Maria Cristina Volpi, \"Confecção de trajes e mão – de - obra, no Rio de Janeiro, nos primeiros cinqüenta anos do século XX\", In: Nízia Villaça; Káthia Castilho. (Org.). Plugados na moda. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi, 2006.

September 3, 2017 | Autor: M. Volpi | Categoria: Manufacturing, Fashion History, Clothing
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Título: Confecção de trajes e mão – de - obra, no Rio de Janeiro, nos primeiros cinqüenta anos do século XX1. Apparel manufacturing and workmanship in Rio de Janeiro, in the first half of the 20th century.

Autora: Maria Cristina Volpi Nacif Doutora em História Social, UFF; Professora do Departamento de Artes & Design da PUC-Rio

Resumo: Este trabalho é um estudo histórico sobre a confecção de trajes no Rio de Janeiro, nos primeiros cinqüenta anos do século XX. Procura-se resgatar a produção e reprodução efetiva e simbólica das competências e práticas, relacionadas com a construção do vestuário masculino e feminino. Palavras-chave: história do vestuário no Rio de Janeiro; formação da mão-de-obra; confecção de trajes.

Abstract: This essay is a historical study about apparel manufacturing in Rio de Janeiro, in the first half of the 20th Century. It is intended to rescue the real and symbolic production and reproductions of the competencies and practices, related to the building of male/female apparel. Keywords: History of Apparel in Rio de Janeiro; constructing workmanship; clothes manufacturing.

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Este texto foi apresentado no 5° Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, P&D 2002, que se realizou na Universidade de Brasília - UNB, de 10 a 13 de outubro de 2002. Originalmente é parte do Cap. IV da minha tese de doutorado: NACIF, M. C. V. Estilo urbano; um estudo das formas vestimentares das camadas médias urbanas, no Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX. Tese de Doutorado, ICHF/CEG/UFF, mai 2000. Mimeog.

I A divisão do trabalho na confecção do vestuário, tal como existia nos primeiros cinqüenta anos do século XX, deriva de um lento processo de especialização dos conhecimentos técnicos e de habilidades manuais necessários para confeccionar artesanalmente peças de vestuário. Ao mesmo tempo, incorpora os avanços necessários à implementação da produção em série de modelos, ou seja, da confecção industrial, que se desenvolveu ao longo do século XIX, mas só iria se generalizar, no Brasil, depois dos anos 1950. Na primeira metade do século XX, a divisão do trabalho refletia as tensões em torno da afirmação da importância social tanto dos artesãos quanto dos usuários. Originalmente, cabia aos alfaiates a confecção de peças de vestuário masculinas e femininas (ARNOLD: 1985 e 1995). Com o tempo, as rivalidades profissionais levaram os alfaiates a se especializarem, e vários se dedicaram à confecção de trajes femininos ou mesmo de uma única peça de vestuário. Quanto às costureiras, responsáveis pela confecção de roupa branca, ou seja, de todas as peças usadas sob o traje principal, mas também pelo que aparecia dessas peças, como as golas e os punhos, foi lentamente que adquiriram o direito de costurar trajes femininos e infantis. Para o trabalho do alfaiate eram necessários uma área de trabalho com boa luminosidade, uma mesa de corte, carvão, giz ou sabão para marcar o tecido, tesoura, agulhas, alfinetes, linha e dedal. Para tirar as medidas dos clientes, eram usados tiras de papel marcadas na borda com talhos - cada cliente tinha uma tira marcada com suas medidas, que serviam de padrão para o desenho do molde. É interessante notar que havia uma postura física característica do ofício de alfaiate, que consistia em trabalhar sentado no chão ou num banco baixo, sempre perto da claridade, com as pernas cruzadas, inclinado para frente, com o trabalho apoiado sobre as pernas. O molde era feito num pedaço de grosso papel marrom ou numa tela engomada, e depois riscado no tecido. Algumas vezes a peça era cortada e montada em um tecido provisório, onde eram feitos os ajustes numa primeira prova. As partes riscadas e cortadas nos tecidos definitivos eram enviadas para bordar e em seguida eram costuradas as partes. Esses procedimentos não estão muito distantes das técnicas artesanais de confecção, empregadas ainda hoje na alfaiataria ou na alta-costura.

II O período que precede o aparecimento da confecção industrial de trajes, quer dizer, os trinta primeiros anos do século XIX, serviram para reorganizar o ofício da alfaiataria num sentido distintivo: foi nessa época que se consolidaram os avanços técnicos, comerciais e sociais dessa categoria profissional. Em torno de 1820, foi instaurado o conceito do corte „sartorial‟, colado junto ao corpo. O „gosto‟ em matéria de vestuário não repousava mais sobre os princípios da ornamentação e da ostentação, mas sim sobre a perfeição do corte (cut) e do ajuste (fit). O resultado final do traje era obtido pelo corte ajustado e pela manipulação adequada do ferro de passar, que permitia „domesticar‟ o tecido. Esses pesados ferros de passar (carreux em francês, gooses em inglês) serviam para rebater as costuras e curvar o tecido, modelando, com calor e peso, um traje ao mesmo tempo elegante e cômodo. Derivado do gibão acolchoado do século XIV (usado sob a armadura), o paletó é, ainda hoje, recheado com guarnições que servem para estruturá-lo. Essas guarnições de lã, crina de cavalo e algodão engomados modelam a silhueta, imprimindo um padrão físico que se repete independentemente da conformação individual. Grande número de manuais de corte que apareceram no segundo quarto do século XIX enfatizavam uma preocupação com o melhor aproveitamento do tecido e uma vontade de racionalização dos métodos de corte, com o auxílio da geometria e da antropometria. O alfaiate tornou-se um “escultor” que buscava uma ciência dos volumes para moldar o “busto”, considerado a “alma” de todo traje. A fita graduada, que só foi inventada na segunda metade do século XIX, representou uma revolução nos ateliers de costura. Numerosos alfaiates reivindicaram a paternidade dessa invenção. Alguns alfaiates procuraram racionalizar o antigo sistema do padrão de papel cortado nas medidas de um único cliente. Buscavam com isso, encontrar relações constantes entre as diversas partes do busto, tentando definir escalas de proporção e reduzir o número de medidas indispensáveis, aperfeiçoando um sistema de cálculos que permitisse passar de um tamanho a outro com um mesmo padrão de cotas. Percebesse-se aqui a tentativa de sintetizar as antigas práticas artesanais – a execução de trajes sob medida bem ajustados - com a da produção em série de trajes – onde um mesmo modelo deveria ser confeccionado em diversos tamanhos padronizados. Num contexto onde a mecanização dos processos de produção era a última novidade, inúmeros métodos foram inventados, ajudados por diversos engenhos que tinham por objetivo aperfeiçoar o levantamento das medidas. 3

O desenvolvimento da técnica de modelagem se deu em três direções: em 1811, o alemão F. S. Bernhardt desenvolveu um método utilizando um retângulo para circunscrever o traçado do molde, utilizando o sistema proporcional de medidas; em 1828, o italiano Compaing desenvolveu, a partir do método de Bernhardt e utilizando conhecimentos de matemática, álgebra e geometria, um método em que determinava os pontos de comprimento e largura mediante linhas longitudinais e transversais, o que possibilitou a reprodução precisa do traçado reduzido e numerado em centímetro ou polegada, em diferentes grandezas; na década de 50 do século passado, Basile Scariano propôs um método de corte em que utilizava triângulos para representar geometricamente as partes do busto. Embora esses métodos apresentassem problemas técnicos (o sistema proporcional demandava que se obtivessem medidas de controle, o método de triangulação não resolveu o problema da convexidade sendo, portanto, bastante distante de uma precisão num sentido geométrico), essas novas propostas metodológicas devem ser entendidas como tentativas de aperfeiçoamento científico, quer dizer, como a atualização de um saber e a afirmação de um novo status, que transformou pouco a pouco a profissão de alfaiate. Ao mesmo tempo, tais progressos não impediram que mesmo naquela época prevalecesse uma desordem de saberes no campo da alfaiataria. Basta lembrar que, os conhecimentos científicos empregados para a elaboração dos novos métodos, não estavam ao alcance da maioria dos alfaiates, os quais tinham, como ainda hoje, um treinamento profissional bastante desigual. Por outro lado, na prática, não se pode seguir um sistema rigorosamente geométrico, já que uma metodologia que dê conta das diversas concavidades e protuberâncias do corpo humano seria muito complexa e pouco prática, não se adaptando ao trabalho comum do alfaiate. Sem dúvida em razão da especialização tardia das costureiras, no que se refere ao direito adquirido de confeccionar roupas femininas (BOUCHER: 1983, 270), existem muito poucas informações detalhadas sobre moldes e instruções de costura fora do domínio da alfaiataria antes do final do século XIX. O mais antigo livro de moldes de peças de vestuário feminino parece ter sido o The World of Fashion, editado em 1836, na Inglaterra. No final do século XIX já havia moldes de diversos trajes femininos incluídos em suplementos de trabalhos manuais. Em torno de 1840, a produção de trajes feitos em casa já era muito comum junto às camadas médias inglesas. A partir dessa época, existem vários livros com moldes e diagramas 4

com informações sobre a confecção das peças. Na França, o mais antigo foi editado em 1844. As peças de vestuário eram feitas inteiramente à mão, mas a partir de 1860, com a expansão do uso da máquina de costura, peças artesanais tornaram-se cada vez mais raras. III No Rio de Janeiro, como ainda hoje e em outros lugares, o bom nome de um alfaiate ou de uma modista estava invariavelmente associado às camadas dominantes. O domínio das técnicas de corte, um dos diferenciais nessa categoria profissional, era muitas vezes guardado em segredo. Muitas costureiras que mantinham um atelier de costura escondiam seus conhecimentos das ajudantes, deixando para cortar o modelo durante a noite, quando não havia ninguém para olhar (SALGADO:1997). Eram chamadas modistas as costureiras que mantinham um atelier com várias ajudantes, comercializavam acessórios e orientavam as clientes sobre as melhores combinações de tecidos e cores. Nas famílias de classe média e alta, o mais comum era manter uma costureira que trabalhava por dia, geralmente uma vez por semana, que supria a família de roupa caseira. Para os acontecimentos mais importantes, contratava-se uma costureira de renome (BARROS: 1998, 19 e GRAHAM:1992, 18,76 e 116). As qualidades de um alfaiate diferiam bastante das de uma modista: o bom alfaiate deveria dominar a técnica e conhecer os recursos dos materiais utilizado de modo a construir um vestuário bem talhado e estruturado, enquanto a modista deveria saber reproduzir um modelo através de noções de corte e orientar a cliente para o que melhor lhe conviesse nos termos da última moda. Muitas pessoas que se dispunham a costurar não chegavam a ter uma formação mais aprofundada. Para alguém habilidoso, bastava desmontar uma peça de vestuário para copiá-la. Com o tempo, a prática proporcionava a segurança necessária para introduzir pequenas modificações no modelo original. Esse procedimento era sem dúvida muito comum e poderia levar uma dona de casa a se aventurar nos domínios da alfaiataria, como relatou uma das costureiras entrevistadas (NACIF, 1997), ela própria formada pelo curso Toute-Mode: “Minha mãe sabia costurar muito bem sem nunca ter aprendido. Ela fazia paletó melhor do que um alfaiate.” Mena Fialla, da Casa Canadá, que dos anos 40 aos 60 inovou na forma de comercializar roupas prontas, vestindo mulheres das camadas dominantes da sociedade brasileira, relata (FIALLA, 1996): 5

“Nós chegávamos a desmanchar um vestido para ver como ele era feito para fazer exatamente igual, se tivesse dificuldade de interpretar desmanchava e depois repunha tudo no lugar.” A multiplicação dos manuais de corte e dos cursos profissionalizantes no Rio de Janeiro parece indicar a difusão desses ensinamentos a partir do século XIX, mas especialmente nos primeiros quarenta anos do século XX. Nessa época, a comercialização de roupas prontas atendia ao consumo de luxo, muito restrito, ou a roupas confeccionadas em grande escala com um padrão mais popular, e a maioria das pessoas vestia-se com roupas sob medida (FERRON: 1996, 57)2. De um modo geral, a formação desta mão-de-obra se dava nas oficinas de alfaiataria, onde havia normas de ofício bastante rígidas que limitavam a entrada de aprendizes, uniformizavam a aprendizagem e seguiam uma rígida hierarquia de funções, divididas entre cortadores, oficiais e aprendizes (em francês, coupeurs, apprêteurs e pompiers). O cortador tomava a medida do cliente, seja no salão de provas ou em domicílio, cortava o tecido que era dado a alinhavar e costurar pelos ajudantes de cortador; era também o cortador que fazia as provas do traje, sendo a peça chave de um atelier. O aparelhador vinha em segundo lugar: era geralmente um ajudante de cortador que atuava no corte dos forros, mas sendo também encarregado de pregar botões e galões. Ao oficial encarregado dos retoques, cabia alinhavar e, também, desmanchar e consertar os defeitos. Os alfaiates mais requisitados deveriam ser exímios cortadores, trabalhar somente com materiais da melhor qualidade (que eles mesmos costumavam comercializar) e estar sintonizados com as novas propostas estéticas. A escolha de um material de boa qualidade e o domínio das técnicas de corte era a garantia de um trabalho superior em qualidade, uma vez que o caimento do traje dependia da boa qualidade da fibra e da habilidade com que fosse cortado e costurado. Os métodos de corte para os trajes femininos diferiam quanto à peça de roupa. Aquelas peças que eram derivadas do repertório masculino, como casacos, saias retas, coletes etc., eram feitas por alfaiates ou por costureiras que empregavam um método de corte de alfaiataria. Para outras peças de roupa, como saias moles, blusas, vestidos etc., eram empregados métodos de costura muito variados e muitas vezes empíricos. 2

A autora se refere a dois grupos distintos de confecção que existiam em São Paulo na década de 1940: uma, em grande escala, produzida para um público de baixa renda e destinada a ser enviada para outras cidades do interior; e outra, dedicada à confecção de artigos de luxo.

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Um exemplo é a metodologia de trabalho de Madeleine Vionnet, importante costureira francesa, que manteve uma casa de alta-costura em Paris e teve seu apogeu no final dos anos 1920 e durante toda a década de 30. Vionnet contribuiu para o desenvolvimento da costura feminina com inúmeras inovações, destacando-se sua habilidade em criar peças de roupa em tecidos enviesados. Seu método consistia em estudar o caimento do tecido num pequeno manequim de madeira, cortando a peça e ampliando-a em tecidos muito largos, especialmente encomendados para esse fim. O treinamento para o ofício da alfaiataria iniciava-se no início da adolescência, quando o jovem aprendiz assalariava-se em oficinas e alfaiatarias ou freqüentava escolas profissionais que treinavam os alunos em ofícios manuais3. Em algumas famílias de imigrantes portugueses, italianos, ou espanhóis, radicados nas principais cidades brasileiras, os conhecimentos técnicos necessários para cortar e costurar profissionalmente eram passados de geração em geração. Nas primeiras quarenta décadas do século XX, cursos técnicos muito variados (academias de corte e costura, cursos por correspondência, liceus de artes e ofícios e escolas profissionais) ensinavam corte, costura e bordado para senhoras e crianças, e roupa branca para homens, mas também técnicas de alfaiataria e chapelaria (FERRON: 1996, 210)4. O curso Toutemode, inaugurado em 1938, visava formar mão-de-obra especializada no ofício de costureira, alfaiate, chapeleira etc., conferindo diplomas regulamentados pelo MEC. No final do período de ensino, que durava geralmente dois anos, os alunos eram examinados por uma banca de professores credenciados pelo Ministério, quando deveriam dar provas de conhecimentos e habilidades técnicas, interpretando um molde escolhido pela banca para esse fim e apresentando um conjunto de peças feitas. As habilidades necessárias para a execução de peças de vestuário faziam parte de um conjunto de ações mecânicas, necessárias à execução de trabalhos manuais que desde muito cedo eram ensinados às meninas de diferentes extratos sociais. Antes mesmo de ingressarem nos colégios, meninas de seis ou oito anos eram iniciadas na costura e no bordado pelas mães ou por outras mulheres da família. Esses exercícios eram executados em panos de amostras,

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No Diário do Congresso Nacional, anno XVIII, 1/11/1906 n° 149 p. 2737, encontra-se referência aos currículos das escolas profissionais. O Sr. Nilo Vieira, alfaiate mineiro radicado no Rio de Janeiro desde a década de 50, relatou em entrevista, que aprendeu a costurar como aprendiz junto de um alfaiate, aos 13 anos, tendo feito mais tarde, um curso para obter o diploma. 4 Durante a década de 1940, segundo a tese já citada de Wanda M. Ferron acentuaram-se as diferenças na formação profissional entre homens e mulheres no trabalho, diferenças que se tornaram bem perceptíveis em razão da nova formação profissional que se ajustava inteiramente às necessidades da indústria. O avanço da produção em série na indústria de confecção levava à fragmentação do ofício, que tinha como conseqüência a divisão de tarefas em postos de trabalho diferenciados.

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testemunhos das tentativas e êxitos, nos quais se alinhavam, lado a lado, o traçado finamente executado pela habilidosa bordadeira e os pontos ainda toscos da aprendiz. O ensino dos trabalhos de costura aplicava-se aos vários segmentos da sociedade, mas os seus diversos significados reproduziam diferenças sociais. Nos extratos mais elevados, o aprendizado conferia refinamento de gestos e respeitabilidade: a habilidade requerida destinava-se à execução de costuras e bordados requintados, enfatizando as competências femininas de modo a que as mulheres não se tornassem ociosas. Na educação das meninas de condição mais modesta, o ensino da costura e do bordado objetivava o desenvolvimento de aptidões que servissem como opções de trabalho, especialmente porque tais atividades permitiam que a mulher conciliasse o trabalho com as atividades familiares. Mocinhas empregadas em casas de família como pagens também eram instruídas nas artes da costura, auxiliando na confecção doméstica de trajes e ao mesmo tempo aprendendo um novo ofício. Para facilitar a confecção doméstica de trajes, havia revistas ilustradas e manuais de corte. As revistas de moda mais procuradas eram geralmente francesas, mas também havia revistas inglesas, americanas ou alemãs, além das brasileiras, que continham moldes de peças de vestuário com instruções de como costurá-las (REMAURY; 1994, 262 e DAVENPORT: 1976, 407, 530 e 657)5. Eram comuns, no Rio de Janeiro, as revistas importadas como o Journal des Demoiselles, que além das variedades literárias, contos e novelas, também continham trechos de música (romances, quadrilhas e polcas), receitas de tricô, de comida e mais de vinte pranchas com figuras de padrões de tamanho natural de vestidos, fichus, pelerines, chapéus, bonés, manteletes, trajes de meninos e meninas, além de desenhos de bordados para golas, punhos, lenços, bonés, vestidos, coletes, canezous, anáguas, camisolas etc (JOURNAL DES DEMOISELLES: 1857). Havia também muitas publicações em português, cujas ilustrações eram publicadas na França. É o caso, por exemplo, d‟A Rainha da Moda, que já em 1916 era impressa exclusivamente para a Casa Sloper e Irmãos, ilustrada com lindas gravuras das últimas modas,

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A publicação periódica de artigos e gravuras de moda parece ter começado na França, no final do século XVI. Ao mesmo tempo havia diversos artistas gráficos que reproduziam estampas com personalidades da corte e da sociedade parisiense, sem, no entanto serem verdadeiras gravuras de moda. O desenvolvimento dessas gravuras se deu a par do interesse geral que a corte de Luiz XIV despertava, incluindo aí a moda francesa. É somente a partir de 1760 que começam a se multiplicar as revistas de moda francesa, que darão origem à importante imprensa especializada da atualidade.

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e que dava grátis, em cada número, o molde de uma peça de vestuário feminino (FON!FON!: 1916). No Brasil, até o final da década de 20 as revistas ilustradas de variedades continham seções de trabalhos manuais e colunas de moda onde eram descritas as principais tendências da moda parisiense. Essas revistas também eram ilustradas com desenhos e fotografias das atrizes e atores de cinema de Hollywood, que eram modelos muito populares, divulgando, além da moda do período6, todo um estilo de vida. A imprensa de moda especializou-se a partir da década de 30 como conseqüência da consolidação da forma empresarial da imprensa em geral (SODRÉ: 1966,427). Antigas revistas ilustradas de variedades ainda coexistiram com um novo tipo de publicação periódica, as revistas de trabalhos manuais e as revistas de modas, como Moda e Bordado, por exemplo, que continham quase exclusivamente modelos e moldes com explicações de como executar a peça. Essas revistas, muito populares, serviam a camadas sociais urbanas médias e baixas, ou a camadas médias de cidades do interior. Na capital, pessoas que compunham as camadas altas e médias continuaram a recorrer às revistas importadas, francesas, italianas e mesmo alemãs por todo o período, garantia de informações mais balizadas. Revistas como Burda, La Femme Chic, l’Officiel de la Couture et de la Mode de Paris e Marie Claire7, entre outras eram utilizadas por alfaiates, modistas e também por mulheres que pertenciam àquelas camadas sociais. IV Além da prática doméstica da confecção de trajes para família, a costura e o bordado eram ensinados nos colégios femininos como parte dos conhecimentos necessários à formação da mulher (FERRON, 1997, 35, 57 e 93 e ARAÚJO: 1993, 71-72). A formação da mão-deobra era bastante desigual, contanto muito a experiência prática que jovens ou mesmo

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Muitas revistas de moda apareceram nas décadas de dez e vinte, mas tiveram vida curta, como A moda de Paris (1916 – 1922), A moda do Dia (1913 – 1914?), Brasil Moda (1926 – 1927), Casa e Moda (1920). Outras revistas femininas, como Dona de Casa (1923 – 1935), Jornal da Mulher (1930 – 1943), Jornal das Moças (1914 – 1950), Jornal Feminino (1930?) não sobreviveram à modernização da imprensa, que a partir da década de 1930, passou a oferecer publicações direcionadas a diversos públicos. As revistas de moda que continham moldes e instruções de execução dos modelos como Moda e Bordado (1932 – 1956?) eram direcionadas a camadas médias do interior ou camadas mais baixas da população urbana carioca. 7 Burda é uma revista mensal alemã, fundada em 1949 por Aenne Burda, com mais de 4 milhões de exemplares em todo o mundo; direcionada para um público feminino jovem e com recursos medianos, propõe também modelos para mulheres mais velhas: são apresentados modelos, moldes e instruções para a leitora confeccionar ela mesma seu traje. La femme chic era uma revista mensal de luxo, criada em 1911 pelas Editions Louchel, apresentando a alta–costura ilustrada por famosos artistas gráficos, e depois da II Guerra Mundial, por importantes fotógrafos, tendo desaparecido em 1971. Marie Claire é uma publicação semanal francesa, lançada em 1937, que revolucionou a imprensa feminina pelo formato e programação visual cuidados, pelo preço acessível e pelos conselhos práticos e técnicos; seu público é normalmente composto por leitoras de províncias francesas; sua publicação foi interrompida em 1944 e retomada em 54. Atualmente, modistas continuam a utilizar revistas importadas como a italiana Collezione ou a espanhola Ola, dentre outras.

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crianças de ambos os sexos, adquiriam junto a pessoas com mais experiência, que tanto podiam ser familiares como algum vizinho ou profissional de renome. Neste período, a oferta de cursos profissionalizantes, alguns por correspondência, contribuiu para ampliar a reprodução dos saberes, e ao mesmo tempo, especializa-los. Através dos anúncios publicados em periódicos, nota-se que os cursos pretendiam atender pessoas de modo que estas pudessem aprender um ofício e trabalhar por conta própria (como é o caso da modista ou do alfaiate que poderia montar um atelier próprio), formavam mão-de-obra assalariada para trabalhar em oficinas e ateliers de costura e também permitiam a difusão desses conhecimentos através do ensino: “Em 5 meses uma perfeita modista. Cursos de Cortadeira técnica com diploma de contra-mestra ou nos Cursos Especializados com diploma de Professora. Cursos completos para alfaiates, com diploma de Cortador Técnico, dos famosos Métodos de Corte para Homens.”(ANUÁRIO DAS SENHORAS: 1952, 8) Se por um lado, o início do século XIX marca um período em que a livre concorrência é uma conseqüência da supressão das corporações artesanais, por outro, percebe-se ao longo dos séculos XIX e XX, uma continuidade na divisão da produção dos trajes: os alfaiates ainda tinham o privilégio de costurar peças de vestuário para ambos os sexos, e as tentativas femininas de trabalhar na confecção da indumentária masculina sofriam forte resistência. Trajes femininos e infantis e roupas de baixo eram feitos pela costureira, enquanto a modista fazia, enfeitava ou vendia trajes femininos segundo a última moda. As práticas profissionais do alfaiate e da costureira organizavam-se em situações distintas: havia a atividade por conta própria, em que o profissional era proprietário de seus instrumentos de trabalho e havia o trabalho assalariado em oficinas de confecção de diversos portes. As costureiras podiam também se empregar como diaristas, que eram pouco mais que empregadas domésticas: recebiam por sua produção diária, comida e pagamento, que geralmente era feito ao término do dia. A jornada de trabalho durava em média dez horas, e o salário correspondia ao que se pagava às lavadeiras. Por outro lado, modistas famosas, como foi o caso de Mena Fialla e sua irmã, Cândida Guzman, que antes de comandar os trabalhos dos ateliers da Casa Canadá na Avenida Rio Branco, atendiam a uma clientela abastada no Largo do Machado, eram capazes de reproduzir

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e aconselhar sobre as últimas tendências da moda parisiense, bem como compor com criatividade, toaletes adequadas ao estilo de vida da elite carioca. A trajetória por que passou a constituição do ofício da costureira e sua valorização social é bastante ambígua, contribuindo para que os saberes não se especializassem no mesmo sentido que os do alfaiate. Mesmo os métodos de construção de peças de vestuário de cada categoria profissional definem-se por uma oposição: enquanto a técnica da alfaiataria consiste na construção de vestuário estruturado, recortado e ajustado, a técnica de costura (REMAURY: 1994, 210 e 526)8 consiste na construção de peças leves, largas e afastadas do corpo, características de camisas, camisolas, vestidos e trajes amplos. O talento e a habilidade pessoais conferiam a essa mão-de-obra diversos status. Grandes alfaiates se destacavam por seus conhecimentos técnicos de corte e materiais, pela habilidade com que conseguiam conformar os diversos tipos físicos à elegância prescrita pela moda, ou ainda pelo gosto com que sugeriam as escolhas das formas e padrões de tecidos. A valorização simbólica do traje feito sob medida, ou seja, da alfaiataria de luxo, estava a serviço dos novos valores burgueses. Não só nos modos e nas práticas sociais se afirmavam os valores de classe, mas também na aparência, expressa pelo aspecto visual do vestuário masculino, para cuja elaboração a especialização do corte contribuiu.

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Para uma maior clareza, utilizei o termo costura em vez da tradução literal do termo francês “flou” (suave, vaporoso) como é designada nessa língua a técnica utilizada para a construção dos trajes feitos pela costureira.

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