MARCHIORO, M. 2007. O banquete da onça mansa: fluxos internos e externos da população indígena aldeada (São Paulo, 1798-1803). Anais Eletrônicos do III Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional. Florianópolis, Maio de 2007.

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O banquete da onça mansa: fluxos internos e externos da população indígena aldeada (São Paulo, 1798-1803) Marcio Marchioro Mestrando em Antropologia Social Universidade Federal do Paraná E-mail: [email protected]

Introdução Esta comunicação de pesquisa busca dar alguns dados iniciais sobre investigação da dinâmica da população dos aldeamentos paulistas no século XVIII e princípios do século XVIII. Nosso objetivo aqui é analisar os fluxos internos e externos da população aldeada e fazer algumas especulações iniciais sobre essas mudanças. A documentação de São Paulo utilizada aqui mais diretamente, é composta por uma série de censos das seguintes aldeias: Itaquaquecetuba de 1798, Embu, Escada, Itapecerica, Peruíbe, Pinheiros, todas de 1802, e Barueri de 1803 (BDAESP 1948: 101-224). Estes censos, são utilizados por nós em nossa pesquisa mais geral na tentativa de desvendar alguns lances do cotidiano das aldeias: a sucessão dos capitães-mores, as entradas e saídas das aldeias, os padrões etários e de gênero dos indivíduos classificados com “agregados”, as atividades cotidianas das famílias aldeadas, dentre outros dados. Aqui, neste trabalho, enfocaremos mais diretamente dados sobre os agregados e os ausentes das aldeias.

1. A formação dos aldeamentos paulistas Vale a pena fazer, inicialmente, um breve inventário com uma visão de conjunto desses aldeamentos – número, localização, movimento que os instituiu, população abrigada

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neles. Os principais aldeamentos existentes na capitania de São Paulo durante boa parte do período colonial somam o número de 11 e são os seguintes: Pinheiros, São Miguel, Barueri, Carapicuíba, Guarulhos, Embu, São José, Escada, Itaquaquecetuba, Itapecerica e Peruíbe (Petrone 1995: 112). A eles deve ser integrado, apesar da sua fundação tardia – final do século XVIII –, o aldeamento de Queluz que reuniu uma parcela considerável de índios Puri, os quais perambulavam a um certo tempo entre o sertão de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Em relação à fundação, Pinheiros e São Miguel são os aldeamentos de origem mais remota e de difícil determinação. O aldeamento de Guarulhos, apesar da ausência de documentação precisa sobre sua fundação, deve ter sido criado na década de 1590 (ibid.: 119). Outro núcleo de origem quinhentista é Carapicuíba que se formou inicialmente como uma aldeia de “administrados” de Afonso Sardinha, Fernão Dias Paes, entre outros (ibid.: id.). Embu, também formado inicialmente no século XVI como uma aldeia de “administrados particularmente”, só se definiu em princípios do XVII com uma doação de terras e se tornou uma “fazenda de jesuítas” (ibid.: 117). O mesmo fato acontece também com Escada, aldeia inicialmente povoada por “índios de posse particular”. Foi Gaspar Cardoso – capitão-mor de Moji das Cruzes – que, no início do século XVII, teria reunido cerca de 800 índios na localidade. Itapecerica teria sido um núcleo satélite de Embu até a virada do século XVII para o XVIII quando aldeados, vindos de Carapicuíba, se juntaram aos já residentes ali. Barueri, por sua vez, teria se formado na primeira década do século XVII com 1500 Carijós trazidos do chamado “Sertão dos Carijós” pelos padres Afonso Gago e João de Almeida (ibid.: 117). Itaquaquecetuba teria sido uma fazenda do padre Machado de Oliveira que lá fundou uma capela destinada à N.S. da Ajuda. Em 1624, quando morre, a propriedade passou às mãos dos jesuítas (ibid.: 121). Por último, Peruíbe que também é um aldeamento bastante antigo sem data precisa de fundação. Ele tem uma peculiaridade em relação aos outros: é o único aldeamento paulista localizado no litoral (ibid.: 123). Quanto à origem étnica da população desses aldeamentos, podemos fazer algumas considerações, sempre com base em Petrone (1995). Os aldeamentos de Pinheiros e São Miguel teriam sido fundados com população de Tupiniquins, mais precisamente dos grupos denominados Guaianá que habitavam as cercanias de São Paulo. Itaquaquecetuba, apesar de possuir uma população heterogênea, era formada, em sua maioria, por Carijós vindos do Sul (ibid.: 129). O aldeamento de Guarulhos deve ter contado com população do mesmo grupo de nome da aldeia. Nos demais, como diz Petrone (ibid.: 130-1) no trecho abaixo, só há informações esparsas sobre a origem étnica dos primeiros índios neles residentes: 2

Quanto aos demais aldeamentos, não se tem elementos para afirmar sobre a natureza e importância do substrato. Apenas existem alguns indicativos. Os aldeamentos de Carapicuíba e Embu devem ter contado, nos seus primórdios, com contigentes indígenas variados. Ambos se definiram em função de indígenas descidos do sertão e, por isso mesmo, provavelmente de grupos não identificados com os Guaianá. No caso particular de Embu, os Carijó, pelo quanto se viu a propósito da origem do aldeamento, devem ter tido um papel relevante. Aliás, os Carijó provavelmente devem ter contribuído em proporções bastante grandes para a formação dos quadros demográficos iniciais dos aldeamentos. Sua presença deve ter-se feito sentir em Peruíbe, junto com os Itanhaém, estes provavelmente Guaianá, assim como em Escada, Itaquaquecetuba, Barueri e Itapecerica.

Ainda segundo Petrone (ibid.: 133), a partir de 1730, os Pareci vão se tornar os principais índios aldeados na capitania. No entanto, mais a frente, ele reconhece a importância dos Tupi-Guarani como principais fornecedores de índios aldeados em São Paulo colonial. No que diz respeito às ordens religiosas que atenderam os aldeamentos, pelo menos até a entrada em vigor do Diretório, a tabela a seguir resume bem a situação e as mudanças que começaram a acontecer na virada do século XVII para o século XVIII: Tabela 1: As ordens religiosas nos aldeamentos paulistas (até o Diretório de 1757) Aldeia Barueri Carapicuíba Embu Escada Guarulhos

Ordem inicial variado - Padroado Real Jesuíta Jesuíta variado - Padroado Real variado - Padroado Real

Ordem posterior Ano/mudança Carmelitas 1698 Padres leigos 1757 Padres leigos 1757 Capuchos 1735 Declarada extinta Meados do século XVIII Itapecerica Jesuíta Padres leigos 1757 Itaquaquecetuba Jesuíta Padres Leigos 1757 Peruíbe variado - Padroado Real Capuchos 1692 Pinheiros variado - Padroado Real Beneditinos 1698 São José Jesuíta Padres leigos 1757 São Miguel variado - Padroado Real Capuchos 1698 Fonte: Petrone 1995: 165-9

Como vemos, até 1700 os jesuítas foram a única ordem regular atuante nos aldeamentos. A partir desta data, os beneditinos e carmelitas assumem duas aldeias e os capuchinhos assumem 3 aldeias. Os jesuítas, por sua vez, continuam com suas cinco “fazendas-aldeias” até a publicação do Diretório de 1757.

2. Agregados nas aldeias paulistas (1798-1803) Um dado relevante que ainda nos trazem os censos, são indicações que dizem respeito aos agregados dos fogos das aldeias. Somente em Pinheiros não há qualquer indicação sobre os agregados. Assim, por meio da confecção da tabela abaixo, conseguimos traçar uma espécie de perfil do sujeito classificado com agregado num aldeamento. Pois bem, geralmente, os agregados eram menores de idade, com predominância para o lado masculino,

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ou mulheres solteiras entre os 14 e 39 anos. Cabe ponderar, nesse sentido, que são poucos os agregados que ultrapassam a casa dos 39 anos de idade. Outro detalhe que deve ser ressaltado, não constante na tabela, é o fato de 10% da população da aldeia da Escada ser composta de agregados em sua maioria também menores de idade. Tabela 5: Números de agregados nas aldeias de São Paulo (1798-1803)1 Agregado Casado Solteiro Viúvo Menores (14 anos) Não consta (maiores) Total Fonte: BDAESP 1948: 101-224

Masculino 3 10 3 22 3 41

Feminino 3 20 4 15 7 49

Total 6 30 7 37 10 90

É difícil fazer maiores especulações sobre os dados acima, mas podemos lançar algumas hipóteses iniciais na tentativa de desvendar quem eram esses indivíduos inseridos no interior dos aldeamentos e classificados com agregados em seus respectivos fogos. Normalmente as mulheres solteiras entram nos fogos solitárias, ou seja, não há no mesmo fogo nenhum outro agregado. Já os menores parecem entrar em grupo, talvez de irmãos, com idade na descendência típica. Quando entram esses grupos de menores, muitas vezes há também outros agregados solteiros no mesmo fogo, fato que corrobora para tese do grupo de irmãos. Contudo, faremos as analises detalhadas de cada caso a seguir.

2.1. Itaquaquecetuba Na aldeia de N. S. da Ajuda de Itaquaquecetuba encontramos um número de 24 agregados, sendo que a aldeia contava com uma população de 247 indivíduos em 1798 – ano da feitura da lista. Desse modo, sabemos que a aldeia contava em sua população com cerca de 10% de agregados. Dado que coloca Itaquaquecetuba junto a mais três aldeias aqui analisadas – Itapecerica, Escada e Barueri –, que também chegam à porcentagem de 10% de agregados. No entanto, o dado que mais impressiona é a diferença entre a população agregada feminina e a masculina. São 18 mulheres para apenas 6 homens agregados, ou seja, as mulheres são 75% da população agregada. Além disso, há nitidamente uma faixa etária na qual a agregação é predominante: 50% dos agregados têm mais de 60 anos. São exatamente 12 agregados com mais de 61, sendo 10 mulheres e 2 homens somente. Segundo os dados analisados por Petrone (1995: 267) – extraídos da mesma lista que usamos –, no total tínhamos 25 indivíduos com 61 1

Referente aos censos das seguintes aldeias no final do século XVIII e princípio do século XIX: Barueri, Embu, Escada, Itaquaquecetuba, Itapecerica, Peruíbe. A aldeia de Pinheiros é a única onde não aparecem indivíduos classificados como agregados.

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anos ou mais. A lista usada por nós é de 1798 – como já dissemos. Pois bem, Petrone (1995: 357) apresenta uma lista de Itaquaquecetuba oriunda do ano de 1802 na qual há uma variação nítida: caí de 25 para 21 os idosos com mais de 60 anos. Caí também significativamente a população de menores de 10 anos que eram em 1798 de 70 crianças para 54 no ano de 1802. Vale a pena dizer também que dos 24 agregados existem 5 mulheres que estão na casa dos 31 aos 40 anos. Nenhuma dessas 5 mulheres é referenciada na lista como parente do cabeça do fogo, por isso é difícil sugerir a origem delas. Dos 12 agregados acima dos 60 anos um total de 7 são listados como sendo parentes do cabeça do fogo. São viúvas, mas, ao contrário do que ocorre em Itapecerica – como veremos – não há um padrão de residência. Em três fogos encontramos a mãe do homem cabeça do fogo, em dois a sogra do homem, em um o pai do homem e em outro a mãe da mulher cabeça do fogo. Itaquaquecetuba é sobretudo um aldeia despovoada de homens em idade produtiva (dos 20 anos 40 anos). Encontramos 39 mulheres para 14 homens entre os 20 e 40 anos. Vemos em lista de 1802 que o número de mulheres jovens viúvas é muito grande. Isso colabora para formular uma hipótese sobre a situação em Itaquaquecetuba. É muito provável que ali os homens eram submetidos a jornadas sertão adentro perigosas, o que devia provocar muitas baixas.

2.2. Peruíbe Única aldeia localizada no litoral paulista, Peruíbe apresenta um número pequeno de agregados no seu interior. Apenas cerca de 3% da população. São 6 indivíduos num total de 201 moradores. Em sua maioria são crianças (num total de 4) com menos de 14 anos de idade. Vemos em tabela de 1798, publicada por Petrone (1995: 273), que o número de mulheres e homens é equilibrado, só havendo uma grande flutuação na geração que vai dos 30 aos 40 anos. É aí que encontramos 24 homens para 15 mulheres. Fica difícil propor alguma análise deste último dado, mas pode-se sugerir que mulheres adultas eram mais requisitadas que homens para prestarem serviços a particulares. Deve-se explicar que nenhum agregado da aldeia possui parentesco com o cabeça do fogo em que reside, pelo menos não é dito nada nesse sentido na lista. No entanto, na lista de 1802, Peruíbe apresenta uma grande disparidade na geração dos 20 aos 30 anos. Agora são 34 mulheres para 14 homens apenas, fato que pode indicar ou uma dinâmica de recrutamento de trabalho ou de casamentos. Ou muitos homens saíram da aldeia ou várias mulheres entraram. A provável saída de homens pode ter sido causada por recrutamento para trabalhos a particulares ou em casamentos fora da aldeia. Já a

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possibilidade de entrada de mulheres pode ter se dado pelo casamento com homens da aldeia ou, quiçá, pela chegada de nova população oriunda do sertão.

2.3. Itapecerica De todas as aldeias analisadas Itapecerica é a mais curiosa no que diz respeito aos classificados como agregados. São 37 numa população total de 332 habitantes, ou seja, os agregados são 11% da população. Assim como Itaquaquecetuba, Itapecerica é, sobretudo, uma aldeia comandada por mulheres viúvas. Conforme tabela de 1802 (Petrone 1995: 360), eram 27 mulheres viúvas num total de 75 fogos. Dos 30 aos 100 anos tínhamos um total de 32 homens para 73 mulheres (na lista de 1802 eram 31 homens para 71 mulheres). Vemos aí mais um indício de que os índios aldeados em São Paulo do fim do século XVIII e início do século XIX eram submetidos a jornadas de trabalho perigosas sertão adentro. Pois bem, analisando a lista mais detalhadamente, vemos que a maioria deles era menor ou tinham mais de 60 anos. São exatamente 12 menores de 14 e 10 viúvos com mais de 60. Dentre os viúvos agregados encontramos só 2 homens. Contudo, o mais interessante é o padrão de residência que encontramos. De 37 agregados 16 tinham relações de parentesco com o cabeça do fogo. Desse 16 agregados precisamente 7 eram mães viúvas do cabeça do fogo homem estabelecidas momentânea mente ali. Além disso, 2 viúvos homens moravam com seus filhos homens.

2.4. Escada O aldeamento de N.S. da Escada diferencia-se de Itaquaquecetuba, Peruíbe e Itapecerica sobretudo pela presença de uma numerosa população jovem. Tanto em 1798 como em 1802 cerca de 40% da população tinham menos de 10 anos. Esse resultado mostra que a aldeia estava em pleno florescimento na época da feitura das listas. Escada era habitada em 1798 por 210 pessoas, sendo 19 agregados. Todos os agregados não possuem parentesco explicitado em lista com os cabeças de seus respectivos fogos. Cerca de 9% da população é, então, composta de agregados. Pois bem, seguindo essa tendência de população jovem, vemos uma lista de 9 agregados com menos de 14 anos, sendo 6 meninos e 3 meninas. Já entre as gerações seguintes os dados pendem mais para o lado feminino: dos 14 anos aos 30 anos são 4 mulheres e um homem; dos 31 aos 40 anos são 2 mulheres e um homem; e dos 51 aos 60 anos são 2 mulheres e nenhum homem. Existem 4 agregados que entram no fogo com filhos pequenos. Tudo isso indica a produtividade da aldeia de Escada que deveria ter amplas terras

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para o uso dos aldeados. O fato de serem mulheres em idade produtiva já indica isso, pois conforme vemos nas listas são as mulheres que cuidam das plantações nessas aldeias.

2.5. Embu A aldeia de Embu tem uma percentagem reduzida de agregados. São apenas 10 num universo de 261 moradores, ou seja, 3,8% somente. Listas de 1798 e 1802 demonstram que a população adulta (com mais de 20 anos) é em sua maioria composta de mulheres. Na lista de 1798 são 145 meninas com mais de 10 anos para 86 meninos, enquanto em 1802 temos 68 mulheres para 45 homens agora analisando gerações com mais de 20 anos. Em 1802 temos 60 fogos com 20 mulheres viúvas e apenas um homem viúvo. Isto é, temos indícios suficientes para dizer que Embu era uma das aldeias paulistas da quais homens eram retirados para trabalhos insalubres no sertão. No que diz respeito ao perfil dos agregados em Embu, talvez pelo número reduzido constante nas listas, não é possível traçar grandes tendências. A maioria (4 entre 10) são viúvas com mais de 61 anos. Os outros estão distribuídos entre as gerações. No total são 7 agregadas para apenas 3 agregados. Três mulheres viúvas mantém laços de parentesco com o cabeça do fogo.

2.6. Barueri De todas as aldeias listadas aqui, Barueri é a mais populosa com um contingente de 580 moradores. Desses cerca de 10% (57 indivíduos) são considerados pelos nossos critérios agregados. Cerca de 45% (26 indivíduos) dos agregados tem entre 14 anos e 30, sendo 13 homens e 13 mulheres. Além disso, 16 são menores de 14 anos e 9 possuem mais de 60 anos, sendo 8 mulheres. Barueri é uma aldeia curiosa no que diz respeito ao crescimento populacional entre os anos de 1798 e 1803. Há uma variação de 8% aproximadamente em 5 anos. Em 1798 tínhamos uma população de 533 indivíduos. O maior diferencial, no entanto, não está aí. É que a variação se dá somente no grupo feminino. Em 1798 eram 270 mulheres para 263 homens, enquanto que em 1803 eram 319 mulheres para 261 homens. É uma variação de 18% na população feminina e um decréscimo mínimo na população masculina. Aqui é que entra a participação dos ausentes a ser analisada mais adiante. Sabemos que em 1803 os ausentes estão presentes na contagem de 580 moradores, será que estão presentes na contagem de 1798? É que nos resta investigar. Dos 57 agregados, 24 são parentes do cabeça do fogo. Barueri é a única aldeia das 4 que possuem parentes agregados nos fogos (as outras são Itaquaquecetuba, Itapecerica e Embu) com padrão diferenciado. Não são as mães viúvas

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que predominam, mas sim os sobrinhos do cabeça do fogo, são um total de 11 sobrinhos agregados.

3. Ausentes das aldeias 3.1. Faixa etária As aldeias que nos mostram dados relevantes no que diz respeito a idade dos ausentes são Escada, Embu e Barueri. Em Escada temos uma maioria masculina entre idade de 14 e 30 anos. São em maioria jovens solteiras ou recém-casados sem filhos ou com menos de dois filhos pequenos. Em Embu pelo que levantamos temos mais mulheres solteiras saindo da aldeia. Já Barueri é um caso a parte. Há algumas famílias inteiras fugidas e muitos homens e mulheres com idade entre 14 e 30 anos. Nesse quesito, segue a tendência apontada também para Escada.

3.2. Localidades Para as cinco aldeias nas quais há registro da existência de índios ausentes, nota-se variações no que diz respeito à porcentagem da população ausente perante a população total da localidade. Em Escada e Itaquaquecetuba os ausentes correspondem a cerca de 5% da população, enquanto em Barueri, Embu e Pinheiros os ausentes são em maior número, chegando a 10% da população total da aldeia. No que diz respeito às localidades listadas como rumo desses sujeitos em saída do aldeamento, destacam-se mais lugarejos situados no interior paulista. Aparecem, desse modo, Parnaíba, Campinas, Sorocaba e Soroca-mirim como localidades para onde se dirigem mais freqüentemente os índios que saem dos aldeamentos. Cita-se, além disso, fora das delimitações do atual interior paulista, Curitiba, Rio de Janeiro, Cuiabá e Minas. Tabela 6: Ausentes das aldeias de São Paulo (1798-1803) Aldeia Fugido Barueri 32 Embu --Escada --Itaquaquecetuba --Pinheiros --Total 32 Fonte: BDAESP 1948: 101-224

Desertor ------2 --2

S/ licença 19 25 4 --13 61

C/ licença 5 --1 --4 10

Não consta 1 1 7 16 1 26

Total 57 26 12 18 18 131

O mais curioso, no entanto, é o número de classificados com “fugidos” na aldeia de Barueri e o número de saídos sem licença em todas as aldeias, excluindo-se Itaquaquecetuba. Inúmeras famílias fogem de Barueri nessa época constante na lista (1803) o que sugere uma 8

certa desagregação da aldeia. A maioria dessas famílias vai para regiões do interior paulista como Sorocaba, Itú e Campinas. Já os que saem “sem licença” de Barueri são jovens solteiros ou casais sem filho. O fato de saírem sem licença 61 índios listados, somando todas as aldeias, quase metade do total de ausentes, indica uma certa atitude de autonomia dos índios perante os agentes da colonização que controlavam essas saídas. Tudo isso aponta para existência nos aldeamentos de uma dinâmica na qual os índios não achavam necessário comunicar sua saída para as autoridades coloniais responsáveis. Mesmo que a legislação portuguesa mandasse que a comunicação fosse sempre feita.

Considerações finais No concernente aos índios agregados, aos fugidos e saídos sem licença outras sugestões importantes nos dão os censos do início do século XIX. Tudo leva a crer na existência de uma certa autonomia indígena nas saídas dos aldeamentos. A legislação prescrevia a necessidade de comunicação, mas os índios deveriam achar isto não tão imprescindível, pois perto da metade dos casos de saída estão na categoria de “saídos sem licença”. Já os classificados como “agregados” nos censos, podem nos mostram uma dinâmica interna e/ou uma dinâmica de incorporação de população indígena externa ao aldeamento. Na maioria mulheres solteiras sozinhas ou crianças em possível grupo de irmãos, os agregados nos fogos dos aldeamentos nos permitem pensar quem vinha do sertão para as aldeias: grupos coesos ou índios isolados – mulheres e crianças sobretudo – “capturados”; talvez não no sentido estrito do termo – em conflitos nos quais os homens eram mortos com mais facilidade? Ou talvez seja uma dinâmica interna do aldeamento. Famílias aparentadas “adotando” filhos pequenos de pais falecidos ou “saídos” dos aldeamentos, assim como seus filhos e, principalmente, suas filhas solteiras. Possivelmente tem-se um pouco de cada coisa. Fontes: Boletim do Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo (BDAESP). 1948. São Paulo: Secretaria da Educação, Tempo Colonial, Maço 2, Volume 8. Bibliografia: ALMEIDA, M. R. C. de. 2003. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. CASTRO, E. V. de. 2002. O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem. In: A inconstância da alma selvagem. São Paulo: Cosac & Naify, p. 181-264. DUMONT, L. 1997. Homo hierarchicus. São Paulo: Edusp. GRUZINSKI, S. 2003. A colonização do imaginário. São Paulo: Companhia das Letras. 9

MARCHANT, A. 1980. Do escambo à escravidão. São Paulo: Ed. Nacional. MENDONÇA, M. C. de. 1972. Raízes administrativa do Brasil. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, tomo I. MONTEIRO, J. 1995. Negros da Terra. São Paulo: Companhia das Letras. PERRONE-MOISÉS, B. 1998. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: CUNHA, M. C. da. (org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, p. 115-32. PETRONE, P. 1995. Aldeamentos paulistas. São Paulo: Edusp. POMPA, C. 2003. Religião como tradução. Bauru: Edusc. SAHLINS, M. 1974. Economia tribal. In: Sociedades tribais. Rio de Janeiro: Zahar, p. 11748. SCHWARTZ, S. B. 2003. Tapanhuns, negros da terra e curibocas: causas comuns e confrontos entre negros e indígenas. In: Afro-Ásia, n. 29-30, p. 13-40. WRIGHT, R. (org.). 1999. Transformando os deuses: os múltiplos sentidos da conversão entre os povos indígenas no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp.

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