros   na “preparação   dos   estudos   que   serão   ministrados   nas   células   e   liderando   esses   grupos   pequenos”.313 É possível que, com o crescimento da agência, tais funções tenham sido adaptadas. Identifiquei, a partir de 2005, nas unidades BDNSP, BDNF e BDN Balneário Camboriú, que os diáconos atuavam na supervisão dos/as voluntários/as, em atividades administrativas e burocráticas, na supervisão de líderes celulares e na pregação evangélica quando o pastor o solicitava – e que a “recepção dos visitantes e auxílio na ordem do  culto”  eram  realizadas  por  ministérios  como  o  Boas–Vindas, o de Atalaias e o de Zeladores (ministérios que podem ser liderados por diáconos).

309

Observei ser raro que uma líder seja solteira (o que também vale para os líderes), pois o matrimônio é visto pela BDN como sinal de benção e estabilidade. Assim, ainda que não haja impedimentos para que um solteiro exerça um cargo de liderança, se estimula que o líder seja casado ou se case. Grupos de mulheres são liderados por outras mulheres, esposas dos líderes da instituição. Comento sobre isto na parte sobre discursos da BDN. 310 ARAÚJO, 2006. 311 Seguindo a escala hierárquica, presbíteros tem ascendência sobre diáconos/diaconisas, e aí por diante. Até onde identifiquei, não há ainda presbíteras na BDNF, e as esposas de presbíteros são diaconisas. 312 A BDNF teve dois pastores, o primeiro chamado Ivan Junckes, que após sua saída voluntária em 2006 abriu seu próprio ministério religioso, a Comunidade da Ilha, e Digão, que o substituiu e continua como pastor até a presente data. Abaixo de Digão, estão presbíteros, diáconos/isas, líderes de células e de ministérios. 313 ARAÚJO, 2006, p. 85.

93

Araújo identificou que ao pastor e presbítero eram exigidos o curso de teologia do Instituto Betel de Ensino Superior, de duração de cinco anos, com uma exceção: “celebridades   têm   alcançado esses postos com tempo significativamente reduzido, mesmo porque aumenta a visibilidade  da  Igreja”.314 Atualmente, o curso de líderes é oferecido pelo Instituto Global, da própria BDN. Rina, um dos professores do curso online,315 descreve  que  “a  intenção do curso é   a   inclusão   e   o   treinamento,   capacitação   e   reciclagem   de   líderes”,   demonstrando   a   preocupação em atualizar teologicamente (e administrativamente, como entendo) os/as líderes da  BDN:  “estamos  num  momento  muito  especial,  quanto mais profundidade, mais profundas as raízes, melhor o preparo para o que viveremos daqui para frente”.316 Sobre os procedimentos para a consagração de líderes, costuma se seguir a imposição de mãos feita pelos/as líderes de maior hierarquia sobre os de menor, ou destes sobre os/as fiéis. As áreas ungidas costumam ser a cabeça, pés e mãos.317 Podemos compreender a hierarquia da BDN a partir da assertiva de que a estratégia “postula   um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças (os clientes ou os concorrentes, os inimigos)”318 – o/a líder da BDN é responsável por defender os interesses da igreja, e ele/a o faz através da instituição e reforço de estratégias de marketing e discursos. Em relação aos cargos da BDN podemos pensar na inferência de Bourdieu sobre os títulos hierárquicos: “são  repetições  do  ato  inaugural de instituição levado a cabo por uma autoridade universalmente   reconhecida”, 319 e   atuam   notando   o   sacerdote   nomeado   como   “instrumento   indispensável  da  salvação”,  conferindo  “à  hierarquia  o  poder  de  santificação”  e  a  dotando  do   monopólio do acesso aos instrumentos do culto, textos sagrados e sacramentos.320 Para este, o 314

Idem, 2006, p. 85. As aulas também são ministradas na BDNSP, na rua Clélia, às segundas-feiras, 20h. O preparo teológico é ampliado em direção aos/às adeptos/as através do ministério Mergulhando na Palavra, dividido em dois módulos, o Entrando no Espírito,   “discipulado   de   quatro   meses   e   meio   que   aborda   temas   como   o   plano   de   salvação, promessas, santidade, jejum, oração”  e  o  Panorama Bíblico,  que  “prioriza  o  conhecimento  da  Bíblia,   onde  o  aluno  mergulha  nos  livros,  personagem  e  contexto  histórico”.  Tal  ministério  está  “presente  em  todas  as   Igrejas Bola de Neve espalhadas pelo Brasil e em alguns países como Estados Unidos,   Canadá   e   Inglaterra”.   Mergulhando na Palavra. Disponível em http://www.boladeneve.com/ministerios/mergulhando. Acesso em: 12 set. 2012. 316 Instituto Global. Disponível em http://www.institutoglobal.com.br/. Acesso em: 12 set. 2012. 317 Relato como se deu uma investidura de líderes de células da BDNF. Após oração e exortação para que os/as líderes fossem bem sucedidos/as, Digão pediu que os/as alunos/as ficassem posicionados em frente ao altar para receberem a unção através dos diáconos. Estes, com óleo nas mãos, passaram de um em um tocando-lhes os pés e/ou as mãos. Em seguida, houve nova oração e a oficialização das pessoas como líderes de células da agência. 318 DE CERTEAU, 2007, p. 99. 319 BOURDIEU, 1996, p.105. A ordenação a qual Bourdieu se refere é a da ICAR, mas entendo que possa ser transportada para a ordenação das neopentecostais, como a realizada pela BDN. 320 Idem, 1992, p.62. 315

94

sacerdote possui uma autoridade fundamentada num capital de graça sacramental, que o possibilita exercer poder sobre os/as adeptos/as.321 Na BDN este poder é percebido nas pregações, cartazes e notícias do site, que indicam um discurso bélico.322 A   investidura   de   cargos   faz   “transformar   a   representação   que   os   demais   agentes   possuem   dessa   pessoa,   modificando   sobretudo   os   comportamentos   que   adotam   em   relação   a   ela”,323 visto que, quando investida, esta é entendida como autorizada a falar em nome de Deus. Na BDN, ainda que os/as líderes sejam chamados por nomes ou apelidos (Digão, Apê Rina, Biga, Catalau, etc), a autoridade do cargo que os investe é percebida pela reverência dos/as fiéis 324 no pedido de orações e conselhos a respeito dos mais variados assuntos, vistos que estes são considerados homens mais próximos de Deus. Assim, a investidura dota o líder (e seu discurso) de capital e eficácia simbólica. Bourdieu contempla que O verdadeiro milagre dos atos de instituição reside sem dúvida no fato de que eles conseguem fazer crer aos indivíduos consagrados que eles possuem uma justificação para existir, ou melhor, que sua existência serve para alguma coisa. Todavia, por uma espécie de maldição, a natureza essencialmente diacrítica, diferencial, distintiva do poder simbólico faz com que o acesso da classe cultivada ao Ser tenha como inevitável contrapartida a queda da classe complementar no Nada ou num Ser Menor.325

Ao mesmo tempo em que o/a consagrado/a, o/a mandatário/a do poder simbólico concedido pela igreja é visto/a como instrumento autorizado de contato com Deus, os demais sujeitos da igreja são automaticamente colocados em condição de menor importância – o que na BDN é indicado através de frases ditas  com  certa  constância  como  “no  corpo  de  Cristo  todos  tem   a   mesma  importância,  só  que  uns  são  o  dedo  do  pé  ou  a  costela,  e  outros  são  a  cabeça”. A BDN não possui documentos doutrinários publicados nem confissões de fé, como lembra Araújo,326 mas se apropria de determinadas teologias, como as da batalha e da cura espiritual, do exorcismo, da saúde perfeita, do domínio e da prosperidade, como procuro explicar

321

Ibidem, 1992, p.58. Comento sobre o assunto no capítulo sobre os discursos da BDN. 323 BOURDIEU, 1996, p. 99. 324 Esta reverência se associa a sentimentos como respeito, admiração e temor. Como é pregado, os/as fiéis devem ter estes sentimentos em relação a Deus. 325 Idem, 1996, p. 106. 326 ARAÚJO, 2006, p. 85. 322

95

posteriormente. Tais teologias fazem parte do marketing de guerra santa da BDN. Para entendermos um pouco como este opera, tomemos como exemplo a BDNF.

Marketing de guerra santa na BDNF A BDNF pode ser entendida como praticante de diversas das modalidades do marketing de guerra santa, dependendo do viés com que ela é analisada. Pensemos no contexto dos/as surfistas de Florianópolis: a agência pode ser considerada como praticante de um marketing de defesa santa, em razão de sua liderança neste segmento específico; como flanqueadora, ao criar produtos novos; e como executante de um marketing de guerrilha, ao combater por tal público segmentado. A BDN tem seu crescimento associado à segmentação religiosa, nascida do pluralismo e neta da secularização, agregando sujeitos que transitam entre-lugares religiosos, entrereligiosidades, bem como sem-religião, desigrejados, dentre outros,327 inclusive os/as praticantes de surfe. O marketing de guerrilha santa se caracteriza por agências religiosas de expressão local que combatem por um terreno menos abrangente. Se pensarmos no contexto do mercado religioso evangélico de Floripa, concorrem pela preferência de atletas e surfistas a BDNF, os Surfistas de Cristo, a Calvary Chapel, a Sara Nossa Terra do Morro das Pedras, a Renascer da praia do Campeche e a IURD da avenida Mauro Ramos, dentre outras – remetendo ao esforço de se tornar um  “peixe  grande  num  açude”.328

327

A segmentação associa-se ao contexto de pluralismo religioso estimulado pelo processo de secularização. Para Berger, tal pluralismo promoveu a ultrapassagem de uma situação de monopólio para uma situação “dominada   pela   lógica   da   economia   de   mercado”   (BERGER,   1985,   p.   149).   Nesta,   se   impulsiona   não   só   a   criação   e   a   adaptação de produtos (discursos, serviços, ritos e práticas) e mercadorias (audiovisuais, adesivos, roupas e outros) de agências religiosas já existentes, como também o surgimento de agências especializadas em determinados  nichos,  o  que  foi  sinalizado  por  analistas  do  paradigma  do  mercado  religioso,  como  Finke:  “quando   o mercado não estiver regulado, as religiões dirigir-se-ão aos interesses de segmentos específicos do mercado. À medida   que   surjam   novos   interesses,   uma   nova   religião   aparecerá   para   ocupar   o   vazio”   (Finke,   1990,   p.   622,   apud FRIGERIO, 2008, pp. 17-39). 328 Sobre a relação entre segmentação e atendimento à demanda, Siepierski sinaliza que Hernandes recomenda a cada  um  de  seus  pastores  que  atentem  às  características  locais  de  seu  público:   “os  novos  pastores-gerentes são ensinados que, apesar da necessidade de manter a uniformidade da denominação, em função da segmentação de mercado, tal como proposta pela Renascer, eles devem estar sensíveis ao fato de que cada templo exige um tratamento diferenciado, tanto na comunicação como na gestão (SIEPIERSKI, 2003, p. 139), daí uma filial da Renascer que atenda este público surfista com mais ênfase que as demais. Sobre os/as surfistas evangélicos/as de Floripa, sugiro os trabalhos de Iara Regina Damiani (2009 e 2011).

96

O arsenal dos/as “guerrilheiros/as do   surfe”   tem   como   principal   armamento   a   surfboard e como território de conquista as mentes e praias dos/as fiéis. Dentre as estratégias de sedução, estão aulas de surfe, luaus, shows de reggae e rock, competições de futebol, skate e surfe, ações comunitárias de limpeza e evangelismo nas praias e até noivados e casamentos nestas. O templo dos Surfistas de Cristo é adornado com quadros de paisagens praianas e remetentes ao surfe, e com prateleiras que recebem as surfboards, enquanto no da BDN, a prancha de surfe substitui o púlpito no palco-altar, propiciando apoio para a Bíblia dos Surfistas (ou outra versão utilizada), que também é comercializada na Lojinha/Shopping/Planet Bola. Tais agências não só atendem demandas como criam, através da oferta de novos serviços, novas necessidades para seu público segmentado, no sentido comentado por Frigerio de que devido  à  “segmentação natural das preferências (religiosas e de outra índole) dos indivíduos, o  estado  natural  de  uma  economia  religiosa  é  o  pluralismo” (FRIGERIO, 2008, p.23), e que é natural que diferentes agências religiosas surjam para atender a demandas de segmentos distintos do mercado.329 Entre as agências religiosas que praticam o marketing de guerrilha santa, a que oferece produtos inovadores flanqueia as concorrentes e pode se estabelecer como dona da maior fatia de mercado. Os Surfistas de Cristo oferecem uma morada para seus/suas missionários/as, que serve de pouso, eventualmente, para outros/as surfistas, e uma Kombi que leva pessoas interessadas em surfar. A IURD, sobrepujando este serviço, disponibiliza um ônibus, acompanhado de dezenas de pranchas de surfe para pessoas que não possuem material para a prática, arrebanhando diversos/as adeptos/as, especialmente aqueles/as que não têm recursos financeiros para a compra deste material. Tal estratégia, moldada pelo seu ministério Força Jovem, atua na atração deste público para os cultos e na divulgação da IURD. A BDNF, ainda líder do mercado, oferece em conjunto com a BDNSP, viagens a Jerusalém na companhia do Apê Rina, sobressaindo-se em relação às demais, de perspectivas aparentemente mais modestas.330 Cabe a tais surfers escolherem quais agências proporcionam dropar melhores ondas.

329

Como   Frigerio   comenta:   “A   ideia da existência de nichos de mercado combina-se, no paradigma, com um pressuposto clássico dos estudos da escolha racional – a estabilidade das preferências dos indivíduos – para ressaltar a importância da oferta religiosa nas trocas em uma economia religiosa. Como se supõe que a demanda religiosa muda pouco – é segmentada mas estável – o principal motor das mudanças religiosas são as transformações na oferta” (FRIGERIO, 2008, p. 23). 330 Sobre a constituição dos produtos religiosos, Guerra lembra que estes se articulam a partir de dois níveis de determinação, a  “dinâmica das condições internas ao mercado religioso - os níveis de concorrência e os produtos

97

Dentre os mais recentes produtos da BDNF, destacam-se os ministérios Em Chamas (teatro), Bola Running, Bola Remo e Moto Clube Bola de Neve. A   “criação”   de   novos   produtos   atrai/atende novos nichos de mercado e pode flanquear não só os concorrentes, como alguns dos próprios produtos da BDNF, por vezes os substituindo.331 O marketing de guerra santa da agência transita entre-produtos e entre-serviços, em constante renovação – e também entremercados, como podemos identificar através da criação de outros dois produtos, a Célula UFSC e a Célula de Verão da Praia Mole.

Nós vamos invadir sua praia! – e a UFSC. A BDNF entremercados Com a mudança da sede, em 2010, do Rio Tavares para a Trindade, onde está a UFSC, os esforços para a conquista das/os universitárias/os se intensificaram, 332 tendo como consequência a substituição/renovação de grande parte dos/as fiéis. Inicia-se um processo de negociação entre  a   manutenção  e  o  “resgate”  de   um  público  (surfistas,  skatistas  e  afins)  e   a   adesão de outro (universitários/as), demonstrando um trânsito entre-mercados e entresegmentos.

de  maior  sucesso”,  e  “a  dinâmica das características mais gerais do conjunto de necessidades valorizadas pelos indivíduos   na   sociedade   inclusiva”   (GUERRA,   2003,   p.   13). Em relação à associação entre indivíduo, grupo e contexto geral  na  análise  do  mercado  religioso,  Guerra  indica  que  a  “necessidade  de  um  olhar  sempre  atento  às   características da demanda dos consumidores de religião sofre a influência das características estruturais da concorrência no campo religioso. As condições sob as quais operam as organizações religiosas - ou, se quisermos usar os termos do paradigma do mercado religioso, as regras de regulação da economia religiosa, e, de maneira destacada, os níveis de competição aos quais se submetem as organizações religiosas -, também atuam no sentido de determinar uma maior ou menor suscetibilidade da instituição à demanda religiosa dos indivíduos”   (idem, 2003, p. 2). O paradigma das economias religiosas oferece instrumentos para se entender a demanda,   constituída   pela   escolha   racional   dos   indivíduos,   que   “avaliam   custos   e   benefícios   e   intentam maximizar  seus  benefícios  brutos”,  e  a   oferta,  onde  se  aprecia  “quais  seriam  os  comportamentos  maximizantes   (maximizing behaviors) dos grupos – que seriam beneficiados pelas forças evolutivas mesmo que os agentes religiosos  não  os  realizassem  com  esta  intenção”  (Iannaccone, 1997, p. 27, apud FRIGERIO, 2008, p. 33), e ao se analisar o mercado religioso, deve-se  atentar  a  três  níveis,  que  são,  para  Finke,  “o  individual, ou a maneira como os indivíduos intentam, por meio de sua escolha religiosa, maximizar os benefícios; o grupal, o modo como as instituições adaptam-se a um dado nicho do mercado; e o contextual, ou o grau de regulação do mercado religioso”  (Finke, 1990, p. 49, apud idem, 2008, p. 33). 331 É possível, por exemplo, que o ministério de futebol da BDN, que liderei entre 2005 e 2006, tenha sido flanqueado pelo Bola Running a partir de sua criação, em 2010 – alguns dos praticantes do primeiro deslocaramse para o segundo, como o próprio Digão. O ministério de futebol encontra-se praticamente inativo e o de corrida, em ampla expansão. 332 Anteriormente, a BDNF já havia empreendido outras formas de se aproximar das/os estudantes da UFSC, como eventos de evangelismo e a constituição da Célula Trindade, próxima à universidade.

98

Como me explicou Bruna, 333 da   BDNF,   “realmente   o   público   da   gente   cresceu   e   se   diversificou. Mas estamos intensificando nossas estratégias para que os surfistas, público que brotou do coração de   Deus,   continue   recebendo   nossa   atenção”.   Em   relação   ao   público   acadêmico, Digão   exclamou:   “nossa   missão   é   evangelizar   esta   faculdade!”, 334 objetivo reforçado por uma das participantes da Célula UFSC da BDNF: Sei que o Bola saiu do Rio Tavares e veio parar na Trindade porque a UFSC está aqui. Lembro   que   o   apóstolo   falava   assim   pro   Digão:   “o   Bola   do   Rio   Tavares   vai   mudar...   vamos  ver  a  direção  de  Deus”.  E  eles  buscaram  a  direção  do  Senhor  e  sentiram  que  era   aqui na Trindade. E aqui mais pessoas tem acesso também. 335

A conquista de estudantes da universidade, através da mudança da sede e da oferta de um novo produto (serviço) religioso, a Célula UFSC, demonstra um marketing de guerra santa que se liquefaz em direção a nichos de mercado. As reuniões desta célula ocorrem às quintasfeiras ao meio-dia, próximo ao Restaurante Universitário e disputando espaço com um grupo de Capoeira Angola estabelecido, segundo seus líderes, desde 1987. Espaço, dia e horário escolhidos afiguram uma estratégia de flanqueamento santo, na qual a inovação está no modo de aproximar-se do público, mais arrojado que o de outros grupos evangélicos que tem (ou tiveram) a UFSC como nicho. Umas das estratégias de aproximação em relação aos/àas universitários/as está na realização de eventos como o Churrasco do calouro (figura 20). No mesmo foram realizadas oficinas sobre diversos assuntos. Em relação aos temas escolhidos, é provável que “arte  e  cristianismo”   tenha   sido   em   razão   da   célula   estar   sediada   no   centro   de   artes   da   UFSC,   “fé   e   ciência”   refletir   a   concepção  de  que  o  público  universitário  tem  “dificuldade  de  conciliar  as  duas  coisas” – como escutei de um membro da célula – e “greves,   manifestações   e   centros   acadêmicos...”,   seguido da pergunta: “isso   é   coisa   de   cristão?”,   demonstrar uma preocupação constante de parte do público da BDN no primeiro semestre de 2013,  que  em  postagens  do  FB  tem  comentado,  por  exemplo,  “a  gente tem visto muita revolta e muito pouca intercessão para mudança verdadeira. As pessoas não sabem que nossa

333

Pseudônimo. Culto dominical noturno da BDNF de 02/09/12. 335 Entrevista realizada após a primeira reunião da Célula UFSC, em 06 de setembro de 2012. Realizei, com Sene, pesquisa de observação participante e entrevistas sobre a Célula UFSC durante todo segundo semestre de 2012. Tal pesquisa terá um artigo como produto. 334

99

guerra não é contra o homem e a carne, mas é contra as potestades do mundo espiritual? E é aquilo, ficar brigando porcausa de vinte centavos? Jesus pagou um preço muito maior pela gente”.336

Outra célula recente é a Célula de Verão da Praia Mole. Realizada em janeiro e fevereiro de 2013 em uma praia conhecida pela prática do surfe e presença intensa de turistas, a atividade demonstra a (re)aproximação com o primeiro público e a divulgação da igreja junto ao segundo (figura 21).

Figura 20 e 21: Churrasco do calouro,337 Célula de Verão da Praia Mole338

Uma forma de flanquear concorrentes promovida pela Célula UFSC e Célula Praia Mole está em oferecer produtos (ou serviços) próprios, como os shows de gospel pop & reggae performatizados pelo conjunto de evangelismo da BDNF em alguns de seus eventos.339 Como   vemos,   as   estratégias   de   “marketing   santo”   podem   ser   bricoladas, tendo fronteiras borradas (ou não tendo fronteiras) – e a interpretação depende do referencial de análise do/a 336

A alusão aos vinte centavos refere-se à reinvindicações promovidas por estudantes da UFSC e moradores/as de Florianópolis em prol da diminuição das tarifas de passagens de ônibus. Manifestações semelhantes a esta ocorreram durante a maior parte do primeiro semestre de 2013, se extendendo ao segundo. 337 Churrasco do calouro. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2013. 338 Célula de Verão da Praia Mole. Disponível em: . Acesso em: 9 fev. 2013. 339 Os shows promovidos pela Célula UFSC costumam ocorrer nas sextas-feiras, após as 20h, na praça Santos Dumont, ao lado da portaria principal da UFSC. Oferecer shows de gospel pop & reggae não é original – a “inovação”  está  na  aproximação  ousada  com  este  público.

100

observador/a. O cenário religioso da BDN apresenta a mescla entre continuidade e re(i)novação, manutenção e conquista de públicos, e os discursos de seus/suas crentes se caracteriza pela peregrinação entre congelamento e derretimento – o que veremos no capítulo que segue.

101

C

apítulo 3: Discursos congelados e derretidos

O

s/as líderes do Bola Running Floripa (BRF) convocaram: “Neste  domingo  teremos   a   Corrida   Pague   Menos,   grande   oportunidade   que   Deus   nos   deu   para   “invadir”,   então postem em seus perfis de Face, partiu para correr e glorificar! Vamos

conquistar a Ilha! Deus levantou um exército de guerreiros que treinam, correm e pregam o evangelho”  – remetendo ao slogan evangelizando com os pés.340 Esta postagem no grupo do BRF do FB demonstra que a BDNF – a BDN como um todo, aliás – planeja conquistar um público mais ampliado, indo além dos/as surfistas e universitários/as. Postagens como esta são importantes na divulgação da BDNF, mediando a invasão de  territórios  espirituais  e  mercadológicos:  “Galera, as novidades estão bombando! É a igreja avançando e saqueando o inferno! Neste sábado, 24/11/12, estreia o programa Bola de Neve Floripa na rádio Sara Brasil FM, das 18h às 19h. Sintoniza aí e dá um \o/  glória!”341 Os destaques em itálico, meus, demonstram etapas do percurso discursivo da BDN, que vai da beligerância (exército, guerreiros) ao domínio (correndo, avançando, invadindo, saqueando, conquistando), passando pela prosperidade (há algo mais próspero ao/à crente que saquear o inferno?) , coloquialidade (galera, tá bombando) e fluidez. A própria conceituação de discurso, segundo Orlandi, vem de curso, percurso, correr por, da palavra em movimento, mediadora entre o sujeito e o seu contexto.342 Adaptando a  frase  “tudo   que  é  sólido  desmancha  no  ar”,343 tudo que é sólido derrete no discurso da BDN – ou parece na iminência de derreter. Mas nem tudo é tão plasmado na agência: líderes e fiéis caminham

340

Esta competição foi realizada na Avenida Beira-Mar, em 25/11/12, e patrocinada por uma rede de farmácias chamada Pague Menos. Evangelizando com os pés é o slogan do BR. Bola Running Floripa. Disponível em: . Acesso em: 19/11/12. Acompanhei com Sene, no segundo semestre de 2012, treinos, competições e reuniões do Bola Running. Tal observação será descrita em capítulo do livro (Re)conhecendo o sagrado: reflexões teórico-metodológicas dos estudos de religiões e religiosidades, que estou organizando e deve ser lançado entre o segundo semestre de 2013 e o primeiro de 2014. O título provável do texto é Correndo prá Jesus à Beira-Mar: um diálogo entre-autores. 341 Programa Bola de Neve Floripa. Disponível em: . Acesso em: 25/11/12. 342 ORLANDI,   1987.   Conforme   ela   argumenta,   “essa   mediação,   que   é   o   discurso,   torna   possível   tanto   a   permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive.  O  trabalho  simbólico  do  discurso  está  na  base  da  produção  da  existência  humana”. 343 BERMAN, 1991.

102

num lago de gelo com pontos estáveis e quebradiços, permanências e inovações – discursos congelados e discursos derretidos. O discurso derretido da BDN é percebido de algumas formas: se comparada a outras agências evangélicas, ela é mais flexível em relação ao uso de vestimentas, tatuagens e adornos. O discurso não verbal da agência, relacionado à decoração interna e externa do ambiente, agencia a ideia de informalidade. É comum o uso de uma linguagem coloquial/informal observada em pregações, conversas com crentes da igreja e material de divulgação da mesma. Para se adequarem à sociedade fluida do tempo presente, ou da modernidade líquida,344 agências religiosas de supergeração345 como a BDN têm primado em falar a linguagem do seu público, estimulando a aquisição de discursos e mercadorias, aumentando seu capital simbólico346 e conquistando maiores fatias do mercado. Entretanto, em movimento (aparentemente) contrário ao da fluidez, as práticas eróticas e afetivas dos/as fiéis recebem intenso policiamento – um discurso congelado. Tal regulação, que reforça a autocensura e a culpa em relação ao pecado, é entendida por boa parte dos/as frequentadores/as da BDN como algo positivo e desejável: o discurso da agência, por mais rígido que seja, só continua existindo porque há uma demanda para isto. A solidificação do discurso também caracteriza-se pelo uso enrijecido de doutrinas como do domínio, cura/libertação, saúde perfeita, prosperidade e batalha espiritual. Tais   discursos,   ainda   que   conservadores   e   “fixos”,   amoldam-se e derretem em direção à satisfação das expectativas da/o fiel por rigidez e congelamento, demonstrando aparente ambiguidade. Mas como entender a demanda por um discurso que mescla flexibilidade e fundamentalismo? A maior parte dos/as fiéis da BDN veio de outras agências evangélicas e do catolicismo, em que a  vida  cotidiana  recebe  distintos  graus  de  normatização.  “Caretices”  como  a  proibição  do   uso de tatuagens impulsionam crentes a procurarem espaços que acolham tais práticas, entretanto, há fundamentos que são acolhidos e internalizados. Entre eles, destacam-se a castidade, a virgindade, o casamento (precedido de paquera e namoro), bem como o repúdio à 344

BAUMAN, 2001. Entendo como neopentecostalismo de supergeração o fenômeno do uso das mais contemporanizadas formas de midiatização (especialmente da internet)  pelas  “igrejas  neopentecostais”  (MARANHÃO Fº, 2010d). 346 No  sentido  de  Bourdieu  de  “prestígio,  carisma  e  sedução”,  relacionado  às  “relações  de  troca  através  das  quais   esse capital  se  acumula”  como  “troca  de  serviços,  dádivas,  atenções,  cuidados,  afeição”  (BOURDIEU,  1996). 345

103

homossexualidade, às identidades   de   gênero   “desviantes”,347 ao aborto, ao divórcio, à prostituição, à promiscuidade e ao sexo antes ou fora do casamento. As normatizações que regem estes temas costumam se amparar em apropriações de versos bíblicos feitos de modo descontextualizado sócio-historicamente: as interpretações fundamentalistas da Bíblia, que encontram forte ressonância na BDN e convivem “ambiguamente”   com   a   flexibilização   de   usos e costumes. Na BDN a escuta às demandas dos/as fiéis é realizada por líderes de menor patente hierárquica como os/as responsáveis pelas células. Tais diálogos são imprescindíveis para a negociação e estabelecimento de novas diretrizes do marketing de guerra santa da agência: há fronteiras discursivas que vão sendo derretidas e/ou congeladas de acordo com os duplos agenciamentos entre fiéis e agência religiosa. Apresento agora um pouco destes dois tipos de discursos da BDN, identificados através da informalidade/coloquialidade, do uso das teologias da batalha espiritual, do domínio e da prosperidade, e das (supostas/aparentes) ambiguidades em relação aos papéis (não) desempenhados pelas mulheres na agência.

“Na  casa do Senhor não tem feijão queimado”: coloquialidade na BDN “Na  casa  de  Deus   não  tem   leite  derramado,  não  tem   feijão  queimado,  não  tem  arroz  ‘unidos   venceremos’   amém?”   Desta   forma o Apê explica as diferenças entre mundo e igreja – demonstrando a coloquialidade/informalidade como componente do discurso derretido da BDN.348 O discurso pastoral na (da) BDN costuma ser acompanhado pelo uso de gírias, corridas pelo altar, mudanças na modulação da voz e conversa com membros da agência –, sobretudo com os/as líderes, dotados de maior capital simbólico que os/as restantes. Isto é demonstrado quando Digão pede durante a pregação que alguns dos presbíteros procurem informações na 347

Identidades de gênero consideradas desviantes e abominações, a transexualidade e a travestilidade são comumente confundidas nestes ambientes com a homossexualidade (igualmente entendida como abominação, pecado e desvio). Comentei sobre tais identidades em outras ocasiões (MARANHÃO Fº, 2011b, 2011c, 2012b, 2012f, 2012i, 2013a, 2013b). 348 Lançando flechas, de Rinaldo Seixas. Cultos em áudio. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2010.

104

internet através de seus tablets da Apple e as comentem com a igreja.349 Outro exemplo está na contação de piadas, como vemos em pregação de Rina: Uma irmã foi meio poética em dizer:  ‘Pastor, o amor é como capim. Você planta, ele  cresce,  e  aí  aparece  uma  vaca  pra  comer  e  estragar  tudo’.  E  tem  gente  que  diz:   ‘Pastor,  casamento  é  igual  piscina  gelada.  Sempre  tem  um  tonto  que  pula  primeiro   e  depois  fala  pros  outros:  ‘Vem  que  a  água  tá  boa!’  ou,  ‘pastor  eu  não  me  preocupo com o final do mundo e com a Besta... eu me preocupo com o final do mês, e a besta  da  minha  mulher  falando  no  meu  ouvido!’” 350

Em uma postagem recente em seu perfil público do FB, Rina comentou: “prá você que namora e pula a cerca, te desejo uma cerca   elétrica”. 351 A coloquialidade também é percebida em frases como “cutuca  o  vizinho  do lado  e  diz  tal  coisa”,  utilizada para manter a atenção do/a fiel e estimular um clima lúdico e participativo; e em exclamações feitas por líderes e fiéis durante a pregação como queima Jesus, liberta, tá amarrado/tá repreendido, ô glória, aleluia, glória a Deus, desenrola o manto, ô mistério, tá no óleo, quebra o vaso, fala Jeová, é o fluir de Deus, desce o cajado, é cajado puro, misericórdia, miserica, arrebata teu povo, leva tua noiva e desce o fogo.352 A informalidade também pode ser percebida nas pregações do pastor teen Nathan Gouvêa, filho do Apê Rina: “fala   com   o   irmão   do   lado:   cês   tão   dormindo?   Acorda   vagabundo!”   e   “vocês  tem  uma  missão:  convidar  pessoas para os nossos  eventos!”.  A  fala  “cês  tão  dormindo”  

349

O que nos estimula a pensar a BDN como uma agência que caminha entre o   “online”   e   o   “offline”,   ou   simultaneamente em ambos os ambientes – como esboço no capítulo sobre ciberespaço. 350 Tem que haver mudança, de Rinaldo Seixas. Cultos em áudio. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2010. Este trecho sinaliza temas caros para a BDN, como a economia e a afetividade, especialmente o casamento, que nesta agência, deve ser realizado, preferencialmente, entre fiéis da BDN e após concordância do pastor local. 351 Postagem de 20 de setembro de 2013. A mesma é uma textimagem que hibridiza o texto mencionado e a imagem de Burro, personagem da série Shrek, da Dreamworks. Chamo textimagem este tipo de postagem típico do FB que mistura discurso verbal e não-verbal. 352 Estas expressões são repetidas por líderes e fiéis. Durante minha pesquisa de campo em unidades da BDN, especialmente na BDNSP, BDNF e BDN Balneário Camboriú escutei diversos jargões comuns em outras agência evangélicas. A expressão tá amarrado, por exemplo, vem dos rituais de religiões de matriz africana e refere-se no contexto evangélico ao impedimento de manifestações satânicas, costumando se associar a tá repreendido. Queima Jesus significa a destruição de algo impuro, especialmente vindo de atitudes de pessoas do mundo, ou ímpios. As expressões ô glória, aleluia, glória a Deus, louvado seja Deus e graças a Deus expressam adoração a Deus e/ou concordância com o discurso pastoral enquanto desenrola o manto e ô mistério se relacionam a algo que chama a atenção na pregação, no sentido de tremendo. A expressão fluir de Deus identifica a pregação bem exposta. Jargões como quebra o vaso, desce o cajado e cajado puro identificam   pregação   com   teor   exortativo,   “puxão   de   orelhas”  nos/as   fiéis   e   tem   como contexto o pastor de ovelhas que conduz seu rebanho. Situações desagradáveis para o/a crente são expressas por não toque no ungido do Senhor, misericórdia (ou miserica), e teriam como resposta o sangue de Jesus tem poder, que identificaria a proteção proporcionaria ao que crê.

105

é recurso linguístico utilizado por Rina e apropriado por outros/as pregadores/as da agência e a missão de convidar pessoas para eventos demonstra o objetivo da BDN em alargar estacas. 353 A pregação de Nathan, como dos/as demais pastores/as da BDN, varia entre o estímulo à participação através de jargões e à introspecção nas orações. Lembrando Jean-François Lyotard,  no  discurso  “os  interlocutores  lançam  mão  de  todos  os  meios,  mudam  de  jogo  entre   um enunciado e outro: a interrogação, a súplica, a asserção e o relato são lançados confusamente   na   batalha”, e através   da   flexibilidade   “se   privilegiam   certos   tipos   de   enunciados, por vezes um único, cuja predominância caracteriza o discurso da instituição; há coisas que devem ser ditas e maneiras de dizê-las”.354 Durante a pregação Nathan dirigiu-se a dois fiéis através das expressões gordo e fanfarrão, os abraçando. Tal informalidade, acompanhada de certo contato físico com o/a fiel, se assemelha ao que Bourdieu denomina estratégias de condescendência,   “transgressões simbólicas do limite  que  permitem  ter  concomitantemente  os  lucros  da  conformidade  e  os  da  transgressão”,   exemplificando:   “é   o   caso   do   aristocrata   que   bate   nas   costas   do   cavalariço   e   do   qual   se   dirá   ‘ele   é   simples’, querendo dizer com isso, tratando-se de um aristocrata, que é um homem superior   cuja   essência   não   comportaria   em   princípio   tal   conduta”. 355 Tal discurso, configurando diálogo aparentemente horizontalizado entre líder e fiel, é observado no que Orlandi chama ilusão da reversibilidade.356 Esta sugere que o discurso religioso é marcado pelo autoritarismo, havendo   o   “desnivelamento   fundamental   na   relação   entre   locutor   e   ouvinte: o locutor é do plano espiritual (o Sujeito, Deus) e o ouvinte é do plano temporal (sujeitos,   os   homens)”,   em   que   o   “locutor   é   Deus,   logo,   de   acordo   com   a   crença,   eterno,     infalível, todo-poderoso; os ouvintes são humanos, logo, mortais, efêmeros, de poder relativo. Na   desigualdade,   Deus   domina   os   homens”. 357 O discurso religioso é autoritário por se referenciar e qualificar em si, no suposto da perfeição divina, e caracterizado pela contenção da  polissemia:  “não  podemos  dizer  que  o  discurso  autoritário  seja  monossêmico,  mas  sim  que   353

Culto do Ministério Teens da BDNSP. Pregação de Nathan Gouvêa, 19 de novembro de 2009. Anotações de caderno de campo. Nathan é líder do Ministério Nacional de Teens da BDN. À época da pregação, Nathan tinha 16 anos e já era pastor da igreja. 354 LYOTARD, 1979, p.31. 355 BOURDIEU,  1996,  p.  104.  Para  Bourdieu,  o  consagrado  condescendente  “possui  o  privilégio  dos  privilégios,   aquele que consiste em tomar liberdades com seu privilégio. (...) um dos privilégios da consagração reside no fato de  autorizar  transgressões  que  estariam  proibidas  de  outro  modo”  (idem, 1996, p.104). 356 ORLANDI, 1987,   p.   240.   Para   a   autora,   “embora   o   discurso   autoritário   seja   um   discurso   em   que   a   reversibilidade tende a zero, quando é zero o discurso se rompe, desfaz-se a relação, o contato, e o domínio (escopo) do discurso fica comprometido. Daí a necessidade de se manter o desejo de torná-lo reversível. Daí a ilusão.  E  essa  ilusão  tem  várias  formas  nas  diferentes  manifestações  do  discurso  autoritário”  (idem,  1987,  p. 240). 357 Ibidem, 1987, p. 244.

106

ele tende à monossemia (...) todo discurso, por definição, é polissêmico, sendo que o discurso autoritário tende a estancar a polissemia”. 358 Tal discurso se fundamenta no porta-voz autorizado,  aquele   “ao  qual  cumpre,  ou  cabe,   falar   em nome da coletividade; é ao mesmo tempo seu privilégio e seu dever, sua função própria, em   suma,   sua   competência”359 e cuja fala   oficial   “dispõe   de   uma   autoridade   cujos   limites   coincidem com a delegação da instituição.”360 As assertivas do/a sacerdote/isa tem assim suposta expressão de verdade, qualificada pelos seus/suas seguidores/as como voz de Deus. Isto é associado a instrumentos simbólicos: a palavra autorizada que é a Bíblia, o espaço autorizado que é o templo, os objetos cúlticos.361 Quando o/a fiel da BDN – entusiasmado/a com a pregação – exclama expressões como fala Jeová, está associando o/a pregador/a a Deus e o/a qualificando como voz autorizada a falar em nome dEle. Ao fazer tal associação, é natural que entenda que deve obedecer às instruções deste/a, apontando para a relação sujeição/autoritarismo do discurso. Desta forma, por mais que o discurso da BDN apresente características de derretimento, ele traz como núcleo duro, congelado, o discurso autoritário, perceptível na apropriação de alegorias bélicas impressas nas teologias da batalha e do domínio espiritual e num discurso econômico com base na teologia da prosperidade. Entre derretimento e congelamento o crescimento da BDN é ritmado pelo floquinho de neve que avançando se torna uma avalanche. A aparente ambiguidade entre enrijecimento e flexibilização demonstra a fluidez identitária, discursiva e de seu marketing – tal mobilidade apresenta uma agência em fluxo. Entretanto, não devemos considerar a BDN como em derretimento absoluto. Uma das características 358

Ibidem, 1987, p. 240. Às inferências de Orlandi sobre o discurso religioso associo o sentido da palavra religião feito por Derrida e comentado por Isaia. O entendimento de Derrida (a partir dos estudos de Beneviste) é de que o termo deriva do latim religio, onde o sentido original seria o de legere, uma série de regras, advertências e interdições, não combinando com o sentido que geralmente se atribui (de transcendência ao divino ou sobrenatural, e onde supostamente a origem da palavra viria de religare: ligar de novo com Deus) (ISAIA, 2008, p.   5).   Neste   sentido,   Bourdieu   contempla   que   a   religião   se   dispõe   a   “assumir   uma   função   ideológica,   função   prática e política de absolutização do relativo e de legitimação do arbitrário”  (BOURDIEU,  1992,  p.47),  e  ainda   mais,   ela   “impõe   um   sistema   de   práticas   e   de   representações   cuja   estrutura   objetivamente   fundada   em   um   princípio de divisão política apresenta-se como a estrutura natural-sobrenatural  do  cosmos”  (Idem,  1992,  pp.3334). 359 Ibidem, 1996, p. 101. 360 Ibidem, 1996, p.87. O porta-voz autorizado age   em   relação   aos/às   demais   através   de   suas   palavras,   “na   medida em que sua fala concentra o capital simbólico acumulado pelo grupo que lhe conferiu o mandato e do qual ele é, por assim dizer,  procurador”  (Ibidem,  1996,  p.89). 361 Ibidem,   1996,   passim.   Como   Bourdieu   sinaliza,   o   trabalho   religioso   é   “realizado   pelos   produtores   e   portavozes especializados, investidos do poder, institucional ou não, de responder por meio de um tipo determinado de prática  ou  discurso  a  uma  categoria  particular  de  necessidades  próprias  a  certos  grupos  sociais” (Ibidem, 1992, p.33).

107

constantes de sua breve história está no uso de um discurso beligerante que desliza em direção aos/às fiéis e ao mundo, no qual a guerra por territórios – espirituais ou/e do mercado religioso – é marcada pelo uso de alegorias bélicas e das teologias da batalha e do domínio espiritual, referentes discursivos de seu dinâmico marketing de guerra santa, que opera a partir de um marketing com a guerra santa.

“Porque  do  Senhor  é  a  guerra”:  preparando davis para a batalha Na casa do Senhor não existe Satanás Xô Satanás, xô Satanás! Trecho de Xô Satanás362 Como um menino e uma pedra lançada ao ar É mais um Golias que vamos derrubar Davi, Oficina G3

A BDN possui um discurso bélico que aponta para a teologia da batalha espiritual. Nesta agência, Satanás e seus demônios, diabos, capetas e zarapelhos fazem parte de uma forçatarefa obstinada  em  causar  a  derrota  dos  seres  humanos,  devendo  ser  combatidos  com  “unhas   e  dentes”  espirituais.   Para efetuar a peleja contra o exército infernal, soldados/as especialistas, forjados/as através de cultos, reuniões celulares, ministérios e eventos – bases de treinamento e operações táticas – utilizam a intercessão (exorcismo/desobsessão/desencapetamento) como bazuca espiritual para aniquilar entidades convocadas à guerra como Exus-caveiras, Pombagiras, Tranca-ruas, Maria Padilhas,363 Capa-pretas, Capirôtos, Carochos, Cramulhões, Coisas-ruins, Caramujosno-lombo364 e outras sobras das Trevas.365 Tais esforços são responsáveis por retirar Lúcifer e 362

Tal canção recebeu interpretações de artistas diversos. A última que escutei foi do Asa de Águia, conjunto de axé music secular. Apesar de não ser uma canção que costuma ser veiculada na BDN, esboça a doutrina da batalha espiritual, comum no campo evangélico brasileiro. 363 Desobsessão é um termo utilizado pelo kardecismo, por exemplo. Mas escutei tal expressão em agências como a BDN, demonstrando a apropriação de vocábulos de outras religiões e apontando para um hibridismo. Nota-se neste discurso maniqueísta um oponente a ser combatido, também chamado de adversário e inimigo. Orixás e entidades de religiões de matriz afro são entendidos/as em muitas agências evangélicas como seres demoníacos, e ressignificados a fim de afugentarem fiéis de tais expressões religiosas e atraí-los. 364 Caramujo-no-lombo foi locução utilizada pelo apóstolo Valdemiro, da IMPD, em 27/11/12, durante programação vespertina,  como  atestei  através  de  observação  de  seu  programa  televisivo.  A  frase  foi  “Você tava capetada, mulher – tava  com  o  caramujo  no  lombo”.   365 A expressão sobras das Trevas foi   referida   por   Digão:   “Meu   guia   está   falando   comigo.  Epa,  não   entendam   errado,  não  tou  falando  de  nenhum  guia  estranho.  Meu  guia  é  o  Espírito  Santo.  Quem  veio  do  “movimento”  não  

108

seus tinhosos do corpo e da alma dos/as crentes bem treinados/as. Agências como a BDN preparam milícias de davis a fim de reprimirem golias diabólicos, envergonharem o Inferno366 e derrubarem a Babilônia.367 Davi costuma ser convidado para os cultos e eventos da BDN – e utilizado como metáfora do/a crente graduado em armas espirituais. Como mencionei, uma das primeiras canções que escutei na BDNF foi Davi, que ensinava: “os   gigantes   se   levantam   a cada dia, a todo o momento,  nos  tentando  destruir”  mas  “do  Senhor  é  a  guerra,  o  inimigo  vem  ao  chão  na  força   do   braço   de   Deus”.368 Em 2012, outros versos persistiam promovendo um Senhor dos Exércitos:   “vem   marchando   com   seus   cavaleiros,   arvorando   a   sua   bandeira,   tem   o   cetro   de   ouro  e  a  espada  nas  mãos”  e  “há um ruído se espalhando sobre a terra, de uma nação que se levanta  para  a  guerra”.369 O portal da BDN na internet convoca os/as adeptos/as a eventos que agenciam e reiteram a davidização. Em junho de 2012 a BDN Juquié realizou o Seminário de Cura Interior e Batalha Espiritual Vencendo os Gigantes. O anúncio (figura 22) refere o 1º verso de Samuel (17:49): “Davi meteu a mão no alforje, apanhou uma pedra e arremessou-a com a funda, atingindo o filisteu com tanta força que a pedra se encravou na testa e o gigante caiu com o rosto em terra”. A mão que se prepara para tomar a pedra é hibridizada com uma onda, remetendo à expressão a grande onda vai te pegar.370 Na mesma data, ocorreu na Praia Grande outro Seminário de Cura e Libertação da BDN, diretamente associado à batalha e domínio espiritual (figura 23).

confunda. Aqui nosso guia é outro. As   sobras   das   trevas   só   imitam   o   que   o   Senhor   faz.”   Salienta-se aqui o entendimento que se tem na BDN de outras expressões religiosas como relacionadas às dimensões infernais. Pregação Desertos, de Digão, em 18/11/12 (Notas de caderno de campo). 366 A batalha contra o capeta é percebida nas liturgias: em 18/11/12, o presbítero Aldo, da BDNF comentou: “Igreja,  vocês  sabem  por que batemos palmas no culto? É por que somos uma igreja avivada, cheia de fogo. Dá uma  salva  de  palmas  prá  envergonhar  o  inferno!”  (Anotações  de  caderno  de   campo).   Envergonhar o Inferno é expressão recorrente na BDN. 367 Promover a queda da Babilônia, sendo esta uma alusão aos perigos do mundo é uma locução muito utilizada na BDN – demonstrada pela canção Caia Babilônia, como veremos no próximo capítulo. 368 Esta sentença faz parte do 1º verso de Samuel 17.47:  “E  saberá  toda  esta  congregação  que  o  Senhor  salva, não com  espada,  nem  com  lança;;  porque  do  Senhor  é  a  guerra,  e  ele  vos  entregará  na  nossa  mão”.  Davi é uma canção da Oficina G3. 369 As canções O chão vai tremer, do Toque no Altar, e Eu sou de Cristo, de David Quinlan, foram performatizadas no culto de 25/11/12, dentre outras, e entremeadas por brados de Digão conclamando a igreja a marchar e conquistar. O primeiro verso descrito é da canção do Toque no Altar, e o segundo, de Quinlan. 370 Os seminários de cura e libertação da BDN costumam ser ministrados por pessoas convidadas. No caso do realizado em Jequié, a missão ficou a cargo do Ministério Apostólico O Libertador de Israel, liderado pelo apóstolo Sírio e a pastora Vanda de Olivença, ambos da Bahia.

109

Figuras 22 e 23: Seminário de Cura Vencendo os Gigantes e Seminário de Cura e Libertação371

Boa parte dos seminários de cura e libertação da BDN372 são ministrados pela apóstola Itioka, que percorre as unidades desta e de outras agências com o fim de preparar as/os crentes para o combate. São eventos pagos, com o valor variando de acordo com a data de inscrição.373 Como observamos na imagem de um destes eventos (figura 24),374 Itioka se faz acompanhar por um leão,375 sinalizando a associação entre batalha e consequente domínio sobre adversários/as espirituais e terrenos/as. As Conferências Proféticas também dão pistas da 371

Ambos foram realizados entre 8 e 10 de junho de 2012. As inscrições davam direito à apostila e o valor era R$ 30, indicando uma padronização do serviço. Notícias. Disponível em: . Acesso em: 02 jun. 2012. 372 Uma das ferramentas associadas à batalha espiritual e à cura e libertação é o ritual de exorcismo, no qual uma pessoa autorizada retiraria demônios das pessoas. Na BDN, de modo geral, este ritual deve ser realizado por líderes ou membros do ministério de intercessão, através da imposição de mãos, oração e expulsão do capeta em nome de Jesus. Nesta agência, o exorcismo não encontra tanto espaço como em outras agências consideradas “neopentecostais”,  talvez  por  conta  de  seu  público  segmentado,  que  espera  da  BDN  comportamentos  distintos  de   igrejas mais estigmatizadas, como a IURD. A batalha espiritual é modo eficaz do sujeito trabalhar demônios ou golias interiores – como traumas e insatisfações – de modo terapêutico, semelhantemente ao que fazem as comunidades anônimas de ajuda mútua (como os narcóticos, neuróticos, alcoólicos anônimos) com seus métodos de espelhamento dos problemas, nos quais os indivíduos comentam com /as parceiros/as de grupo suas dificuldades, exorcizando os problemas. 373 O evento é pago, e o valor das inscrições difere em relação ao dia do pagamento. Até cinco de abril de 2009, o valor do evento foi de R$ 30, e a partir deste dia, passou a R$ 35,00. 374 No dia 20 de abril de 2009, estava referido na seção News do site da BDN o Seminário de Cura e Libertação ministrado por Itioka na BDN de Atibaia. O evento se realizou entre os dias 17 e 19 de abril de 2009, em três horários, com abertura às vinte horas, horário em que se distribuiu, como de costume nestes eventos, uma pequena apostila que serve como guia explicativo do curso. O evento continuaria nos dois dias seguintes a partir das oito horas, seguindo até o final da tarde, com pausas. 375 Biblicamente falando, a maioria das alusões a este felino é positiva, sobretudo a de Gênesis 49 e a de Apocalipse 5.5. Gênesis 49. 8: Judá, a ti te louvarão os teus irmãos; tu dominarás a teus inimigos; os filhos de teu pai a ti se inclinarão. Gênesis 49. 9: Judá é um leãozinho, conquistaste sua presa, filho meu; encurva-se, e deitase como um leão, e como um leão velho; quem o despertará? E verso 10: O cetro não se afastará de Judá, e a ele se congregarão os povos. Em Apocalipse 5.5 Jesus é identificado como o Leão da Tribo de Judá. Apocalipse 5. 5: E disse-me um dos anciãos: Não chore; está aqui o leão da Tribo de Judá, a raíz de Davi, que venceu, para abrir o livro e desatar os seus sete selos. Segundo a tradição cristã predominante, Leão de Judá, assim como Raíz de Davi, é um dos nomes pelos quais Jesus Cristo é chamado no Livro de Apocalipse (ou Revelações) pelo seu suposto autor, João, que geralmente é entendido como um dos apóstolos ou discípulos, especialmente como aquele que teria escrito as Cartas (de João). Ao identificar Jesus como o Leão da tribo de Judá, identificar-se-ia Jesus como o líder máximo da maior das tribos de Israel, e como o salvador e libertador de sua gente.

110

apropriação da teologia da batalha espiritual, em que preletores/as renomados/as no meio evangélico visitam a igreja, devidamente remunerados/as, com o objetivo de pregar suas interpretações bíblicas.376 Dentre os/as pastores/as-comunicadores/as convidados/as, muitos/as são conhecidos/as por seus discursos sobre batalha espiritual e prosperidade, como Valnice Milhomens, Malafaia, Wissan Halawi, RR Soares, Jesher Cardoso377 e Antonio Cirilo (figuras 25 e 26).

Figuras 24 a 26: Seminário de Libertação e Cura Interior,378Conferência Profética 2008379 e 2010380

Para combater o Ferrabrás e suas hostes mefistofélicas, os/as davis da BDN também são soldados/as através de Congressos de Batalha Espiritual. Além de Itioka e Rina, costumam marcar presença preletores estrangeiros como Don Lynch e Chuck Pierce (figuras 27e 28). A 376

Em tais eventos costuma haver cobrança de entrada. No dia primeiro de dezembro se iniciou na sede nacional da BDN a edição 2008 deste acontecimento, realizado desde 2004. A cobrança da entrada foi no valor de R$ 20, 00. O evento teria preleções durante a parte da noite no primeiro dia, na tarde e noite, nos dois dias seguintes, e no fim-de-semana, durante os três turnos. Assim, a igreja se mostra  como  atendedora  da  demanda  de  seu  público  segmentado  por  “tratamento  espiritual”,   se inserindo na sociedade individualista e de consumo onde o objetivo da/o fiel é ter suas necessidades supridas. 378 News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009.  Entre  Itioka  e  o  leão,  o  1º  verso  de  Isaías  61  narra:  “O  Senhor me ungiu para pregar boas novas aos mansos, enviou-me a restaurar os contritos de coração, a proclamar liberdade aos cativos, e a abertura de prisão  aos  presos”  – não fica claro se a pessoa ungida/enviada/proclamante é Jesus (sendo o leão uma alegoria deste, como o da Tribo de Judá, referido em Apocalipse 5.5), ou a própria Itioka – e neste caso, esta é referida com autoridade suficiente para derrubar demônios e potestades: aponta-se a associação entre batalha e domínio sobre oponentes espirituais e terrenos/as. Destaca-se também no cartaz o logotipo do ministério de Itioka, Ágape Reconciliação, na parte inferior direita. 379 News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009. Destacam-se na imagem as ondas e coqueiros, reforçando a identidade da agência, associada ao surfe. 380 Imagem enviada ao meu email por uma fiel da igreja. Os/as preletores/as são: Malafaia, Ap. Rina, Santa Geração (de Antonio Cirilo), Wissan, Ap. Kevin, Heloisa Rosa e Jorge Linhares. 377

111

imagem 28 demonstra a beligerância na (da) BDN, remetendo à camuflagem militar, com a palavra guerra repetida, compondo a expressão do Senhor é a guerra. Ao lado do capacete, a exortação: Prepare-se para batalha!381

Figuras 27 e 28: XXI Congresso de Batalha Espiritual,382 XV Congresso de Batalha Espiritual383 Marechais do Reino de Deus como Malafaia, Soares, Milhomens, Pierce, Itioka e Rina dotam tais eventos de eficácia simbólica performativa, apresentam estratagemas de tomada de 381

Logo abaixo há os nomes de preletores como Milhomens e Pierce, além de Itioka e Rina, todos/as referidos como apóstolos, conferindo autoridade e eficácia simbólica performativa ao evento. Em seguida, o recado, assinado  por  Itioka:  “Irmãos, Chuck Pierce é um profeta de Deus nesses últimos tempos, usado como canal do Senhor para transmitir a Sua mensagem às nações. De acordo com Pierce, o Brasil está numa encruzilhada, em um momento de decisão: Ou escolhemos o Senhorio de Jesus Cristo sobre a nossa nação para sermos transformados em uma potência e abençoar o mundo, assim como Deus tem falado por meio dos profetas... Ou continuamos no nosso sono e mornidão (sic) em busca apenas da prosperidade, e preocupados em edificar os nossos nomes e ministérios para o nosso conforto, confusos quanto às bênçãos de Deus e, conseqüentemente, correndo o risco de cair numa era das trevas, debaixo do juízo do Senhor. Aprenda a obedecer ao Senhor ao discernir   os   tempos   e   a   sua   vontade”.   Tal   discurso   demonstra   a   importância da obediência do/a crente aos/às sacerdotes/isas beligerantes. Percebe-se também um discurso escatológico representado por expressões como últimos tempos, discernir os tempos, cair numa era das trevas.  Ou  seja,  ou  o  crente  “se  mexe”  ou  pode  sofrer  as   agruras vindas do juízo do Senhor, reservadas aos mornos e sonolentos. A figura destacada de Pierce, profeta internacional, aponta para uma igreja que valoriza o que vem de países anglófonos (o que se percebe no uso do inglês em seu slogan, mercadorias e discursos). Há o reforço da guerra espiritual como caminho para a redenção, tendo como parte do processo a obediência aos/às líderes. 382 XXI Congresso de Batalha Espiritual. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. 383 News. Disponível em: . Acesso em: 3 novembro 2009.

112

posições espirituais e seculares, exaltam a obediência do/a crente-soldado/a e imprimem líderes como porta-vozes autorizados/as e autoritários/as384 – vozes e imagens de Deus na Terra, por vezes sacralizados/as por fiéis. Ao/à gladiador/a-evangélico/a convém ser disciplinado/a, pois como nota Mariano, “os neopentecostais creem que o que se passa no ‘mundo material’   decorre   da   guerra   travada   entre   as   forças   divina   e   demoníaca   no   ‘mundo   espiritual’”.385 O estímulo à subordinação dos/as fiéis é identificado em discurso de Rina, no qual ele comenta que há crentes que  dizem  “êita pastor, eu só me submeto a Deus, eu não me submeto a homens”, o que para ele seria sinal de rebeldia ou trauma do/a fiel. Argumentando que “Deus  usaria  homens  como  líderes”  pediu: “repete comigo: Deus vai usar homens! A igreja é constituída por homens, você vai ter que se sujeitar a alguém que foi levantado por Deus, seja aqui  ou  em  qualquer  outra  igreja  na  face  da  terra!  (...)  Deus  usa  líderes,  Deus  usa  homens!” 386

“Aliste-se  já!”:  o  ministério  de  evangelismo  conclama  ao  ataque O nome de guerra é Jeová. Imagina ele aqui no seu corner. Deus te diz: não te chamei prá ser sparring, te chamei prá ser campeão. Apê Rina

A invasão de territórios é conduzida por ministérios de evangelismo como o Atacar! (figura 29), instalado na BDNSP, quartel-general responsável pela convocação/formação de davis e função logística de criar e gerenciar ardis de inserção no mundo. Seu slogan “a Igreja avança, o   inferno   retrocede” – e   o   anúncio   de   que   “milhares   de   vidas   sob   o   comando   do   inferno   aguardam   ansiosas   a   manifestação   dos   Filhos   de   Deus”   demonstram a ofensiva contra o Príncipe das Trevas e o Império do Mal. Segundo seu sítio, o  Atacar!  foi  “criado por Deus e entregue  a  nós  pelo  Apóstolo  Rina”  com  o   objetivo   de   fazer   com   que   “a   Igreja   tenha   condições,   independente,   dos   seus   investimentos   para a compra do terreno e construção do templo, consiga avançar e progredir com os meios

384

BOURDIEU, 1996, p. 105; ORLANDI, 2007, passim. MARIANO, 1995, p. 113. 386 Lançando flechas, de Rinaldo Seixas. Cultos em áudio. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2010. Como os cultos são atualizados semanalmente no sítio, infiro que esta pregação seja do mês de janeiro de 2010. 385

113

de  comunicação,  evangelismos  e  a  pregação  do  evangelho”. 387 Identificar Rina como o sujeito que entrega aos/às fiéis algo criado no coração de Deus dota o discurso de eficácia performativa, à medida que, como comenta Bourdieu,   “os   agentes   detêm   um   poder   proporcional a seu capital simbólico, ou seja, ao

reconhecimento que recebem de um

grupo”.388 É o reconhecimento e adesão ao líder, visto como espécie de general, que faz o discurso performativo e eficaz. O contexto bélico se complementa: Somos facilmente identificados como membros de uma Igreja focada em eventos de evangelização, estratégias inovadoras, coragem para pregar o evangelho de Jesus em qualquer lugar e sermos apaixonados por Jesus. Isso nunca vai mudar! Então, vamos atacar! Como em qualquer guerra, um soldado precisa estar preparado para lidar com situações adversas e munido de armas para combater. Por isso, o Ministério ATACAR é um projeto que oferece as ferramentas necessárias para o soldado de Deus contribuir na batalha espiritual que é travada todos os dias. O Ministério ATACAR dará suporte e munição para os que se dedicam ao chamado para pregar a palavra de Deus. 389

Como vemos, destacam-se termos e expressões militares como estratégias, guerra, soldado, munido de armas para combater, batalha espiritual e munição, anotando a intersecção entre evangelismo e batalha espiritual, atividades que devem ser realizadas pelo/a crente da BDN. A textimagem seguinte, publicada por Rina em seu perfil público em agosto de 2013, reforça a apropriação bélica no discurso verbal e não-verbal da agência (figura 30).

387

News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009. 388 BOURDIEU,   1996,   p.   82.   Para   este,   “a   A   autoridade   que   funda   a   eficácia   performativa   do   discurso   é   um   percipi, um ser conhecido e reconhecido, que permite impor um percipere, ou melhor, de se impor como se estivesse impondo oficialmente, perante todos e em nome de todos, o consenso sobre o sentido do mundo social que  funda  o  senso  comum”  (Idem,  1996,  p.  82). 389 News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009.

114

Figuras 29 e 30: Ministério Atacar,390 postagem do Apê Rina no FB391

Rina se utiliza de outras expressões que indiciam a beligerância do discurso da BDN. Como ele narra,   “a   igreja   brasileira   está   sofrendo   sérios   ataques”, se apresentando como líder guerreiro:   “eu   posso   comparar   a   minha   vida   a   um   combate,   não   fujo   de   batalhas”. E prossegue: “é   só   você   contabilizar   as   baixas   que a igreja tem tido, nós temos tido muitas baixas  e  a  força  destes  ataques  tem  enfraquecido  e  acuado  a  muitos”,  e  finalizando,  pede  que   o/a fiel se vire para o vizinho de  culto  e  repita:  “Deus  tem  uma  boa  notícia  prá você hoje. O nome de guerra é Jeová. Imagina ele aqui no seu corner. Deus te diz: não te chamei prá ser sparring,   te   chamei   prá   ser   campeão”,   ultrapassando as alegorias militares para as relacionadas ao boxe (sparring denomina a pessoa que auxilia o boxeur em seu treinamento), e  encerra:   “é   hora  do  contra  ataque!”392 As palavras de Rina se relacionam com o trecho do

390

News. Disponível em: . Acesso em: 3 novembro 2009. A imagem do cartaz de divulgação do site, na versão de 2010, apresenta a representação de um/a militar de patente indefinida, óculos e portando o que parece ser um fuzil, juntamente com a palavra atacar. Associa-se à figura do soldado um jipe de guerra, bege, com um outro militar comandando o que parece ser uma metralhadora giratória. A paisagem mostra o que aparenta ser um deserto, com o que parece ser uma cidade, talvez em ruínas, ao fundo. Percorrendo a imagem de cima a baixo, se fixa a palavra ministério, em letras pequenas, que aponta para a já citada atacar, em letras maiores e em caixa alta, ambas as palavras em um tom avermelhado. Ao lado a figura de um helicóptero preto e acinzentado surge. Logo abaixo está a chamada: “Projeto de captação de recursos  para  evangelismo  da  Igreja  Bola  de  Neve”,  tudo  em  caixa  alta  e  no  mesmo  tom   avermelhado. Na diagonal direita inferior, se percebe o logo oficial da BDN, e abaixo de tudo, a chamada: alistese já, acompanhada de ponto de exclamação, com o endereço do sítio ao lado: www.ministerioatacar.com.br. Analisarei mais detalhadamente este ministério em trabalho posterior. 391 Ap. Rina Oficial. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2013. 392 Lançando flechas, de Rinaldo Seixas. Cultos em áudio. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2010. Como os cultos são atualizados semanalmente no sítio, infiro que esta pregação seja do mês de janeiro de 2010.

115

texto   que   diz:   “o   Ministério   ATACAR   dará   suporte   e   munição   para   os   que   se   dedicam   ao   chamado para pregar a palavra de Deus”. Mas quais seriam este suporte e munição? O sítio responde: “para   participar,   o   soldado   deverá   se   inscrever   no   Ministério   e   dar   uma   oferta mensal, que receberá um kit composto por Revistas Cristas, DVDs e CDs de pregação e uma  ministração  do  Apóstolo  Rina”.393 Apresenta-se aqui a compra do kit de mercadorias e a oferta a outras pessoas como estratégia de marketing de guerra santa: o/a fiel atua como multiplicador/a e agenciador/a de produtos e mercadorias da agência. O texto do Atacar! completa:   “vamos   fazer   a   nossa   parte.   Vamos   marchar   e   lutar   por   AMOR   a   Cristo!” 394 As figuras seguintes (31 e 32) apresentam a chamada para que os/as davis da BDN se alistem e adquiram os kits com as devidas munições.

Figuras 31 e 32: Ministério Atacar, Seção Aliste-se Aqui 395

393

News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009. 394 News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009. 395 Segundo a Missão do Atacar, após a contribuição do/a fiel,   é   enviado   ao   mesmo   um   “kit   para   que   este   colaborador   tenha   suprimento   para   sua   edificação   e   para   o   evangelismo”,e   tais   contribuições   auxiliariam   na   manutenção  de  “frentes de evangelismo como o Bola TV (transmitido pela Rede TV na madrugada de domingo), Bola   Radio,   shows   nacionais   e   internacionais,   CDs   e   DVDs   de   pregações,   adesivos,   entre   outros”,   ou   seja,   estimulariam a produção de produtos e mercadorias distribuídos pela agência e consumidos pela/o fiel, em muitos casos, o próprio crente que contribuiu com o ministério. O chamado para a contribuição se dá através de link chamado Aliste-se, cuja programação visual destaca duas tags (identificações militares) com esta chamada. O alistar-se é referido durante outras partes do site, como nas dúvidas frrequentes, onde o crente-recruta pergunta: alistei-me e ainda não recebi o boleto para pagamento, ou o período de meu alistamento acabou e gostaria de renovar, como faço?, ou ainda para se alistar, precisa ser membro da Bola de Neve? Às primeiras perguntas, a informação é que se procure o QG através de endereço eletrônico, e à última, o site conclui não ser necessário ser   membro   da   mesma,   “pois   a   visão   do   Atacar   é   fazer   com   que as pessoas entendam a importância das ferramentas   de   evangelismo   que   possuímos   (Bola   TV   na   Rede   TV,   site   Bola   Radio,   Shows,   etc)”.   Na parte inferior esquerda da página inicial, é identificável uma caixa, remetente ao kit de suprimentos, como se lançada por   um   avião,   onde   se   lê   MC   16:15,   referente   a   versículo   do   evangelho   de   Marcos   que   diz:   “Ide por todo o mundo,  pregai  o  evangelho  a  toda  criatura”,  o  que  é  reforçado  na  parte  do  site  referente  à  Visão  do  ministério.  E  é   neste sentido que se localiza o testemunho   publicado   por   Ingrid,   que   conta   “sou   soldada   do   Ministério   Atacar  

116

“Porque eu não cedo, nem  retrocedo!”: marchando e

conquistando territórios

As marchas, como sabemos, são parte da atividade militar. Na BDN, elas são feitas para Jesus, e realizadas por ministérios como o Recabitas, da BDN Santos (figuras 33 e 34). Seu slogan Porque eu não cedo, nem retrocedo!396 induz o/a fiel à ação e é acompanhado de verso que confirma a belicosidade santa:  “e  à  casa  dos  recabitas  disse  Jeremias:  Assim  diz  o  Senhor   dos Exércitos, o Deus de Israel: visto que obedecestes ao mandamento de Jonadabe, vosso pai, e guardastes todos os seus mandamentos  e  fizestes  conforme  tudo  quanto  vos  ordenou”.397 A representação de um deus bélico (Senhor dos Exércitos) que estimula a obediência, potencializa a beligerância associada à conquista por territórios. As missões dos recabitas demonstram-se exitosas: “centenas de membros da BDN de Santos se reuniram no Canal 2 acompanhados da Bateria de Neve para promover o ‘arrastão de pregação’”398 em que os/as fiéis “circularam de guarda-sol em guarda-sol distribuindo materiais evangelísticos e oferecendo-se para orar pelas  pessoas”. O evento foi “muito  além  das  expectativas:  centenas   de pessoas sentiram o chamado e aceitaram Jesus ali mesmo, na praia, em pleno feriado de carnaval”, comentando “jamais  presenciei  os  evangélicos  numa  ação  como  esta”  e  “farei  uma   visita à igreja”.399 Como vemos, a marcha evangelística na (da) BDN é dispositivo eficaz de promoção e solidificação da mesma.

desde o início, e no dia que foi dado o recado no culto para a gente se inscrever nesse exército, eu e o meu esposo não   pensamos   duas   vezes...   Fomos   pra   cima!!!!!”   Os   kits de munição,   contendo   “CDs e DVDs de pregação, louvor,  adesivos,  Revistas  Crista,  folhetos”,  são divididos em Kit Suprimento,  “voltado a você que se alistou, pois o conteúdo é específico para quem já conhece a Palavra de Deus, com uma linguagem de comunicação destinada ao  alistado”,  e  o  Kit Ataque,  “voltados  para  quem  ainda  não  conhece  o  Evangelho”e  sinalizando  para  a  atividade   proselitista da BDN. Ministério Atacar. Disponível em: < http://www.ministerioatacar.com.br/>. Acesso em: 2 jun 2012. 396 Tal slogan remete a títulos de filme de ação, como Retroceder nunca, render-se jamais, de 1985 (de JeanClaude van Varenberg e com Jean-Claude Van Damme), e conclama o/a crente ao street fighter espiritual. 397 Esta passagem está em Jeremias 35. 18. 398 News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009. Este evento se realizou, de acordo com o sítio, em um 21 de fevereiro de 2008, durante o feriado de carnaval. De acordo com o sítio ainda, a atividade tinha como objetivo a distribuição de panfletos com convites para apresentações musicais promovidas pela própria BDN, com a participação de DJ Gerê, Show de Bola, Banda Alva, Reobote Zion e do conjunto californiano de reggae Christafari. 399 News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009.

117

Figuras 33 e 34: Evangelismo em Santos,400 Geração Recabitas401

Outra forma como a BDN avança contra o capeta – em ordem unida com valentes de outras igrejas – é através da Marcha para Jesus, que tem Hernandes, da Renascer, como marechal. O site da Marcha 2013 refere que o programa Domingo Espetacular realizou uma reportagem de cerca de 20 minutos mostrando testemunhos, trechos da Marcha para Jesus 2012 e as principais denominações do Brasil, como a Igreja Apostólica Renascer em Cristo, Universal do Reino de Deus, Bola de Neve Church, Assembleia de Deus.402

Como vemos, a BDN é reconhecida pela organização do evento403 como importante protagonista na batalha contra o Príncipe do mundo em trevas. A principal tarefa dos/as davis em marcha é humilhar o diabo. Digão apresenta a ideia durante a pregação Três Batalhas, dividida em três cultos distintos de 2012 e que aqui chamo de atos.404

400

News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009. 401 News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009. 402 Confira a repercussão da Marcha para Jesus na mídia. Disponível em: . Acesso em 20 ago. 2013. Na reportagem, é salientada a conversão de jovens na BDN do Rio de Janeiro. Lembro que tal programa é da Record, propriedade do bispo Macedo. 403 É relevante salientar que a Marcha para Jesus não é tão coesa como se esperaria de uma atividade marcial: há um batalhão insurgente (ou um contrabatalhão) em relação à mercadorização da fé, o Movimento pela Ética Evangélica Brasileira, liderado por Paulo Siqueira, que acompanha a maior parte das marchas pelo Brasil com cartazes  e  faixas  com  o  lema  “voltemos  ao  Evangelho  puro  e  simples”  e  o  slogan  “o  $how  tem  que  parar”.  Tal   contramarcha é chamada de Marcha pela Ética Evangélica pelos/as participantes. O/a leitor/a pode se aprofundar através do blog do próprio Siqueira. As pedras clamam. Disponível em: . Acesso em 20 set. 2013. 404 Muitas  das  liturgias  da  BDN  começam  com  orações  como  “dá ordens pros teus anjos poderosos, Pai, prá que eles continuem guerreando por nós, para que nenhuma palavra seja roubada pelo diabo, cerca-nos com uma muralha de fogo, dá-nos  autoridade  sobre  potestades  e  demônios”.  Desta  forma,  Digão  iniciou  sua  pregação sobre batalha e domínio, que se prolongou por três cultos em março de 2012.

118

“Envergonhando  o  Inferno”:  uma guerra em três atos 1º ato:405 Digão inicia a pregação diferenciando três tipos de batalhas – Defesa e proteção, Obrigação e conquista e Expansão de territórios –, comentando que tem batalhas que são proporcionadas pelo Inferno e outras que Deus permite. Há três tipos de guerra que são levantadas biblicamente para Deus trabalhar isto na vida do povo de Israel. Uma pessoa que entendeu estas três batalhas foi o rei Davi. Quando ele deixou de entrar numa destas três batalhas, ele teve a maior tragédia de sua vida.

Após demonstrar que aquele/a que não batalha é suscetível a tragédias, argumenta que em cada uma das etapas os/as crentes devem usar armas específicas: Devemos identificar qual a guerra para saber qual arma espiritual para nos proteger. Era uma obrigação o povo de Israel se envolver com três tipos de batalhas. Hoje vou falar da Batalha da Defesa, da Proteção, que é aquela que parece que estão entrando no nosso quintal. O altar é a arma que usamos para guardar o território. A maneira como impedimos o inimigo de avançar em nossos territórios é levantando altares ao Senhor. Abrão  dizia  “se  meu  altar  tiver  de  pé,  meus  inimigos  não  podem  passar  esta  fronteira”.   Altar caído: os inimigos tem autoridade de te tocar, autoridade de roubar. E quando Deus diz  ‘eu   vou  fazer  algo  que   eu  nunca  fiz   na  sua  vida,  começam  as  guerras,  as  batalhas’.   Por você não saber onde você está você dá tiro pra tudo que é lado.

Relacionou altar com sacrifício e dízimo e finalizou com oração: Eu como sacerdote desta casa, sou o primeiro a levantar a minha espada e declarar que nós estamos em guerra, mas quando eu levanto a minha espada e declaro que estamos em guerra eu abaixo ela e ergo o altar porque sei que esta batalha é batalha de altar. Aquele que deixar o seu eu vivo não vai ter grandes vitórias nesta batalha e vai depender dos outros. Deus não te chamou pra depender dos outros, Deus te chamou pra cabeça e não pra cauda. Como Melquisedeque disse: bendito o Deus Altíssimo que entregou os seus inimigos em sua mão. E Abraão deu-lhe o dízimo de tudo. Vocês estão vindo comigo, igreja? A Bíblia diz que Abraão enriqueceu muitíssimo. Ele ficou riquíssimo em recursos igreja. Mas a alma dele prosperou também. Por que na vida dele ele aprendeu algo que pra vencer seus inimigos, pra envergonhar os que querem tomar o que é seu: deve 405

PASTOR DIGÃO, 2012a. Trabalho aqui com fragmentos da pregação. Evidentemente, me atenho a trechos que julguei convenientes para explicitar o tema do artigo – ciente de que quando retiramos partes de um texto completo, o retiramos do contexto original de fala e o colocamos em outro. Os cultos da BDN Floripa são gravados em CD e comercializados pela Lojinha da Bola. A pregação foi finalizada com louvor no qual se entoaram canções que se referiam a altar e sacrifício.

119

levantar altares! Dói? Dói. Altar sem sacrifício não é nada. Qual o sacrifício? A morte do seu eu. Morrer na cruz. Quando você crê na Palavra de Deus a glória de Deus vem e “bluf!”,   muda   tua   história   na   terra, aleluia. Levanta tua cabeça, pega os seus 318, vai resgatar aquilo que te roubaram porque você tem altar na terra, e você está debaixo da autoridade da igreja. Põe prá fora da tua terra aqueles que estão tentando invadir e tomar aquilo que é teu.

2º ato:406 Em Batalha de obrigação e conquista Digão explica sobre as sete nações, representações das dificuldades do/a crente. A arma é a obediência à Palavra de Deus. A falta de obediência abalou até o rei Davi. Não adianta usar a arma que eu compartilhei com vocês no último culto, este culto é de espada. E cada um maneja a sua, igreja. Espada na Bíblia significa guerra de contato. Posso te orientar, mas a tua espada que vai renovar os inimigos do teu quintal. A Palavra disse em Deuteronômio 7 prá não juntar com outra tribo, com as nações. Cada uma delas representa um inimigo de Israel, e elas representam uma área específica que afastava o povo   de  Israel   do  Senhor.  Por  isso   o  Senhor   diz  ‘não  se  alie  a   eles,  tira  eles   da  terra  e   ponto final. Não se envolve  com  nada  deles’.  Deus  falou  ‘o  que  você  precisa  prá  remover   estes teus inimigos eu vou te dar. Você é pequeno mas eu tou contigo. A força eu vou dar, só me obedece no que eu te pedir. (...) Gerações   depois,   o   rei   Davi   disse   ‘vamos   tomar a terra onde estão morando  os  jebuseus’.  Existem  estes  gigantes,  estas  nações,  que   se levantam e atrapalham nosso andar com Deus.

3º ato:407 Digão explica sobre a Batalha de expansão de territórios, oferecendo a chave para a vitória: Hoje vou ensinar sobre como ir prá guerra. Cristo nos chamou para nós avançarmos e conquistarmos, amém? E termos vitórias onde quer que estivermos e expandirmos o Reino. Prá você crescer tem que ter autoridade dada por Deus. Ele te dá uma chave espiritual. Prá proteger o que Deus te deu, altar. Prá vencer as nações que tentam te impedir de entrar na terra prometida, a espada, que é a Palavra. Prá crescer e avançar, chave. Igreja, se você anda com Cristo e continua pecando, você não conhece a Cristo. Pode ter entendimento, mas não tem revelação. Porque Ele é fogo consumidor, nEle está a autoridade de te levar ao céu ou te levar ao inferno. Isto gera um temor e um tremor do Senhor Deus. Quando Golias ameaça Davi e vai andando, a Bíblia diz que Davi se levanta e sai correndo. Quem tem revelação se adianta. Um menino, com a revelação, 406 407

PASTOR DIGÃO, 2012b. PASTOR DIGÃO, 2012c.

120

envergonhou um exército inteiro. O que Deus não vai fazer através da sua vida quando você tiver revelação? Quer ter autoridade na terra, ore para que o senhor se revele cada dia mais. Tenha um desespero santo em busca da presença daquele que é poderoso.

Concluindo, orou: Eu declaro que tudo aquilo que está amarrando e aprisionando a vida deles, que está bloqueado, travado, nessa noite tenha um rompimento poderoso. Pai, que eles recebam a autoridade para expandir seu território. Rochicalda la pla pla flamando rochicandrinexi caldaracha caldaloi (falando em línguas). Essa é a guerra que todos nós temos que vencer, (música de fundo) porque o espírito de morte de destruição, tenta nos acompanhar a cada dia de nossas vidas. Senhor eu declaro um novo tempo para essa igreja (música se intensifica, toca o chofar), que seja o tempo da expansão, do avançar de sua casa senhor. Que as estacas dessa tenda sejam alargadas. Eu declaro que as portas profissionais se abram... que as portas da escassez sejam fechadas nesse lugar, que as portas da prosperidade venham sobre seu povo, que as portas da cura sejam abertas sobre essa igreja. Que venham as curas físicas, que venham as curas da alma, que o seu nome seja glorificado nessas vidas ó meu Senhor. Espíritos da enfermidade reconheçam a autoridade que existe no nome do senhor Jesus Cristo, e retrocedam nessas vidas. Libera pai o que está retido, abre as portas, libera as curas, libera as prisões, libera os dons, libera os ministérios, libera essa casa ó senhor. Abraça quem está do seu lado e diz assim: você tem que aprender a guerrear as guerras do Senhor.

Os trechos (selecionados) desta batalha em três atos proporcionam que identifiquemos um protótipo do/a crente conquistador/a, o rei Davi, condutor das principais teologias da agência: batalha, domínio e prosperidade, relacionadas à cura e libertação. Invadir a praia e a universidade, saquear o Inferno e dominar territórios não está relacionado apenas ao mundo sobrenatural – nem ao mercado religioso.408 Tal como Davi, guerreiro que se torna rei das nações – apoiado pela geração de Samuel –, o/a crente deve ocupar outros espaços, como o da política.

408

Outra  locução  “nativa”  empregada  pela  BDN  é   saquear o Inferno, como se vê na frase retirada do perfil do Moto Clube BDNF no FB: “Mais uma frente começando, é a igreja avançando e saqueando o inferno! Mais que um   moto   clube,   uma   família.   Um   propósito   e   uma   missão!”   Moto Clube BDN Floripa. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2012.

121

“A  igreja  avança,  o  diabo  retrocede”:  preparando davis para a política Para que a igreja avance, davis são preparados/as para atuar em vários fronts. Um deles é a mídia evangélica/secular, vinculando cultura gospel409 e esfera pública, agenciando o estímulo/apoio a candidaturas evangélicas, nas quais expressões como  “irmão  vota  em  irmão”   (ou   “davi vota em davi”),   são   preciosos:   A   inserção   evangélica   no   mundão representa a tomada de posições ocupadas por diabos, diachos, dianhos e diás – e seus representantes na Terra. Até alguns anos, como argumenta Bourdieu, a eficácia simbólica de que dispunham os/as líderes  religiosos  dependia  de  “ocultar  a  si   mesmos  e  aos  outros  seus  interesses  políticos  (ou   seja,   em   linguagem   ‘pagã’,   interesses   ‘temporais’)”. 410 No Brasil, até recentemente os/as pentecostais pregavam a exclusão da/o   fiel   “deste   mundo”   – notadamente da mídia e da política –, o que não ocorre mais com tanta intensidade, como vemos na disposição de algumas agências (neo) pentecostais em estimular candidaturas. Como sustenta Mariano, a doutrina do domínio pensa promover uma espécie de recristianização da   sociedade   “‘pelo   Alto’,  quer  dizer,  pela  via  político-partidária  e  pela  mídia  eletrônica”. 411 Em 2008, a BDN Santos foi homenageada pela Câmara de Vereadores local por conta de seu aniversário de quatro anos, indiciando uma das primeiras articulações da BDN com o mundo político. Após a entoação de cânticos gospel pelos/as davis santistas e entrega de placa em homenagem ao pastor Eric Vianna, o presidente   da   sessão   declarou   que   “essa   família,   essa   Igreja, está fazendo a diferença nessa cidade”.412 Eric explicou   que   “os   reis   deste   mundo”   estavam  “reconhecendo  o  trabalho  dos  filhos  do  Rei  dos  reis”,  e  que  “por  muito tempo a Igreja foi  vidraça  do  diabo,  mas  que  hoje  jogamos  as  pedras  na  vidraça  do  mundo”  (figura 35).413 Quebrar a vidraça e dominar o mundo prescinde da eleição de davis – candidatos-guerreiros da BDN. Eduardo Tuma, candidato da BDNSP a vereador, foi eleito em 2012 pelo PSDB (coligação PSDB/PSD/PR/DEM), com 28.756 votos (figura 36). Sua campanha foi alvo de 409

Tal expressão é utilizada por pesquisadores/as como Cunha (2007). BOURDIEU, 1996. 411 MARIANO, 1995, p. 44. 412 Segundo me narrou uma fiel, há alguns anos o pastor Eric construiu em Santos uma réplica da Arca da Aliança, e transitava com ela durante eventos como as marchas, guerras proféticas e as baterias de neve, atividades evangelísticas realizadas nas praias santistas durante os carnavais. 413 News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009. Esta homenagem se realizou em vinte e um de junho de 2008. 410

122

polêmicas:  um  dos  “santinhos”  distribuídos  por seu comitê veiculava a imagem e apoio do exdeputado estadual tucano Ricardo Montoro (filho de um dos fundadores do PSDB, André Franco Montoro), que encaminhou carta à executiva paulistana pedindo punição máxima (expulsão) de Tuma, o acusando de falsidade ideológica. Tuma também veiculou sua campanha   ao   apoio   de   Bruno   Covas,   que   “disparou”   comunicado   esclarecendo   não   ter   autorizado a propaganda.414 Outro candidato foi Tanio Barreto, pela coligação PSD/PP a vereador, com apoio da BDN Floripa. Reproduzo carta de Digão, endereçada ao mailing list da BDNF e acompanhada de “santinho”  (figura 37): A Paz do Senhor, estamos perto de momentos decisivos na nossa cidade. Como cristãos, temos que participar e se empenhar para vermos pessoas de família e de caráter que vão representar não somente nós cristãos, mas todo aquele que precisar ser assistido. A palavra de Deus nos diz que quando o justo governa o povo se alegra. Um candidato que indico para colocarmos como representante da sociedade junto à câmara dos vereadores é o Tanio Barreto 55005. Há quinze anos conheço o trabalho que ele realiza junto aos mais necessitados (...). Frequentador da igreja, tem se envolvido em projetos que realizamos junto às comunidades carentes e demonstrando exteriormente o que é no seu interior. Vamos juntar esforços nesses últimos dias que antecedem as eleições para colocarmos um representante não somente da igreja, mas também de toda a sociedade. Tanio Barreto 55005. Pr. Digão

Figuras 35 a 37: Homenagem da Câmara de Santos à BDN local,415 agradecimento de Tuma aos eleitores416 e “santinho”  de  Barreto417

414

Filho de Montoro pede expulsão de colega sob acusação de fraude. Disponível em: . Acesso em: 22/10/12. 415 News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009.

123

Acompanhei, em 02/09/2012, culto dominical em que a candidatura de Barreto foi apresentada. Após o louvor, Digão assumiu o microfone e contou sua trajetória. Relatou ter sido criado em lar evangélico e se desviado, retornando à fé através de amigo. Este foi responsável por resolver pendência judicial na qual a BDN se envolveu em 2007, e que fizera com que fechasse as portas por alguns meses, reabrindo graças à sua intervenção. Tal sujeito era Barreto, que subiu ao palco para narrar seu testemunho, contando que era chamado de “sem-terra”  pelos  surfistas  graças   a  sua   baixa  condição  econômica,  que  comia   “banana  com   pão  de  manhã  e  pão  com  banana  à  tarde”  e  que,  após  ter  colocado  Deus  à  prova, dizimando com  25  reais,  “o  chefe  da  Mormaii  me  chamou,  me  colocou  na  equipe  principal  e  voltei  com   3500  dólares  do  campeonato.”  Após   obedecer a Deus contribuindo financeiramente, tornouse   referência   no   surfe   e   próspero   a   ponto   “das   pessoas   me   confundirem com o filho do presidente  da  República”.   Digão  comentou  que  a  igreja  deveria  “honrar  a  quem  tem  honra”  e  que  “é  importante  investir   nos  que  são  nossos”,  brincando:  “se  ele  fizer  algo  errado  após  eleito,  levamos  ele  na  salinha   de intercessão e batemos nele”.  Em  seguida,  reforçou  a  importância  do  dízimo,  como   forma   de   “transformar   vidas   e   abrir   igrejas”,   sendo   tarefa   “para   os   que   entendem”,   e   que   estes   “seriam   honrados  por  Deus”.  Amoldar-se a Deus, submeter-se aos líderes e guerrear através de cânticos espirituais foram os motes de sua pregação. Para a BDN, saquear o Inferno se prorroga na canção gospel: As Águias Teens foram chamadas ao palco e tocaram hits recentes sobre batalha, acompanhadas por uma dançarina que prestava continências e pelo presbítero André, que entoava seu shofar. O cantor do conjunto – presbítero Ibirá – repetia de forma mântrica: a igreja avança, o diabo retrocede. Esta liturgia permite que percebamos uma das aparentes ambiguidades da BDN: de um lado do ringue, um discurso congelado se traja com as cores do fundamentalismo, e de outro, um discurso coloquial é moldado pelo derretimento – ambos afinados para atender as expectativas dos/as crentes. A Santíssima Trindade do neopentecostalismo se faz presente nas figuras da prosperidade, da batalha e do domínio santo. No front, filisteus demoníacos são

416

Agradecimento de Eduardo Tuma aos eleitores. Disponível em: . Acesso em: 05 nov. 2012. 417 Recebido por email em 26/09/2012, juntamente com carta do pastor Digão indicando a candidatura.

124

aniquilados por artilharia constituída por uma única pedra lançada pelos/as davis – míssil contra o capeta –, a obediência. A BDN avança, o diabo retrocede.418 *** As referências militares no discurso da BDN costumam ser identificadas pelos/as crentes como representações de significados espirituais, 419 e as forças satânicas como expressões de dificuldades emocionais, familiares, financeiras e profissionais. Mas também são vistas de modo literal – batalhões encapetados militam pela alma dos/as humanos/as: é uma guerra em outro domínio, o do espírito, não separado do real – e desta forma, as citações belicosas devem ser vistas de modo polissêmico. Termos bélicos como alegorias discursivas têm objetivo claro: auxiliar na instituição de gladiadores/as evangélicos/as que batalham contra potestades demoníacas, que também transitam entre os sentidos figurado e literal. O marketing de guerra santa da BDN, articulando um marketing com a guerra santa, convoca diversos personagens para seu teatro de operações de guerra espiritual. 420 Na zona de combate, como em um tabuleiro de xadrez, encontram-se peças escuras e claras: O Cão agencia as Trevas, faz de pessoas cavalos e comanda hordas constituídas por erês, pés-debode, zarapelhos e ferrabrases. Falanges de rafaéis, gabriéis, querubins e serafins precipitam como avalanche celestial, auxiliando plêiades de crentes-soldados/as a sabotar os planos demoníacos e encaminhar Satã para o lugar de onde não deveria ter saído. Tais davis, treinados/as a partir de diversos discursos, atuam na reiteração de normas, agenciam novos/as soldados/as e consolidam a marca BDN no mercado. Dentre as fronteiras que instauram a dicotomização entre davis e golias o principal marcador é a obediência aos/às marechais-sacerdotes/isas. O/a bom/boa davi não somente entende a Palavra, mas tem revelação, disciplina e não peca: sabe marchar direito. A este/a, Deus é fiel – desobedecer, ao invés de reiterar, torna davis passíveis de goliação.

418

Em relação aos resultados das eleições de 2012 em Florianópolis: Barreto não foi eleito, mas ficou como suplente, com 753 votos. É pertinente lembrar que a maioria do público da BDNF é de moradores flutuantes desta cidade, e seu título de eleitor é de outras localidades. Provavelmente poucos/as frequentadores/as da BDNF tenham votado. Fiéis me comentaram que a baixa votação teve como motivo o início da campanha, muito próximo das eleições, e sem o apoio de pessoas e g rupos influentes (Conversa realizada após o culto de 25/11/12). 419 Expressões bélicas como defesa, ataque, estratégias, avanço, expansão, arma espiritual, conquista de territórios e remover inimigos são referentes discursivos recorrentes e que demonstram o contexto militar esperado às/aos que obedecem a um Senhor dos Exércitos. 420 Teatro de operações de guerra é locução utilizada por militares para referirem-se a campos de batalha, ou o espaço geográfico – terrestre, aéreo e marítimo – envolvido nas operações militares de uma guerra.

125

O preparo de davis é mediado pela articulação entre um discurso marcial caracterizado pela permanência/congelamento e novos produtos que representam um marketing de guerra santa que derrete por entre-lugares religiosos, entre-públicos e entre-serviços, vinculando inovações e continuidades: a bola de neve cresce e se adapta com o movimento, mas estacionar também faz parte do trânsito. Mas não faria sentido guerrear e dominar se os sinais da conquista não fossem visíveis – o que nos leva ao terceiro elemento da supracitada Santíssima Trindade do neopentecostalismo, a prosperidade.

É dando à igreja que se recebe de Deus: preparando davis para as finanças Como já citado, o célebre adágio franciscano é dando que se recebe pode ser adaptado, na teologia da prosperidade, para é dando à igreja que se recebe a graça de Deus. 421 E certamente receber tal graça não é de graça. Para tal, o/a fiel deve investir em oração e obediência a alguns dos preceitos bíblicos, como o que prega que a contribuição econômica evita que o gafanhoto devorador invista sobre suas finanças.422 Ou como formulou Mariano, “o  principal sacrifício que Deus exige de seus servos é de natureza financeira: ser fiel nos dízimos e dar generosas ofertas com alegria, amor e desprendimento.”423 Para Lourenço Stelio Rega,  a  teologia  da  prosperidade  funciona  como  uma  espécie  de  “mensalão  gospel”,  o   tipo de suborno que o sujeito quer pagar para Deus votar a favor dele no fatalismo da vida, ou seja, para que tudo funcione do seu jeito e dê certo, não interessa o que precisa ser feito (...) Desde que você pague a conta, a bênção é garantida. Se algo der errado, tudo bem – afinal o ‘mensalão’ já entrou no ‘caixa celestial’.424

Na BDN, ainda que de modo aparentemente ambíguo, uma das formas do/a crente mostrar amor a Deus está no desapego a Mamom, o deus-dinheiro.   Como   pregou   o   Apê   Rina,   “o   avarento está na mesma lista dos bêbados, dos ladrões, dos adúlteros, dos idólatras, dos

421

MONTES, 2000, p. 121. Malaquias 3 especialmente 8 a 11. 423 MARIANO, 1995, p. 44. 424 REGA, 2009. 422

126

efeminados,  dos  impuros”,  e  “o  avarento  faz  do  dinheiro  o  seu  Deus”. 425 Na BDN, mostrar tal desapego e ser fiel nos dízimos e ofertas são comportamentos que devem comungar. Uma maneira como a prosperidade é pregada na BDN está nas intervenções do Ágape, de Itioka. Este ministério costuma se apresentar na agência através de seminários de cura e libertação e de batalha espiritual, distribuindo aos/às pagantes inscritos/as (e pagantes) uma apostila em que são passadas dicas de administração das finanças – especialmente num capítulo denominado Luta contra Mamom.426 Em uma das oportunidades que tive de acompanhar tal ministério, Itioka recitou diversos versos que demonstram que o/a fiel deve contribuir financeiramente com Deus através da igreja a fim de obter sucesso em várias áreas de sua vida, especialmente na financeira. A apóstola relacionou a reciprocidade em Lucas427 com a concepção de Ageu de que as economias do/a crente não lhes pertenceriam mais, mas sim a Deus.428 E explicou: “trabalhe,   ganhe dinheiro, poupe. E devolva a Deus, com alegria, tudo o   que   ele   te   emprestou”.429 Certamente, o local apropriado de devolução do empréstimo seria a igreja.

425

Síndrome de Ananias, de Rinaldo Seixas. Cultos em áudio. Disponível em: . Acesso em: 23 jan. 2010. 426 ÁGAPE RECONCILIAÇÃO, 2005, pp. 47-51. O capítulo Luta contra Mamom é composto pelos tópicos “não  amaldiçoar  o  salário”,  “não  levar  dinheiro  de  origem  Iníqua  (à  igreja)”,  “não  contrair  dívidas”  e  “não aceitar ser  fiador.”  Em  “não  amaldiçoar o salário”,  Itioka  infere:  “não  amaldiçoemos  o  salário  que  recebemos;;  pois  assim   não dará em nada – acabará em poucos dias”,   e   dá   o   seguinte   exemplo:   “Catinguelê.   Com   R$   20.000,00   não   conseguia   sustentar   sua   família.   Com   R$   300,00   conseguiu   sustentar”.     Em   “não trazer dinheiro de origem iníqua”,  refere:  “isto  é,  não  trazer  dinheiro  que  tenha  vindo  da  prostituição,  da  venda  do ouro de ídolos (Dt 7:2526),   da   Maçonaria,   etc”.   É   interessante   identificar   que   como     dinheiro     de     origem     iníqua     se     apresente     o     dinheiro vindo da maçonaria, que neste meio costumeiramente é associado a rituais satânicos. Em “não contrair dívidas”, o espírito de poupança e contenção se mostra claro. Primeiramente ela cita o verso 8 de Romanos  13:  “a  ninguém  fiqueis  devendo  coisa  alguma,  exceto  o  amor  com  que  vos  ameis  uns  aos  outros”.  Este   verso está referido dentro do contexto correto deste capítulo, que fala sobre o pagamento de tributos. Em seguida, ela  complementa,  de  forma  sintética:  “quitar  as  dívidas  financeiras.  Não  trabalhar  com  agiotas  e  ter  cuidado  com   empréstimos bancários. Não se comprometer alem de suas possibilidades.  Comprar  quando  tiver  dinheiro”.  Por   fim, em “não aceitar ser fiador”, não há uma explicação na apostila, tendo apenas a referência a Provérbios 6: 15:  “Filho  meu,  se  ficaste  por  fiador  do  teu  companheiro  e  se  te  empenhaste  ao  estranho,  estás  enredado com o que dizem os teus lábios, estas preso com as palavras da tua boca. Agora, pois, faze isto, filho meu, e livra-te, pois caíste nas mãos do teu companheiro: vai, prostra-te e importuna o teu companheiro; não dês sono aos teus olhos, nem repouso às tuas pálpebras; livra-te, como a gazela, da mão do caçador e, como a ave, da mão do passarinheiro”. 427 Lucas  6.38:  “Dai,  e  dar-se–vos-á; boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos    medirão    também”.   428 Ageu  2.8:  “Minha  é  a  prata,  meu  é  o  ouro,  diz  o  Senhor  dos  Exércitos”. 429 Para explicar sobre o dar com alegria,  a  apostila  refere  a  2ª  Carta  aos  Coríntios,  capítulo  9,  versos  de  6  a  9:  “E   isto afirmo: aquele que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia com fartura, com abundância também ceifará; Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama a quem dá com alegria, Deus pode fazer-vos abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla suficiência, superabundeis em toda boa obra; Conforme está escrito: espalhou, deu aos pobres, a  sua  justiça  permanece  para  sempre”  (Idem,  2005,  pp.  47-51).

127

Durante o seminário Itioka e seus/suas assistentes estimularam o público a dizimar e a ofertar, e no último dia, como declaração do aprendizado do desapego aos valores materiais, foi dada aos/às fiéis a oportunidade destes se dirigirem à frente do altar e novamente contribuírem com a obra de Deus através de suas finanças, depositando ofertas e provas de fé e amor. Eventos como este podem ser observados à luz do marketing mix de Richers: há um público a ser atendido, os/as fiéis da igreja e em potencial; um produto, a exposição do curso através de apostila correspondente; um preço, o valor de ingresso, que em 2005 era de R$ 20; uma promoção, no sentido da midiatização do evento (realizada em cultos, células e cartazes afixados pela agência), e um ponto de venda e distribuição, a própria BDN. Na apostila, os/as davis da BDN são estimulados a contribuir através de ofertas e dízimos, devolvendo ao Senhor o que é dele, pois caso contrário, o estariam roubando. Para explicar isto, é citado Malaquias 3, versos 8 a 11, 430 que vinculam a contribuição financeira à devolução do que é de Deus.  A  apostila  reforça:  “toda  vez  que  levamos  o  dízimo  ao  Senhor,   estamos  declarando  ao  inimigo  que  “tudo  que  tenho  – comida, roupa, casa, carro, dinheiro – é do   Senhor   e   ninguém   pode   tocar   nas   minhas   posses”,   e   que   “o   SENHOR   promete:   abrir   as   janelas  dos  céus;;  derramar    bênçãos    sem  medida;;  repreender  o  devorador”. Mas quais seriam as consequências para quem dá brecha ao Maligno? “Doença, remédio, roubo,   descontrole   no   uso   e   na   mordomia”,   enquanto ao contribuinte excedem “benção   e   multiplicação do ministério, do produto (a vossa videira no campo não será estéril) e bom testemunho”.431 Como aprendido, a/o fiel que é fiel no dízimo tem assegurado bênçãos, o que não é, se torna alvo fácil “do  gafanhoto  devorador  não  repreendido  por  Deus”. Tais versos de Malaquias costumam ser recitados como credo do dizimista nas palestras de Itioka e na maioria dos cultos da BDN, sendo provavelmente os mais repetidos pelos/as líderes da maioria das unidades desta agência, geralmente após o momento do testemunho do/a convertido/a.

430

“8.    Roubará    o    homem    a    Deus?    Todavia,    vós me roubais e dizeis: em que te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas, 9. Com maldição sois amaldiçoados, porque a mim me roubais, vós a nação toda, 10. Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa; e provai-me nisto, diz o Senhor dos Exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu e não derramar sobre vós benção sem medida, 11. Por vossa causa, repreenderei o devorador, para que não vos consuma o fruto da terra; a vossa vida no campo    não    será    estéril,    diz    o    Senhor    dos  Exércitos”. 431 Ibidem, 2005, pp. 47-51.

128

A apostila também ensina aos/às davis da BDN a importância das ofertas, exemplificando através de empresas que colaboram com igrejas estadunidenses e são   “muito   abençoadas: Colgate,  Ford,  Rockfeller” 432 e  de  “uma  mulher  que  deu  com  alegria:  começou  ofertando  1000   dólares; depois teve um alvo de dar 10.000 dólares para o Senhor; depois propôs-se a dar uma oferta de seis dígitos   ($   100.000)!”433 Como   explicou   Itioka,   “quanto   mais   se   oferta,   mais   Deus abençoa.” A Barca Bola de Neve também é pródiga no ensino da prosperidade. Em 2005, o pastor Wissan Halawi participou da Barca Bola de Neve 2005, estimulando: Oremos para que Deus abençoe e dê prosperidade aos pastores e apóstolos do Senhor. É mais que merecido que estes homens, ungidos do Senhor, se vistam bem. Se o melhor terno é o Armani, tem que vestir um Armani. Tem que ter o melhor carro também. Aliás, mais que isto, devemos possibilitar que eles tenham o melhor de Deus por tudo que fazem pelo Reino. Devem viajar é de helicóptero. 434

Outro pregador que costuma participar de eventos da BDN é Antonio Cirilo – por vezes pregando sobre a unção da prosperidade ou unção do ouro em pó.435 O ensino da prosperidade também é percebido em cultos dos teens, conduzido por Nathan. Os/as jovens davis aprendem que a contribuição dizimal é  “o  mínimo  que  se  deve  dar  a  Deus”: Irmãos, vamos agora contribuir com nossos dízimos e ofertas. Olha no Antigo Testamento, Abraão obedeceu a Deus e ele dizimava sempre, nunca deixou de dizimar. E o que é 10%? O crente não dá só 10%, mas ele dá mais. Desafie teus limites! Saiba que 432

Ibidem, 2005, pp. 47-51. É conhecida no ambiente evangélico, a história de William Colgate, fundador da fábrica de dentifrícios Colgate (associada à Palmolive). Conta- se que o mesmo era dizimista fiel e que, com o avanço de seu empreendimento passou a dizimar em quantias progressivas, chegando a 50% de seu faturamento. A história costuma servir de estímulo para que as/os crentes contribuam de modo semelhante. Já a alusão a Rockfeller parece ter base na história de John D. Rockefeller, empresário de meados do XIX, que parece ter doado grandes quantidades de dinheiro a instituições religiosas. 433 Ibidem, 2005, pp. 47-51. 434 Anotação de caderno de campo. Escutei pregação semelhante  do  apóstolo  Valdemiro  em  2011:  “tem  gente  que   critica eu usar relógio de ouro. E este aqui é de verdade viu meus irmãos? Mas vocês já imaginaram se o pastor de vocês se vestisse como um mendigo? Como eu poderia pregar prosperidade a vocês se viesse vestido todo mulambento?”  (anotação  de  caderno  de  campo). 435 Acompanhei na BDNF a unção do pó de ouro (ou ouro em pó). Trazida pelo pastor/cantor Cirilo, do ministério Santa Geração, ela consiste na chuva deste pó durante o culto, permanecendo o pó brilhante nas mãos de alguns/mas fiéis. Tal unção é considerada sinal de prosperidade e também chamada unção do óleo na mão. Como me  descreveu  um  fiel,  “esta  unção  ocorre  mesmo,  a  gente  fica  com  a  mão  cheia  de  pó  de  ouro  de  verdade.  Tem   casos de gente que teve a dentição restaurada com dente de ouro, tem casos de objetos de metal que ficam dourados,  tem  gente  que  tinha  dívida  e  ela  é  quitada  sem  fazer  nada”.  Muitas  vezes  tal  unção  é  associada  a  outras,   como do riso e do choro. Escutei algumas vezes, em eventos da BDN, que uma unção de prosperidade seria derramada.   Contudo,   para   alguns/mas   exegetas   com   quem   conversei,   a   Bíblia   não   se   refere   a   “mais   de   uma   unção”,  havendo  apenas  uma,  recebida  quando  a  pessoa  se  converte  (1  Jo  2.20 e 27).

129

tudo que você vê aqui, todas as mais de 150 igrejas BDN que tem espalhadas pelo Brasil, elas só existem porque você tem este privilégio de participar disto. 436

A aprendizagem da contribuição é realizada através de um jogo discursivo em que se identifica a interpelação que causa empatia (irmãos, nossos dízimos), a sugestão à superação (desafie teus limites!), a apropriação de (suposto) trecho bíblico para corroborar um discurso (olha no Antigo Testamento, Abraão...)437, a chamada ao pertencimento e à colaboração com algo grandioso (você tem este privilégio de participar disto). O enunciado é reforçado pela figura do enunciador: o pastor teen é admirado pelos/as jovens davis por conta de seu capital simbólico (o status de pastor, ungido pelo pai que é fundador da igreja, o carisma, o fato de cantar no conjunto de louvor dos teens), pelo universo cultural compartilhado, e por sua fala coloquial/informal. Seu discurso é dotado de eficácia simbólica performativa, atingindo os objetivos do marketing da BDN de consolidar-se como “igreja  de  jovens”  – o  que  remete  à  “especificidade  do  discurso de autoridade (curso, sermão, etc.)”,  que   reside no fato de que não basta que ele seja compreendido (em alguns casos, ele pode inclusive não ser compreendido sem perder seu poder), é preciso que ele seja reconhecido enquanto tal para

que possa

exercer

seu

efeito próprio.

Tal

reconhecimento (fazendo-se ou não acompanhar pela compreensão) somente tem lugar como se fora algo evidente sob determinadas condições, as mesmas que definem o uso legítimo: tal uso deve ser pronunciado pela pessoa autorizada a fazê-lo, o detentor do cetro (skeptron), conhecido e reconhecido por sua habilidade e também apto a produzir esta classe particular de discursos, seja sacerdote, professor, poeta, etc.; deve ser pronunciado numa situação legítima, ou seja, perante receptores legítimos (...), devendo enfim ser enunciado nas formas (sintáticas, fonéticas) legítimas. 438

Os/as adolescentes da BDN reconhecem Nathan por ser o público adequado a ele, um pastor teen, por estarem cientes do estado religioso do mesmo, por que há o local e a situação que dão ambiente favorável a isto; e desta maneira, aprendem a compartilhar do mesmo sistema de    crenças,    no    sentido    que    Bourdieu    comenta:    “uma    Igreja    não    é  simplesmente uma

436

Culto do ministério teen da BDN de São Paulo. Realizado dia 19 nov. 2009. Sobre o dízimo de Abraão (referido por Nathan), Barna e Viola observaram que ele foi oferecido por Abraão uma única vez, e de modo voluntário (não ordenado por Deus), quando contribuiu doando parte de um saque de guerra ao rei Melquisedeque (não doou, como de costume, nem de suas rendas nem de sua propriedade). O texto bíblico que narra isto é o de Gênesis 14: 17-20 (BARNA; VIOLA, 2005, p. 103). 438 BOURDIEU, 1996, p. 91. 437

130

confraria sacerdotal; é a comunidade moral formada por todos os crentes da mesma fé, tanto   fiéis   como   sacerdotes”439, o que se dá a partir do momento em que escutam o discurso dizimista e ofertório vindo de um semelhante (por ser jovem, possuir arcabouço cultural similar) mas ao mesmo tempo dotado de características especiais, como seu capital simbólico peculiar, o filho do fundador da igreja, o sucessor do cetro da igreja.440 Nathan, líder nacional do ministério Teens, é exemplo a ser seguido pelos/as jovens davis e ao/à crente obediente deve ficar a lição: batalhe, domine e prospere – afinal, como se referiu  Itioka  no  seminário  referido,  “aquele que obedecer os mandamentos, o Senhor colocará por cima, e não por baixo, pois você não  nasceu  para  ser  cauda,  mas  sim,  cabeça”. 441 Como observamos, o/a crente foi feito para ser cabeça, e não cauda. Outro verso bíblico refere que o cabeça da relação homem/mulher é o homem. 442 Mas e a mulher, quem é na BDN?

Mulheres do Bola: combatendo “sem  perder  la  doçura” Apresento agora algumas das (possíveis) ambiguidades do discurso da BDN sobre representações sociais da mulher da (na) agência, enfatizando pontos relativos aos papéis de gênero reservados/esperados/consentidos às mulheres. Estas têm formas de representação e protagonismo reconhecidas na comunidade, ao mesmo tempo em que é conveniente que a submissão ao marido floresça e frutifique. As “ambiguidades” entre liderança e submissão, fundamentalismo e flexibilização não devem ser vistas a partir de um sentido contraditório ou dicotômico: para boa parte dos/as integrantes de agências como a BDN, tais elementos são moldados de maneira harmônica e desejável – 439

Idem, 1992, p.42. É relevante notar a presença de familiares, especialmente de filhos/as dos casais fundadores de agências neopentecostais, na liderança das mesmas. Na IIGD, há o cantor David Soares (que é também vereador), filho do missionário; na IMPD tem relevância a cantora Juliana, filha do apóstolo e da bispa. O bispo Tid e a bispa Fernanda têm como pais o casal Hernandes. A filha do bispo Macedo, Priscila Cardoso, é escritora de “Casamento  blindado  – o  seu  casamento  à  prova  de  divórcio”  e  apresentadora  do  programa  “The Love School – a escola   do   amor”,   ambos   em   parceria   com   o   esposo.   Sobre   a   Love   School,   ver Bronsztein, 2012a. Na BDN destacam-se Nathan e Priscila, respectivamente filho e irmã de Rina. 441 Notas  de  caderno  de  campo.  Fala  fundamentada  em  Deuteronômio  28:13.  “E o Senhor te porá por cabeça, e não por cauda; e só estarás em cima, e não debaixo, se obedeceres aos mandamentos do Senhor teu Deus, que hoje te ordeno, para os guardar e cumprir”. 442 1  Coríntios  13:  2.  “Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo o homem, e o homem a cabeça da mulher;;  e  Deus  a  cabeça  de  Cristo”. 440

131

assim, a ambiguidade pode ser vista como plausível ou aparente. As fronteiras discursivas relativas aos papéis de gênero determinados às mulheres nas diversas expressões de cristianismo se articulam entre aceitação/reiteração da submissão e táticas subversivas a esta. A discrepância entre os gêneros no cristianismo é apontada por Maria José Fontelas RosadoNunes  em  relação  ao  catolicismo,  para  quem  “somente  homens  celibatários  – padres, bispos, cardeais – têm assento nos lugares onde se elabora a estratégia de atuação e se decidem os destinos da instituição”.443 Esta não é uma relação sem traços de tensão, como mostra a autora:  “uma  parte  das  religiosas  não  aceita  essa  situação  de  inferioridade  a  que  são  relegadas   na  Igreja;;  não  raro  eclodem  conflitos  entre  elas  e  as  autoridades  eclesiásticas”.444 Ao mesmo tempo em que se reafirma o estatuto de subordinação, há formas de reação da mulher católica. Dentre estas, está sua evasão rumo a outras agências religiosas, dentre elas a BDN. Nas agências evangélicas há diversas formas de negociação entre o consentido e o marginal. De modo geral, é esperado nestes espaços que a mulher reitere normas binárias de gênero relacionadas à liderança masculina. O espaço reservado ao protagonismo feminino ocorre a partir de negociações contextuais e relacionais entre as mulheres e as lideranças (masculinas)445 das agências, e em geral, ainda que haja possibilidade de exercerem cargos de liderança, os postos mais altos costumam ser ocupados por homens. Muitas das mulheres percebem-se diminuídas em relação à participação efetiva ou igualitária na organização destas agências – outras tantas não dão tal importância a isto. Mas como entender a valorização que parte das mulheres dá à liderança feminina mesmo sabendo que esta é relativa, não costumando ocorrer no mesmo nível da masculina? É possível que a resposta esteja na importância dada à pertença,446 ainda que o mesmo ambiente religioso possa facilitar a inclusão/protagonismo e ao mesmo tempo promover a 443

ROSADO-NUNES, 2001, p. 505. Idem, 2001, p. 506. José Carlos Pereira, argumentando sobre a ICAR,  diz  que  “quando  se  trata  da  questão  do   poder da mulher, a atitude da Igreja exibe um tipo de apartheid de gênero, a começar pelas funções que elas têm permissão  para  desempenhar  no  templo  e  na  ocupação  dos  espaços  dentro  do  mesmo”  (PEREIRA,  2009,  p.  187).   Para ele, as ações que diferenciam homens e mulheres na ICAR são  legitimadas  a  partir  da  concepção   “de um Deus homem à imagem e semelhança masculina, isto é, uma divindade que corresponde ao seu duplo. Portanto, as representações masculinas de Deus do imaginário católico ajudaram a conferir às mulheres um lugar inferior em relação ao homem. A Igreja, através de seu poder simbólico, moldou tais representações sobre um Deus Pai à imagem e semelhança do varão, configurando, assim, o papel da mulher na Igreja como mera reprodução dos papéis  que  ela  desempenha  no  lar”  (idem,  2009,  p.  188). 445 A reiteração da predominância masculina sobre a feminina não é uma condição sine qua non: muitas mulheres que são líderes de igrejas reproduzem e/ou reforçam tal condição. 446 Sobre  adesão  religiosa,  Maria  das  Dores  Campos  Machado  argumenta:  “as  histórias  de  conversão  masculinas revelam situações de desemprego, dificuldades financeiras e problemas pessoais na área de saúde nas justificativas para a adesão religiosa ao Pentecostalismo; já as mulheres quase sempre associam suas escolhas religiosas com as desavenças familiares e as necessidades – materiais e espirituais – do   grupo   doméstico”   444

132

desigualdade, apagamento, desprezo e exclusão. Assim como a mulher pode sentir-se acolhida em determinado aspecto, pode perceber-se discriminada em outro. As instituições negociam estas frustrações de formas variadas – quando negociam. Na BDN as mulheres reproduzem e reiteram dicotomias de gênero ao mesmo tempo em que procuram negociar com os/as líderes a possibilidade de representatividade e ocupação de cargos de destaque e liderança. Tais negociações ocorrem mediadas pelas representações que as mulheres fazem de si – e que a agência faz delas, divulgando e consolidando a marca BDN no mercado religioso. O ministério Mulheres do Bola (MDB) demonstra o desejo de representatividade buscado pelo público   feminino.   Ele   teria   nascido   como   “resposta   de   oração   de   muitas   mulheres”,   e   seu   “tempo   de   início   foi   dado   por   DEUS   através   da   Pastora   Denise.   Através   da   vida   dela, recebemos   direção,   suporte   e   orientação”.447 Denise assume a posição de voz qualificada e autorizada a falar e agir em nome de Deus 448 e das mulheres do Bola. Assim, há uma mentora a ser obedecida (recebemos direção, suporte e orientação) pois Deus agiria por meio dela (o tempo de início foi dado por DEUS através da pastora Denise).449 Como se vê no layout da versão de 2012 do site (figura 38), há um fundo rosa, cor que predomina no logotipo circundado de flores, constantes em outras partes da imagem. O site possibilita que as fiéis, suas destinatárias, conheçam melhor as mensagens de suas líderes e acessem dicas de beleza, moda e cuidados com o lar. Em todo o site florescem signos atribuídos à feminilidade.

(MACHADO,   2005,   p.   389).   Para   ela  há   uma   “negociação   constante  relativamente  à  religião   e,   sem   dúvida,   à   família, enquanto um valor está englobando as revisões individuais das adesões religiosas”  (idem,  2009,  p.  15). 447

Mulheres do Bola. Culto de mulheres, s/d. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2012. 448 DEUS está grafado em caixa alta neste trecho do site, aparentemente para conferir maior eficácia simbólica à informação. 449 Mulheres do Bola. Culto de mulheres, s/d. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2012.

133

Figura 38: Ministério Mulheres do Bola450

As MDB têm suas reuniões conduzidas por uma líder, tendo “pessoas  responsáveis  por  cada   detalhe: decoração, lembrancinhas, boas-vindas, recepção interna e externa, mailing, brindes, assistência  social,  lojinha”,  havendo  “espaço  para  ministrações  sobre  saúde  feminina, beleza, comportamento”.  O  ministério  é um  “projeto  de  restauração  dos  relacionamentos  familiares”,   pois   “toda  mulher   sábia  edifica   a  sua  casa;;  a   insensata,  porém,  derruba-a com as suas mãos (Provérbios  14.1)”.451 Em relação à liderança feminina na BDN, um dos critérios principais é o casamento. Há mulheres solteiras que conduzem células e ministérios, mas em geral prevalecem as que são casadas com diáconos, presbíteros e pastores22. Nunca soube de diaconisas, presbíteras ou pastoras solteiras na BDN, 452 nem de mulheres que tenham feito pregações em cultos principais. Destacam-se as mulheres que ministram o louvor e adoração, como Denise23. Os títulos honoríficos de líderes são marcadores de diferença entre homens e mulheres. Rina é apóstolo enquanto sua esposa Denise é pastora. Em outras agências evangélicas isto é semelhante: na Renascer o apóstolo Hernandes é acompanhado pela bispa Sônia, sua costela. A IMPD é capitaneada pelo apóstolo Valdemiro, secretariado pela bispa Franciléia.

450

Mulheres do Bola. Culto de mulheres, s/d. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2012. 451 Mulheres do Bola. Culto de mulheres, s/d. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2012. 22 Na BDN Floripa, até 2010, as líderes dos ministérios de dança e teatro eram solteiras e esposas de diáconos conduziam a Bolinha de Neve (infantil), o louvor e as boas-vindas. 452 Há casos de líderes que foram casadas e se separaram , divorciaram ou ficaram viúvas. 23 Nesta agência, o casamento é entendido como sinal de bênção, estabilidade e prosperidade e é raro que solteiros/as sejam instituídos diáconos/isas. Ainda que não haja impedimentos para que solteiros/as exerçam um cargo de liderança, prefere-se que o/a líder já seja casado/a ou case-se logo.

134

Dentre as atividades da MDB sobressaem a decoração de ambientes, a organização e venda de mercadorias comercializadas na Lojinha da Bola e a administração de donativos destinados à assistência social, reproduzindo as ocupações caseiras esperadas das mulheres da agência, que devem atuar na restauração e edificação da casa. É esperado também que a preocupação com temas como beleza, saúde e comportamento esteja no centro das atenções.24 Durante pregação aos/às davis teens, Nathan falou sobre o Culto das Meninas:  “o  culto  delas   é diferente, tem toda uma decoração especial e o folheto evangelístico   é   rosa”,   estimulando que   elas   convidassem   as   colegas   para   as   reuniões:   “meninas,   não   têm   que   falar   que   é   um   evento da igreja, têm que falar que é uma reunião que vai ter dicas de moda, de beleza e de comportamento”.26 Tais dicas de moda, de beleza e de comportamento reproduzem estereótipos de feminilidade, servindo, juntamente com o folheto evangelístico rosa, como estratégia do Culto de Meninas e do Bola Teens para atrair o público feminino adolescente. Mas as MDB não devem ser apenas femininas – devem ser aguerridas também. É o que sugere seu 4º Congresso de Mulheres (figuras 39 e 40).

Figuras 39 e 40: 4º Congresso Nacional de Mulheres,453 vinheta do congresso454

24

Outros assuntos, como política, ética e economia, por exemplo, não recebem menções no sítio. Pesquisa de campo realizada em 19 de novembro de 2009 no culto do ministério dos teens da BDN, na antiga sede, na Rua Turiassú, São Paulo. Nathan seguiu a liturgia convencional do pai, com oração, louvor e adoração (conduzida pelo próprio Nathan, que se revezou nas funções de baterista, cantor, pregador e intercessor), boasvindas, recados, testemunhos, pedido de dízimos e ofertas (válido também para o público adolescente), pregação, louvor e adoração e despedida. 453 4º Congresso Nacional de Mulheres. Disponível em: . Acesso 26

135

Na primeira imagem vemos duas soldadas fazendo tricô ou crochê apoiadas em um veículo militar, demonstrando a imbricação entre femilidade e aguerrimento. A segunda é referente à vinheta promocional do evento. Tal vinheta apresenta Denise em trajes militares derrubando uma parede de metal  com  um  chute:  em  seguida  aparece  a  frase  “o  Reino  dos  Céus  é  tomado   à   força”.455 Denise coloca um capacete e pilota uma Harley Davidson até o Ginásio Poliesportivo de Barueri (local do evento), encontrando duas tenentes. À primeira pergunta “onde está sua arma” – recebendo  um   “sim  senhora”  acompanhado  de  uma  Bíblia.  À  outra,   indaga   “cadê  o  brigadeiro?”   e  esta   lhe  entrega  uma   bandeja  com  a  guloseima.  Na  sequência   aparece  a  frase  “mas  sem  jamais  perder  la  doçura”, 456 e  o  logotipo  “Mulheres  em  Combate”,   seguido de informações sobre o evento457 e    a  ordem:  “Aliste-se  já!”.    Este  chamado  também   aparece nas divulgações do FB (figuras 41 e 42):

Figuras 41 e 42: Mulheres em combate,458 Aliste-se459

em: 20 ago. 2013. Este anúncio também foi colocado no FB, e até 20 de agosto referia 372 compartilhamentos e 320 curtidas, indicando a alta visibilidade da rede social e a articulação das estratégias de marketing da agência através da mesma. 454 Vinheta do 4º Congresso de Mulheres da Bola. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2013. 455 Conforme Mateus 11.12. 456 A  expressão  alude  à  frase  atribuída  a  Che  Guevara:  “hay  que  endurecerse,  pero  sin  perder  la  ternura  jamás  ”. 457 O congresso será realizado em 28 de setembro de 2013 no ginásio José Correa (Poliesportivo de Barueri), com  ingresso  de  R$  40.  Segundo  o  anúncio,  “o  local comporta confortavelmente aproximadamente 6mil pessoas e possui estacionamento para até 480 veículos. No dia estarão dispostas barracas que venderão diversos tipos de lanches e bebidas. Os Louvores serão ministrados por: Bola de Neve Louvor e Adoração, Mariana Valadão e Heloisa Rosa. As Ministrações estarão a cargo da Pra. Denise Seixas, da Dra. Neuza Itioka e da Conferencista Shannon  Ethridge”  – indicando novamente a parceria com Itioka e o apreço por preletores/as estrangeiros/as. 458 Mulheres em combate. Disponível em: https://www.facebook.com/boladeneveoficial?fref=ts. Acesso em: 10 ago. 2013. 459 Mulheres em combate. Disponível em: https://www.facebook.com/boladeneveoficial?fref=ts. Acesso em: 10 ago. 2013.

136

O slogan do evento é esteja SEMPRE pronta. E o que seria estar sempre pronta para uma mulher do Bola? Perguntada sobre isto Ruth460 explicou: “é   estar   disposta   a   guardar   o   território do Senhor, batalhar pela expansão do Reino dos Céus. E claro, Deus espera que não carreguemos o jugo sozinho. O plano dEle para cada mulher é um   varão   abençoado”.   As mulheres da BDN – endurecendo sem perder a ternura, trazem outra característica relevante: a submissão ao esposo.

“Nós  somos  a  dobradiça  da  porta”:  a mulher do Bola como costela Outra das negociações de papéis de gênero na BDN está na submissão da esposa ao marido: Nós, mulheres, segundo os ensinamentos de Deus, podemos nos enxergar como dobradiças que abrem e fecham mediante ao movimento da porta, que seriam os nossos maridos. O verdadeiro significado de submissão é estar sob a mesma missão que nossos varões, por isso devemos andar lado a lado dele. 461

A mulher é assim, a dobradiça que dá suporte à porta, apontando para a mulher como auxiliadora do   homem;;   no   sentido   dado   por   Machado:   “as   mulheres   se   colocam   como   guardiãs das almas de todos que integram a família, buscando os grupos confessionais sempre que   um   dos   seus   familiares   se   mostre   em   dificuldades”.462 Tal percepção é identificada na pregação de André, da BDNF: Esta é a definição do X, ele é uma incógnita. Só que eu descobri outra coisa aqui também, muito engraçada. O X é também o nome dos cromossomos sexuais. Dos mamíferos, que somos nós (rindo). E ele representa o cromossomo feminino, por isso que a mulher, cara, é uma incógnita (risos gerais da plateia). As mulheres são uma incógnita porque o cromossomo delas é um X. Só pra descontrair. As mulheres são um presente de Deus pra nossa vida, os homens. Meu Deus, o que seria de mim sem minha esposa? Misericórdia. Minha costela.463

460

Pseudônimo. Mulheres do Bola. Culto de mulheres, s/d. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2012. 462 MACHADO, 2005, p. 389. 463 PRESBÍTERO ANDRÉ, 2008. 461

137

A percepção da mulher como costela do homem464 é comum na BDN. Versos da Bíblia costumam ser apropriados para corroborar a dominação masculina no casamento e, em sua maioria, são retirados das cartas de Paulo e do Antigo Testamento. Como exemplos: “multiplicarei  grandemente  os  teus  sofrimentos  e  a  tua  gravidez; darás à luz teus filhos entre dores; contudo, sentir-te-ás atraída para o teu marido, e ele te dominará (Gênesis 3.16)”;;   “mulheres,  sede  submissas  aos  vossos  maridos,  como  convém  no  Senhor  (Colossenses 3.18)”;;   “os   maridos   devem   permitir   que   as   suas   mulheres, que são de um sexo mais frágil, possam orar (I Pedro 3.7)”;;   “o   homem   não   foi   criado   pela   mulher,   mas   a   mulher   para   o   homem   (I Coríntios 11.9)”;;   “as   mulheres   devem   ficar   caladas   nas   assembleias   de   todas   as   igrejas   dos   santos, pois devem estar submissas, como diz a lei (I Coríntios 14:34)”;;  “se  a  mulher  trair  o   seu marido, ela será feita em objeto de maldição pelo Senhor, sua coxa irá descair e seu ventre inchará (Números 5.20-27)”;;  “mulheres,  submetei-vos a vossos maridos (Efésios 5.22)”,  e  um   dos mais citados,   inclusive   na  BDN:   “a  cabeça  do  homem   é  Cristo,  a  cabeça  da   mulher  é  o   homem e a cabeça de Cristo é Deus (I Coríntios 11.3)”. Os discursos sobre papéis sociais entre mulheres e homens na (da) BDN trazem uma representação central: apresenta-se a mulher subserviente – a costela – e o homem viril, provedor e dominador – o cabeça da relação. Podemos indagar: por que razão agências como a   BDN   “permitem”   que   as   mulheres   ocupem   cargos   de   destaque   e   liderança   – ainda que relativas? Provavelmente a resposta possa ser resumida em um termo: trânsito religioso. Como argumenta Sandra Duarte de Souza, a não concordância com as regulações de gênero e sexualidade fomentam a mobilidade: sistemas simbólicos fixados pelas instituições religiosas são fixos até o momento em que uma necessidade especial não é atendida. Como, por força das representações sociais, as necessidades das mulheres são multiplicadas, elas estariam mais propensas ao trânsito, buscando novas combinações que lhes permitam lidar com o seu cotidiano, realizando sua bricolagem a partir de 464

É uma referência ao livro de Gênesis. Gênesis 2.18:  “Deus  disse:  ‘Não  é  bom  que  o  homem  esteja  sozinho.   Vou  fazer  para  ele  uma  adjutora  que  esteja  como  diante  dele’”.  Gênesis 2. 20: “E Adão pôs os nomes a todo o gado, e às aves dos céus, e a todo animal do campo; mas para o homem não se achava adjutora que estivesse como   diante   dele”. Gênesis 2.21: “Então o senhor Deus fez cair um sono pesado sobre o homem, e este adormeceu, tomou uma de suas costelas, e colocou carne no seu lugar”. Gênesis 2.22: “Então da costela que o senhor Deus tomou ao  varão,  formou  a  mulher,  e  trouxe  ao  varão”.   Gênesis 2.23: “E disse Adão: esta é agora osso  dos  meus  ossos  e  carne  da  minha  carne;;  esta  será  chamada  varoa,  porquanto  do  varão  foi  tomada”.  Gênesis 2.24: “Portanto deixará o homem a seu pai e sua mãe e unir-se-á  a  sua  mulher,  e  serão  os  dois  uma  só  carne”.

138

elementos escolhidos de sistemas religiosos diversos, configurando uma verdadeira religiosidade de escolha contínua.465

Carolina Teles Lemos avalia que há uma motivação para a migração fundamentada na “diferença   entre   as necessidades de resignificar os diferentes aspectos que compõem a intimidade e a vida cotidiana e as ofertas religiosas tradicionais, como as católicas e evangélicas históricas”. Atendendo a este trânsito, o discurso feminino das mulheres da BDN visa proporcionar à crente insatisfeita com seu ambiente religioso um espaço de exercício de crenças e ideais – inclusive os relativos à submissão ao homem –, de modo menos sectário. A (aparente) ambiguidade entre liderança e submissão ao homem encontra ressonância no comentário   de   Eliane   Moura   da   Silva:   “na   linguagem   dos   discursos   com   mensagens   fundamentalistas e voltados para as mulheres, o jogo de palavras varia entre doçura, mansidão,  submissão,  poder,  força,  realização”.466 Assim, uma fala marcada pela duplicidade mistura proatividade e submissão da mulher do Bola, demonstrando a mescla entre congelamento e derretimento do discurso. Tal amoldamento identitário configura estratégia do marketing de guerra santa da BDN, que objetiva tanto a permanência da fiel quanto a atração de novas frequentadoras. *** No mercado religioso evangélico, papéis sociais de gênero são referentes discursivos importantes,

marcadores

de

expressões

identitárias

e

agenciadores

da

midiatização/espetacularização e consolidação de agências como a BDN. Nos discursos congelados/derretidos da agência, são plasmadas/condensadas várias narrativas relacionadas aos papéis de gênero, sinalizando a aparente ambiguidade entre formas de destaque e liderança e submissão aos homens, cabeças da relação. Tal duplicidade entre submissão e representatividade/liderança é aparente, pois grande parte das/dos fiéis da BDN costuma encarar tal relação com naturalidade. Oferecer discursos e práticas relacionados a estes temas é uma forma contundente da BDN em atender demandas de seus/suas fiéis. Entre congelamento e derretimento há, na BDN, um discurso fundamentalista sobre gênero, sexualidade, corpo e afetos que tende à monossemia e convive de modo (aparentemente) 465 466

SOUZA, 2006, p. 42. SILVA, 2006, p. 23.

139

ambíguo com a (aparente) liberação de costumes e com uma   “identidade”   religiosa   que   se   esvai por entre os dedos dos que ousam compartimentá-la. No discurso boliurdiano467 sobre sexo e afetos, um tema é recorrente: o matrimônio. Em pregação Digão explica que o sexo antes do casamento é empecilho para a vitória e conquista de territórios: Quando   eu   tenho   uma   vida   sexual   ativa   antes   do   casamento...   digo   ‘ah,   dei   uma   bobeadinha mas vamos resolver, vamos casar’. Resolve nada. Por que é problema de nação. E um documento no cartório não vai expulsar a nação que está dentro do seu coração. Que adianta ter um rock n roll aqui e outro ali e ter uma vida de MMA em casa? Vale?468

Na BDN costumam-se reproduzir os estereótipos e dicotomias em relação ao papel “masculino”   e   “feminino”.   O   homem   seria   espécie   de   cavaleiro   em   armadura brilhante que vem tirar a mocinha da torre. A imagem seguinte dá uma ideia sobre isto. A frase, reproduzida no grupo das MDB do   (no)   FB,   explica   que   “somente   um   verdadeiro   Príncipe   poderá  ter  a  mão  da  filha  do  Rei”.  E certamente, para que isto ocorra, é necessária paciência, como aconselha Rina (figuras 43 e 44).

Figuras 43 e 44 : Somente um verdadeiro Príncipe...,469 perfil público do Ap. Rina 470

467

Faço aqui uma referência ao termo iurdiano, utilizado costumeiramente para se referir à IURD, agência também considerada neopentecostal. 468 PASTOR DIGÃO, 2012c. O sentido de nação, nesta pregação, é o de forças espirituais maléficas. 469 Somente um verdadeiro Príncipe... Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=27222 22115022&set=o.125894027476305&type=1&theater. Acesso em 30 de maio de 2013.

140

Mas o que seria necessário para que o Rei – ou alguém designado por Ele – aceitasse (ou não) uma proposta de casamento na Bola?

“Cadê  o  romantismo,  rapaz?”: noivado e casamento na BDNF A satisfação dos desejos eróticos deve ocorrer após o casamento monogâmico e heterossexual entre fiéis da BDN, ou de outras agências evangélicas, e realizado em cerimônia pública pelo sacerdote. Acompanhei, entre 2005 e 2008, na BDNF, algumas reuniões nas quais ocorreram cerimônias de noivado e de casamento. Os pedidos de noivado e casamento geralmente fazem parte de momento específico da liturgia, 471destinada aos anúncios. 472 Tais pedidos são realizados pelo homem e com a autorização/concordância prévia do/a líder da igreja. Durante a Barca Bola de Neve de 2005, Rina realizou uma cerimônia de noivado. Depois de aplaudido, o casal subiu ao altar e com o apóstolo entre eles, o noivo declarou que a moça era a   “mulher   de   Deus   para   ele,   bênção   e   resposta   de   oração”,   que   havia   ficado   muitos   anos   esperando por alguém, finalmente encontrando-a. Os membros da BDN, emocionados, aplaudiram e exclamaram jargões como aleluia, ô glória, quebra o vaso e glórias a Deus. A noiva, mais tímida neste momento, disse que ele era o homem de sua vida, sendo ovacionada. Por meio do discurso informal – derretido – que caracteriza suas pregações, Rina indagou: “Mas  e  você,  rapaz?  Não  trouxe  nem  uma  florzinha para oferecer à noiva? Cadê o buquê de flores?  Ah,  assim  não  pode!  Cadê  o  romantismo?”473, o que extraiu risos gerais do público e

470

Em meio a varias msgs de eu creio e glória a Deus, uma  fiel  explicou  “o  meu  está  vindo  pelo  3G  da  Vivo!   Está   demorando   prá   baixar!”.   Ap. Rina Oficial. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2013. 471 A liturgia na BDN é constituída assim: chamada inicial, pedindo que fiéis tomem seus lugares; oração introdutória solicitando a Deus que conduza a reunião; momento de louvor e adoração; anúncios; testemunho; estímulo à contribuição financeira; pregação; louvor e adoração. O momento de contribuição econômica, logo após a sensibilização causada pelo testemunho, costuma ter como pano de fundo os versos de Malaquias 3, 8-11, que estimulam a/o fiel a dizimar por temor do castigo divino. 472 No momento de anúncios, pedem-se doações para o Ministério de Assistência Social, que os pais levem as crianças ao Ministério Infantil e os/as adolescentes se dirijam ao espaço reservado ao Ministério Teen. Pode haver  ainda  a  “apresentação  de  bebês  ou  crianças  a  Deus”,  ritual  no  qual  pais  ou  responsáveis  levam  a  criança  ou   bebê ao altar para receberem bênção pastoral. A BDN, como outras agências evangélicas, não batiza crianças, por acreditar que tal rito deve ser feito com a anuência do indivíduo e que só adultos têm a consciência de sua importância. O exemplo que se costuma dar é o de Jesus Cristo, batizado por João Batista, aos 30 anos de idade. 473 Rinaldo Seixas. Cerimônia de noivado na BDN durante a Barca Floripa. 21 de abril de 2005.

141

aparente constrangimento do noivo. Em seguida, cumprimentou a ambos e orou por suas alianças, levando a plateia a outro momento de saudações. A cerimônia de casamento é tradicional, com semelhanças ao ritual católico e, por sua vez, aos ritos evangélicos, que reverberam o católico. Todos/as vestidos/as com trajes de casamento convencionais, os casais de padrinhos esperam próximos do pastor e do noivo pela chegada da noiva, acompanhada geralmente por seu pai e daminhas de honra portando as alianças. Eventualmente, a noiva entra na igreja cantando algum hino em playback (mais raramente acompanhada por algum conjunto), o que ocorre em algumas agências (neo) pentecostais. O discurso pastoral expõe as delícias e deveres do matrimônio, fundamentado geralmente em versos de 1 Coríntios 13.474 O  ápice  está  no  “pode  beijar  a  noiva”,  que  arranca   aplausos. O casamento na BDN é realizado, muito eventualmente, em alguma praia, o que não é uma inovação, pois outras agências especializadas em surfistas já faziam isso, como a Calvary Chapel e os Christian Surfers (inclusive em sua versão brasileira, os Surfistas de Cristo). Quando feito na praia, improvisa-se uma prancha como púlpito, nos mesmos moldes que na agência. O rito é o mesmo, mas as pessoas trajam vestimentas mais despojadas e, às vezes, encerra-se com um luau. Na BDN a satisfação sexual deve ser encontrada no casamento e, dentre os esforços que o crente deve realizar para casar, encontram-se a oração pedindo a Deus o envio da bênção (pessoa designada por este para o casamento), a concordância do/a líder para a paquera, namoro e casamento, com prazos de espera determinados por este/a, e o celibato,  “condição   sine qua non, incluindo-se práticas hedonistas individuais como a masturbação, consideradas pecado   grave   neste   ambiente”.475 O corpo na BDN sofre processos de derretimento e congelamento – e transita entre permanências e descontinuidades.

“Garotas  na  água”:  uma  representação  da  fiel  da  BDN O portal da BDN no ciberespaço permite que identifiquemos algumas das representações que a BDN faz das mulheres, agenciadas como formas de promoção da instituição.

474

O  verso  inicial  de  Coríntios  13  diz:  “ainda  que  eu  fale  a  língua  dos  homens  e  dos  anjos,  se  não  tiver  amor,   serei como   o   bronze   que   soa   ou   como   o   sino   que   retine”.   Estes   versos   ficaram   mais   conhecidos   a   partir   da   apropriação que Renato Russo fez deles na canção Monte Castelo, com a Legião Urbana 475 MARANHÃO Fº, 2010e, p. 48.

142

As formas como o público feminino da BDN é apresentado assinalam uma demanda pela exposição  do  corpo  na  lógica  publicitária,  na  qual  “a  multiplicação  de  imagens  sobre  corpos   saudáveis e sempre belos é bem mais rápida do que a produção real de saúde e beleza no cotidiano”.476 A primeira imagem foi retirada do portal na internet, e a segunda, da primeira edição da Crista, um dos periódicos da BDN (figuras 45 e 46).477

Figuras 45 e 46: Garota com surfboard, 478 garota na água479

Na primeira imagem há uma surfista branca, atlética, de cabelos castanhos com reflexos, roupa de borracha verde e preta, carregando uma prancha de surfe, e que parece ter posado para a foto. Esta representação da fiel-surfista sinaliza uma das expressões identitárias do público da BDN: jovem, surfista, de boas condições socioeconômicas480. A imagem seguinte, da Crista, mostra os logotipos do periódico e da BDN em cor rosa, remetendo a um estereótipo de feminilidade, e traz a figura de uma moça com os cabelos soltos e carregando uma surfboard. A Crista é feita para atender às demandas do/a frequentador/a e atingir fiéis-consumidores/as, atuando no agenciamento da divulgação e consolidação  da  representação  de  uma  “igreja  de  gente  jovem,  bonita  e  sarada”. Destaca-se o slogan “atenção:  garotas  na  água”,  no  qual  se  opera  a  equação  mulheres + surfe, hibridando dois públicos importantes, mulheres e os/as surfistas. Há uma moça com o mesmo tipo físico da anterior, dando braçadas em direção às ondas, deitada em uma prancha de morey 476

SANT’ANNA,  2001b, p. 70. O outro periódico é o Bola News, que – como a Crista – possui versões online e impressa. Esta costuma ser distribuída em eventos de evangelismo. 478 Fragmento do layout do site, versão analisada em 2010. 479 Crista. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2009. A 1ª edição da Crista é de junho de 2003. 480 A atividade do surfe, de modo geral, depende da compra de equipamento, condições de deslocamento do surfista e aparelhagem e tempo disponível para a prática; daí uma boa condição econômica favorecer tal prática. 477

143

boogie481,   mais   comum   entre   as   moças   por   serem   consideradas   “mais   delicadas”   e   “menos   capazes”  de  operar  pranchas  mais  longas.  Ao  lado  do  slogan em rosa, o comentário: imagine-se na praia com sol e altas ondas. Como um bom observador, você fica observando  a  natureza  e…  Uma  garota  sai  do  mar  com  uma  prancha  de  surf  bem estilosa e começa analisar a ondulação. Algum problema?482

Na BDN, a homossexualidade e os trânsitos entre gêneros sofrem interdições, como nas agências evangélicas em geral, e a heterossexualidade é condição sine qua non para que o/a fiel não sofra discriminações homo/bi/lesbo/transfóbicas. Sabendo disso, o comentário acima demonstra que os destinatários do discurso verbal e não verbal são os rapazes surfistas (você  fica  observando  a  natureza  e…  Uma  garota  sai  do  mar   com uma prancha de surf). Pensando no surfista heterossexual como público-alvo inicial da BDN, a imagem da moça remete a duas práticas prazerosas ligadas ao contato físico: uma com a água e a prancha, outra com a jovem. Tais representações femininas trabalham no agenciamento da midiatização e consolidação da identidade da BDN, lembrando que a imagem do portal é acessível ao grande público e a Crista não é direcionada somente ao público interno, mas distribuída em atividades proselitistas, como shows, festivais, competições esportivas, luaus e “evangelismos”   em   praias e outros locais. Investir na representação da jovem surfista funciona na atração deste nicho mercadológico em especial, mas deve-se ressaltar que diferentes unidades da BDN possuem outros públicos-alvo e podem utilizar-se de representações estéticas distintas. O portal no ciberespaço propicia a observação de outras formas como as mulheres da BDN são representadas. No link para os ministérios que agregam voluntários/as para trabalhar na agência, destaca-se o de Atalaias, cujas funções são divididas de modo binário: as mulheres ajudam na acomodação e logística durante os cultos e os meninos colaboram na orientação dos carros estacionados em lugares irregulares e pela vaga de automóvel destinada aos Pastores.483

481

É uma prancha mais curta e leve que a maioria das outras, e própria para a prática de bodyboard, em que o/a praticante desliza sobre as ondas deitado ou de joelhos. 482 Crista. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2009.

144

Vemos que meninos e mulheres possuem diferentes atribuições, os primeiros em trabalho externo e (supostamente) mais viril, como manobristas,484 e   as   segundas   ajudando   “na   acomodação  e  logística”,  remetendo  ao  trabalho  doméstico. O site apresenta outras diferenças entre os gêneros. O anúncio do Circuito Bola de Neve de Skate Amador485 distribui as categorias em amador, iniciante, mirim, infantil e, por último, feminino (figura 47). Isto sinalizaria uma menor presença das moças neste esporte ou a diminuição de sua importância no imaginário esportivo da BDN?

Figuras 47 e 48: Circuito Bola de Neve de Skate Amador,486 bolsa-bola487

Ainda que isto demonstre que a BDN atribui menor importância à mulher skatista, as esportistas   da   BDN   têm   espaço   em   esportes   considerados   usualmente   “masculinos”. Como atendimento a uma demanda, em 2008 foi organizado pela BDN o 1º Torneio Paulista de Futebol Feminino. Na imagem de divulgação (figura 48) há uma espécie de bolsa-bola, que associa o apetrecho futebolístico a uma bolsa, entendida num dado imaginário popular como representação de feminilidade e remetendo ao consumismo como suposta característica

483

Ministérios. Disponível em: . Acesso em: diversas datas. 484

Outra das funções comumente atribuídas aos atalaias da BDN é a de segurança das unidades em momentos de cultos. 485 O evento esportivo ocorreu entre os dias 28/02 – 01/03, em ano não determinado e a partir das 10 horas. O local seria o Trust Skatepark, mas a seção News não se refere ao local do evento; entretanto, pelo prefixo (41) relatado no sítio, entendo ser BDN Curitiba. 486 News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009. Nota-se na imagem do campeonato de skate que a figura utilizada é a de um skatista do sexo masculino. 487 News. Disponível em: . Acesso em: 3 maio 2009.

145

feminina.488 Na BDN costuma haver também um estímulo ao corpo bonito e saudável, tanto de mulheres como de homens.

Mantenha o seu templo belo mas não o profane Disse  Deus:  “façamos  o  homem  à  nossa  imagem  e  semelhança” Gênesis 1. 26 Ou não sabeis que nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? I Coríntios 6. 19 O corpo é material; se é templo, é apenas para profanação David Le Breton

“Se   o   corpo   é   templo   do   Espírito   Santo,   porque   não   decorar   as   paredes?”   Tal   indagação/comentário, feito por uma fiel durante um culto, demonstra um pouco do discurso da BDN, caracterizado, entre outras coisas, pela valorização da estética corporal.489 Manter o templo belo e atraente sem profaná-lo sintetiza o comportamento proposto pelos/as líderes da BDN em relação à aparência do corpo e a sexualidade dos/as fiéis – nesta agência, corpo e sexualidade são referentes discursivos e da veiculação e consolidação da igreja. Um discurso derretido privilegia a imagem do corpo saudável e desejável e um congelado regula os desejos do/a crente. A corpolatria, como descreveram Stéphane Malysse, 490 Wanderley Codo e Wilson Senne 491 , seria a supervalorização do corpo e da aparência, potente na sociedade atual, e se associa ao que Nicolau Sevcenko chama de hipertrofia do olhar,492 em que a visão se torna fonte de orientação e interpretação dos fluxos e das pessoas através das mídias, ideais de modelagem do corpo, mundo fashion;;  à   “constatação cotidiana de que nas sociedades contemporâneas existe uma   crescente   tendência   em   adular,   valorizar   e   mostrar   o   corpo”,   como   contemplou   488

Neste evento, as moças da igreja podiam se confrontar em uma quadra de esportes localizada no colégio Pe. Moye, na Zona Oeste paulistana. O evento ocorreu no dia 1º de novembro de 2008, a partir das oito horas, e a entrada seria um quilo de alimento a ser revertido às obras de assistência social da igreja. 489 Uma postagem recente (16 de setembro de 2013) no grupo do Bola Running de Ribeirão Preto anuncia: “amanhã mais um bom treino de corrida e caminhada. Às 20h no Parque Dr. Luis Carlos Raya. Vamos cuidar do templo   do   Espírito   e   fazer   a   diferença?”.   Bola Running Ribeirão Preto. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2013. 490 MALYSSE, 2002, passim. 491 CODO; SENNE, 2004, passim. 492 SEVCENKO, 2001, p. 68.

146

Sant’Anna493 à  criação  “de  necessidades  pelo  sistema”,  que  “vem  fomentando o hedonismo e o narcisismo,”   como   confere   Castro,494 e à valorização do corpo no neopentecostalismo, que segundo  Campos,    “se   faz  presente  na   insistência  em  embelezá-lo, torná-lo atraente, oferecerlhe conforto, bem-estar, recuperar a saúde, coisas extremamente desejáveis na atual sociedade de  consumo”495, o que se identifica nos/as fiéis da BDN através da adequação a tendências de moda e dos cuidados com o corpo. Como apontei, a BDN tem como características a modernização da linguagem e a flexibilização dos costumes típicos das ondas anteriores do pentecostalismo. Isto parece trazer íntima relação com a construção social da aparência do/da fiel como produto religioso, produção esta que se dá através da imersão ao universo simbólico da igreja, quando a igreja se apropria destes modelos corporais, ditos modernos, por (e para) ser associada à ideia de igreja antenada às novas gerações. Bruna Suruagy Dantas comenta que igrejas neopentecostais como a  BDN  “não  definem  a  identidade  estética  dos  jovens  nem  impõem um perfil para os cristãos seguir”   – mas em filiais como a BDNF, ao menos até 2010, a adequação e o estímulo às tendências de moda como a surf e a skate wear496 auxiliam sim a uma gênese e/ou corroboração de um determinado perfil estético. Ao se inserir nesta comunidade, muitas pessoas se sintam estimuladas a trajar-se de modo semelhante às demais, a vestir-se à lá Bola de Neve, aparentando-se com o surfer que saiu recentemente da praia ou o skatista que realizou manobras radicais no half pipe, no sentido de Malysse  de  que  “na  busca  de  um  corpo  ideal,  os  indivíduos  incorporam  as  imagens-normas de uma   nova   estética   corporal” 497, como mecanismo de inserção e pertença social, indo de encontro   com   o   que   Castro   comenta,   de   que   “o   culto   ao   corpo   garantiria   aos   indivíduos o sentimento  de  pertencimento  a  um  grupo  social.” 498 Como a BDN é uma igreja associada ao esporte, à saúde e à juventude, é comum ver corpos bonitos  e  trabalhados  através  de  exercícios  físicos,  no  sentido  comentado  por  Castro  de  que  “a   493

SANT’ANNA,  2001b, p. 23. CASTRO, 2007, p. 21. 495 CAMPOS, 1997, p. 15. Campos   contempla   ser   “significativo observar que o jornal oficial da IURD, Folha Universal, tem colunas permanentes sobre beleza feminina, ginástica, as modas mais apropriadas para as várias estações do ano aconselhamento sobre as novas descobertas em termos de cosméticos, formas de rejuvenescimento, higiene e outras mais. Estimula-se também a apreciação do belo feminino, reproduzindo-se, em cada  edição,  uma  fotografia,  aparentemente  retocada,  com  legendas  do  tipo:  “H.C.,  esta  bela  morena  de  olhos   verdes,  com  todo  esse  sorriso,  é  obreira  da  Igreja  da  Abolição”  (CAMPOS, 1997, p. 15). 496 Bem  como  outras,  também  identificadas  à  “juventude”  e  ao  “alternativo”,  como  a  moda   hip hop, a fitness, a shopping. 497 MALYSSE, 2002, p. 71. 498 CASTRO, 2007, p. 86. 494

147

construção da aparência, envolvendo adornos, posturas e modos de vestir, passa a depender cada vez mais das formas e volumes corporais e torna-se elemento central no projeto reflexivo do   self”.499 Jovens que se preocupam com sua aparência e/ou cuidado corporal e costumam frequentar o mesmo espaço evangélico não são novidades, como comenta Mariano, para quem “só  nos  anos  80  é  que  efetivamente  despontaram  significativas  transformações  na  estética,  nos   costumes   e   hábitos   pentecostais” 500, e como anota Costa, para quem os Atletas de Cristo e Surfistas   de   Cristo,   fundados   na   década   de   1990,   representavam   um     “rompimento   com   o   ascetismo  tradicional  protestante”,  sendo  o  corpo  “revalorizado  e  tido  como  instrumento  para   a   ação   do   Espírito   Santo”501, no caminho do que comentou Campos,   de   que   “enquanto o pentecostalismo clássico, herdeiro do movimento puritano, impõe regras severas sobre o corpo”,  os  neopentecostais  “o  ressituam,  fazendo  das  reações  dele  o  centro  de  uma  liturgia  ágil   e viva, na perspectiva de encará-lo como um templo do  Espírito  Santo.”502 Através do corpo, o/a fiel atravessa sua experiência religiosa de formas diversas. Uma destas está na utilização de roupas e adereços que lhe situam em um senso de pertença comum e supostamente lhes confere a sensação de aproximação com Deus, já que se utiliza de objetos considerados, mais que autorizados, de certo modo sacralizados. As manifestações corporais nos cultos dão uma ideia acerca da valorização do corpo na BDN. Um aspecto inicial está nas performances que revestem a experiência religiosa dos/as crentes, como notei nas reuniões.503 Durante o momento de louvor e adoração, há pessoas que acompanham as letras colocadas no telão, algumas correm pelo ambiente, outras balbuciam palavras estranhas e oram ajoelhadas ou deitadas, sentindo-se visitados pelo Espírito Santo. Há as que batem palmas de modo aparentemente frenético, referindo a manifestação da presença divina, e as que dão brados como glória a Deus, aleluia, ô glória, ô mistério, quebra o vaso, desenrola o manto, fala Jeová, leão de Judá, raiz de Davi, Jeová Nissi e outras expressões usadas durante as pregações. Até 2010 observei manifestações criativas,   como   dar   cambalhotas   e   “dar   peixinho”   (deslizando no chão amparado com as mãos, como se comemorasse um gol ou cabeceasse uma bola), todas consideradas desejáveis por líderes e fiéis e apresentadas (ou representadas)

499

Idem, 2007, p. 16. MARIANO, 1995, p. 188. 501 COSTA, 2004, p. 51. 502 CAMPOS, 1997, p. 14. 503 Especialmente nos cultos principais da unidade de Florianópolis, que até 2010 localizava-se no Rio Tavares. 500

148

com o objetivo de aceitação e inserção à comunidade. As manifestações, feitas individual ou coletivamente, e de acordo com o estímulo recebido do palco-altar,504 são referidas como fogo do Espírito Santo, quando a/o fiel cai no reteté, tem sapatinho de fogo, está no óleo, está na benção ou é tocha,505 sinal de positivação do status social. As performances, contudo, variam em relação a outras agências evangélicas 506, entre as unidades da BDN e também em relação à mesma unidade, analisada em momentos distintos. Na sede da BDNF, quando situada no Rio Tavares, grupos de fiéis, geralmente do sexo masculino, corriam em volta das cadeiras e na frente do palco-altar. A nova unidade, na Trindade, referida por fiéis como a Bola da UFSC, tem número superior de acentos507, mas o espaço de locomoção é menor, fator que auxiliou na remodelagem das performances. Graças à mobilidade reduzida, nos momentos de louvor os/as crentes ficam em pé, à frente de seus assentos. As canções, em maioria hinos de batalha espiritual, estimulam uma corporeidade onde a ministra de dança performatiza continências. Alguns bradam os braços como se dessem socos no ar, e a maioria bate palmas em uníssono. Um dos presbíteros da agência toca seu shofar.508 A diminuição das manifestações faz parte de uma estratégia entre-públicos do marketing de guerra   santa   da   BDNF,   que   consiste   em   “suavizar”   algumas   práticas   para   seduzir   um   novo   segmento de público, as/os universitárias/os da UFSC, em parte refratárias/os às igrejas evangélicas, especialmente as neopentecostais. A BDNF – analisada até 2010 e em 2012 – revela outras alterações diretamente relacionadas à aparência corporal.

504

A maioria das manifestações são relacionadas com as performances dos/as sacerdotes-artistas, que estimulam que os/as fiéis sentem, se levantem, batam palmas, fechem os olhos, curvem cabeças, etc (MARANHÃO Fº, 2010e, p.42). 505 Todas estas expressões podem dizer a mesma coisa: trata-se do crente pentecostal, aquele que está em conexão direta com o Espírito Santo. 506 Em ADs de Florianópolis, especialmente nas situadas em bairros mais afastados do centro, observei fiéis que dançavam girando o corpo em movimento de 360º. Outros/as dançavam parecendo incorporados por espíritos ou orixás, de maneira semelhante às manifestações de cultos de matriz africana, o que pode indicar um trânsito religioso de pessoas que migram destas religiões ao pentecostalismo. Estas últimas manifestações corporais também são observadas na BDN, ainda que de modo fortuito, quando crentes destas igrejas que a visitam ou passam a frequentá-la (MARANHÃO Fº, 2010e, p.42). 507 A antiga sede, no Rio Tavares, tinha em média 400 lugares, e a nova, na Trindade, 550. Quando a visitei, praticamente todos os acentos estavam ocupados. Entretanto, os espaços interno e externo da segunda são bem menores que os da primeira. 508 O shofar é um instrumento de sopro feito de chifre de animais como o carneiro. Tradicionalmente era usado pelos judeus com vários significados, dentre estes, conclamando à guerra. Este é o sentido usado por líderes evangélicos (neopentecostais em geral), auxiliando no discurso de batalha espiritual de suas agências.

149

Moldes corporais O corpo na BDN pode ser entendido através das fôrmas que o adéquam a determinadas tendências de moda e ao modelamento através de práticas esportivas, num contexto de corpolatria. Agências como BDN, Renascer, Sara Nossa Terra, Crash Church, Sexxx Church, Projeto 242 e Zion, dentre outras, tem como diferenciais a coloquialidade do discurso e a flexibilização de hábitos que são imputados aos/às membros por outras instituições. Para   Dantas,   “as igrejas neopentecostais assumiram uma postura mais liberal e flexível em relação aos hábitos e à aparência de fiéis. Atualmente, não definem a identidade estética dos jovens nem impõem um perfil  para  os  cristãos  seguir”.509 Contudo, em agências como a BDN há o estímulo ao uso de tendências de moda, o que colabora para a criação e reverberação de uma identidade estética coletiva. Quando fiz uma primeira análise, observei características que diferenciavam os/as fiéis da BDN dos/os membros de outras igrejas. Até 2010, havia em unidades como a BDN Balneário Camboriú e BDN Floripa um vestir-se à lá Bola de Neve, aparentando-se como a/o surfista que acabou de dropar ondas ou o/a skatista que realizou manobras no half pipe, o que funcionava na inclusão e aceitação na comunidade. Nestas filiais, a skate wear e a surf wear eram as tendências de moda favoritas, reforçando a identidade   de   “igreja   de   surfistas   e   skatistas”   e   apontando   para   uma   espécie   de   “uniforme   informal”,   já   que   estes   estilos   caracterizam-se pelo despojamento. Ou parodiando a “autorização   dos   símbolos”   de   Bourdieu,   havia   um   “traje   autorizado”, cujo uso era conveniente por representar status na comunidade de fiéis. 510 Na matriz paulistana estas tendências de moda conviviam com outras, como a hip hop, a fitness, a street. Varões e varoas vestiam-se como se estivessem vindo de um dos bons shoppings da região ou chegado da academia de ginástica. Havia maior diversificação estética em  relação  às  unidades  litorâneas  analisadas  até  2010,  ainda  que  o  esforço  em  parecer  “jovem   e  descolado”  fosse  também  perceptível.

509

DANTAS, 2006, p. 104. Aqui   adéquo   a   associação   de   Bourdieu   entre   uma   “voz   autorizada   (o   líder   instituído)”,   uma   “palavra   autorizada   (a   Bíblia,   leitura   considerada   sagrada)”,   um   “templo   autorizado   (a   própria   igreja   onde   se dá o ato litúrgico)”  e  os  “ritos  autorizados  (que  constituem  esta  liturgia)”  (BOURDIEU,  1996,  passim.)   510

150

Nas filiais praianas, quando a temperatura estava mais quente, era comum ver varoas nos cultos com saídas de praia, tops, bustiês, regatinhas, tomara-que-caiam e vestidos curtos, às vezes maquiadas e adornadas com pulseiras, brincos, piercings, colares e outros acessórios, ostentando corpos bronzeados e às vezes decorados com tatuagens (umas com versos bíblicos ou o nome de Jesus). Os rapazes se apresentavam  “cuidadosamente  despojados”  com  chinelos   ou tênis, bonés, bermudas e camisetas regatas nos estilos surf ou skate wear - em geral ostentando marcas e expressões em inglês, alguns com os corpos escurecidos pela atividade do surfe.. Dantas  comenta  que  há  na  BDN  “um  visual  moderno  a  fim  de  se  diferenciar  do  estereótipo  do   jovem   evangélico,”   se   aproximando,   “pelo   menos   na   aparência,   das   pessoas   que não freqüentam

congregações

evangelização”

511

pentecostais,

o

que

contribuiria

para

o

processo

de

,  e  para  ela,  “não  há  regulamentação  das  vestimentas  nem  padronização  de  

estilos”  nesta  igreja512 . Entretanto, ao se procurar tal distanciamento, entendo que se acabou promovendo   uma   estereotipia   do   ser   “jovem   evangélico”   própria   da   BDN,   e   o   fato   das/os líderes usarem dadas tendências de moda e serem objetos de admiração estimulava fiéis a se vestirem de modo semelhante.513 Esta padronagem estética sinalizava o reforço da representação identitária da BDN e atuava como sua promotora. Demonstrava ainda que a flexibilização em relação à aparência do/a fiel era apenas aparente e superficial. Mas a análise feita em 2012 na BDN Floripa mostrou uma (re) adaptação da estética do corpo de líderes e fiéis. No culto que assisti, o nome do tema anunciado pelo pastor Digão foi Moldes. O mesmo comentou sobre a importância do/a fiel em deixar-se modelar por Deus, completando a pregação com a necessidade de submeter-se às lideranças e autoridades constituídas por Deus na igreja e fora dela. Ao saber do tema, o associei às contínuas modelagens que caracterizam a identidade derretida da BDN, bem como parte de seu discurso, forjado a partir de processo de congelamento e derretimento.

511

DANTAS, 2006, p. 116. Idem, 2006, p. 105. 513 Em movimento contrário, é possível que o/a líder, para ser bem-aceito por uma congregação de fiéis, se vista no estilo destes. 512

151

Ao mesmo tempo em que o discurso doutrinário mostra permanências, como visto a respeito dos usos da trindade prosperidade, batalha e domínio, a aparência dos/as frequentadores/as da BDNF recebeu novos moldes. No altar Digão vestia-se de calça jeans, tênis e camisa xadrez com as mangas dobradas. Logo abaixo, na primeira fileira de cadeiras, os presbíteros da unidade se trajavam de modo semelhante: tênis, jeans, camisas de manga curta ou compridas com as mangas dobradas, em maioria, xadrez (algumas listradas e poucas, lisas).514 Os/as frequentadores/as reproduziam esta tendência de moda. Pouquíssimos/as jovens vestiam bermudas ou regatas, também por tratar-se de noite com temperatura amena. Vi no máximo cinco fiéis de bonés, e dez com camisetas com marcas ou slogans de skate ou surfe. A esposa de Digão, pastora Denise, vestia-se de modo sóbrio, com calça e blusa sociais pretas, utilizando  poucos  adornos,  como  as  demais  líderes  (que  na  BDN  são,  antes  de  tudo,  “esposas   de   líderes”).   A   maioria   das   fiéis   vestiam-se como se fossem ao shopping ou a cultos de agências cristãs mais tradicionais, como a católica ou alguma protestante histórica. As exceções estavam em cortes de cabelo mais ousados e alargadores nas orelhas, por exemplo. Na BDNF, em ambos os momentos analisados, a identidade visual coletiva se relaciona com a imagem do líder, mas não é possível afirmar se os ventos de mudança foram articulados primeiramente pela liderança ou pela massa de fiéis. A representação identitária do corpo do frequentador da BDNF mudou. Mas quais as razões? A principal está na proximidade com a UFSC e no interesse em atrair tal público. O visual surfer e skater cedeu lugar ao universitário. Para Mateus,515 da  Célula  UFSC,  “o  jeito  de  se  vestir  é  diferente  porque  é  outro  local.  Começa a  vir  mais  a  galera  da  região,  a  galera  da  UFSC  mesmo”.  Ele  reforça  a  ideia  de  que  o  visual  é   adaptado  de  acordo  com  o  contexto  local:  “eu  sou  de   Blumenau, mas congregava no Bola de Laguna. Lá a galera é meio roots, assim, bermudão e tal. Aqui, no núcleo no norte da ilha, a

514

Até 2010, os/as líderes da BDN Floripa sentavam-se em fileiras de cadeiras situadas no palco-altar, do lado esquerdo do público. Mas tratava-se de ambiente muito maior. Na nova sede desta unidade o palco-altar comporta músicos/as, pastor/a, dançarina e alguém que testemunhe sua fé ou conversão, não muito mais que isto. Nesta, os presbíteros e diáconos/nisas foram realocados para frente do palco, na primeira fileira de cadeiras, que constitui novo espaço de distinção social e marcador de diferença entre líderes e liderados/as. 515 Pseudônimo.

152

galera é mais largada mesmo. E na Trindade a galera vai mais bem vestida. É uma questão cultural,  depende  do  local  onde  está  a  igreja”.    Jonas,516 também desta célula, comenta que se o cara quiser chegar da praia e colar, ele pode ir. No caso da Trindade, tem o negócio de estar mais longe da praia, e diminui o número de pessoas que vem direto da praia. Se o cara sai da praia e vai, não tem impedimento nenhum. O cara tá dando um rolê de skate, quer chegar na igreja, vai. Saiu da facul, pode colar lá.517

Em algumas das células, bem como nos núcleos da BDNF, 518 um organizado no Rio Vermelho (norte da ilha) e outro na Palhoça (Grande Florianópolis), as pessoas ainda costumam se vestir de modo mais informal, reverberando o que chamei moda à lá BDN. Assim, na mesma cidade, representações distintas sobre o corpo são não só aceitas como estimuladas, criando identidades locais num contexto relacional de adaptação ao meio, como tentativa de atrair públicos e atender demandas. Estas adequações estéticas sugerem um controle social do corpo, através do aprisionamento de   “corpos   desviados   e   desocupados”,   transformados   em   corpos   dóceis,   eficazes   e   proveitosos.519 Na BDN o estímulo à adequação do/a fiel a uma aparência desejada demonstra uma tentativa de controle social por parte da agência e de apropriação do corpo do/a crente como promotor da divulgação de produtos e mercadorias. Assim, o discurso congelado da BDN se dá no sentido de reforçar o processo de internalização do controle externo e intensificar a auto-censura e a culpa em relação ao pecado. Infiro, entretanto, que boa parte dos membros da BDN entende este controle como positivo e desejável, o que permite identificarmos que o discurso religioso doutrinário da BDN, por mais rígido que seja, só continua existindo porque há uma demanda para isto. Tais discursos deslizam em direção aos/às fiéis através de uma das estratégias principais do marketing de guerra santa da BDN: a espetacularização – tema do capítulo que segue.

516

Pseudônimo. Entrevista realizada em 06 de setembro de 2012, depois da primeira reunião da Célula da BDN na UFSC. 518 O núcleo é uma espécie de célula avançada, que vai sendo preparada para se tornar uma igreja. 519 FOUCAULT, 1981. 517

153

C

apítulo 4: Espetáculo na (da) BDN

“R

odolfo: a letra R   origina   vários   nomes,   como   Rodolfo,   Rock   n’roll,   Raimundos, radicalismo e agora Rodox. Confira a matéria especial do nosso brother, Rodolfo Abrantes”.520

Esta chamada, da capa da segunda edição da revista Crista, de 2003 (figura 49), apresenta Rodolfo como centro das atenções da BDN. A carreira de Rodolfo pode ser sintetizada em uma frase: de um puteiro em João Pessoa a uma Nação Santa. Se numa fase de sua biografia o cantor/missionário narrava que  “foi  num   puteiro em João Pessoa, descobri que a vida é boa, foi minha  primeira  vez”,  em  outra contava sobre  “a  nova  geração  que  vem  prá  santificar  uma  guerra  e  tomar  a  cidade” – sinalizando para uma guerra santa.521 Sua discursividade poética transitou do erotismo e palavrões impressos em canções como Nega Jurema, Selim e a supracitada, quando ainda era líder do conjunto de rock brasiliense Raimundos, à exortação à santidade, batalha e domínio dos/as fiéis em diversas canções, convocando estes/as para adentrarem numa nação santa. Como comentei, ao contrário da maioria dos/as artistas convertidos, Rodolfo deixou os Raimundos no auge do sucesso. No meio da turnê do álbum de maior êxito do conjunto, Só no Forévis, de 1999, e alguns dias após a gravação do CD e DVD Ao Vivo MTV (a primeira iniciativa da MTV brasileira deste tipo), Rodolfo abandonou o conjunto que criou alegando conversão a Jesus.522 Após ter peregrinado por agências como Sara Nossa Terra e BDN, se estabeleceu na segunda. A exemplo dos/as demais cantores/as da BDN, Rodolfo gravou e produziu trabalhos solo (Santidade ao Senhor de 2006, Enquanto é dia de 2007, e Ao vivo de 2010)523 através de uma das gravadoras/distribuidoras da agência, a Bola Music, recebendo ampla divulgação pela internet, especialmente nos grupos da BDN em redes sociais e em 520

2ª  edição  da  Crista,  de  julho  de  2003.  A  chamada  interna  anuncia:  “como  membro  dos  Raimundos  ele  já   arrepiava,  imagina  como  servo  de  Deus”.  À  época,  Rodolfo  ainda  fazia  parte  do  Rodox.     521 Puteiro em João Pessoa é a primeira canção do primeiro disco dos Raimundos, homônimo, de 1994; Nação Santa faz parte de seu primeiro disco solo gospel, Santidade ao Senhor, de 2006. 522 Os Raimundos lançaram seis trabalhos até a saída de Rodolfo em 2000, e outros após a saída deste. Já Rodolfo, em 2001, lançou seu primeiro trabalho gospel, chamado Estreito, seguido em 2003 de Rodox, com o conjunto homônimo formado por ele, e da gravação do show Luau MTV no ano seguinte. 523 Seu último trabalho foi R.A.B.T. – Rompendo a Barreira do Templo, de 2012, pela gravadora Onimusic.

154

plataformas como a Bola TV, a Bola Radio, a Lojinha/Shopping/Planet Bola e a Crista, dentre outras estratégias de midiatização institucional. Rodolfo costuma se apresentar em diferentes unidades da BDN e em outras igrejas, inclusive no exterior – além da BDN em que está sediado como levita, em Balneário Camboriú. Segundo um fiel me contou, em um momento de louvor e adoração em uma igreja próxima a Florianópolis, Rodolfo   parou   o   espetáculo   por   alguns   instantes   e   perguntou:   “galera,   o   que   vocês querem escutar?”   Uma   pessoa   desavisada,   mais conhecedora do repertório do cantor com os Raimundos, seu antigo conjunto secular,   teria   gritado   do   fundo:   “toca   Mulher   de   Fases”.   Após   o   momento de aparente constrangimento, Rodolfo retomou suas canções – obviamente não atendendo tal pedido. Assisti a alguns destes shows/louvores – chamo assim (cons)ciente de que as fronteiras entre louvor e adoração e espetáculo são borradas – inclusive em outras igrejas. Márcia, minha orientadora de mestrado, assistindo à uma apresentação de Rodolfo, comentou ter ficado muito impressionada com o espetáculo assistido na igreja Livres em Jesus, liderada pelo bispo Bita, à época prefeito de Florianópolis (figura 50).524

Figuras 49 e 50: Rodolfo na Crista, Rodolfo, eu e Bita na Livres em Jesus

Na BDN, midiatização e espetacularização andam (ou surfam?) juntas com o gerenciamento de mercado, formando outra santíssima trindade do neopentecostalismo.525 O marketing de guerra santa da BDN é especialmente dependente das formas como a agência midiatiza e espetaculariza seus discursos, práticas e mercadorias – inclusive através das canções de

524

Márcia, muito gentilmente, foi assistir tal apresentação, em 29/09/2008, como forma de compreender melhor o campo de seu orientando – ao que muito agradeço. 525 Referi-me anteriormente a outra, formada por batalha espiritual, domínio e prosperidade.

155

Rodolfo. Mas, para os/as fiéis, que sentido(s) assume(m) a espetacularização e a midiatização? Os produtos e mercadorias oferecidos/as pelas agências religiosas podem possibilitar, dentre outras coisas, o reforço ao sentimento de pertença e o aprendizado de uma doutrina. Cunha comenta   que   “na   cultura   gospel, o consumo e o entretenimento não são apenas ações que respondem  à   lógica  do   mercado  e  da   mídia”   mas “constituem  também   elementos  produtores   de  valores  e  sentidos  religiosos”.  Assim,  “a  mídia  passa  a  desempenhar  o  papel  de  mediadora   não  só  das  dimensões  do  consumo  e  do  entretenimento  mas  doutrinária”,  enquanto  “é  a  mídia   quem vai se alimentar das aspirações desta comunidade de consumidores de bens materiais e espirituais e devolver-lhe   mensagens,   orientações,   estímulos,   consolos.”526 Em outras palavras, mídia e marketing religioso/a analisam as demandas e as transformam em produtos, mercadorias e bens de serviços, acabados e consumíveis – e espetacularizados. Patriota entende espetáculo (ou spetaculum)   como   “aquilo   que   atrai   e   prende   a   atenção   e   o   olhar”,   remetendo   a   uma   natureza   pública   e   interativa. 527 O processo de produção do espetáculo, ou espetacularização,   para   Antonio   Albino   Rubim,   “deve   ser   sempre   encarado   como   construção,   social   e   discursiva” 528e para Guy Dèbord, há associação direta entre o espetáculo e a mercadoria, quando “o  espetáculo  é  o  momento  em  que  a   mercadoria  ocupou   totalmente  a  vida  social”. 529 Este explica que Por esse movimento essencial do espetáculo, que consiste em retomar nele tudo o que existia na atividade humana em estado fluido, para possuí-lo em estado coagulado, como coisas que se tornaram o valor exclusivo em virtude da formulação pelo avesso do valor vivido, é que reconhecemos nossa velha inimiga, a qual sabe tão bem, à primeira vista, mostrar-se como algo trivial e fácil de compreender, mesmo sendo tão complexa e cheia de sutilezas metafísicas, a mercadoria. 530

Dèbord contempla também a relação entre a esfera religiosa e a do espetáculo: o espetáculo é a reconstrução material da ilusão religiosa. A técnica espetacular não dissipou as nuvens religiosas em que os homens haviam colocado suas 526

CUNHA, 2007, p. 170. PATRIOTA, 2007, p. 3. 528 RUBIM, 2002, P. 18. 529 DÈBORD, 1995, p. 30. 530 Idem, 1995, p. 28. 527

156

potencialidades, desligadas deles: ela apenas os ligou a uma base terrestre (...) o espetáculo é a realização técnica do exílio, do além, das potencialidades do homem. 531

Néstor Garcia Canclini relativiza algumas assertivas da Sociedade do Espetáculo de Dèbord. Quem leu esta obra, deve se recordar que   para   Dèbord   “o   espetáculo é a celebração onipresente de uma escolha já feita na esfera da produção e o resultado consumado dessa escolha,”   governando   o   tempo   despendido   fora   deste   processo   e   correspondendo   a uma fabricação concreta da alienação.532 Mas para Canclini, a leitura que Dèbord faz da sociedade, em que as imagens no consumo midiático são manipuladas para controlar o ócio dos/as trabalhadores/as e lhes oferecer satisfações que simulariam compensar suas carências tem relativo suporte de verdade. Canclini vê uma ultrapassagem da espetacularização a todos os aspectos do cotidiano, exemplificando através do patrimônio e do consumo das marcas de roupas.533 Este último aspecto pode levar ainda, suponho, a uma auto-espetacularização: para as pessoas se inserirem no mundo e serem reconhecidas neste, devem se apresentar como mercadorias consumíveis. Rubim   procura   atualizar   o   conceito   de   sociedade   do   espetáculo:   “agora   o   espetáculo potencialmente está (oni)presente, no espaço e no tempo, e afeta radicalmente toda a vida societária (...) transforma-se em algo com pretensões a colonizar todo o mundo da vida”. 534 O espetáculo Antecede historicamente em muito o surgimento da mídia, em sua conformação contemporânea de aparato sócio-tecnológico de comunicação, acontecido de modo substantivo em meados do século XIX. Antes da existência de uma sociedade ambientada pela mídia, o espetáculo tinha sua produção associada quase sempre à política e/ou à religião. Somente na modernidade e, mais intensamente, na contemporaneidade, o espetáculo vai poder se autonomizar dessas práticas sociais, pois passa a ser majoritariamente produzido com inscrição nos campos cultural e/ou da mídia, recém-formados na modernidade (...). Assim, diferente do que acontece no passado, o espetáculo no mundo contemporâneo situa-se no registro do

531

Ibidem, 1995, p. 19. Ibidem, 1995, p. 13. 533 CANCLINI, 2008, p. 48. Canclini demonstra nesta obra que as fronteiras entre internautas, espectadores/as e leitores/as encontram-se, cada vez mais flexíveis. 534 RUBIM, 2002, p. 19. 532

157

olhar laico e secular, configurado no processo de desencantamento do mundo e de inauguração da modernidade, de acordo com Max Weber. 535

Entretanto, é provável que haja um forte momento de reencantamento do mundo, em que as pessoas têm procurado exercer suas religiosidades com maior potência do que nas décadas anteriores à Segunda Guerra Mundial. 536 E associado a isto, que haja um processo de “retorno”   da religião como espetáculo através de novas linguagens e formatos – e agências evangélicas como a BDN são exemplo formidável da espetacularização e midiatização religiosa. Sobre a conexão entre mídia e espetáculo, Rubim comenta que os espetáculos do contemporâneo   “apresentam   tal   envergadura   que   só   podem   ser   operados   através do acionamento conjunto da mídia com outros atores sociais, ambos produtores notórios de espetáculos”,537 o que pode apontar para a marketização operada pelas agências “neopentecostais”,   pródigas na interpolação de mercado, espetáculo e mídia. Sobre esta associação,  Cunha  comenta  que  “expor  a  fé  por  intermédio  dos  meios  de  comunicação  social  é   relacioná-las  diretamente  ao  espetáculo  e  ao  mercado”,  exemplificando: Além das clássicas transmissões de cultos, em que exploram o espetáculo do exorcismo e os milagres, nos últimos anos tem-se inserido programas interativos, de auditório, de variedades, infantis, de debates e de entrevistas, musicais, games – todos os formatos clássicos da mídia são utlizados para mostrar a religião e a fé. Clipes e espetáculos musicais são apresentados por  cantores  evangélicos,  os  “artistas”.538

Cunha comenta que o processo de expansão da espetacularização religiosa no protestantismo brasileiro ocorreu em vários momentos: num primeiro, destacavam-se os grupos evangélicos históricos, que desvalorizavam os rituais cúlticos e eram avessos às formas de espetacularização – e até por isto recebiam uma adesão de fiéis relativamente baixa. Numa segunda etapa, o pentecostalismo, não descartando o valor das pregações, trouxe de volta a “experiência mística com o Espírito Santo, que se manifesta por meio das línguas estranhas e

535

Idem, 2002, p. 17. Avento a hipótese de que, especialmente após as duas guerras mundiais, tenha havido um desencantamento com o otimismo que se tinha em relação aos avanços tecnológicos e científicos, associando-se à demanda de explicações traumáticas para acontecimentos  como  o  holocausto,  contribuindo  assim  para  o  “retorno”  da  religião   como possibilidade de dar conforto e talvez resignação a esse desconforto. Evidentemente é um retorno entre aspas: religiões e religiosidades não saíram inteiramente de pauta. 537 RUBIM, 2002, p. 18. 538 CUNHA, 2007, p. 155. 536

158

dos  milagres” e a ênfase nos rituais de exorcismo; novas pitadas de espetáculo nas igrejas. Em seguida, Curas, exorcismos, a religiosidade e suas manifestações visuais são apresentadas a uma plateia de forma peculiar. Os altares são palcos, com distância demarcada da plateia (...) pastores são artistas principais ou animadores de auditório, usam palavras e gestos que prendem a atenção e a emoção do público: movimentam-se de um lado ao outro, cantam e tocam instrumentos, retiram ou vestem paletós, ajoelham-se ou mesmo deitam no chão, utilizam voz chorosa. 539

Esta espetacularização mais recente dos cultos evangélicos se identifica com uma roupagem cênica, havendo a representação de papéis por parte dos/as líderes, amparados nos objetos e cenários cúlticos teatrais – e como considera Bourdieu, autorizados ou representações objetais,540 e indo um pouco além, muitas vezes sacralizados pelos/as fiéis. O cruzamento mídia/mercado/espetáculo combina com nosso estágio de modernidade, convencionado por Zygmunt Bauman como líquido541 e caracterizado pela individualidade. As agências religiosas espetaculares atendem os impulsos volitivos de sujeitos e coletivos ao mesmo tempo em que criam anseios e (supostas) necessidades que potencializam a interatuação da pessoa com o espírito de consumo. É um contexto que privilegia a mcdonaldização de produtos e mercadorias de todo o tipo, inclusive religiosas – em que os/as fiéis-consumidores/as selecionam aquilo que melhor atende seus anseios. Na sociedade brasileira do imediato a mercantilização do sagrado é identificada pela adequação à indústria cultural e aos meios contemporâneos de comunicação de massa, sendo marcantes as exigências mercadológicas para o planejamento e a expansão eclesial. Como indagava uma  propaganda  dos  anos  80,  “a  Tostines  vende  mais  porque  é  fresquinha  ou   é  fresquinha  porque  vende  mais?”  – remetendo à operação realizada pelos marketeiros da fé: a mercadoria vende mais porque é espetacularizada ou é espetacularizada porque (ou quando) vende mais? 539

Idem, 2007, p. 154-155. BOURDIEU, 1996, p. 108. Como exemplos de representações  objetais  Bourdieu  cita    “emblemas,  bandeiras,   insígnias.” 541 BAUMAN, 2001, passim. A expressão é retirada de Modernidade líquida. Outros/as autores/as se utilizaram de epítetos diferentes, como supermodernidade, modernidade tardia, e o mais conhecido, pós-modernidade. Para Bauman  existe  uma  “realocação  do  discurso  ético/político  da  “sociedade  justa”  para  o  dos  “direitos  humanos”,  o   direito  dos  indivíduos  permanecerem  diferentes  e  escolherem  seus  próprios  modelos  de  felicidade”  (Idem,  2001,   p. 38). 540

159

Quanto mais mercadorias são vendidas, mais fiéis-consumidores/as são atraídos/as, em um movimento de retroalimentação – e para novas demandas detectadas se criam novas estratégias de atendimento destas, ao mesmo tempo em que são criadas novas expectativas de consumo e de estímulo ao mesmo. Ao/à leitor/a que porventura tenha se sentido imerso/a ou perdido/a neste imenso drive thru religioso, saliento que não podemos reduzir tudo à tal lógica mercadológica: há múltiplas experiências devocionais que ultrapassam esta abordagem, e em muitos casos, o que ocorre é a imbricação de ambas esferas, a devocional e a mercantil. Também pode haver por parte das igrejas uma satisfação em terem maior número de unidades e membros que as concorrentes, o que pode supostamente refletir, em dado imaginário religioso, em uma ideia de igreja mais abençoada ou mais próxima de Deus. Assim, a lógica de mercado não deve ser considerada como condição única para a existência de fiéis e agências religiosas. Na BDN o espetáculo se desdobra, por exemplo, na canção e no corpo (que por sua vez remete à prática de esportes). Tais formas de espetacularização são permeadas pelos discursos da agência e desdobradas através do ciberespaço. Mas estas não são as únicas formas da BDN se colocar visível ao mundo – uma delas está na espetacularização dos ambientes externo e interno de sua sede e de suas filiais.

Espetacularização do patrimônio na (da) BDN Uma das diversas formas de midiatização religiosa está na espetacularização patrimonial. Canclini apontou para o marketing patrimonial como uma forma de espetacularização em que “os  centros  históricos  e  os  museus  são  redefinidos  como  lugares  de  exibição  de  sua  arquitetura   ou das operações de recuperação que os tornam atraentes, indiferentemente do que contém ou representam”, 542 e a BDN, em sentido similar, tem nas suas fachadas cartões de visita. A imagem da antiga BDNSP, na rua Turiassu, Perdizes, denota tal espetacularização – e porque esta às vezes é confundida com uma balada (figura 51). Há ainda de se perguntar: para algumas pessoas, a BDN é confundida com uma balada? Fundida com uma balada? Ou é a própria balada? 542

CANCLINI, 2008, p. 48. Neste sentido, Canclini ainda cita que “o  que  antes  se  chamava  planificação  urbana  e   era concebido visando atender necessidades da sociedade, inclusive dos construtores, foi substituída pelo marketing urbano, que destina a cidade ao turismo, à captação de investimentos e a competir com outras, mais do que  por  seus  bens  ou  sua  cultura,  por  suas  imagens  e  marcas”.  

160

Figura 51: BDNSP, 2007543

No alto da imagem está o nome da instituição acompanhado do slogan in Jesus we trust e de luminares aludindo a esportes como bodyboarding, paraglider, skate e surfe em longboard. O sexto luminar da esquerda para a direita, e que se encontra parcialmente cortado na imagem recebe a figura de um homem à frente de uma surfboard que integra o púlpito da igreja, fechando o sentido de igreja de atletas e surfistas. Na BDN, a espetacularização patrimonial pode ser identificada ao se aportar na maioria de suas unidades. Tomemos como exemplo a fachada da nova BDNSP (ou BDN Olympia) e da nova BDNF. A atual sede paulistana, assim como a recente sede florianopolitana, estão localizadas em espaços que já pertenceram ao mundo: a primeira situa-se na antiga casa de shows Olympia (figura 53) e a segunda no ambiente que foi do Mecenas Bar, clube de shows famoso por atender o público universitário da UFSC. No caso da BDNF, no lugar em que anteriormente ocupava uma balada, hoje há um outdoor que anuncia o culto de apoio a dependentes químicos, além dos cultos regulares de quinta e domingo (figura 52).544

543

Tal imagem me foi encaminhada por uma fiel e é referente à fachada da BDN em 2007. Organizado pelo ministério Nova Vida. É possível que o destaque no outdoor se dê como estratégia de adesão de   públicos,   visto   que   muitas   pessoas   “conhecem   o   passado”   do   antigo   Mecenas   – e nas igrejas evangélicas é comum se relacionar baladas com dependência química. Este ministério, que tem reuniões na sede da BDNF às quartas-feiras   tem   como   objetivo   “auxiliar as pessoas com dificuldades de abandonar o vício das drogas, ou qualquer outro vício ou compulsividade. Trabalha ainda com os co-dependentes, aqueles que convivem diariamente com uma pessoa dependente, os auxiliando com fundamento no Evangelho de Jesus Cristo”. Ministério Nova Vida. Disponível em: . Acesso em: 30 mar. 2013. 544

161

Figuras 52 e 53: Nova BDNF,545 nova BDNSP546

Podemos identificar desdobramentos da espetacularização do patrimônio em ambas as unidades. O antigo endereço do Mecenas Bar / novo endereço da BDNF, rua Lauro Linhares, 770, é agora amplamente divulgado como Estação 770 – atualmente quase um sinônimo para BDNF. O ministério de teatro local, Em Chamas, 547 recentemente encenou um espetáculo narrando os diálogos de um passageiro que espera pelo trem que leva à estação correta com outros/as passageiros/as. O nome da peça? Estação 770. A estação correta, que alude a Jesus e ao endereço da benção, foi apresentada em 2013 no Pedro Ivo Campos, tradicional teatro público de Florianópolis,548 sinalizando para outra apropriação da teologia do domínio: a conquista de trilhos seculares (figuras 54 e 55).

Figuras 54 e 55: Estação 770, público no Teatro Pedro Ivo

549

545

Foto tirada por Talita Sene, no segundo semestre de 2012. Bola de Neve Inauguração em São Paulo. Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2012. 547 Assisti à estreia da peça em 1º de dezembro de 2012, na BDNF. Calculo que havia por volta de 400 fiéis e visitantes. Um vídeo com parte da peça está disponível na internet: Estação 770. Disponível em: , Acesso em: 22 jul. 2013. Outra peça foi apresentada pelo ministério  em  março  de  2013,  chamada  “E  se  fosse  com  você?”  Até  2012,  o  grupo  Em  Chamas  era  chamado  In   Flames. 548 O teatro é gerido pela Secretaria de Administração do Governo do Estado de Santa Catarina. 549 Fotos do espetáculo realizado no teatro Pedro Ivo podem ser vistas no perfil público do FB da BDNF. Estação 770/Grupo Teatro Em Chamas. Disponível em: < 546

162

Outra promoção da espetacularização do patrimônio está na camiseta com a fachada da BDN Olympia (figura 56) – o nome da mercadoria, como vemos, é Fachada Clélia, valorizando e divulgando o endereço da nova sede da BDNSP através do corpo dos/as fiéis que a vestem, veículo abençoado e abençoador de promoção da BDN.

Figura 56: Versões da camiseta Fachada Clélia550

Lembrando que o corpo também é um templo, usar uma camiseta com a fachada da BDN Olympia – ou do templo – instaura uma espécie de uniforme informal,551 reforça o sentido de pertença e comunidade desejado por líderes e fiéis e expressa a promoção da agência e a autoespetacularização. Sobre esta, Bauman lembra que na sociedade de consumidores, ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria, e ninguém pode manter segura sua subjetividade sem reanimar, ressuscitar e recarregar de maneira perpétua as capacidades esperadas e exigidas de uma

mercadoria

vendável. A “subjetividade” do “sujeito”, e a

maior

parte

daquilo que essa subjetividade possibilita ao sujeito atingir, concentra-se num

https://www.facebook.com/media/set/?set=a.650037668354764.1073741829.254619921229876&type=3>. Acesso em: 25 ago. 2013. Outras unidades da BDN tem seus próprios ministérios de teatro. O da BDNSP, Cia. Teatral Bola de Neve, apresentou recentemente a peça O Éden, cujo roteiro original é da pastora Priscila, irmã de Rina.  A  mesma  também  é  autora  do  livro  “Mar  &  Sol.  Rumo  ao  Paraíso”,  de  2007,  da  Editora  Big  Idea.  A  BDN   Sede também produziu o Ide Festival de Curtas. Ide Festival de Curtas. Disponível em: . Acesso em: 22 jun 2013. 550 Fachada Clélia. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. 551 Semelhantemente ao que ocorre com as/os voluntárias/os que atuam em ministérios como Atalaias, BoasVindas e Bolinha de Neve: muitos/as usam camisetas com o logotipo e slogan tanto da agência como do ministério. O mesmo vale para ministérios em que as pessoas podem participar indiretamente como voluntários/as, como o Bola Running (BR). Neste caso, ainda que não trabalhem com um cargo instituído, colaboram na promoção deste.

163

esforço sem fim para ela própria se tornar, e permanecer, uma mercadoria vendável”.552

A autoespetacularização encontra ressonância em Canclini, que associa consumo e espetáculo no   uso   das   marcas,   em   que   “a etiqueta é exibida em letras gigantescas, deformadas, abreviando as palavras, por toda a largura do suéter ou da camiseta”,553 em detrimento das etiquetas que costumavam ficar discretamente sob as roupas. Nas roupas que a BDN produz e comercializa se identifica a importância de sua logomarca, e representações de pranchas de surfe ou coqueiros parecem dotar as vestimentas de maior eficácia simbólica. Na BDN os corpos dos/as fiéis muitas vezes servem de plataformas de midiatização da agência. Isto pode ocorrer no uso de vestimentas que trazem o logotipo e o slogan da mesma ou a partir de uma certa pasteurização da estética dos/as frequentadores/as. Como comentei anteriormente, até 2010 a maioria dos/as crentes da BDNF e BDN Balneário Camboriú trajavam uma boladenevewear amparada nas tendências de moda surfe, skate e fitness, mas os membros da BDNF mudaram seu visual, provavelmente atendendo ao público segmentado que procuram atrair, os/as universitários/as da UFSC. Estas adequações ao público-alvo principal são percebidas também no interior da agência. Em 2010 a decoração procurava reforçar a identidade de igreja de surfistas: nas paredes havia painéis e quadros com motivos ecológicos e de surfe, com surfistas olhando as ondas quebrando na praia e tendo a companhia de tartarugas e golfinhos, e na parte superior das laterais do saguão, tinham duas fileiras de bandeiras afixadas representando diversos países, a maioria latino-americanos, configurando o objetivo de se plantar igrejas pelo mundo554 e alargar estacas.555 Em destaque estavam as bandeiras brasileira e israelense, lado a lado, demonstrando a admiração que os evangélicos em geral têm por este país por associá-lo a uma nação santa – para estes, o Brasil seria o equivalente a uma Nova Jerusalém e os/as crentes, judeus espirituais.   Como   explica   o   Apê   Rina,   “você   sabe   que   nossa   nação   está   debaixo   de   grandes  palavras,  de  grandes  promessas” 556 e  “os  céus  se  abriram  sobre  o  Brasil.  Tudo  que  as   552

BAUMAN, 2008, p. 20. CANCLINI, 2008, p. 64. 554 Quem Somos. Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2009. 555 Tal termo é usado com constância pela BDN. Bola de Neve alarga suas estacas. Disponível em: http://www.boladeneve.com/noticias/boladeneve/bola-de-neve-church-alarga-suas-estacas. Acesso em: 20 jul. 2013. 556 A hora do contra-ataque, de Rinaldo Seixas. Cultos em áudio. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2010. Como os cultos são atualizados semanalmente no sítio, infiro que esta pregação seja do mês de janeiro de 2010. 553

164

igrejas fazem   dá   certo.   Qualquer   portinha   que   abrir   daqui   a   pouco   tá   explodindo” 557, o que sinaliza também para o ciclo de vida do setor evangélico, em expansão. Na BDNF até 2010, jogos de luzes se adaptavam aos momentos da liturgia, auxiliando na sensibilização dos/as membros – o palco-altar recebia iluminação especial, tendo ao fundo um telão onde se projetam as letras das canções, às vezes acompanhadas de fotos de esportes radicais, e um painel que remete à praia e/ao surfe. Há também as salinhas do Bolinha de Neve, ministério infantil em que as crianças são supervisionadas/ensinadas enquanto pais/mães assistem aos cultos, e a lanchonete, que oferece sucos, potes de açaís e sanduíches naturais, além de empanadas e tortinhas. O templo é assim, por dentro e por fora, um ambiente que chama a atenção de quem passa e de quem entra, atendendo à demanda de jovens por um espaço onde pratiquem sua fé sem abrirem mão de falar gírias, se vestirem como gostam, dançarem na hora dos louvores ou/e ficarem contemplando o visual interno. A BDNF na roupagem 2012 é mais clean, com poucas referências claras ao surfe e ao skate, com exceção da prancha-púlpito, de dois gazofilácios em forma de skate colocados no palcoaltar e de luminárias brancas redondas que remetem ao nome da igreja. Porque isto mudou? É provável  que  a  agência  tenha  se  veiculado  de  modo  mais  “suave”  aos/às  crentes  em  potencial,   especialmente os/as estudantes da universidade. Em ambos os momentos, a BDNF procura oferecer ambiente propício à permanência de fiéis, estimulando a apropriação de um universo simbólico remetente ao surfe ao mesmo tempo em que procura expandir seus horizontes, objetivando

frequentadores/as

que

se

tornem

também

midiatizadores/as

e

espetacularizadores/as da agência. Parte do planejamento estratégico da BDN está em se utilizar da localização institucional através de logotipo, slogans e imagens , para angariar adeptos/as e se perpetuar no mercado.558

557

Síndrome de Ananias, de Rinaldo Seixas. Cultos em áudio. Disponível em: . Acesso em: 23 jan. 2010. 558 Como reflete De Certeau, há relação direta entre estratégias e localizações espaciais: “as  estratégias  militares   ou  científicas  sempre  foram  inauguradas  graças  à  constituição  de  campos  ‘próprios’,  como  cidades  e  instituições”   (DE CERTEAU, 2007, p. 100). Este considera que “ as estratégias são ações que, graças ao postulado de um lugar de poder (a propriedade de um próprio), elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem. Elas combinam esses três tipos de lugar e visam dominá-los  uns  pelos  outros.  Privilegiam  portanto  as  relações  espaciais”  (idem,  2007, p. 102). A estratégia   se   amarra   a   um   “próprio”   que   é   a   “localização   espacial   ou   institucional”   e   que   “permite   capitalizar   vantagens  conquistadas  e  preparar  expansões  futuras”  (ibidem,  2007,  p.  100).

165

Tal localização favorece também o controle de líderes sobre liderados/as através de uma prática panóptica. De Certeau aponta para o controle das individualidades através do espaço: É também um domínio dos lugares pela vista. A divisão do espaço permite uma prática panóptica a partir de um lugar de onde a vista transforma as forças estranhas  em  objetos  que  se  podem  observar  e  medir,  controlar  portanto  e  “incluir”   na sua visão. Ver (longe) será igualmente prever, antecipar-se ao tempo pela leitura de um espaço. 559

A prática panóptica é percebida na maior parte das unidades da BDN, onde os/as líderes se posicionam sentados ou em pé no palco-altar, local mais alto que facilita a diferenciação visual e dificulta o contato físico entre os/as que  se  situam  “em  cima”  e  os/as “debaixo”.  Esta   espacialidade facilita a estes/as líderes560 o controle visual de quem entra na igreja e de quem permanece, observando atitudes e agindo na preservação da instituição caso identifiquem algo julgado inconveniente.561 Na imagem seguinte, do perfil público da BDNF e que apresenta um show de Denise no local em 2012, temos um exemplo da distinção que se estabelece entre palco-altar e público (figura 57) .

Figura 57: Bola de Neve Floripa (FB)562

No caso da antiga unidade de Floripa, outras formas de controle eram observadas. Na parte externa havia um half pipe coberto configurando a estratégia de atrair praticantes do skate. Os 559

Ibidem, 2007, p. 100. Como referido no caso da unidade de Florianópolis da BDN, onde minha observação foi mais precisa, a liderança é representada por pastor, presbítero e diáconos, acompanhados de suas esposas. 561 Nem todas as unidades da BDN possuem esta estrutura. A BDNF era assim constituída em sua antiga sede. Na atual, os/as líderes ficam sentados na primeira fila. 562 Bola de Neve Floripa. Disponível em: . Acesso em: 20 mar. 2013. 560

166

atalaias que cuidavam da segurança eram responsáveis por supervisionar entrada e uso da pista, indiciando a vigilância exercida por estes membros sobre os/as demais.563 O espaço físico da BDN é ponto estratégico de veiculação de discursos e distribuição de produtos. Este ponto prescinde de um endereço facilitado de visitação, o que ocorre com BDNSP e BDNF: ambas estão em espaços de baladas seculares e em bairros de acesso facilitado.564 Tais espaços físicos são canais que possibilitam e estimulam o/a fiel – dentre outras coisas – a adquirir as mercadorias das suas Lojinhas da Bola. E na BDNF 2012, além da cantina e da Lojinha da Bola, já tradicionais, há uma pequena praça de alimentação complementada por um sushi bar, o Filadélfia Sushi Home. São espaços de sociabilidade marcados pela comunhão de afinidades e pela autoespetacularização – sendo conveniente que todos/as se (com)portem como fiéis aprovados/as. Uma maneira de demonstrar um conjunto de afeições comuns está na aquisição de mercadorias, e o local ideal para tal é a Lojinha da Bola, que fica – como é costume nas unidades da agência – ao lado da porta de entrada do saguão.

Conhecendo/acessando a Lojinha/Shopping/Planet Bola A maioria das filiais da BDN pode ser comparada a um pequeno shopping. Nestas, os/as fiéis tem à sua disposição um saguão com uma praça de alimentação, em que podem circular com segurança, dada a vigilância de líderes e atalaias, podem marcar encontros com os/as crentes com quem tem maior afinidade, usufruir de recursos audiovisuais disponíveis (por vezes um som ambiente com os hits gospel do momento, em outras, telões que reproduzem vídeos ou programas da Bola TV), e de quebra adquirir mercadorias que sejam abençoadoras. É neste sentido que funciona a Lojinha da Bola, que se linka à espetacularização da arquitetura e decoração, como mencionado. A mesma costuma possuir uma vitrine expositora que funciona como display de mercadorias diversas.

No

interior

da

mesma,

os/as

fiéis

costumam

ter

disponíveis

roupas

masculinas/femininas/adulto/juvenil/infantil, street/skate e surfwear, a Bíblia do Surfista e a 563

A atual sede não possui tal pista de skate mas atalaias circulam na área externa da agência, especialmente nos espaços do estacionamento e da praça de alimentação. 564 A BDNF encontra-se bastante próxima do Terminal de Ônibus da Trindade – não que isto seja muito relevante, visto que a maioria dos/as fiéis chega à unidade em carros próprios ou de familiares e amigos/as.

167

da Mulher, dentre outras, CDs e DVDs de conjuntos gospel e de pregações, bonés, adesivos, chaveiros, relógios de parede, etc – em geral, com o logotipo e slogan da BDN, alguns fazendo referência ao ano de fundação, como Bola since 1999. O principal atributo das mercadorias disponíveis está na logomarca com o desenho estilizado com formas arredondadas (que lembram uma bola de neve) e slogans que remetem à igreja, assim como desenhos que sinalizam para a prática de surfe e skate – ainda que a BDN seja uma loja que transite entre-públicos. O diferencial agregado está na fonte da comercialização: é a própria instituição ou alguém autorizado quem oferece e possibilita a aquisição das mercadorias – automaticamente autorizadas e para muitos/as fiéis, provavelmente dotadas de uma aura de sacralidade, verdadeiros canais de bênçãos. Tais elementos estimulam a proximidade do/a fiel com a mercadoria e a ofertante (a igreja e a loja). Tal sentido é reforçado pelo nome da mesma, no diminutivo (Lojinha), talvez dotando a mesma de uma maior leveza – afinal, não seria conveniente que esta fosse associada a versos bíblicos  que  citam  Jesus  no  templo,  em  meio  a  comerciantes  de  mercadorias  “religiosas”. 565 A Lojinha não costuma passar despercebida pelos/as que se dirigem ao local de culto (esta não seria também um local de culto?), inclusive pelas constantes referências que os/as pregadores fazem a mercadorias da mesma, como ingressos para atividades e CDs/DVDs com pregações recentes da própria unidade ou da BDN Sede. É comum que a gravação do próprio culto seja automaticamente divulgada, visto que os mesmos costumam ser gravados e disponibilizados nas lojinhas. Estimulando a aquisição, é possível que se institua um habitus religioso, 566 no caso, um hábito de consumo. Mas qual a lógica do oferecimento de mercadorias pela Lojinha? Provavelmente primeiro são identificadas e analisadas necessidades ou tendências do mercado a ser atingido e em seguida, procura se adaptar as mercadorias a fim de atender tal nicho – o que sinaliza para a mão dupla entre oferta e demanda. O planejamento estratégico do marketing de guerra santa da BDN deve levar em conta fatores diversos, como classe social, gênero e geração, percebidos desde a análise de mercado e dos/as consumidores/as em potencial. Crianças e teens têm à sua disposição bíblias, jogos, roupas – que muitas vezes remetem aos ministérios Bolinha de Neve 565

Mateus 21.13: e   lhes   disse:   “Está   escrito:   ‘A minha casa será chamada casa de oração’; mas vocês estão fazendo  dela  um  ‘covil de ladrões’”. Lucas 19.46: Disse-lhes:  “Está  escrito:  ‘A minha casa será casa de oração’; mas vocês fizeram dela ‘um covil de ladrões’”. João 2.16: Aos  que  vendiam  pombas  disse:  “Tirem  estas  coisas   daqui!  Parem  de  fazer  da  casa  de  meu  Pai  um  mercado!” 566 BOURDIEU, 1992, p.59.

168

e Bola Teens. Mulheres e homens têm mercadorias específicas para atenderem às necessidades do  “gênero  a  que  pertencem”.   A lógica do consumo se relaciona com uma comunhão de sentido entre os que estão dentro – abençoados que demonstram fidelidade ao conjunto de símbolos – e os que estão fora – ou no mundo, os descrentes. Isto se associa à ideia de que cristão abençoa cristão, equivalente a dizer que o evangélico deve adquirir produtos de outro evangélico – sujeito ou instituição. Mas a Lojinha da Bola não   se   apresenta   apenas   em   sua   versão   “física” 567 Ela também está disponível no ciberespaço, referida como Shopping da Bola até 2013 e Planet Bola a partir deste ano ((figuras 58 e 59).

Figuras 58 e 59: Shopping da Bola,568 Planet Bola569

567

Como me comentou uma   participante   da   BDN   “das   antigas”,   a   primeira   lojinha, na sede da rua Marco Aurélio, na Lapa, tinha inscrições nas paredes que sinalizavam para o anglicismo tão valorizado pela agência: “keep  cool,  Jesus  loves  you”  (fique  frio/a,  Jesus  ama  você).  O  portal  da  BDN  explicava  que  a  Lojinha  “abre  uma hora antes do  início  do  culto,  fechando  durante  a  ministração  do  culto  e  reabrindo  ao  término”  e  que  “ela  não  é   virtual”.  Ministérios. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2009. 568 Shopping da Bola. Disponível em: . Acesso em: 29 nov. 2009. Na imagem, os principais lançamentos eram o DVD Maior Amor, da Tribo de Louvor, os DVDs das Conferências Proféticas de 2007 e de 2008 e o DVD do XV Congresso de Batalha Espiritual de 2008. 569 Planet Bola. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. Na imagem, os principais lançamentos eram o livro Unidos pelo casamento, de autoria do apóstolo Rina, por R$ 25; DVD e CD Face a Face, de sua esposa Denise com a Tribo de Louvor, respectivamente por R$ 30 e R$ 20; um caderno escolar com a marca Bola de Neve Church, assinado por Tom Veiga, por R$ 25. As demais mercadorias eram os livros Em guarda: defenda a fé cristã com precisão, de William Craig, por R$ 36,90; O livro de ouro da liderança, de John Maxwell, por R$ 38; mochila skate bag, por R$ 60; chaveiro pranchão com logo da BDN, sem preço; caneca tulipa com logo da BDN, sem preço; caneta Lotus prata, por R$ 2,50; CD Creio, do Diante do Trono, por R$ 22.

169

As versões cibernéticas trazem uma vantagem em   relação   à   “offline”:   o/a internauta pode adquirir as mercadorias em qualquer tempo sem a preocupação com horários de abertura e fechamento. O Shopping da Bola também era denominado pela BDN de Lojinha Virtual. Através do portal da igreja se identificavam cinco links que permitiam o acesso às modalidades de mercadorias oferecidas: moda, Cds, DVDs, livros e acessórios.570 Esta plataforma possuia “um   sistema   administrativo seguro para manter em sigilo todas as informações   de   nossos   clientes”571, possibilitando que a pessoa se cadastrasse no sistema antes de efetuar suas compras e acompanhasse através dos Correios em que lugar se encontrava a mercadoria adquirida. Havia o envio e transporte da mercadoria, prazo de entrega, possibilidade do/a consumidor/a acompanhar processo e custos – elementos que se associam ao ponto estratégico de distribuição, envolvendo todas as atividades relacionadas à transferência da mercadoria do fabricante/distribuidor ao/à cliente. A BDN assume seu papel de fabricante através das gravadoras/distribuidoras próprias de DVDs e CDs (Bola Music e Altern8),572 da confecção que fabrica suas roupas; se demonstra distribuidora da empresa que lhe fornece acessórios como bonés, chaveiros e autocolantes; e tem como pontos de distribuição a Lojinha em  suas  versões  “presencial”  e  “virtual”.   O mix de produtos comercializado pelos pontos de distribuição da BDN, ou a soma das distintas linhas de mercadorias573 disponíveis demonstra que as mesmas são classificadas como bens tangíveis (dado serem vistas e tocadas) – ainda que remetam à intangibilidade de sentimentos como o de adesão religiosa, comunhão, pertença e outros – e de compra comparada, em que os/as consumidores/as necessitam se esforçarem para analisar/comparar 570

Abaixo, há um buscador para se procurar o objeto de desejo; e logo ao lado, o carrinho de compras, um espaço para se visualizar os produtos adquiridos. Ainda abaixo, há o link para as informações, que seriam relativas a uma ajuda geral, Fretes e Devoluções, Notas de Privacidade, Condições de Uso, Rastrear Pedidos e Fale Conosco. Em ajuda, há dicas de como transitar pelo sítio, como se cadastrar no mesmo, usar o mecanismo de busca, empreender suas compras, além das informações de pagamento. Por fim, há uma exortação a que se retorne a “home  do  Shopping  Bola  de  Neve”,  modo  como  a  Lojinha  da  Bola  é  chamada  no  sítio.  Em  Frete e Devoluções, se   explica   que   “todas   as   entregas   do   Shopping   Bola   de   Neve   são   efetuado   através   do   serviço de Sedex, dos Correios  (sic)”,  e  que  em  “caso  de  devoluções  a  responsabilidade  do  envio  da  mercadoria  é  do  Cliente,  estando  o   Shopping Bola de Neve isento   de   qualquer   taxa   de   entrega”,   a   mercadoria   devendo   “estar   em   perfeitas   condições”.   571 Lojinha da Bola. Disponível em: . Acesso em: 25 dez. 2009. 572 Bola Music e Altern8 produzem artistas evangélicos nacionais e internacionais. Mas os CDs e DVDs disponíveis nas Lojinhas não são apenas de canções gospel produzidos pelas mesmas. Muitos são de pregações com temas associados à batalha espiritual, domínio, cura e libertação. 573 A linha de mercadoria é aquela formada por produtos similares, comercializados por uma organização que atende a uma finalidade semelhante no mercado, por exemplo CDs, DVDs e bíblias temáticas.

170

preços, qualidade/quantidade, informações e (des) vantagens oferecidas pelas diferentes mercadorias expostas. A forma de distribuição de mercadoria da BDN, associada à sua estratégia de distribuição, é intensiva,   em   que   “se   procura   colocar   o   produto no maior número possível de pontos-devenda”,   com   “demanda   elevada,   compra   frequente   e   em   pequena   quantidade,   baixo   preço   unitário e ausência de demanda de serviços técnicos”.574 Na BDN, possivelmente o espaço com maior disponibilidade de mercadorias seja o ciberespaço, especialmente através da Lojinha Virtual. Além disto, há muitas lojas vinculadas à igrejas, lojas seculares e sítios da internet que comercializam mercadorias da BDN, especialmente seus CDs e DVDs de canção gospel. Conversando com uma atendente da Lojinha da Bola, esta me explicou: vendemos muitos CDs aqui, especialmente da pastora Denise, mais da Tribo de Louvor mas também das gurias da Ruth´s, e muito CD do Rodolfo. Do Nengo Vieira também vende. Dos cantores que não são da Bola vendemos do David Quinlan, do Fernandinho, do Antonio Cirilo, e claro, da minha ídola Ana Paula Valadão. Agora o artigo que mais vende aqui é o adesivo prá carro. Que a galera põe na moto também.

A venda de adesivos para veículos apresenta outro canal de midiatização da agência, o próprio veículo. Além disto, o/a fiel é condutor/a tanto deste como da marca da igreja, espetacularizando o carro ou moto e a si mesmo/a. Este artefato possibilita o reforço de uma sensação de comunhão de sentidos, prestígio social e a promoção da agência no espaço público. O veículo customizado da imagem seguinte (figura 60), apelidado de Kombola, demonstra uma apropriação do mesmo como veiculador da igreja.

574

DOLABELA, 1999, p. 193. Dolabela se refere a três formas de distribuição: a intensiva; a seletiva, onde se “procura   selecionar   intermediários   que   estejam   dispostos   e   tenham   condições   de   vender   um   determinado   produto”,  e  que  necessita  de  “cuidados  especializados  para  vendê-los, de armazenamento e venda”;;  e  a  exclusiva, onde   se   “procura   conceder   a   revendedores   direitos   exclusivos   de   distribuir   os   produtos   da   empresa   em   determinada   região”,   e   se   caracteriza   por   produtos   que   demandam   serviços   técnicos   durante   e   após   a   venda,   muitos investimentos e treinamento especializado, o que como se aponta, não é o caso dos produtos veiculados pela BDN.

171

Figura 60: Kombola em Londrina575

Sevcenko comenta que hoje em dia as pessoas são tão   ocupadas   que   a   “forma   prática   de   identificar e conhecer os outros é a mais rápida e direta: pela maneira como se vestem, pelos objetos simbólicos que exibem, pelo modo e tom com que falam, pelo seu jeito de se comportar”576 – consumir é inserir-se no coletivo e se fazer notado. Ao adquirir e levar mercadorias como roupas, autocolantes e canções para circular no espaço público, completa-se um movimento duplo de espetacularização: a/o fiel espetaculariza a agência e a si mesmo, e como contempla Christopher Lasch, o consumismo é a principal “válvula   de   escape   do   indivíduo   narcisista,   que   pela   aquisição   de   mercadorias   manipula   impressões (...), moldando o eu como mais uma mercadoria disponível para o consumo no mercado  aberto”.577 Mas o que seria comercializar artigos com o nome Bola de Neve Church? Para o cantor/missionário Rodolfo, é uma “forma   de   evangelizar   as   pessoas”,   em que a “pessoa  vê  o  adesivo  e  lembra  que  já  ouviu  falar  da  igreja  Bola  de  Neve.” Para o mesmo, “é mais  uma  estratégia.  Você  vê:  “pôxa, que chaveiro legal esse, uma quilhinha de prancha, que

575

Kombola em Londrina. Ap Rina Oficial. Disponível em: https://www.facebook.com/Ap.RinaOficial. Acesso em: 20 jul. 2013. 576 SEVCENKO, 2001, p. 64. 577 LASCH, apud CASTRO, 2007, p. 21-22.

172

enfeite   bonito   escrito   Bola   de   Neve.   Esses   caras   estão   me   cercando!” 578 A imagem seguinte demonstra alguns dos acessórios disponíveis no site da Planet Bola: caneca, caderno escolar, capa de bíblia e chaveiro, todos com o logo e slogan da BDN (figura 61). No mesmo sentido Áurea579 comentou   sobre   o   Bola   Running:   “quando   a   gente   corre   ou   passeia   por   aí   com   a   camiseta do Running a galera vê né? E com certeza é tocada pelo Espírito Santo prá visitar a igreja”.

Figura 61: Acessórios da BDN580

Em sentido similar, a lojinha do Biga, pastor da BDN Curitiba, apresenta os acessórios que têm disponíveis, como a caneca do Biguinha (versão infantil de Biga), a revistinha do Biguinha, boné e chaveiros da turma do Biga (figura 62).

Figura 62: Acessórios da Turma do Biga581 578

Entrevista com Rodolfo Abrantes. Disponível em: . Acesso em: 21 jan. 2010. A entrevista foi realizada em 05 nov. 2008. 579 Pseudônimo. 580 Acessórios da Planet Bola. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2013.

173

Aplicando os 5 Pês, vemos os espaços físico e virtuais de vendas da BDN como pontos de venda ou distribuição582 de várias formas de produtos: roupas, acessórios, autoadesivos e bonés, portadores de uma ampla variedade de formatos, cores e opções de compra, além de CDs, Dvds, Bíblias e livros de conteúdo evangélico; com seus preços correspondentes; e que podem ser pagos de formas diversas, como em qualquer loja (cheques, dinheiro, cartões de crédito e débito); seu público consumidor, as pessoas que se dirigem à loja ou acessam o sítio da internet com o objetivo de adquirirem os produtos veiculados, e sua promoção, identificada pela apresentação que se faz dos produtos ao midiatizá-los nestes espaços, que difere em suas duas plataformas, onde na primeira o/a consumidor/a pode   ver   de   perto   e   “pegar”   a   mercadoria, e na outra, conhecê-la através de fotos e descrições do sítio. As Lojinhas, neste sentido, são canais consistentes de promoção da igreja, no sentido dado por Dolabela de que a “promoção,   no   âmbito   do   marketing, é todo e qualquer esforço realizado para persuadir as pessoas  a  comprarem  determinado  produto  ou  a  utilizarem  determinado  serviço.” 583 Identifiquei seis tipos de promoção na BDN. A propaganda, “forma   paga   e   impessoal   de   apresentação   e   promoção   de   bens,   serviços   ou   idéias,   por   um   patrocinador   identificado”,   através de seu sítio, cartazes, folders, publicação de periódicos e apostilas; a venda pessoal, “apresentação   oral   em   um   diálogo   com   um   ou   mais compradores em perspectiva, com o propósito   de   realização   de   uma   venda” 584, que ocorre quando o/a sacerdote/isa da Bola estimula o consumo de mercadorias durante a liturgia; a promoção de vendas,   “destinada   a   estimular, desenvolver ou facilitar a venda de  um  serviço  ou  produto”,  que  englobaria  sorteios,   amostras, cupons, descontos, prêmios, concursos, e que na BDNF ocorria através de concursos de skate, futebol e surfe, de rifas para a aquisição de cestas de café da manhã, sorteios para spa days em clínicas especializadas; o envio de mala-direta para o/a consumidor/a, especialmente via internet, quando o/a internauta assina uma das listas de envio dos sites da agência; a publicidade,     “forma   não   paga   e   impessoal   de   divulgação   de   bens,   serviços   ou   ideias e de   notícias   comercialmente   significativas” 585, que na BDN se dá, desejavelmente, quando o/a fiel se torna midiatizador/a da igreja, veiculando discursos e mercadorias; e por fim, o merchandising, ou apresentação   do   produto   através   de   “degustadores,   stands   ou 581

Acessórios da Turma do Biga. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2013. 582 Outros pontos de distribuição e venda se identificam nos sítios vinculados ao estabelecimento, e no próprio espaço físico do mesmo. 583 DOLABELA, 1999, p. 192. Para Dolabela, existem seis formas de estratégias de promoção: a propaganda, a publicidade, a venda pessoal, a promoção de vendas, o merchandising e a mala-direta. 584 Idem, 1999, p. 193. 585 Ibidem, 1999, p. 193.

174

displays 586”,   que   acontece   através   das   vitrines   da   Lojinha,   facilitadoras da exposição de mercadorias,   e   através   de   displays   “virtuais”   dispostos   em   vários   dos   sites   da   BDN,   especialmente da Planet Bola (anteriormente Shopping da Bola). Adquirir e veicular as mercadorias da BDN pode possibilitar ao/à consumidor e portador/a o

sentimento de pertença e comunhão – quanto mais a agência é percebida como abençoada/abençoadora, mais eficácia simbólica se torna a mercadoria. 587 Há assim movimento duplo de sacralização do consumo e consumo do que é considerado sagrado. Dentre as diversas mercadorias produzidas e distribuídas comercialmente pela BDN, uma das que mais demonstram a espetacularização/midiatização da agência, atuando na divulgação e consolidação de sua marca no mercado é a canção gospel. Na parte que segue, faço uma análise de Caia Babilônia, reggae de poética evangélica que exemplifica o marketing de guerra santa e tem como referente discursivo principal a teologia da batalha espiritual. A partir de Caia Babilônia proponho alguns parâmetros de análise da canção, amparado em cinco aspectos: performance, silêncio, contexto, música e poética. Mas antes, sinalizo a inconveniência do termo   “música   gospel” e faço um breve histórico da canção gospel contemporânea brasileira.

O que (não) é canção gospel? Entendo inconveniente  o  uso    da    expressão    “música    gospel”,    comumente  apropriada  para   definir a produção artística de compositores e músicos evangélicos, mas podendo

ser

entendida também em relação à de artistas católicos. Um termo melhor seria canção gospel. A música é um dos elementos constitutivos de uma canção, juntamente com outros, como a poética, 588 a performance589 e o silêncio. 590 O próprio termo gospel, ou evangélico, se

586

Ibidem,1999, p. 193. O   uso   destas   mercadorias   pode   também,   de   algum   modo,   evidenciar   que   o   “agente   age   na   qualidade de depositário   provido   de   um   mandato   e   não   em   seu   próprio   nome   ou   de   sua   própria   autoridade” (BOURDIEU, 1996, p. 93). 588 MORAES, 2000 e NAPOLITANO, 2002. 589 FINNEGAN, 2008. 590 ORLANDI, 2007. 587

175

relaciona mais apropriadamente com a expressão textual que com a musical, já que supostamente se refere às narrativas dos Evangelhos e de outras partes da Bíblia. Para     ser     considerada     “música     gospel”,     esta     não     deve     conter     letra,     só     a   intervenção instrumental. Seria o caso, por exemplo, de um psy trance gospel ou outro tipo de música eletrônica, e das batalhas de beats591. São expressões musicais que têm intenções de louvor, adoração e divulgação religiosa, mas não possuem letras. Recebendo uma poética, melhor convencionar canção gospel. A canção gospel costuma ser referida por termos que misturam o aspecto lírico com o gênero musical. Daí surgirem expressões como gospel rap, white metal, funk evangélico, axé, baião e xote gospel, dentre muitas possibilidades. Por se tratar de expressão de religiosidade, e ecoar as vozes autorizadas e sacralizadas dos líderes religiosos, pode obliterar a razão, estimular emoções e favorecer a adesão a discursos, ultrapassando fronteiras em direções inimagináveis, midiatizada por gravadoras, rádios, tevês e ciberespaço. O termo gospel é referente discursivo e dispositivo estratégico empregado por conjuntos, gravadoras e agências religiosas e seculares para valorizar mercadorias e produtos, qualificando positivamente suas marcas, atraindo nichos de mercado específicos e refletindo sua eficácia performativa.

Breve histórico da canção gospel brasileira contemporânea Chamo de canção gospel brasileira contemporânea aquela produzida após a década de 1960 e forjada a partir da bricolagem entre poética evangélica e gêneros musicais contemporâneos, o que a distingue dos hinos religiosos mais tradicionais. No Brasil gêneros poético-musicais como samba, xaxado, marchas e forró começaram a ser apropriados pelos evangélicos a partir desta década, em que foram agregados instrumentos como  “o  violão,  o  pandeiro,  o  acordeão,  o  triângulo  e  a  bateria.” 592 Luiz de Carvalho teria sido 591

Batalhas de beats são competições onde rappers apresentam músicas sampleadas, julgadas por uma comissão. Como os beats não costumam ter letras, o rap (rhythm and poetry), caracterizado pela mistura de ritmo e poesia, reveste-se apenas de aspecto musical. Acompanhei a realização da primeira Batalha de Beats da Banca de Rap Cristão (BRC) de Florianópolis, em 7 de setembro de 2012, durante a comemoração de seis anos deste ministério conhecido  como  “Igreja  do  Rap”.     592 CUNHA, 2007, p. 100.

176

um   dos   primeiros   inovadores   ao   introduzir   “o   violão   na   igreja,   numa   época que somente o órgão   tinha   acesso   livre”. 593 Neste momento os hinos oficiais eram acompanhados por uma espécie de produção independente formada     por     “cânticos    ou     corinhos,     presentes     desde     os     anos   1950”     e     tocados     em     eventos     específicos     como     “louvorzões,     acampamentos     e     Escolas   Dominicais”,   gerando   a   insatisfação   de   “jovens”   que   preferiam   estas canções às do culto principal, e dos músicos, que se sentiam desprestigiados por não receberem incentivo à formação técnica e pela desvalorização de suas produções, o que era comum aos músicos seculares. 594 A partir da década de 1970 algumas agências evangélicas procuraram atrair o público jovem através   do   rock   e   das   “baladas   românticas   trazidas pelos grupos norte-americanos”,   fazendo com que os hinários tradicionais perdessem espaço, originando os primeiros conjuntos de rock evangélico do Brasil, com composições próprias e adaptações de conjuntos estadunidenses.595 Um

dos

primeiros conjuntos foi o Rebanhão, fundado por Janires

Magalhães  Manso  “por  volta  de  1977,  fazendo  shows  em  São  Paulo  em  cima  da  carroceria  de   um  caminhão”,  sendo  seguido  por    “Sinal    de  Alerta,    Banda    e    Voz,    Complexo    J    e    Fruto     Sagrado, no Rio de Janeiro; Kadoshi (ex-Atos-2), Oficina G3, Banda Gerd, Banda Rara, Kastsbarnéa  e  Resgate,  de  São  Paulo”.596 A canção evangélica brasileira acompanhou as inovações tecnológicas do século XX agregando os mais novos recursos de reprodução fonográfica, instrumentos de alta qualidade, instrumentistas de excelência, dança e dramaturgia. Sandro Baggio comenta que as primeiras gravadoras evangélicas foram a Arca Musical, no Rio de Janeiro, e a Music Maker, em Belo Horizonte, seguidas pela Bom Pastor, fundada em 1971 por Elias de Carvalho. 597 Demandas de instrumentistas e “jovens”   foram atendidas por líderes como Hernandes, da 593

BAGGIO, 2005, p. 57. DOLGHIE, 2004, p. 206. Em relação aos músicos seculares, José Geraldo Vinci de Moraes narra ter havido, entre fins do século XIX e começo do XX, um processo marcado pela vinculação de músicos a formas de entretenimento pago (como bares e teatros), e que foi seguida por sua incorporação ao mercado e posterior profissionalização,   o   que   levou   a   “uma   realidade   palpável   e   desejável;;   e,   finalmente,   a   canção   é   obrigada   a   dialogar de diversas maneiras, positiva e negativamente, com os meios de comunicação eletro-eletrônicos”   (MORAES, 2000, p. 213). 595 CUNHA, 2007, p. 100. 596 BAGGIO, 2005, p. 60. 597 Para  Baggio,  a  Bom  Pastor  seria  a  “maior  gravadora  e  distribuidora  de  música  cristã  contemporânea  do  Brasil”   (BAGGIO, 2005, p. 63). Atualmente tal informação talvez possa ser relativizada. Além de produtoras/distribuidoras de alto impacto no mercado evangélico como CPAD, Gospel Records e Line Records, o mercado fonográfico gospel recebeu a adesão das seculares, como a Som Livre, da Rede Globo – tradicional adversária da Record/Universal, do bispo Macedo – e a Sony, que possui um selo gospel dedicado a artistas evangélicos. 594

177

Renascer. Aos/às primeiros/as, ele sinalizou com a possibilidade

de

profissionalização,

gêneros poético-musicais  menos  convencionais  e  status  ampliado  através  de  “grandes  eventos   de gravação e lançamento de CDs e shows realizados por todo o País, que atraem o público jovem”,  motivado  pelo  “grupo  musical  que    se    apresenta,    ficando    a    igreja    de    tal    grupo    em     segundo    plano    ou,    até    mesmo,  incógnita.”  Gêneros  como  heavy    metal,  hip  hop e sertanejo tornam-se  assim  um    novo  “produto  litúrgico.”598 Na Renascer o heavy metal599, gênero poético-musical associado num imaginário popular ao anti-cristianismo, ao satanismo e à feitiçaria, foi apropriado e ressignificado por conjuntos evangélicos ligados à CMF (Christian Metal Force), criada em 1989, atendendo expectativas de parte de seu público e servindo de imã de metaleiros/as. Isto representa episódio especial no mercado religioso evangélico: muitos/as headbangers migraram para a Renascer, que assim aumentou sua religious share of market.600 Investir no atendimento de demandas de roqueiros/as fez parte das estratégias de flanqueamento de um marketing de guerra santa, em que, para obter fatia do mercado religioso, a Renascer se valeu da inovação, sobrepujando assim algumas de suas concorrentes. Formado em marketing, foi natural a Hernandes analisar as forças do mercado e ajustar sua oferta a tais anseios através dos lançamentos fonográficos de sua gravadora em cultos, festivais, programas de rádio e tevê.601 Um dos modos de diagnosticar se tais estratégias eram frutíferas estava nas falas de fiéis do começo da década   de   1990:   “a   Renascer   é   a igreja   do   rock”,   “Deus   é   do   metal”,   “aqui   nós tocamos   heaven’s   metal”.   Os   gêneros   apropriados   pela Renascer satisfaziam os/as fiéisconsumidores/as, que se tornavam promotores/as de mercadorias e produtos e agentes de divulgação/consolidação da agência.

598

DOLGHIE, 2004, pp. 208-209. Em suas diversas formas, como o trash, o doom, o death, o speed e o black. 600 Para   Dolghie,   “após   detectar   as   demandas”,   a   Renascer   “abre   inúmeras   frentes   para   a   distribuição e divulgação  do  gospel  (que  corresponderiam  à  ativação  do  produto)”.  Para  ela,  a  maior  estratégia  da  Renascer  foi   a  “ruptura  total  com  o  estilo  de  programação  das  igrejas  tradicionais  (protestantes  e  pentecostais)”  (DOLGHIE,   2004, p. 213). 601 Os CDs e DVDs da produtora/distribuidora Gospel Records são midiatizados por diversas rádios evangélicas, dentre elas, a Gospel FM, da própria Renascer, e sua TV Gospel. São comercializados por lojas situadas dentro e fora das unidades da agência. A Renascer pode ser considerada uma igreja eletrônica por excelência. O uso que fez do ciberespaço foi posterior. 599

178

A CMF da Renascer reverberou em outros ministérios que tocam rock pesado, como Refúgio do Rock, Caverna de Adulão, Crash Church, Zadoque, Ossos Secos e Sarcófago.

602

Estes,

que identificam-se como alternativos, underground ou igrejas do metal, têm nos/as metaleiros/as de Cristo seu nicho mercadológico, constituindo-se como praticantes dum marketing de guerrilha santa, em que combatem por um espaço mais reduzido que aquele pretendido por igrejas como Universal, Mundial, Internacional e a própria Renascer. Além do rock de Resgate, Oficina G3 e Brother Simion com a Katsbarnea, a Renascer investe em outros gêneros, como o rap de DJ Alpiste e Kadoshi e o sertanejo-romântico de Marcelo Aguiar. O Renascer Praise, conjunto especializado em gêneros diversos, recebe a participação da bispa Sônia apresentando as canções e do apóstolo Estevam fazendo minipregações durante os shows/louvores.603 Algumas agências evangélicas têm na conversão de artistas uma estratégia de marketing relacionada à apropriação/ressignificação de gêneros outrora considerados mundanos ou demoníacos. Músicos/as e cantores/as seculares no ocaso de seu prestígio recebem novo status quando incorporados ao cast de gravadoras e agências evangélicas, midiatizando as mesmas através de canções e testemunhos de conversão. O capital simbólico que tais artistas carregam é capaz de atrair público, criar repercussão positiva nas mídias e dotar a agência religiosa de maior eficácia simbólica. Como há o estímulo à profissionalização e capacitação técnica de artistas e sua inserção no mundo, muitos destes fazem parte do elenco de produtoras/distribuidoras seculares.604

602

O Refúgio do Rock foi fundado em 1993 por Sandro Baggio, ligado à IEQ, recebendo posteriormente a adesão de Cláudio Tibérius, ex-líder da CMF. Baggio é autor de uma das obras que utilizo neste capítulo. Para maiores informações sobre algumas das igrejas do rock, ver, por exemplo, Baggio (2005), Costa (2004), Cunha (2007), Dolghie (2004) e Mariana Taube Romero (2005). 603 Desde sua fundação, no início dos anos 1990, e até 2008, o conjunto havia lançado 13 CDs, sendo sete ao vivo e um em espanhol, todos pela Gospel Records. Em Israel, no ano 2000, gravou o primeiro DVD gospel brasileiro ao vivo. Seus shows contam com corais, coreografias e efeitos cenográficos. Já foram realizados em estádios de futebol e fazem parte da Marcha para Jesus e o SOS Gospel, eventos organizados pela Renascer. Em 13 de outubro de 2007 o conjunto gravou, na Sede Internacional da Renascer, na Vila Mariana, São Paulo, com orquestra e coral, o DVD/CD A Espera Não Mata a Esperança. O mesmo contou com a apresentação de bispa Sônia, ao vivo, através de transmissão via satélite no sistema de multicanal, diretamente de Miami, Flórida, onde cumpria regime de reclusão domiciliar por evasão de divisas. O ingresso custava de R$ 40 a R$ 60 para os que comparecessem na sede, e R$ 10, aos que assistiam ao evento em alguma de suas 1200 igrejas espalhadas pelo Brasil. Seu lançamento oficial, com transmissão nos telões da sede e filiais, ocorreu em 24 de novembro de 2008. 604 Alguns/mas recebem reconhecimento da mídia gospel e secular, circulando por ambos ambientes, como Juninho Afram, líder da Oficina G3. Integrante do Tagima Dream Team (que reúne músicos brasileiros), Afram foi incluído pela revista Guitar Player como um dos melhores guitarristas nacionais em atividade. O mesmo tocou

179

O mercado gospel acolhe artistas evangélicos e católicos. Dentre os/as últimos/as, destacamse padres-cantores da RCC, como Marcelo Rossi e Fábio de Melo, que gravaram hits evangélicos.605 Além dos padres- cantores, há artistas católicos de todos os gêneros musicais, do heavy metal de Eterna e Rising Cross, ao reggae/ska dos Skatólicos, passando pelo forró dos Doidin de Deus (DDD). No Brasil, nos rankings de CDs e DVDs mais vendidos, figuram artistas sertanejos/as e padres católicos, seguidos mais de longe pelos/as evangélicos/as.606 Há semelhanças entre os/as artistas gospel e os/as seculares: ambos/as compõem ou interpretam canções alheias, alguns/mas adaptam letras do inglês para o português, recebem cachês pelos shows, utilizam aparatos tecnológicos e mercadológicos, concorrem a premiações, são referências para fãs, gravam fonogramas e pensam em determinados públicos. Tal aproximação pode ser observada na descrição que a Bola Music, produtora e distribuidora da BDN, faz de si mesma: o ritmo de crescimento do mercado evangélico já anunciava o fim da informalidade e do amadorismo, e a consolidação cada vez maior do profissionalismo. O selo possui um moderno estúdio de gravação nas dependências da igreja e sua estrutura administrativa funciona no prédio ao lado do templo.607

Artistas gospel como Robinson Monteiro foram promovidos através de programas seculares como o Raul Gil. 608 Mas no caso dos/as artistas do mundo, o mesmo não ocorre: o mercado evangélico, endógeno por natureza, não aceita sua entrada, visto que este tipo de canção costuma ser associada ao pecado, com exceção das que são adaptadas à poética gospel. Dentre tais adaptações, destacam-se  paródias  feitas  a  partir  do  hit  secular  “Ai,  se  eu  te  pego”,   de Michel Teló, como Ai, se eu prego.609 A terminologia usada pelos/as artistas gospel diferencia sua produção da feita pelos/as com seu conjunto no Rock in Rio 3, de 2001, e venceu, após duas indicações anteriores, a edição de 2009 do Grammy Latino, com o disco Depois da Guerra. 605 Dentre outros exemplos, Rossi gravou Fico Feliz e Deus do Impossível, de Aline Barros, e Melo, Deus Cuida de Mim de Kleber Lucas, configurando estratégia de atração de evangélicos à RCC. 606 A Som Livre tem promovido artistas evangélicos/as. Um exemplo está na coletânea Promessas, com hits de Irmão Lázaro, Robinson Monteiro, Aline Barros, Soraya Moraes, André e Ana Paula Valadão, além de Faz um milagre em mim (ao vivo), de Régis Danese, canção executada por artistas gospel e seculares a partir de 2009, sendo um caso onde a canção se tornou mais conhecida que o/a seu/sua autor/a. O slogan da Som Livre denota a adaptação  ao  público  evangélico:  “você  adora,  a  gente  toca”. 607 Bola Music. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. 608 Alavancado pelo programa Raul Gil, à época apresentado na rede Record, Robinson gravou o CD Anjo, que em dois meses vendeu um milhão de cópias (CUNHA, 2007, p. 103). Outros/as artistas foram promovidos por programas seculares como o Sabadaço, de Gilberto Barros, que tinha o quadro A mais bela voz gospel. 609 Ai se eu prego. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012.

180

seculares. A canção é o hino, louvor ou adoração, os conjuntos são ministérios de louvor e adoração, os shows são cultos de adoração, as turnês são jornadas proféticas. O palco da igreja

é

chamado

altar,

e

os

cantores

são

adoradores,

ministros

ou

levitas

(denominação estendida aos/às instrumentistas). Há ainda a unção de adorador/a, quando o/a fiel demonstra o fervor da fé, recebe proteção divina e prospera no mundo espiritual e secular, já que a adoração ajudaria a vencer principados e potestades. Consumir CDs e DVDs originais e comprar ingressos para shows/louvores são formas de agradecimento ao artista e propiciadores de bênçãos aos mesmos, vistos como instrumentos de Deus. Nestes eventos, é comum que haja a solicitação para ofertas de amor aos artistas, ou seja, contribuição financeira extra. Selos como a Bola Music se divulgam como agentes abençoadores de ministros de louvor e adoração.610 A canção é entendida como ungida e abençoada, e quando uma pessoa é presenteada com uma canção, esta se torna canal de benção na vida dela. A canção é autorizada,611 sacralizada, alicerce para a fé e (suposto) andaime para o divino. Se num contexto de marketing de guerra santa a agência religiosa deve analisar o mercado, perceber e antecipar expectativas e investir em determinado(s) estilo(s) de canção, vale perguntar: é a indústria fonográfico-midiática gospel que determina o gosto do público, ou é a demanda deste que condiciona a oferta? É um pouco de cada coisa.

Parâmetros para a análise de uma canção Há agências evangélicas que tem no heavy metal seu principal promotor, enquanto outras se especializam em forró, samba, soul, funk, etc. A BDN tem o reggae como

gênero

majoritário, seguido de perto pelo rock e mais de longe pelo rap. Seu conjunto principal,   a  Tribo   de   Louvor,  tem   como   “carro-chefe”   a   canção   Caia   Babilônia,   cuja   letra   se   segue: Os homens fazem a guerra Depois tratam da paz 610

A página conta que sua  filosofia  “não  é  a  de  lucros”,  mas  a  de  “abençoar  os  ministros  de  louvor”.  Bola Music. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. 611 Canção   autorizada   é   adequação   de   expressões   de   Bourdieu   como   “voz   autorizada   (o   líder   instituído)”,   “palavra  autorizada  (a  Bíblia,  leitura  considerada  sagrada)”,  “templo  autorizado  (a  própria  igreja  onde  ocorre  o   ato  litúrgico)”  e  “ritos  autorizados (que  constituem  esta  liturgia)”  (BOURDIEU,  1996,  passim).    

181

O que eles não percebem É que o ontem já foi O amanhã nem chegou Por isso hoje viva e deixe viver Vença a guerra dentro de você Deixe o amor de Deus Te ensinar a viver Peça ao Senhor chuva de primavera Pois o Senhor é quem faz o trovão E manda chuva pra plantação É Ele que dá o fruto da terra ao homem Pra que ele se alegre com sua provisão Deus criou a terra, criou o mar Pra que dela eu possa cuidar Pra que eu possa cuidar Será que isso irmão, não é suficiente Pra você entender que não tem o porquê De adorar a criatura Ao invés do Criador? Por isso hoje ouça o chamado de Deus Ele lhe chama de filho seu Guerreiros da Babilônia Instrumentos do seu amor refrão: Caia Babilônia, caia Babilônia

Através de Caia Babilônia, sugiro alguns parâmetros para a análise de canções a partir de cinco aspectos: performance, silêncio, contexto, música e poética. 612 Cada aspecto pode possuir diferentes parâmetros de análise, negociados de acordo com a canção e a intenção do pesquisador, e estes podem ser observados separadamente e depois associados e/ou comparados. Os resultados da análise de cada aspecto, por sua vez, podem ser observados em conjunto.613 Outro método de análise possível consiste em avaliar os parâmetros de forma 612

Um aspecto de análise possível, dentre outros, é a realização de entrevistas com líderes, autores/as, produtores/as, distribuidores/as e consumidores/as. Estas possibilitam que se conheçam melhor os contextos de criação, produção, divulgação e consumo, dentre outros. 613 Novas pesquisas e observações podem detectar outros aspectos e parâmetros analíticos. Neste texto, me atenho à proposição de alguns aspectos e parâmetros de análise possíveis, separadamente. Não estabeleço, no momento, uma comparação entre as análises de cada parâmetro.

182

conjunta, já que tais aspectos se entrelaçam e criam liames entre si. 614 As canções podem ser analisadas de várias formas, como abordado por Ruth Finnegan: uma canção pode ser experimentada – pode existir – numa performance ao vivo, numa página impressa, numa fita cassete, num LP, em vídeo,em CD, em transmissões  de  rádio    e  televisão,  pode  ser  “baixada” da internet, discutida num email, enviada por um celular; ou pode ser recitada de memória, recriada em voz alta (...) ou fragmentada.615

Em cada caso, a experiência performática adquire diferentes sentidos e significados, dada a diversidade do suporte e da experiência estética de cada fruidor. Na análise de Caia Babilônia, farei análise sucinta sobre o silêncio e a performance, pensando em apresentações ao vivo, e posteriormente, com o auxílio da versão fonográfica, aprofundarei os demais aspectos propostos (poética, música e contexto).616

Performances em mosaico: primeiras impressões sobre Caia Babilônia Entre 2005 e 2009, assisti Caia Babilônia ser apresentada por Denise e a Tribo de Louvor, e por conjuntos locais na BDN São Paulo, BDN Floripa e BDN Balneário Camboriú (SC). Tais observações possibilitaram apontamentos sobre alguns aspectos da performance como instância de análise de canção.617 Finnegan     comenta     que     “para     analisar     a     palavra     cantada     precisamos     entendê-la como performatizada, encenada por meio da voz – afinal o canto é em si próprio entendido

614

A   análise   conjunta   é   sugerida   por   Finnegan.   Para   esta,   “analisar   uma   canção   enquanto   performance   evita   perguntas sobre o que vem, ou o que deveria vir, primeiro, pois nesta perspectiva a existência da canção não se encontra no texto escrito, na obra musical ou na partitura, nem em alguma origem primeva na história da humanidade (...) nesse momento encantado da performance, todos os elementos se aglutinam numa experiência única e talvez inefável, transcendendo a separação de seus componentes individuais (...) o texto, a música e tudo o mais são todos facetas simultaneamente anteriores e superpostas de um ato performatizado que não pode ser dividido (FINNEGAN, 2008, 24). 615 FINNEGAN, 2008, 37. 616 A versão performatizada é analisada a partir de anotações de caderno de campo e observação participante. A versão fonográfica de Caia Babilônia, que analiso, está no registro: BOLA DE NEVE CHURCH (TRIBO DE LOUVOR). Louvor e Adoração, volume 1. São Paulo: Bola Music, 2005. 617 A análise ao vivo privilegia a observação de um maior número de elementos performáticos, como expressão corporal, readequações na poética e na música, coreografias e manifestações diversas, que sinalizam para o objetivo fundamental das canções: atrair a atenção do/a receptor/a – ou Deus, como referem alguns artistas, ou o/a fiel-consumidor/a da agência.

183

como  um   marcador  de  ‘performance’”.618 A autora se refere à performance vocal, percebida desde  os  sussurros  ao  microfone  até  as  distorções  e    efeitos.    Além    disto,    “muitas    canções     que nos são familiares contêm palavras sem sentido em termos estritamente referenciais: todos os tralálás, ba-da-uás, iê-iê-iês, ou versos terminados em oh, ah, e-ié e assim por diante”.619 No caso de Caia Babilônia, as palavras sem sentidos são representadas através de tchuru-tchuru-tchus.   Para   Finnegan,   “o  texto  pode   se   dirigir   a   algum grupo restrito, ou a ‘Deus’   em   vez   de   humanos   (...)    Ele   pode   estar   em   uma   língua   estrangeira   ou   exclusiva,   ou   numa  língua  que  não  importe  muito  para  a  performance  como  um  todo”. 620 Nas performances ao vivo das canções gospel, muitos artistas falam em idiomas supostamente estrangeiros (a glossolalia), por vezes associados a diferentes manifestações atribuídas ao Espírito Santo, como a imitação de determinados animais. 621 A performance vocal associa-se à corporal, sinalizando ainda para a instrumental, a apropriação de elementos cênicos e coreográficos, e o próprio palco-altar,  espaço  de  realização  das  “prega-shows”.   Todos estes elementos, associados, promovem a obliteração dos sentidos e a adesão do fã-fiel à mensagem religiosa da agência. Os shows/louvores da BDN são realizados sob a incidência de jogos de luzes que privilegiam público, palcos-altares e artistas, muitas vezes em sincronia com estrofes e refrões. As letras costumam ser projetadas em telões, e em alguns casos, todo o louvor é projetado, como no show realizado pela Tribo de Louvor no Citibank Hall, casa de shows paulistana, para a gravação do DVD O Maior Amor, em 2009. A cada apresentação de Caia Babilônia, como de qualquer canção, surgem novos detalhes. Quando uma canção é (re) apresentada pelo autor ou por intérpretes, em reprodução mecânica ou em show, há processos de co-autoria    e    de    “re-autoria”    com  graus    distintos     de (re) significação; e no caso dos shows/louvores, as canções são espaços naturais para 618

FINNEGAN, 2008, 19. Para Finnegan, a canção como performance é tradicionalmente relegada a outro plano pois costuma-se  pensar    a    linguagem    como    signatária    de    um    discurso    “verdadeiro”.    (FINNEGAN,    2008,     19.) A autora refere que o interesse pela performance veio das interpretações de caráter transdisciplinar, onde a ideia de processo, diálogo e ação se sobressaíram em relação à definição de objetos de estudo como produtos,  estruturas    ou    obras    definitivas.    Comenta    que    “mais  do    que    sobre    ‘arte’,    falamos  agora    sobre     artistas e sobre como eles fazem as coisas, os recursos e limitações com os quais lidam ou os contextos e universos  nos  quais  operam”  (FINNEGAN,  2008,  21). 619 Idem, 2008, 31. 620 Ibidem, 2008, 31. Aprofundo a análise sobre a performance vocal e sobre a poética mais adiante. 621 Tais manifestações costumam ser entendidas como unções. Dentre estas, destaca-se a do riso, a do choro, e aquela onde o/a artista, por vezes seguido do público, performatiza o comportamento de animais. Um exemplo recente está na unção do leão, divulgada no Brasil por cantoras como Ana Paula Valadão, da Batista da Lagoinha. Ana Paula Valadão. Valadão – Unção dos Animais (Leão) – Legendado. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012.

184

a pregação em momentos de pausa ou concomitantes à música. É importante lembrar que as performances do/a artista relacionam-se com sua biografia, fatores psicológicos e emocionais, seu contexto sociocultural, a agência religiosa a que pertence, o público-alvo que pretende atingir, e as demandas que a criação poético-musical envolvem, relacionadas com a autoria, a produção, a distribuição e o consumo. A performance é relacionada diretamente ao silêncio, entendido principalmente na forma da pausa, da quebra momentânea do preenchimento sonoro, mas sempre cheio de sentido, remetendo à expressão som do silêncio, da canção de Simon & Garfunkel.

Os sons do silêncio No caso da canção gospel, o silêncio deve ser visto de modo ampliado: ele guarda significados e sentidos. Marcante nos momentos de pausa durante ou no intervalo das canções, tem a função de propiciar momentos de meditação, reflexão acerca das palavras pregadas pelos líderes de louvor e/ou líderes da agência religiosa, e de consequente adesão a estas mensagens. Para  Eni  Orlandi,   há  um  silêncio   fundante,  que  é  o  real  da  significação,  onde  “o  silêncio  é  o   real  do  discurso”622 , visto com sentido, e não como falta, enquanto a linguagem é um excesso, “movimento   periférico,   ruído”   que   divide   e   organiza     o     silêncio.     Nesta     concepção,     o     silêncio    significa,    e    “não    o    definimos  negativamente  em  relação  à  linguagem  (o  que  ele  não   é)   mas   em   sua   relação   constitutiva   com   a   significação   (o   que   ele   é).” 623 O silêncio não é o vazio ou o não-sentido,    mas  um    “indício  de    instância  significativa”.  Surge  então  a  ressalva:     não é do silêncio físico que Orlandi fala, e sim do silêncio humano, do silêncio como sentido e como história, como matéria significante, aquele que instala o limiar do sentido. Orlandi cita J. De Bourbon Busste (1984), para quem o silêncio não é a ausência de palavras, mas aquilo que existe entre as palavras, entre as notas da música, entre os astros e os seres, sendo o “tecido  intersticial  que põe em relevo os signos que dão valor à própria natureza do silêncio que     não     deve     ser     concebido     como     meio”.     Seria     um   “intervalo   pleno   de   possíveis   que   separa   duas   palavras   proferidas:   a   espera,   o   mais   rico   de   todos   os   estados”,   sendo   assim,   espécie   de   “iminência”.624 O silêncio na canção pode tomar várias formas. Dentre estas, 622

ORLANDI, 2007, p. 29. Idem, 2007, p. 42. 624 Ibidem, 2007, p. 68. 623

185

Orlandi apontou o silenciamento, o interdito, o tabu e a censura. 625 Muitas vezes, a performance    reforça    estas    formas    de    silêncio,    também    “dizendo    o    que    não deve ser dito”. Em relação à canção gospel, a principal forma de silêncio está no embargo e na pausa da voz, acompanhada pela cessação dos instrumentos.626 Em Caia Babilônia, não há momento de pausa total dos instrumentos e da voz durante a canção, instaurando silêncio propiciador de sentidos. Nesta canção, o silêncio se dá antes e após a canção ser entoada, estimulando uma polissemia de significados. Mas é relevante pensar que há outras nuances do silêncio. Entre as estrofes, a voz e a poética silenciam, e em toda canção há instrumentos que emudecem. Na canção gospel, o silêncio,

tanto

quanto

o

som tem

como

objetivo

reforçar

a

mensagem

do/a

artista/pregador/a. O silêncio é ainda o elo que forja o diálogo, essencial na pregação musicada. Pregadores/as eficazes comumente estimulam a participação da audiência, fazendo com que a mesma reafirme as mensagens que ele propõe. Em um dos shows/louvores que acompanhei, após discorrer acerca da importância de se vencer o mundo, Denise introduziu a canção estimulando os/as fãs-fiéis:    “vamos    derrubar    a    Babilônia?”    Ao    fazer    esta    indagação,     a pastora estimula a resposta óbvia, “vamos!”, de modo semelhante ao que o comercial da Caixa Econômica Federal faz     com     seu     jargão     “vem     prá     Caixa   você também...”,     cuja     pausa existe para que o espectador preencha o silêncio com o sentido esperado: “vem!” Este recurso também é utilizado na performance da canção reproduzida no DVD O Maior Amor. Zeider Pires, cantor do conjunto de reggae Planta & Raíz, que acompanha Denise neste  show/louvor,  entra  em  palco  desejando  a  paz  e  indagando  “cadê  os  guerreiros?”.   Em seguida, a cantora estimula:  “quero  ouvir  os  profetas  e  os  guerreiros  aqui,    profetizando a queda     da     Babilônia”,     e     durante     a     canção,     pergunta:     “cadê     os   guerreiros?   Cadê   as   guerreiras?  Levanta  as  suas  mãos!  Profetiza!”,  e  completa:  “vai  cair  Babilônia!” 627 A mescla entre pausa e performance é demonstrada no refrão, quando Denise mexe os braços de cima para baixo como se forçasse a queda dos muros babilônicos, movimento copiado pela massa de fãs-fiéis.  Ao  final  da  canção,  a  expressão  esperada:  “a  Babilônia  caiu!”

625

Ibidem, 2007. O silêncio pode ser pensado também em relação àquilo que chamo música gospel, aquela desprovida de letra. 627 Esta versão pode ser vista no YouTube. Caia Babilônia. Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2012. 626

186

Canto e corporeidade induzidos, a mensagem é revestida de aceitação, legitimidade e eficácia performativa, e o sentimento de pertença reforçado. Vislumbra-se a voz autorizada contemplada por Bourdieu

e o discurso religioso citado por Orlandi, marcado pelo

autoritarismo. Este  discurso  é  “aquele  em  que  fala  a  voz  de  Deus”628, ou como ela reformula, “no  discurso  religioso,  em  seu  silêncio,  o  “homem   faz    falar    a    voz    de    Deus.” 629 Talvez o discurso

religioso

possa

ser entendido

como

o

momento

em

que

o

homem

(supostamente) faz falar o (suposto) silêncio ou a (suposta) voz de (um suposto) Deus. De todo modo, silêncio e performance reforçam a mensagem de canções e pregações, e ambas validam-se na suposição de que Deus quer ser escutado através delas.

Contextos em caleidoscópio Além dos silêncios e performances, a canção pode ser entendida através de seus contextos. Como a BDN se caracteriza pelo derretimento e fluidez de suas expressões identitárias e discursos, dependentes dos ventos do mercado, a contextualização sobre a canção pode ser vista de modo pouco conclusivo e mais plural: muitos aspectos poderiam ser elencados. Assim, tal contextualização pode ser entendida de forma caleidoscópica: a mudança de um olhar pode estimular uma série de outras miradas. Autores/as como Moraes sugerem uma análise externa da canção, com seu contexto histórico mais    amplo,    “situando    os    vínculos    e    relações    do  documento    e    seu(s)    produtor(es)    com     seu     tempo     e     espaço”,     e     seu     contexto     mais   específico,     com     o     “processo     social     de     criação, produção,    circulação    e    recepção    da  música  popular.”630 Márcia Ramos de Oliveira contempla  que  “a  canção  em  sua  expressão  vem  acompanhada  da  inserção  no  contexto  em  que   emerge,  contraposta  às  condições  que  lhe  deram  origem”  e  que  a  partir  da  década  de  1980 no Brasil, os historiadores ocuparam-se     “das     relações     de     produção     e     condições     de   circulação  relacionadas  a  música.”631 Em relação à produção, difusão e circulação, devese identificar a associação com o mercado e os meios de comunicação, estabelecendo relações     com     as   midiatizações,   sentidas   no   cotidiano   das   pessoas,   “transformado   irreversivelmente pelo rádio, disco, profissionalização dos artistas, lógica dos espetáculos

628

Idem, 1987, p. 240. Ibidem, 2007, p. 28. 630 MORAES, 2000, p. 216. 631 OLIVEIRA, 2008, p. 69. 629

187

e     imprensa   especializada.”632 Semelhantemente, Marcos Napolitano aponta para a criação, produção, circulação e recepção (ou apropriação). A criação vai do contexto do autor à sua intenção de alcance, passando pelo contexto da obra, indiciando a influência do entorno na obra e da obra no entorno.633

Contexto geral Caia Babilônia é antes de tudo, canção inserida no marketing religioso da agência que a produz, inserida num contexto concorrencial. A atenção à segmentação do público reverbera na criação e adaptação de produtos (discursos, serviços, ritos e práticas) e mercadorias (mídias audiovisuais, adesivos, roupas e outros) religiosas, dentre estas últimas, a canção midiatizada. Como o site da Bola Music comenta, A música é uma linguagem universal e sempre atraiu muitas pessoas para o reino de Deus. Muitos são aqueles que contam testemunhos de experiências sobrenaturais com Deus através do louvor. É uma maneira de levar os louvores ministrados durante os cultos para casa, e mais do que isso, levar a mensagem de Jesus Cristo àqueles que ainda não O conhecem. 634

A inserção da canção num contexto de gerenciamento de mercado pode ser pensada a partir dos quatro As do marketing.635 Caia Babilônia é reflexo de análise de mercado, sendo o reggae um gênero demandado por fãs/fiéis, adaptada como produto que via satisfazer tal procura, ativada ao ser divulgada e colocada à venda e avaliada durante o controle acerca de sua distribuição e resultados. Os 5 Pês do marketing mix também podem ser aplicados: ela é um produto religioso associado a formas de mídia específicas, tem pontos de venda e distribuição próprios nas unidades da igreja e no ciberespaço, e que atuam como promotores dos produtos juntamente com Bola TV e Bola Radio 636, os preços destas mídias (CDs e DVDs) variam (ela pode ser baixada de graça pela internet, resultado provavelmente menos 632

MORAES, 2000, p. 216. Para Heloísa de Araújo Duarte Valente,  haveria  uma  “canção  das  mídias”,  composta,   executada,  difundida  e  recebida  “tendo  em  conta  os recursos oferecidos pelo conjunto de técnicas do som (e/ou do audiovisual) vigente que, por sua vez, está condicionado à esfera político-econômica das gravadoras (e, por tabela,  das  rádios),  de  maneira  mais  ou  menos  expressiva”  (VALENTE,  2007,  p.  3).  Tais meios fizeram com que gêneros associados originalmente a classes economicamente menos favorecidas alcançassem novos/as ouvintes. É o caso do spirituals, soul music, blues e gospel, nos Estados Unidos. 633 NAPOLITANO, 2002, p. 99. 634 Bola Music. Disponível em: . Acesso em: 17ago. 2012. 635 RICHERS, 1994, p. 20. 636 As mercadorias da BDN podem ser encontradas em pontos de distribuição externos também, tanto evangélicos como seculares.

188

desejado), com suas promoções637 (podendo ser paga de diversas formas) e seu público consumidor, pessoas que consomem a canção através dos DVDs, CDs e shows/louvores. Tal contexto, de encaixe na sociedade do espetáculo religioso e em um marketing de guerra santa, pode ser visto na seção Fale Conosco do site da Bola Music. Ao invés de ser convidada para   louvar   e   adorar,   como   diria   o   “evangeliquês”,   a   Tribo   de   Louvor   pode     ser     contratada     através    de    seu    “Contato    para    Shows”.638 Este contexto, mais ampliado, se relaciona com contextos específicos, referentes à criação, produção, circulação e recepção da canção.

Criação, produção, circulação e recepção Caia Babilônia foi composta por Denise e gravada com a Tribo de Louvor em 2004, fazendo parte do álbum Louvor e Adoração – volume 1 (figura 63). Este contem versões reggae de sucessos evangélicos, além de composições da pastora.639

Figuras 63 e 64: Louvor e Adoração - volume 1,640 Denise Seixas com a TL, Zeider e Rodolfo641

As composições de Denise, como de muitos/as dos/as artistas gospel, revestem-se de suas experiências religiosas, sinalizando a relação entre autoria, identidade e biografia. Como a

637

O termo promoção, neste caso, foi desdobrado em dois sentidos, como sinônimo de divulgação e como diminuição do preço. 638 Contato para Shows. (Bola Music). Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. 639 Na contracapa do CD que tive acesso, de 2004, não constava o nome da gravadora. Entendo que o mesmo tenha sido feito de modo independente pela BDN. Como a canção foi gravada em 2004, foi composta neste ano ou anteriormente. Na figura 64 vemos Denise com seu conjunto e em companhia de Zeider Pires e Rodolfo Abrantes. 640 Louvor e Adoração - volume 1. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Como se percebe, a capa é a representação do apóstolo Rina, e de outros pastores ou líderes da BDN, com um microfone e a Bíblia em cada uma das mãos e à frente, o marcador principal da identidade religiosa de uma “igreja de surfistas”, a “prancha-púlpito”. 641 Denise Seixas com a Tribo de Louvor, Zeider e Rodolfo. Disponível em: < www.bolamusic.com.br/hotsites/index. php?id_ banda=25>. Acesso em: 12 ago. 2012. À esquerda está Denise Seixas, ao centro Zeider Pires (Planta e Raíz) e à direita, Rodolfo Abrantes (ex-Raimundos).

189

pastora relata em seu mito pessoal de origem,642 envolveu-se com drogas até tentar o suicídio por três vezes e posteriormente sofrer uma overdose, sendo reabilitada através da Ebenézer, obra de assistência social de Praia Grande, São Paulo, onde a mesma morava. 643 Com a criação da Bola Music, selo musical responsável pela produção e distribuição de álbuns da BDN, o CD foi relançado, tendo a canção “Eu e minha casa”  incluída. 644 Nas informações de contracapa do mesmo não constam os nomes dos integrantes do conjunto. Como observei, a formação do conjunto em shows/louvores é relativamente móvel, com exceção da pastora/compositora/cantora, membro permanente.645 Na página do mesmo no MySpace,646 os únicos músicos relacionados no álbum são Denise, Catalau, Fantazzini647 e Zeider.648 Como me referi, outros ex-cantores seculares fazem parte do cast da Bola Music e são líderes da BDN, como Nengo e Rodolfo. A Bola Music produz outros conjuntos, como o Ruth´s, também liderado por Denise, e formado por mulheres, e distribui trabalhos de outros artistas, como Dominic Balli e Christafari. O selo foi criado para atender as demandas dos fãs-fiéis após o lançamento da primeira versão de Louvor e Adoração – volume 1: o Bola Music foi lançado em 2006 após a grande demanda do álbum “Tribo de Louvor – Volume I”, que superou as expectativas e impulsionou a criação da gravadora própria, para que mais músicos tivessem a oportunidade de gravar suas músicas.649

O título do CD, Louvor e Adoração – volume 1, foi substituído informalmente por parte dos/as fãs-fiéis por Tribo de Louvor. Talvez isto tenha ocorrido pois Louvor e Adoração é um título 642

Expressão de CHAUÍ, 2000, p. 35. Biografia de Denise Seixas. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2009. Pastora Denise Seixas Testemunho. Disponível em: Acesso em: 10 ago. 2010. 644 A primeira canção do álbum Louvor e Adoração (primeiro álbum da Tribo de Louvor) é Caia Babilônia, seguida de Manhã de Sol, cuja letra remete à sensação que tem o surfista ao praticar seu esporte (é comum na BDN a comparação entre mergulhar no mar e mergulhar no Espírito ou na Palavra de Deus). As demais são: Foi por Amor, I Coríntios 13, Estar nos Teus Caminhos, Não Temerei (canção de Batalha Espiritual), Corpo e Família, Eu e Minha Casa, Luz do Mundo, Verdadeiro Adorador, Fonte de Água Viva, Andar com Deus e Espírito de Deus. 645 No release sobre a Tribo de Louvor, são relacionados alguns/mas músicos/as: Ana Toledo, Aninha, Fernanda, Daniela Veloso e Tina Santana nos vocais, Kiko e Lucas no baixo, Lísias e González na guitarra e violão base, Jean e Ball na guitarra solo, Pitita na bateria, André nos teclados. Release da Tribo de Louvor (Bola Music). Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. 646 Biografia da Tribo de Louvor. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. 647 Neste CD, Fantazzini canta Fonte de Água Viva, de Ademar de Campos. 648 Pires participa do CD cantando Luz do Mundo. 649 Bola Music. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. 643

190

encontrado em trabalhos gospel de muitos artistas e não tem a potência conferida pelo nome do conjunto. Como se vê acima, a própria Bola Music, ao divulgar o CD, o chama pelo nome como é mais conhecido. “Ato-falho”  ou não, ao chamá-lo assim, o faz mais vendável e reforça a identidade do trabalho e do conjunto.650 Ao mesmo tempo, com o passar dos anos, o conjunto foi sendo chamado concomitantemente por líderes e fiéis de Tribo de Louvor e de Louvor e Adoração. Ainda que o site da Bola Music refira-se a 2006 como data de criação da Bola Music e do lançamento do álbum, a versão que tenho traz a data de 2005. A página da Tribo de Louvor no MySpace comenta que o 1º álbum, “Louvor e Adoração”, foi lançado em 2004 para suprir uma demanda dos membros da Igreja Bola de Neve, mas o trabalho ganhou notoriedade e o resultado não poderia ser outro e, em dezembro de 2005, o CD foi relançado, pelo recém-criado selo Bola Music.651

Outras datas ainda são referidas. A página do MySpace relata, na descrição que faz de Caia Babilônia, que a data de lançamento do álbum teria sido 9 de junho de 2008, e no release sobre a Tribo de Louvor, o site da Bola Music traz como data de lançamento do álbum o ano de 2004.652 A discografia da Tribo de Louvor é completada com os álbuns Te Vejo Pai, de 2006,653 O Maior Amor, lançado em CD/DVD em 2009, gravado em 2008 no Citibank Hall, casa de shows em Moema, bairro nobre de São Paulo – apontando para a teologia do domínio espiritual, onde se procura conquistar terrenos seculares “para Jesus”, 654 e o DVD Face a Face, lançado durante a Expo Cristã 2012, no Anhembi, em São Paulo.655 O mesmo é divulgado pelo site da Planet Bola e pelo perfil público de Rina (figuras 65 e 66). Neste, Rina, 650

Até o momento, não houve uma sequência deste álbum, como Louvor e Adoração – volume 2, talvez porque este nome não tenha feito muito sucesso. 651 Biografia da Tribo de Louvor. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. 652 Idem e Release da Tribo de Louvor (Bola Music). Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. 653 Este álbum recebeu participações de Zeider Pires na canção Salmo 91 e de Nengo Vieira em Deus de Abraão. 654 Já a partir da década de 1990, como estratégia de midiatização da Gospel Records, a Renascer (como outras firmas neopentecostais) promoveu espetáculos de artistas em casas de shows e outros ambientes seculares, lotando, segundo Baggio, “espaços como o Canecão do Rio de Janeiro e o Dama Xoc em São Paulo”, alcançando grande sucesso em seus objetivos (BAGGIO, 2005, p. 63). Muitas agências evangélicas compraram espaços que foram teatros, cinemas e casas de shows. A BDN mesmo tem atualmente como sede o Olympia, antiga casa de shows paulistana. A teologia do domínio se associa a outras, como a da prosperidade e a da batalha espiritual, por exemplo. 655 A Expo Cristã foi realizada entre 25 e 30 de setembro de 2012. Este trabalho contou com a presença de Ana Paula Valadão, Antônio Cirilo, Catalau, Heloísa Rosa, Juliano Son, Nengo Vieira, Rodolfo Abrantes, Thalles Roberto e Zeider Pires. Face a Face. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012.

191

coloca uma canção do DVD divulgada no YouTube,  com  o  recado  “para matar a vontade de quem  ainda  não  comprou...”.  As imagens seguintes, do perfil público da Bola Music, anuncia seu stand na Expo Cristã, em que foi lançado o DVD/CD e dá uma ideia da dimensão do show que gerou os mesmos (figuras 67 e 68).

Figuras 65 e 66: Face a Face na Planet Bola,656 Face a Face no perfil público de Rina657

Figuras 67 e 68: Stand da Bola Music na Expo Cristã,658 show-louvor Face a Face659

656

Face a Face na Planet Bola. Disponível em: < http://www.planetbola.com.br/>. Acesso em: 28 mar. 2013. Ap Rina Oficial. Disponível em: https://www.facebook.com/Ap.RinaOficial. Acesso em: 20 jul. 2013. 658 A   postagem   ainda   dizia   “estande Bola Music bombando na Expo Cristã 2012 na Rua A, pavilhão de exposições do Anhembi! Vem pra cá, lançamento nacional do CD/DVD Bola de Neve Louvor e Adoração - Face a Face! E não perca, show de lançamento na Bola de Neve Sede, dia 06 de Outubro, comprando seu ingresso a R$20   vc   ganha   o   CD   Face   a   Face!”   Stand da Bola Music na Expo Cristã. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. 659 Foto da gravação do CD/DVD Face a Face. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. 657

192

Autoria e produção da canção se associam a suportes de circulação, as media, entendidas como suporte físico (CD, DVD) e como meio de difusão (rádio, tevê, internet). Caia Babilônia é veiculada, por exemplo, através de sua rádio online, a Bola Radio, referida como a “web radio mais ouvida do país”660, dividida nos canais Extreme, Worship e Español, seu programa de tevê midiatizado por canal aberto e ciberespaço, a Bola TV. CDs e DVDs com a canção são encontrados em sites e lojas seculares e evangélicas. Dentre estas, o Shopping da Bola e a Lojinha da Bola, ponto virtual e físico de distribuição comercial da BDN. A Lojinha fica próximo ao hall de entrada, em geral próximo da Cantina da Bola.661 Autoria, produção e divulgação da canção tem um objetivo principal: criar e atender as expectativas dos/as receptores/as, os/as fãs-fiéis. 662 Uma destas demandas é por canções de boa  qualidade.  Como  sinaliza  o  pastor  Eric,  de  Santos,  “você  pode  congregar  numa  igreja  tão   agradável e amistosa como a Bola de Neve, escutando as músicas de mais alta qualidade, porque são elas que estão dentro da  igreja  nos  dias  de  hoje”.663 Caia Babilônia é uma das maneiras como a BDN contempla a maior parte de seu público, sequioso pela teologia da batalha espiritual. Entretanto, as canções do conjunto não objetivam apenas os públicos segmentados da BDN: “o trabalho da Tribo de Louvor está longe de ficar limitado aos membros da própria Igreja e ao mundo ‘Gospel’”. 664 Para Rina, as canções da sua agência devem conquistar o país:

660

Bola Music. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. 661 Lojinha da Bola. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. A canção associa-se   ainda   aos   ministérios   de   Áudio   e   Vídeo,   responsável   “pela   gravação   dos   cultos,   palestras   e   congressos  que  ocorrem  na  Igreja  Bola  de  Neve  e  pela  venda  de  CD´s  e  DVD´s  de  pregação”  (Ministérios. Bola de Neve Church. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2009) de Dança, e de Louvor e Adoração, onde o/a fiel  é  “quebrantado e o Espírito Santo de Deus se move   trazendo   cura,   libertação,   perdão,   restauração,   salvação   e   prepara   para   receber   a   palavra”   (Idem),   sinalizando para a canção como sensibilizadora e indutora de sentidos (prepara para receber a palavra), criando condições emocionais favoráveis à escuta da pregação do/a líder, que estimula o/a fiel a passar na Lojinha ou acessar o Shopping da Bola/Planet Bola. 662 É importante ressaltar que esferas como criação, produção, circulação e recepção não devem ser vistas de modo dissociado ou dicotômico: estas ocorrem, por muitas vezes, simultaneamente – remetendo à expressão de Hoover e Echchaibi pro-sumo (HOOVER, ECHCHAIBI, 2013, no prelo). 663 Testemunho Pr. Eric Bola de Neve Santos. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. 664 Biografia da Tribo de Louvor. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012.

193

são produtos que hoje estão sendo colocados à disposição da nossa nação através deste selo que acabou tendo que ser organizado para suprir uma demanda, por que hoje o Brasil precisa de algo novo.665

Mais que isto, a Bola Music objetiva o mundo (em sentido figurado, como o que está fora da igreja, e em sentido literal, relacionado ao planeta: “A principal meta do Bola Music é glorificar a Deus, dentre as demais podemos citar: romper barreiras com o mercado secular, visando evangelismo (...) e mostrar ao mundo um pouco do que Deus está fazendo no Brasil”.666 A Bola Music tem também um selo apropriado a produzir e/ou lançar conjuntos novos e “alternativos”, o Altern8.667

Figuras 69 a 73: Público em show/louvor de Denise e TL, com pregação de Rina668

O gospel reggae como gênero poético-musical669 que reveste Caia Babilônia, associa-se diretamente com parte do público desta agência, constituído por “jovens”   esportistas que 665

Bola Music. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. 666 Bola Music. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. 667 Dentre estes, destacam-se Reobote Zion, de reggae, Banca D’K, de rap, e PDR, que mistura indie, pop punk e rock alternativo. Altern8. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. 668 Fotos (Bola Music). Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. 669 O reggae surgiu na Jamaica por volta de 1960, apoiado em “concepções político-ideológicas da religião rastafari. As condições sociais e econômicas dos grupos sociais afrodescendentes da ilha caribenha propiciaram o surgimento de um sistema simbólico constituído nas relações de transcendência e inter-relação entre as dimensões política, religiosa e artística, que se traduzia na construção de uma identidade política e cultural para os estratos sociais menos abastados, considerados ‘outsiders’”  (BRASIL, 2009, p. 1). Estes grupos outsider eram formados pelos “rastafarianos”, indivíduos de “grande espiritualidade que tocavam tambores tribais, consumiam ‘ganja’  e viviam na zona rural da Jamaica”  (idem, 2009, p. 1), indicando este gênero como nascido da relação entre espiritualidade e música.

194

moram ou frequentam o litoral. Como faz parte do arcabouço cultural de muitos/as crentes, serve como capital simbólico, oferecendo eficácia performativa às pregações da agência.670 Além das performances, silêncios e contextos, outras instâncias de análise podem ajudar na compreensão de canções religiosas, como a música.

Os sentidos dos sons Irmãs harmoniosas nascidas nas esferas, Voz e Poesia Casem seus sons divinos, e empreguem seu poder conjugado... Ele chora a perda daquela harmonia primeira, e anseia por recuperá-la Para que nós, na Terra, em vozes concordantes, Possamos responder com justeza àquele ruído melodioso (da música celeste) Como outrora fizemos, ate que o pecado imenso Vibrou contra os sons da natureza e com barulho severo Rompeu a bela música que todas as criaturas faziam Para seu grande Senhor, cujo amor as punha para dançar Em perfeito diapasão, enquanto postavam-se Em total obediência (...) (Milton, “Par abençoado de sereias...voz e verso, At a solemn music, apud Finnegan, 2008, p. 17)

Letra e voz performatizadas sinalizam para os  “ruídos melódicos”. A essência da canção é ser polifônica: nela coexistem sonoridades que estimulam múltiplas interpretações. Melodias induzem significados e sensações, alteram percepções e sentidos, mexem com os sensos de exatidão e obliteram o discernimento.671 Para a análise musical de Caia Babilônia, me utilizo do negrito, assinalando as tônicas da poética da canção. Onde há o uso de melismas (prolongamentos vocais ao final das palavras ou frases), uso como recurso a repetição da última letra.

670

Bourdieu lembrou que o “efeito de conhecimento”  depende do reconhecimento e da crença que lhe atribuem os membros do grupo e das propriedades “econômicas ou culturais por eles partilhadas, sendo que a relação entre essas mesmas propriedades somente pode ser evidenciada em função de um princípio determinado de pertinência”   (BOURDIEU, 1996, p.111). Bourdieu notou que as relações “entre a demanda religiosa (os interesses religiosos dos diferentes grupos ou classes de leigos) e a oferta religiosa (os serviços religiosos)”  podia determinar o capital religioso de uma igreja, compelindo-a a produzir e a oferecer em virtude de sua posição na estrutura das relações de força religiosas (em função de seu capital religioso) (idem, 1992, p.57). 671 A obliteração da razão e a indução às emoções não constitui prerrogativa da música. Poética, performance e silêncio também podem possuir tais capacidades.

195

A canção se inicia com duas guitarras concomitantes, uma solando e a outra executando a base das notas, acompanhadas por bateria e percussão e a voz de Denise. A primeira estrofe é iniciada de modo suave, seguida de guitarra-base e percussão: Os homens fazem a guerraaa Depois tratam da paaaz O que eles não percebem É que o ontem já foi E o amanhã - nem chego-o-o-ou Por isso hoje viva e deixe vive-he-he-er Vença a guerra dentro de você-e-e-e Deixe o amor de Deus Te ensinar a vive-er

A seguir, Denise canta: Tchu-tchu-tchu-tchu-ru, tchuru-tchuru-tchu, tchu-tchu-tchu-ru, tchuru-tchuru-tchu-u. Hm, dê-du-dê-ê, a-á-a-á-a, e inicia a segunda estrofe, aconselhando: Peça ao Senhor chuva de primavera Pois o Senhor é quem faz o trovão E manda chuva pra plantação... É Ele que dá: o fruto da terra ao homem Pra que ele se alegre... com sua provisãããão

Através de novo riff de guitarra, prossegue: Deus criou a terra, criou o mar Pra que dela... eu possa cuidar Pra que eu possa cuida-a-a-har Será que isso irmão, não é suficiente Pra você entender que não tem o porquê De adorar a criatura Ao invés... do Criador?

Após breve pausa, prossegue exortando: Por isso hoje ouça o chamado de De-e-e-eus Ele lhe chama de filho se-e-e-e-eu Guerreiros da Babilônia Instrumentos do seu amoooor...

Em seguida, começa o refrão, acompanhado de acordes semelhantes aos do início da canção. Ele será repetido por quatro vezes: Caia Babilônia, caia Babilônia-a-a-a. A-a-a, a-aaah... Entoando o refrão, a/o fã-fiel é remetido às imagens fornecidas pela letra e induzido a 196

movimentar-se, mimetizando a apresentação da cantora-pastora. A importância da repetição do refrão está em estimular e reforçar elementos da memória, armazenando a canção na mesma, e dando maior eficácia performativa ao discurso poético. O refrão recebe na sequência um solo curto de guitarra, que embasa Denise clamando: Guerreiros da Babilônia Instrumentos do seu amo-or

A partir daqui, o conjunto retorna ao refrão, acompanhado pelos acordes iniciais: Caia Babilônia, caia Babilônia-a-a-a. A-a-a, a-aaah... A repetição do refrão reforça o estímulo à participação da/o fiel e a sua adesão à mensagem. Em seguida, o conjunto finaliza a canção. Napolitano classifica os parâmetros musicais em arranjo (emprego e função dos instrumentos e tipo de acompanhamento), andamento (rápido ou lento), melodia (onde se expressa a emoção empregada ou abstraída), vocalização (interpretação vocal), intertextualidade musical (interlocução com outros gêneros, canções ou artistas), gênero musical (entendido erroneamente como ritmo) e efeitos eletro-acústicos ou tratamento técnico de estúdio (tratamento de timbres, texturas, balanceamento dos parâmetros).672 Em relação ao arranjo, tipo de acompanhamento onde identificam-se   “os   instrumentos   predominantes  (timbres),  função  dos  instrumentos  no  “clima”  geral  da  canção” 673, percebe-se o uso de voz principal, secundárias (backing vocals) no refrão e repetições, baixo, duas guitarras, uma solo e outra base, percussão e bateria. O teclado é utilizado nas apresentações ao vivo, mas não identifiquei com clareza na reprodução original. Todo esse acompanhamento tem como função criar um clima que atinja as emoções da/o fiel, e tais instrumentos são vistos como dotados de alguma sacralidade, à medida que porta-vozes supostamente próximos a Deus se utilizam deles. Associa-se ao arranjo o andamento musical, que pode ser rápido ou lento, e que no caso, é de temporalidade mediana, com maior densidade emocional no refrão; e a melodia, expressão ou curva sonora, ou os “pontos de tensão/repouso melódico;;  “clima”  predominante  (alegre,  triste,   exortativo,  etc.)  e  a  identificação  dos  intervalos  e  alturas  que  formam  o  desenho  melódico.”674 A melodia pode ser associada ao que Luiz Tatit chama de gestualidade oral,  onde  “no  mundo dos cancionistas não importa tanto o que é dito, mas a maneira de dizer, e a maneira é 672

NAPOLITANO, 2002, p. 98. Idem, 2002, p.98. 674 Ibidem, 2002, p.98. 673

197

essencialmente  melódica.”675 Em Caia Babilônia, o rastro melódico cria um estado emocional onde palavras de ordem são lançadas, identificando a movimentação entre tensão e repouso, finalizando em tensão. A melodia possibilita a construção de estados emocionais diversos, onde autor/a, performer, pregador/a e fiel podem resignificar tais sentidos, transitando entre a felicidade e a melancolia, por exemplo. A melodia se associa às performances dos/as artistas, especialmente a da pastora. À performance vocal, Napolitano chama vocalização ou “tipos e efeitos de interpretação vocal.”676 Esta inspira parâmetros como a altura, que “evidencia a inflexão melódica da frase (ascendência, descendência), o registro vocal (os vários matizes entre o agudo e o grave)”  e o timbre, que “permite-nos reconhecer as qualidades da voz (sexo, idade; emissão gutural, anasalada etc.)”677, além dos “modos de ataque (maneira mais ou menos ligada de emitir o som)”,  que possibilitam “perceber a articulação fonética (clareza na pronúncia) e o contorno do fraseado, sob o aspecto da textura”,  a intensidade, que “controla as gradações de energia de emissão vocal, do sussurro ao grito”,  a duração,  que  “estabelece a maior ou menor brevidade na emissão do fonema, no âmbito da palavra; da palavra, no âmbito da frase”.678 O timbre vocal é de uma mulher adulta, cujo registro aproxima-se ao de uma contralto (voz mais grave dentro do espectro de vozes femininas), com articulação fonética que denuncia clareza na pronúncia, associada à boa emissão vocal. Na vocalização se identifica o uso de técnicas vocais como o uso de melismas ou prolongamentos vocais, percebidos quando Denise entoa: caia Babilônia-a-a-a. A-a-a, a-aaah. Outros parâmetros de análise são a figurativização e a tematização, sugeridas por Tatit. Na figurativização são sugeridos ao ouvinte “cenas (ou figuras) enunciativas”  que dependem da identificação de tonemas na melodia679 que, seriam, para Valente, “traços entoativos localizáveis em determinados pontos do discurso”  e que se associam a condições emocionais do intérprete e da canção, como “a afirmação, a resignação e a constatação”, implicando “no

675

TATIT, 1996, p. 9. NAPOLITANO, 2002, p. 98. 677 VALENTE, 1999, p. 105. 678 Idem, 1999, p. 105. Outro parâmetro proposto por Napolitano é a ocorrência de intertextualidade musical, ou a  “citação  incidental  de  partes  de  outras  obras  ou  gêneros  musicais”  (NAPOLITANO,  2002,  p.  99).  Por ser uma canção cujo gênero musical é o reggae, é provável que haja a incidência de intertextualidade musical, mas não consegui identificá-la. 679 TATIT, 1996, p. 21. 676

198

movimento melódico descendente, enquanto contentamento, exclamação e surpresa determinam o movimento melódico ascendente.”680 A figurativização em Caia Babilônia ocorre quando Denise estimula os/as fiéis a imaginarem a cena da queda dos muros da Babilônia, e o uso de tonemas, na sustentação ao final dos versos o chamado de De-e-e-eus (com leve ascendência na altura da voz); Ele lhe chama de filho see-e-e-eu; e Instrumentos do seu amoooor (estes trechos identificam a variação entre ascendente e descendente, indicando a intercalação entre estados emocionais como afirmação e constatação, típicas, segundo Valente, do movimento melódico descendente) e o contentamento e exclamação (identificados no movimento melódico ascendente). Já na tematização haveria uma aceleração do ritmo, com a tendência a um menor desenvolvimento da melodia, sendo que as canções temáticas são mais permeadas por um sentimento de plenitude e aproximação do sujeito com o objeto desejado.681 Em Caia Babilônia a tematização é percebida no andamento constante, melodia reiterativa e estímulo à marcação do tempo através dos pés ou braços, por exemplo. Estes últimos também se movimentam como se forçassem os muros da Babilônia para baixo; apresentando a música.

Fractais de palavras: poética em Caia Babilônia Não basta ouvir o canto dos pássaros, deve-se entender a letra também. Francisco de Assis

Assim como a música é polifônica, a poética da canção tem um sentido fragmentado e polissêmico, dada a variedade de interpretações e significados suscitados. Ao falar sobre a análise interna da canção, Moraes refere que a palavra cantada concede “caminhos e indícios importantes para compreender não somente a canção, mas também parte da realidade que gira em torno dela”, 682 e Oliveira contempla que “a palavra escrita veio a constituir-se também enquanto suporte, ancoradouro, da palavra falada”, sendo “quase impossível afirmar quando uma forma de discurso, linguagem ou narrativa sobrepõem-se a

680

VALENTE, 1999, p. 106. TATIT, 1996, p. 23. 682 MORAES, 2000, p.215. 681

199

outra.”683 Napolitano aponta para parâmetros poéticos como mote, desenvolvimento, forma, intertextualidade lírica, gêneros literários e figuras de linguagem. 684 O mote de Caia Babilônia, ou seu tema geral, é a batalha entre o bem e o mal, entre o sacro e o profano (como contemplo mais adiante). A forma da canção, com o uso de rimas e formas poéticas, acompanha a identificação do “eu poético e seus possíveis interlocutores (‘quem’  fala através da ‘letra’  e ‘para quem’  fala).”685 Este eu poético é intercalado em 1ª pessoa do singular, quando Denise fala de si mesma e 2ª pessoa do singular, quando exorta o/a fã-fiel à ação. O eu poético na primeira pessoa, identificado na “prega-show”   de Denise, se reveste supostamente dos poderes de Deus, tornando-a voz qualificada a falar em nome dEle. Como lembrou Bourdieu, As condições a serem preenchidas para que um enunciado performativo tenha êxito se reduzem à adequação do locutor (ou melhor, da sua função social), e do discurso que ele pronuncia. Um enunciado performativo está condenado ao fracasso quando pronunciado por alguém que não disponha do “poder”de pronunciá-lo ou, de maneira mais geral, todas as vezes que “pessoas ou circunstâncias particulares”  não sejam “as mais indicadas para que se possa invocar o procedimento em questão”, ou em suma, sempre que o locutor não tem autoridade para emitir as palavras que enuncia.686

Assim, por ser cantora, compositora e líder da Tribo de Louvor, líder do ministério nacional de Louvor e Adoração da BDN e esposa do apóstolo-fundador, Denise tem função social adequada a falar em nome dEle, o que ajuda a dotar seu discurso de eficácia performativa. O poder simbólico de sua fala está assim na delegação dada pela instituição e pelos/as próprios/as frequentadores/as, que a corroboram. Já o eu poético que exorta o/a adepto/a à ação, tem como função dotar o/a mesmo/a de poder para interceder, superar batalhas, conquistar territórios espirituais. Ao cantar, o/a fiel acompanha a voz da líder e compartilha com ela da comunicação com o divino, passando de receptor/a a agente. Há uma espécie de delegação recíproca: Denise recebe da BDN e do fiel a autorização para representá-los, e o/a fiel se perceber capacitado a guerrear espiritualmente através da 683

OLIVEIRA, 2008, p. 68. NAPOLITANO, 2002, p. 98. 685 Idem, 2002, p. 98. 686 BOURDIEU, 1996, p. 89. 684

200

possibilidade de cantar com a pastora-general. Denise delega, portanto, ao/à crente que a escuta, o poder de exortar e enunciar palavras de ordem, tornando-o/a, ainda que por momentos, porta-voz qualificado/a a expressar-se em nome da agência religiosa e supostamente de Deus. Esta autorização só se realiza porque Denise tem o poder de autorizar, como observa Bourdieu: A eficácia do discurso performativo que pretende fazer acontecer o que enuncia no próprio ato de enunciá-lo é proporcional à autoridade daquele que o enuncia: a fórmula “eu o autorizo a partir”constitui eo ipso uma autorização quando aquele que a pronuncia está autorizado a autorizar, tem autoridade para autorizar.687

A eficácia ocorre pois Caia Babilônia é executada também através do ciberespaço, das reuniões semanais, cultos e reuniões celulares (ou caseiras), ultrapassando a reprodução fonográfica  e  as  “prega-shows”.   Outro ponto de destaque é a intertextualidade literária, citação de outros textos na poética. No caso da canção gospel, graças à temática que se ampara (supostamente) na Bíblia, isto é comum. A apropriação de trechos da mesma na composição tem como objetivo a adesão à mensagem religiosa, tendo sua eficácia performativa fundada nos efeitos de conhecimento anterior do/a fiel. Para Finnegan, Porque ouvintes e intérpretes já experimentaram a canção em outras ocasiões, ou leram-na em sua forma textual, cantaram-na eles próprios, conhecem-na auditiva ou visualmente, ou, pelo menos, tem alguma familiaridade com as características de seu gênero, podem identificar uma performance musical e verbalmente caracterizada como algo familiar e compreensível. 688

Caia Babilônia, ao aludir à Bíblia, parafraseando as palavras atribuídas ao profeta Daniel, adquire um dispositivo que a qualifica positivamente junto ao seu público-alvo. Aproximandose do capital cultural do ouvinte, a BDN responde às suas demandas por um discurso fundamentalista, embasado nas teologias da prosperidade, da saúde perfeita e do domínio, e em Caia Babilônia, com sua batalha espiritual, expressa em expressões como vença a guerra dentro de você, guerreiros da Babilônia e caia Babilônia.

687 688

Idem, 1996, p.111. FINNEGAN, 2008, 36.

201

É importante atentar a figuras de linguagem e gêneros literários, onde tropos linguísticos como alegoria, metáfora, metonímia, paródia e paráfrase, podem se associar a gêneros como a alegoria, o romance e o drama. O gênero poético é o evangélico ou gospel, e o uso da paráfrase como figura de linguagem aparece. A paráfrase,  para  Sant’Anna,  seria uma forma de recurso que corroboraria outro discurso.689 Isto ocorre pois a canção gospel costuma se fundamentar na narrativa dos Evangelhos para ratificar seu dizer. Além disto, a canção evangélica se ampara no discurso bíblico como dispositivo de autoridade e reconhecimento, identificando-se como objeto autorizado e sacralizado, e sacralizador, visto que o/a artista que a performatiza é voz autorizada a fazê-lo (em nome suposto de Deus) e pode autorizar e tornar sacra a voz do/a fiel que o/a acompanha. Procedendo a uma breve exegese de Caia Babilônia, verso por verso, sinalizo para o desenvolvimento da canção, onde se identifica, dentre outras coisas, quais imagens poéticas são utilizadas: Os homens fazem a guerra Depois tratam da paz O que eles não percebem É que o ontem já foi E o amanhã nem chegou Por isso hoje viva e deixe viver Vença a guerra dentro de você Deixe o amor de Deus Te ensinar a viver

No primeiro verso identifico a paz como alternativa à guerra (os homens fazem a guerra, depois tratam da paz), bem como a tentativa de associar a guerra a situações do passado e futuro, onde o ontem é sugerido como lugar negativo, recheado de rancores e revanchismos, e o amanhã, como espaço da ambição e conquista. O tema da canção surge, a diferença entre o secular (ou profano), que causa a guerra, inclusive no interior das pessoas; e o sagrado, representado através do amor de Deus, que as ensinaria a viver. Em sentido similar, Bourdieu apontou para a divergência entre sacro e profano: A oposição entre os detentores do monopólio da gestão do sagrado e os leigos, objetivamente definidos como profanos, no duplo sentido de ignorantes da religião

689

SANT’ANNA,  1985,  p.  26.

202

e de estranhos ao sagrado e ao corpo de administradores do sagrado, constitui a base do princípio da oposição entre o sagrado e o profano.690

Entendendo-se que, de modo geral, a maior parte do público da Tribo de Louvor é formada por membros da BDN, ocorre que “a crença de todos, preexistente no ritual, é a condição de eficácia do ritual”, onde segundo Bourdieu, “prega-se aos convertidos”,691 o que criaria uma espécie de fronteira mágica entre os que fazem parte da agência e os de fora, o que consiste, segundo o mesmo, “em impedir que os que se encontram dentro, do lado bom da linha, de saírem da linha, de se desclassificarem”, desencorajando o/a fiel da “tentação da passagem, da transgressão, da deserção, da demissão”   692, ou neste caso, de adotar a perspectiva do mundo ao invés da perspectiva da igreja. A partir do próximo ponto da canção Denise pede que se viva e deixe viver, talvez em contraponto ao conhecido live and let die (viva e deixe morrer) proposto por Paul McCartney na canção homônima, e que provavelmente se associaria a um sentimento de individualismo, talvez reflexo do momento em que o beatle escreveu a canção (e do momento atual também). Ao pedir por isso hoje viva e deixe viver percebe-se um presentismo, reflexo (tal como o live and let die de McCartney) dos tempos em que vivemos, onde as relações sociais se pautam pela presentificação, consequência de uma fugacidade e superficialidade (talvez outro inimigo a se combater) típica do estágio de modernidade em que vivemos, que Bauman refere como modernidade líquida: Ser moderno hoje em dia: ser incapaz de parar e ainda menos de ficar parado. Nos movemos não tanto pelo “adiamento da satisfação”, como sugeriu Max Weber, mas por causa da impossibilidade de atingir a satisfação: o horizonte da satisfação, a linha de chegada do esforço e o momento da auto-congratulação tranqüila movem-se rápido demais. A consumação está sempre no futuro, e os objetivos perdem sua atração e potencial de satisfação no momento de sua realização, se não antes. 693

Em relação à fugacidade de nossos tempos, Andreas Huyssen comenta que o passado é usado hoje como estratégia de suporte psicológico e emocional em relação aos dias fugidios que vivemos, onde “o enfoque sobre a memória é energizado subliminarmente pelo desejo de nos 690

BOURDIEU, 1992, p. 43. Idem, 1996, p. 105. 692 Ibidem, 1996, p. 102. 693 BAUMAN, 2001, pp. 37-38. 691

203

ancorar em um mundo caracterizado por uma crescente instabilidade do tempo e pelo fraturamento do espaço vivido”694 , exemplificando com uma obsessão pela “re-representação, repetição, replicação e com a cultura da cópia, com ou sem o original.”695 Esta espécie de passado presente é identificável nas agências evangélicas de características pentecostais e neopentecostais em muitas situações, como no uso de expressões antigas na poética das canções, o que não é tão perceptível no repertório dos artistas da BDN graças à coloquialidade de seu discurso que visa um público “jovem”. Denise parece identificar que os problemas que se vive no mundo advém do interior do indivíduo: vença a guerra dentro de você, apontando para o contexto de batalha espiritual. E completa o sentido entoando: deixe o amor de Deus te ensinar a viver. Prossegue: Peça ao Senhor chuva de primavera Pois o Senhor é quem faz o trovão E manda chuva pra plantação É Ele que dá o fruto da terra ao homem Pra que ele se alegre com sua provisão

Provavelmente remetendo à expressão aquele que pede, recebe, atribuída a Jesus, Denise sugere que o/a fã/fiel solicite a Deus chuva de primavera e a provisão necessária para o seu sustento. Assim, Deus é representado como signo de providência (manda chuva pra plantação, dá o fruto da terra ao homem, prá que ele se alegre com sua provisão) e de força e potência (pois o Senhor é quem faz o trovão). Continua: Deus criou a terra, criou o mar Pra que dela eu possa cuidar Pra que eu possa cuidar Será que isso irmão, não é suficiente Pra você entender que não tem o porquê De adorar a criatura Ao invés do Criador?

Nos versos seguintes a cantora identifica um Deus Criador (Deus criou a terra, criou o mar), parafraseando Gênesis 1.1 (no princípio criou Deus os céus e a terra), onde ao substituir os céus pelo mar, adapta o texto para o contexto de uma igreja de surfistas, estabelecendo relação entre si mesma e Deus, definindo-se como mantenedora da natureza (Deus criou a terra, criou 694 695

HUYSSEN, 2000, p. 20. Idem, 2000, p. 24.

204

o mar; prá que dela eu possa cuidar). Ao colocar-se na primeira pessoa, Denise estabelece com o ouvinte espécie de relação mimética: este, ao acompanhar os versos, coloca-se como emissor momentâneo do discurso. Em seguida comenta sobre a necessidade de se prestar reverência a Deus e não às pessoas: será que isso irmão, não é suficiente pra você entender que não tem o porquê de adorar a criatura ao invés do Criador? E prossegue: Por isso hoje ouça o chamado de Deus Ele lhe chama de filho seu Guerreiros da Babilônia Instrumentos do seu amor

A cantora sugere que se escute hoje o chamado de Deus, incentivando os guerreiros da Babilônia a serem instrumentos do amor dEle. Talvez aqui possa haver uma contradição léxica já que a expressão guerreiros da Babilônia parece identificar não os que são contrários a esta, mas   sim   a   favor.   Talvez   ao   invés   de   “guerreiros   da   Babilônia”   ela   devesse   ter   denominado   guerreiros contra a Babilônia, ainda que isto afrontasse a métrica e a liberdade poética da canção. A expressão guerreiros da Babilônia identifica a batalha entre bem e mal e entre sacro e profano representada pela teologia da batalha espiritual, onde o crente é estimulado a guerrear através da oração e intercessão e dos cânticos religiosos. A pregadora conclui a canção com o refrão caia Babilônia, caia Babilônia. Mas afinal, o que Denise e as/os evangélicas/os em geral entendem por Babilônia e o que significa declarar sua queda? De acordo com o registro contido no livro de Daniel, a Babilônia teria sido um reino governado por Nabucodonosor e seu filho Baltazar (em algumas traduções, Belsazar ou Beltesazar). Segundo a narrativa, Daniel, um ministro judeu, teria profetizado a queda da Babilônia após o episódio da inscrição divina na parede: Daniel 5. 23: tu te levantaste contra o Senhor do Céu, tu mandaste buscar as taças do seu Templo e tu, teus dignatários, tuas concubinas e tuas cantoras nelas bebestes vinho e entoastes louvores aos deuses de ouro e de prata, de bronze e de ferro, de madeira e de pedra, os quais não vêem, não compreendem; mas o Deus que detém seu respiro entre suas mãos e de quem dependem todos os teus caminhos, tu não o glorificaste! Daniel 5.24: por isso, foi por ele enviada a extremidade dessa mão e traçada esta inscrição. Daniel 5.25: a inscrição, assim traçada, é a seguinte: Menê, Menê, Teqel, Parsin. Daniel 5.26: e esta é a interpretação da coisa: Menê – Deus

205

mediu o teu reino e deu-lhe fim; Daniel 5.26: Teqel – tu foste pesado na balança e foste julgado deficiente; 28: Parsin: teu reino foi dividido e entregue aos medos e persas.696

Como se vê, a chamada para a ira de Deus teria sido a profanação das taças advindas da primeira destruição do Templo de Jerusalém por Baltazar, e sua arrogância. O resultado foi sua deposição através de ataque medo-pérsico: “Nessa mesma noite, Baltazar foi assassinado; e Dario, o medo, tomou o poder, estando já com a idade de sessenta e dois anos”697 . E foi assim que, segundo o discurso do Antigo Testamento caiu a Babilônia. Já na narrativa neotestamentária, haveria uma espécie de Babilônia resignificada e contemporanizada, representada pelo sistema de governo da época da data de sua escrita, o Império Romano por volta de 80 depois de Cristo, descrita no livro das Revelações (ou Apocalipse).698 Ela é vista também como a representação do domínio e opressão de valores secularizados deste império em relação à sociedade religiosa, como uma “Babilônia espiritual”. Segundo a narrativa apocalíptica, a queda da nova Babilônia ocorreu assim: Apocalipse (ou Livro das Revelações) 18.1: Depois disso, vi outro Anjo descendo do Céu, tinha grande poder e a terra ficou iluminada com a sua glória, Apocalipse 18.2: ele   então   gritou   com   voz   poderosa:   “Caiu! Caiu Babilônia, a Grande! Tornou-se morada de demônios, Abrigo de todo tipo de espíritos imundos, abrigo de todo tipo de aves impuras e repelentes, Apocalipse 18.3: porque embriagou as nações com o vinho do furor da sua prostituição; com ela se prostituíram os reis da terra, e os mercadores da terra se enriqueceram graças ao seu luxo desenfreado. Apocalipse 18.4: ouvi   então   outra   voz   do   céu   que   dizia:   “Saí   dela,   ó   meu   povo,   para que não sejais cúmplices dos seus pecados e atingidos pelas suas pragas; Apocalipse 18.5: porque seus pecados se amontoaram até ao céu,e Deus se lembrou das suas iniquidades. Apocalipse 18.6: devolvei-lhe o mesmo que ela pagou, pagai-lhe o dobro, conforme suas obras; no cálice em que ela se misturou misturai para ela o dobro. Apocalipse (ou Livro das Revelações 18.7: o tanto que ela se concedia em glória e luxo, devolvei-lhe em tormento e luto, porque, em seu coração, dizia: estou sentada como rainha, não sou viúva e nunca experimentarei luto... Apocalipse 18.8: por isso suas pragas virão num só dia: morte, luto e fome, e pelo fogo será devorada, porque o Senhor Deus que a julgou é forte. Apocalipse 18.9: então os reis da terra, que se prostituíam com ela e compartilhavam seu luxo, chorarão e baterão no peito, ao ver a fumaça do seu incêndio.

696

BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2004, p. 1565. Daniel 5.30 e 5.31. Idem, 2004, p. 1565. 698 Segundo a Bíblia de Jerusalém, admite-se  que  este  livro,  de  autoria  presumível  de  um  certo  João,  “tenha  sido   composto durante o reinado de Domiciano, pelo ano 95; outros, e não sem alguma probabilidade, crêem que pelo menos  algumas  partes  já  estariam  redigidas  desde  o  tempo  de  Nero,  pouco  antes  de  70”  (Ibidem, 2004, p. 2140). 697

206

Apocalipse 18.10: postados à distância, por medo do seu tormento,  dirão:  “ai,  ai,  ó   grande Babilônia, cidade poderosa, uma hora apenas bastou para o teu julgamento!”.699

Como se vê no capítulo 18, verso segundo, de acordo com o anúncio de um anjo, cairia a “grande   Babilônia”:   ele então gritou com voz poderosa: “Caiu! Caiu Babilônia, a Grande! Tornou-se morada de demônios, Abrigo de todo tipo de espíritos imundos, abrigo de todo tipo de aves impuras e repelentes, o que é corroborado no verso décimo: postados à distância, por medo do seu tormento, dirão: “ai, ai, ó grande Babilônia, cidade poderosa, uma hora apenas bastou para o teu julgamento! Assim como na Bíblia, entre os evangélicos brasileiros é recorrente chamar de grande prostituta a Babilônia contemporânea, em acordo com o verso terceiro daqui: beberam do vinho da ira da sua prostituição. Para  a  cultura  rastafari,  de  onde  vem  o  reggae,  Babilônia  diz  respeito  a  um  “mundo  de  crime,   injustiça, corrupção e violência, no qual só se produz guerra e dor. Na Jamaica, a Babilônia estaria incorporada nas figuras da  igreja  católica,  do  governo  e  da  polícia”. 700 Neste sentido, o contexto da queda da Babilônia, para este gênero poético-musical, diz respeito à derrubada de um sistema político e econômico, o capitalista, que privilegiaria os mais ricos, e neste caso, também os brancos, se entendendo que tal sistema continuaria escravizando as pessoas como ocorreu (e ainda ocorre) no continente africano. A Babilônia contemporânea, ou o que se costuma chamar no meio gospel, Babilônia espiritual se associa a valores seculares, os costumes do mundo. Assim, ao menos in suposto, para os evangélicos brasileiros contemporâneos, pedir que a Babilônia caia, é em alguma instância, um esforço de sectarismo e de tomada de posição em relação ao que lhe é diferente, e costumeiramente demonizado: o mundo lá fora. Como percebemos, esta canção aponta para um discurso fundamentado na batalha espiritual como modo de encarar a vida, superar as adversidades do mundo e se aproximar do divino. Canções como esta costumam ser entoadas não apenas em cultos – mas também em diversas atividades organizadas pela BDN, como os eventos esportivos e de evangelismo.

699 700

Ibidem, 2004, p. 2160. BRASIL, 2009, p. 1.

207

Ide e evangelizai: a BDN entre canções e esportes Uma das estratégias de midiatização e solidificação da agência está na organização de eventos esportivos. É interessante notar que até alguns anos a prática do esporte não era bem aceita entre os/as evangélicos/as, quanto mais estimulada. Como comenta Cunha, nas décadas passadas os/as evangélicos/as “construíram   no   Brasil   uma   cultura   de   repressão do corpo e de todo   o   prazer   que   pudesse   advir   dele   ou   a   ele   ser   direcionado”,   o   que   se   fundamentaria   na   assertiva  de  que  o  “corpo  é  o  templo  do  Espírito.”  Para  esta,   Pressionadas pelo fato do lazer e a diversão serem parte do quadro das necessidades humanas, as igrejas históricas passaram a permiti-los, no entanto com duas condições: programá-los dentro do espaço religioso, sem que os participantes pudessem misturar-se  aos  “impuros  incrédulos”   e  serem   eles   mal-influenciados; e nunca aos domingos, dia dedicado ao serviço a Deus.701

E “foi  assim  que  os  evangélicos  passaram  a  ser  incentivados  aos  programas  de  lazer  entre  eles   mesmos: construíram quadras de esporte nas propriedades de algumas igrejas; adquiriu-se equipamento para jogos nas igrejas, como tênis de mesa”. 702 Hoje em dia, mais que permitir, se estimula a prática esportiva como maneira de atrair fiéis. Na BDN, até 2010 o ministério Sports era o responsável pelo planejamento e prática das estratégias de marketing esportivo/religioso. Segundo o site da BDN, “os líderes deste grupo são surfistas, diáconos e pessoas que entendem e praticam esportes – todos membros da Igreja Bola   de   Neve” com o objetivo   de   “chegar   aos   atletas   com   intuito   de   evangelizar” através de “circuitos  abertos  ao  público  em  geral,     não  só  para  membros  da   igreja.”  A estratégia? “Rolar uma  boa  música,  distribuição  de  panfletos  evangelísticos,  além  de  uma  palavra  direcionada.” 703 Até 2010 os eventos organizados pelo ministério Sports eram relacionados diretamente ao nome, logotipo e slogan da BDN – já em 2012 observei situação diversa. Em 1º de setembro de 2012 a BDNF realizou, através de seu ministério de evangelismo Ide704, competição de skate nos half pipe localizados na Avenida Beira Mar, quase à frente do Shopping Iguatemi, e próxima tanto da UFSC como de sua unidade. No evento não havia faixas, cartazes ou propagandas da BDN, ainda que tenha contado com a presença de líderes que oraram pelo 701

CUNHA, 2007, p. 147. Idem, 2007, p. 147. 703 News. Disponível em:. Acesso em: 10 dez. 2009. 704 O ministério é homônimo ao conjunto de evangelismo supracitado. 702

208

mesmo e fizeram breve exposição doutrinária. Tal evento segue o modo como os acontecimentos esportivos têm sido realizados pela BDNSP. O In Time Skate Conquest, que em sua edição de 2012 ofereceu premiação de R$ 20 mil ao melhor skatista, mostra o esforço identitário da BDN em afirmar-se   como   “igreja   de   jovens   esportistas”. Mas entrando no site da InTime não há referências diretas à agência. Contudo, fiéis me afirmaram que o InTime é um novo ministério da BDN, responsável por organizar e divulgar os eventos de skate, configurando-se como “nova”705 estratégia do marketing esportivo-religioso da BDN706que se derrete rumo a novos/as fiéis. Os eventos esportivos da BDN apresentam os discursos da mesma e são acompanhados de canções gospel – de hits da agência como Caia Babilônia a sucessos de Trazendo a Arca, Apocalipse 16, Kleber Lucas e Fernandinho. Até 2010, além do surfe e do skate, o esporte que mais recebia atenção por parte da liderança da BDNF era o futebol. Atualmente a corrida ultrapassou esportes como o futebol e o skate, e talvez até o surfe – que são seguidos mais de longe por outra novidade, o ministério de Remo. Na BDN, marchando, remando, correndo ou pilotando sua moto, o importante é estar no fogo pentecostal e avançar conquistando territórios para Jesus. Os discursos referentes à derrocada das legiões satânicas são reiterados pelos mais novos serviços oferecidos pela BDNF (células UFSC e Praia Mole, ministérios Remo, Running, Em Chamas e Moto Clube) demonstrando a articulação entre novos serviços – bases de agenciamento/treinamento de davis –, e o discurso militar,  “tradicional”  na  (da)  BDN.   Em 8/12/12, o conjunto musical de evangelismo da BDNF alargou suas estacas, ergueu sua tenda e apresentou-se durante o Reveza UFSC, competição esportiva da universidade, combinando estratégias de invasão articuladas pela Célula UFSC e o Bola Running (BR) – demonstrando a corrida pelas almas das/os universitárias/os, fazendo o diabo correr pro lado oposto – e  dando  novo  sentido  à  ideia  de  Agier  de  uma  “identidade  mais  como  busca  do  que   como  chegada”, 707 já que a busca assume duplo sentido – correr atrás de si e dos/as fiéis. A maioria das canções do conjunto tinha a batalha espiritual como tema, e como é de costume, ao   menos   uma   delas   aludia   ao   rei   Davi:   “a   geração   de   Samuel   está   se   levantando   em   todo  

705

Aspeio a palavra nova em razão de sua provisoriedade – na BDN as estratégias de marketização se mostram particularmente derretidas. 706 InTime. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. 707 AGIER, 2001, p. 10.

209

lugar,   geração   que   depõe   Saul,   geração   que   unge   Davi”. 708 Novamente, derretimento e solidificação são chamados à frente de batalha: novos serviços (BR + Célula UFSC + conjunto de gospel pop & reggae) apresentam canções evangelísticas contemporâneas permeadas por linguagem coloquial, trazendo como resultado um discurso conservador na BDN, o bélico. São odres novos contendo vinho velho – e congelado.709

Um exemplo de amálgama entre música e esporte está nas estratégias de atração de públicos do Ide, conjunto de evangelismo da BDNF. Em 2012 acompanhei alguns eventos em que o mesmo participou ativamente do exercício de captação e manutenção de fiéis. A maioria destes foi realizado em conjunto com o ministério Bola Running (BR). 710 Ide e evangelizai com os pés parece ser o mote de uma reunião em que correm juntos o conjunto de evangelismo e o ministério de corrida da BDNF. Mas o que seria o BR – um dos mais recentes produtos oferecidos pela BDN aos/às fiéis?

“Evangelizando  com  os  pés”:  alta velocidade no Bola Running (BR) O ministério BR surgiu oficialmente no ano de 2010 na cidade de Florianópolis – através da BDNF –, em decorrência de reuniões descompromissadas de um grupo de líderes e frequentadores/as da BDNF que tinham apreço pela corrida. Estes/as começaram a participar de maratonas, vendo nisso não só uma oportunidade de cuidar do corpo, mas também de evangelizar. De início, o BR não era um ministério, porém, com o grupo de adeptos correndo para Jesus aumentando, o apóstolo Rina percebeu o potencial de crescimento do mesmo e anunciou que o BR seria um ministério que iria evangelizar com os pés, pregando sem palavras. A partir de então, tal qual uma bola de neve, o BR se espalhou por outras cidades onde há filiais da BDN e os corredores do mesmo foram se profissionalizando e participando

708

Geração de Samuel, de Fernandinho. Para diálogos com a ideia de odres e vinhos, ver Cunha, 2004. 710 Tais eventos são organizados em conjunto pelos ministérios Bola Running, o de evangelismo (também chamado Ide) e o de assistência social. Durante 2012 acompanhei alguns destes eventos. Na ocasião, não presenciei atividades relacionadas à assistência social propriamente dita. 709

210

de provas

importantes do circuito de corridas, como o Mountain Do no Deserto do

Atacama.711 O Bola Running parece contradizer minha ideia anterior de que a BDN tem procurado “suavizar”  a  projeção  de  sua  marca  em  eventos  esportivos.  Ou,  como  é  possível,  existe  uma   estratégia aparentemente ambígua: ao mesmo tempo em que os eventos de skate expoem a BDN com menos intensidade, o BR representa a contínua corrida em busca de fiéis através de uma exposição marcante – percebida no logo e slogan da igreja e também no logo e slogan do ministério: evangelizando com os pés. Como narra Janaína,712 uma das runners da BDN, evangelizar com os pés é forma de trazer fiéis para a igreja sem pregar com palavras: “só  em  quatro  paredes  às  vezes  é  complicado  as   pessoas   chegarem   na   igreja”   e   competir   torna-se   “uma   forma sutil da pessoa chegar para a igreja,   conhecer   Deus   através   do   BR   e   dos   outros   ministérios” – demonstrando o BR como estratégia consistente do marketing de guerra santa da BDN. Para ela, os/as corredores/as da BDN evangelizam com os pés especialmente a partir do slogan In Jesus we trust impresso na camiseta (figura 74). Destacado no peito e nas costas, ele atesta a presença de Jesus para os que desconhecem a Palavra de Deus, tanto nos treinos como nas corridas.

Figura 74: Slogan da BDN acompanhando do logo e endereço do BR

Porém, esta não seria a única forma do evangelismo com os pés. Além do uso da camiseta, o BRF conta com fotógrafo profissional durante as competições e as imagens dos que correm 711

Segundo  sua  descrição  no  FB,  “Mountain Do é o nome de uma prova de corrida de montanhas, uma marca da empresa Sports Do. O objetivo das provas Mountain Do é promover a integração entre os corredores com a natureza,   proporcionando   momentos   de   superação   e   alegria,   combinados.” O Mountain Do é realizado em diversas localidades. O BRF participou do Mountain Do da Lagoa da Conceição, em Floripa, no dia 25 de agosto de 2013. 712 Pseudônimo.

211

para Jesus são reproduzidas no grupo do FB e em telões da agência durante um ou outro culto. Nas imagens aparecem não só os/as esportistas do BRF como também atletas seculares – muitos/as deles/as avisados/as após o treino ou a corrida de que suas imagens estarão disponíveis no grupo do BRF no FB (figura 75). Para outra runner, Mônica, fotografar e compartilhar as imagens gera uma interação, já que os/as corredores/as seculares   “entram   no   Facebook, vêem as fotos e pegam, e se interessam em conhecer a igreja”.   Assim,   mesmo evangelizando em   silêncio,   “os   outros corredores sabem que é uma equipe cristã de uma igreja evangélica, e que eles são bem vindos pra se juntarem a nós nos treinos, nas corridas e principalmente na igreja”. Como percebemos, Mônica articula corrida e internet – plataformas importantes para a BDN midiatizar-se e manter-se nos mercados secular e gospel. A primeira talvez possa ser considerada uma “novidade”,   pois   formada   em   2010 – a segunda, um exemplo de “permanência”, visto que a BDN “sempre” teve o ciberespaço como espaço majoritário de midiatização.

Figura 75: Fanpage do BRF no FB713

Através das imagens e da narrativa de Mônica percebemos que o BR é uma das formas como a BDN articula corrida e internet – e divulga não só a corrida na internet como a si mesma. Mas pergunto: há algo que vincula corrida e ciberespaço? Provavelmente um destes elementos seja a velocidade. Beatriz Sarlo apontou que esta define o nosso cenário cultural:

713

Bola Running Floripa. Disponível em: https://www.facebook.com/bolarunningfloripa. Acesso em: 20 jul. 2013.

212

O instantâneo, o imediato, o encurtamento da espera: há apenas quinze anos qualquer um que estivesse diante de um computador ficaria assombrado com a rapidez da resposta da máquina ao comando do usuário. Hoje, nenhum computador parece suficientemente veloz; há quatro anos, um leitor de CD-Rom tinha uma velocidade dupla; nos modelos mais recentes, a velocidade é de trinta vezes. 714

Paul Virilio pensa esta através de dois conceitos, o de dromocracia e o de dromologia. O prefixo grego dromos traduz a ação de correr, e pode também ser entendido por rapidez e agilidade – velocidade, enfim. Dromocracia seria o regime que tem na velocidade seu referente e dromologia, a lógica da corrida, a “disciplina que estuda a velocidade como meio político (...)  a  economia  política  da   velocidade”.

715

A velocidade vai muito alem da corrida

propriamente dita, remetendo a valores caros de nosso presente como a fugacidade, a instabilidade, a instantaneidade. Virilio contempla que Chegamos à velocidade absoluta, a da luz, na cibernética, pela qual ondas eletromagnéticas, ainda que custem caro, podem estabelecer relações interpessoais na velocidade da luz. A cibernética tende para a criação do “live” por tudo e para todos. É isso a interatividade. (...) Com a revolução da velocidade da luz, da cibernética, da informática, da telemática, chegamos à velocidade absoluta.716

Virilio prossegue estabelecendo relações entre velocidade e ciberespaço: com a Revolução Industrial e com a revolução dos transportes, as cidades tornaram-se caixas de velocidade. As residências não alojam apenas homens, objetos, produtos, pessoas, mas proximidade social, interferências, dimensões energéticas. Com as novas técnicas de transmissão – do rádio à internet – só se aumentou a velocidade de contato.717

Na BDN, como na maior parte da sociedade, velocidade é e tem valor. Um ministério como o BR demonstra a apreensão em se correr para Jesus e alcançar os braços do Pai. Marchando 714

SARLO, 2005, p. 94. Sarlo  faz  uma  crítica  pontual:  “Há  algo  que  parece  contraditório:  trabalha-se para que as coisas e as imagens envelheçam e, ao mesmo tempo, para conservá-las como signos de identidade em um mundo unificado pela Internet e pelos satélites, no qual, por sinistro paradoxo, os nacionalismos tornam-se cada vez mais particularistas, as culturas definem cada vez com mais força aquilo que as diferencia, remetendo a passados tão construídos como as imagens do nosso presente. Ao mesmo tempo, e também muito perto de nós, vivem milhões de pessoas pobres para as quais os computadores e o correio eletrônico são tão irreais como os cenários de um telefilme”  (SARLO,  2005,  p.  65). 715 Virilio, o oráculo. Disponível em http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/170,3.shl. Acesso em 20 mar 2013. 716 Idem. 717 Ibidem.

213

no ciberespaço e no espaço urbano, a galera da BDN vai fazendo sua peregrinação, remetendo   ao   que   Mircea   Eliade   dizia:   “o   caminho e a marcha são suscetíveis de ser transfigurados em valores religiosos, pois todo caminho pode simbolizar ‘o caminho da vida’ e toda marcha uma ‘peregrinação’”.718 Caminhando entre o Bola Runnning e o ciberespaço como num (curto) circuito, a BDN apresenta-se (adaptada) ao mundo marcado pela imediatização do presente. Isto nos transporta ao último capítulo do livro, que procura demonstrar um pouco da importância do (uso do) ciberespaço para tal agência. A esta altura, o/a leitor/a já deve estar suficientemente preparado/a para participar de um culto da BDN. Prossigamos então – velozmente – à próxima etapa de nosso percurso, um culto da mesma.

718

ELIADE, 1992, p. 88.

214

215

C

apítulo 5: In Cyber Jesus we trust

“B

OA NOITE! ASSISTA AGORA # AO VIVO CULTO DIRETO DA SEDE Compartilhe > hhtp://boladeneve.com/cultoaovivo/ # JESUS # BIBLIA # PALAVRA  #  BOLADENEVE”.   Desta forma o apê Rina convoca a galera da BDN a participar do culto e

frequentar a igreja (figura 76). Isto causa estranheza a você? Pois saiba que os cultos online são mais comuns hoje em dia do que se pensa – ainda que nem todos sejam realizados ao vivo, diretamente da sede, como este da BDN.719

Figura 76: Culto ao vivo direto da sede da BDNSP720

Como comentei anteriormente, um dos diferenciais da BDN está no uso exponencial do

719

Algo a se questionar é: foi o próprio Apê quem postou a mensagem? Ou algum/a acessor/a? Ap Rina Oficial. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2013 (postagem de 16 de junho de 2013). O Apê compartilhou foto do perfil público Bola de Neve Church Oficial através de seu próprio perfil público, Ap Rina Oficial. As fan pages ou perfis públicos atuam na divulgação de seus/suas donos/as. No seu perfil público, o apóstolo publica informações sobre a igreja, divulga as mercadorias da mesma, comenta a respeito de sua família e de aspectos de seu cotidiano, e fortalece sua rede de amizades, auxiliando na consolidação da BDN no mercado. O Apê Rina, assim como a maior parte dos/as líderes da agência, também se utiliza de redes sociais como o Twitter e de sites de compartilhamento de vídeos como o YouTube. 720

216

ciberespaço721 como ferramenta midiatizadora de discursos, produtos, mercadorias e práticas. Faz   parte   de   sua   “cibercultura”.722 A importância da internet723 para a BDN é entendida também como unção da comunicação, segundo Biga: A gente tem um trabalho bem forte com comunicação, acho que é a unção da igreja, né...tem sido focado prá isto... através de sites, uma comunicação visual que choca, que chama a atenção... o site do Moto Clube, que nós temos um motoclube na igreja muito legal, muito atuante... fizeram um site muito joia... a parte de comunicação tem feito uma diferença tremenda, tanto prá atrair pessoas como prá

721

O   ciberespaço   é   definido   por   Lévy   como   “o   espaço   de   comunicação   aberto   pela   interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores. Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos (...), na medida em que transmitem informações provenientes de fontes digitais ou destinadas à digitalização. Insisto na codificação digital, pois ela condiciona o caráter plástico, fluido, calculável com precisão e tratável em tempo real, hipertextual, interativo e, resumindo, virtual da informação que é, parece-me, a  marca  distintiva  do  ciberespaço”  (LÉVY,  2003,  p.  92).  Este   é  conceituado  por  José   Renato  Salatiel  como  “o   ambiente  digital  e  interativo  das  redes  de  computadores”,  autogerado  “por  milhares  de  conexões  eletrônicas  onde mesclam-se, combinam-se, atuam e interagem agentes humanos e artificiais, memórias de carbono   e   silício”.   Salatiel  ainda  refere  que  o  “termo  cyberspace foi cunhado pelo escritor William Gibson no livro Neuromancer, de  1984,  onde  é  definido  como  uma  “alucinação  consensual”  atingida  por  implantes  neurais  (GIBSON,  2003),   que tem uma metáfora mais atual no filme The Matrix (1999) dirigido pelos irmãos Andy e Larry Wachowski. No filme, os seres humanos são subjugados por máquinas dotadas de inteligência artificial e sobrevivem imersos em   uma   simulação   neurointerativa   da   realidade,   chamada   matrix”   (SALATIEL,   2005,   pp.   128-129). O ciberespaço é gerado pela hipermídia, tecnologia digital que reúne, em uma mesma ferramenta,   “signos   imagéticos, sonoros e textuais, armazenados em uma estrutura dinâmica e reticular e permitindo a interface interativa  do  usuário”  (idem, 2005, p. 129). O ciberespaço se identifica também em outras tecnologias de rede, como celulares e pagers. 722 Para Jorge Miklos, cibercultura “é   o nome dado ao ambiente contemporâneo das redes mediáticas e que é correlata à fase atual do capitalismo tardio. Cibercultura é também um sinônimo para a sociedade da informação avançada. A expressão cibercultura está relacionada com computadores, hardwares e softwares, redes telemáticas, Internet e tecnologias digitais. A cibercultura não diz respeito apenas ao que é realizado em ambientes digitais, é uma configuração sociotécnica culturalmente ampla, que abarca parte da vida   social”   (MIKLOS, 2010, p. 77). Em relação ao termo cibercultura, autores/as como Theophilos Rifiotis tem refletido sobre   a   inadequação   do   mesmo:   “ao   invés   de   definições   apriorísticas de ciberespaço, cibercultura, etc., que poderiam se confundir com um nominalismo, retomamos as interrogações básicas sobre como se dão as interações nesse espaço. Possibilitando, então, condições para revisitarmos criticamente os conceitos e princípios metodológicos  da  Antropologia”  (RIFIOTIS,  2012,  p.  3). 723 A  internet  é  definida  por  Kellen  Bogo  como  o  “conjunto de redes de computadores interligadas que tem em comum um conjunto de protocolos e serviços, de uma forma que os usuários conectados possam usufruir de serviços   de   informação   e   comunicação   de   alcance   mundial”   (BOGO,   2010).   Sobre   a   internet,   Jorge   Miklos   explica que esta potencializou   “vários   formatos:   websites, blogs, fotologs, videologs, comunicadores instantâneos, comunidades e enciclopédias virtuais. Da comunicação em rede resultaram negócios, transações financeiras, namoros, amizades, casamentos, encontros, reencontros, desencontros, pequenas empresas virtuais, projetos científicos, redes sociais, redes de conhecimento, ensino a  distância,  engajamento  político”  (MIKLOS,   2010, p. 90). Salatiel explica que a internet, como rede de comunicação, foi criada nos Estados Unidos em 1969 “como  projeto  militar  para  conectar  centros  de  pesquisa  e  popularizada  nos  anos  1990  com  o  programa  WWW   (World Wide Web) do físico inglês Tim Bernes-Lee,   que   facilitou   o   acesso   por   meio   de   hipertextos”   (SALATIEL, 2005, p. 128). Segundo  a  Wikipedia,  a  “internet,  através  da  WWW,  seria  o  meio  intertextual  por   excelência,   uma   vez   que   toda   sua   lógica   de   funcionamento   está   baseada   nos   links”,   entretanto,   há   pesquisadores/as que   defendem   que   a   “representação   hipertextual   da   informação   independe do meio. Pode acontecer no papel, por exemplo, desde que as possibilidades de leitura superem o modelo tradicional contido nas  narrativas  contínuas  (com  início,  meio  e  fim)”.  Para  este  sítio,  as  enciclopédias,  anotações  de  Leonardo  Da   Vinci e a Bíblia, por suas formas não lineares de leitura, representariam formas de hipertextos. Hipertexto. Disponível em: . Acesso em: 28 dez. 2009.

217

manter  aqui  as  que  já  estão  na  igreja  informadas”. 724

Uma das formas como esta unção se derrama on+offline725 está no uso das redes sociais para (se) comunicar (n)os cultos. Pensando no que comentei antes, de que a rede mundial de computadores, componente do ciberespaço, é quem melhor possibilita fazer da agência pescadora de gente, convido o/a leitor/a a surfar no ciberespaço e conhecer um pouco como a BDN tece suas redes. Na primeira etapa do passeio visitaremos o contexto que situa a BDN como igreja cibernética ou ciberespacial, de religiões/religiosidades no (do) ciberespaço; abrindo uma janela para a (in)adequação de dicotomias acerca dos agenciamentos no (do) ciberespaço. Por fim, entraremos no portal da BDN para conhecermos outras formas da mesma se apresentar/promover ao (no) mundo.

Wallpaper: religiosidades no (do) ciberespaço Iniciemos pensando na relação mídia+religião. O fenômeno da midiatização do sagrado imbricado com a sacralização da mídia pode ser relacionado à lógica de consumo orientada pelos anseios dos/as fiéis-consumidores/as. Mas podemos   pensar   que,   para   além   da   “lógica   mercadológica”,  tanto  sujeitos  como  coletivos  e  instituições religiosas se utilizam da mídia e do ciberespaço   com   fins   “menos   capitalistas”,   procurando   exaltar   seus/suas   deuses/as,   entidades e crenças com o (talvez não único) objetivo de promoverem suas manifestações de fé. Algo parece certo, a maior parte das instituições religiosas está na rede: o catolicismo, por exemplo, se divulga através de redes sociais, blogs, flogs e sites como o do Vaticano – o ciber é o novo coliseu em que a guerra santa é promovida. Ainda que a maioria das agências religiosas brasileiras não tenha – ao menos ainda – o ciberespaço como principal midiatizador, o uso da internet tem sido cada vez maior, como comenta Cunha:   “grupos   e   empresas estão investindo na criação de páginas eletrônicas (...) e nesse contexto, também tem

724

Entrevista com o pr. Bigardi do Bola de Neve Curitiba. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. 725 Recordo que escolho grafar on+off para dar vistas ao derretimento das fronteiras – estabelecidas dicotomicamente – entre   o   “offline”   e   o   “online”.   Ciberespaço   e   outros espaços interagem, interatuam. No mesmo sentido, é importante atentar para a não-reprodução de dicotomias como  “real”  e  “virtual”.

218

havido   investimento   e   crescimento   do   segmento   evangélico”.726 Para   Guareschi,   “sem   comunicação  não  há  salvação”.  Fica  a  pergunta:  há  salvação  sem  internet?   O  autor  entende  que  “uma Igreja que se recusa a entrar na internet não vai dar conta de ser fiel à   sua   mensagem”.727 O uso potente do ciberespaço também é avogado por pastores como Malafaia,  da  AVEC:  “Vamos tomar posse dos meios de comunicação, vamos tomar posse das redes  sociais,  da  política.  Vamos   fazer  diferença,  influenciar  o  Brasil”. 728 As poucas agências religiosas  “(neo)  pentecostais”  que  não  se  midiatizam  online – talvez possamos chamá-las de agências dromoinaptas729 – correm o risco de serem preteridas por outras em uma situação de intenso trânsito religioso, que pode ser relacionado a um  “congestionamento”  dado  o  enorme   número de agências evangélicas na paisagem religiosa brasileira. Agências com discursos antitecnólogicos como a IPDA (também) estão na web, como demonstra Gedeon Freire de Alencar: a Igreja Pentecostal Deus é Amor proíbe – dentre muitas coisas – sua membresia possuir ou assistir TV, mas tem um portal na internet. Aderiu à modernidade tecnológica exercendo um controle absoluto sobre a vida dos membros em total isolamento de qualquer manifestação cultural moderna.730

A Deus é Amor costuma permitir somente o uso de emissoras de rádio para seu trabalho evangelístico.   Comentando   sobre   isto,   Jungblut   lembra   que   “anedoticamente,   em   alguns   setores protestantes falava-se que para  esses  grupos  a  televisão  seria  ‘o  diabo  encaixotado’”.731

726

Cunha sugere que um desafio   a   ser   respondido   seria   “listar   todas   as   páginas   eletrônicas   localizadas   pelos   mecanismos de busca na internet; elas chegam aos milhares e a lista inclui desde as mais artesanais, montadas por grupos de louvor de igrejas, até as mais sofisticadas e mais acessadas como o Aleluia, o Diante do Trono e o Super Gospel” (CUNHA, 2007, p. 166). 727 MARANHÃO Fº, LEÃO, 2012j, p. 176. 728 A declaração do mesmo ocorreu durante a Marcha para Jesus em Campo Grande, em 26 de agosto de 2013. O discurso de Malafaia sinaliza para o conservadorismo – congelamento – em relação a temas como aborto e homossexualidade:   “Vejam muito bem em quem vocês vão votar, porque tem muito evangélico aí que se diz evangélico,  mas  apoia  o  casamento  gay”,  complementando:  “O  senador  é  a  favor  do  aborto?  Chumbo  nele.  O  seu   candidato  é  a  favor  do  casamento  gay?  Chumbo  nele”.  Comentou  ainda  haver  mais  de  800  projetos  em  trâmite   no  Congresso  para  “detonar  os  conceitos   cristãos,  para  destruir  os  valores  morais   da  sociedade,  destruir  tudo”,   responsabilizando   ateístas   e   anarquistas,   que   querem   “construir   um   novo   paradigma,   apoiado,   sustentado   na   libertinagem  e  na  safadeza.”Pastor Silas Malafaia: Evangélicos devem dominar política, mídia e redes sociais para influenciar o Brasil. Disponível em: . Acesso em: 29 ago. 2013. 729 Miklos  argumenta  que  os  dromoinaptos  são  aqueles  que  “tentam  de  todas  as  maneiras  ganhar  sobrevida    em   meio à condição integralmente desfavorável – e, pior, sem perspectivas animadoras – engendrada pelo processo totalizante   e   irreversível   de   informatização   da   vida   sociocultural.”   Na   outra   ponta   estão   os   dromoaptos   ciberculturais, bem ambientados com a velocidade característica das relações ciberespaciais (MIKLOS, 2010, pp. 63-64). 730 ALENCAR, 2010, p. 428. 731 JUNGBLUT, 2012, p. 460.

219

Fica a questão: que tipo de diabo estaria encaixotado ou residiria na web? Ou ainda, o diabo resiste à web? Agências que se promovem através de publicações impressas, rádio ou tevê, mas repudiam a internet, podem concorrer de igual prá igual com as que usam a rede prá pescar almas? Traçando um breve histórico da relação mídia+religião, é possível pensarmos que no princípio era o Verbo - que  se  tornou  Imagem.  Para  Roncari,  “se  Deus   quiser   existir, tem que aparecer na TV, e se quiser se fazer ouvir, não é mais suficiente a palavra, ela tem que converter-se   em   imagens”.732 Atualmente, a Imagem se transmutou em Onda. Para Deus se fazer (re)conhecido, deve contar com a mediação das ondas difusoras do ciberespaço – dentre outras formas de se fazer presente entre mulheres e homens de boa vontade. Talvez possamos identificar a ampliação do conceito de igrejas eletrônicas para o de igrejas cibernéticas.733

Este é o fundo de tela de agências como a BDN, que podemos considerar cibernéticas ou ciberespaciais. Para a agência, estar em (na) rede é a forma mais eficaz de captar/manter fiéis – provavelmente mais que os evangelismos de ministérios como o BR, o MDB, etc. A BDN, neste sentido, pode ser vista como igreja na internet – e até certo ponto, igreja da internet. A partir disto podemos indagar: o que seriam religiões/religiosidades no ciberespaço e religiões/religiosidades do ciberespaço?734 Há como distinguir umas das outras? O termo religiões/religiosidades no ciberespaço pode dizer respeito ao caráter religioso das múltiplas experiências e agenciamentos institucionais, coletivos e individuais realizados através desta plataforma. Ao mesmo tempo, o termo pode estar relacionado às religiões/religiosidades como assunto veiculado na (pela) rede. Já por religiões/religiosidades do ciberespaço podemos entender as experiências e 732

RONCARI, 1984. MARANHÃO Fº, 2012 e. 734 Em sentido aparentemente similar, Christopher Helland falou sobre uma religion online e uma online religion (2000, 2005, 2007). Sobre estas, Enzo Pace explicou “a  distinção  entre  religion  online    (instituições religiosas que se adaptam a comunicar via internet) e online religion (criação de novas networks capazes de promover a formação de comunidades virtuais nas quais a definição dos conteúdos e dos significados religiosos ou espirituais é confiada à interação via computador entre os indivíduos). Esta distinção, que nos escritos mais recentes o próprio autor atenuou (HELLAND, 2005, 2007), no fundo, olhando bem, resume as novas perspectivas que a internet parece abrir às religiões: se com o primeiro modelo (religion online) ainda estamos diante da sequência emissor-receptor, no segundo (online religion) estamos diante de uma relevante mudança sociocultural, já que um sítio deste tipo um sítio deste tipo oferece um espaço criativo e interativo para uma vasta (mais ou menos anônima)  plateia  de  usuários,  os  quais,  deste  modo,  dão  a  ideia  de  fazer  para  si  uma  religião  sob  medida”  (PACE,   2012, p. 423). Pace reforça a distinção entre religiões online e online religiões: as primeiras são institucionais e as outras não (idem, 2012, p. 428). 733

220

agenciamentos de indivíduos, coletivos e instituições que têm no ciberespaço sua home, sua página inicial de onde flui todo o resto. Outro possível sentido é o das experiências típicas/características da internet. Também podemos traduzir a crença nos equipamentos informáticos de tempo real como uma espécie de religião do ciberespaço. Talvez a diferença entre religiões/religiosidades no e do ciberespaço esteja na intensidade. Se no  primeiro  caso  o  “ciber”  é  espaço  eficaz  de  divulgação,  no  segundo  é  condição  primária  de   existência. De todo modo, como na web, ambos os termos são compostos pela polissemia e fluidez – novos sentidos e significados podem ser (re)pensados por mim e pelo/a leitor/a. O ciberespaço é forma eficaz pela qual agências, sujeitos e coletivos religiosos se divulgam, compartilham experiências e se posicionam no mundo – e no mercado religioso. Ficam as perguntas: A igreja ou expressão religiosa que se situa somente na internet – sem uma plataforma   “física”   – pode   sobreviver?   Ou   ela   prescinde   do   “suporte   presencial”?735 Igrejas ciberespaciais como a BDN trafegam entre o virtual e o real ou caminham com o real e o virtual? Os/as surfistas do ciberespaço estão entre o online e o offline ou ao mesmo tempo online e offline? A separação entre ciberespaço e outros espaços existe? E entre humano e máquina?

Quando um/a surfista do (no) ciberespaço encontra uma rede Um caso que pode expressar a imbricação entre online/offline e humano/máquina está nos cultos da BDNF. Nesta agência, é comum que os presbíteros, situados na primeira fileira de cadeiras, portem IPads736 e outros equipamentos de tecnologia em rede como para darem 735

Guareschi   comenta:   “eu   não   vejo   a   possibilidade   de   uma   religião   apenas   na   internet.   Acho   que   ela   não   sobrevive. Assim como você não consegue segurar o fluxo o tempo todo, você não vai poder segurar uma instituição, porque instituição é uma certa materialização de uma ideia, e essa materialização implica, o Weber discute muito bem isso, a instituição, o carisma e o poder, de como os carismas, as ideias, etc, têm em certo momento de se materializar em instituições. Então ela perde o seu poder carismático. Assim também  na  internet”   (MARANHÃO Fº, LEÃO, 2012j, p. 177). As   aspas   que   utilizo   em   “física”   e   “suporte   presencial”   procuram   apontar para a insuficiência de tais termos. Afinal, qual a fronteira que define, nas relações on+offline, o que é físico  ou  “virtual”? 736 O  IPad,  também  chamado  de  “Iphone  gigante”,  é  um  aparelho  desenvolvido  pela  Apple  que  permite  conjugar     funções de telefone, notebook, filmadora e máquina fotográfica (dentre outros recursos que desconheço como possivelmente fritar ovo, etc). O IPod tem câmera, suporte à loja de música, aplicativos e livros, mas sua conexão  à  internet  é  via  wifi.  Outro  “primo  pobre”  do  Ipad,  o  Iphone  é  o  aparelho  celular  mais  célebre  do  mundo   (chamado de smartphone), com tela sensível ao toque (touchscreen), aplicativos (e loja para adquiri-los), câmera fotográfica e filmadora, conexão à internet via 3G/4G. O IPhone 5 é a sua versão mais aprimorada (até 2013, claro).

221

notícias do culto para os/as que estão em casa 737 – isto não é necessariamente a mesma coisa que um culto online, em que a pessoa pode acompanhar toda a liturgia, mas possibilita pensarmos na associação entre igreja na internet e igreja da internet, e ainda fiéis na internet e fiéis da internet, em toda sua amplidão de sentidos e significados. É relevante recordar que as relações na (em) rede não são apenas sociais ou entre humanos/as, mas sociotécnicas: a máquina também organiza maneiras de agir, ajudando a dar ritmo às conver(sa)ções on+offline. Continuemos pensando nos presbíteros da BDNF operando seus Ipads durante o culto. De que formas eles estão conectados à (em) rede? Até que ponto estão (bri)colados às máquinas, e estas neles? O termo rede, aqui, se reveste de um caráter polissêmico. Se em outros trechos do livro o vocábulo se referiu às redes cristãs de recolhimento de fiéis e à rede mundial dos computadores, aqui também se relaciona à teoria ator-rede738 de Latour, ou à sua rede sóciotécnica. 739 A rede configura-se como espaço de fluidez e (des)encontro entre elementos humanos e não-humanos, desestabilizando uns e outros em (in)direções (in)imagináveis. Assim como o/a humano/a e o/a não-humano/a, a rede é atriz e se redefine a cada interação

737

É importante reforçar: estar em casa acompanhando o culto (não) seria estar no mesmo? A teoria ator-rede, ou ANT (Actor-Network-Theory), divulgada por Latour, relaciona-se com o princípio de simetria (1994), que visa desmarcar as fronteiras/barreiras entre sujeitos e objetos, entre humanos e nãohumanos, entre campos científicos naturais e sociais. Para o mesmo, nunca conseguimos de fato dissociar tais domínios como a modernidade propunha – pois jamais fomos modernos (2005). Uma forma possível de se obter a simetria está no uso da noção de rede deste autor (2005), mais especificamente da rede sociotécnica, que cruzaria os pólos e relacionaria humanos/as e não/humanos/as em um mesmo coletivo sem pensá-los dicotomicamente. 739 Pesquisadores/as como Theopilos Rifiatis dão pistas sobre estas perguntas. Este (re)pensa expressões como “cibercultura”   (como   comentado   acima)   e   “comunicação   mediada   por   computador”,   sinalizando   os   limites   dicotômicos entre humano/técnico que pressupõem a exterioridade dos objetos técnicos e reduzem a “agentividade  apenas  aos  seres  humanos”  (RIFIOTIS,  2012,  p.  566).  Estes  termos  (e  outros,  como  “comunidades   virtuais”),   se   relacionam   a   outras   dualidades   e   justaposições,   como   online e offline, técnico e social, sujeito e objeto (idem, 2012, p. 573). Inspirado em Latour, Rifiotis explica a necessidade de “concentrarmos   o   foco   na   ação, e não nas figuras já pré-estabelecidas para a observação, e ele sublinha que isso seria especialmente relevante nas situações em que proliferam as inovações e onde as fronteiras entre os grupos se encontram desestabilizadas. Em outros termos, o programa adequado para tais situações seria o de rastrear associações dos atores, ou seja, seguir os atores (humanos e não-humanos),   ou   seja,   a   produção   do   social   em     ação”   (ibidem,   2012, p. 574). À indagação sobre a possibilidade de agências  não  humanas,  Rifiotis  nota  que  “ao  longo  dos  seus   trabalhos, Latour nos fornece uma série de exemplos de situações em que deveríamos problematizar a agência de objetos. Seria inútil aqui detalhá-los, mas lembremos ao acaso uma pequena série deles: arma, controle remoto, lombada. Mas também o celular, o computador, ou ainda medicamentos, etc, etc. (...) A ação é o foco da atenção e não as entidades pré-configuradas. Agência não é determinação ou escolha, mas resultado da descrição de uma ação, de um processo,   ou   melhor,   de   um   fluxo   da   ação”   (ibidem,   2012,   p.   575).   A   esta   terminologia,   Rifiotis   prefere vontade de saber sociotécnico ou redes sociotécnicas, por seu valor epistemológico de superação de dicotomias (ibidem, 2012, p. 576). 738

222

sua com os/as demais. 740 As pessoas conectadas à rede – e a(s) rede(s) contectada(s) às pessoas – demonstram a (inter)atividade de ambas / entre ambas. Mais que avaliar as relações humanas e/ou sociais no ciberespaço, ou das técnicas e/ou tecnologias na humanidade, a atenção (tensão) está nas relações – simétricas – estabelecidas entre humanos/as e nãohumanos/as741 – ou entre máquinas e não-máquinas. Assim como ator/rede se constituem ao mesmo tempo, o mesmo ocorre com humano/a e máquina. Outro conector para pensar na bricolagem entre humano/a e máquina (ambos pensados aqui como sujeitos) é a metáfora do ciborgue, de Haraway, mencionada anteriormente.742 Esta entende   que   “não está claro quem faz e quem é feito na relação entre humano e máquina (...) não existe nenhuma separação fundamental, ontológica, entre máquina e   organismo,   entre   técnico   e   orgânico”.743 Tal metáfora serve para pensar na quebra de dualismos entre sujeitos e máquinas: IPads e presbíteros, quais suas fronteiras maquinocorporais? Quem é prolongamento de quem? Os/as fiéis-cibernautas da BDN também podem ser pensados (bri)colados às máquinas, administrando suas religiosidades a partir de processos de (re)costuras e (re)composições, em um contexto de escolhas e(m) movimento. Isto pode ser estendido à própria BDN, igualmente ciborgue. A noção de sujeitos e agências entre o humano e a máquina (ou máquina+humano / máquina+instituição ao mesmo tempo) pode ser útil para (re)pensarmos na (in)conveniência

740

Tais concepções são  tributárias  de  uma  leitura  inicial  sobre  a  ANT  proposta  por  Gabriel  Tarde,  para  quem  “o   que conta não são os indivíduos, mas as relações infinitesimais de repetição, oposição e adaptação que se desenvolvem entre ou nos indivíduos, ou melhor, num plano onde não se faz sentido algum distinguir o social e o individual”   (VARGAS,   2007,   p.   10).   Tal   teoria   foi   posteriormente   revisitada   por   Latour.   Para   a  ANT   interessa   mais pensar nesta capacidade de redefinição, de rastrear etnograficamente os efeitos e negociações entre “humanos/as”  e  “não-humanos/as”. 741 Certamente,   além   dos   “objetos”,   que   podem   ser   entendidos   nesta   perspectiva   como   sujeitos, podemos entender   como   “não-humanos”,   por   exemplo,   os   animais.   Estes,   igualmente,   podem   provavelmente   ser   vistos   como sujeitos dotados de agência e simetricamente associados (relacionados). 742 Como  comentei  em  outra  ocasião,  “tal  concepção  é  rica  para pensar pessoas entre-gêneros: muitas possuem próteses e outros artefatos (que não são evidentemente exclusividade destas) que prolongam a extensão de seus corpos, proporcionando melhor qualidade de vida e fazendo com que estas sintam seus organismos mais adequados  à  suas  identidades  de  gênero”  (MARANHÃO  F  º,  2012b). 743 Idem,  2013,  p.  91.  Hari  Kunzru  comenta  que  “o  mundo  de  Haraway é um mundo de redes entrelaçadas – redes que são em parte humanas, em parte máquinas; complexos híbridos de carne e metal que jogam conceitos como “natural”  e  “artificial”  para  a  lata  do  lixo”.  Tais  redes,  híbridas,  seriam  os  ciborgues,  que  “não  se  limitam a estar à nossa volta – eles  nos  incorporam”,  e  lembra:  “se  as  mulheres  (e  os  homens)  não  são  naturais,  mas  construídos,   tal como um ciborgue, então, dados os instrumentos adequados, todos nós podemos ser reconstruídos (KUNZRU, 2013, pp. 24-25). Para Tomaz  Tadeu,  “o  ciborgue  nos  força  a  pensar  não  em  termos  de  “sujeitos”,  de  mônadas,   de  átomos  ou  indivíduos,  mas  em  termos  de  fluxos  e  intensidades.”  Deste  modo,  o  mundo  não  seria  constituído   de   “unidades   (“sujeitos”),   de   onde  partiriam  as   ações   sobre   outras unidades, mas, inversamente, de correntes e circuitos  que  encontram  aquelas  unidades  em  sua  passagem”  (TADEU,  2013,  p.  14).

223

de dicotomias  como  “offline  ou  online”  – daí minha proposição de usar o termo on+offline. Quando o Apê, de dentro da igreja, promove o culto em tempo real aos que estão “longe” ou “fora” se ressaltam as dúvidas: quem está  à  frente  do  computador  (do  lado  “de  fora”  da  igreja)   está menos presente que quem está “dentro” da agência? É possível que aqueles/as que estão em suas casas estejam simultaneamente participando do culto na igreja – assim como quem está na mesma em alguns momentos pode não se sentir presente, preferindo estar em casa ou em outro lugar.744 Neste caso, podemos pensar nas negociações/tensões entre comparecer mas não crer, pertencer mas não crer, crer mas não comparecer e crer mas não pertencer. Afinal, para pertencer é necessário comparecer? Acompanhar um culto ao vivo ou notícias fresquinhas tweetadas ou postadas no FB não é outra forma de comparecer e pertencer? O/a surfista da (na) web pode crer e participar sem   nunca   ter   ido   “presencialmente”   a   um   culto da BDN,   enquanto   muitos/as   que   frequentam   o   espaço   “físico”   da   mesma   podem   ver   nesta   um   bom   espaço de pertença e comunhão mas não se sentirem crentes nem participantes. Pode haver dois tipos de fiéis que vão aos cultos na BDN Olympia: os que saem de casa e se deslocam até a mesma e aqueles que acessam pelo notebook – e nos dois casos há quem se sinta participante mas não crente e vice-versa.745 A participação em uma agência religiosa tem a ver com escolha.746 Neste sentido, lembrando o slogan da IMPD que diz a mão de Deus está aqui – e logicamente não está ali na agência concorrente – seria 744

Algo   a   se   pensar:   a   experiência   social   “física”   é   “prioritária”   ou   “predominante”   em  relação   à   experiência   social  “virtual”?  Esta seria uma extensão da primeira? Ou seria o contrário? Ou ambas as coisas? Ainda que as duas situações sejam possíveis, participar dos cultos a partir do ciberespaço se vincula à necessidade de interação social – e   participar   dos   cultos   “presencialmente” também. Nesta nota, as marcações entre aspas procuram demonstrar   a   imprecisão   das   fronteiras   “entre”   uma   coisa   e   a   outra.   Nestes   casos,   melhor   pensar   nas   simultaneidades e ciborguismos. 745 Em relação às relações entre crer e pertencer, Hervieu-Léger argumenta que para fazer valer preferências pessoais  “hoje  corretamente  expressas  por  crentes que se posicionam com uma flexível liberdade diante delas, não é necessário unir-se a nenhum grupo religioso particular. Basta ler uma revista, frequentar uma biblioteca, seguir um programa de televisão, ou ainda – o que acontece mais e mais frequentemente – acessar esse ou aquele site  na  Internet”  (HERVIEU-LÉGER, 2008, p. 156). A autora complementa  dizendo  que  “essa  disjunção  entre  a   crença e a pertença é evidentemente ainda mais nítida naqueles casos todos em que o sujeito crente reivindica poder escolher, entre essas diferentes tradições, a que melhor lhe convém. Em certo sentido, podemos imaginar que  a  lógica  da  “bricolagem  da  fé”  torna  impossível  a  constituição  de  comunidades crentes reunidas em torno de uma   fé   comum”   (idem,   2008,   p. 157). No caso dos/as internautas   “da”   BDN,   muitos/as   certamente   (com)partilham crenças com outros/as participantes da agência ao mesmo tempo em que circulam por outras expressões religiosas, fazendo suas próprias (re)costuras de fé. 746 Sobre a utilização da internet como mídia evangélica, Jungblut relativiza as assertivas do paradigma do mercado religioso proposto por Finke, Iannacone e Stark, que por dicotomizar produtores/as e consumidores/as, inviabiliza   “uma   infinidade   de   experiências   religiosas   em   que   esses   pólos   se   encontram   completamente   confundidos”,   como   na   web,   onde   “todos   são   chamados   a   serem,   ao   mesmo   tempo,   artífices   e   desfrutadores,  

224

possível pensarmos em uma plataforma do ciber mais abençoada que a outra? O Deus que opera no Orkut teria a mesma potência que aquele acessado pelo FB? O pastor que dá seus tweets tem mais conexão com o sagrado ou é mais ungido que aquele do chat da Uol? Como fica o reverendo que persiste no modo “offline”?  Presbíteros que operam IPads tem mais unção de comunicação que os que usam um Dell debilitado? A BDN não é a única agência a transmitir seus cultos em tempo real aos/às fiéis-internautas. Se de um lado da rede o notebook é um púlpito, do outro é plateia. O ciberespaço pode proporcionar que fiéis compartilhem angústias e inquietações entre si e com líderes através de mensagens postadas em redes sociais, em fóruns de chats, por email ou SMS. Há também quem aceita a Jesus, testemunha, agradece graças alcançadas, acende velas virtuais, reza terços cibernéticos, recebe aconselhamentos espirituais através do Skype, oferta e dizima – tudo online. 747 Na outra ponta, estar conectado/a com os/as adeptos/as é estratégia que Jesus dá à igreja para se alcançar as almas perdidas na (da) internet – lembrando o marketing de Jesus visto na fala de Biga. Será o mouse o atual substituto do cajado que arrebanha as ovelhas? Como líderes e fiéis-cibernautas entendem o sagrado através da internet? A tela possibilita o contato com este ou afasta? O sagrado é substituído pela tela como nova forma de sacralização? Líderes e fiéis podem ser repostos ou substituídos através da web? Esta pode se apresentar como nova líder ao fiel que busca navegar por outros mares? É possível que a religião/religiosidade online afete a autoridade religiosa institucional, visto que no ciber janelas se abrem a outras paisagens que possibilitam deslocamentos, (bri)colagens, (re)cortes, (re)costuras e (re)conversões. Pode minar o monopólio ou controle da autoridade sobre os/as fiéis. Mas se o ciber abre algumas janelas, pode fechar outras. O/a fiel da BDN pode postar uma mensagem no FB que vise abalar ou enfraquecer determinada doutrina da agência – mas a cúpula sentindo-se “atacada”   pode   utilizar   os   dados   postados   para   (re)pensar   o combate   à   “insubordinação”   e   a (re)consolidação   de   sua   autoridade,   e   até   para   “excomungar”   ou   expulsar a ovelha rebelde de seu aprisco de (in)fiéis.748

escritores e leitores, emissores e receptores,   observadores   e   observados,   produtores   e   consumidores”   (JUNGBLUT, 2010, p. 210), que remete à expressão prosumo, mescla de produção e consumo, de Hoover e Echchaibi (HOOVER, ECHCHAIBI, 2013, no prelo). 747 O dízimo ou oferta online pode ser efetuado/a através de cartão de crédito, transferência entre contas, débito automático, boleto bancário – dentre outras formas possíveis. 748 É bom ressaltar que há diversas concepções sobre o ciberespaço, umas estabelecendo metáforas com seres etéreos/sobrenaturais. Para Alain  Finkielkraut  o  cibernauta  é  “angélico, livre, como os anjos, das fadigas de sua vida   na   terra   e   da   ordem   da   encarnação,   dotado,   como   eles,   do   dom   da   ubiqüidade   e   da   imponderabilidade”   (FINKIENLKRAUT, 1998, p.112). Pierre Lévy postula que a internet é benéfica à medida que o formato descentralizado  da  rede  permite  às  pessoas  conectadas  “construir  e  partilhar  a  inteligência  coletiva  sem  submeterse a qualquer tipo de restrição político-ideológica.”  Para  Miklos,  “na  esteira  da  utopia  cibernética,  Lévy  encara a

225

Entre 2005 e 2006 fui administrador de uma (ex)comunidade no (quase extinto) Orkut, a Bola de Neve Floripa. Através desta postávamos news sobre a church como shows de reggae e atividades evangelísticas nas praias. Algo que se destacava era o monitoramento de alguns/mas irmãos e irmãs sobre as demais ovelhas – o que demonstra que a tentativa de controle não vem apenas de líderes: o aspecto panóptico de ambientes como este e o FB é ampliado a todos/as membros e amigos/as. Por  sua  vez,  as  “boas”  ovelhas  tem  no  ciber  a  oportunidade  de  demonstrarem o quanto são obedientes aos preceitos bíblicos ou da instituição. Para o/a fiel, estar na rede pode equivaler a curtir e compartilhar afinidades e bênçãos, muitas vezes fazendo de aspectos privados, desejavelmente públicos. É colocar-se como bem de consumo a ser avaliado pelos/as demais, avaliando a estes/as ao mesmo tempo: big brothers and sisters online, seu tablet é sua prancha e o ciber, sua praia.749 Mas quem conduz quem no oceano ciberespacial? A prancha-IPad ou o/a surfista? Relembrando a imbricação humano/máquina latouriana e a metáfora do ciborgue, computador e humano/a tem igualmente agência? Ambos são igualmente sujeitos? Referindo   Latour,   “ator   é   tudo   que age, deixa traço, produz efeito no mundo, podendo se referir a pessoas,  instituições,  coisas,  animais,  objetos,  máquinas”.750 Em direção aparentemente similar, Lévy já avistava certa agência dos (nos) programas de computador – o que pode ser transposto para outros componentes do mesmo bem como o próprio ciberespaço:

Internet como um agente democrático (porque democratiza a informação) e humanitário (porque permite a valorização  das  competências  individuais  e  a  defesa  dos  interesses  das  minorias).”  Miklos  explica  que  essa  “visão   redentora   da   cibercultura”   é   alargada   por   Virilio,   “que   considera   a   cibercultura   uma   cultura   de   controle   (apropriação  por  parte  do  poder  instituído  por  grandes  empresas,  classes  militares  e  Estado).”  Este  entende  que  “o   libertário propugnado pela cibercultura foi tragado pelos interesses do   capital”,   e   que   “o   ideal   de   livre   acesso   converteu-se em apropriação dos efeitos tecnológicos ora pelo Estado com interesses militares, ora pelo mercado com  interesses  de  ampliação  e  reprodução  do  capital”  (MIKLOS,  2010,  p.  82).  Miklos  narra  que “até  o presente momento constatamos que aconteceu com a cibercultura o mesmo que ocorreu com a modernidade: a promessa de liberdade submeteu-se  à  onipotência  do  capital” (idem, 2010, p. 86). O autor argumenta que a ciber-religião “se   por   um   lado,   traz   a   promessa da redenção, da aproximação entre as pessoas, por outro, produz na sua sementeira  a  ilusão:  no  lugar  do  religare,  a  mera  operacionalidade  e  a  conexão  técnica”  (idem,  2010,  p.  88).    Visto   assim, parece que a cibercultura (e talvez o ciberespaço e a internet) é território dicotômico: ou vale para o bem ou serve ao mal. Mas o ciberespaço não é angelical nem demoníaco, ou talvez esteja entre as duas alegorias. Podem ocorrer agenciamentos por parte de instituições e sujeitos controladoras/es, por parte de sujeitos e instituições interessados/as em desestabilizar discursos   dos/as   “poderosos/as”   e   por   parte   dos   que   querem   corroborar os mesmos – a polissemia é o principal sentido do “ciber”.   Talvez o FB seja atualmente um bom exemplo   dos   agenciamentos   dos   “pequenos sujeitos”– e as diversas manifestações sociais sugeridas e coordenadas   através   de   redes   sociais   como   esta   sejam   um   indicativo   destes   agenciamentos   “subalternos”.   Por   outro lado, o FB pode funcionar como meio de controle. Outro ponto a se considerar é relacionado às (in)tolerâncias  religiosas  no  ciberespaço:  tal  como  nos  demais  “espaços”,  a  internet  e  demais  tecnologias  de  rede   podem fazer florescer espaços de discussão que fomentam a tolerância – mais que a tolerância, o respeito ao/á próximo/à – e simultaneamente, propiciar que a intolerância em relação ao/à outro/à se torne latente. E certamente, a (in)tolerância é em grande parte contextual: o que para um é (in) tolerância para o outro não é. 749 Tal  característica  faz  parte  da  “identidade”  derretida  mencionada anteriormente, em constante (re)adequação em relação ao/à outro/a – e no caso, também em relação à máquina. 750 FREIRE, 2006, p. 55.

226

o ciberespaço não compreende apenas materiais, informações e seres humanos, é também constituído e povoado por seres estranhos, meio textos, meio máquinas, meio atores, meio cenários: os programas. Um programa, ou software, é uma lista bastante organizada de instruções codificadas, destinadas a fazer com que um ou mais processadores executem a tarefa. Através dos circuitos que comandam, os programas interpretam dados, agem sobre informações, transformam outros programas, fazem funcionar computadores e redes, acionam máquinas físicas, viajam, reproduzem-se, etc. 751

Ainda que para Lévy tais programas ajam sobre informações e não necessariamente sobre humanos/as, isto reforça indagações como: quem agencia quem? A máquina agencia o/a humano/a ou o contrário? Ou são agenciamentos recíprocos? Um elemento pode ser considerado  com  “maior  agência”  que  o  outro  no  ciberespaço  – ou em qualquer espaço? Uma provocação a se fazer é: como querem muito/as autores/as, existe uma CMC (Comunicação Mediada por Computadores)? Ou esta é simultaneamente uma comunicação entre computadores – mediada por humanos/as (CMH)? Não haveria uma CMC+CMH? Não querendo responder a estas perguntas, algo parece certo, o ciberespaço é marcado pelas redes sóciotécnicas: máquinas e pessoas são imbricadas. Na BDN o ciber possibilita que sujeitos (máquinas, pessoas e máquinas+pessoas) tenham agência, sejam agenciados pela instituição e agenciem a mesma. Decorrem as dúvidas: o/a humano/a se submete à máquina ou é a máquina que se submete ao/à humano/a? Além do culto a Deus, no ciber há o culto à pessoa e o culto à máquina? Em relação ao site da BDN, este é agenciado pelos discursos da mesma – ou é ele quem agencia a BDN e seus discursos? Se o/a não-humano/a (máquina, ciberespaço, site ou rede social) é ator (ou atriz), tem agência e produz efeitos, surgem questões: quando o Apê Rina posta uma mensagem estimulando os/as crentes a algo, quem agencia quem? Rina agencia tais fiéis criando uma demanda? É agenciado por estes/as ao procurar atender suas necessidades?   Rina   “se   utiliza”   – agencia – uma rede como o FB para postar suas mensagens? Ou é o FB quem “se utiliza”, agencia Rina e todos os demais membros da rede para que estes postem, produzam conhecimento e promovam o Face? Em outras palavras, Rina utiliza o ciberespaço ou o ciberespaço utiliza 751

LÉVY, 2003, p. 41.

227

Rina? Não pretendo aprofundar aqui os múltiplos agenciamentos de sujeitos e instituições na internet, nem do próprio ciberespaço em relação a estes/as – deixando isto para outra ocasião, mas apresentar sinteticamente outras das possibilidades de como o ciberespaço (especialmente a internet) é apropriado pela BDN. Para tal, façamos uma breve anatomia de seu portal ciberespacial e de alguns de seus desdobramentos como os anglicismos e a Bola Radio.

Entrando no portal do ciberespaço O portal da BDN no ciberespaço (www.boladeneve.com) atua como plataforma de lançamento de mídias como os periódicos Bola News e Crista, a radio online Bola Radio (dividida em Bola Radio Extreme e Bola Radio Worship), o programa de tevê Bola TV (online e em canais abertos), a produtora/difusora Bola Music, com seu selo Altern8, e dezenas de ministérios especializados em segmentos específicos. O portal promove o marketing de guerra santa da BDN através do uso de slogans, de anglicismos, da espetacularização do patrimônio, da canção gospel (produzida e/ou midiatizada pelas gravadoras Bola Music e Altern Music, e apresentada em shows), e de narrativas que procuram instituir um mito fundador ou fundante752 da instituição, assemelhado ao que Hervieu-Léger chamou de linha crente, evento fundador que ligaria memória religiosa à crença religiosa, reverberando na experiência espiritual do presente.753 Outro site encontrado no portal é o do Planet Bola, onde é possível comprar ampla gama de mercadorias através da internet. Ainda que a mesma se constitua em ponto de venda e canal de distribuição, uma das finalidades do portal no ciberespaço é a de atrair fiéis-consumidores/as para o espaço “físico” da agência, onde outras trocas comerciais são efetivadas como possível decorrência da constituição de redes ou comunidades afetivas que promovem sensações de pertencimento e acolhimento, no sentido dado por Galindo de que   o   “PDV/Templo   tem   de  

752

CHAUÍ 2000; ISAIA, 2003. Sobre a linha crente proposta por Hervieu-Léger, Camurça comenta que “a  crença  religiosa  é  uma  crença  na   continuidade   da   “linha   crente”.   É   o   processo   de   conservação   e   reprodução   desta   “linha”   por  meio   da  memória   religiosa que garante a permanência da religião, dando sentido ao presente e assegurando o futuro dentro do percurso  da  “linha”,  cujo  ponto  de  origem  é  o  passado  sempre  perenizado”  (CAMURÇA,  2003,  p.251). 753

228

estar aberto e pronto para atender todos que são sensibilizados através de apelos veiculados na mídia  massiva”.754 No caso da BDN, como de muitas das agências atuais, se constituem estes dois canais de distribuição de mercadorias e produtos, o “físico” e o “virtual”. Ambos ajudam a suprir a demanda por um sentido de pertença e de inteligibilidade em relação ao mundo, e o segundo permite que o/a usuário/a participe de algumas das atividades da agência religiosa sem se deslocar do ambiente em que se encontra.

Contexto do portal O momento de criação do portal pode ser um primeiro elemento de análise contextual. 755 Ele sinaliza para um site criado contemporaneamente (2007 e 2010) e que deve ser percebido a partir da associação com o momento de análise. Explico: analisei – sinteticamente – o portal em duas ocasiões, início de 2010 e meados de 2013, e encontrei diferenças tanto no conteúdo quanto no layout em ambos os momentos.756 Tal constatação demonstra a importância de se armazenar as informações observadas, referindo-se às respectivas datas de acesso e se possível às datas de elaboração das páginas, dada a possibilidade de que os dados não estejam mais disponíveis de um momento para outro – o que demonstra o caráter volátil e fluido do ciberespaço, do site e da própria agência. 757

754

GALINDO, 2009, p. 30. Muito pode ser analisado quando falamos de religiões e religiosidades na (da) internet. Como Pace reforça, “desde   que   a   observação   seja   feita sobre novas formas de comunicar a religião via computador, com qual metodologia pode ser enfrentada sua análise, já que uma coisa é examinar com uma pluralidade de métodos (análise semiótica, icônica, do conteúdo, dos estilos retóricos, do eixo semântico opositivo e assim por diante) como um sítio foi construído e, também, quem o construiu e com quais finalidades (manifestas e/ou implícitas), outra coisa é entender quem tem acesso ao sítio, com quais expectativas, por quanto tempo, por quais finalidades  (por  pura  informação  ou  por  uma  efetiva  necessidade  de  “religião”);;  neste  caso,   é  realmente  árduo   sondar   em   termos   quantitativos   o   perfil   sociocultural   e   socioeconômico   dos   usuários”   (PACE,   2012,   p.   419).   Minha análise neste livro certamente não é tão ambiciosa. Faço apenas uma análise sintética sobre o portal da BDN e alguns dos links disponibilizados pelo mesmo, como o referente à Bola Radio. Pretendo investir numa etnografia digital de fiéis da BDN em redes sociais como o FB num futuro não muito distante. 756 A versão analisada em 2010 foi colocada no ar em 2007, como é referido no portal. A analisada em 2012 não traz referências à data de sua criação. Segundo alguns fiéis me explicaram, uma primeira mudança no portal se deu em outubro de 2010. 757 Sobre o dinamismo deste, onde o portal reside e pelo qual transitam os/as fiéis, Lévy   contemplou   que   “o   virtual tende a atualizar-se,  sem  ter  passado,  no  entanto  à  concretização  efetiva  ou  formal” (LÉVY, 1996, p. 17). Para   Salatiel,   a   “hipermídia,   que não prescinde de uma lei na forma de estruturas e arquiteturas lógicas de programas,  longe  de  desestabilizar  o  sistema  (o  ciberespaço),  engendra  sua  organização”  (SALATIEL,  2005,  p.   131). 755

229

O dinamismo é expresso no portal através da seção News (2010), posteriormente chamada Novidades (2013),758 que dispõe ao/à internauta as últimas informações sobre a agência. Tal versatilidade, tanto do ciberespaço como da BDN, sinalizam para outro aspecto contextual do portal, diretamente relacionado ao seu nicho mercadológico: o objetivo, que é atrair fiéis através de imagens e sons que fascinam e de produtos e mercadorias que seduzem, atendendo e/ou criando demandas religiosas, esportivas, estéticas, culturais, etc. Outra etapa da análise contextual reside em identificar o destinatário ou receptor potencial. Se tomarmos este como o mesmo que frequenta a agência, seria formado por pessoas de 12 a 35 anos, praticantes de esportes, fãs de reggae e rock, vindos do meio urbano e do litoral brasileiro, oriundos das classes média-alta, e conectadas às novas linguagens e mídias, como a internet. Evidentemente, esta é uma hipótese, dado que não temos como identificar com exatidão o público cibernauta, certamente mais ampliado que o quadro de frequentadores/as da mesma. De todo modo, é certo que o portal foi criado e é gerenciado para atender aos anseios dos/as mesmos/as. Nesta direção, Sandra Jatahy Pesavento comenta que é da natureza da imagem pressupor o   espectador,   fazendo   com   que   “no   momento   de   criação,   já   se   encontre, implícito,   um   destinatário”.759 Um portal atraente e que ofereça possibilidades de atendimento/criação de expectativas é o diferencial em relação às agências concorrentes, em um cenário religioso caracterizado pelo deslocamento e dinamismo. Pensando em um histórico geral do portal, este é de inserção a uma sociedade midiática, espetacular e marketizadora, linkada a um contexto mais específico de concorrência religiosa no mercado religioso/secular brasileiro, com suas estratégias de marketing particulares. 760

Descrevendo imagens O portal da BDN (figura 77) pode ser analisado a partir da observação/descrição de sua identidade visual, através de dois parâmetros, o temático e o técnico.761

758

Coloco em parênteses as datas de análises. PESAVENTO, 2008, p. 100. 760 Este âmbito de concorrência e inserção midiática ultrapassa as fronteiras dos (neo)pentecostalismos, chegando às mais diversas formas de religiosidade. É importante ressaltar que tais estratégias visam não somente o mercado religioso, mas secular, o que é observável, dentre outros fatores, pela distribuição e comercialização de mercadorias gospel por pontos de venda seculares. 759

230

Figura 77: Portal BDN (versão 2007/2010)762

Partindo para a descrição técnica, vemos na imagem do layout o uso de cores quentes (vermelho, amarelo e suas combinações), sugerindo dinamismo; e frias (especialmente tons de azul), sinalizando a associação entre um reino celeste e uma paisagem praiana, representados também pelas imagens. O logotipo da BDN encontra-se fixo no canto superior direito, e abaixo, veem-se os seguintes links763: Home (página de abertura), Quem Somos, Onde Estamos, Células, News, Pregações, Clipping, Mensagens, Ministérios, Crista, Cifras, Bolinha de Neve, Loja Virtual, Games, Fotos, Fórum, Colabore, Bíblia On-Line, Fale Conosco e Área Restrita, sendo esta exclusiva aos/às líderes da agência. 764 Seguindo o olhar da esquerda para a direita, percebe-se o slogan In Jesus we trust inscrito em azul celeste, amparado pela alegoria de uma onda, remetendo a uma praia, e abaixo da onda, os ícones Envie SMS Falapastor, Bola TV e Bola Radio,765 e ao centro, uma surfista carregando uma prancha branca com o slogan Changing lives... for the better. Em seguida, outros ícones correspondentes a ministérios da BDN se apresentam, envoltos em um fundo com cores quentes, especialmente o alaranjado, o marrom e o rosa. Os ícones são: Mergulhando na Palavra On-Line, Ministério Atacar - aliste-se!!!, Bola Music – X 761

Uma possibilidade está em se empreender uma análise identificando os elementos explícitos da obra no sentido do geral para o particular, apreendendo o efeito obtido e depois verticalizando o entendimento a respeito deste. 762 Bola de Neve Church. Disponível em: . Acesso em: 15 jan. 2010. 763 Salatiel   explica  que   “links são dispositivos de bifurcações que provocam mudanças qualitativas no sistema, estabelecendo   também   padrões   de   organização”   (SALATIEL,   2005,   p.   131).   Os   links são dispositivos operacionais que transportam o usuário, através de um clique, a outra página ou informação. 764 Na Área Restrita, os que possuem liberação de acesso (de maneira geral os líderes instituídos) podem acessar as pregações do domingo anterior, a serem reproduzidas nas células, bem como diretrizes administrativas diversas. 765 Este ícone habilita o recebimento de mensagens da igreja através do telefone celular. Abaixo do ícone para se adentrar nas informações do programa Bola TV, separado por uma faixa esverdeada, há outro ícone, para se habilitar ou desabilitar o som ambiente do sítio, que na abertura é representado pela canção de abertura do programa Bola TV. A Bola Radio, a Bola TV e o Fala Pastor recebem mais comentados adiante.

231

Generation Worship, Recrie – Rede Cristã de Empreendedores, e Loja (ou Shopping) Virtual.766 Abaixo, separado por uma faixa horizontal alaranjada e escrito em azul, está o link para o Culto com Traduções em Libras, realizado aos domingos às 16h na sede da igreja em Perdizes, bairro de classe média alta de São Paulo. Na extrema direita do layout de abertura, há uma espécie de suporte com quatro placas, sendo a superior com os dizeres Haléiwa North Shore, a segunda com as novidades (ou News), a terceira com o link para o cadastro no sítio, associada com as Newsletter, e a última das placas, com o acesso aos horários de cultos, bem como a possibilidade de se assistir a alguns deles on-line. Embaixo deste suporte de placas, em letras mais apagadas, está a inscrição Copyright 2007 – todos os direitos reservados, identificando a data de confecção desta versão do sítio. Como percebemos, a figura da surfista está ao centro, sendo provavelmente o elemento que mais capta a atenção do/a cibernauta,767 reforçando a identidade de igreja de surfistas – o surfe é o tema do layout. Modelo e prancha estão sob a proteção celeste e o slogan: o objetivo provável é mostrar uma moça que gosta de surfe e de Jesus, buscando a simpatia do/a internauta e sua adesão e permanência na agência. A representação favorável à igreja é organizada a partir da associação entre texto não-verbal (imagens) e texto verbal (slogans e informações), de modo eficaz e objetivando a conquista de fatias do mercado religioso e secular.

In Jesus we trust: anglicismos na (da) BDN A BDN se utiliza de diversos anglicismos para consolidar sua marca institucional no mercado religioso e secular brasileiro.768 Os anglicismos são uma forma da BDN se aproximar de seu público, acostumado com o linguajar característico de games, sites, roupas de marca, etc. Os anglicismos são percebidos no próprio nome da agência, Bola de Neve Church e em seu slogan, In Jesus we trust.

766

As duas mercadorias disponíveis ali são o CD de Dominic Ball e a série de DVDs da Conferência Profética, de 2008. A amostragem dos produtos é sempre atualizada, ou seja, outros produtos são veiculados em outros momentos. 767 Nesta versão, a imagem se movia do centro para a direita, de acordo com a vontade da internauta, que a controlava através de seu cursor. 768 Lembro-me do mercado secularpois nem todos/as os/as admiradores/as da agência se encontram no contexto religioso, há pessoas que adquirem discursos e/ou mercadorias da BDN pelos mais diversos motivos, como a afinidade com a reggae music.

232

O portal da BDN, analisado em 2010 e 2013, demonstra alguns dos anglicismos empregados. Do lado esquerdo do layout da versão analisada em 2010, abaixo do logotipo da agência, há uma lista de ícones acessíveis ao/à fiel, como Home, News, Clipping, Games e Bíblia On Line. Um pouco mais à direita, se situam links para acessar a Bola TV e a Bola Radio. Na prancha da surfista encontram-se as inscrições Changing lives...for the better (mudando vidas... para melhor), e acima da mesma, o slogan In Jesus we trust. Vemos os dizeres Planting churches troughout the world (plantando igrejas por todo o mundo) e No parking anytime (não estacione em tempo algum). 769 O lado direito do portal evidencia ícones para ministérios como Mergulhando na Palavra On Line e Bola Music – X Generation Worship (Adoração da Geração X). Na placa, o idioma inglês aparece em News, North Shore, Freedom Worship e Newsletter. E abaixo, a data do site: Copyright 2007. Certamente um dos anglicismos mais marcantes da BDN está em seu slogan 770 In Jesus we trust, que acompanhado do logotipo que se assemelha a uma bola de neve atua como carimbo institucional da agência e signo verbal, linkado ao signo visual com forma de bola de neve. O nome da agência se encontra logo acima do de Jesus, talvez criando no receptor a ideia da relação entre ambos (figura 78).

Figura 78: Logotipo da BDN com o slogan In Jesus we trust771

A imagem da versão analisada em 2012 apresenta menos anglicismos, mas referências a 769

Estes dizeres são observados no site mas não ficam fixos na tela, passando de um lado para o outro através de uma placa. A imagem acima não captou tais dizeres. 770 Como comenta Campos, o slogan, ou conjunto de palavras de ordem, serve para provocar mais ação do que reflexão,   oferecendo   “andaime   composto   de   estruturas ideológicas que, preenchidas pela imaginação dos destinatários, levam as pessoas à prática de ações programadas pelos detentores do poder simbólico, aceito como legítimo”  (CAMPOS,  1997,  p.  317). 771 Ministérios. Disponível em . Acesso em: 10 ago. 2009. O logotipo, de forma arredondada como convém a uma bola de neve, traz o nome da agência, com o anglicismo Church (igreja) destacado abaixo e seguido do slogan In Jesus we trust (em Jesus nós cremos), remetendo ao  slogan  dos  dólares:  “in  God  we  trust”  (em  Deus  nós  cremos).

233

Pierce e David Rebollo, palestrantes estadunidenses que participaram do XX Congresso de Batalha Espiritual da agência, realizado em julho de 2012 na Bola de Neve Olympia. Tais profetas dão pistas de uma agência que valoriza palavras e pregadores/as originários/as de países anglófonos (figura 79).772

Figura 79: Portal BDN (versão 2010/2012)773

Clicando na seção Notícias do portal (News, na versão anterior),774 vê-se o anúncio da “Bolatronic party”,  que  hibridiza  o  nome  da  agência  com  eletronic775 e explicita a BDN como promotora   de   local   festas   e   baladas:   “vem   aí   a   Bolatronic   Party, uma balada de música eletrônica e black (...) com  iluminação,  decoração,  muita  sonzeira  e  surpresas!”  (figura 80).

Figura 80: Bolatronic776

772

Deve-se destacar que o conteúdo do site é disponibilizado em inglês, e também em espanhol, francês e alemão, demonstrando o interesse da agência no mercado externo. 773 Bola de Neve Church. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2012 No canto inferior direito, link para a rádio online da BDN. 774 É provável que esta seção tenha mudado de nome para não confundir o leitor que acessa o periódico Bola News. 775 A mesma foi realizada em 15 de setembro de 2012, na BDN Olympia. O ingresso era adquirido por R$ 25 mais um quilo de alimento, destinado à assistência social da BDN, ou por R$ 30, sendo possível comprá-lo através de depósito bancário na conta do evento, no Bradesco. 776 Bola de Neve Church. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012.

234

O portal possibilita o acesso a um dos periódicos da BDN, o Bola News, publicação mensal digital que permite download em PDF e possui versão para ibook. A edição de fevereiro de 2012 tem como título The next generation (A próxima geração). Na capa, abaixo de generation, é possível observar uma roupa (de ponta-cabeça) com os dizeres other colours, o que indicia a inserção dos/as crentes a um contexto marcado por expressões em inglês (figuras 81 e 82).

Figuras 81 e 82: The next generation,777 other colours

Após a capa, há um editorial assinado por Rina, editor-chefe do periódico, e a propaganda da InTime, ministério de skate da BDNSP mencionado através de site que promove um de seus eventos, o InTime Skate Conquest. Este site refere os links Gallery, Actions e Likes.778 Enfatizam-se seções como a For Pray (Para Orar, figura 83), assinada por Digão e o slogan do ministério Recrie, Impossible is nothing (Nada é impossível).

Figura 83: For Pray779

777

Bola News. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2012. In Time. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. A premiação ao melhor skatista, oferecida pela BDNSP, foi de R$ 20 mil, o que demonstra a persistência da agência em se promover como igreja de esportistas. 779 Bola News. Disponível em: . Acesso em: 12 ag. 2012. 778

235

O público da BDN é descrito através de The Next Generation, matéria de capa assinada por Lígia Toledo, na qual a autora explica que os/as fiéis  da  BDN   fazem  parte  da   “geração  Y”,   tendo  “entre  11  e  30   anos,  nascidos  entre  os  anos  de  1981  a  2000”  e   “que  cresceu  com  um   computador em casa e, desde que se conhece por gente, utiliza a internet como fonte de comunicação,   informação   e   acesso   ao   mundo”780. Entretanto, curiosamente a maioria das referências da BDN sobre seu público referem-se ao mesmo como formado pela geração X, como se observa na Missão da Igreja, descrita no site da Bola TV:   “levar   o   evangelho   e   o   amor de Jesus Cristo a X Generation, jovens de 15 a 35 anos e que não se encontraram em nenhuma instituição eclesiástica convencional”.781 Next Generation ou X Generation, anglicismos são utilizados para definir os/as crentes da agência.

Os anglicismos se

relacionam contextualmente ao apreço a preletores/as estrangeiros/as, evidenciado nesta edição do Bola News através do anúncio da conferência de Jake Hamilton, do ministério Jesus Culture, que compartilhou o palco com o missionário Rodolfo. O site da Bola TV apresenta outras formas de utilização do idioma inglês. A página de abertura da versão analisada em 2010 enfatiza o slogan Just Enjoy (só aproveite), remetendo a enunciados   publicitários   como   “just   do   it!”   da   Nike   e   “enjoy   Coca-Cola”,   apontando   para   momentos de entretenimento do crente neste sítio. 782 Rodolfo comentou sobre o uso de expressões em inglês pela BDN: “In Jesus we trust, em qualquer país, as pessoas vão ter pelo menos oportunidade de entender o que quer dizer. Já tem igreja nascendo na Austrália, na Califórnia, no Peru, no Japão tem um pessoal que tá se reunindo”,  já  que  “isso  é  uma  Bola  de  Neve  e  ela  vai  rolar  enquanto  tiver  espaço  pra  andar  por   aí.”783 Dentre os sites que veiculam títulos anglófonos também encontra-se o da Bola Radio, e de dois de seus canais, o Worship e o Extreme (figuras 84 e 85). Canais como o Extreme, analisado em suas duas versões (figuras 10 e 11), demonstram a simpatia pelo idioma inglês e os Estados Unidos:

780

Next Generation. Bola News. Disponível em: . Acesso em: 12 ag. 2012. 781 Saiba mais sobre esta frente de evangelismo. Bola TV. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2012. 782 Bola TV. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. 783 Entrevista com Rodolfo Abrantes. Disponível em: . Acesso em: 21 jan. 2010. A entrevista foi realizada em 05 nov. 2008.

236

Figuras 84 e 85: Bola Radio Extreme 2010,784 BRE 2012785

Grandes nomes como Elvis Presley, Jerry Lee Lewis, Little Richard, Withney Houston, Beyoncé Knowles e muitos tantos outros tiveram sua carreira musical iniciada em igrejas. Sem dúvida alguma, o país que apresenta o maior número de representantes do segmento com a maior variedade de estilos e indiscutível supremacia na qualidade musical e técnica são os Estados Unidos. Um país de maioria cristã, berço de diversos movimentos que moldaram a musicalidade do planeta, uma nação onde o evangelho determinou as leis e a constituição, com recursos de sobra, conhecimento idem e tradição também. Ufa! Os americanos são muito melhores? Às vezes! KKKKK. 786

A narrativa comenta ainda que O Brasil, guardando a proporcionalidade, vem ganhando muito espaço neste segmento e, cada vez mais, surgem bandas, intérpretes e projetos de impressionante qualidade. Já não estamos mais engatinhando... Estamos, vamos dizer, trocando de voz... Entramos na adolescência musical, no sentido mais amplo no que tange a influência da música em nosso cotidiano. 787

O autor da apresentação, sem identificação no site, apresenta o Brasil em processo de troca de voz em relação aos Estados Unidos, que são adultos musicalmente (indiscutível supremacia, berço de diversos movimentos; nação onde o evangelho determinou as leis e a constituição; recursos de sobra, conhecimento idem e tradição também), mostrando a admiração pelo país e de modo relacionado, ao idioma inglês, adotado na veiculação de programas da Bola Radio. 784

Bola Radio Extreme. Disponível em: . Acesso em: 25 jan. 2010. Bola Radio Extreme. Disponível em:. Acesso em: 20 jun. 2012. 786 Apresentação. Bola Radio Extreme. Disponível em:. Acesso em: 20 nov. 2009 e 12 jun. 2012. 787 Apresentação. Bola Radio Extreme. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2009 e 12 jun. 2012. 785

237

A predileção por preletores/as estadunidenses também pode ser percebida no cartaz de divulgação de evento que contou com a presença de Randy Clark e mais de 80 americanos (figura 86):

Figura 86: Randy Clark na BDNSP788

Mas   a   BDN   não   pensa   apenas   em   “trazer”   os   Estados   Unidos   ao   Brasil,   mas   em   alargar estacas a este país – e ao mundo. Na descrição da rádio no portal da BDN destaca-se ainda que  a  mesma  “está disponível para todo planeta através da Internet e há um grande número de acessos  no  exterior”.789 A programação da Bola Extreme apresenta, por exemplo, o Classic Hits, com sucessos gospel dos anos 50 a 90, o Moonlight,  “programação mais light desacelerando o ritmo, afinal é hora de relaxar ao som da Bola Radio”,  o Live in Concert,  com   “uma   hora  de   show ao vivo sem intervalo,   sempre   com   um   artista   diferente”,   o Uiê Now, de reggae, “com   apresentação de Bruno Zion e a  galera  da  banda  Reobote  Zion”,  o 7 in a row, com“sete  sons  sem  intervalo”  e  o   Extreme top 10, com   “os 10 sons mais irados da Bola Radio no   seu   final   de   tarde”. Há também o Stand up (provavelmente inspirado na canção Get up, stand up de Bob Marley), o Talk About, o Brainstorm e o Talk News, que mesclam som e informação, o Bola Hour, no qual  “Ligia  Toledo  apresenta  um  especial  contando  tudo  sobre  os  maiores  nomes  da  música”,  

788

Este cartaz encontrava-se afixado nas unidades da BDN e sua reprodução me foi encaminhada por fiel da igreja. Randy Clark é conhecido por ter conduzido o avivamento de Toronto, em evento organizado pela Vineyard local. Neste, diversas pessoas manifestaram unções como a dos animais (a mais conhecida é a unção do leão, referida anteriormente no vídeo de Valadão), do riso e do choro. Clark é persona grata da Batista da Lagoinha (da família Valadão) e também da BDN. Como vemos no cartaz (enviado por uma fiel ao meu email), Clark oferece curas e milagres, além de dons menos comuns, como ativação profética, liberação de destinos e transferência de unção. 789 Ministério Bola Radio. Disponível em: < http://www.boladeneve.com/ministerios/bola-radio>. Acesso em: 12 jun. 2012.

238

as novas tendências gospel no After Hours e o Aperte o Play, programa de black music apresentado pelo DJ Fjay, do Ao Cubo, vinculado à BDN. 790 A utilização do inglês pela BDN serve como dispositivo que performatiza o discurso desta agência, dotando-o de eficácia, e como forma de atender a uma demanda de parte de seu público, acostumado a uma profusão de produtos e mercadorias representadas por este idioma. O anglicismo faz parte de um conjunto de estratégias bem articuladas do marketing de guerra santa   da   BDN,   que   procura   adaptar   sua   “identidade”   e   discurso   religiosos   ao   cotidiano   de   frequentadores e fiéis em potencial. Mas cabe perguntar: o que é a Bola Radio e qual o contexto ao qual ela se conecta?

A radiodifusão evangélica A relação da radiodifusão com os/as evangélicos/as, especialmente com o pentecostalismo brasileiro, se iniciou segundo Campos nos anos 1950, como parte das estratégias de divulgação de cruzadas proselitistas empreendidas por missionários estadunidenses. Tais cruzadas deram origem à IEQ, dentre outras, e eram midiatizadas através da rádio, que divulgava (supostas) curas divinas e apoiava concentrações realizadas em tendas de lonas. Manoel de Melo, ex-diácono da AD, integrou em 1954 a Cruzada Nacional de Evangelização, iniciando um programa na Rádio América, depois transmitido pela Rádio Tupi, chamado A Voz do Brasil para Cristo, que daria início à Igreja Evangélica Pentecostal O Brasil para Cristo, fundada em 1956 pelo mesmo. As pregações   de   Melo   “provocavam   uma   interação   espiritual entre o locutor e o ouvinte, capaz até de resultar em cura divina e milagres por intermédio do rádio, o que aliás era comum entre os adeptos da cura divina nos Estados Unidos”.791 O sucesso deste programa estaria nestas supostas curas espirituais efetuadas através das ondas radiofônicas. Mariano nota que “por   sectarismo   ou   por   considerá-lo mundano  e  diabólico  até  a  década  de  50”  o  rádio  “não  era  usado  pela  Assembléia  de  Deus,  e  a  

790

Percebe-se que a programação é semelhante a de rádios seculares, com   “música   na   maior   parte   da   grade,   entrevistas,   debates,   jornalismo   (menor   parte),   quiz   e   distribuição   de   brindes   aos   ouvintes”   (CUNHA, 2007, p. 144), demonstrando as bricolagens que a cultura gospel faz com as mídias do mundo. 791 CAMPOS 1997, p. 271.

239

Congregação Cristã ainda hoje continua a não fazer uso de qualquer meio de comunicação de massa,  nem  mesmo  de  revistas,  jornais,  folhetos  e  literatura”.792 A partir do final da década de 1970, com a programação radiofônica da IPDA, fundada em 1961 por Davi Martins de Miranda, deu-se a potencialização do uso do rádio para evangelismo/proselitismo. Tal agência religiosa dizia transmitir 581 horas diárias de programação radiofônica através das cerca de vinte emissoras de propriedade do próprio grupo e por centenas de outras emissoras com horários pagos, em todo o Brasil e na América Latina. O estadunidense Oral Roberts teria sido um dos primeiros pregadores a utilizar o recurso de pedir aos/às fiéis que colocassem água, fotografias e roupas na frente dos aparelhos para abençoar os/as donos/as destes objetos. Este ritual foi seguido posteriormente por Melo. Líderes religiosos como Alziro Zarur, fundador da LBV, também pediam que os/as ouvintes colocassem copos de água na frente dos rádios para serem fluidificados e transformados em canais de cura.793 Atualmente, esta prática é apropriada por programas televisivos de agências religiosas como a IURD, onde os telepastores solicitam aos/às crentes que assistam ao programa  com  o  copo  d’água  em  cima  do  aparelho.  Ainda  que  tal  prática  possa  ser  ressonância   de costumes de pregadores como Roberts, Melo e Zarur, ressalto que nas reuniões do espiritismo kardecista, introjetado no Brasil há muitas décadas, é comum fluidificar a água antes dela ser bebida pelos/as religiosos/as, o que pode indiciar a reverberação deste costume nas práticas da IURD, acostumada a apropriar-se de elementos de outras expressões religiosas, especialmente as de matriz afro, ressignificando os mesmos, com o objetivo de atrair adeptos/as das agências concorrentes, acostumados a determinados ritos. Em radiodifusoras como a Sara Nossa Terra FM, os espaços são vendidos a outras agências, fazendo com que se propaguem modos diferentes de enunciação e diferenças discursivas de uma igreja para a outra, o que amplia as opções que o/a ouvinte tem em relação aos programas evangélicos. A programação das rádios gospel possui, como estratégia em comum, o oferecimento de bens e serviços associados à benção de Deus, apontando o rádio como símbolo objetal autorizado 794 e   sacralizado.   Daí   a   profusão   de   jargões   como   “adquira   esta mercadoria e aproxime-se   de   Deus”,   em que o divino é apresentado como espécie de “patrocinador  do  programa”, sinalizando para a sacralização do consumo.

792

MARIANO, 1995, p. 30. CAMPOS, 1997, p. 271. 794 Expressão de Bourdieu. 793

240

A partir de sua fundação em fins dos anos 1970, a IURD começou a utilizar-se da radiodifusão para estimular a ida de fiéis aos cultos. Atualmente, agências como IURD, IMPD, IIGD e AVEC tem se valido da teledifusão como maior plataforma midiatizadora, ainda que a radiodifusão e a mídia impressa continuem importantes. A internet é outro espaço de divulgação destas, mas não tem ainda a relevância destas outras mídias – o que destoa de agências como a BDN que tem no ciber seu maior difusor de produtos e mercadorias religiosas. A BDN também tem sua rádio: mas ela é online.

(Des)conectando a Bola Radio A maior parte dos/as fiéis da BDN, familiarizada com notes e blackberries, iPhones, iPads, iPods, aplicativo Play Store e sistema Android, não está acostumada com radinhos de pilha. Entretanto, uma programação radiofônica oferecida pela igreja, e com a escuta possibilitada por tais dispositivos, é considerada uma benção. Como o Apê Rina divulgou em seu perfil público do FB, “eu   ouço   no Ipad, e você? Ouça a Bola Rádio onde você estiver, e com qualidade de som TOP! (figura 87).” Através desta mensagem no FB o Apê procura angariar a simpatia dos/as fiéis audientes-internautas e espetaculariza/divulga a sua imagem, a da agência e a da rádio. A postagem explica que é possível baixar gratuitamente aplicativos (apps) da rádio para Windows Phone e outros dispositivos móveis através da página mobile do navegador, da Play Store e da App Store, e como vemos no anúncio postado no mesmo perfil, para os aparelhos que usam o sistema Android, a partir das versões Worship e Extreme (figura 88).

241

Figuras 87 e 88: Bola Radio no perfil do Apê Rina do FB795

Worship e Extreme são nomes de dois canais da Bola Radio. Além da Bola Radio Worship e da Bola Radio Extreme, há atualmente a Bola Radio Español796 (figura 90), denotando o esforço da agência em alcançar o mercado externo. A entrada do site da Bola Radio (versão até 2010) identifica um fundo marrom escuro, quase negro, destacando três ícones: à esquerda, uma águia estilizada com o logo Extreme, ao centro, a logomarca da Bola Radio e à direita, uma pomba estilizada acompanhada da palavra Worship. As duas aves, bem como as logomarcas, estão em tons predominantemente marrons, combinando com a estética do site e trazendo representações num determinado imaginário em que a pomba é associada à paz e a águia à ousadia e ao rasgar dos céus. A pomba é o simbolo 795

Ap Rina Oficial. Disponível em: https://www.facebook.com/Ap.RinaOficial. Acesso em: 20 jun 2013. A versão em espanhol da Bola Radio traz algumas peculiaridades em relação aos canais Worship e Extreme. De acordo com os destaques da página de abertura, propõe-se   em   veicular   “lo   mejor   de   la   musica   latina”,   oferecer     “todos   los   estilos   en   una   sola  radio”   e   possibilitar   que   se   “conozca   la   pagina   web   de   bola   de   nieve”.   Existe  uma  seção  de  canções  “Top  10”,  tendo  entre  os  artistas,  Christafari,  Marcela  Gandara,  Coalo Zamorano, Jesus Adrian Romero, Alex Campos, Pescao Vivo, Tercer Cielo, Implosion, Remidi2 e Pablo Olivares. Há uma seção de notícias gerais, inclusive políticas, uma com agenda de eventos, outra com fotos de artistas gospel latinos, links para que o/a fiel-audiente solicite sua canção, entre no chat, coloque postagens no mural, e entre em contato com a BDN. Dentre as mensagens inseridas no mural, encontram-se principalmente agradecimento pela existência de uma rádio evangélica. Há, como se percebe, mais formas de estabelecimento de contato com a igreja que em relação aos outros dois canais. O site oferece links para a Bola TV e demais canais da Bola Radio e refere as filiais fora do Brasil, como a de Arequipa, no Peru, com cultos em vários dias da semana, na Calle Universidad; a de Ciudad del Este, no Paraguai, com reuniões aos sábados à tarde no Centro Hotel, e a de Buenos Aires, na Argentina,com cultos nas noites de sábado no Hotel Liberty. Na parte de baixo do site, destaca-se   o   verso   “pero   Dios escogió   lo   insensato   del   mundo   para   avergonzar   a   los   poderosos”,   de   1   Coríntios 1:27, cuja versão em português é recorrente em panfletos de evangelização da BDN brasileira, que procura relacionar sua identidade religiosa aparentemente flexível e alternativa aos desígnios divinos. 796

242

escolhido para apresentar a Worship (ou

adoração) e a águia, a Extreme, que tem

programação mais extrema, veiculando gêneros associados às “novas gerações”, como o hardcore, o reggae, o rap, dentre outros. Provavelmente as aves sejam apropriadas pela Radio por serem referidas pela Bíblia em diversos trechos (figura 89).

Figuras 89 e 90: Bola Radio 2010,797 Bola Radio 2012798

Possivelmente também – tais canais sejam constituídos através de análise de mercado que identifica demandas do público segmentado, adaptando o produto e o ativando – colocando à disposição do/a consumidor/a. A avaliação ou interpretação dos resultados é possibilitada a partir do feedback dos/as ouvintes, com quem se pode interagir através do espaço Fale Conosco do site e durante as reuniões promovidas pela BDN. Como os nomes dos canais e as representações das aves indicam, a programação de ambos diverge em termos poéticomusicais. Na Worship as canções revestem-se mais de um gospel pop, sendo em maioria de artistas nacionais e na Extreme, circulam do heavy metal ao reggae, passando pelo rap e outros, tocando canções de artista nacionais e estrangeiros/as.

Bola Radio Worship

Figura 91: Bola Radio Worship799 797

Bola Radio. Disponível em: . Acesso em: 25 jan. 2010. Bola Radio. Disponível em: . Acesso em: 20 jun. 2012. Nesta versão é agregado o canal Español. 798

243

Ao acessar a versão de 2010 da Bola Radio Worship (BRW), observa-se uma paisagem bucólica e tranquila, com um campo com árvores de um lado, uma praia do outro e sem a presença de pessoas. Enquanto a proposta da Extreme é   a   de   apresentar   canções   “dignas de serem   chamadas   de   sonzera”, sendo   “lugar   extremo   onde   a   psicodelia   anda   de   mãos   dadas   com  a  ternura,  mas  sem  frescura”,  a  Worship preza  por  “muito  louvor,  adoração  ininterrupta, ministrações, testemunhos, interatividade e oração na presença  de  Deus  sem  parar”.  Escutando as duas rádios, pareceu-me que o linguajar da Extreme é mais coloquial e tem maior uso de gírias, indiciando que o público desta seja mais identificado pelos/as programadores/as como jovem e alternativo. O site estimula, dentre outras coisas, a adesão de fiéis em serviços voluntários na agência, através da inclusão em ministérios como o Atacar e o dos/as Atalaias. Há nos dois sítios a possibilidade de fazer downloads de canções e acompanhar anúncios de festivais, conferências e congressos que veiculam a santíssima trindade do neopentecostalismo da BDN: prosperidade, domínio e batalha – acompanhadas de perto pela cura e libertação. Há também promoções para se ganhar prêmios como viagens, CDs e DVDs, apontando para uma estratégia que visa estimular consumo, simpatia pela rádio e adesão à BDN. Extreme e Worship possuem canais de divulgação no YouTube que possibilitam que o/a audiente-internauta escute pregações, entrevistas e canções através deste site de compartilhamento de vídeos.800 Dentre os exemplos estão as pregações do pastor Catalau, da BDN Boiçucanga, e entrevistas como a realizada ao vivo com a pastora Denise na Expo Cristã 2012 por ocasião do lançamento do CD/DVD Face a Face (figuras 92 e 93).

799

Bola Radio Worship. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2009. Canal da Bola Radio Worship no YouTube. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2012. Canal da Bola Radio Extreme no YouTube. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2012. No site da Bola Radio No caso da Bola Radio também há seções como a de fotos e a de vídeos que apresentam entrevistas e clipes com artistas nacionais e internacionais e promovem os eventos realizados pela BDN, especialmente da BDNSP. 800

244

Figuras 92 e 93: Pregação de Catalau,801 entrevista com Denise na BRW802

Bola Radio Extreme

Figura 94: Bola Radio Extreme803

Ao acessar a Bola Extreme (figura 94), o/a fiel-ouvinte observa uma home que retrata jovens com aparência alternativa em relação ao meio evangélico tradicional. Há um espaço para o/a visitante se cadastrar e receber notícias da rádio vinculadas às da agência, e links que levam a páginas como a da Bola Music e a da Bola TV. Na versão analisada em 2012, identifica-se 801

Pregação de Catalau. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2013. 802 Entrevista com Denise. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2013. 803 Bola Radio Extreme. Disponível em: . Acesso em: 25 nov. 2009.

245

um novo design para o layout da Bola Radio Extreme, em que se destaca a figura em branco e preto com os dizeres Todo mundo ouve, reforçando sentidos de unidade e pertença desejáveis para a continuidade da agência no mercado.

Figuras 95 e 96: BRE,804 todo mundo ouve805

O uso da coloquialidade do discurso é percebido no trecho: Se você gosta de músicas  dignas  de  serem  chamadas  de  “sonzera”, não existe lugar melhor para estar. Este é o lugar extremo onde a psicodelia anda de mãos dadas com a ternura, mas sem frescura. É também o extremo onde o som, apesar de pesado e alternativo, não vai te fazer querer subir a Rua Augusta a 120 por hora... Mesmo porque, ainda que quisesse não conseguiria. Aqui, a coisa é bem louca de verdade, mas sem maldade. Nós não temos compromisso com gravadoras, nem rabo preso com artistas, aqui só entra jabá dentro de marmita, enfim, nosso compromisso é com o conteúdo. Outra coisa, 100% da nossa programação é constituída por cristãos que fazem da música sua vida. Para resumir, sendo muito louco o som, a gente toca.

Entretanto, ainda que o/a autor/a comente que a rádio não tem compromisso com gravadoras, a Bola Music, gravadora/distribuidora oficial da BDN, que possui um selo interno, o Altern 8, tem suas propagandas impressas nas três plataformas da rádio. A Bola Radio, tal como as rádios seculares e suas concorrentes evangélicas, divulgam mercadorias de patrocinadores/as, gravadoras e editoras, confecções de tendências de moda evangélica e eventos. Para Cunha, a propaganda deve ser abrangente para satisfazer ao que as 804

Bola Radio Extreme. Disponível em:. Acesso em: 20 jun. 2012. Todo mundo ouve. Detalhe da Bola Radio Extreme. Disponível em:. Acesso em: 20 jun. 2012. Um dos slogans anteriores da rádio era você é o que você ouve. 805

246

igrejas   têm   em   comum,   com   assuntos   destacados   no   cenário   evangélico   “como   prática   pastoral feminina, ecumenismo, participação política, homossexualismo, relação igrejasEstado”,  e  muitos  assuntos  são  solicitados  “diretamente  por  ouvintes  ou  apontados  por  meio   de pesquisas nas igrejas ou entre a audiência”.806 A coloquialidade é percebida na seção Crônicas (constante nos três canais), que apresenta postagens de colaboradores/as da rádio, como Ligia Toledo. Em algumas postagens a autora falou sobre a internet: Agora é cada um no seu quadrado, cada um com seus problemas. E os relacionamentos “ao vivo e em cores” são cada vez mais esquisitos, mais desajustados,

mais

sem

graça,

para

alguns,

não

para

mim.

Pense sobre isso, reflita mesmo: Será que vale a pena ser alguém pela internet, ter uma identidade,  mas  não  ser  ninguém  na  “sociedade  tangível”  (04/05/2010)?

E ainda: Estava pensando que com esse mundo globalizado, onde a internet: e-mail, MSN, twitter, facebook, blogs, podem fazer com que qualquer informação dita por qualquer um, seja transmitida e propagada em uma velocidade desenfreada, podendo ser muito útil, mas também muito perigoso. Quando representamos uma empresa, uma instituição, um grupo ou até mesmo uma igreja, temos que deixar o nosso  “eu” de lado e muitas vezes pensar antes de falar, para que a sua opinião não seja propagada e entendida como sendo a da família inteira, a da sua empresa, a do seu grupo de amigos. Conversando com meu marido sobre isso, ele me lembrou da passagem bíblica que está em Thiago 1:19, que diz: “Portanto, meus amados irmãos, todo o homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar.” Tardio para falar, para propagar, para espalhar. Muitas vezes em minha vida já recebi e-mails mal educados, provocativos e até mesmo julgando meu trabalho ou a instituição da qual eu faço/fazia parte. Sabe o que eu fiz? Respirei fundo, elaborei toda a resposta a altura daquela mensagem amigável e fui almoçar, voltei bem melhor, mais tranquila. E lembrando dessa palavra de Tiago, respondi da maneira mais amável e doce que consegui. Pude perceber que a doçura de uma resposta quebra um coração de pedra. Aprendi que tenho que pensar antes do enter, antes de falar ou digitar algo de quem quer que seja, não sou Deus e não estou aqui para julgar e condenar ninguém! (13/05/2010).

806

CUNHA, 2007, p. 161.

247

Provavelmente tais postagens procurem responder inquietações do público relacionadas às relações virtuais, bem como críticas recebidas por fazerem parte da BDN, demonstrando a atenção e atendimento da agência a algumas das necessidades dos/as fiéis. Se para Hugo Assman o objetivo dos programas apresentados nas rádios e teledifusoras é o de converter e divulgar a instituição evangélica, 807 para Cunha estes recursos são majoritariamente dirigidos ao público já vinculado a uma igreja. 808 No caso da BDN, como na maioria dos demais, há os dois movimentos, um de estímulo à adesão e outro de permanência do/a fiel. Por atender a um nicho mercadológico, o planejamento estratégico deve levar em conta fatores como classe social, geração e costumes: o público “jovem”, de classe econômica média alta e aderente ao ciber demanda uma igreja online+offline, com produtos e mercadorias que coincidam com seu poder de compra e interesses. A radiodifusão gospel online insere-se num contexto em que o/a fiel-internauta pode, com um toque no mouse, selecionar outra rádio – gospel ou secular – disponível em seu dial, e as agências-cibernautas devem oferecer alternativas que flanqueiem as concorrentes, combatendo pela preferência e potência de consumo de fiéis. A BDN aponta para dois fenômenos, o de uma igreja na internet, inserida num contexto de utilização cada vez mais ampla do ciberespaço pelas agências, e o de uma igreja da internet, em que o espaço físico é substituído pelo virtual, oferecendo ao/à fiel do (no) ciberespaço uma gama de serviços, produtos e mercadorias sem que este/a saia “fisicamente”  de casa. Estariam as demais agências destinadas a estas duas tendências? Desconectando a Bola Radio, ou tirando a mesma de sintonia, convido o/a leitor/a a seguir para brevíssimas  considerações  “finais”.

807 808

ASSMAN, 1986, passim. CUNHA, 2007.

248

249

C

onsiderações inconclusivas

A

pesar do slogan todo mundo ouve, as canções da Bola Radio nunca compuseram meu cardápio musical. Mas me fazem recordar da trilha sonora de um filme que fez parte da minha biografia: Jesus Cristo Superstar. 809

Lembro-me de ter assistido o filme pela primeira vez na casa de meus avôs quando eu tinha uns nove anos e me impressionado com as canções de rock pesado que narravam as (des/a)venturas de Jesus. Muitas cenas marcaram minha memória, tanto pela força do discurso como pela interpretação vocal dos/as cantores/as. Uma destas era The temple (o templo): um Jesus indignado atravessava a vizinhança do Templo de Jerusalém em meio a mercadores de lisérgicos e prostitutas, derrubava mesas e prateleiras, expulsava comerciantes e vociferava sob   o  olhar   atentos   dos   sacerdotes:   “meu   templo   deveria   ser   uma   casa   de   oração   mas   vocês   tem feito dele um covil  de  ladrões.”810 Certamente, uma igreja que se vale de estratégias de marketing para atrair e manter fiéis não deve ser entendida necessariamente como covil de ladrões ou de mercadores/as. Mas esta cena e trecho bíblico despertaram em mim o desejo de conhecer algumas das (im)possíveis relações entre mercado, espetáculo e fé (e mercado/espetáculo da fé), inquietação que procurei, ainda que superficialmente, responder através deste livro. Não pretendo trazer nada de novo nesta parte do texto – mesmo porque algumas  “conclusões”   foram sendo feitas no decorrer dos capítulos. É importante destacar, contudo, que tanto as 809

Em 1970 Andrew Lloyd Weber criou a música e Tim Rice as letras da ópera rock Jesus Cristo Superstar. Em 12 de outubro deste ano a peça estreiou na St. Peter's Lutheran Church, em Nova York. Em razão de seu tema polêmico, os sete últimos dias da vida de Jesus vistos através da ótica de Judas Iscariotes, houve uma resistência por parte dos/as produtores/as musicais da época em levar a ópera aos palcos dos teatros, o que levou Weber e Rice a investirem na produção de um disco de vinil (o Concept Album), que tinha como destaque Ian Gillan, vocalista do Deep Purple, no papel de Jesus Cristo. No ano seguinte, em razão do sucesso alcançado pelo álbum nos Estados Unidos, produtores da Broadway levaram o musical aos palcos. Outro disco foi lançado, o Original Broadway Cast, desta vez com Jeff Fenholt interpretando Jesus. Os álbuns e apresentações na Broadway foram tão exitosos que inspiraram a realização de um filme com o mesmo nome, dirigido por Norman Jewison e lançado em 1973. Nesta versão Ted Neeley toma a voz de Jesus enquanto Carl Anderson e Ivonne Ellyman interpretam Judas Iscariotes e Maria Madalena. Jesus Cristo Superstar integra uma série de rock operas, assim como Hair (1967), Godspell (1970), Tommy e Quadrophenia, do conjunto The Who (1969 e 1973), The Wall, do Pink Floyd, dentre outras. 810 The temple. Disponível em:. Acesso em: 18 jan. 2010.

250

estratégias de marketing de guerra santa da BDN, como a própria igreja e nós mesmos/as, estamos em constante derretimento e reelaboração identitária. Como argumentei na introdução deste trabalho, esta é uma escrita experimental no (do) presente, marcada pela subjetividade. Ensaiar minhas negociações entre o que eu entendia como consentido e/ou marginal em relação às práticas eclesiásticas da BDN atravessou esta redação. Participei da escrita da história da BDN como testemunha e ator, tendo a oportunidade de conhecer de perto seus discursos, práticas, estratégias, mercadorias e cotidiano – e agora participo da história da mesma como redator, ainda que (cons)ciente da provisoriedade e precariedade destes escritos. Além desta escrita marcada pela vivência, algumas/ns autoras/es foram importantes na análise e interpretação de fontes e das estratégias de midiatização da BDN, como Campos e Cunha, cujos escritos atravessaram todas as partes deste trabalho, além daqueles/as que me fizeram (re)pensar e rasurar minhas próprias concepções e deixá-las em suspensão/suspeição, como Haraway e Bhabha. Este livro não se pretende conclusivo ou definitivo – outras observações poderão provocar deslizamentos em direção a novos fiordes de conhecimento. Desejo que este exercício de inspiração etnográfica on+offline, bem como algumas das ideias aqui contidas, possam auxiliar na fermentação de novos diálogos – e que estes venham tal qual uma avalanche.

251

R

eferências

Referências bibliográficas AGIER, Michel. Distúrbios identitários em tempos de globalização. Mana, Rio de Janeiro, v.7, n.2, pp. 7-33, 2001. ALENCAR, Gedeon Freire de. Pentecostalismo Hitech: uma janela aberta, algumas portas fechadas. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque (org.). Religiões e Religiosidades no Tempo Presente 1. História Agora, São Paulo, v. 1, n.9, pp. 428-453, 2010. __________. Protestantismo tupiniquim: hipóteses da (não) contribuição evangélica à cultura brasileira. São Paulo: Arte Editorial, 2005. ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática Metódica da Língua Portuguesa. São Paulo: Saraiva, 2005. ANTONIAZZI, Alberto. Por que o panorama religioso no Brasil mudou tanto? Horizonte - PUC-SP, Belo Horizonte, v. 3, n. 5, pp. 13-39, 2004. APGAUA, Renata. A dádiva Universal. Reflexões em um debate ficcional. Orientação de Léa Freitas Perez. Dissertação de mestrado em Sociologia apresentada à UFMG, Belo Horizonte, 1999. ARAÚJO, Marcio Bérgamo. Neotribalismo e novos movimentos religiosos: estudo de caso da práxis da igreja Bola de Neve Church. Orientação de Geoval Jacinto da Silva. Dissertação de mestrado em Ciências da Religião apresentada à UMESP, São Bernardo do Campo, 2006. ASSMAN, Hugo. A Igreja eletrônica e seu impacto na América Latina. Petrópolis/São Paulo: Vozes, WACC, 1986. BAGGIOLINI, Luis. Desterritorialización y globalización: la constitución de las nuevas redes virtuales. III JORNADAS NACIONALES DE INVESTIGADORES EM COMUNICACIÓN, Mendoza, Argentina. Anais das III Jornadas Nacionales de Investigadores en Comunicación, 1997. Mendoza, 1997. BAGGIO, Sandro. Música cristã contemporânea. São Paulo: Vida, 2005. BARNA, George; VIOLA, Frank. Cristianismo pagão. A origem das práticas de nossa Igreja Moderna. EUA: Present Testimony Ministry, 2005. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. __________. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas - v.1. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987. BERGER, Peter Ludwig. O Dossel Sagrado: Elementos para uma Teoria Sociológica da Religião. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1985. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Cia das Letras, 1986. BERNSTEIN, Serge; MILZA, Pierre. Conclusão. In: CHAUVEAU, Agnes; TÉTART, Philippe (Orgs). Questões para a história do presente. Bauru/SP: EDUSC, 1999. BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. __________. The Third Space: interview with Homi Bhabha. In: Identity: Community, Culture, Difference. London: Lawrence and Wishart, pp. 207 – 21, 1990. BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2004.

252

BITTENCOURT Fº, José. Remédio amargo. In: ANTONIAZZI, Alberto et al. Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis, Vozes, 1994. BITUN, Ricardo. A  “remasterização”  do  movimento  pentecostal. Ciberteologia, v. 23, pp. 19-31, 2009. BOGO, Kellen Cristina. A história da Internet - como tudo começou. . Acesso em: 20 jul. 2012.

Disponível

em:

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas (o que falar quer dizer). São Paulo: EDUSP, 1996. __________. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1992. __________. Genèse et structure du champ religieux. Revue Française de Sociologie, XII, pp. 295-334, 1971. BUTLER, Judith. The Psychic Life of Power. Stanford: Stanford Univ. Press, 1997. __________. Vida Precária. Contemporânea, 1, pp. 13-33, 2011. BRASIL, Marcus Ramúsyo de Almeida. Reggae, Religião, Mídia e Política: dos  “Outsiders”  ao  “Inner  Circle”.  In:   5º. ENCONTRO DE MÚSICA E MÍDIA: E(ST)ÉTICAS DO SOM, 2009, São Paulo. Anais do Encontro de Música e Mídia: E(st)éticas do Som. São Paulo: 2009. BRONSZTEIN, Karla Regina Macena Pereira Patriota.   Ensinando   sobre   o   “Amor   Inteligente”:   Memória   discursiva e religiosidade silenciada em The Love School da Igreja Universal do Reino de Deus. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque (org.). Gênero e religião. História Agora, v. 2, n. 14, pp. 282-299, 2012a. __________; COVALESKI, Rogério L. Religious branded content. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque, USARSKI, Frank (orgs.). Marketing Religioso. REVER-PUC-SP, v. 12, n. 2, pp. 81-99, 2012b. CAMPOS, Leonildo Silveira. Bíblias no Mercado. O poder dos consumidores e a competição entre os editores. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque, USARSKI, Frank (orgs.). Marketing Religioso. REVERPUC-SP, v. 12, n. 2, pp. 35-61, 2012. __________, COBRA, Marcos Henrique Nogueira e COSTA, Esdras Borges. Hóstias Edir contêm mais Deus – marketing e religião. RAE Light/EAESP, São Paulo, FGV, pp. 5-11, 1996. __________. Os mapas, atores e números da diversidade religiosa cristã brasileira: católicos e evangélicos entre 1940 e 2007. REVER-PUC-SP, 2008. __________. Pentecostalismo: entre o desprezo e a recuperação do corpo. Tempo e presença. Rio de Janeiro, ed. 296, ano 19, pp. 14-16, 1997. __________. Teatro, templo e mercado: organização e marketing de um estabelecimento neopentecostal. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. CAMURÇA, Marcelo A. A sociologia da religião de Danièle Hervieu-Léger: entre a memória e a emoção. In: TEIXEIRA, Faustino. Sociologia da religião: enfoques teóricos. Petrópolis: Vozes, 2003. CANCLINI, Néstor Garcia. Comunicacion y consumo en tiempos neoconservadores. Estudios venezolanos de comunicacion. Caracas, n. 81, pp. 3-11, 1993. __________. Leitores, espectadores e internautas. São Paulo: Iluminuras, 2008. CARDOSO, Gustavo. Contributos para uma sociologia do ciberespaço. Revista Sociologia, Problemas e Práticas, n.º 25, pp. 51-80, Lisboa: CIES, 1998. CARDOSO, Rodrigo; LOES, João. O homem que multiplica fiéis. Istoé, São Paulo, n. 2151, 28 jan. 2011. CASTRO, Ana Lúcia de. Culto ao corpo e sociedade. Mídia, estilos de vida e cultura de consumo. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2007. CESAR, Claiton; STEFANO, Marcos. A nova cara do Evangelho. Revista Eclésia, edição 114. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2009. CHAUÍ, Marilena. Brasil. Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. CHAUVEAU, Agnes; TÉTART, Philippe. Questões para a história do presente. In: CHAUVEAU, Agnes; TÉTART, Philippe (Orgs). Questões para a história do presente. Bauru/SP: EDUSC, 1999. CODO, Wanderley; SENNE, Wilson A. O que é corpo (latria). São Paulo: Brasiliense, 2004.

253

COHN, Gabriel. As Diferenças Finas: de Simmel a Luhmann. Revista Brasileira de Ciências Sociais, volume 13, número 38, 1998. COSTA, Márcia Regina da. Os carecas de Cristo e as tribos urbanas do underground evangélico. In: BLASS, Leila Maria da Silva; PAIS, José Machado. Tribos urbanas: produção artística e identidades. São Paulo: CAPES/Annablume, 2004. CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel. Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X, Instituto Mysterium, 2007. __________. Casos de família: um olhar sobre o contexto da disputa IURD x IMPD nas mídias. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque, USARSKI, Frank. (orgs.). Marketing Religioso. REVER-PUC-SP, v. 12, n. 2, pp. 101-110, 2012. __________. Mídia religiosa e mercado: o fenômeno da ressignificação de signos do Antigo Testamento pelos evangélicos brasileiros. In: V CONGRESSO INTERNACIONAL EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO, 2011, Goiânia. Anais do V Congresso Internacional em Ciências da Religião. Goiânia: PUC-GO, GT   “Midia, espetáculo e marketing  religioso”  (coordenação de Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho e Eduardo Guilherme de Moura Paegle), pp. 1-14, 2011. __________. Vinho novo em odres velhos. Um olhar comunicacional sobre a explosão gospel no cenário religioso evangélico. Orientação de Luiz Roberto Alves. Tese de doutorado em Ciências da Comunicação apresentada à USP, São Paulo, 2004. DAMIANI, Iara Regina. Das imagens e linguagens de Cristo surgem as grandes ondas:  a  “arrebentação”  midiática   evangélica. In: V CONGRESSO INTERNACIONAL EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO, Goiânia, 2011. Anais do V Congresso Internacional em Ciências da Religião. Goiânia: PUC-GO, pp. 1-18, 2011. __________. O movimento religioso dos surfistas evangélicos de Florianópolis. Motrivivência, Florianópolis, ano XXI, n. 32/33, pp. 296-331, 2009. DANTAS, Bruna Suruagy do Amaral. Sexualidade e neopentecostalismo: representações de jovens da igreja evangélica Bola de Neve. Orientação de Salvador Sandoval. Dissertação em Psicologia Social apresentada à PUC, São Paulo, 2006. DÈBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Nova Iorque: Zone Books, 1995. DE CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. DICIONÁRIO GROVE DE MÚSICA. Edição concisa. Editado por Stanley Sadie. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. DOLABELA, Fernando. O segredo de Luísa. Uma ideia, uma paixão e um plano de negócios: como nasce o empreendedor e se cria uma empresa. São Paulo: Cultura, 1999. DOLGHIE, Jacqueline Ziroldo. A Renascer em Cristo e a consolidação do mercado de música gospel no Brasil: uma análise das estratégias de marketing. Ciencias Sociales y Religión, Porto Alegre, v. 6, n. 6, pp. 201-220, 2004. __________. O novo modelo sacerdotal do mercado. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque, USARSKI, Frank (orgs.). Marketing Religioso. REVER-PUC-SP, v. 12, n. 2, pp. 63-79, 2012. DURHAM, Eunice. A pesquisa antropológica com populações urbanas: problemas e perspectivas. In: CARDOSO, Ruth C. L. (org.) A aventura antropológica: Teoria e pesquisa. São Paulo: Paz e Terra, 1986. DRANE, John. After McDonaldization: Mission, Ministry and Christian Discipleship in an Age of Uncertainty, London: Darton, Longman & Todd, 2008. ____________. The McDonaldization of the Church: Spirituality, Creativity, and the Future of the Church, London: Darton, Longman & Todd, 2000. DUFOUR, Dany-Robert. A arte de reduzir as cabeças. Sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2005. EINSTEIN, Mara. Brands of faith: marketing religion in a commercial age. New York: Routledge, 2008. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1992. FAVRET-SAADA, Jeanne. Ser afetado. Cadernos de Campo, São Paulo, 13, pp. 155-161, 2005.

254

FELINTO, Erick. A Religião das Máquinas: ensaios sobre o imaginário da cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2005. FERNANDES, Nelito. Carreiras salvas pela força da fé. Época on Line, 2 dez. 2002. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2009. FERRETTI, Sérgio. Conhecimento científico e conhecimento religioso nas tradições afro-brasileiras. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque (org.). (Re)conhecendo o sagrado: reflexões teóricometodológicas dos estudos de religiões e religiosidades. São Paulo: Fonte Editorial, 2013 (no prelo). FINNEGAN, Ruth. O que vem primeiro: a palavra, a música ou a performance? In: MATOS, Cláudia Neiva de; TRAVASSOS, Elizabeth; MEDEIROS, Fernanda Teixeira (orgs.). Palavra cantada: ensaios sobre poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008. FINKIELKRAUT, Alain. A humanidade perdida: ensaio sobre o século XX. São Paulo, Ática, 1998. FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1981. FREIRE, Letícia. Seguindo Bruno Latour: notas para uma antropologia simétrica. Comum, v. 11, n. 26, pp. 46-65, 2006. FRESTON, Paul. Breve história do pentecostalismo brasileiro in: ANTONIAZZI, Alberto (org.). Nem anjos nem demônios: interpretações sociológicas do pentecostalismo. Petrópolis: Vozes, pp. 67-159, 1994. FRIGERIO, Alejandro. O paradigma da escolha racional. Mercado regulado e pluralismo religioso. Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 20, n. 2, 2008. FUSCHINI, Thiago. Igreja Evangélica Bola de Neve: a construção de uma identidade religiosa. Orientação de Ronaldo Romulo Machado de Almeida. Trabalho de Conclusão de Curso de Ciências Sociais, apresentado à Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, 2004. GADDIS, John Lewis. Paisagens da História – Como os historiadores mapeiam o passado. Rio de Janeiro: Campus, 2003. GALINDO, Daniel dos Santos. O marketing da fé e a fé no marketing: a competitividade entre os evangélicos. Estudos de Religião (IMS), São Bernardo, v. 23, pp. 14-34, 2009. GIBSON, William. Neuromancer. São Paulo: Aleph, 2003. GOLDMAN, Márcio. Jeanne Favret-Saada, os Afetos, a Etnografia. Cadernos de Campo, 13 (2005): pp. 149-153. GUARESCHI, Pedrinho A. Sem dinheiro não há salvação: ancorando o bem e o mal entre os neopentecostais. Textos em representações sociais. Petrópolis, Vozes, pp. 191-223, 1995. GUERRA, Lemuel. As influências da lógica mercadológica sobre as recentes transformações na Igreja Católica. REVER-PUC-SP, v. 11, n. 2, 2011. HALL, Stuart. Quem precisa da identidade? In: SILVA, Tomaz Tadeu. (org.) Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, Vozes, 2000. HARAWAY, Donna J. Manifesto ciborgue. Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: TADEU, Tomaz. Antropologia do ciborgue. As vertigens do pós-humano (2ª edição). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. HELLAND, Christopher. Diaspora on the electronic frontier: developing virtual connections with Sacred Homelands. Journal Computer-Mediated Communication, Heidelberg, Alemanha, v. 3, pp. 956-976, 2007. __________. Online religion as lived religion: methodological issues in the study of religious participation on the internet. Online Heidelberg Journal of Religions on the Internet, 17, 2005. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2011. __________. Online-religion/religion online and virtual communitas. In: HADDEN, Jeffery; COWAN, Douglas. Religion on the internet. Research prospects and promises. pp. 205-224. New York: Jai Press, 2000. HERVIEU-LÉGER, Danièle. O peregrino e o convertido: a religião em movimento. Petrópolis: Vozes, 2008. HOOVER, Stewart. M. Religion in the media age. New York: Routledge, 2006. __________;;  ECHCHAIBI,  Nabil.  The  “third  spaces”  of  digital  religion.  In: MARANHÃO Fo, Eduardo Meinberg de Albuquerque (org.). Religiões e religiosidades no (do) ciberespaço. São Paulo: Fonte Editorial, 2013 (no prelo). HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela Memória: arquitetura, monumentos, mídia (2ª edição). Ed. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.

255

ISAIA, Artur Cesar. A hierarquia católica brasileira e o passado português. In: ISAIA, Artur Cesar; SZESZ, Christiane Marques; RIBEIRO, Ma. Manuela Tavares; BRANCATO, Sandra Ma. Lubisco e LEITE, Renato Lopes. Portugal – Brasil no século XX. Sociedade, Cultura e Ideologia. Bauru, SP: EDUSC, 2003. __________. Espiritismo: religião, ciência e modernidade. In: MANOEL, Ivan A.; ANDRADE, Solange Ramos de. Identidades Religiosas e História. Franca: Civitas, pp. 5-6, 2008. JACOB, Cesar Romero; et al. Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil. São Paulo, Loyola, 2003. JUNGBLUT, Airton Luiz. Auto-divinização maquínica: ensaio sobre o gnosticismo ciberespacial de nossos dias. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque (org.). Religiões e religiosidades no (do) ciberespaço. São Paulo: Fonte Editorial, 2013 (no prelo). __________. O Mercado Religioso. Considerações sobre as possibilidades analíticas da teoria da economia religiosa. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque, USARSKI, Frank (orgs.). Marketing Religioso. REVER-PUC-SP, v. 12, n. 2, pp. 11-22, 2012a. __________. Transformações na comunicação religiosa. Análise dos dois modelos comunicacionais operantes no Brasil atual. Civitas, v. 12, n. 3, pp. 453-468, 2012b. __________. O uso religioso da Internet no Brasil. PLURA, v. 1, pp. 202-212, 2010. KATER Fº, Antonio Miguel. O marketing aplicado à Igreja Católica (2ª edição). São Paulo: Loyola, 1996. KOTLER, Philip. Princípios do Marketing (7ª edição). Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1997. KUNZRU,  Hari.    “Você  é  um  ciborgue”.  Um  encontro  com  Donna  Haraway.  In:  TADEU,  Tomaz.   Antropologia do ciborgue. As vertigens do pós-humano (2ª edição). Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013. LARROSA, Jorge. A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida. Educação & Realidade . Dossiê Michel Foucault. Porto Alegre, v. 29, n.1, pp. 27-43, 2004. LASCH, Christopher. O mínimo EU: sobrevivência psíquica em tempos difíceis. São Paulo: Brasiliense, 1987. LATOUR, Bruno. Jamais Fomos Modernos: ensaio de antropologia simétrica. São Paulo: Editora 34, 2005. ______. Reensamblar lo social: una introducción a la teoria del actor-red. Buenos Aires: Manantial, 2008. LAUTERBORN, Robert. Especialista propõe substituição dos 4 Ps do marketing pelos 4 Cs. Meio & mensagem, São Paulo, ano XVII, n. 646, pp. 16- 30, 1995. LE GOFF, Jacques. A visão dos outros. In: CHAUVEAU, Agnes; TÉTART, Philippe (Orgs). Questões para a história do presente. Bauru/SP: EDUSC, 1999. LEMOS, Carolina Teles. Mobilidade religiosa e suas interfaces com a intimidade e a vida cotidiana. In: OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro; MORI, Geraldo de. Mobilidade religiosa: Linguagens, juventude, política. São Paulo: Paulinas, 2012. LEVI, Giovanni. O microscópio infinito. Entrevista com Giovanni Levi. Revista de História da Biblioteca Nacional, ano 4, n. 41, fev. 2009.

__________. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP, p. 133-161, 1992. LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2003.

__________. O que é o virtual. São Paulo: Ed. 34, 1996. LIBÂNIO, João Batista. Jovens em tempos de pós-modernidade: considerações socioculturais e pastorais. São Paulo: Loyola, 2004. LIMA, Cyntia; REFKALEFSKY, Eduardo. Posicionamento e marketing religioso iurdiano: uma liturgia semiimportada da umbanda. In: GOBBI, Maria Cristina; ENDO, Ana Claudia; MELO, José Marques de. Mídia e Religião na Sociedade do Espetáculo. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista, 2007. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. São Paulo: José Olympo, 1979. MACHADO, Maria das Dores Campos. Representações e relações de gênero em grupos pentecostais. Revista Estudos Feministas, v. 13, n. 2, pp. 387-396, 2005. __________; BARROS, Myriam Lins. Gênero, geração e classe: uma discussão sobre as mulheres das camadas médias e populares do Rio de Janeiro. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 17, n.2, maio/ago. 2009.

256

MAGNANI, José Guilherme Cantor. De perto e de dentro: notas para uma etnografia urbana. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, 17, 49, pp. 11-29, 2002. MALUF, Sônia Weidner. Além do templo e do texto: desafios e dilemas dos estudos de religião no Brasil. In: Antropologia em Primeira Mão, 124, pp. 5-14, 2011. __________. Les enfants Du Verseau au pays dês terreiros. Les cultures thérapeutiques et spirituelles alternatives au Sud Du Brésil. Thèse de Doctorat, Paris: Ecole des Hautes Études en Sciences Sociales, 1996. __________. Por uma antropologia do sujeito: da Pessoa aos modos de subjetivação. (mimeografado, no prelo). MALYSSE, Stéphane. Um ensaio de Antropologia Visual do Corpo ou Como pensar em imagens o corpo visto? In: LYRA, Bernadette e GARCIA, Wilson. Corpo e imagem. São Paulo: Arte e Ciência, 2002. MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque. A Bola de Neve avança, o Diabo retrocede: preparando davis para a batalha e o domínio através de um Marketing de Guerra Santa em trânsito. REVER-PUC/SP, v. 12, n. 2, pp. 123-143, 2012a. __________. A grande onda vai te pegar: mercado, mídia e espetáculo da fé na Bola de Neve Church. Orientação de Márcia Ramos de Oliveira e coorientação de Artur Cesar Isaia. Dissertação em História apresentada à UDESC, Florianópolis, 2010a. __________. A memória como desafio para a história do tempo presente: notas sobre narrativas e traumas. História Agora, São Paulo, v.1, n.9, pp. 10-31, 2010b. __________.   Anotações   sobre   a   “inclusão”   de   travestis   e   transexuais   a   partir do nome social e mudança de prenome. História Agora, São Paulo, v.1, n. 15, pp. 29-79, 2013a. __________. Anotações sobre uma História do Tempo Presente. Boletim do Tempo Presente (UFRJ), Rio de Janeiro, v. 27, pp. 1-20, 2010c. __________. Apresentando conceitos nômades: entre-gêneros, entre-mobilidades, entre-sexos, entre-orientações. História Agora, São Paulo, v.2, n. 14, pp. 17-54, 2012b. __________. Apresentando um Marketing de Guerra Santa em trânsito e rasurando conceitos. História Agora, São Paulo, v.1, n. 12, pp. 38-49, 2012c. __________. Caia Babilônia: análise de uma canção religiosa a partir do contexto, poética, música, performance e silêncio. Revista Brasileira de História das Religiões - ANPUH, ano V, n. 13, pp. 234-272, 2012d. __________. “É dando à igreja que se recebe a graça de Deus”: discurso econômico em uma igreja neopentecostal. In: MIRANDA, Daniela da Silveira, et al. O gênero em diferentes abordagens discursivas. São Paulo: Paulistana, s/p, 2011a. __________; USARSKI, Frank. Editorial. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque, USARSKI, Frank. Marketing Religioso. REVER-PUC/SP, v. 12, n. 2, pp. 7-9, 2012e. __________.  “Falaram  que  Deus  ia  me  matar,  mas  eu  não  acreditei”:  intolerância  religiosa  e  de  gênero  no  relato   de uma travesti profissional do sexo e cantora evangélica. História Agora, São Paulo, n. 12, pp. 198-216, 2011b. __________. Grandezas metodológicas para uma História do Tempo Presente a partir de Beatriz Sarlo e seu Tempo Passado. Intellèctus (UERJ), Rio de Janeiro, pp. 1-19, 2009a. __________.  “Inclusão”  de  travestis  e  transexuais  através  do  nome social e mudança de prenome: diálogos iniciais com Karen Schwach e outras fontes. Oralidades – Revista de História Oral da USP, pp. 89-116, 2012f. __________. “Jesus  me  ama  no  dark  room  e  quando  faço  programa”:  narrativas  de  um  reverendo  e  três    irmãos     evangélicos acerca da flexibilização do discurso religioso sobre sexualidade na ICM (Igreja da Comunidade Metropolitana). Polis e Psique, Porto Alegre, v. 1, n. 3, pp. 221-253, 2011c. __________.  “Marketing  de  Guerra  Santa”:  da  oferta  e  atendimento  de  demandas  religiosas  à  conquista  de  fiéisconsumidores. Horizonte, Belo Horizonte, v. 10, n. 25, pp. 201-232, 2012g. __________; PAEGLE, Eduardo Guilherme de Moura. Mercado e discurso religioso na modernidade líquida. Estudos de Religião (IMS), pp. 205-216, 2009b. __________. Neopentecostalismo de supergeração: o ciberespaço como chave para o sucesso neopentecostal. História Agora. São Paulo, v. 10, n. 2, pp. 342-362, 2010d. __________.  “Nós  somos  a  dobradiça  da  porta”:  notas  preliminares  acerca  das  ambiguidades  do  discurso  sobre  as   mulheres na Bola de Neve Church. Mandrágora, v.18, n.18, pp. 81-106, 2012h.

257

__________. O corpo e o esporte como estratégias de marketing da Bola de Neve Church. Oralidades: Revista de História Oral da USP. São Paulo, v.7, n.2, pp. 35-52, 2010e. __________. “Olhei para Jesus e não vi nada”: uma travessia da crença ao ateísmo. Oralidades: Revista de História Oral da USP. São Paulo, v.8, n.1, pp. 195-210, 2010f. __________. Para uma História do Tempo Presente: o ensaio de nós mesmos. Fronteiras: Revista Catarinense de História. Volume 17. Florianópolis, Santa Catarina, 2009c. __________. “Promíscuo é o indivíduo que  faz  mais  sexo  que  o  invejoso”. Entrevista sobre gênero e sexualidade com Cristiano Valério, reverendo da ICM. História Agora, São Paulo, v.2, n. 14, pp. 316-329, 2012i. __________. Resenha de A explosão gospel. Um olhar das ciências humanas sobre o cenário evangélico no Brasil. CUNHA, Magali do Nascimento. Rio de Janeiro: Mauad X, Mysterium, 2007. História Agora, v.2, n. 10, pp. 409504, 2011d. __________; LEÃO, Paulo Júnior. Sem comunicação, não há salvação. Um olhar sobre as relações entre mídias de massa, religiões e igrejas na atualidade. Entrevista com Pedrinho Guareschi. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque, USARSKI, Frank (orgs.). Marketing Religioso. REVER-PUC/SP, v. 12, n. 2, pp. 175178, 2012j. __________; USARSKI, Frank. Seção Temática Marketing Religioso. REVER-PUC/SP, v. 12, n. 2, pp. 1-206, 2012k. __________. Sensualidade e interdição do desejo na Bola de Neve Church. Via Teológica, Curitiba, v. 18, 2009d. __________. (Re)conhecendo o sagrado: reflexões teórico-metodológicas dos estudos de religiões e religiosidades. São Paulo: Fonte Editorial, 2013b (no prelo). __________. Religiões e religiosidades em (con)textos. Simpósio Sudeste da ABHR / Simpósio Internacional da ABHR – Diversidades e (In)tolerâncias religiosas, USP, 2013 (Volume 1). São Paulo: Fonte Editorial, 2013c (no prelo). __________. Religiões e religiosidades no (do) ciberespaço. São Paulo: Fonte Editorial, 2013d (no prelo). __________; NERY, João. Transhomens no ciberespaço: micropolíticas das resistências. História Agora, São Paulo, v.1, n. 15, pp. 394-420, 2013f. MARIANO, Ricardo. Efeitos da secularização do Estado, do pluralismo e do mercado religiosos sobre as igrejas pentecostais. Civitas, v.3, n.1, pp. 111-125, 2003. __________. Neopentecostais. Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo: Loyola, 1995. __________. Pentecostais em ação: a demonização dos cultos afro-brasileiros. In: SILVA, Vagner Gonçalves. Intolerância religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: EDUSP, 2007. __________. Usos e limites da teoria da escolha racional da religião. Tempo Social, USP, São Paulo, v. 20, n. 2, pp. 41-66, 2008. MARQUES, Luís Henrique. Igreja católica e ecumenismo-inculturação. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque, USARSKI, Frank. (orgs.). Marketing Religioso. REVER-PUC-SP, v. 12, n. 2, pp. 23-34, 2012. MARTINO, Luiz Mauro Sá. Mídia e Poder Simbólico. São Paulo: Paulus, 2003. MAUSS, Marcel. O ensaio sobre a dádiva. Sociologia e Antropologia. v. 2. São Paulo: EPU, EDUSP, 1974. MAZZARELLI, FERNANDES. Igrejas para todos os gostos. Revista Eclésia. Edição 91. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2009. McCARTHY, Edmund Jerome; PERREAULT, William D. Basic Marketing: a global-managerial approach. USA: Richard D. Irwin, 1994. MENDONÇA, Antonio Gouvêa. Sindicato de mágicos: pentecostalismo e cura divina (desafio histórico para as igrejas). Estudos de Religião, São Bernardo do Campo, n. 8, out. 1992. MIKLOS, Jorge. A construção de vínculos religiosos na cibercultura: a ciber-religião. Tese de doutorado em Comunicação e Semiótica, apresentada à PUC, São Paulo, 2010. Orientação de Norval Baitello Júnior. MONTES, Maria Lúcia. As figuras do sagrado entre o público e o privado. In: SCHWARCZ, Lílian M. História da vida privada no Brasil. Vol. 4. São Paulo: Editora Schwarcz, 2000.

258

MONTEIRO, Duglas Teixeira. Igrejas, seitas e agências. In: Vale E. et al. A cultura do povo. São Paulo: Cortez & Moraes - EDUC, 1979. MORAES, Gerson Leite de; SANTOS, Robson da Silva. A religião como memória e transmissão. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque (org). Religiões e Religiosidades no Tempo Presente 3. História Agora, v. 1, n. 13, pp.50-67, 2012. MORAES, José Geraldo Vinci. História e música: canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, pp. 203-221, 2000. NAPOLITANO, Marcos. História e Música: História cultural da música popular. Belo Horizonte, Minas Gerais: Autêntica, 2002. NÉRI, Marcelo (coordenador). Novo Mapa das Religiões. Rio de Janeiro: FGV, CPS, 2011. 70 p. Disponível em: . Acesso em: 20 jan. 2012. NOGUEIRA, Sebastiana Maria. A glossolalia (falar em línguas) no cristianismo do primeiro século e o fenômeno hoje. In: Anais do II Encontro Nacional do GT História das Religiões e Religiosidades. Revista Brasileira de História das Religiões – ANPUH. Maringá (PR) v. 1, n. 3, 2009. OLIVEIRA, Márcia Ramos de. Canto e tradição: a voz como narrativa histórica. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy, ROSSINI, Miriam de Souza, SANTOS, Nádia Maria Weber. Narrativas, imagens e práticas sociais. Percursos em História Cultural. Porto Alegre: Asterisco, 2008. OLIVEIRA, Sidney N. Psicanálise da religiosidade. O marketing da intolerância ou de como a IURD oprime a umbanda. In: MARANHÃO Fº, Eduardo Meinberg de Albuquerque, USARSKI, Frank. Marketing Religioso. REVER-PUC-SP, v. 12, n. 2, pp. 111-122, 2012. ORLANDI, Eni Pulcinelli. O Discurso Religioso. In: A linguagem e seu funcionamento. As Formas do Discurso. Campinas, SP: Pontes, 1987. __________. As formas do silêncio. No movimento dos sentidos. Campinas, SP: Ed. UNICAMP, 2007. __________. Análise de discurso. Princípios & Procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 2007. ORO, Ari Pedro. Podem passar a sacolinha: um estudo sobre as representações do dinheiro no neopentecostalismo brasileiro. Cadernos de Antropologia, 9, pp. 7-44, 1992. PACE, Enzo; GIORDAN, Giuseppe. A religião como comunicação na era digital. Civitas, Porto Alegre, v. 12, n. 3, pp. 418-438, 2012. PAEGLE, Eduardo Guilherme de Moura.  A  “mcdonaldização”  da  fé  - um estudo sobre os evangélicos brasileiros. Protestantismo em Revista, v. 17, pp.86-99, 2008. __________. A   “mcdonaldização”   da   fé. O culto como espetáculo entre os evangélicos brasileiros. Tese de doutorado em Ciências Humanas apresentada à UFSC, Florianópolis, 2013. Orientação de Selvino José Assmann. PATRIOTA, Karla Regina Macena Pereira. Sociedade do Espetáculo, Mídia e Religião: Relação social mediatizada por imagens. In: XXX CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2007, Santos. Anais do XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom. Santos: INTERCOM, 2007. PEREIRA, Camila; LINHARES, Juliana. O pastor é show – os novos pastores. Revista Veja. São Paulo, ed. 1964, ano 39, n. 27, pp. 76 - 85, 12 jul. 2006. PEREIRA, José Carlos. Religião e exclusão social. A dialética da exclusão e inclusão nos espaços sagrados da Igreja Católica. Aparecida, SP: Santuário, 2009. PESAVENTO, Sandra Jatahy. O mundo da imagem: território da imagem cultural. In: PESAVENTO, Sandra Jatahy, ROSSINI, Miriam de Souza, SANTOS, Nádia Maria Weber. Narrativas, imagens e práticas sociais. Percursos em História Cultural. Porto Alegre: Asterisco, 2008. PIERUCCI, Antônio Flávio; PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil: religião, sociedade e política. São Paulo: Hucitec, 1996. REFKALEFSKY, Eduardo; DURÃES, Aline. Amém, Brother: Estratégias de comunicação mercadológica da Bola de Neve Church. In: XII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO DA REGIÃO SUDESTE, 2007, Juiz de Fora. Anais do XII Intercom Sudeste. São Paulo: INTERCOM, 2007. ___________. Comunicação e Posicionamento da Igreja Universal do Reino de Deus: um estudo de caso do Marketing Religioso. In: XXIX CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2006,

259

Brasília. Anais do XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom. Brasília: INTERCOM, 2006. ___________. Segmentação na propaganda religiosa: Bola de Neve Church e o evangelho para a geração Y. In: XXX CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2007, Santos. Anais do XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom. Santos: INTERCOM, 2007. REGA, Lourenço Stelio. Mensalão Gospel. Revista Eclésia. Edição 112 – Observatório. 2009. RICHERS, Raimar. O que é marketing. Coleção primeiros passos, v.27, São Paulo, Brasiliense, 1994. RIES, Al; TROUT, Jack. Marketing de Guerra. São Paulo: McGraw-Hill, 1989. RIFIOTIS, Theophilos. Antropologia do ciberespaço. Questões teórico-metodológicas sobre pesquisa de campo e modelos de sociabilidade. Antropologia em Primeira Mão, PPGAS/UFSC, Florianópolis, v. 51, 2012. RIOUX, Jean-Pierre. Pode-se fazer uma história do presente? In: CHAUVEAU, Agnes; TÉTART, Philippe (Orgs). Questões para a história do presente. Bauru/SP: EDUSC, 1999. RITZER, George. The McDonaldization of Society. Pine Forge Press, Thousand Oaks, 1993. __________. The McDonaldization of Society 5. Pine Forge Press, Thousand Oaks, 2008. ROMERO,   Mariana   Taube.   “Agora eu faço a diferença”:  Projeto   Amar   (PA)   e   Christian   Metal   Force   (CMF) experiências religiosas e vivências do mundo entre grupos de jovens da Igreja Renascer em Cristo em Florianópolis. Dissertação em Educação apresentada à Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2005. Orientação de Luiz Felipe Falcão. RONCARI, Luiz. No princípio era a imagem. Tempo e Presença, nº 194, outubro/novembro de 1984. Disponível em: . Acesso em: 02 dez. 12. ROSADO-NUNES, Maria José Fontelas. O impacto do feminismo sobre o estudo das religiões. Cadernos Pagu (UNICAMP), v. 16, 2001. ROSSI, Luis Alexandre Solano. Jesus vai ao McDonalds: teologia e sociedade de consumo (2ª edição). Curitiba: Champagnat, 2011. RUBIM, Antonio Albino. Espetáculo, política e mídia. XI Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Posgraduação em Comunicação, p. 18, 2002. SABOURIN, Eric. Marcel Mauss: da dádiva à questão da reciprocidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 23, n.66, 2008. SALATIEL, José Renato. Comunicação e evolução no ciberespaço. In: SILVA, Rafael S. (org.). Discursos simbólicos da mídia. São Paulo; Santos: Edições Loyola; Editora Universitária Leopoldianum, 2005. SANCHIS, Pierre. Inculturação? Da Cultura à Identidade, um Itinerário Político no Campo Religioso: o caso dos agentes de Pastoral negros. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 2, n.20, pp. 55-72, 1999. SANT’ANNA,  Affonso Romano. Paródia, Paráfrase & Cia. São Paulo: Ática, 1985. SANT’ANNA,   Denise   Bernuzzi   de.   Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001a. __________. É possível realizar uma história do corpo? In: SOARES, Carmen Lúcia. Corpo e história. Campinas, SP: Autores Associados, 2001b. SARLO, Beatriz. Tempo presente: notas sobre a mudança de uma cultura. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005. SEEGER, Anthony. Os índios e nós. Estudos sobre as sociedades tribais brasileiras. Rio de Janeiro: Campus, 1980. SEGATTO, Cristiane. Na onda de Cristo. Revista Época. Disponível ca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT574623-1664,00.html>. Acesso em: 10 ago. 2009.

em

. Acesso em: 28 maio 2010. Apresentação. Bola Radio Extreme. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2009 e 12 jun. 2012. Ap Rina Oficial. Disponível em: https://www.facebook.com/Ap.RinaOficial. Acesso em: 20 jun 2013. Bala da Bola. Disponível em: < http://www.planetbola.com.br/d/400/ACESSoRIOS>. Acesso em: 20 jul. 2013. Biografia da Tribo de Louvor. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Biografia de Denise Seixas. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2009. Bola de Neve alarga suas estacas. Disponível em: http://www.boladeneve.com/noticias/boladeneve/bola-deneve-church-alarga-suas-estacas. Acesso em: 20 jul. 2013. Bola de Neve Boiçucanga. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Bola de Neve Church. Disponível em: . Acesso em diversas datas. Bola de Neve Church Oficial. Disponível em: . Acesso em diversas datas. Bola de Neve Floripa. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. Bola de Neve Inauguração em São Paulo. . Acesso em: 12 mar. 2012.

Disponível

em:

Boladas. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2010. Boladas: Elas cansaram de ser sexy. Agora convertidas falam sobre Religião no projeto da Igreja Bola de Neve. Disponível em: . Acesso em: 28 abr 2010. Bolatronic party. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Bola Music. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. Bola News. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Bola Radio. Disponível em: . Acesso em diversas datas.

263

Bola Radio Extreme. Disponível em:. Acesso em diversas datas. Bola Radio Worship. Disponível em:. Acesso em diversas datas. Bola Running Floripa. Disponível em: . Acesso em: 19 nov. 2012. Bola Running Ribeirão Preto. Disponível em: Preto/391953537579700>. Acesso em: 17 set. 2013.

. Acesso em: 20 jul. 2013.

Curitiba.

Disponível

em:

Entrevista com Zeider Pires. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Estação 770. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=l9ltJt-Jls0>. Acesso em: 22 jul. 2013. Estação 770/Grupo Teatro Em Chamas. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2013.

264

Ex-BBB  Natália  Nara  vira  pastora,  foge  da  fama  e  chora  todas  as  vezes  que  lembra  ensaio  nu  para  a  ‘Playboy’. Disponível em: http://extra.globo.com/tv-e-lazer/bbb/ex-bbb-natalia-nara-vira-pastora-foge-da-fama-chora-todasas-vezes-que-lembra-ensaio-nu-para-playboy-7510504.html#ixzz2TP8wJpKg. Acesso em: 12 set. 2012. Face a Face. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Face a Face na Planet Bola. Disponível em: < http://www.planetbola.com.br/>. Acesso em: 28 mar. 2013. Fachada Clélia. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. Fotos (Bola Music). Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Foto da gravação do CD/DVD Face a Face. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. Ide Festival de Curtas. Disponível em: . Acesso em: 22 jun 2013. Instituto Global. Disponível em http://www.institutoglobal.com.br/. Acesso em: 12 set. 2012. InTime. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Lançando flechas, de Rinaldo Seixas. Cultos em áudio. . Acesso em: 20 jan. 2010.

Disponível

em:

Louvor e Adoração - volume 1. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Lojinha da Bola. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Lojinha da Bola. Disponível em: . Acesso em: 25 dez. 2009. Mergulhando na Palavra. Disponível em http://www.boladeneve.com/ministerios/mergulhando. Acesso em: 12 set. 2012. Ministério Atacar. Disponível em: < http://www.ministerioatacar.com.br/>. Acesso em: 2 jun 2012. Ministério de Atalaias. Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2013. Ministério de Boas Vindas. Disponível em: . Acesso em: 20 abr 2013. Ministério de Dança. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. Ministério Nova Vida. Disponível em: < http://www.boladenevefloripa.com.br/nv.html>. Acesso em: 30 mar. 2013. Ministério Recrie. Disponível em: < http://www.ministeriorecrie.com.br/site/>. Acesso em: 20 jun. 2013. Ministérios. Disponível em: . Acesso em: diversas datas. Ministério Zeladoria. Disponível em: < http://www.boladenevefloripa.com.br/zeladoria.html>. Acesso em: 12 mar. 2013. Moto Clube BDN Floripa. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2012. Mulheres do Bola. Culto de mulheres, s/d. Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2012. Mulheres em combate. Disponível em: https://www.facebook.com/boladeneveoficial?fref=ts. Acesso em: 10 ago. 2013. Next Generation. Bola News. Disponível em: . Acesso em: 12 ag. 2012. News. Disponível em: . Acesso em diversas datas.

265

Notícias. Disponível em: . Acesso em: 02 jun. 2012. Nova Bola de Neve Olympia. Disponível em: . Acesso em: 12 mar. 2012. Pastora Denise Seixas Testemunho. Disponível em: Acesso em:10 ago. 2010. Planet Bola. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013. Pregação de Catalau. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2013. Programa Bola de Neve Floripa. Disponível em: . Acesso em: 25/11/12. Quem Somos. Disponível em: . Acesso em: diversas datas. Release da Tribo de Louvor (Bola Music). Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. Revista Crista. Disponível em: . Acesso em: 22 maio 2009, dentre outras datas. Disponível

Seminário de Libertação e Cura Interior em Atibaia. . Acesso em: 20 abr. 2009.

em

Saiba mais sobre esta frente de evangelismo. Bola TV. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2012. Seminário de Educação Financeira – Bola de Neve Floripa. http://www.youtube.com/watch?v=F1oifHWKPVc>. Acesso em: 20 jan. 2012.

Disponível

em:

<

Somente um verdadeiro Príncipe... Disponível https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2722222115022&set=o.125894027476305&type=1&theater. Acesso em: 30 de maio de 2013.

em:

Síndrome de Ananias, de Rinaldo Seixas. Cultos em áudio. . Acesso em: 23 jan. 2010.

em:

Disponível

Stand da Bola Music na Expo Cristã. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. Surfboards como púlpitos na BDN. Fotos da igreja Bola de Neve. . Acesso em: 19 jun. 2012.

Disponível

em:

Tem que haver mudança, de Rinaldo Seixas. Cultos em áudio. . Acesso em: 20 jan. 2010.

Disponível

em:

Testemunho de Nengo Vieira. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Testemunho de Rodolfo Abrantes. Disponível em: . Acesso em: 12 ago. 2012. Testemunho Pr. Eric Bola de Neve Santos. Disponível em: . Acesso em: 17 ago. 2012. Terra Santa. Disponível em: Acesso em: 08 jul.2009. Vinheta do 4º Congresso de Mulheres da Bola. Disponível . Acesso em: 20 ago. 2013.

em:

XXI Congresso de Batalha Espiritual. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2013.

266

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.